RESENHAS 237
BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA Jr., Domício (orgs.). Brasil e o Mundo:
novas visões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002, 446 p.
ISBN: 85.265.0456-8.
“Esta coletânea reúne trabalhos inéditos sobre questões relativas à inserção
internacional do Brasil. Trata-se de questão de importância crescente, mas, ainda
assim, de esforço exploratório”(p. 09). É dessa forma que Domício Proença Jr. e
Clóvis Brigagão apresentam mais um importante empreendimento acadêmico
brasileiro, no campo da paz e da segurança. Em Brasil e o Mundo destaca-se o
empenho de dois grandes pesquisadores brasileiros na sistematização do
conhecimento nacional na área.
Parte de um ambicioso projeto, o livro Brasil e o Mundo representa
mais do que a concretização de um plano de trabalho. O motor dessa iniciativa
encontra significado maior na perspectiva de fazer “ruir o imobilismo” de um país
que, ainda hoje, mostra-se indiferente ao tema.
Contando com a valiosa contribuição de representantes dos mais diversos
segmentos da sociedade, Brasil e o Mundo divide-se em três partes distintas –
Perspectivas, Contextos e Horizontes – que, em seu conjunto, montam um
arcabouço genérico, encadeado e bastante inquietador no que tange à inserção
internacional de segurança do Brasil em um contexto internacional mutável.
O diplomata João Almino inaugura o debate sob uma perspectiva, segundo
ele, “mais do que diplomática”. Para o autor, a segurança internacional de um país
depende, também, das estruturas político-sociais internas e do grau de coesão
nacional. No bojo dessa visão, João Almino argumenta que a política de segurança
do Brasil deve partir do reconhecimento de sua posição no mundo.
O seu texto estrutura-se em torno da discussão dos possíveis arranjos
administrativos entre as diferentes instâncias governamentais brasileiras, com vistas
à coordenação de iniciativas em matéria de segurança e defesa.
A segunda contribuição vem de Afonso Barbosa, que cumpre sua intenção
de empreender uma “visão de um militar”, ao invés de uma “visão militar”. Ele
define como plano de estudo, quatro considerações acerca do relacionamento
entre as nações, vis-à-vis a inserção do Brasil. Nesses termos, o autor percorre
aspectos teórico-normativos que, de forma geral, definem o novo ordenamento
militar brasileiro, corolário da ascensão do controle civil sobre o conjunto das
organizações militares e elucidam o quadro da inserção do Brasil, segundo a análise
da natureza do ambiente político-estratégico mundial e das demandas que a
aspiração nacional, por tornar-se ator ativo nesse quadro, engendram.
A segunda parte do livro – Contextos – inicia-se com o aporte de Valérie
de Campos Mello sobre a participação e visão brasileiras no tocante ao sistema
das Nações Unidas de segurança coletiva. A partir da idéia de que a ONU é o
principal foro no qual as premissas de “primazia dos marcos jurídicos internacionais
238 RESENHAS
e do multilateralismo” são mais fortemente advogadas pelo país, ela passa a
estabelecer considerações no tocante à posição brasileira diante da doutrina de
segurança humana na ONU, segundo a qual o uso da força deve ser o último
recurso a dispor. Por fim, a autora faz referência às direções de ação da ONU
após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, bem como ao significado
desses eventos como um novo desafio à diplomacia brasileira.
Thomaz Guedes da Costa analisa o relacionamento entre Brasil e Estados
Unidos em uma perspectiva histórica, ao mesmo tempo em que busca uma
interpretação atual para as perspectivas de convivência entre os dois países. Sua
tese é de que os contornos da inserção internacional de segurança do Brasil estão
condicionados ao seu relacionamento com o “império do norte”. Sua análise baseia-
se na constatação de que, pela falta um instrumento político-militar entre ambos e
pela centralidade da relação entre os dois para a conformação da conduta da
segurança internacional do Brasil no século XX, há uma crescente necessidade
de harmonização bilateral no campo do “pensar” e “agir”.
No quinto capítulo, a questão relativa às percepções brasileiras frente ao
uso legítimo da força é objeto de análise de Alfredo Valladão. O autor parte da
constatação de que o Brasil nunca esteve à vontade diante de um cenário
internacional tenso e instável, na perspectiva de que a prática diplomática nacional
apresenta credenciais importantes como a rejeição ao uso da força. De fato, o
distanciamento dos pólos de poder, durante parte do século XX, foi recurso
inequívoco do seu modus vivendi diplomático. Na década de 1990, no entanto,
um novo ambiente internacional em formação levou o Brasil à “autonomia pela
participação”. Vale ressaltar, ainda, uma idéia que parece bastante lúcida no
contexto das pretensões brasileiras no cenário internacional: a necessidade de o
Brasil responsabilizar-se pelos “bens públicos” coletivos (mesmo que apenas em
nível regional), caso tenha alguma pretensão a tornar-se líder incontroverso. Ao
mesmo tempo, o autor prevê a necessidade de “multilateralizar” o poder
estadunidense por intermédio de associações, por exemplo, como a União Européia.
A terceira e última parte – Horizontes – traça o pano de fundo de um
“balanço” ainda inconcluso, mas que permite reforçar tendências para o futuro
imediato do Brasil. A política brasileira de segurança no pós-guerra fria é revista
por Paulo Wrobel e Mônica Herz, a partir das transformações da política exterior
do Brasil e sua conexão com as questões de paz e segurança. Nesse contexto, o
dinamismo e variação dos temas em matéria de política de segurança contrastam
com a continuidade da política exterior brasileira.
Os anos de 1990 mostram o vigor de uma abordagem mais democrática
sobre as questões de paz e segurança. Infelizmente, a autora parece dar
importância, sobremaneira, aos resultados objetivos dessa “abertura”, com a crença
de que a formulação e a publicação do documento de Política de Defesa Nacional
(1996) estiveram condicionadas de forma direta a essa nova realidade democrática.
RESENHAS 239
Por seu turno, o professor Amado Luiz Cervo empreende um estudo de
grande envergadura, no conjunto da obra. Seu texto ocupa-se da dimensão da
segurança na política exterior do Brasil diante das conjunturas internacionais. Da
“tranqüilidade global e preocupações regionais” do século XIX, chegando à
nacionalização da segurança da década de 1970 e, depois, à multilateralização da
segurança na década de 1990, Amado Cervo identifica a conclusão de seu texto
com o recente “trânsito” brasileiro entre a “ilusão kantiana”, de apreço às instituições
multilaterais, e o realismo cauteloso, impulsionado pela “tentação” da “autonomia
decisória”.
O livro termina com mais um ensaio acerca da participação brasileira nas
operações de paz. Densa e útil, a análise de Sérgio Aguillar abarca todas as
singularidades históricas desse instrumento multilateral, segundo sua evolução da
primeira geração (1948-1989) à segunda geração (1989 aos nossos dias).
Em seu conjunto, a obra é completa e bem articulada entre os temas mais
polêmicos que envolvem a questão. Brasil e o Mundo, ao estabelecer seu foco
nas peculiaridades do espaço nacional, em estreito diálogo com o contexto
internacional, contribui para o adensamento do debate e o aprimoramento da
“inteligência” nacional na inserção internacional de segurança do Brasil.
Joelson Vellozo Júnior