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PROSA Comparativo Romant Real-Natual BR

O documento apresenta trechos de obras literárias brasileiras, incluindo 'O Guarani' de José de Alencar e 'O Cortiço' de Aluísio Azevedo, explorando temas como a beleza e a inocência da juventude, bem como a ambição e a transformação social. As descrições poéticas e os diálogos entre os personagens revelam a complexidade das relações humanas e a luta por status e riqueza. A narrativa destaca a interação entre diferentes classes sociais e a evolução dos ambientes urbanos.
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Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Universidade Federal do Agreste de Pernambuco

Curso de Licenciatura em Letras


Literatura Brasileira – II
Prof. Dr. Rogério Cavalcante de Moura
TEXTO 1 corpo cedendo à languidez que produz uma
tarde calmosa, deixava que a imaginação
O Guarani corresse livre.
José de Alencar Os sopros tépidos da brisa que vinham
impregnados dos perfumes das
V madressilvas, e das açucenas agrestes,
LOURA E MORENA ainda excitavam mais esse enlevo e
bafejavam talvez nessa alma inocente algum
Caía a tarde. No pequeno jardim da pensamento indefinido, algum desses mitos
casa do Paquequer, uma linda moça se de um coração de moça aos dezoito anos.
embalançava indolentemente numa rede de Ela sonhava que uma das nuvens
palha presa aos ramos de uma acácia brancas que passavam pelo céu anilado,
silvestre, que estremecendo deixava cair rogando a ponta dos rochedos se abria de
algumas de suas flores miúdas e repente; e um homem vinha cair a seus pés
perfumadas. Os grandes olhos azuis, meio tímido e suplicante.
cerrados, às vezes se abriam languidamente Sonhava que corava; e um rubor vivo
como para se embeberem de luz, e acendia o rosado de suas faces; mas a pouco
abaixavam de novo as pálpebras rosadas. e pouco esse casto enleio ia se
Os lábios vermelhos e úmidos pareciam desvanecendo, e acabava num gracioso
uma flor da gardênia dos nossos campos, sorriso que sua alma vinha pousar nos
orvalhada pelo sereno da noite; o hálito doce lábios.
e ligeiro exalava-se formando um sorriso. Com o seio palpitante, toda trêmula e
Sua tez alva e pura como um floco de ao mesmo tempo contente e feliz, abria os
algodão, tingia-se nas faces de uns longes olhos; mas voltava-os com desgosto, porque,
cor-de-rosa, que iam, desmaiando, morrer no em vez do lindo cavalheiro que ela sonhara,
colo de linhas suaves e delicadas. via a seus pés um selvagem.
Tinha então, sempre em sonho, um
O seu trajo era do gosto o mais mimoso desses assomos de cólera de rainha
e o mais original que é possível conceber; ofendida, que fazia arquear as sobrancelhas
mistura de luxo e de simplicidade. louras, e bater sobre a relva a ponta de um
Tinha sobre o vestido branco de cassa pezinho de menina.
um ligeiro saiote de riço azul apanhado à Mas o escravo suplicante erguia os
cintura por um broche; uma espécie de olhos tão magoados, tão cheios de preces
arminho cor de pérola, feito com a penugem mudas e de resignação, que ela sentia um
macia de certas aves, orlava o talho e as quer que seja de inexprimível, e ficava triste,
mangas; fazendo realçar a alvura de seus triste, até que fugia e ia chorar.
ombros e o harmonioso contorno de seu Vinha porém o seu lindo cavalheiro,
braço arqueado sobre o seio. enxugava-lhe as lágrimas, e ela sentia-se
consolada, e sorria de novo; mas conservava
Os longos cabelos louros, enrolados sempre uma sombra de melancolia, que só a
negligentemente em ricas tranças, pouco e pouco o seu gênio alegre conseguia
descobriam a fronte alva, e caíam em volta desvanecer.
do pescoço presos por uma rendinha Neste ponto do seu sonho, a portinha
finíssima de fios de palha cor de ouro, feita interior do jardim abriu-se, e outra moça,
com uma arte e perfeição admirável. A roçando apenas a grama com o seu passo
mãozinha afilada brincava com um ramo de ligeiro, aproximou-se da rede.
acácia que se curvava carregado de flores, e Era um tipo inteiramente diferente do
ao qual de vez em quando segurava-se para de Cecília; era o tipo brasileiro em toda a sua
imprimir à rede uma doce oscilação. graça e formosura, com o encantador
Esta moça era Cecília. contraste de languidez e malícia, de
indolência e vivacidade
O que passava nesse momento em seu [...]
espírito infantil é impossível descrever; o
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Curso de Licenciatura em Letras
Literatura Brasileira – II
Prof. Dr. Rogério Cavalcante de Moura
impaciência, se eu te pedisse aquela
nuvem?... E apontou para os brancos
vapores que passavam ainda envolvidos nas
sombras pálidas da noite. — Peri ia buscar. —
A nuvem? perguntou a moça admirada. —
Sim, a nuvem. Cecília pensou que o índio
tinha perdido a cabeça; ele continuou:
TEXTO 2 Página 40 — Somente como a nuvem não é
X da terra e o homem não pode tocá-la, Peri
AO ALVORECER morria e ia pedir ao Senhor do céu a nuvem
para dar a Ceci. Estas palavras foram ditas
No dia seguinte, ao raiar da manhã, com a simplicidade com que fala o coração.
Cecília abriu a portinha do jardim e A menina que um momento duvidara da
aproximou-se da cerca. razão de Peri, compreendeu toda a sublime
— Peri! disse ela. abnegação, toda a delicadeza de sentimento
O índio apareceu à entrada da cabana; dessa alma inculta.
correu alegre, mas tímido e submisso. Cecília
sentou-se num banco de relva; e a muito
custo conseguiu tomar um arzinho de TEXTO 3
severidade, que de vez em quando quase
traia-se por um sorriso teimoso que lhe O Cortiço
Aluísio Azevedo
queria fugir dos lábios.
[...]
Fitou um momento no índio os seus
Desde que a febre de possuir se
grandes olhos azuis com uma expressão de
apoderou dele totalmente, todos os seus
doce repreensão; depois disse-lhe em um
atos, todos, fosse o mais simples, visavam
tom mais de queixa do que de rigor:
um interesse pecuniário. Só tinha uma
— Estou muito zangada com Peri! O
preocupação: aumentar os bens. Das suas
semblante do selvagem anuviou-se. — Tu,
hortas recolhia para si e para a companheira
senhora, zangada com Peri! Por quê? —
os piores legumes, aqueles que, por maus,
Porque Peri é mau e ingrato; em vez de ficar
ninguém compraria; as suas galinhas
perto de sua senhora, vai caçar em risco de
produziam muito e ele não comia um ovo, do
morrer! disse a moça ressentida. — Ceci
que no entanto gostava imenso; vendia-os
desejou ver uma onça viva! — Então não
todos e contentava-se com os restos da
posso gracejar? Basta que eu deseje uma
comida dos trabalhadores. Aquilo já não era
coisa para que tu corras atrás dela como um
ambição, era uma moléstia nervosa, uma
louco? — Quando Ceci acha bonita uma flor,
loucura, um desespero de acumular; de
Peri não vai buscar? perguntou o índio. —
reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote,
Vai, sim. — Quando Ceci ouve cantar o
socado, de cabelos à escovinha, a barba
sofrer, Peri não o vai procurar? — Que tem
sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para
isso? — Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri
a venda, da venda às hortas e ao capinzal,
a foi buscar. Cecília não pôde reprimir um
sempre em mangas de camisa, de tamancos,
sorriso ouvindo esse silogismo rude, a que a
sem meias, olhando para todos os lados,
linguagem singela e concisa do índio dava
com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-
uma certa poesia e originalidade. Mas estava
se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele
resolvida a conservar a sua severidade, e
não podia apoderar-se logo com as unhas.
ralhar com Peri por causa do susto que lhe
havia feito na véspera. — Isto não é razão, Entretanto, a rua lá fora povoava-se de
continuou ela; porventura um animal feroz é um modo admirável. Construía-se mal,
a mesma coisa que um pássaro, e apanha-se porém muito; surgiam chalés e casinhas da
como uma flor? — Tudo é o mesmo, desde noite para o dia; subiam os aluguéis; as
que te causa prazer, senhora. — Mas então, propriedades dobravam de valor. Montara-se
exclamou a menina com um assomo de uma fábrica de massas italianas e outra de
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velas, e os trabalhadores passavam de Era João Romão quem lhes fornecia
manhã e às Ave-Marias, e a maior parte tudo, tudo, até dinheiro adiantado, quando
deles ia comer à casa de pasto que João algum precisava. Por ali não se encontrava
Romão arranjara aos fundos da sua varanda. jornaleiro, cujo ordenado não fosse inteirinho
Abriram-se novas tavernas; nenhuma, parar às mãos do velhaco. E sobre este
porém, conseguia ser tão afreguesada como cobre, quase sempre emprestado aos
a dele. Nunca o seu negocio fora tão bem, tostões, cobrava juros de oito por cento ao
nunca o finório vendera tanto; vendia mais mês, um pouco mais do que levava aos que
agora, muito mais, que nos anos anteriores. garantiam a dívida com penhores de ouro ou
Teve até de admitir caixeiros. As mercadorias prata.
não lhe paravam nas prateleiras; o balcão
Não obstante, as casinhas do cortiço, à
estava cada vez mais lustroso, mais gasto. E
proporção que se atamancavam, enchiam-se
o dinheiro a pingar, vintém por vintém,
logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas
dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta
secassem. Havia grande avidez em alugá-
para a barra, aos cinqüenta e aos cem mil-
las; aquele era o melhor ponto do bairro para
réis, e da burra para o banco, aos contos e
a gente do trabalho. Os empregados da
aos contos.
pedreira preferiam todos morar lá, porque
Afinal, já lhe não bastava sortir o seu ficavam a dois passos da obrigação.
estabelecimento nos armazéns fornecedores;
O Miranda rebentava de raiva.
começou a receber alguns gêneros
diretamente da Europa: o vinho, por — Um cortiço! exclamava ele, possesso.
exemplo, que ele dantes comprava aos Um cortiço! Maldito seja aquele vendeiro de
quintos nas casas de atacado, vinha-lhe todos os diabos! Fazer-me um cortiço
agora de Portugal às pipas, e de cada uma debaixo das janelas!... Estragou-me a casa, o
fazia três com água e cachaça; e despachava malvado!
faturas de barris de manteiga, de caixas de E vomitava pragas, jurando que havia
conserva, caixões de fósforos, azeite, de vingar-se, e protestando aos berros contra
queijos, louça e muitas outras mercadorias. o pó que lhe invadia em ondas as salas, e
Criou armazéns para depósito, aboliu a contra o infernal baralho dos pedreiros e
quitanda e transferiu o dormitório, carpinteiros que levavam a martelar de sol a
aproveitando o espaço para ampliar a venda, sol.
que dobrou de tamanho e ganhou mais duas O que aliás não impediu que as
portas. casinhas continuassem a surgir, uma após
Já não era uma simples taverna, era um outra, e fossem logo se enchendo, a
bazar em que se encontrava de tudo, objetos estenderem-se unidas por ali a fora, desde a
de armarinho, ferragens, porcelanas, venda até quase ao morro, e depois
utensílios de escritório, roupa de riscado dobrassem para o lado do Miranda e
para os trabalhadores, fazenda para roupa avançassem sobre o quintal deste, que
de mulher, chapéus de palha próprios para o parecia ameaçado por aquela serpente de
serviço ao sol, perfumarias baratas, pentes pedra e cal.
de chifre, lenços com versos de amor, e O Miranda mandou logo levantar o
anéis e brincos de metal ordinário. muro.
E toda a gentalha daquelas redondezas Nada! aquele demônio era capaz de
ia cair lá, ou então ali ao lado, na casa de invadir-lhe a casa até a sala de visitas!
pasto, onde os operários das fábricas e os
trabalhadores da pedreira se reuniam depois E os quartos do cortiço pararam enfim
do serviço, e ficavam bebendo e de encontro ao muro do negociante,
conversando até as dez horas da noite, entre formando com a continuação da casa deste
o espesso fumo dos cachimbos, do peixe um grande quadrilongo, espécie de pátio de
frito em azeite e dos lampiões de querosene. quartel, onde podia formar um batalhão.
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Noventa e cinco casinhas comportou a
imensa estalagem.
Prontas, João Romão mandou levantar
na frente, nas vinte braças que separavam a
venda do sobrado do Miranda, um grosso
muro de dez palmos de altura, coroado de
cacos de vidro e fundos de garrafa, e com
um grande portão no centro, onde se
dependurou uma lanterna de vidraças
vermelhas, por cima de uma tabuleta
amarela, em que se lia o seguinte, escrito a
tinta encarnada e sem ortografia:
“Estalagem de São Romão. Alugam-se
casinhas e tinas para lavadeiras”.
As casinhas eram alugadas por mês e
as tinas por dia; tudo pago adiantado. O
preço de cada tina, metendo a água,
quinhentos réis; sabão à parte. As moradoras
do cortiço tinham preferência e não
pagavam nada para lavar.
Graças à abundância da água que lá
havia, como em nenhuma outra parte, e
graças ao muito espaço de que se dispunha
no cortiço para estender a roupa, a
concorrência às tinas não se fez esperar;
acudiram lavadeiras de todos os pontos da
cidade, entre elas algumas vindas de bem
longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou
um quarto, um canto onde coubesse um
colchão, surgia uma nuvem de pretendentes
a disputá-los.
E aquilo se foi constituindo numa
grande lavanderia, agitada e barulhenta,
com as suas cercas de varas, as suas
hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos
de três e quatro palmos, que apareciam
como manchas alegres por entre a negrura
das limosas tinas transbordantes e o
revérbero das claras barracas de algodão
cru, armadas sobre os lustrosos bancos de
lavar. E os gotejantes jiraus, cobertos de
roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem
lagos de metal branco.
E naquela terra encharcada e
fumegante, naquela umidade quente e
lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a
crescer, um mundo, uma coisa viva, uma
geração, que parecia brotar espontânea, ali
mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se
como larvas no esterco.

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