Título: As Crônicas da Névoa Eterna
Capítulo 1: O Chamado da Bruma
Numa era esquecida pelos livros e memórias, muito antes das eras dos homens, havia um
continente envolto em névoas perenes: Velhram. Ali, o sol mal tocava o chão, e as sombras
tinham voz própria. A terra era habitada por reinos antigos, criaturas lendárias e povos que
guardavam segredos ancestrais.
No vilarejo de Tharil, situado na borda da Floresta das Mil Vozes, vivia um rapaz chamado
Elandor. Tinha olhos da cor do âmbar e cabelos escuros como a noite sem lua. Órfão desde
pequeno, foi criado pelo velho mago Kael, um exilado da Torre Branca do Norte. Kael o educou
com rigor, ensinando-o não apenas a ler e escrever, mas também os rudimentos da Magia
Antiga — uma arte esquecida e temida, que mexia com as forças da vida e da morte.
Elandor vivia em silêncio, com o coração dividido entre o medo do mundo e uma sede
insaciável por respostas. Todas as noites, um mesmo sonho o atormentava: uma torre em
ruínas, envolta em chamas negras, e uma mulher de olhos prateados clamando por ajuda com
um grito que atravessava os véus da realidade.
Certa manhã, ao acordar coberto de suor, Elandor encontrou aos pés de sua cama um
pergaminho lacrado com um selo que jamais havia visto: um círculo de prata cortado por uma
espada de duas pontas. Ao quebrar o selo, as palavras surgiram escritas em fogo:
"O tempo chegou, Sangue da Névoa. A Sombra desperta. Busque a Cidade Submersa."
Capítulo 2: A Partida
Kael, ao ver o selo, empalideceu. Seus dedos tremeram ao tocar o pergaminho.
— Quem te deu isso? — perguntou com voz rouca.
— Estava no meu quarto. Sozinho.
Kael nada disse por um tempo. Depois suspirou.
— Escute-me bem, Elandor. Há coisas que nem mesmo os mais antigos ousam nomear. A
Cidade Submersa é uma lenda para muitos, mas eu estive lá... uma vez. E nunca mais voltei o
mesmo. Se a Sombra despertou, então os Quatro Selos estão enfraquecendo.
— Que selos? O que é a Sombra?
— Você saberá em breve. Pegue a espada sob o assoalho da sala. E leve isto também —
disse, entregando-lhe um medalhão com um cristal negro. — É uma chave. Mas também, uma
sentença.
Elandor partiu no dia seguinte, acompanhado apenas por seu corvo, Durn, um animal que
falava com a voz de um velho e gostava de recitar poesias mórbidas.
A trilha para a Cidade Submersa passava pelos Montes Cinzentos, onde os ventos arrancavam
a pele dos ossos, e criaturas conhecidas como os Murmurantes arrastavam-se nas sombras,
alimentando-se dos pensamentos dos vivos. Era uma jornada que só os tolos ou os escolhidos
ousavam seguir.
Elandor seria os dois.
Capítulo 3: A Floresta das Mil Vozes
Três dias após deixar Tharil, Elandor adentrou a floresta. A névoa ali era tão densa que até o
som parecia amortecido. Mas as vozes... oh, as vozes! Vinham de todos os lados — lamentos,
cantigas antigas, risadas infantis e gritos de guerra.
— Não escute — disse Durn. — As vozes mentem. Sempre mentem.
Mas era tarde demais.
A voz de sua mãe, morta há anos, sussurrou:
"Por que me deixou, Elandor? Eu choro sozinha no vazio..."
Elandor cambaleou, quase caiu. A floresta se moveu, como se tivesse percebido sua fraqueza.
As raízes se ergueram, os galhos estalaram. Criaturas com olhos brilhantes espreitavam.
Foi salvo por uma flecha disparada da copa de uma árvore. Uma elfa, de cabelos como neve e
olhos dourados, desceu silenciosa.
— Se quer morrer, continue ouvindo. Caso contrário, venha comigo.
Ela se chamava Serelith, e era uma das últimas Sentinelas da Luz Pálida. Guardava os limites
da floresta contra os horrores que dormiam sob a terra. Relutante, mas intrigada, aceitou ajudar
Elandor. Algo nele a fazia lembrar das velhas profecias.
Juntos, seguiram para o sul, onde o rio Velk corria vermelho como sangue antigo.
Capítulo 4: A Torre Invertida
No coração do pântano de Margor, encontraram a Torre Invertida — um monumento erguido
para baixo, como se os alicerces perfurassem o mundo. Ali vivia Gorthen, o Cego dos Mil
Olhos, um oráculo amaldiçoado que via o tempo não em linha reta, mas como um espelho
estilhaçado.
— Você carrega o sangue da Rainha da Névoa — disse ele a Elandor. — E dentro de ti, dorme
o Quinto Selo.
Elandor sentiu algo tremer em seu peito. O medalhão brilhava.
— Que devo fazer?
— Despertar. Mas para isso, precisará morrer primeiro…
Capítulo 5: A Morte Silenciosa
As palavras de Gorthen ecoaram como um trovão no coração de Elandor. Morrer? A própria
ideia o aterrorizava, mas algo dentro dele — algo antigo e esquecido — parecia aceitar aquilo
com resignação.
— Você não compreende ainda — continuou o oráculo. — A morte que precisa enfrentar não é
apenas a do corpo. É a do ego, da identidade, das memórias. Precisa se despir de tudo que
pensa ser, ou jamais verá o que realmente é.
Elandor hesitou. Serelith, ao seu lado, estreitou os olhos.
— Essa profecia pode ser uma armadilha. Os oráculos não vivem à margem do tempo sem se
deformarem.
— Eu não vivo — respondeu Gorthen com uma risada cavernosa. — Eu espero.
Elandor aceitou. Na câmara mais profunda da Torre Invertida, diante de um espelho feito de
névoa sólida, ele enfrentou visões do que poderia ter sido: um lar feliz, pais vivos, uma infância
sem dor. E depois... imagens do que ele se tornaria caso falhasse: um trono de ossos, mundos
em ruínas, a sombra tomando sua voz.
No centro do espelho, viu a si mesmo com olhos prateados — os mesmos da mulher de seus
sonhos.
Então, a escuridão o engoliu.
Capítulo 6: Entre os Mundos
Elandor acordou flutuando num espaço sem chão, sem céu, onde cores se desfaziam em
fumaça e pensamentos viravam formas. Era o Reino Entre-Mundos, onde os ecos da criação e
da destruição conviviam. Ali, encontrou uma criança de olhos vazios, sentada numa pedra
flutuante.
— Você é o que restou de mim — disse a criança.
— Quem é você?
— O primeiro portador do Selo. Aquele que falhou.
Elandor viu através dos olhos da criança as eras anteriores: heróis e heroínas que tentaram
deter a Sombra e foram consumidos. Nenhum era suficiente. Todos caíram.
— Por que eu seria diferente?
— Porque você ainda não decidiu quem é. A névoa te protege porque ela ainda te molda.
No fim desse lugar, Elandor encontrou uma árvore morta com folhas feitas de espelhos. Uma
delas mostrava o futuro: Serelith morta, o mundo em guerra, e ele, como um rei sombrio. Mas
ele recusou aquela visão. Em vez disso, tocou a raiz da árvore, e o selo dentro de si brilhou
como um pequeno sol.
Ele voltou à realidade.
Capítulo 7: O Despertar
Ao emergir da câmara, Serelith o olhava com surpresa.
— Seus olhos... eles mudaram.
Agora, os olhos de Elandor brilhavam com um leve fulgor azul, como gelo sob a lua.
Gorthen curvou-se pela primeira vez.
— O Quinto Selo despertou. Mas há três que já foram quebrados. Resta pouco tempo.
Durn, o corvo, recitou:
"Quatro selos seguram a sombra, um sela o portador.
Se todos quebrarem, o mundo vira estertor.
Mas se o quinto sangrar e o sexto for achado,
A sombra voltará ao que era: um fado."
Elandor e Serelith partiram com pressa. O próximo destino era o Desfiladeiro de Vhal-Mir, onde
o Sétimo Guardião, um dragão de luz e fumaça, protegia o segundo selo restante. Mas
exércitos da Sombra já se moviam, liderados por uma mulher com olhos prateados — a mesma
dos sonhos de Elandor.
Quem era ela?
Capítulo 8: A Cidade Submersa
Com o selo parcialmente desperto, Elandor finalmente encontrou o caminho para a lendária
Cidade Submersa — Thaln’Zir. Escondida no fundo de um lago encantado, era um lugar
construído por uma civilização anterior à humanidade, onde a água não molhava, e os peixes
falavam em línguas mortas.
A cidade estava deserta, mas viva. As construções respiravam. As estátuas choravam. E no
centro dela, estava o Coração de Névoa — uma esfera pulsante que parecia feita de sonhos
esquecidos.
Ao tocá-la, Elandor viu a verdade.
A mulher dos sonhos... era sua irmã.
Tinha sido separada dele ao nascer, levada pelos seguidores da Sombra. Seu verdadeiro nome
era Lysirah, e ela era a guardiã do último selo.
Mas fora corrompida. E agora... era a Rainha da Sombra.
Capítulo 9: A Última Marcha
Sabendo o que estava em jogo, Elandor e Serelith uniram forças com os Povos Livres: os
anões de Thurog-Dan, os magos do Círculo Dourado, os remanescentes das Sentinelas e até
um titã adormecido — Ymmarth, o Quebrador de Céus.
A guerra final se aproximava. A Rainha da Sombra marchava com um exército de sombras
vivas, os Quatro Selos quebrados atrás dela como chamas negras.
Elandor sabia que teria que enfrentá-la. Mas não como um guerreiro.
Como irmão.
Capítulo 10: Névoa Eterna
No confronto final, sob o céu que chorava sangue e relâmpagos, Elandor e Lysirah se
enfrentaram no Coração do Mundo, uma cratera onde a realidade se curvava. Ele tentou
alcançá-la com palavras, lembranças, canções da infância que só eles compartilhavam.
— Eu me lembro... — disse ela, com voz trêmula. — Mas a dor é mais forte.
— Então me deixe carregar por você — disse Elandor.
Ele abriu mão do poder. Entregou-lhe o selo.
Ela hesitou.
E naquele momento, a sombra tentou consumi-la por completo.
Mas o amor de Elandor foi mais forte. Ele segurou sua mão e não a soltou.
A sombra gritou. O céu rasgou. A luz voltou.
Lysirah caiu em prantos. O último selo foi restaurado.
Epílogo: A Bruma e a Aurora
Décadas se passaram. Elandor se tornou um guardião da nova era, não um rei, mas um
contador de histórias. Lysirah viveu entre os povos, aprendendo a amar o mundo que quase
destruiu.
A névoa ainda existe. Mas agora, é um lembrete de que até nas trevas mais espessas, uma luz
pode brilhar.
E enquanto houver alguém disposto a lembrar... a Névoa Eterna jamais será um fim.
Será apenas um novo começo.