Capítulo I – Onde Nem a Água Vive
Nasci onde nem a água ousa ficar. O Deserto de Yseth é uma promessa cruel feita aos
que nunca tiveram escolha. Ali, o sol não doura, queima. O vento não refresca, fere.
Mas mesmo naquele inferno dourado, minha espécie sobreviveu – tritões adaptados à
sequidão, únicos em todo o continente. Minhas guelras funcionavam pouco, minha pele
rachava sob o sal do deserto, mas meu coração... esse batia com raiva. Não lembro da
primeira vez que roubei, só lembro da fome. Lembro dos olhos da minha mãe, tristes,
mas não derrotados. Do jeito que meu pai dizia que a dignidade não morava na riqueza,
mas no que se faz com ela. Aprendi cedo que ninguém viria nos salvar. Aprendi a me
mover entre sombras e mercados, entre soldados e promessas falsas. Diziam que eu era
só mais um entre muitos. Um peixe fora d'água. Mas eu sentia diferente. Sentia o
sangue do povo fervendo junto ao meu. Cada injustiça me atingia como corte. E então,
comecei a reagir. Um saco de grãos aqui, um odre de água ali. A vila começou a
cochichar. “O Tubarão do Deserto. ” Não era um título. Era um aviso.
Capítulo II – Ouro por Fora, Areia por Dentro
Neferis era feito de ouro por fora e de nada por dentro. Era como uma miragem –
bonito de longe, vazio de perto. Ele dizia que ajudaria o povo, mas só se o povo se
provasse digno. Como se a dor precisasse se justificar para ser notada. Como se fome
tivesse que fazer discurso. Foi nessa época que conheci Lua Negra. Ela apareceu numa
noite de tempestade, olhos brilhando como prata sob o céu sem lua. Uma drow de
poucas palavras, mas com passado marcado em cada cicatriz. Havia algo nela que me
lembrava de mim: não era o que dizia, era o que já tinha perdido. Harzan veio depois. O
contrário de nós dois. Humano, esperançoso, de fala doce e alma rebelde. Quando ele
falava, até os guardas paravam para escutar. Ele acreditava na mudança, mesmo
quando nós já só queríamos sobreviver. Juntos, formamos um elo. Eu era o punho, Lua a
lâmina, Harzan a voz.
Capítulo III – Traição no Silêncio
O plano foi montado como se fosse a única chance que teríamos. E talvez tenha sido
mesmo. Nos preparamos por semanas. Mapas, aliados, desvios. Sonhos. Cada um de nós
imaginava aquele momento. Harzan falava de liberdade. Lua de justiça. Eu... só queria
ver Neferis sangrar. Invadimos o palácio numa noite sem estrelas. A areia parecia
segurar o ar. Chegamos ao trono, mas ele estava vazio. E aí tudo fez sentido. A
emboscada não doeu só pelo sangue derramado, mas pela traição. Alguém nos vendeu.
Lua foi levada. Harzan, silenciado. E eu... eu fui deixado vivo. Talvez como troféu, talvez
como castigo. Senti uma parte de mim morrer ali, mas outra parte endureceu. Se antes
eu lutava pelo povo, agora eu sobreviveria por mim.
Capítulo IV – A Caixa de Ferro
A prisão de Saqqar era um lugar onde até o tempo desistia de passar. A Caixa de Ferro...
aquilo não era uma cela. Era um inferno privado, onde o calor fazia a pele rachar e os
pensamentos se transformavam em gritos. O silêncio lá dentro era alto demais. Foi ali
que conheci Salazar. Ele falava sozinho, mas suas palavras encontravam o caminho até
mim. Contava sobre a vingança, sobre a cicatriz em seu rosto, sobre quem ele era antes
de virar monstro. E foi ouvindo ele que percebi: eu também estava mudando. Não havia
mais herói. Restava só o instinto. Uma parte minha se calou para sempre ali dentro,
mas outra despertou – fria, letal. Comecei a acreditar que morreria ali. E talvez
merecesse. Eu tinha falhado. Com o povo, com Lua, com Harzan. Comigo mesmo.
Capítulo V – O Resgate
O dia da fuga não parecia diferente dos outros. A luz ainda queimava. O ar ainda
sufocava. Mas o chão tremeu, e pela primeira vez, algo quebrou além de mim. Paredes
ruíram. A prisão gritou. E então ele apareceu: Capitão Alma Negra. Ele não veio por
mim. Mas me viu. Me olhou como quem reconhece um espelho rachado. Disse que eu
ainda tinha algo a oferecer. Que a dor me moldou, mas não me matou. Que o mundo era
cheio de monstros e que eu era um deles. Um que podia ser útil. Aceitei. Não porque
queria, mas porque precisava. Não por mim. Mas porque, lá no fundo, ainda restava
algo que não queria morrer ali.
Capítulo VI – Um Novo Horizonte
O mar me recebeu como um velho inimigo. A água, agora fria, era mais acolhedora que
o sol que me torturou por anos. A bordo do Médon, eu era livre, mas não estava em paz.
Os olhares desconfiados, os sussurros... sabiam que algo em mim era sombrio. E
estavam certos. Salazar, ao meu lado, era como uma lembrança viva do que eu poderia
me tornar. Ou do que já era. Alma Negra não perguntava. Ele apenas confiava. Não em
quem eu fui, mas em quem eu podia ser. E isso, de algum modo, me incomodava mais
que o ódio. Enquanto navegávamos para o continente desconhecido, eu tentava entender
se ainda havia redenção para mim. Se algum dia voltaria a sorrir sem culpa. Se um dia
conseguiria dormir sem lembrar da Caixa. Talvez não. Mas eu seguia. Porque algo novo
nos esperava. E talvez, só talvez, lá eu pudesse descobrir quem realmente sou. Konnor
Hidusk. O nome ainda pesa. Mas agora, é minha responsabilidade carregá-lo.
Historia em conjunta.**