O Estado, para a consecução do interesse público, exerce diversas formas de
intervenção na esfera privada, que podem ser tanto restrições à propriedade quanto
atuações no domínio econômico. O Direito Administrativo, ramo que disciplina a
administração pública, trata dessas intervenções.
Restrição do Estado à Propriedade
A propriedade, que historicamente congregava poderes absolutos de uso, gozo e
disposição, evoluiu para um sentido social. Hoje, os poderes inerentes à propriedade não
podem ser exercidos ilimitadamente, pois coexistem com direitos alheios e interesses
públicos maiores. É nesse ponto que a propriedade entra na órbita do direito público,
submetendo-se a um regime jurídico derrogatório e exorbitante do direito comum.
O fundamento para essas restrições reside no poder de polícia e na função social da
propriedade.
1. Poder de Polícia: Constitui a atividade estatal de condicionar a liberdade e a
propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos. Em sentido amplo, abrange
toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais,
englobando atos do Legislativo (criação de limitações administrativas) e do
Executivo (regulamentação e fiscalização). Em sentido estrito, refere-se às
intervenções do Poder Executivo, como regulamentos, autorizações, licenças e
fiscalizações, destinadas a prevenir e obstar atividades particulares que
contrastem com os interesses sociais.
o Finalidade: Proteger os interesses coletivos, abrangendo aspectos
materiais, morais, culturais e ecológicos.
o Âmbito de Incidência: É bastante amplo, podendo incidir sobre
qualquer ramo de atividade que contemple a presença do indivíduo,
como construções, trânsito, higiene, profissões e meio ambiente.
o Limites: O poder de polícia não é ilimitado e está sujeito a limites
jurídicos, como os direitos do cidadão, prerrogativas individuais e
liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis. A atuação
deve ser equilibrada, proporcional e sem excessos.
o Características: O poder de polícia possui as seguintes características:
Discricionariedade e Vinculação: Pode ser discricionário
quando a Administração tem liberdade de escolha sobre a área ou
dimensão da restrição, ou vinculado quando a dimensão da
limitação já está fixada pela lei.
Autoexecutoriedade: A Administração pode executar suas
próprias decisões diretamente, sem necessidade de autorização
judicial prévia, embora existam exceções.
Coercibilidade: Os atos de polícia revestem-se de
imperatividade, podendo a Administração usar a força, se
necessário, para garantir a observância de seus comandos.
o Delegabilidade: O poder de polícia é uma atividade típica do Estado e,
em regra, indelegável a particulares desprovidos de vínculo oficial.
Contudo, a doutrina e o STF admitem a delegação de atos materiais de
polícia e de fiscalização (sem sanção) a pessoas da Administração
Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista), desde que
o capital seja majoritariamente público e prestem serviço público
essencial fora do regime concorrencial.
2. Função Social da Propriedade: Inspirada na doutrina social da Igreja, a função
social da propriedade justifica a imposição de restrições ao exercício do direito
de propriedade em benefício do interesse público. Ela pode abranger aspectos
negativos (limitações de não fazer) e positivos (obrigações de fazer, como o
dever de utilização da propriedade).
Modalidades de Restrição à Propriedade Privada:
Limitações Administrativas: Medidas de caráter geral, previstas em lei, que
impõem obrigações positivas ou negativas aos proprietários indeterminados, sem
direito a indenização, pois são inerentes ao próprio perfil do direito de
propriedade.
Ocupação Temporária: Utilização transitória, gratuita ou remunerada, de
imóvel particular para fins de interesse público. Afeta a exclusividade da
propriedade, mas não implica sua perda, diferenciando-se da desapropriação.
Requisição Administrativa: Incide sobre bens móveis ou imóveis, ou serviços,
em caso de perigo público iminente (em tempo de paz ou guerra), garantindo-se
indenização ulterior se houver dano.
Tombamento: Visa à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. É
uma restrição parcial que, em regra, não gera direito a indenização, salvo
prejuízo comprovado.
Servidão Administrativa: Impõe um encargo a um imóvel particular em
benefício de um serviço público ou de utilidade pública, como a passagem de
redes elétricas.
Desapropriação: É a supressão do direito de propriedade pelo Estado, por
necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa
indenização.
o Competência: Pode ser promovida pela União, Estados, DF e
Municípios. A União pode desapropriar bens de entidades menores
(Estados, Municípios), mas o inverso não é possível, tornando os bens
federais, em regra, inexpropriáveis. A desapropriação de imóveis rurais
para reforma agrária é de competência exclusiva da União.
o Desapropriação Indireta: Ocorre quando a Administração ocupa uma
propriedade privada sem prévio processo de desapropriação, afetando o
bem para uso público de forma irreversível.
Parcelamento e Edificação Compulsórios: Impostos ao proprietário que não
utiliza adequadamente sua propriedade, visando ao cumprimento da função
social.
Intervenção do Estado no Domínio Econômico
O Estado atua no domínio econômico para realizar o interesse coletivo, em substituição
ao Estado liberal que priorizava a liberdade de iniciativa. Essa atuação pode ocorrer de
diversas formas:
1. Exploração Direta de Atividade Econômica:
o Pelo próprio Estado (Administração Direta): A Constituição permite a
exploração direta pelo Estado apenas excepcionalmente, quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo.
o Por meio de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista: São
entidades da Administração Indireta, dotadas de personalidade jurídica
de direito privado, utilizadas pelo Estado para a exploração de atividade
econômica ou prestação de serviços públicos.
Regime Jurídico: Apesar de serem controladas pelo Estado,
essas entidades, quando exploram atividade econômica, sujeitam-
se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários.
Bens: Em regra, seus bens são considerados bens privados. No
entanto, há entendimento do STF de que empresas estatais
prestadoras de serviços públicos essenciais, em regime não
concorrencial e sem intuito lucrativo primário, podem ser
equiparadas à Fazenda Pública para fins de impenhorabilidade de
seus bens e sujeição ao regime de precatórios.
Criação e Extinção: Dependem de prévia autorização legal
(princípio da autorização legislativa), não bastando a lei por si só
para sua criação. Para a extinção, em regra, também se exige lei
específica, mas o STF já decidiu que para a inclusão em
programa de desestatização, a autorização genérica em lei que
veicule o programa é suficiente.
Diferenças: Empresas públicas têm capital integralmente público
e podem ter qualquer forma societária, enquanto sociedades de
economia mista têm capital misto e devem ter a forma de
sociedade anônima.
Lei nº 13.303/2016 (Estatuto das Estatais): Esta lei estabeleceu
um estatuto jurídico para empresas públicas, sociedades de
economia mista e suas subsidiárias, abrangendo tanto as que
exploram atividade econômica quanto as prestadoras de serviços
públicos. Ela prevê regras mais flexíveis em licitações e contratos
do que a Lei nº 14.133/2021.
2. Regulação (Agente Normativo e Regulador): O Estado atua como agente
normativo e regulador da atividade econômica, exercendo função fiscalizatória.
o Agências Reguladoras: São autarquias de regime especial, criadas para
regular, controlar e fiscalizar a execução de serviços públicos
(especialmente após privatizações) ou atividades econômicas de
relevância social. Elas buscam maior autonomia e tecnicidade para evitar
a "captura" por agentes econômicos ou políticos.
3. Fomento: O Estado subsidia, incentiva e ajuda a iniciativa privada quando esta
atua em benefício do interesse público, como na área econômica ou social.
4. Repressão ao Abuso do Poder Econômico: O Estado também atua para
reprimir condutas que visam à dominação dos mercados, como trustes, cartéis e
dumping.
A desestatização, ou privatização, é um processo de afastamento do Estado da execução
de atividades empresariais e serviços públicos, transferindo-as para a iniciativa privada.
Essa transformação muitas vezes implica a mudança do regime de delegação legal
(paraestatais) para o de delegação negocial (concessões e permissões). As Parcerias
Público-Privadas (PPPs) são instrumentos importantes nesse contexto, permitindo a
colaboração entre o Estado e a iniciativa privada para a execução de empreendimentos
de infraestrutura e serviços públicos, com repartição objetiva de riscos.