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A Casa Que A Fome Mora: Personagens

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Quadrilha Sertão Junino 2022

Sertão Junino apresenta:

A CASA QUE A FOME


MORA
Um texto de Jonh Darly e Vanderson Lima.
Inspirado no poema homônimo de Antônio Francisco.

PERSONAGENS:

A FOME - Personagem onipotente e onipresente. FORMOSINHA - Esposa do sultão, iludida com a


Pode ser representado por objetos, cenários e fantoches riqueza, acha que o mundo está aos seus pés.
que transmitem as características apresentadas no
poema de Antônio Francisco. ROBALDO - É o assessor do sultão e faz tudo o que
ele manda.
ANTÔNIO (Noivo) - É um poeta popular, repentista,
defensor da cultura sertaneja do nordeste brasileiro, FILÓ - É uma mulher religiosa e trabalha como
ativista contra as injustiças no sertão como a miséria e empregada doméstica para sultão. Não tem papas na
o abandono. língua.
APARECIDA (Noiva) - É filha de migrante do sertão
LARICA - Irmã de Micarla, passada do mundo, e um
para a grande cidade. Vivenciou um pouco das
pouco sem noção.
dificuldades do interior, mas conhece de verdade os
problemas da periferia da cidade grande.
MICARLA - Irmã de Larissa, mais centrada, porém
não leva desaforo pra casa.
GRAFITE - Periférico e grafiteiro, é o irmão da noiva
e revoltado com as injustiças do mundo.
CARIDADE- Mulher que representa a imagem da
mulher nordestina, guerreira, que não esmorece mesmo
A RIQUEZA (Rainha)- Figura emblemática no no tempo ruim, uma personagem que dá voz ao povo
contexto do casamento, imperiosa, elegância, humilde. No meio da história se revela uma cigana de
representa a fortuna, fartura, poder. Faz parte da t ríade muito conhecimento.
que é alicerce para a fome.
PADRE - Um pouco afoito, sempre com pressa, justo
MISÉRIA (Marcador) - Figura que representa a
nos seus ideais.
escassez, solidão, tristeza, devastação que assola a
população pobre e periférica. Tem imagem grotesca,
repugnante e temerosa, também compõem a tríade. REPENTISTA - Personagem em outro plano que
canta uns versos por uns momentos da trama.
GANANCIO - É um sultão figura humanizada da
tríade apresentada. Abriga a fome em sua mansão, um JUIZ - Personagem figurante, sem falas.
homem ganancioso, corrupto e que não mede esforços
para conseguir riqueza e poder.

PRÓLOGO
Antônio e Aparecida brincam no terreiro da cidade de Todos Nós e se deparam com um cortejo
fúnebre. É presenciado um jovem sendo carregado em uma rede que minutos antes agonizou até
a morte. Deve ser entendido nesse momento o poder destruidor da fome, despertando nas
crianças o desejo por justiça. Logo após os caminhos dos dois são divididos, antes de se despedir
Antônio entrega uma baladeira de recordação para Aparecida, logo após sua família migra para
a cidade grande em busca de melhorias e Antônio permanece no Sertão.

(Antônio e Aparecida vivem suas diferentes realidades até se encontraremnovamente nosertão).

REPENTISTA - Na favela ou no sertão não há muita diferença, / Entra ano e sai ano sempre
as mesmas consequências, / O povo passando fome de alimento e de cultura, / Mas o bolsodo
sultão não se mede a fundura, / Alimentando sua riqueza e engordandoanossafome, /Pelo amor
de santo cristo, alguém para esse homi. / E “eu de tanto ouvir falar dos danos que a fome faz, /
Um dia eu saí atrás da casa que ela mora…”
A Casa Que A Fome Mora| 1
Quadrilha Sertão Junino 2022

CENA 1

(Antônio chega tocando uma viola andando pelas ruas e vê duas pessoas, umjovemcomcapuze
tinta spray na mão e uma moça bonita com uma cesta de flores. Os dois parecemteracabadode
chegar na comunidade de Todos Nós. O rapaz parece pichar um muro com tinta spray).

ANTÔNIO (Noivo) - (Advertindo o rapaz) Opa, opa, opa! o que é que tá acontecendo aqui!
Que vandalismo é esse nos muros da nossa cidade? Pode ir parando com isso, meu rapaz!

GRAFITE - Vaza daqui, esse muro é de gente poderosa! Aposto que foi feito com o dinheiro do
povo então ao povo ele pertence.

ANTÔNIO (Noivo) - Sou nordestino e poeta popular, / Gente fina, Repentista já começo a
embolar, / Meu protesto é minha rima, / Sou Antônio e a minha rotina é minha cultura exaltar.

APARECIDA (Noiva) - Eu me chamo Aparecida e vim da cidade grande / Fui embora


pequenina dessa terra interessante / Vi a fome, a miséria, os meus pais morreram dela /evoltei
no mesmo instante.

GRAFITE - Iiiiiiihh, pronto virou um filme! Eu não sei rimar, minha arte mesmo é a pichação.
Pode me chamar de Grafite.

ANTÔNIO (Noivo) - Me desculpe em lhes informar, mas indignação com a fome e miséria aqui
não faltam. Nem adianta esse muro pichar.

APARECIDA (Noiva) - Meu querido, disso eu sei! A fama de corrupto desse sultão é assunto
até fora dessa cidade. É devido a gente dá igualha dele que tem uma horda de famintos passando
fome e necessidade. Tem gente morrendo sem leito nos hospitais tanto aqui como na capital.
Sério que tá preocupado com o muro desse meliante? Me poupe! Por um acaso você é um
sultãominion, é?

ANTÔNIO (Noivo) - (Fazendo sinal da cruz) Tá repreendido! (Lendo a pichação) “E O


SERTÃO CONTINUA AO DEUS DARÁ”. É, não tenho como discordar! Entra ano e sai ano e
nada muda. Pensando bem, até muda pra pior. Muita gente indo embora, procurando trabalho.
Uma manada de desempregados buscando saciar a fome.

GRAFITE - Trabalho na capital? Só tem dedo nas ventas de quem for, viu! Voltamos porque a
vida aqui é menos cara.

APARECIDA (Noiva) - Ah, Eu vendo flores para o nosso sustento, quer comprar?

ANTÔNIO (Noivo) - Moça, o povo aqui não tem dinheiro nem pro feijão e muito menos pro
gás. Escolheu o empreendimento errado. A FOME TÁ TOMANDO DE CONTA, MOÇA.

(Risada diabólica da fome e sua cauda aparece pelo cenário).

APARECIDA (Noiva) - (Atenta) Vocês escutaram? É a risada da desgraçada. Escuto há anos


mas nunca a encontrei. Por vezes perto, por vezes longe, mas sempre lá zombando do nosso
sofrimento.

ANTÔNIO (Noivo) - Você fala da fome?

GRAFITE - (Para Antônio) Quem mais seria? (Para Aparecida) Mas onde que ela mora?

APARECIDA (Noiva) - Pobres Inocentes…

A Casa Que A Fome Mora| 2


Quadrilha Sertão Junino 2022

(Micarla e Larica que ouviam tudo atrás do orelhão, chegam rindo com dois tamboretes, euma
cesta de laranjas nas mãos).

LARICA - Oi lindes, viemos ver que fuá é esse!

MICARLA - (risada da Barbie Grew) Eu entendi mal ou tem gente nova nesse fim de mundo?
É de se admirar. Querem uma laranja pra adoçar a vida?

APARECIDA (Noiva) - Na verdade somos daqui, fomos embora muito cedo pra capital.
Adoraria uma laranja, posso pegar uma?

LARICA - (Batendo na mão de Aparecida) Prazer, meu nome é Larica, teria sido Larissa se o
tabelião não tivesse errado meu nome (risada da Barbie Grew). De graça que não é moça! 1
custa 5 reais e faço 2 por 10 também.

APARECIDA (Noiva) - (levanta as mãos) O que é isso? Um assalto?

MICARLA - O preço tá na faixa, amore. Aaaah! Me chamo Micarla, satisfação!

GRAFITE - M-I-C-A-R-L-A ou M-I-C-A-R-L-O?

MICARLA - Faz diferença pra sua vida, meu amor? (Grafite balança a cabeça de forma
negativa) Então pronto, sou exatamente aquilo que você ver!

APARECIDA (Noiva) - Eu sou Aparecida e esse é meu irmão, (beliscando o irmão) Grafite.

LARICA - Mas vamos ao que interessa, qual as boas novas?

ANTÔNIO (Noivo) - Peguei esse jovem pichando os muros da nossa cidade, vocês acreditam?

MICARLA - Da casa do sultão? Pois eu achei por tudo. Querem ajuda?

LARICA - Por favor, né Antônio! (Indignada) Você já viu a situação do nosso povo? Você já
reparou no tamanho desse muro e dessa mansão onde mora essa gente? Uma fortaleza blindada
para pobre não ver e nem ouvir o que acontece lá! Ah uma bomba, viu!

ANTÔNIO (Noivo) - Eu não gosto desse radicalismo, meu protesto é minha arte.

APARECIDA (Noiva) - Radicalismo mesmo é o povo morrer de fome. Tem gente comprando
osso pra se alimentar. A mercadoria vencida tem sido o maior luxo que o pobre tem tido.

GRAFITE - Minha arte é S-O-B-R-E-V-I-V-Ê-N-C-I-A. Se a gente pelo menos tivesse acesso


a alguma prova. Se conseguíssemos ao menos entrar nessa mansão.

MICARLA/LARICA - Iiiiiihhhh, nem adianta!

MICARLA/LARICA - (Dança tiktok) E o motivo todo mundo já conhece é que o de cima sobe
e o de baixo desce.

APARECIDA (Noiva) - Não vou desistir sem tentar, a justiça precisa ser feita de alguma forma
o lugar desse Sultão é na cadeia.

LARICA - (Falando para Micarla) Micarla mulher, vamos embora! Minha pressão tá
baixando. Tô só com o arroz e ovo do almoço, deve ser isso.

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MICARLA - Mulher, dê graças a Deus! É comendo pouco no almoço que é pra sobrar pra
janta. (Voltando ao assunto) Bem, essa mansão é super protegida mas tem um jeito de entrar!
(Micarla e Larica saem em busca de algo enquanto outra risada da fome é ouvida mediante a
mudança de cena).

CENA 2

(O cenário é a mansão de Ganancio com uma rede pendurada ao fundo. Três


pedestaiscompõem a cena onde dois são ocupados pela miséria e a riqueza e um está vazio.
Ganancioestáandando de um lado para o outro e no fundo um quadro com a imagem da
fome).

FORMOSINHA - (Entra gritando) OH FILÓ! Me traz a saia que comprei pra eu experimentar,
quero minha roupa pingando ouro para a próxima quermesse.

GANANCIO - Oh mulher gastadeira, viu! Formosinha, tô bem pertinho de fazer sua mesada, a
mesma coisa que fiz com dinheiro da cultura, educação e saúde tudo junto no mesmo balaio. (Faz
um gesto com as mãos sobre o corte de verbas).

FORMOSINHA - Nem se atreva, Ganancinho! Se você tivesse desviado o dinheiro da obra do


postinho, as coisas não estariam tão difíceis pra gente. Eu abri seu cofre, e vi os milhões recentes
que você desviou, não venha com mesquinharia.

GANANCIO - Tem que garantir o do mês (Os dois riem).

FORMOSINHA - Oh homi, deixa de ser penoso! Só o dinheiro que ganha como empresário, é
dinheiro que besta não conta. Você não mexa com meus luxos, porque nem sei do que sou
capaz.

(Filó entra com a saia na mão).

FILÓ - (Entregando a saia) Prontinho, dona Formosinha! Bem que a senhora poderia me doar
uma daquelas saias que estão mofando no baú e a senhora nem usa mais.

FORMOSINHA - Mas olha que atrevimento da irmã! Minhas roupas são dos melhores ateliês
de costura internacionais. Não são pro seu bico.

FILÓ - (Fazendo cara de deboche) Pois engula o seu preconceito e essas saias com farinha.

FORMOSINHA - Essa gentinha é assim, a gente coloca dentro de casa, dá emprego, dá o pirão
pra comer, e depois quer crescer pra cima da gente, né Filó? Você tá demitida.

FILÓ - (Debochando) DEMITIDA? Quanto tempo tá que meu salário é só promessa? Acha que
qualquer cesta básica, ou as sobras que restam do seu banquete pagam meu trabalho e minha
dignidade? Cansei. Não sou bacurinha pra viver de restos, não! (Fazendo sinal da cruz) Que a
justiça divina seja feita e que minha boca permaneça um túmulo, por que se eu conto tudo que
sei…

RIQUEZA/MISÉRIA/GANANCIO - Isso me pareceu uma ameaça!

FILÓ - Misericórdia, senhor! Só pensei em voz alta. Vou voltar pra cozinha e buscar um
lambedorzim tiro e queda pra sua rouquidão. Sua licença. (Sai resmungando, mas com medo).

GANANCIO - Acho bom… Meu nome não é Ganancio em vão! Meu império e meus milhões
se devem a essa trindade! (Vai fazer um elo em reverência às duas estatuetas).

FORMOSINHA - Esconjuro… vou pra dentro que é mais saudável, o ambiente aqui tá tóxico…
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GANANCIO - Não seja hipócrita, Formosinha! Tudo que tem deve a nós. (Pega na mão da
riqueza e beija) Oh, minha Santa Riqueza, a ti devo todo o meu poder. (Virando para a miséria)
Oh, minha Altíssima Miséria, roubei do mais pobre até a última gota de sua dignidade! Afinal
não há riqueza sem exploração, não é mesmo? (Sobe no pedestal e simula o símbolo da justiça
com a balança em desequilíbrio) O perfeito desequilíbrio da humanidade que permite a
supremacia dos que nasceram para serem detentores do poder. (Voz muda) Eu sou eles e eles
são eu.

FILÓ - (Se benzendo) Deus tem misericórdia de nós!

GANANCIO - (Percebendo a movimentação no lado de fora) Mas que movimentoé esse lá


fora? ROBALDO! (Faz um gesto para seu assessor sair).

CENA 3

(O cenário fica dividido entre a mansão e o lado de fora do muro, agora é mostrada a interação
dos personagens que pretendem entrar na mansão. Abre-se o portão e sai o assessor do
sultão).

ROBALDO - Mas que muvuca é essa em frente da minha mansão?

GRAFITE - (Com desdém) Então esse que é o tal do sultão Ganancio?

ANTÔNIO (Noivo) - Não, não! Esse daí é só o capacho dele.

GRAFITE - Viu aí irmãzinha, tem Laranja de sobra agora...

ROBALDO - (Irônico) De laranja eu entendo, mas eu não tenho tempo pra tá batendo boca,
não! Vão embora seus morta fome. (Se virando perplexo ao ver o muro pichado) Eu não tô
crendono que to vendo. Que V-A-N-D-A-L-I-S-M-O é esse?

APARECIDA (noiva) - Vandalismo é a corrupção que tira do mais pobre para encher o bolso de
gente sem vergonha que nem vocês.

GRAFITE - Seu moço, aposto que é explorado igual a gente, né? Mas prefere andar com os
porcos.

ROBALDO - (Se limpando de forma esnobe) O mundo é dos mais espertos, garoto! É só saber
escolher o lado certo.

ANTÔNIO (Noivo) - Olha seu fuleiro, o lado certo é onde tem justiça! Todo mundo na região
em situação de miséria e de abandono, e vocês fazendo pouco da nossa cara rapaz? Só queremos
dignidade! Ter pelo menos o de comer.

(Risada diabólica da fome, sua cauda aparece outra vez em outro local do cenário).

ANTÔNIO (Noivo) - CREIO EM DEUS.

TODOS - AVE MARIA!

ROBALDO - Virou missa foi? Vocês não vão embora, não? Pois peraí que eu vou chamar a
polícia e é agora! (Vai em direção ao orelhão próximo a ele para fazer uma ligação).

APARECIDA (Noiva) - (Puxando a baladeira que ganhou de Antônio na infância) Nãovaifalar


com ninguém, não! Vai ficar aqui de boca fechada.

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(Enquanto Grafite tenta amarrar Robaldo, Antônio reconhece abaladeira erelembra da infância
que teve com Aparecida).

ANTÔNIO (Noivo) - Oxe… Eu conheço essa baladeira!

APARECIDA (Noiva) - Legal né? Foi um presente de um grande amigo de infância…

ANTÔNIO (Noivo) - Com licença… (Pega a baladeira) Tá vendo esse “A” gravadona madeira?

APARECIDA (Noiva) - Sim, é de Antônio… Toinho é você?

ANTÔNIO (Noivo) - Cidinha! Nossa, que reviravolta que a vida nos dá, sua família foi embora
e nunca mais mandou notícias. Mas tenho que admitir que está mais linda do que nunca.

APARECIDA (Noiva) - (Gostando dos elogios, mas não dando brechas) Que galanteador
barato.

ANTÔNIO (Noivo) - Se você guarda esse presente até hoje, é porque não me esqueceu!
Você lembra? Lembra da promessa que fizemos?

APARECIDA (Noiva) - Não importa quão longe o pau de arará parar…

ANTÔNIO (Noivo) - Se do outro lado do mundo um de nós ficar…

APARECIDA/ANTÔNIO - Um do outro não ‘vamo’ esquecer e o casório sai quando a gente


crescer (risos). Bobinhos… (Uma música romântica começa e um clima de timidez e paquerase
instala).

CENA 4

(Chega dona Caridade com um saco e eles disfarçam jogando o assessor atrás das laranjas).

CARIDADE - Boa tarde meus filhos, meu nome é Caridade! Vocês querem entrar na minha
rifa? É para ajudar no nosso projeto de agricultura familiar nas nossas hortas comunitárias, onde
um monte de família consegue escapar da fome. Empatia é essencial e é o brinde da nossa rifa.
(Olhando o muro) Mas olha a verdade pichada no muro do sultão. Quando esse daí veio fazer
campanha eu dizia pra todo mundo. (Grita) ELE NÃO, ELE NÃO. Agora tá aí o resultado
escancarado.

(Voltam Larica com uma foice e Micarla com um martelo na mão, equipadas para quebrar o
muro).

MICARLA/LARICA - (Decepcionadas com o portão aberto da mansão) Aaaaah! Nãovaiter


mais quebradeira, não?

ANTÔNIO (Noivo) - Não vai ser preciso! Vamos entrar nessa casa pela porta da frente e ver
com nossos próprios olhos as falcatruas, alguma prova há de ter. (Vai até onde está o assessor)
Oh seu menino! É você quem vai nos levar até as provas que incriminam essa quadrilha
organizada! (Pega a foice da Larica) Vamos ver, cuida!

CARIDADE - (Sendo ignorada) E minha rifa?

APARECIDA (Noiva) - (Animada) A gente precisa entrar sem sermos visto! Nos aponte o
caminho chaveirinho de corrupto! (Pega a foice da mão da Larica e ameaça o Robaldo).

LARICA/MICARLA - Chaveirinho de corrupto? (Gargalhadas).

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GRAFITE - É melhor a gente ir pelos fundos.

CENA 5

(Todos que tentavam entrar escondidos são surpreendidos pelo Ganancio).

GANANCIO - (Debochando de Robaldo amarrado) Que maravilha, Robaldo! Você com total
controle da situação, assim que gosto! Foi melhor vocês terem entrado, os manifestos ao público
não caem bem pra minha reputação… VOCÊS! Vagabundos e desordeiros, acham que balbúrdia
enche barriga, é? (Trilha de suspense) “A arte da próxima década será heroica e será nacional.
Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...]
ou então não será nada”, E tenho dito.

GRAFITE - PILANTRA!

ANTÔNIO (Noivo) - O preço da sua ganância a muito tempo tem custado o pranto na mesa da
população carente, o que eu esperaria sobre investimentos em cultura?

RIQUEZA/MISÉRIA - C-A-L-A-D-O-S!

(Todos menos os moradores da mansão ficam zumbificados a cauda da fome aparece no alto).

ROBALDO - (Interrompendo) Mas o que fazemos com esse povinho, senhor?

GANANCIO - Ainda não aprendeu? A gente engana, tira toda a esperança e os abandona à
própria sorte.

RIQUEZA - Ganancio…

MISÉRIA - Aproxime-se…

(Ganancio se volta para a Riqueza e a Miséria).

RIQUEZA - Essa gentinha carrega consigo ‘fomes’ arrebatadoras!

MISÉRIA - Pois que permaneçam famintos, que isso só me fortalece.

RIQUEZA- Que gosto delicioso, o sabor da ambição.

RIQUEZA/MISÉRIA/GANANCIO - NINGUÉM É FELIZ FAMINTO! (Risos).

RIQUEZA - Sem as obras superfaturadas, desvio de dinheiro público, sonegação de impostos,


altíssima inflação, corte da verba da saúde, educação, CULTURA… A FOME não teria tanta
força. São vocês humanos, a ganância dos homens, que nos alimentam.

MISÉRIA - A FOME sempre existiu desde que a raça humana descobriu o poder, a ganância, a
corrupção.

RIQUEZA - A RIQUEZA de uns e MISÉRIA de muitos. As consequências? Desigualdade,


violência, desemprego, MISÉRIA.

RIQUEZA/MISÉRIA/GANANCIO - (Fala do presidente Bolsonaro distorcida) “Falar que se


passa fome no Brasil é uma grande mentira” (Risos).

GANANCIO- Eu alimento vossas necessidades, e vocês alimentam meu bolso. (Ganancio bate
palmas e, zumbificados, os personagens fazem um círculo de joelhos em sua volta) A partir de

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agora, todos vocês se juntarão ao meu rebanho de gado, alienados, obcecados, desesperados.
Aqui está a trindade a quem vocês deverão dedicar toda a sua idolatria.

CENA 6

(Caridade faz uma troca de roupas triunfal e se revela uma cigana).

CARIDADE - Ora, ora! Senhor Ganancio, deixe que eu me apresente. Aqui quem vos fala é a
Caridade, cigana misericordiosa, militante das causas dos miseráveis.

GANANCIO - Mas que raios de mulher é essa que não fui capaz de manipulá-la?

CARIDADE - Eu estava fingindo o tempo todo. Saiba que as cartas de tarot me protegem? A
Força (mostra a carta) é um aviso de que a pessoa deve se preparar para enfrentar com
determinação e entusiasmo todo problema que possa surgir. Na caminhada espiritual, A Força
representa o momento em que é preciso dominar a energia interior e exterior, transformando-as
em aliados na vida. Vejamos que alguém não é tão forte quanto pensa e o quanto imaginávamos.

GANANCIO - (Debochando) Sua tola. Você acha mesmo que essa historinha faz sentido, A
FOME que assola a humanidade é milenar, não será vencida à custa de Caridade.

CARIDADE - O senhor não precisa me dizer o óbvio. Mas sabia que a verdade e a justiça
também são milenares, o amor, a humanidade, o poder do povo é capaz de tudo. Dança é cultura
e também é mensagem de libertação (Faz uma dança com o pandeiro) Bora abrir os olhos dessa
enganação para o que tá acontecendo meu povo!

(Todos acordam do transe).

ANTÔNIO (Noivo) - Está tudo bem aparecida? O que aconteceu?

CARIDADE - Por alguns minutos caíram na lábia de ganancioso.

TODOS - (Surpresos) C-A-R-I-D-A-D-E?

CARIDADE - Sejam bem vindos A CASA QUE A FOME MORA.

TODOS - COMO ASSIM?

CARIDADE - As cartas do tarot me falaram! A primeira que me veio foi a roda da fortuna.
Essa carta mostra nossos sentimentos potencializados, os maus farão cada vez mais maldades, e
os bons procurarão sempre por justiça.

MICARLA/LARICA - Ui, ui, ui, arrepiei.

CARIDADE - “Passei mais de uma hora / Rodando numa favela / Por gueto, becoeviela,/Mas
voltei desanimado, / Aborrecido e cansado. / Sem ter visto o rosto dela… / Passei a noite
acordado / Sem saber o que fazer, / Louco, louco pra saber / Onde a fome residia…”

TODOS - O QUE MAIS?

CARIDADE - “No outro dia eu saio / De novo a procura dela, / Mas não naquela favela, /Fui
procurar num sobrado / Que tinha do outro lado / Onde morava um sultão. / Eu pensavaquea
fome / Fosse magricela e feia, / Mas era uma sereia / De corpo espetacular / E quemiriaculpar
/ Aquela linda princesa / De tirar o pão da mesa / Dos subúrbios dacidade/Oupisarsempiedade
/ Numa criança indefesa?”

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APARECIDA (Noiva) - Meu deus mais é claro… Como não percebemos antes. É tão óbvio. A
fome não tá nos confins do sertão, ou nos barracos das periferias, ela está escondida sendo bem
alimentada nas grandes mansões dos sultões da vida.

(Pela primeira vez aparece o rosto da fome como uma linda sereia e a sua cauda paira pelo
cenário).

A FOME (GANANCIO, RIQUEZA E MISÉRIA) - “Sou a fome que assola a humanidade,/


Ataco vila e cidade, / Deixo o campo moribundo, / Eu não descanso um segundo / Atrofiando e
matando, / Me escondendo e zombando / Dos governantes do mundo (a tríade só não fala esse
último trecho).”

TODOS - SAI DE RETO SATANÁS!

REPENTISTA - A ganância veste terno e gravata, / vejo a liberdade aprisionada, / Onde a


esperança sucumbiu, /Seu nome eu não sei ler BRASIL.

APARECIDA (Noiva) - Somos humanos, cheios de falhas e defeitos. Mas temos algo mais
valioso que qualquer riqueza nesse mundo: HUMANIDADE.

CARIDADE - (Debochando) Vocês nem são tão assustadores assim vai. Senhor Ganancio, só
queria te avisar que nessa muvuca toda, sua esposa aproveitou e fugiu com todos os seus
milhões pelos fundos. Olha só! (Trazendo o cofre aberto) Esvaziou tudo, você está com uma
mão na frente e outra atrás.

MICARLA/LARICA - Cara, ela é muito safada!

GANANCIO - NÃOOOOOOOO! (Sai pelos fundos).

(Tentam impedir a saída de Ganancio).

CARIDADE - Podem deixar ele fugir, esse aí não tem mais poder sobre nada. Lastimável… era
tão pobre, tão pobre que só tinha dinheiro… A Carta do Enamorado (mostrando a carta) mostra
um homem que deve escolher entre duas mulheres: a que toca seus ombros ou a que toca seu
coração. Sua ambição falou mais alto. Dúvido que ele vá muito longe com o dinheiro que ele
tem (risos). Agora basta saber votar, são nas urnas que vamos mudar todo o resto meu povo.
Gente como ELE? NÃO. Nunca mais.

GRAFITE - Agora temos as provas esqueceram? Precisaremos só de uma ajudinha para


vasculhar nessa mansão. Logo mais esse pilantra estará preso.

APARECIDA- E o que fazemos com essas estatuetas praguejentas?

LARICA- (Com a foice) Fatia em pedaços.

MICARLA- (Com o martelo) Espatifa pra todo lado.

CARIDADE- Calma meninas! Sem o Ganancio a tríade que alimenta a fome foi destruída.
Afinal, a riqueza e a miséria não deixarão de existir assim. Mas agora elas são inofensivas, a não
ser que…

ANTÔNIO - (As estatuetas passam a ficar em um mesmo patamar) O perfeito equilíbrio, não
deixaremos a cidade de Todos Nós cair mais em maus lençóis.

CARIDADE- Exatamente! Mas é preciso ter muito cuidado, a ganância, a fome de poder, a
cobiça, estarão sempre a procurá-las. Muita cautela sobre como iremos lidar com esse poder.
Pois
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sempre tem lobos prontos para abocanhar as conquistas coletivas. Vamos festejar, pois será o
símbolo e aviso das nossas conquistas, pois quando o povo quer a união faz a força. Se estão
embebidos de ganância. Serão agora sufocados com a festa e alegria popular.

LARICA/MICARLA- E que comece o pobrearcado, vrá!

APARECIDA (Noiva) - Eu tô tão feliz! (Abraça Antônio).

TODOS - HUUUUUM!

ANTÔNIO (Noivo) - Se não fosse a sua insistência em entrar nessa mansão nada disso teria
acontecido.

TODOS - Beija, beija, beija! (Antônio e Aparecida se beijam) Aeeeeeê!

MICARLA/LARICA - Quando que sai esse casamento, em?

FILÓ - Já temos a fortuna pra fazer a festança, em! Olha só os milhões que consegui esconder
antes que a formosinha levasse tudo! (Mostra uma panela cheia de milhões).

MICARLA/LARICA - Esses milhões pagam a festa e compram essa cidade inteira.

APARECIDA (Noiva) - Agora será só fartura para toda a população da cidade de Todos Nós.

CARIDADE - Vão logo cuidem… (Antônio e Aparecida saem) Meninas… Vão procurar
opadre pra oficializar esse casório (Larica e Micarla saem). Ah e não esqueçam do juiz de paz,
por favor! (Quebra a quarta parede e fala com o público) A federação só valida o casamento se
tiver juiz.

FILÓ - (Saindo) Meu povo, cuida que o cuscuz tá quase pronto.

GRAFITE - (Saindo) E a canjica também.

REPENTISTA - Tudo agora é alegria, na cidade de Todos Nós, / Pobre agora tem comida, A
FOME perdeu a voz, / No casório de Toinho e Cida, a alegria é garantida e a quadrilha é logo
após. / Tem bolo de milho e canjica, tem também o de fubá, / A justiça se equilibra, ganancio
não vai voltar / A fartura é garantida, essa foi nossa conquista, vem dançar nesse arraiá?

CENA 7

(Os convidados chegam na festa de noivado, toca uma música de quadrilhaenquantoosnoivos


não chegam. Larica e Micarla chegam com o padre).

PADRE - Bora meu povo, cadê os noivos? O povo tá esperando pra encher a pança.

MICARLA/LARICA - Calma padre!

APARECIDA (noiva) - (Fala dos fundos se ajeitando pro casório) Estou aqui padre, tô quase
pronta.

FILÓ - Amém meu Deus!

ANTÔNIO (noivo) - (Entrando) Depois de tantos anos, finalmente vamos cumprir nossa
promessa… Já tá comendo padre?

PADRE - (Comendo milho) Barriga seca não celebra missa. Estou aproveitando a fartura da festa.

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Quadrilha Sertão Junino 2022

CARIDADE - Que essa fartura prossiga alimentando os filhos dessa terra.

APARECIDA (noiva) - (Entrando) Cuida meu povo que tô doida pra dançar quadrilha.

PADRE - Estamos reunidos em nome do pai do filho, e do espírito san… (Tosse).

LARICA/MICARLA - O que é isso padre...

PADRE - (Com voz falha) Me engasguei com milho…

LARICA/MICARLA - VALEI-ME SENHOR! (Apertam o padre pra desengasgar).

GRAFITE - E agora? Não tem mais casamento?

PADRE - (Com a voz embargando) Façam os votos que eu termino abençoando.

ANTÔNIO (noivo) - Dulce Aparecida… Você me aceita como seu marido pro resto de sua vida?

APARECIDA (noiva) - E você meu Toinho? Antônio Francisco, me aceita como sua esposa
enquanto Deus permitir.

ANTÔNIO (noivo) - Marminino, precisa nem perguntar duas vezes.

PADRE - Eu vos declaro, marido e mulher! Que a felicidade, fartura e justiça prevaleçam em
vossas vidas. Aquele que divide o pão, multiplica o amor. A solidariedade, compaixão e a
misericórdia, não são dimensões religiosas, são dimensões humanas. Sejam justos e felizes.

TODOS - A-M-É-M!

(Os noivos assinam o livro do juiz de paz que está ao lado do padre).

REPENTISTA- Se pararmos pra pensar, / é do mal que vem a fome, / da Injustiça da humanidade,
/ da ganância que consome. / É matando da raiz / a riqueza do infeliz, / que deixa o pobre com fome.
/ Essa história findou feliz, / mas nem tudo aqui se acaba / A fome fugiu dali, / procurando novas
casas. / Quem vai me garantir / que ainda não vai sorrir / de novo de nossas caras?

(Acaba o casamento com a gargalhada diabólica da fome).

FIM.

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Quadrilha Sertão Junino 2022

EPÍLOGO
(Início da quadrilha)

“Se vocês continuarem / me caçando nas favelas / Nos lamaçais das vielas / Nunca vão me
encontrar, / Eu vou continuar / Usando o terno xadrez / metendo a bola da vez / atrofiando e
matando / me escondendo e zombando da burrice de vocês.”

(Fim da quadrilha)

Uma pessoa de terno xadrez e a faixa presidencial entra e se junta a miséria e a riqueza cada um
em um pilar como no casamento formando uma nova tríade. A Fome domina o cenário mais
uma vez, sua mão gigante é levantada fazendo sinal de “arminha”.

POEMA FINAL (à decidir).

Morada Nova, em 30 de abril de 2022.

Adereços Cênicos:

1. Cesta de flores;
2. Caixotes com Laranjas;
3. Orelhão;
4. Um quadro da fome;
5. Um cofre;
6. Uma foice;
7. Um martelo;
8. Um panelão.
9. Sprays de tinta para pichação;
10. Uma viola;
11. Cartas do tarot; (a roda da fortuna, a força, o enamorado)
12. Um pandeiro de cigana;
13. Milhões Cenográficos (Idéia de milhos grandões mesmo);
14. Uma baladeira.
15. Megafone cenográfico.
16. Balança, espada, e um tapa olho. (Representação da justiça).

Para adaptação ou montagem desse texto contacte o autor através de:


E-mail: [email protected] Instagram: @jdobento

Nota para posteridade: Esse texto foi escrito para o são joão de 2022, depois de ter sido
adiado por 2 anos por conta da pandemia de COVID-19. Com a pandemia a fome e a
desigualdade se tornou cada vez mais evidente e expôs a necessidade de políticas públicas de
amparo as pessoas em situação de vulnerabilidade. A cultura também bastante abalada, foi um
setor de muita importância para as angustia dos dias de incerteza e isolamento. Em meio ao
caos e negacionismo a cultura foi luz e resistência. Viva arte, a ciência e a cultura popular. Bem
aventurados os que tem fome e sede de justiça, pois serão saciados. Mateus 5:6

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