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Poesia Vilarejos

O documento apresenta a composição do Conselho Editorial do Senado Federal para o biênio 2023/2024, destacando os membros e suas respectivas funções. Além disso, inclui informações sobre a obra 'Poesia para Vilarejos' de Bruno Muniz, que explora a diversidade e a interpretação da arte, especialmente da poesia, e suas múltiplas compreensões. O texto também traz reflexões sobre a criação poética e a experiência do leitor com a obra.

Enviado por

Bruna Seibert
Direitos autorais
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O documento apresenta a composição do Conselho Editorial do Senado Federal para o biênio 2023/2024, destacando os membros e suas respectivas funções. Além disso, inclui informações sobre a obra 'Poesia para Vilarejos' de Bruno Muniz, que explora a diversidade e a interpretação da arte, especialmente da poesia, e suas múltiplas compreensões. O texto também traz reflexões sobre a criação poética e a experiência do leitor com a obra.

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Bruno Muniz

SENADO FEDERAL CONSELHO EDITORIAL

Mesa
Biênio 2023/2024 Senador Randolfe Rodrigues
PRESIDENTE

Senador Rodrigo Pacheco Esther Bemerguy de Albuquerque


PRESIDENTE VICE - PRESIDENTE

Senador Veneziano Vital do Rêgo CONSELHEIROS


1º VICE- PRESIDENTE Alexandre de Souza Santini
Senador Rodrigo Cunha Rodrigues

Bruno Muniz
2º VICE- PRESIDENTE Ana Cláudia Farranha
Ana Flavia Magalhães Pinto
Senador Rogério Carvalho Ana Maria Veiga
1º SECRETÁRIO Alcinéa Cavalcante
Senador Weverton Bruno Lunardi Gonçalves
2º SECRETÁRIO Carlos Ricardo Cachiollo
Eduardo Rômulo Bueno
Senador Chico Rodrigues
Esmeraldina dos Santos
3º SECRETÁRIO
Fernando Pimentel Canto
Senador Styvenson Valentim Heloisa Maria Murgel Starling
4º SECRETÁRIO Ilana Trombka
João Batista Gomes Filho
SUPLENTES DE SECRETÁRIO Marco Américo Lucchesi
Senadora Mara Gabrilli Nathalia Henrich
Senadora Ivete da Silveira Rafael André Chervenski da Silva
Senador Dr. Hiran Victorino Coutinho Chermont de
Senador Mecias de Jesus Miranda
Bruno Muniz
SENADO FEDERAL CONSELHO EDITORIAL

Mesa
Biênio 2023/2024 Senador Randolfe Rodrigues
PRESIDENTE

Senador Rodrigo Pacheco Esther Bemerguy de Albuquerque


PRESIDENTE VICE - PRESIDENTE

Senador Veneziano Vital do Rêgo CONSELHEIROS


1º VICE- PRESIDENTE Alexandre de Souza Santini
Senador Rodrigo Cunha Rodrigues

Bruno Muniz
2º VICE- PRESIDENTE Ana Cláudia Farranha
Ana Flavia Magalhães Pinto
Senador Rogério Carvalho Ana Maria Veiga
1º SECRETÁRIO Alcinéa Cavalcante
Senador Weverton Bruno Lunardi Gonçalves
2º SECRETÁRIO Carlos Ricardo Cachiollo
Eduardo Rômulo Bueno
Senador Chico Rodrigues
Esmeraldina dos Santos
3º SECRETÁRIO
Fernando Pimentel Canto
Senador Styvenson Valentim Heloisa Maria Murgel Starling
4º SECRETÁRIO Ilana Trombka
João Batista Gomes Filho
SUPLENTES DE SECRETÁRIO Marco Américo Lucchesi
Senadora Mara Gabrilli Nathalia Henrich
Senadora Ivete da Silveira Rafael André Chervenski da Silva
Senador Dr. Hiran Victorino Coutinho Chermont de
Senador Mecias de Jesus Miranda
POESIA PARA VILAREJOS

©
2024 Bruno Muniz; Senado
Capa e diagramação: Erika Albuquerque Penha
Capa original: Igum Djorge
Diagramação original: Camila Gabarrão
Revisão: Mariana Sanmartin de Mello

Muniz, Bruno.
Poesia para vilarejos / Bruno Muniz. — Brasília : Senado Federal,
2024.
138 p. : gravs.

ISBN: 978-65-5676-490-0

1. Poesia, Brasil. 2. Literatura, Brasil. I. Título.

 CDD B869.1

Ficha elaborada por Alessandra Marinho da Silva CRB-1 2102

Junho de 2024
Impressão SEGRAF
Papel de miolo couchê fosco 180g/m² e 230g/m²

Papel de capa couchê fosco 230g/m²

Tipografia bilo regular / bungee regular


A arte está de mãos dadas com a diversidade, perpassa a huma-
nidade sem escolher raça, credo, classe social ou qualquer ideo-
logia. É algo do ser, enquanto humano. Nela não há limites, nem
para criação, muito menos para interpretação. É criada, enten-
dida e em seguida recriada num processo de retroalimentação
constante. Arte gera arte, que gera arte, que gera arte...
Uma de suas maravilhas é a pluralidade de compreensões possí-
veis a partir de uma só obra. Cada observador enxergará algo di-
ferente, por vezes inusitado e até oposto à ideia original do autor.
Cada um de nós experimentará sentimentos os mais diversos ao
sermos apresentados a um mesmo poema, por exemplo. Trare-
mos conosco as experiências vividas, traumas, medos, desilusões,
alegrias e conquistas. Se é verdade que com nossas atitudes so-
mos capazes de mudar o mundo, também o é que somos em parte
moldados e persuadidos pelo meio em que estamos inseridos.
Nessa simbiose, somos diferentes; pensamos diferente; perten-
cemos a realidades diferentes; vivenciamos, sofremos e reagimos
diferente a circunstâncias de vida diferentes; sentimos diferente.
Ao interpretar um poema, não poderia ser diferente.
Assim, é bem possível que, ao pedir para duas pessoas pintarem
uma tela a partir de um poema com linda declaração de amor,
uma desenhe um formoso jardim repleto de flores, borboletas e
pássaros a cantar, ou uma bela paisagem bucólica como cenário
para um casal apaixonado, enquanto a outra retrate a falsidade,
a hipocrisia e o engano. Quem sabe por ter experimentado do-
lorosa decepção de um companheiro ou companheira que lhe
desprezou, não sem antes lhe ter proferido as mais contagiantes,
doces e meigas palavras de amor. Era tudo mentira.
Se o coração é terra em que ninguém anda, desconhecido é o sen-
timento que nele habita e imprevisível a arte que dele sai.
Se mesmo Cristo, com iluminadas palavras de amor e gratidão,
conseguiu despertar ódio e rancor a ponto de ser crucificado, que
esperamos, pois, de nossa arte? Que o espectador sinta e compre-
enda como nós? Pretensão demasiada!
A arte é livre e sua graciosidade reside nos mais variados senti-
mentos que pode despertar e na multiplicidade de outras artes as
quais pode inspirar.
E você, leitor, após se deleitar com esses encantadores poemas,
que quadro irá pintar?
Tenha uma ótima leitura!

Adolpho Bonavides
O que dizer da poesia de Bruno Muniz sem repetir o dito por
outros apreciadores da sua escrita? Concordo plenamente que,
sendo jovem, sua invenção poética é maturada e reveladora da
versatilidade de um poeta compatível com a sua poesia. Da fru-
tificação atemporal donde colhe, às pencas, frutos saborosos ao
degustar do leitor. Sua poesia é um exercício, por excêlencia,
prazeroso, de um artífice em eterna busca da perfeição. Sua cria-
tividade quebra formas consagradas do sentir e inusita na com-
posição e no arranjo acordado das ideias abstratas que resultam
na concretude lúdica, ou não, desta magia chamada poesia. Faço
uma síntese do acima expresso: gosto e me enrosco nesta poesia
que atalha múltiplos caminhos do mar para aportar ou seguir to-
das as viagens impossíveis.

Manoel Bispo
Assim é a poesia desse tal de Bruno Muniz: energia limpa, colhida
no âmago das riquezas atemporais de que se nutrem os ninhais
das emoções. E como seriam os poetas desse assumido trabalha-
dor sideral, vizinho do rio, das flores, das cidades e das pessoas,
semeador do aguapé, tocador de passarinhos ou guardador de
ternuras e feitiçarias contidas sob a casca polinizada das semen-
tes. Nem tento imaginá-lo o mesmo poeta do antes ou do agora;
imagino-o, sim, outro e outros poetas que surgirão do seu incan-
savél rumo às estrelas e nascentes, no exercício lúdico ou sacri-
ficante de ser poeta desde o sempre e que seja para a felicidade
geral de seus entusiastas leitores.

Manoel Bispo
■ A obra-prima do poeta
■ Lá vai o verso
■ Quando voltas?
■ O poema mal-agradecido (porque quem

PARTE 1:
escolhe o título ainda é o poeta)
■ Um dia ainda fujo
■ Vuco-vuco
■ Furtei um verso de Drummond
■ Conselhos a um poema juvenil
■ A Reforma Maderária
■ Soneto ao sabor da quinta
■ A desvairada
■ A lua de dia
■ Poema à bananeira
■ O que tanto assuntava o poeta?

A arte às vezes me constrange


■ Um fingidor qualquer
■ Da inspiração
■ Eu sei dizer poema o dia todo
■ Poema afilado
■ Poema xenófobo
■ Poema arbóreo
■ O tímido
■ Sem questionamentos!
■ Dois dedos de prosa
■ O homem justo
■ Tropeçava tão bem a poesia
■ Desinspiração
■ Poema igual
■ É raro o dia de ter versos
■ Convite
■ As coisas de um poeta
■ Lembrança
■ Baixo-relevo
■ Da Leveza
■ Da alegria do poeta
■ Mudança
Almae Poemius Floriata

■ Epifania
■ Um fingidor de rosas
■ A luz que espanta
■ Em caixa-alta
■ Me basta um lugar pequeno
■ O rastro dentro de mim
■ De poeta pra poeta
■ Almae Poemius Floriata
■ Confesso que vivi
PARTE 2:

■ Preciso ir
Carta aos leitores:
Queridos leitoros, leitoras, leitores, leitorxs, leiteiros, letreiros,
letristas...
Meu verso-desespero vos dou por calmamente: tenho grande afi-
nidade com os versos histéricos, mas reajo por caricatura, abun-
doso de espírito, com o bom humor para que o leitor não corra do
poema como o marrom das flores. Modifico a folha pra discordar
de mim; se sei passar me pego de atropelo.
Enfim, sou apenas um homem que diz com as mãos, um poeta.
Conto a luz que vi olhando a rua — mais precisamente o Merca-
do das Coisas Furtadas — e, por conta disso, posso ser sempre
o mesmo e diferente. Então, do livro passado, mofino, em que os
versos pisam a si mesmos, onde vê-se apenas o chão das paisa-
gens, eu corro o pé como nunca viram antes (como se de capuz e
bigodes) e pergunto ao pensamento que duvida:
— Por que tão triste?
E feito mágica a alegria a ter comigo vinha.
“Nhec Nhec!”
Ouçam! range a tábua em travessia os novos versos — Torto agra-
do! — e pisam de ouro no chão!, e nos poemas prolongam-se os jar-
dins e os risos; nascem como junco os riscos de bordados no fundo
das pupilas!; se espelham no palhaço os querubins que restam!
Viva!
A alegria a ter comigo ia!
— Pago um roseiral por cento de tristezas!
“Nhec Nhec!”
“CRASH!!”
Ocorre que trago cicatrizes ainda no rascunho...
“Esta semana eu percebi que não conhecia a poesia de nenhum
poeta brasileiro contemporâneo, saí pelo Rio de Janeiro todo atrás
de livrarias; comprei uns 15 livros (...)
(...) Não gostei de nenhum.”

Renato Russo
Ilustradores

Abmael @abmaelart Jeriel Luz @jerielluz


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Adriane Corrêa @adrianecorreaart josimarbarrossales
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Ivam Amanajás @ivamamanajas Willian Cruz @willcruz_1
J. Márcio @carvalhojmarcio Yan Amanajás @yanamanajas

O conteúdo da obra e sua revisão são de total responsabilidade do autor.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2024
PARTE 1
A arte às vezes me constrange
A OBRA-PRIMA
DO POETA

O poeta ia andando, examinando atentamente a poeira que lhe


cobria os passos, os cabelos desgrenhados feito um cachorro
que secou no tranco e, debalde, feirantes gritam anunciando a
madureira do abacate. Em volta das tabernas os bêbados dor-
miam — pois o céu do dia vendiam sem estrelas. E parou, de
súbito, com sua “caneta Bilac”, na estrada da vida, ou melhor,
na calçada. Baixou urgente papéis ao assoalho e às paredes,
mas o vento levou a folha — mal colocada embaixo do tijolo
— e tão rapidamente correu o espírito — juntado ao braço —
e espalhou-se até o meio da Rua do Caminho Extremo, mas
por sobre um muro sumia o verso livre. Lá se vai a obra-prima
do poeta, seu Prêmio Camões, seu Jabuti — Jabota/Jabutx!?
(novos tempos); lá se vai o Nobel, o fardão e o english tea per-
pétuo. “Pelo menos tentei”, disse triste de se calar dentro e
fora. Qual Quintana, tentou, o poeta, a tentativa dos pastos de
serem verdes no estio.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
LÁ VAI O VERSO

Esquece que é poema


um verso insatisfeito
e sai como fosse gente (de nascença e por direito).
— Lá vai o verso,
que que ele tem?
— Acha que é gente, alma também.
Passa manhoso puxando a gente.
Parece homem, mas só que sente.
— Olha que anda descadeirado.
— Ou bamboleia fosse um quadrado?
— Do pé de jambo ele saiu.
— Ou foi do mato, pegando abiu?

Cheira que entra pelos pulmões!


Sinto à garganta os beliscões.

— E é só um livro, e mudo.
— É só um verso,
e é tudo.

Pois já sofreu que só


quando nem era papel, era quina-de-cipó
(o sentimento do mundo
sumido no mato fundo).

— E é só um livro, e mudo; é só um verso,


e tudo.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
QUANDO VOLTAS?

Não insisto em ninharias, Cri cri cri


a bobagem escrita dói na luz; Te imagino e teu vestido rindo,
quando não passas por mim, pauso o poema. pinto-o mal porque não sinto o peso.
Cri cri cri Também não sinto a curva, a anca, o bamboleio porque não
Tantas palavras sem pavio à tua espera! vens.
Cri cri cri Cri cri cri
Ouço o barulho do soro na veia. Olha as folhas crescendo em tamanho!
Cri cri cri Cri cri cri
Quando voltas? Dos deveres da espinha, o melhor é te esperar;
Pensarei teus pés a te levar pra trás por tantas vezes quanto os cabelos já quase tocam os olhos.
insista o pensamento. Cri cri
Até os grilos já vão perdendo a voz,
Cri cri cri mas tenho fé nos santos mais secretos,
Vem! bato as latas, ouves? e por isso te espero; e por isso e por tudo.
Estou quase deixando os vizinhos em choque. Cri
E este maldito grilo que não cala? Troco o peso de perna e de missal.
Cri cri cri
As aves marinhas sentam-se aos canos dos faróis e os lírios,
Carrego o que te escrevo a toda parte; em soluço, mancham em formas tímidas o jardim.
as músicas, se te soubessem, dariam mudas;
e o infinito, fundo e bordas. Mas as minhas mãos ainda dão ao roseiral.
Cri cri cri
Grilo maldito! Agora até os grilos dormem;
CRI CRI CRI só não os gondoleiros, os vaga-lumes e os bichos de pé.
Farei no meu poema barricadas,
não haverá grilo algum por testemunha. E eu te espero.
E ainda sou feliz.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
QUANDO VOLTAS?

Não insisto em ninharias, Cri cri cri


a bobagem escrita dói na luz; Te imagino e teu vestido rindo,
quando não passas por mim, pauso o poema. pinto-o mal porque não sinto o peso.
Cri cri cri Também não sinto a curva, a anca, o bamboleio porque não
Tantas palavras sem pavio à tua espera! vens.
Cri cri cri Cri cri cri
Ouço o barulho do soro na veia. Olha as folhas crescendo em tamanho!
Cri cri cri Cri cri cri
Quando voltas? Dos deveres da espinha, o melhor é te esperar;
Pensarei teus pés a te levar pra trás por tantas vezes quanto os cabelos já quase tocam os olhos.
insista o pensamento. Cri cri
Até os grilos já vão perdendo a voz,
Cri cri cri mas tenho fé nos santos mais secretos,
Vem! bato as latas, ouves? e por isso te espero; e por isso e por tudo.
Estou quase deixando os vizinhos em choque. Cri
E este maldito grilo que não cala? Troco o peso de perna e de missal.
Cri cri cri
As aves marinhas sentam-se aos canos dos faróis e os lírios,
Carrego o que te escrevo a toda parte; em soluço, mancham em formas tímidas o jardim.
as músicas, se te soubessem, dariam mudas;
e o infinito, fundo e bordas. Mas as minhas mãos ainda dão ao roseiral.
Cri cri cri
Grilo maldito! Agora até os grilos dormem;
CRI CRI CRI só não os gondoleiros, os vaga-lumes e os bichos de pé.
Farei no meu poema barricadas,
não haverá grilo algum por testemunha. E eu te espero.
E ainda sou feliz.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
O POEMA
MAL-AGRADECIDO
(PORQUE QUEM ESCOLHE O
TÍTULO AINDA É O POETA)

Sê arrependido, verso ingrato! fiz-te com o colo da alma, pus-te


um coração de viver-jovem e tu vens dizer que à arte eu só me
perco? Diminua teus motores quando vieres a mim, nem de teu
verso eu gosto! Fi-lo por força de uma metonímia suburbana que
conheci no Bar da Vinte. Por que não somes? Na lua de Mercúrio
há mais do sol! Vá! sem ti serei sempre o mesmo; sem mim serás
um arrabalde sem geografia, faca de ponta escangalhada a pon-
ta. Mira! És um poema acontecendo sobre o povo; graças a mim
todos estão a ler-te! Como vens me pedir que eu encontre um
costume diverso?
Arremessem-me aos sertões que serei chuva; não haverá coisa
alguma que eu não possa! Onde já se viu! à arte eu só me perco?
EU TE INVENTO SATÉLITES! energúmeno!
Mas tudo bem, aceito. Afasto-me da arte para entrar pra história,
serei contista.
Perceba, leitor, que não desmereço um conto, este poema não
vale o que escrevo.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
UM DIA AINDA FUJO

Cá estou a procurar a lua da janela;


por mais que um verso ou outro ouse um desencontro, vê-la
cobrir o campo sempre à mesma hora me faz considerar-me um
homem culto,
desses que sempre estão à rua dos cafés.

Quem dera fosse eu um pássaro de bando!


Mas involuntário é o curso de escrever:

havemos de perceber nas formas abstratas um desvio às árvores


e coisas assim que traçamos cumprir do alto da loucura
(imaginação).

Há quem pense e faça apontamentos ao sentido agradável de


meramente existir —

Quem dera! Nós, poetas, temos por parentesco a eletricidade.

Um dia ainda fujo,


tornar-me-ei um ser antigo que apedreja a lua e se contenta à
arte do arremesso.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
VUCO-VUCO

O poeta para em frente ao balcão do mercadinho. Há gente assustada,


Abre um pano. mas os guardas sussurram. Acode!
O poeta caiu.
São duzentas reticências Pegaram o casaco do poeta.
ameaçando os tímidos As botinas, as meias, rasgam a camisa do poeta.
com seus poemas de amor. “Quem sabe na gola haja um soneto”, falou Senhor
Gepeto;
“Pago um roseiral por cento de tristezas”. “Na manga, uma sextilha”, gritou Dona Marília;
“Na braguilha da calça eu vi um verso livre”, disse,
E começa a aglomeração. corando, a pudica Judite.
Começa o empurra-empurra, o vuco-vuco.
Há gente inconformada nas filas mal-arrumadas. E o poeta se levanta com dificuldade, recolhe o pano
Mas os guardas sussurram, vazio e sai sorrindo do mercado.
como se quisessem sorrir,
e entram na fila “Na próxima eu lasco ao verso um cadeado”.
pedindo uma rima com farda e encomendando grades para uso
próprio.

E continua o empurra-empurra, o vuco-vuco.

De repente o estalo.

Acode!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
VUCO-VUCO

O poeta para em frente ao balcão do mercadinho. Há gente assustada,


Abre um pano. mas os guardas sussurram. Acode!
O poeta caiu.
São duzentas reticências Pegaram o casaco do poeta.
ameaçando os tímidos As botinas, as meias, rasgam a camisa do poeta.
com seus poemas de amor. “Quem sabe na gola haja um soneto”, falou Senhor
Gepeto;
“Pago um roseiral por cento de tristezas”. “Na manga, uma sextilha”, gritou Dona Marília;
“Na braguilha da calça eu vi um verso livre”, disse,
E começa a aglomeração. corando, a pudica Judite.
Começa o empurra-empurra, o vuco-vuco.
Há gente inconformada nas filas mal-arrumadas. E o poeta se levanta com dificuldade, recolhe o pano
Mas os guardas sussurram, vazio e sai sorrindo do mercado.
como se quisessem sorrir,
e entram na fila “Na próxima eu lasco ao verso um cadeado”.
pedindo uma rima com farda e encomendando grades para uso
próprio.

E continua o empurra-empurra, o vuco-vuco.

De repente o estalo.

Acode!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
FURTEI UM VERSO
DE DRUMMOND

Furtei um verso de Drummond.


Não resisti, peguei pra mim.
Logo eu, poeta honesto, de tracejo breve,
e agora de repente o cômodo vizinho passou na minha janela;
e a mão procura espaço à tirolesa
e olha ao longe o silo imaginado.
Que lindo!
Furtei e não me arrependo:
o riso não sabe do malfeito nem das miudezas de Itabira.
Furtei um verso de Drummond,
e agora meu verso é tão bonito!
Feito a roupa que ganha cor no cesto dos palhaços.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
CONSELHOS A UM
POEMA JUVENIL

Em primeiro lugar passe fugindo, as folhas, dos versos comuns; Uma outra coisa:
tenha a Pedra de Drummond de guia,
a boa poesia é moeda sem pátria.
siga tentando tirá-la do caminho,
Leia muito. Todos os grandes; com um esforço que lhe custe um vintém e meio,
recolha a voz dos pássaros. contra um muro,
No início, seus versos não serão de todo espontâneos, não espere do contra um raio.
mar um continente Se removê-la, passe para a estrofe seguinte.
ou de um continente duas primaveras, Caso não consiga, você pode ser dono de uma pequena editora.
pelo menos no começo.
Importante:
[Leia com cuidado os versos a seguir, não foi bem isso que eu quis não se ajeite a elogios,
dizer] invente quem te acuse.
Caso contrário, se repousa em solo imundo não o saberia.
Ri do amor, largue o amor no tanque; Cresça sem arranco os tornozelos, escreva à cerca andante cal-
o absinto ao piano é decepcionante. mamente, e, se gritar, grite a favor do vento.
Dê prioridade às formas,
busque ruídos iguais de porta em porta, estude pra ser rima, Do verso que caminha antes de crescido, duvide. Também duvide
de um poeta sem tinta no avental: todo verso é sujo atrás da folha.
leve um rol à mão: Duvide de um verso muito cintilante, tende a ser dos olhos prefe-
metonímias, assonâncias, aliterações... pelo menos no começo. ridos: “Lucy in the sky with diamonds”, a claridade é como entorpe-
cente. Prefira especiarias.
E ouça música.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange 1 2 BRUNO MUNIZ
CONSELHOS A UM
POEMA JUVENIL

Em primeiro lugar passe fugindo, as folhas, dos versos comuns; Uma outra coisa:
tenha a Pedra de Drummond de guia,
a boa poesia é moeda sem pátria.
siga tentando tirá-la do caminho,
Leia muito. Todos os grandes; com um esforço que lhe custe um vintém e meio,
recolha a voz dos pássaros. contra um muro,
No início, seus versos não serão de todo espontâneos, não espere do contra um raio.
mar um continente Se removê-la, passe para a estrofe seguinte.
ou de um continente duas primaveras, Caso não consiga, você pode ser dono de uma pequena editora.
pelo menos no começo.
Importante:
[Leia com cuidado os versos a seguir, não foi bem isso que eu quis não se ajeite a elogios,
dizer] invente quem te acuse.
Caso contrário, se repousa em solo imundo não o saberia.
Ri do amor, largue o amor no tanque; Cresça sem arranco os tornozelos, escreva à cerca andante cal-
o absinto ao piano é decepcionante. mamente, e, se gritar, grite a favor do vento.
Dê prioridade às formas,
busque ruídos iguais de porta em porta, estude pra ser rima, Do verso que caminha antes de crescido, duvide. Também duvide
de um poeta sem tinta no avental: todo verso é sujo atrás da folha.
leve um rol à mão: Duvide de um verso muito cintilante, tende a ser dos olhos prefe-
metonímias, assonâncias, aliterações... pelo menos no começo. ridos: “Lucy in the sky with diamonds”, a claridade é como entorpe-
cente. Prefira especiarias.
E ouça música.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange 1 2 BRUNO MUNIZ
Evite a confusão dos fios de alta-tensão; deixe as
simplicidades dizerem
as coisas. Leva a intimidade solta e o andado do ver-
so desconforme,
porque de salto-agulha e de verso conciso e acaba-
do a poesia é sempre doadora.

De resto, segure as pontas e as ancas, aceite as ba-


gatelas, olhe o leitor no rosto e encontre o atalho
pro gosto:
bota dendê se o verso é pra Bahia, açaí quando é ao
Grão-Pará
ou patacones si vas a Bogotá.

E, no fim de tudo isso, se um digital influencer de


meia dúzia de palavras de amor, que faz da timidez
um golpe publicitário, vender mais livros que você,

paciência,
A culpa é das estrelas hehehehehehehehhe

PARTE 1: A arte às vezes me constrange 3


Evite a confusão dos fios de alta-tensão; deixe as
simplicidades dizerem
as coisas. Leva a intimidade solta e o andado do ver-
so desconforme,
porque de salto-agulha e de verso conciso e acaba-
do a poesia é sempre doadora.

De resto, segure as pontas e as ancas, aceite as ba-


gatelas, olhe o leitor no rosto e encontre o atalho
pro gosto:
bota dendê se o verso é pra Bahia, açaí quando é ao
Grão-Pará
ou patacones si vas a Bogotá.

E, no fim de tudo isso, se um digital influencer de


meia dúzia de palavras de amor, que faz da timidez
um golpe publicitário, vender mais livros que você,

paciência,
A culpa é das estrelas hehehehehehehehhe

PARTE 1: A arte às vezes me constrange 3


A REFORMA
MADERÁRIA

Roto e gasto, o Toco conversa com o Tamborete.

De ouvido uma Cadeira senta e não balança.

De fina madeira e pregos de ouro o Trono escuta de travessa.

O Sofá, da sala, espicha o olho.

“Lá vem o Toco reclamar, falar de socialismo, de Reforma Maderá-


ria”, diz a Espreguiçadeira saindo de toalha da piscina.

“Acredito que todos têm direito ao acabamento mínimo”, comenta


o Divã, forrado de camurça, seda e caxemira, tomando o chá das
cinco, deitado no escritório.

“O Bolsa Acabamento está deixando esse povo mal-acostumado”,


diz irritado o Banco de Macacaúba.

“Pau-Brasil querendo verniz de primeira? Que respeite o artigo


quinto da Constituição: ‘Todos são iguais perante as Madeiras de
Lei’”, disse, corando, imponente, a Mesinha de peroba rosa.

E o Toco, cabisbaixo, volta à casa de ripa, tira a farpa do nariz, pega o


livro de Karl Marx do calço da Cadeira Manca e dorme sonhando com
aguarrás no óleo de peroba e cheiro de alfazema pra Amazônia inteira.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
SONETO AO SABOR
DA QUINTA

Se ficas envergonhada
tens na cara uma rosa,
e serás o meu botão,
sem rima eu escrevo soja.

E penso como te atalho,


teu rumo comigo eu trago,
és amor, o meu cigarro,
da guimba maior que o talo.

Do azeite à quinta o sabor


teu sal na água fervida
é doce no escorredor;

baía que baixa à porta,


tintas um rio carmim
ao fluxo da minha aorta.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
A DESVAIRADA

Sem gritar o verso nada prova; há de ser desvairada a poesia.


E dizer os assombros,
as sensações de fome.
Em rompimento aos romeiros, levar rifles.
Fingir doçura aos dedos do inimigo,
e por sobre o gemido este pigarro:
RAM-RAM
Caso contrário o poema há de pousar muito abaixo do nível das
estantes, ou em fundo de mata entre quatis, e as tolices balançan-
do às ancas, e longos joelhos nas pernas curtas, quatis!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
A LUA DE DIA

Já era noite, brilhava o dia, vem tu e grita: olha pra lua! — Chegava e ria.
Tu nunca viste tão lindo o dia! olha pra lua! — Chegava e ria.
Não vai dar tempo! corre! espia! Olha pra lua! E eu escorava e es-
crevia um metro e meio e descaía.
Olha pra lua, cabra da peste! Tu nunca viste tão lindo o dia! Olha
pra lua! — Chegava e ria.
Já era noite, brilhava o dia — Derrama a pia! — Que mané pia! Olha
pra lua, fi de cutia! Olha pra lua! — Chegava e ria.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
POEMA
À BANANEIRA

Esticada no cume,
a bananeira reclama do Arcadismo:
bucólica também sou!,
vês minha tez?;

as paineiras tu vês!;
até o pintassilgo a voz!
Que me note ao menos um soneto extraviado,
caído do Monte Parnaso,

com bananeiras fechando o terceto final;


“Gran finale!” Árcade-Parnaso!
Há de haver um poema em que reinassem bananeiras;

todas divinas!,
como eu.
Nem que fosse à meia-luz.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
O QUE TANTO
ASSUNTAVA O POETA?

O que tanto assuntava o poeta?


Gasto nas cadeiras, à vida de soldado de artifício que ao menor
ruído fugia de meia, levando a cadeira. A poesia, o que lhe importa?
Pousar como os pássaros no pé das coisas,
que lhe importa?
— A poesia é mentira dita em cartório.
O que lhe preocupa é a promessa
e as vasilhas em cima do criado.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
UM FINGIDOR
QUALQUER

Como bom poeta, dependendo do tempo varia o que minto.


Quando tosco sou doce,
porque os olhos são da cor dos lábios e roxeiam quando é frio o
sentimento, mentira.
Finjo um poema pois um poeta vê e ouve a vida e a ergue qual
fosse o que visse.
Quem dera um poema ser à hora da tarde crer em quem mais ama,
mas há o vento em desfavor das folhas e por isso finjo.
Finjo como as beatas um desejo proibido pendido às marcas do
joelho, ou os beatos.
Finjo, minto, viro o rosto.
Estalada a ripa não há mais que o chão, mas finjo até com os pés.
Uma rosa é minha aldeia e por isso finjo com a imaginação,
como fosse alegre se dormia o pensamento.
Finjo o poema por mera usança de o fingir e alongo o fingimento
e busco outro florando, fingimento moço, e assim, quando eu não
mais puder, um fingidor qualquer põe-se a fingir de mim

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
DA INSPIRAÇÃO

Um pouco mais e pego a rua; me fugiu por um triz.


Ousei pisar antes à página um minuto, e ela fugiu,
inclinada ao barranco, a nordeste do verso.
Fugiu, certeza que fugiu, vi o esforço das botas na folhagem.
Espero o seu retorno, bebendo meu conhaque,
separando as conversas nos caixotes
à folha de um soneto de amor, qualquer que fosse:

até no sonho dos covardes


há um resto do pulso sob as unhas.

Fugiu, certeza que fugiu.

— Me traga outra garrafa!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
EU SEI DIZER POEMA
O DIA TODO

Eu sei dizer poema o dia todo,


feito o grilo tagarela,
sem arreios, fios ou freios.
As veias vão à frente dando num pequeno lago (ideia natal do poeta)
onde as raízes davam nó, o sertão poça e as flores casca,
e onde os beirais desfiam e abre uma curva em que se escoa um
sangue cor-de-rosa à margem, como plumas, meu instrumento
mais usual do dia

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
POEMA AFILADO

Arregalado em volta, resmunga o editor:


“Carece de rasgo o verso do poeta”.
E o poeta, com a sua indumentária de poeta,
conta, reconta e faz confusão contando e nada apronta:

“Como me custa um sentimento!”


E pensou, em pontas de pé,
com toda sua bravura de poeta, o poeta:
“Nada rasgo, só afino”.

E como quem faz um bordado invisível,


Afinou tanto o soneto,
que a perna derradeira do terceto

ficou como o campesino


quando estufa a gleba
pra caber um pasto, cinco filhos e dois parentes de bigode no retrato.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
POEMA XENÓFOBO

Desmaia uma rosa


entre mil margaridas,
quem grita? quem corre? “Acode a fedida!”.
Desmaia a margô entre mil rosas rijas,
“Acode a coitada com cor de lombriga!”.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
POEMA ARBÓREO

Meu passado baldio


desemboca aos quintais
toda vez que me lembro com
um remorso tremendo
de não ter trepado mais.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
O TÍMIDO

Passei há pouco ao pé do beco (e de você); você estava em casa,


senti o perfume. Deixei de pedir licença pra contar fosse o que
fosse, o perfume que tivesse, a beleza ou a baixeza que viesse ou
que partisse, eu quero, eu vou, eu volto, eu passo alto, imenso, eu
quero, eu conto. Viesse a carestia e ainda assim eu vinha: deixei
de pedir licença pra contar fosse o que fosse. Eu vou e conto. Tipo
a vontade que eu tenho de te namorar, nem vou pedir licença pra
contar, eu vou e falo, eu digo. Digo! Mas depois de amanhã. Hoje
não; eu quero e eu vou, eu volto e digo, eu falo, mas depois de
amanhã, depois de amanhã eu digo, depois de amanhã.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
SEM
QUESTIONAMENTOS!

Na ponta primeira do poema existe um grandessíssimo problema:


como se explicar o resto que faltou do chão ao passo?
Prefiro que ele descubra naturalmente, por si, e não pelo que escrevo
dele porque o que eu digo nasce do que eu penso e por ora não tenho
nada a pensar sobre o que faltou do chão ao passo; só ouso questionar,
sem estorvo algum, pois uso o passo e amo o chão que piso e o que fal-
tou só não amo ainda por ser amor que ainda vai nascer, mas se nascer
também o amo. Por agora, o que tenho é dúvida e calo pois um poema
não carece de questionamentos senão não seria poema e sim filosofia.
Mas digo, sem questionar, repito, apenas dizendo como diz o mundo
as coisas: se fosse o poema um soneto, o resto que faltou do chão ao
passo seria um salto separando as quadras e os tercetos, por óbvio.
Sendo o poema um verso livre, acho eu que o pedaço que faltou do
chão ao passo seria só o escuro, bastaria o amanhecer para que os
versos voltassem a ser livres e belos — disse belos também pois não
vislumbro feiura alguma à liberdade.
À prosa poética não ouso supor, pois temo a resposta ser com cir-
cunstâncias e pormenores tantos que adentre a noite e eu não posso
perder a hora de acordar. Mas se fosse supor, sem supor, pois refuto a
réplica, daria numa janela o resto que faltou do chão ao passo. De uma
janela se vê e se escreve o mundo.
Mas a bem da verdade, fosse o que fosse o verso, se se faltar o chão
ao passo, aceite com serenidade. Nem sempre a rima é uma solução,
mas, se for,
vai ser gauche na vida!
POESIA PARA VILAREJOS
PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
DOIS DEDOS
DE PROSA

Me pede versos em ternura que eu não sei,


e um poema tão triste de comover os vizinhos.
Me manda capinar o quarto de dormir,
regar no meloeiro os ramos da mangueira.
Me impõe raspar o barro do pasto, o cheiro do sapato.
Pergunta o lado da ladeira que desce o fumo de rolo.
Por pura falta de assunto.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
O HOMEM JUSTO

Não há nada mais incômodo do que um homem justo.


O que é nas suas horas vagas um homem justo senão um homem
justo?
Coitado, cansado, pisado no meio, mas cumpriu sua palavra, o
homem justo.
Até em prece é justo o homem justo.
Estava alegre ou triste o homem justo? pouco importa.
Não foge ao remorso, pois humano, certa vez enganou-se tam-
bém o homem justo;
sem querer, pôs um zero a mais no 100, que virou 1000.
“JOGA PEDRA NA GENI!”
“JOGA BOSTA NA GENI!”
Não há ausência mais celebrada que a do homem justo.
“BARRABÁS! BARRABÁS!”
“Sê malandro é ter vivência! dê jeitinho! dê jeitinho! Tu sabes com
quem estás falando?”. Gritavam ao homem justo.
Coitado, cansado, pisado no meio, mas cumpriu seu papel, o
homem justo.
“JOGA PEDRA NA GENI!”
“JOGA BOSTA NA GENI!”
A justiça estava feita.
Não há ausência mais celebrada que a do homem justo.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
TROPEÇAVA TÃO
BEM A POESIA

Tropeçava tão bem a poesia.


E que lindas marcas das olheiras!
Era azul royal o céu sem passarinho
e tão salubre a água de goteira!

“A alegria pronta chegou tarde ou tu dormias?”.


— Não me aperreie: um tomo por vez!
O pensamento é feito sementeira,
mas tem dia ele fala latim em português.

“Ha Ha Ha”.
— Sem se mover do lugar fica o vigia;
há um alqueire de terra no meu sonho!

Não desperdiço a garupa


nem a água corrente ou a alegria.
Há um alqueire de terra no meu sonho!

Um alqueire de terra no meu sonho!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
DESINSPIRAÇÃO

Parda vida, pardo tempo.


O artigo, indefinido, dorme, e eu aqui,
de bengala à meia página.
A atalaia não me olha, é tarde,
e nada a vida sem o acaso-químico da poesia.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
POEMA IGUAL

O poeta, enterrado o osso, não encontra.

As casas são iguais


no breu da noite;

os poemas são iguais


no tronco do eucalipto.

À poda, o pé de pinho afina, lhe cai a franja, fica igual o outro


pinho, pouco verde, mofino, sente como que quebra um galho a
vida. “Mas cresce logo, Pinho!”, diz otimista o Poste de Alumínio.

O leitor que não sabemos,


e se encontra em visita ao nosso gorro,
é feito o fundo do mar.

Os trens de ferro são iguais


olhados dos postais.

Os quartos ofertados à hora de partir, iguais.

Me contam igual as lâmpadas.

Tudo é tão igual.

Quem é que sabe o vento principal?

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
É RARO O DIA DE
TER VERSOS

Hoje eu fiz uns versos, e tão longos (tem um pra lá dos calendários),
raro o dia de ter versos:
como se o recreio fosse mês a mês.

Quem sou eu pra dizer, mas digo.


Pois se dito dos outros contar, as botinas são todas iguais;
e os meus versos escolho a dedo de pé e sapatilhas.

Hoje, no preparo da chuva,


a nuvem não faz esforço.
Os contos do vigário
forram de trocados a escada da igreja.
E eu fiz versos, ouçam!
Há de haver maiores assobios?

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 1: A arte às vezes me constrange BRUNO MUNIZ
PARTE 2
Almae Poemius Floriata
PARTE 2
Almae Poemius Floriata
Obedecendo à portaria 034 do
Ministério da Cultura, que diz que 30%
de todo livro de poemas têm que ser de
poesia séria, sem galhofas ou ironias.
Estes poemas a seguir são sérios.

São sérios mesmo!

Tem até uns de amor!

depois de Depois vá ver o Mar


e dele logar o sagrado,
eis o novo grado; o segredo
que trará o Torto Agrado.

(Joãozinho Gomes)
Obedecendo à portaria 034 do
Ministério da Cultura, que diz que 30%
de todo livro de poemas têm que ser de
poesia séria, sem galhofas ou ironias.
Estes poemas a seguir são sérios.

São sérios mesmo!

Tem até uns de amor!

depois de Depois vá ver o Mar


e dele logar o sagrado,
eis o novo grado; o segredo
que trará o Torto Agrado.

(Joãozinho Gomes)
CONVITE

Vem!
Não carece bater palmas aqui em casa e em toda parte minha.
— Na cidade do meu quarto, inclusive.
A porta é sem rangido e sem resmungo o livro que quiseres.
É reforçada e se reparte e se assemelha ao riso a casa toda e não
acaba nunca de passar a rua e abençoa e traz um doce.

Entra, eu faço gosto (à tarde um tanto mais), não carece bater pal-
mas, entra, pensa fosse um campo e não houvesse o chão, e ainda
assim, entra, deixa viver, coitado, o coração.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
AS COISAS
DE UM POETA

As coisas de um poeta acreditam nele,


pois são por ele forma definida:
um poema é um ser ornamental, reparem!
Também a sensibilidade que há nos outros:
o poeta vive pedindo emprestada a sombra dos amigos.
O exagero ele há de mover ao encontro das flores,
como um café partilha o cheiro,
e o abismo, o céu.
Um pensamento dado ao campo supõe os verdes que faltem; as
manhãs imaginam um galo a sabê-las,
pois assim foi a criação do mundo;
o que é a noite senão a luz que já não tem o dia?
Faz o teu caminho passeando um sonho com um desvio perto;

eu deixarei versos,
pois tão somente à cata de um poema existo,
e um coração repousa igual no peito a todo mundo.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
LEMBRANÇA

Sentir-me tomado
com o corpo suado
a me contorcer

Me faz ter cuidado


de ser do seu lado
bem mais que prazer.

Ainda perdido
me entrego ao perigo
de não te esquecer

Lembrando que a vida


por mais que sofrida
me trouxe você.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
BAIXO-RELEVO

É sempre o chão de alguém que tomo nota no poema, penso ser


eu vagamente interessante aos outros. Invento arredores onde eu
não esteja e se se arriscam num salto encontrar-me invento logo
um girassol vermelho — a natureza não nos dá o invento, mas a
razão de inventá-lo.
Não me mexo à imaginação, penso criar heterônimos, num repen-
te de um salto arrancar a alma e dá-la ao primeiro de mim que
me aparecer, mas acho muito difícil inventar nomes, queria ser eu
mesmo um heterônimo: Bruno Caeiro Reis de Campos.
Gosto-me em baixo-relevo. Quem dera a natureza fosse a razão
por que escrevo; um besouro azul é mais que todas as almas; mas
se invento a borboleta ela está aos encontrões com o vento e se
penso a chuva ela logo descobre os telhados. Como é difícil a vida
de um poeta! Não se mexe na luz que não existe ainda! já dizia o...
Bem que alguém podia mesmo ter dito isso e me alertado e aler-
tado todos os poetas e todos os poetas alertariam todos os poetas
que iriam nascer que em socorro alertariam as flores para que não
nascessem e os olhos verdes para não existirem.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
DA LEVEZA

Ao movimento das plantas, o pensamento é leve,


também leve no tamanho a ave;
e o sol há de cobrir a terra sem esforço algum;
e os poetas as coisas escritas;
e os cães as farejadas.
As folhas são leves porque lhes couberam;
as palavras são porque respiram;
e eu porque sonho; e o sonho é meu modo de crer, então sou
porque creio,
e o campo porque amanhece e mais nada.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
DA ALEGRIA
DO POETA

Um poema triste
pendurava num prego
uma viga erguida por vinte homens.

Sem movimento o galho, os animais, o tacho da doceira.


E a chuva caindo no vestido seco no varal.

Mas havia um poema de amor, tranquilo, preso à fenda,


de onde vinha um som baixinho do porão,
e era como se fugisse do cativeiro a minha canção favorita.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
MUDANÇA

Por se deixarem apanhar por cima das cabeças


como se crescidos mais três palmos,
os pensamentos, sem uso, já não cabem.
Nem os passos:
vivo e não planejo mais que uma janela.
Ainda há pouco vi correndo à relva a camponesa e cheirou a rosa
e sem saber compôs a poesia e ela não tem nome.
E toda gente me serve.
E a todo verde crio folhas de outros verdes;
uma muda mais diversa que faz percussão com o caule.
E todo vento me vale um peso imenso.
E todo peso eu torno bailarino até se não há vento.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
EPIFANIA

Bastava um verso teu e acendiam mais claras as papoulas;


como se sem suporte os olhos flutuassem;
uma anarquia perfeitamente quieta como a raiz das folhas soltas.
E ia a brisa, turquesa, como se num baile fosse;
e a delicadeza do verso pinçada do silêncio feito o pó dos campos
— caídos como se cosessem rosas finas às cravinas.

Mas eis que bruscamente tu te retorces como se os sentidos


fossem ao verso a sua última sílaba, e me arremessas à testa o
alaúde:
a mágica utilidade abstrata das coisas.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
UM FINGIDOR
DE ROSAS

Na poesia é a linha de chorar que encanta, Mas, ainda assim, partiste.


por isso me fio numa declaração de amor que fiz às suas pegadas A rua que diga o dia; hoje não abro a janela — nem
no dia em que partiste, pra olhar as raparigas! como tu dizias a mim de tar-
quando só me restou a dobra dos sinos e a água na calha. dezinha e eu ria de ti pois te sabia.

Sento e minha sombra na parede azul não fala, Por que partiste e a natureza existe?
E a marca de batom deixada na caneca?
será que nem mais sou além da tinta: um verso triste e só. E eu? ainda existo, dois ombros me bastam — as rosas
E pensar que ainda ontem da janela da cozinha eu escrevia ao calor as são ainda que não nasçam rosas; mas se a vida
agradecendo o vento é curta e mal a tenho...
e na base do telhado o calcanhar pousava distraído; Torno a levantar o horizonte e arrastá-lo ao sol (por que
partiste?) e deixo à poesia triste um pôr do sol de agrado.
a alegria a ter comigo ia — como o corvo aos umbrais.
Um poema é sempre um jardim, mesmo que não houvesse;
Acontece que partiste...
e o poeta, um fingidor de rosas.
E um verso dado a sofrer porque partiste não é mais verso que o
verso a esperar que tu voltasses ou o verso a negar a tua partida
— em vão, porque partiste.
E dos restantes dos risos farei versos,
e se não houver restado, invento um jeito de andar tivesse eu a
alegria — por que diabos sou poeta, oras!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
UM FINGIDOR
DE ROSAS

Na poesia é a linha de chorar que encanta, Mas, ainda assim, partiste.


por isso me fio numa declaração de amor que fiz às suas pegadas A rua que diga o dia; hoje não abro a janela — nem
no dia em que partiste, pra olhar as raparigas! como tu dizias a mim de tar-
quando só me restou a dobra dos sinos e a água na calha. dezinha e eu ria de ti pois te sabia.

Sento e minha sombra na parede azul não fala, Por que partiste e a natureza existe?
E a marca de batom deixada na caneca?
será que nem mais sou além da tinta: um verso triste e só. E eu? ainda existo, dois ombros me bastam — as rosas
E pensar que ainda ontem da janela da cozinha eu escrevia ao calor as são ainda que não nasçam rosas; mas se a vida
agradecendo o vento é curta e mal a tenho...
e na base do telhado o calcanhar pousava distraído; Torno a levantar o horizonte e arrastá-lo ao sol (por que
partiste?) e deixo à poesia triste um pôr do sol de agrado.
a alegria a ter comigo ia — como o corvo aos umbrais.
Um poema é sempre um jardim, mesmo que não houvesse;
Acontece que partiste...
e o poeta, um fingidor de rosas.
E um verso dado a sofrer porque partiste não é mais verso que o
verso a esperar que tu voltasses ou o verso a negar a tua partida
— em vão, porque partiste.
E dos restantes dos risos farei versos,
e se não houver restado, invento um jeito de andar tivesse eu a
alegria — por que diabos sou poeta, oras!

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
A LUZ QUE ESPANTA

A iluminação da estrada escureceu o céu de espanto.


Logo o céu do mundo!
Que lhe importa uma estrada?
E ela ficou lisonjeira,
deu festa segunda-feira.
Mas ela não sabe
que o espanto do céu
era um pedaço, uma beira,
onde há um canteiro vermelho que ficava na rabeira
e umas rosas onde o orvalho caía brilhavam sobremaneira.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
EM CAIXA ALTA

Em caixa alta,
longe d’onde há almas e sem passos a rua calma,
uno o lábio meu à primavera
e pergunto até que o eco se desmanche:
que quereis de mim?

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
ME BASTA
UM LUGAR PEQUENO

Me basta um lugar pequeno,


talvez a chorar,
dentro de mim,
em que se pisa de tardinha
por entre as planícies à graça que se esconde,
quem sabe desmaiada
ou se arrastando
pra onde o amor madura aos montes.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
O RASTRO
DENTRO DE MIM

Dentro de mim há um rastro, há um rastro dentro de mim, que


nunca vi, nem podia, tampouco me poderia tal rastro olhar pra
mim. Ora, se pode! Podia? um rastro que eu nunca via e nutrir por
si nostalgia, e ele, um reles rastro (rastrilho!), que nunca viu-me e
desfia por mim sentir simpatia? Faltou-me pouco e o via, indícios
nele eu vivia, o rastro dentro de mim que eu nunca vi mas sentia, e
tampouco ele podia pois de novo se escondia, o rastro, dentro de
mim. Por que raio eu nutriria por si tamanha alegria? Só de pen-
sá-lo e eu ria mas logo me fantasia um medo de não voltar o ras-
tro dentro de mim que eu nunca vi nem podia mas tanto que lhe
sentia, amava e lhe bendizia — Oh, rastro dentro de mim! Tentei
de astrologia a plumas de especiaria mas bem no fim me perdia
e quase que me varria o rastro dentro de mim — seria só poesia?
quase uma Tabacaria? o rastro dentro de mim — que eu nunca vi
nem podia, tampouco me poderia tal rastro olhar pra mim.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
DE POETA
PRA POETA

Sorria.
Se nem vinhas, passa;
ou feito nas novelas ou à tua maneira.
Anda ao caos de ser feliz, na condição de réu.
Pensa um gosto bom, de deixar bambo o pé e o poste aceso na
escritura.
E voa, itinerante, ao tamanho das coisas que escreves,
pois o que é da gente mais além da linha?

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
ALMAE POEMIUS
FLORIATA

As mãos não têm alma? Um poema é alma feita; o risco no papel


como que ergue a asa, só que diferente. Um diferente próprio. Es-
queça o verso gêmeo, o poema é coisa incerta de buscar; como
que busca o ouro — só que diferente! ou quando ao vento no can-
teiro as flores curvam formando um arco entrelaçando as cores
como que surgindo uma nova espécie à natureza e eu a batizo de
Almae Poemius Floriata.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
CONFESSO QUE VIVI

Seguro o poema com o antebraço como duas cervejas a terceira; a


poesia está sempre comigo como um muro de arrimo, e, por conta
dela, se eu não vir luz alguma, pobre é o horizonte.

Além do fundo é onde sinto; e, ao menor movimento de uma es-


trela, como esmolas ainda por pedir, escrevo uma constelação...
ou um poema.

Por que tanta alma, pensamento? Quem dera escrever fosse um


simples engraçar querelas, mas por que tanta alma? eu penso ser
como o que vivo e logo penso ser também como o que sinto — es-
trangeiro de terra e consciência —, e aqui, sem desforra alguma
ou represália, a três mil quilômetros do Chile, confesso, ao mesmo
solo, que vivi.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
PRECISO IR

Logo atrás da porta será dia, o som fará volume às coisas e eu terei Já é dia,
de ir além do espírito. Queria eu sentar-me apenas às janelas dos preciso ir;
jardins. parece existir entre mim e a realidade um formigueiro. Por que
As cercas não seriam cercas se vadiassem o pensamento às flores; não sei apenas da janela as flores? Mas conto em mim existir
eu penso deixado a alma e ainda sou eu. firme ao corpo,
Escutem! vozes! como haveria de ser a rua dos caminhões.
Alguns sons me parecem ser do poema seguinte. Já é dia,
(Há um intervalo em que me devo inteiro e a isso eu chamo inspi- mal dormi.
ração; a todas as outras coisas que penso não me apego tanto). O cansaço é um grito abstrato,
As coisas não escolhem ser das cores que lhes fazem nem as pes- ninguém há de me ouvir,
soas escolhem ter as vozes que lhes são; outro pensar seria desar- a não ser que...
rumar o universo. AHHHHHHHHHHHHHHHH!!!
Sê tua voz e feliz como a cerca cerca as flores ou as grades se di- Desculpem,
vertem com os planos de fuga! preciso ir.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
PRECISO IR

Logo atrás da porta será dia, o som fará volume às coisas e eu terei Já é dia,
de ir além do espírito. Queria eu sentar-me apenas às janelas dos preciso ir;
jardins. parece existir entre mim e a realidade um formigueiro. Por que
As cercas não seriam cercas se vadiassem o pensamento às flores; não sei apenas da janela as flores? Mas conto em mim existir
eu penso deixado a alma e ainda sou eu. firme ao corpo,
Escutem! vozes! como haveria de ser a rua dos caminhões.
Alguns sons me parecem ser do poema seguinte. Já é dia,
(Há um intervalo em que me devo inteiro e a isso eu chamo inspi- mal dormi.
ração; a todas as outras coisas que penso não me apego tanto). O cansaço é um grito abstrato,
As coisas não escolhem ser das cores que lhes fazem nem as pes- ninguém há de me ouvir,
soas escolhem ter as vozes que lhes são; outro pensar seria desar- a não ser que...
rumar o universo. AHHHHHHHHHHHHHHHH!!!
Sê tua voz e feliz como a cerca cerca as flores ou as grades se di- Desculpem,
vertem com os planos de fuga! preciso ir.

POESIA PARA VILAREJOS


PARTE 2: Almae Poemius Floriata BRUNO MUNIZ
Bruno Muniz
SENADO FEDERAL CONSELHO EDITORIAL

Mesa
Biênio 2023/2024 Senador Randolfe Rodrigues
PRESIDENTE

Senador Rodrigo Pacheco Esther Bemerguy de Albuquerque


PRESIDENTE VICE - PRESIDENTE

Senador Veneziano Vital do Rêgo CONSELHEIROS


1º VICE- PRESIDENTE Alexandre de Souza Santini
Senador Rodrigo Cunha Rodrigues

Bruno Muniz
2º VICE- PRESIDENTE Ana Cláudia Farranha
Ana Flavia Magalhães Pinto
Senador Rogério Carvalho Ana Maria Veiga
1º SECRETÁRIO Alcinéa Cavalcante
Senador Weverton Bruno Lunardi Gonçalves
2º SECRETÁRIO Carlos Ricardo Cachiollo
Eduardo Rômulo Bueno
Senador Chico Rodrigues
Esmeraldina dos Santos
3º SECRETÁRIO
Fernando Pimentel Canto
Senador Styvenson Valentim Heloisa Maria Murgel Starling
4º SECRETÁRIO Ilana Trombka
João Batista Gomes Filho
SUPLENTES DE SECRETÁRIO Marco Américo Lucchesi
Senadora Mara Gabrilli Nathalia Henrich
Senadora Ivete da Silveira Rafael André Chervenski da Silva
Senador Dr. Hiran Victorino Coutinho Chermont de
Senador Mecias de Jesus Miranda
Bruno Muniz
SENADO FEDERAL CONSELHO EDITORIAL

Mesa
Biênio 2023/2024 Senador Randolfe Rodrigues
PRESIDENTE

Senador Rodrigo Pacheco Esther Bemerguy de Albuquerque


PRESIDENTE VICE - PRESIDENTE

Senador Veneziano Vital do Rêgo CONSELHEIROS


1º VICE- PRESIDENTE Alexandre de Souza Santini
Senador Rodrigo Cunha Rodrigues

Bruno Muniz
2º VICE- PRESIDENTE Ana Cláudia Farranha
Ana Flavia Magalhães Pinto
Senador Rogério Carvalho Ana Maria Veiga
1º SECRETÁRIO Alcinéa Cavalcante
Senador Weverton Bruno Lunardi Gonçalves
2º SECRETÁRIO Carlos Ricardo Cachiollo
Eduardo Rômulo Bueno
Senador Chico Rodrigues
Esmeraldina dos Santos
3º SECRETÁRIO
Fernando Pimentel Canto
Senador Styvenson Valentim Heloisa Maria Murgel Starling
4º SECRETÁRIO Ilana Trombka
João Batista Gomes Filho
SUPLENTES DE SECRETÁRIO Marco Américo Lucchesi
Senadora Mara Gabrilli Nathalia Henrich
Senadora Ivete da Silveira Rafael André Chervenski da Silva
Senador Dr. Hiran Victorino Coutinho Chermont de
Senador Mecias de Jesus Miranda

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