ELEMENTOS DO DIREITO
PENAL
AULA 3
Prof. Francisco Fadel
CONVERSA INICIAL
Vistas as premissas básicas do direito penal, bem como realizada, de
forma detalhada, a análise de como se comporta a lei penal sob vários aspectos,
passaremos nesta aula a estudar e a compreender juridicamente o crime.
Por meio da teoria geral do crime abordaremos os inúmeros institutos e
respectivas teorias que integram esse importantíssimo elemento jurídico,
começando por sua conceituação, avançando mediante o estudo dos institutos
e elementos que compõem o fato típico (conduta, resultado, nexo causal e
tipicidade), a ilicitude (suas causas de exclusão, previstas no art. 23 do CP) e a
culpabilidade (imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial
consciência da ilicitude).
Ao final, faremos breve estudo sobre o instituto do concurso de agentes.
TEMA 1 – CONCEITO DE CRIME, CRIME/CONTRAVENÇÃO PENAL, SUJEITOS
E OBJETOS DO CRIME
1.1 Conceito de crime
O crime pode ser conceituado sob três prismas diferentes:
1.1.1 Formal
Conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação da pena. É uma visão
legislativa do fato. Informa Teles (2006, p. 152) que “crime é, simplesmente,
aquilo que a lei considera crime”.
Mas o conceito formal não é suficiente para identificarmos corretamente
um comportamento humano como criminoso. Vejamos o conceito material.
1.1.2 Material
Busca-se estabelecer porque determinado fato deve ser considerado
criminoso ou não. Analisa-se a essência do comportamento humano, sua razão
motivadora. Assim, crime é a violação ou a ameaça de violação de um bem
penalmente protegido.
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1.1.3 Analítico
Aqui, busca-se estabelecer os elementos estruturais do crime, seus
componentes jurídicos. Assim, crime é todo fato típico, ilícito e culpável.
1.2 Crime e contravenção penal
As contravenções penais encontram-se previstas no Decreto-lei n.
3.688/1941, não havendo diferenças relevantes entre as figuras jurídicas, uma
vez que ambas são consideradas espécies do gênero infração penal.
O único critério seguro para distinguir crime de contravenção é a
classificação realizada pelo direito positivo que releva, dentre outros, os
seguintes elementos:
1.2.1 Quanto à pena cominada
• quanto aos crimes, a quantidade e a qualidade da pena atribuída à
infração penal são diversas, uma vez que pode ser cominada pena de
reclusão, detenção ou multa, sendo as duas primeiras de forma isolada
ou cumulativa;
• as contravenções penais são apenadas com prisão simples e multa,
isolada ou cumulativamente.
1.2.2 Quanto à admissibilidade da forma tentada
• crimes, como regra, admitem a forma tentada;
• contravenções, conforme art. 4º, do Decreto-lei n. 3.688/1941, não
admitem tentativa.
1.2.3 Quanto à espécie de ação penal
• crimes são apurados mediante a ação penal pública (incondicionada ou
condicionada), ou, dependendo da hipótese, por meio de ação penal
privada;
• contravenções são apuradas somente por meio de ação penal de pública
incondicionada (art. 17 do Decreto-lei n. 3.688/1941) (Brasil, 1941).
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1.2.4 Quanto ao tempo máximo de cumprimento de pena
• crimes, conforme art. 75 do CP (Brasil, 1940), com redação alterada pela
Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), seu cumprimento não deverá
exceder 40 (quarenta) anos;
• quanto às contravenções, o tempo limite de cumprimento de pena é de 5
(cinco) anos (art. 10 do Decreto-lei n. 3.688/1941) (Brasil, 1941).
1.3 Sujeitos do crime
1.3.1 Sujeito ativo
É quem pratica o fato descrito na lei penal incriminadora.
Como a prática de um delito pressupõe o emprego de uma ação ou
omissão visando uma finalidade, conclui-se que somente o ser humano possui
capacidade para delinquir.
1.3.2 Sujeito passivo
É o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime. É
necessário questionar qual é o interesse tutelado pela lei penal incriminadora e,
assim, identificar seu titular.
No homicídio, a norma protege o direito à vida, sendo o homem seu titular.
Pode-se classificar o sujeito passivo em:
a. formal ou constante: é o Estado, pois formalmente o crime é a violação
de uma norma penal. A norma penal é editada pelo Estado, logo este é
atingido;
b. material ou eventual: é o titular do interesse penalmente protegido.
Assim, pode ser o homem, quando vítima de crime de homicídio (art. 121,
caput, do CP) (Brasil, 1940), a pessoa jurídica, quando vítima de fraude
para recebimento de indenização ou valor de seguro (art. 171, parágrafo
2º, V, do CP) etc. (Brasil, 1940).
O homem não pode ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo de crime.
Quem lesa a si próprio não comete nenhum delito. Porém, quem “lesa o próprio
corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com intuito
de haver indenização ou valor de seguro", comete estelionato (art. 171,
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parágrafo 2º, V, do CP), figurando como sujeito passivo a seguradora vítima da
fraude (Brasil, 1940).
O homem morto não pode ser sujeito passivo de crime, pois não é titular
de direitos, mas pode ser objeto material do delito, sendo seus familiares
considerados sujeitos passivos (art. 138, parágrafo 2º, CP) (Brasil, 1940).
A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo material de crime, por exemplo,
no crime de furto.
1.4 Objetos do crime
Objeto do crime vem a ser aquilo contra o que se dirige a conduta típica.
Objeto jurídico do crime é o bem-interesse protegido pela norma penal.
Assim, a vida em relação ao crime homicídio, a honra quanto ao crime de calúnia,
o patrimônio quando da prática de furto etc.
Objeto material do crime é o objeto sob o qual recai a ação, ou seja, o
homem ou a coisa sobre que incide a conduta do sujeito ativo. O homem no caso
de crime de lesões corporais, o documento no caso de falsificação.
TEMA 2 – FATO TÍPICO, CONDUTA E CRIMES OMISSIVOS
2.1 Fato típico
2.1.1 Considerações iniciais e elementos constitutivos
Analiticamente a maioria dos penalistas mundiais entende que crime é
fato típico, antijurídico e culpável.
Assim, o fato típico (nos crimes materiais) é composto de:
a. Conduta: ou seja, uma ação humana, positiva (ação) ou negativa
(omissão), dolosa (intencional) ou culposa;
b. Resultado: a conduta não é suficiente para que se materialize um fato
típico, é necessário que esta provoque uma alteração no mundo exterior,
que o modifique (crimes materiais). O resultado pode ser material ou
jurídico;
c. Nexo causal: o resultado deve ter relação com a conduta praticada, vale
dizer, é necessário um liame, um vínculo entre conduta e resultado;
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d. Tipicidade: trata-se da correspondência entre o fato praticado pelo agente
e a descrição existente no tipo penal.
Em regra, faltando um dos elementos acima, não teremos a
caracterização do fato típico, sendo a conduta considerada um irrelevante penal
(fato atípico).
Passemos a analisar mais detalhadamente a conduta.
2.2 Conduta: conceito
Conduta é a ação ou omissão humana, voluntária e consciente, dirigida a
uma finalidade (conceito extraído de acordo com os postulados da teoria finalista
da ação, adotada pelo direito penal brasileiro).
Do conceito, conclui-se que:
• a conduta pode se apresentar sob um aspecto positivo (um agir, um fazer
alguma coisa, um movimento muscular) e então teremos uma ação ou,
em face de uma ausência de movimento, uma inação, configurando-se a
omissão;
• somente o homem pode praticar uma conduta, não se podendo qualificar
a ação praticada por um animal, ser irracional por excelência, como
conduta;
• como o pensamento não externado não caracteriza conduta, pois o direito
penal não se ocupa com atividades psíquicas;
• a conduta só é relevante para o direito penal quando voluntária, quando
há manifestação da vontade (sentido amplo);
• o comportamento humano considerado pelo direito penal consiste num
movimento ou na ausência de movimento corporal (ação ou omissão).
2.3 Ausência de conduta: hipóteses
Não há conduta e, consequentemente, fato típico, quando o ato é
praticado de forma involuntária ou inconsciente, como nas situações a seguir:
a. no ato reflexo: ato desprovido de vontade ou finalidade, sendo uma reação
automática que ocorre após a excitação de um nervo sensitivo. Não há
voluntariedade;
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b. na coação irresistível praticada por meio da força corporal: ocorre, por
exemplo, quando o agente é forçado fisicamente a assinar um documento
falso. Não há voluntariedade;
c. durante o sonambulismo: pois não há consciência por parte do agente;
d. quando o agente estiver sob o efeito de hipnose ou em estado de
inconsciência.
2.4 Teoria adotada pelo direito brasileiro quanto à conduta
A lei penal brasileira adotou, quanto à conduta, a teoria finalista da ação,
segundo a qual, conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente
(doloso ou culposo), dirigido a uma finalidade (vale dizer, um objetivo).
2.5 Formas de conduta
A conduta pode ser realizada mediante ação ou omissão.
2.5.1 Ação
A ação se exterioriza por meio de um movimento corpóreo (muscular) que
se dirige a uma finalidade (nem sempre a de praticar uma infração penal). Ex.:
crime de homicídio (doloso ou mesmo culposo). Trata-se do denominado crime
comissivo.
Assim, omissão implica “não fazer aquilo que o agente tinha o dever
jurídico e a possibilidade de realizar” (Barros, 2019, p. 200).
2.5.2 Conduta omissiva: teoria
O CP adotou, quanto à omissão, a teoria normativa, segundo a qual, a
omissão é interpretada como um não fazer algo que deveria ser feito. A omissão
por si só é irrelevante no campo penal, sendo a norma penal que lhe confere
importância.
2.6 Modalidades de crimes omissivos
A conduta omissiva enseja duas formas de crimes:
• crimes omissivos próprios ou puros: ocorrem por meio da inação do
agente. A norma penal ordena ao agente que aja, que atue e, não agindo,
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independentemente da causação de algum resultado, o crime estará
consumado. A conduta omissiva é descrita na lei, não sendo necessário
um resultado naturalístico. Ex.: omissão de socorro (art. 135, CP);
abandono material (art. 244, CP); abandono intelectual (art. 246, CP);
omissão de notificação de doença (art. 269, CP) (Brasil, 1940). O delito
se configura com a omissão pura e simples.
• crimes omissivos impróprios (impuros ou comissivos por omissão):
o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez o que deveria ter
feito. O agente é um garantidor. Há uma norma dizendo o que deve o
agente fazer e, ficando inerte, sua omissão tem importância causal (na
ocorrência do fato típico).
Temos a omissão acrescida de um resultado dela decorrente.
Assim, o omitente responde pela omissão e pelo resultado dela produzido,
a não ser que este não lhe possa ser atribuído por dolo ou culpa. É o caso da
mãe que deixa de alimentar o filho, levando-o à morte.
TEMA 3 – RESULTADO, TIPO PENAL E NEXO CAUSAL
3.1 Resultado
O resultado pode ser considerado sob dois aspectos: jurídico ou
naturalístico (material).
O resultado jurídico ou normativo se caracteriza, conforme Masson (2020,
p. 207), pela “lesão ou exposição de perigo de lesão do bem jurídico protegido
pela lei penal.”
Materialmente, o resultado vem ser a modificação do mundo exterior,
decorrente da conduta praticada pelo agente.
Quanto ao resultado, o CP adota a teoria naturalística, segundo a qual é
possível existir crime sem resultado, por exemplo, crimes de mera conduta.
3.1.1 Classificação de crimes quanto ao resultado
De acordo com o resultado, os crimes podem ser classificados como:
• materiais: quando o tipo penal descreve uma ação e um resultado e este
(resultado) é necessário para a consumação da infração. Ex. homicídio
(art. 121, CP) (Brasil, 1940);
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• formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado: nestes
o tipo penal descreve uma ação e um resultado, o qual é dispensado para
que se considere consumada a infração. Ex. ameaça (art. 147, CP)
(Brasil, 1940);
• de mera conduta ou de simples atividade: o tipo penal em sua redação,
apenas se limita a descrever o comportamento do agente, consumando-
se a infração sem que ocorra mudança no mundo naturalístico (concreto).
Ex.: crime de violação de domicílio (art. 150), omissão de notificação de
doença (art. 269, CP) (Brasil, 1940).
3.2 Tipo penal
O direito penal é tipológico, ou seja, busca, por meio de tipos penais,
descrever quais são os comportamentos humanos permitidos ou proibidos.
Assim, o tipo penal incriminador vem a ser a descrição abstrata de um fato
real que a lei proíbe, ou, de forma mais técnica, vem a ser o conjunto de
elementos descritivos do crime contidos na lei penal.
Já a tipicidade é a adequação de uma conduta a um tipo penal.
Assim, o juiz comprova a tipicidade comparando a conduta praticada pelo
agente, com a descrição previamente existente no tipo penal, a fim de verificar
se esta se amolda ou não a ela.
3.2.1 Elementares
São componentes fundamentais da figura típica sem os quais o crime não
existe. Estão sempre no caput do tipo incriminador.
Há três espécies de elementares:
a. Elementos objetivos ou descritivos: referem-se ao aspecto material do
fato, ou seja, existem concretamente no mundo e seu significado não
exige juízo de valor. Ex.: matar (art. 121), coisa móvel (art. 155) (Brasil,
1940);
b. Elementos normativos: são os que precisam de uma interpretação, pois
seu correto significado não se extrai da mera observação, necessitando
de um juízo de valoração. Podem ser:
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• elemento normativo moral ou extrajurídico: é aquele que reclama,
para se chegar ao correto significado do elemento, um juízo de valor
moral, religioso, social, consuetudinário. Ex.: dignidade ou decoro (art.
140, CP) (Brasil, 1940);
• elemento normativo jurídico: quando o juízo de valor depende de uma
interpretação jurídica. Ex.: noção de documento público (art. 297, CP)
(Brasil, 1940).
c. Elementos subjetivos do tipo: aqui o legislador destaca uma parte do
dolo e a insere expressamente no tipo penal. São pertinentes ao estado
psicológico do agente e existem quando o tipo penal exige alguma
finalidade específica por parte do criminoso ao executar a conduta. É,
portanto, a finalidade especial descrita no tipo. Ex.: art. 159 do Código
Penal (extorsão mediante sequestro – Sequestrar pessoa com o fim de
obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate) (Brasil, 1940);
3.2.2 Circunstâncias
São os dados acessórios da figura típica, cuja ausência não a elimina.
Sua função é tão somente influir no montante da pena, seja para aumentá-la,
seja para diminuí-la. Ex.: a pena do crime de furto é aumentada de 1/3 se a
subtração é praticada durante o repouso noturno (art. 155, parágrafo 1º).
3.2.3 Espécies de tipos penais
a. permissivos ou justificadores: são aqueles que não descrevem fatos
criminosos, mas hipóteses em que estes podem ser praticados. São os
que descrevem causas de exclusão de ilicitude (antijuridicidade),
previstas no art. 23 do Código Penal. Ex.: legítima defesa, descrita no art.
25 do CP (Brasil, 1940);
b. incriminadores: são os que descrevem as condutas proibidas. Compõem
a grande maioria dos tipos penais que se encontram na parte especial do
CP. Ex.: arts. 155, 213, 330 etc. (Brasil, 1940);
c. fechados: comportam a maioria dos tipos legais. São aqueles em que a
descrição da conduta é feita de modo detalhado, completo. Relacionam-
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se aos crimes dolosos. Ex.: arts. 121, 168, 250, todos do Código Penal
(Brasil, 1940);
d. abertos: são aqueles em que somente o resultado da ação criminosa se
encontra individualizado. Relacionam-se com os delitos culposos. Em vez
de detalhar a conduta punível, o legislador descreve somente o resultado.
Como a conduta pode ocorrer de maneiras diversas, temos o chamado
tipo aberto.
e. tipos simples e composto: os primeiros compreendem uma única
conduta punível (subtrair, art. 155; violar, art. 184). Nos tipos compostos
há pluralidade de ações que sempre indicarão a prática de uma única
infração (induzir, instigar ou prestar auxílio, art. 122; corromper ou poluir
água potável, art. 271) (Brasil, 1940).
3.3 Nexo causal ou nexo de causalidade
3.3.1 Conceito
Vem a ser a relação física natural de causa e efeito existente entre a
conduta do agente e o resultado dela decorrente.
Somente os crimes materiais exigem a comprovação do nexo causal,
apresentando então quatro requisitos: conduta, resultado, nexo causal e
tipicidade.
O CP adotou, no art. 13, caput, 2ª parte, a teoria da equivalência dos
antecedentes, também chamada de teoria do conditio sine qua non.
Para a teoria, causa é toda circunstância antecedente, sem a qual o
resultado não teria ocorrido.
TEMA 4 – ILICITUDE E SUAS CAUSAS DE EXCLUSÃO
4.1 Ilicitude
É a relação de antagonismo que se estabelece entre o fato típico praticado
pelo agente e o ordenamento.
Num primeiro momento, a ilicitude do fato típico é a regra e sua licitude a
exceção.
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4.1.1 Causas de exclusão de ilicitude
Estão elencadas no art. 23 do Código Penal (Brasil, 1940):
a. estado de necessidade;
b. legítima defesa;
c. estrito cumprimento do dever legal e;
d. exercício regular de direito.
Vejamos cada uma delas.
4.2 Do estado de necessidade
4.2.1 Conceito
Entende-se em estado de necessidade quem pratica um fato típico para
salvar de perigo atual (que não provocou por sua vontade, nem podia de outro
modo evitar) direito próprio ou alheio, cujo sacrifício não era razoável exigir-se.
Há o confronto de dois interesses legítimos e protegidos pelo direito, em
que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, acaba por lesar o
interesse de outrem.
4.2.2 Teoria adotada pelo CP
O CP adotou, quanto ao Estado de Necessidade, a teoria unitária,
segundo a qual, havendo razoabilidade entre o bem sacrificado e o preservado,
configurado estará o instituto.
4.2.3 Requisitos para sua configuração
São eles:
• Inevitabilidade da conduta: o comportamento do agente deve ser
absolutamente inevitável para salvar direito próprio ou alheio. O
commodus dicessus (saída mais cômoda = destruição do bem) deve ser
evitado quando houver outra maneira para afastar o perigo. O bem
somente deverá ser sacrificado quando não existir outro meio de se
efetuar o salvamento;
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• Razoabilidade do sacrifício: o sacrifício do bem alheio há de ser
razoável, devendo existir proporcionalidade entre a gravidade do perigo
que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e o dano que será
causado em outro bem para afastá-lo;
• Conhecimento da situação justificante: o agente deve ter saber que
age para salvar um bem jurídico próprio ou alheio.
4.3 Legítima defesa
4.3.1 Conceito
Age em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem.
Resta claro que o instituto tem por fundamento a repulsa a uma agressão,
ou seja, um contra-ataque.
4.3.2 Requisitos para a caracterização da legítima defesa
a. existência de uma agressão: não se confunde com a simples
provocação. Agressão é o efetivo ataque a um bem jurídico de alguém,
perpetrado por um ser humano, ou seja, a agressão é uma ação positiva
(Brandão, 2003, p. 118). Como pressupõe ato humano, caso o ataque se
origine de um animal, fala-se em estado de necessidade, salvo se o
animal for instigado/açulado por alguém para atacar outrem. Nesse caso,
o animal servirá de instrumento para a prática da agressão e poderá se
configurar a legítima defesa;
b. agressão injusta: corresponde à agressão ilícita, ou seja, contrária ao
ordenamento jurídico, não autorizada pelo direito. A ilicitude deve ser
aferida de forma objetiva, independentemente de se questionar se o
agressor tinha ciência do caráter ilícito de sua conduta;
c. agressão atual ou iminente: atual é a agressão que está ocorrendo e
iminente é a que está prestes a ocorrer;
d. defesa de direito próprio ou de terceiro: a legítima defesa de terceiro
pode voltar-se, inclusive, contra o próprio terceiro, como no caso em que
se agride um suicida para evitar que ele se mate;
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e. utilização dos meios necessários: são os meios menos lesivos ao
agressor e dispostos ao alcance do agente que se defende;
f. moderação: não deve o agente ir além do necessário para proteger o bem
jurídico violado;
g. elemento subjetivo: o agente precisa saber que está agindo para se
defender.
4.4 Exercício regular de direito
4.4.1 Conceito
Consiste na atuação do agente dentro dos limites conferidos pela lei. É o
caso, por exemplo, dos pais que aplicam, moderadamente, corretivos a seus
filhos em decorrência do poder familiar, ou ainda na hipótese de um particular
dar voz de prisão a quem se encontra em flagrante (art. 301, CPP) (Brasil, 1941).
Determinados esportes são permeados por atos que contêm certo grau
de violência em face do contato físico, o que pode levar à ocorrência de lesões
corporais ou até mesmo à morte de seus praticantes. O praticante, desde que
aja de acordo com as regras da modalidade esportiva, poderá invocar em seu
favor a descriminante do exercício regular de direito
O exercício abusivo do instituto faz desaparecer a excludente de ilicitude.
Conforme ensina Cunha (2020, 342, grifos do original), são “requisitos
desta justificante: a proporcionalidade, a indispensabilidade e o conhecimento
do agente de que atua concretizando seu direito previsto em lei”.
4.5 Ofendículos, offendicula ou offensacula
Ofendículos são aparatos visíveis destinados à defesa da propriedade ou
qualquer outro bem jurídico da pessoa, tais como, cercas eletrificadas, cacos de
vidros fixados em cima do muro, grades com ponta de lança, dentre outros. São
considerados lícitos desde que facilmente identificáveis e não coloquem em risco
pessoas não agressoras.
Alguns estudiosos situam os ofendículos como expressão de exercício
regular de direito, outros como legítima defesa preordenada.
Irrepreensível é o raciocínio apresentado por Cunha (2020, p. 342)
quando sustenta que
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No primeiro estágio – de disposição da armadilha –, inexistindo
agressão injusta, atual ou iminente, obviamente age o sujeito dentro
dos limites de seus direitos, dando proteção ao seu patrimônio ou vida.
No segundo momento – de deflagração das offendicula –, presentes
todos os requisitos legais, o ato adquire contornos de legítima defesa.
4.6 Estrito cumprimento do dever legal
4.6.1 Conceito e considerações iniciais
Consiste na realização de um fato típico, decorrente do desempenho de
uma obrigação imposta pela lei.
Compreende toda e qualquer obrigação derivada de lei (diplomas legais),
bem como de decisões judiciais. A palavra lei deve ser entendida em sentido
amplo, abrangendo a lei propriamente dita, como também decretos,
regulamentos, portarias, ou seja, “qualquer diploma normativo emitido pela
autoridade competente para deliberar a respeito” (Cunha, 2020, p. 340).
Alcança agentes públicos que atuam por ordem de lei. Estende-se ainda
ao particular que exerce função pública, como o mesário da Justiça Eleitoral, o
jurado etc.
Pode ser aplicada ao particular, pois, conforme Brandão (2003, p. 125),
“um sujeito que presta testemunho tem o dever de falar a verdade; se durante o
testemunho atinge-se a honra de um terceiro, não se poderá cogitar da
incidência de crime contra a honra, por força da justificativa em comento”.
Podem ser citados os seguintes exemplos de estrito cumprimento do
dever legal: a execução de pena de morte pelo carrasco; a morte de inimigo no
campo de batalha, ocorrida em tempo de guerra; prisão em flagrante levada a
cabo por policiais; a realização de busca pessoal, nas hipóteses previstas no
Código de Processo Penal.
Necessária ainda a vontade do agente de defender bens jurídicos.
TEMA 5 – CULPABILIDADE E CONCURSO DE PESSOAS
5.1 Culpabilidade
É o juízo de reprovação que recai sob o agente que praticou um fato típico
e ilícito.
O instituto é composto por três elementos: imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
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5.1.1 Elementos da culpabilidade: conceitos
A imputabilidade vem a ser a capacidade mental, inerente ao ser humano
de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
A imputabilidade, completados 18 (dezoito) anos, é a regra e a
inimputabilidade a exceção.
A lei brasileira adota os critérios biológico (art. 27, CP) e biopsicológico
(art. 26, parágrafo único, CP) (Brasil, 1940) para aferir a imputabilidade.
Potencial consciência da ilicitude vem a ser a possibilidade que tem o
agente imputável de compreender a reprovabilidade de sua conduta.
Exigibilidade de conduta diversa implica a expectativa de que o agente,
no caso concreto, poderia agir de forma diferente e, desse modo, evitar a prática
do fato típico.
5.2 Concurso de pessoas
Concurso de agentes, codelinquência ou concurso de pessoas
caracterizam-se quando uma infração penal é cometida por duas ou mais
pessoas.
Requisitos para sua caracterização:
a. Pluralidade de agentes e de condutas: duas ou mais pessoas devem
ter praticado condutas penalmente relevantes. No caso da autoria, as
condutas serão igualmente importantes. No caso da participação, haverá
uma conduta principal e outra acessória;
b. Relevância causal das condutas: o comportamento dos agentes deve
influenciar de alguma maneira a prática da infração. Por isso o art. 29 do
CP dispõe que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide
nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (Brasil,
1940);
c. Liame subjetivo entre os agentes: não é necessário que haja um acordo
prévio entre os agentes, mas eles devem ter consciência de que
contribuíram para a prática de uma mesma infração. Isto é, é preciso
haver um nexo psicológico entre os sujeitos para se considerar que eles
praticaram um crime em concurso. Caso não exista esse liame, haverá
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vários crimes simultâneos e não um crime realizado por várias pessoas.
Um adere ao comportamento e vontade do outro;
d. Identidade de infração penal: como todos os agentes contribuem para o
mesmo evento, respondem, em regra, pela mesma infração penal. Trata-
se da aplicação da teoria monista, monística ou unitária, adotada pelo CP.
Excepcionalmente pode ser aplicada a teoria pluralista/pluralística, pela
qual os agentes respondem por tipos penais diferentes, apesar de
buscarem o mesmo resultado, a exemplo dos crimes de corrupção
passiva e corrupção ativa (arts. 317 e 333, do CP, respectivamente) e das
figuras de aborto consentido (arts. 124 e 126, ambos do CP) (Brasil,
1940).
Para melhor compreender o tema, é necessário saber os conceitos
jurídicos de autor e de participação.
• Autoria: considera-se autor de um crime a pessoa que executa a ação
indicada pelo verbo que consta no tipo (teoria restritiva), ou então quem
controla a realização da conduta, mesmo não executando o núcleo do tipo
(teoria do domínio do fato);
• Coautoria: ocorre quando dois ou mais agentes praticam a conduta
prevista no tipo penal;
• Participação: partícipe é aquele que realiza atos que, de alguma forma,
concorrem para o crime, sem ingressar na ação nuclear típica. O partícipe
deve querer colaborar com a conduta do autor e deve tê-lo auxiliado. Pode
ser:
• participação moral: é a instigação ou o induzimento ou de terceira
pessoa a cometer um crime. Podem ocorrer na fase de cogitação e
dos atos preparatórios. Na instigação, o partícipe reforça a vontade
que o autor já possuía. No induzimento, o partícipe faz surgir a ideia
criminosa na mente do autor;
• participação material: é o auxílio oferecido pelo partícipe para
concretização da execução do crime. Acontece durante os atos
preparatórios ou executórios, mas não após a consumação do crime,
exceto se tiver havido a combinação anterior.
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NA PRÁTICA
A diferença entre o delito de associação criminosa, previsto no art. 288 do
CP (Brasil, 1940), e o instituto do concurso de agentes está no fato de que
referido crime pressupõe no mínimo 3 (três) agentes, os quais devem ter um
grau de estabilidade no que se refere à duração do vínculo entre eles. O
concurso de agentes pode se caracterizar com 2 (dois) integrantes e o liame
entre eles pode ocorrer poucos instantes antes da prática da infração.
FINALIZANDO
Nesta aula, estudamos os elementos estruturais do conceito analítico de
crime – fato típico, ilicitude e culpabilidade – além de breve análise do instituto
denominado concurso de agentes.
Verificou-se, dentre outras informações:
1. que o CP brasileiro adotou a teoria finalista da ação relativamente à
conduta;
2. que nosso sistema admite crimes sem resultado naturalístico (crimes
formais e crimes de mera conduta);
3. que o nexo causal implica uma relação física, de causa e efeito entre a
conduta e o resultado dela decorrente, tendo o CP adotado a teoria da
conditio sine qua nom;
4. que relativamente à ilicitude, foram analisados detalhadamente os
institutos que afastam sua caracterização, quais sejam, estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e
exercício regular de direito, sendo ponderados seus elementos e
requisitos para sua caracterização;
5. estudou-se, ainda, a culpabilidade, seus elementos, como também o
instituto do concurso de agentes, seus requisitos, além da conceituação
de autor, coautor e partícipe, perante a legislação penal brasileira.
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