UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
ESCOLA DE APLICAÇÃO
PROF. FRANCISCO EWERTON DOS SANTOS
DISCIPLINA: LITERATURA
SÉRIE: 3º ANO DO ENSINO MÉDIO
1º BIMESTRE
O Modernismo em Portugal
1) A Geração da revista Orpheu da inteligência. Os principais heterônimos são:
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
A revista literária Orpheu foi fundada em 1915 por
um grupo de rapazes. São eles: Mário Sá-Carneiro, 2.1.1) Alberto Caeiro
Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Ronald de É considerado por Fernando Pessoa como seu
Carvalho, entre outros. Seu propósito fundamental mestre, assim como de Ricardo Reis e Álvaro de
consistia em agitar consciências através de atitudes Campos. Espécie de poeta-filósofo, que extrai seu
desabusadas que, em concomitância com as pensamento não de livros, nem da civilização, mas
derradeiras manifestações simbolistas, iniciavam do contato direto com as coisas e com a natureza,
um estilo novo, “moderno” ou “modernista”. Um acredita que o homem complicou demais as coisas
pouco para impressionar o burguês, um pouco com a metafísica, com suas teorias filosóficas e
porque desajustados social e culturalmente, científicas, com suas religiões. Por isso defende a
apegam-se a um modo de ser que toda a gente julga simplicidade da vida e a sensação como único meio
próximo da loucura. A poesia criada por eles válido para obtenção do conhecimento
fundamenta-se no repúdio de toda idéia feita e na só
aceitação da anarquia, representada pela idolatria do I - Eu Nunca Guardei Rebanhos
poético, do não prático, do não burguês. Eu nunca guardei rebanhos,
Orpheu só teve dois números, mas foi suficiente Mas é como se os guardasse.
para abrir o caminho do Modernismo. Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
2) Fernando Pessoa: o caleidoscópio poético E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Fernando Pessoa (1888-1935) nasceu em Lisboa. Toda a paz da Natureza sem gente
Ficou órfão de pai aos cinco anos e, em 1895, foi Vem sentar-se a meu lado.
para a África do Sul com a mãe e o padrasto, Mas eu fico triste como um pôr de sol
voltando para Portugal em 1905. Colaborou com Para a nossa imaginação,
várias revistas literárias e cultivou tanto poesia Quando esfria no fundo da planície
quanto prosa. O que mais chama atenção é sua E se sente a noite entrada
poesia, por sua incomparável singularidade, Como uma borboleta pela janela.
atribuída sobretudo pelo intrigante fenômeno da Mas a minha tristeza é sossego
heteronímia. Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
2.1) A heteronímia Quando já pensa que existe
Os heterônimos de Fernando Pessoa são entidades E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
poéticas criadas pela imaginação do autor, com Como um ruído de chocalhos
biografia, traços físicos, profissão e estilos próprios. Para além da curva da estrada,
Os heterônimos são outros-eus de sua Os meus pensamentos são contentes.
personalidade, que buscava conhecer todos os lados Só tenho pena de saber que eles são contentes,
da verdade, ou todas as verdades. O verso “o que Porque, se o não soubesse,
em mim sente está pensando” resume sua proposta Em vez de serem contentes e tristes,
poética. A inteligência, exigentemente indagadora e Seriam alegres e contentes.
analítica, debruça-se sobre os dados da Pensar incomoda como andar à chuva
sensibilidade para os fixar e os conhecer. Emoção Quando o vento cresce e parece que chove mais.
pensada. Tal processo obriga a um constante jogo Não tenho ambições nem desejos
entre o ser e o não ser, que destrói toda a afirmação Ser poeta não é uma ambição minha
ou toda a verdade básica, graças ao poder diluidor É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes Tão cedo passa tudo quanto passa!
Por imaginar, ser cordeirinho Morre tão jovem ante os deuses quanto
(Ou ser o rebanho todo Morre! Tudo é tão pouco!
Para andar espalhado por toda a encosta Nada se sabe, tudo se imagina.
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), Circunda-te de rosas, ama, bebe
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, E cala. O mais é nada.
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora. Quer pouco, terás tudo.
Quando me sento a escrever versos Quer nada: serás livre.
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, O mesmo amor que tenham
Escrevo versos num papel que está no meu Por nós, quer-nos, oprime-nos.
pensamento,
Sinto um cajado nas mãos 2.1.3) Álvaro de Campos
E vejo um recorte de mim Dos três heterônimos, é o mais afinado com a
No cimo dum outeiro, tendência modernista, particularmente com o
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas futurismo. Engenheiro formado em Glascow,
idéias, conforme a biografia que Pessoa criou pra ele,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu Campos é um homem voltado para o presente,
rebanho, apesar de trazer consigo saudades dos tempos de
E sorrindo vagamente como quem não compreende menino. Na sua poesia verificam-se três fases: a
o que se diz decadentista, ligada à poesia do final do século
E quer fingir que compreende. XIX, a futurista, que procura transmitir o espírito do
Saúdo todos os que me lerem, mundo moderno, de máquinas, multidões e
Tirando-lhes o chapéu largo velocidade, e a pessoal, de descontentamento e
Quando me vêem à minha porta aridez interior. Essas três fases estão
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. respectivamente exemplificadas nos fragmentos
Saúdo-os e desejo-lhes sol, abaixo:
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham Opiário
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Onde se sentem, lendo os meus versos. Sou um convalescente do Momento.
E ao lerem os meus versos pensem Moro no rés-do-chão do pensamento
Que sou qualquer cousa natural — E ver passar a Vida faz-me tédio.
Por exemplo, a árvore antiga [...]
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, Ode Triunfal
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado. À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da
fábrica
2.1.2) Ricardo Reis Tenho febre e escrevo.
Representa a faceta clássica da obra de Fernando Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
Pessoa. De acordo com a biografia que lhe criou o disto,
autor, é monarquista, educado em colégio de Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
jesuítas, amante da cultura grega e latina e reside no antigos.
Brasil. Como seu mestre Caeiro também é Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
indiferente à vida social, valoriza a vida campestre e Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
a simplicidade das coisas. Contudo, enquanto Em fúria fora e dentro de mim,
Caeiro sente-se feliz, integrado à natureza, Reis se Por todos os meus nervos dissecados fora,
sente o fruto de uma civilização cristã decadente, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
que caminha fatalmente para a destruição. No Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
plano individual, há a consciência da passagem do De vos ouvir demasiadamente de perto,
tempo e da inevitabilidade da morte. Nada resta E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um
fazer, pois o destino já foi traçado pelo fado excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó Continuará fazendo coisas como versos e vivendo
máquinas! por baixo de coisas como tabuletas,
[...] Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Tabacaria Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono
Não sou nada. de mistério da superfície,
Nunca serei nada. Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma
Não posso querer ser nada. coisa nem outra.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do [...]
mundo.
[...] 2.1.4) Fernando Pessoa – hortônimo
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates! Os poemas líricos de assinatura do próprio
Olha que não há mais metafísica no mundo senão Fernando Pessoa estão reunidos em Cancioneiro, e
chocolates. apresenta reflexões sobre a vida e a arte. Neles,
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a notam-se a retomada da tradição lírica portuguesa e
confeitaria. duas tendências – o sensacionismo e o
Come, pequena suja, come! interseccionismo. O primeiro sustenta que toda
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade experiência consciente é constituída por sensações e
com que comes! que estas poderiam ser fixadas no poema em
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de estruturas ambíguas produzidas por elaboração
folhas de estanho, intelectual, o segundo promovia o cruzamento do
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) mundo interior com o exterior pela invocação
Fiz de mim o que não soube, dessas sensações.
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado. Autopsicografia
Conheceram-me logo por quem não era e não O poeta é um fingidor.
desmenti, e perdi-me. Finge tão completamente
Quando quis tirar a máscara, Que chega a fingir que é dor
Estava pegada à cara. A dor que deveras sente.
Quando a tirei e me vi ao espelho, E os que lêem o que escreve,
Já tinha envelhecido. Na dor lida sentem bem,
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não Não as duas que ele teve,
tinha tirado. Mas só a que eles não têm.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário E assim nas calhas de roda
Como um cão tolerado pela gerência Gira, a entreter a razão,
Por ser inofensivo Esse comboio de corda
E vou escrever esta história para provar que sou Que se chama coração.
sublime.
[...] Isto
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à Dizem que finjo ou minto
porta. Tudo que escrevo. Não.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada Eu simplesmente sinto
E com o desconforto da alma mal-entendendo. Com a imaginação.
Ele morrerá e eu morrerei. Não uso o coração.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos. Tudo o que sonho ou passo,
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os O que me falha ou finda,
versos também. É como que um terraço
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a Sobre outra coisa ainda.
tabuleta, Essa coisa é que é linda.
E a língua em que foram escritos os versos. Por isso escrevo em meio
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto Do que não está ao pé,
se deu. Livre do meu enleio,
Em outros satélites de outros sistemas qualquer Sério do que não é.
coisa como gente Sentir? Sinta quem lê!