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Responsabilidade Civil Dos Cônjuges Resultante Da Violação de Deveres Conjugais

A dissertação aborda a responsabilidade civil dos cônjuges em relação à violação de deveres conjugais no contexto do ordenamento jurídico angolano. O autor investiga a aplicabilidade das regras de responsabilidade civil no matrimônio, considerando a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. A pesquisa busca esclarecer se a violação de deveres conjugais pode resultar em indenização, além de discutir a natureza jurídica desses deveres e a relação com o divórcio.
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Responsabilidade Civil Dos Cônjuges Resultante Da Violação de Deveres Conjugais

A dissertação aborda a responsabilidade civil dos cônjuges em relação à violação de deveres conjugais no contexto do ordenamento jurídico angolano. O autor investiga a aplicabilidade das regras de responsabilidade civil no matrimônio, considerando a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. A pesquisa busca esclarecer se a violação de deveres conjugais pode resultar em indenização, além de discutir a natureza jurídica desses deveres e a relação com o divórcio.
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UNIVERSIDADE 11 DE NOVEMBRO

FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CÔNJUGES RESULTANTE DA


VIOLAÇÃO DE DEVERES CONJUGAIS
Uma abordagem à luz do ordenamento jurídico angolano

Dissertação apresentada, sob orientação do


Prof. Doutor Barnabé Mbonga Capita Macaia,
como requisito para a obtenção do grau de
Mestre em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade 11 de Novembro.

Mestrando: Daniel Quinha de Oliveira Macosso


Orientador: Prof. Doutor Barnabé Mbonga Capita Macaia

CABINDA, JULHO DE 2024

1
UNIVERSIDADE 11 DE NOVEMBRO
FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CÔNJUGES RESULTANTE DA


VIOLAÇÃO DE DEVERES CONJUGAIS
Uma abordagem à luz do ordenamento jurídico angolano

Dissertação apresentada, sob orientação do Prof.


Doutor Barnabé Mbonga Capita Macaia, como
requisito para a obtenção do grau de Mestre em
Direito Civil pela Faculdade de Direito da
Universidade 11 de Novembro.

Mestrando: Daniel Quinha de Oliveira Macosso


Orientador: Prof. Doutor Barnabé Mbonga Capita Macaia

CABINDA, JULHO DE 2024

2
―O amor autêntico deve basear-se no reconhecimento
recíproco de duas liberdades. Consiste em que cada um
dos amantes viva como eles mesmos e como outros, sem
que ninguém renuncie à sua transcendência nem se auto-
mutile, conhecendo juntos no mundo valores e o
objectivos‖.

(Simone de Beauvoir)

3
DEDICATÓRIA

Ao meu estimado amigo, tio e Professor, Tomé Carlos Quinha, cuja partida prematura
deixou um vazio indelével em minha vida. Seu exemplo de dedicação ao conhecimento e seu
encorajamento constante lembranças que carregarei para sempre comigo.

À minha querida mãe, Damália Deolinda Quinha, pela mais pura demonstração de
amor, dedicação e sacrifício, o alicerce sobre o qual construí cada uma das minhas conquistas.

E, por fim, à minha amada Samantha António, cujo amor e compreensão tornaram
cada desafio mais suportável e cada conquista mais significativa. Sua presença ao meu lado
durante este percurso académico fortaleceu minha determinação em alcançar meus objectivos.

4
IV
AGRADECIMENTOS

Adoraria expressar minha profunda gratidão a todos os que contribuíram para o êxito
da minha jornada académica como um todo.

Eterna gratidão ao meu orientador, Professor Doutor Barnabé Mbonga Capita Macaia,
pela vossa sábia orientação e inspiração ao longo deste percurso. O vosso compromisso com a
excelência académica, dedicação e rigor científico foram fundamentais para o sucesso da
presente dissertação.

Expresso o meu sincero apreço à Direcção da Faculdade de Direito da Universidade 11


de Novembro, a Coordenação do Mestrado e o corpo docente selecionado pelo esforço
empreendido para sucesso desta segunda edição do curso de Mestrado.

À minha família, agradeço pela firmeza na fé, na esperança em mim depositada, pelo
seu amor, apoio moral e financeiro, pelo encorajamento, pela compreensão, pelo homem que
hoje me tornei.

Aos meus amigos, suas palavras de incentivo e compreensão nos momentos de desafio
foram verdadeiro sustento, por isso muito agradeço.

Agradecimentos extensivos a todos companheiros do curso, pela partilha de


conhecimentos e bibliografia, em especial ao mui ilustre Senhor Doutor Alberto Manganga,
pelo brilho de suas ideias e sugestões que muito seguramente enriqueceram o presente
trabalho.

V
5
SIGLAS E ABREVIATURAS
RAC – Regulamento do Acto do Casamento
RCCC – Regulamento do Casamento Canónico-Concordatário
CC – Código Civil
CF – Código da Família
ss. – seguintes
v.g. – verbi gratia (por exemplo)
CRA – Constituição da República de Angola
art. – artigo
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
Cânon – cânone
Al. – alínea
p. – página
pp. – páginas

VI
6
RESUMO

O Estado de Direito funda-se no primado da constituição e da lei, mas, sobretudo, no respeito


pela dignidade da pessoa humana. A supremacia da pessoa humana torna-se, pois, visível pelo
reconhecimento de um círculo de direitos de carácter absoluto (erga omnes) e indisponível a
todos os indivíduos pelo simples facto de ser pessoa, que no plano internacional designam-se
como direitos humanos enquanto no plano interno como direitos fundamentais ou direitos de
personalidade, quando aferidos na perspectiva do direito civil. Estes direitos acompanham a
pessoa humana nas mais variadas relações sociais que estabelece com seus semelhantes, de tal
maneira que a integridade e intimidade humana encontram tutela jurídica, para além do
casamento. Entretanto, não se colocam dúvidas sobre a possibilidade de surgimento de danos
na relação conjugal. O surgimento de dano não determina ipso facto a responsabilidade civil,
pelo que, o presente trabalho de pesquisa afigura-se relevante na busca do entendimento sobre
a aplicabilidade das regras da responsabilidade civil no âmbito do matrimónio. A julgar pelo
carácter sancionatório da responsabilidade civil, a sua admissibilidade pode ser encarada
como meio de tutela efectiva de direitos fundamentais nestas relações, contribuindo para
maior justeza e equilíbrio na célula familiar. Ainda assim, não faltaram vozes que se levantam
acerca da não admissibilidade da responsabilidade civil no casamento devido à imunidade
matrimonial que obsta a intromissão de terceiros nos aspectos íntimos da vida familiar. Para
esta corrente, a violação de deveres conjugais corresponde apenas a sanções de natureza
jurídico-familiar, tais como o divórcio, obrigação de prestação de alimentos e meação do
património comum, como também sanções de natureza criminal.

Palavras-chaves: direitos fundamentais, casamento, deveres conjugais, responsabilidade.

VII

7
ABSTRACT

The Rule of Law is based on the primacy of the constitution and the law, but, above all, on
respect for the dignity of the human person. The supremacy of the human person becomes,
therefore, visible through the recognition of a circle of rights of an absolute nature (erga
omnes) and unavailable to all individuals simply because they are a person, which at the
international level are designated as human rights as internally as fundamental rights or
personality rights, when measured from the perspective of civil law. These rights accompany
the human person in the most varied social relationships that they establish with their fellow
human beings, in such a way that human integrity and intimacy find legal protection, beyond
marriage. However, there are no doubts about the possibility of damage to the marital
relationship. The occurrence of damage does not ipso facto determine civil liability, therefore,
the present research work appears relevant in the search for understanding the applicability of
the rules of civil liability in the context of marriage. Judging by the sanctioning nature of civil
liability, its admissibility can be seen as a means of effective protection of fundamental rights
in these relationships, contributing to greater fairness and balance in the family cell. Even so,
there was no shortage of voices raised regarding the inadmissibility of civil liability in
marriage due to marital immunity that prevents the intrusion of third parties into the intimate
aspects of family life. For this current, the violation of conjugal duties corresponds only to
sanctions of a family legal nature, such as divorce, maintenance obligations and sharing of
common assets, as well as sanctions of a criminal nature.

Keywords: fundamental rights, marriage, marital duties, responsibility.

VIII
8
ÍNDICE
DEDICATÓRIA ....................................................................................................................... IV

AGRADECIMENTOS .............................................................................................................. V

SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................................................. VI

RESUMO ............................................................................................................................... VII

ABSTRACT .......................................................................................................................... VIII

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12

CAPÍTULO I: O CASAMENTO COMO FONTE DA RELAÇÃO JURÍDICO-


FAMILIAR ............................................................................................................................. 14

1.1. Breve historial da evolução do casamento ........................................................................ 14

1.2. Conceito de casamento ...................................................................................................... 18

1.3. Natureza jurídica do casamento ......................................................................................... 21

1.4. Sistemas matrimoniais ....................................................................................................... 23

1.4.1. Sistema matrimonial angolano da actualidade ............................................................... 25

1.5. Pressupostos de existência do casamento .......................................................................... 27

1.5.1. Diversidade de sexo ........................................................................................................ 29

1.5.2. Declaração de vontade .................................................................................................... 30

1.5.3. Intervenção do conservador do registo civil ................................................................... 31

1.6. Pressupostos de validade. Elementos de fundo e elementos de forma .............................. 32

1.6.1. Capacidade matrimonial ................................................................................................. 32

1.6.1.1. Idade núbil ................................................................................................................... 34

1.6.1.2. Ausência de impedimentos matrimoniais .................................................................... 35

1.6.1.3. Mútuo consentimento .................................................................................................. 36

1.7. Invalidade do casamento ................................................................................................... 37

1.8. Formalidade do casamento. ............................................................................................... 39

1.8.1. Formalidades preliminares. Processo preliminar ........................................................... 40

1.8.1.1. Legitimidade da declaração inicial .............................................................................. 41

9
1.8.1.2. Oposição ao casamento ............................................................................................... 41

1.8.2. Formalidades de celebração. Celebração do casamento ................................................. 42

1.8.3. Registo do casamento ..................................................................................................... 43

1.8.3.1. Transcrição do casamento canónico concordatário ..................................................... 43

CAPÍTULO II: PRINCÍPIOS, DIREITOS E DEVERES CONJUGAIS..........................45

2.1. Princípios fundamentais da relação matrimonial............................................................... 45

2.1.1. Princípio da igualdade .................................................................................................... 47

2.1.2. Princípio da decisão comum ........................................................................................... 47

2.1.3. Princípio da plena comunhão de vida ............................................................................. 48

2.2. Direitos resultantes da relação matrimonial ...................................................................... 50

2.2.1. Direito ao nome .............................................................................................................. 51

2.2.2. Direito à nacionalidade ................................................................................................... 51

2.2.3. Direito de representação ................................................................................................. 52

2.3. Deveres conjugais .............................................................................................................. 52

2.3.1. Dever de respeito ............................................................................................................ 52

2.3.2. Dever de fidelidade......................................................................................................... 55

2.3.3. Dever de coabitação........................................................................................................ 59

2.3.4. Dever de cooperação ...................................................................................................... 62

2.3.5. Dever de assistência........................................................................................................ 64

2.4. Natureza jurídica dos deveres conjugais ........................................................................... 67

CAPÍTULO III A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CÔNJUGES RESULTANTE


DA VIOLAÇÃO DE DEVERES CONJUGAIS .................................................................. 71

3.1. Breve Evolução Histórica sobre a Responsabilidade Civil ............................................... 71

3.2. Noção de Responsabilidade Civil ...................................................................................... 74

3.3. Responsabilidade Extracontratual e Contratual ................................................................. 76

3.3.1. Responsabilidade civil por factos ilícitos ....................................................................... 77

3.3.1.1. Facto voluntário do lesante .......................................................................................... 78

10
3.3.1.2. Ilicitude ........................................................................................................................ 79

3.3.1.2.1. Causa de exclusão da ilicitude .................................................................................. 81

3.3.1.3. Culpa............................................................................................................................ 82

3.3.1.4. Dano ............................................................................................................................ 84

3.3.1.4.1. Tipos de danos indemnizáveis .................................................................................. 85

3.3.1.5. Nexo de causalidade .................................................................................................... 88

3.3.2. Responsabilidade obrigacional ....................................................................................... 90

3.3.3. Enquadramento da responsabilidade civil por violação de deveres conjugais ............... 92

3.3.3.1. Inadmissibilidade da responsabilidade civil por violação de deveres conjugais .......... 93

3.3.3.2. Admissibilidade da indemnização na vigência do casamento ..................................... 95

3.3.3.3. Posição adoptada pelo legislador angolano................................................................... 98

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 101

11
INTRODUÇÃO

O casamento é o pilar fundamental da sociedade, marcado por um conjunto de direitos


e deveres que impendem entre os cônjuges. Entre as promessas recíprocas de amor,
convivência e compromisso surgem os deveres conjugais que regulam e disciplinam a
conduta dos cônjuges. Daí que, trazemos à estampa esta singela reflexão sobre a
responsabilidade civil dos cônjuges por violação de deveres conjugais, delimitando a nossa
abordagem no contexto angolano. O tema não é novo, pois já foi objecto de impetuosos
debates na doutrina. Todavia, nos dias de hoje, com o desenvolvimento da responsabilidade
civil em novas dimensões, o tema suscita ainda alguma curiosidade científica, com o
reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Outrossim, entre nós não é comum ouvir-se falar da aplicação do instituto jurídico da
responsabilidade civil na relação matrimonial, tanto mais que o legislador não prevê uma
disposição expressa que, de forma específica, regule o assunto. Por essa razão, questionamo-
nos: pode a violação de deveres conjugais determinar a obrigação de indemnizar na vigência
do casamento? Qual é a natureza jurídica dos deveres conjugais? Em qual das modalidades
de responsabilidade se enquadraria a responsabilidade civil por violação de deveres
conjugais? Pode o pedido de divórcio e os seus efeitos práticos considerar-se o meio único e
mais ajustado para fazer face aos ilícitos matrimoniais?

É neste contexto que emerge o objectivo central da nossa pesquisa que consiste em
saber se é aplicável, em matéria de violação dos deveres recíprocos dos cônjuges, o princípio geral da
responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil. Igualmente, pretendemos
compreender a natureza jurídica do casamento e dos deveres conjugais e explicar a autonomia
da responsabilidade civil face ao divórcio. Propomo-nos ainda explorar os fundamentos
teóricos e as nuances práticas relacionadas a essa temática complexa, buscando fornecer uma
visão abrangente sobre os deveres conjugais e as medidas reparatórias disponíveis em caso de
transgressão visando oferecer subsídios para uma compreensão mais profunda e crítica desse
importante instituto jurídico na relação conjugal. Ao lançarmos luz sobre a temática,
esperamos contribuir para o enriquecimento do debate académico e, quiçá, no aprimoramento
das práticas relacionadas ao apaixonante universo do Direito da Família.

12
Face às dificuldades com que nos deparamos para a obtenção da jurisprudência do
Tribunal Supremo e do Tribunal da Comarca de Cabinda, até hoje indisponível, recorremos,
sobretudo, à doutrina estrangeira, com destaque para a brasileira e portuguesa sobre a matéria.

Refira-se, com efeito, que a elaboração da presente dissertação só foi possível com o
recurso ao método hermenêutico que consiste na análise e interpretação das normas jurídicas,
bem com o método dedutivo que consistiu essencialmente na análise de aspectos gerais dos
principais institutos jurídicos analisados nesta pesquisa (casamento e responsabilidade civil)
para a compreensão da responsabilidade civil resultante da violação de deveres conjugais,
com base na indispensável pesquisa bibliográfica e documental, com base nas informações
obtidas em manuais, artigos jurídico-científicos e revistas, publicados quer em formato físico
como em meios eletrônicos ou digitais.

Para o êxito da nossa empreitada, subdividimos o presente trabalho em três


importantes capítulos:

O primeiro de caris mais descritivo destinado a compreender o casamento enquanto


fonte da relação jurídico-familiar destaca os aspectos históricos de sua evolução, seu conceito,
natureza jurídica, os sistemas matrimoniais praticados nos diferentes ordenamentos jurídicos,
culminando com os pressupostos de existência e de validade do casamento.

No segundo capítulo deste estudo, exploramos os fundamentos essenciais que regem


os laços matrimoniais, focando nos princípios, direitos e deveres que constituem a base das
relações conjugais. Este capítulo busca oferecer uma análise detalhada dos diversos deveres
impostos pelo casamento, examinando as consequências jurídicas decorrentes de sua violação.
Além disso, abordamos a natureza jurídica desses deveres para proporcionar uma
compreensão mais clara sobre a aplicação da responsabilidade no contexto conjugal.

O terceiro capítulo desta pesquisa é dedicado à análise da responsabilidade civil dos


cônjuges resultante da violação de deveres conjugais. Neste particular, exploramos os
aspectos essenciais do instituto da responsabilidade civil, sua noção e classificação aplicando-
os no contexto específico da relação matrimonial, examinando também duas correntes
doutrinais que debatem sobre a admissibilidade desta responsabilidade durante a vigência do
casamento. Esta análise crítica visa oferecer subsídios para a compreensão do posicionamento
adoptado pelo legislador angolano sobre esta matéria.

13
CAPÍTULO I – O CASAMENTO COMO FONTE DA RELAÇÃO JURÍDICO-
FAMILIAR

O artigo 35.º, n.º 1 da Constituição da República de Angola qualifica o casamento


como a principal fonte da relação jurídica familiar. Não obstante a relevância jurídica e social
deste instituto, no plano histórico não se consegue precisar o período exacto em que a união
entre o homem e mulher começou a ser formalizada pelo laço do matrimónio considerando o
facto de que entre os seres humanos sempre houve o acasalamento, quer pelo instinto de
perpetuação da espécie ou pela repulsa à solidão1 e que o matrimónio vem da necessidade do
ser humano de se agrupar, de pertencer a algum lugar, de encontrar seu porto seguro e o seu
refúgio no seio de um grupo familiar2.

Por isso, para o presente estudo, neste capítulo dedicamos particular atenção sobre a
evolução histórica do instituto do casamento com base nalguns registos fornecidos pela
doutrina que nos vão permitir melhorar a compreensão do conceito jurídico doutrinal do
casamento e responder, com alguma segurança, a questão da natureza jurídica do casamento
alcançando com isso um dos objetivos preconizados neste trabalho.

1.1. Breve historial da evolução do casamento

O casamento, com o tempo, tomou diversas formas nas quais a família e o matrimónio
constituem uma realidade social em formação. Esta união, de início, objectivava tão somente
a procriação, mais tarde transformou-se em questões ligadas ao valor da propriedade, à
obtenção das terras e às uniões políticas entre a nobreza.

Antes de instituir uma associação sexual tutelada juridicamente3 com o objectivo de


disciplinar social, jurídica e moralmente a procriação e os efeitos parentais que dele decorrem,
o matrimónio era um acontecimento natural, não se formalizava por qualquer acto solene.

1
GUERRA, Weliton Cavalcante, Casamento como Forma de Constituição da Família e a Base do Estado – um
Estudo Comparado entre a Valoração do Instituto do Casamento nas Legislações de Portugal e do Brasil,
Dissertação, UAL 2019, p. 17. Disponível em https://repositorio-aberto.up.pt acessado no dia 27 de Julho de
2023.
2
Ibidem.
3
Cfr. Ponto 4 da Declaração dos Bispos de Camarões sobre o tema da homossexualidade e da bênção dos
―casais homossexuais‖, assinada em Yaoundé no dia 21 de Dezembro de 2023, que define o casamento como
―uma instituição que legitima as relações sexuais e a filiação para fundação de uma nova família‖. Ou seja,
União de um homem e de uma mulher que se comprometem a viver a dois, a fundar uma família e a viver juntos
no amor.
14
Ensina Medina que era o estabelecimento da vida em comum de forma plena entre o
homem e mulher, feita no propósito de fundarem a família, que caracterizava o casamento4.

No direito romano já se distinguia o simples concubinato do casamento, pela ―affectio


maritalis‖, elemento subjectivo (espiritual e psicológico) que evidenciava o propósito comum
de convivência duradoura entre o homem e a mulher, ou seja, a vontade espontânea dos
cônjuges de se tratarem como esposo e esposa5.

Do casamento emergiam diversas consequências relativas à legitimidade dos filhos, ao


regime sucessório, às relações de afinidade e ao dote6.

Com o advento do cristianismo o casamento passou a ser considerado como um


sacramento em que intervinha a vontade divina. O casamento devia, pois, revestir-se de forma
canónica e era o ministro do culto que autorizava a celebração7.

A partir do Concílio de Trento, no Século XVI, passou o sacerdote a intervir na sua


celebração, sendo as questões relativas à validade do casamento do conhecimento das
autoridades eclesiásticas8.

O advento do protestantismo veio a retirar o casamento do controlo da Igreja Católica,


submetendo-o ao poder do Estado, como assunto terreno, por considerá-lo, diferentemente,
como uma instituição secular e profana, desprovida de qualquer carácter de sacramento.
Assim, apenas a lei civil seria competente para o regular9.

A secularização do direito matrimonial começou nos países onde se verificou a contra-


reforma, mas nos países predominantemente católicos o casamento era da competência da
igreja.

Com a revolução francesa, no final do século XVIII, passou a existir a concepção de


que o casamento é um acto meramente civil, baseado na vontade livre dos nubentes, como tal
não sujeito à intervenção obrigatória da igreja. Surgiu nessa data o casamento civil de

4
MEDINA, Maria do Carmo, Direito de Família, 2.ª Ed. Escolar Editora, 2013, p. 169.
5
Ibidem.
6
VOLTERRA, Apud GUERRA, Weliton Cavalcante, Op. Cit. p. 20.
7
MEDINA, Maria do Carmo, Op.Cit. p. 169.
8
Ibidem.
9
Ibidem.
15
natureza laica, independentemente do casamento religioso, e da competência dos
representantes do Estado10.

O casamento civil surgiu [assim] como manifestação da tolerância religiosa. Mas


também, [...], como afirmação da supremacia do Estado sobre os seus súbditos11.

Ao longo da história, o papel do casamento foi mais relevante para a instituição do


eixo da estabilidade social do que o amor entre os nubentes. As atribuições do casamento se
voltavam para a criação da prole, com transmissão de valores, servindo como núcleo
económico, além de organizar as tarefas diárias da vida. Contudo, cada cultura imprime os
seus costumes na cerimónia dos esposais, todavia, sua relevância institucional é universal.

No direito angolano, com a proclamação da independência nacional e aprovação da


primeira Lei Constitucional, foi instituído um novo sistema jurídico e as normas de carácter
discriminatório contidas no Livro VI do Código Civil de 1966, que entrou em vigor em
Angola através da Portaria n.º 22869, de 4 de Setembro de 1967, passaram a ser consideradas
derrogadas por inconstitucionais.

Em relação ao casamento, admitiam-se duas modalidades de casamento, isto é,


casamento civil e casamento católico cuja validade e eficácia eram reconhecidas (art. 1587.º
do Código Civil), como consequência da concordata assinada em 1940 entre a Santa Sé e o
Estado português.

Com aprovação da Lei n.º 53/76, de 2 de Julho, afastou-se a aplicação das normas da
concordata, permitindo a dissolução dos casamentos católicos celebrados em Angola entre os
angolanos; autorizou a conservação da separação de pessoas e bens em divórcio ao mesmo
tempo que foram aditados novos fundamentos ao pedido de divórcio.

Em 1985, com aprovação da Lei n.º 11/85, de 28 de outubro, Lei do Acto do


Casamento, concedeu-se unicamente validade aos casamentos celebrados perante os órgãos
do registo civil.

Mais tarde, com a entrada em vigor da Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, que aprova o
Código da Família, registou-se uma revisão total do Direito da Família. Com esta lei,

10
Ibidem.
11
CAMPOS, Diogo Leite de, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2.ª Ed. Rev e Actual, Almedina
Editora, 2008, p. 167.
16
consagrou-se a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher em todos os
aspectos da vida familiar. Aboliu-se a validade jurídica do casamento canónico12, com
pretexto de que este constituía um privilégio injustificado da igreja católica em detrimento das
demais confissões religiosas reconhecidas no país.

O casamento deixou de ser considerado como um contrato e passou a ser entendido


como união voluntária entre homem e mulher, onde os aspectos pessoais são mais valorizados
do que os aspectos patrimoniais.

Com vista a se reafirmar, fortalecer e aprofundar os laços de cooperação e


solidariedade, Angola e a Santa Sé celebraram um acordo (concordata) no dia 13 de Setembro
de 2019. O referido acordo (concordata) passou a integrar o ordenamento jurídico angolano
por meio do Decreto Presidencial n.º 302/19 de 21 de Outubro, adiante Acordo-Quadro.

Dentre as várias matérias que formam o objecto da concordata destacam-se: o


reconhecimento da personalidade jurídica civil às pessoas canónicas e o reconhecimento de
efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas (casamento
canónico-concordatário). Neste último caso, o reconhecimento de efeitos civis ao casamento
canónico visa evitar a dupla cerimónia vigente no país para a celebração do casamento entre
fiéis católicos.

Contudo, o conteúdo das disposições concordatárias recebido na ordem jurídica


angolana incide sobre o estado familiar ou estado civil das pessoas (os cônjuges) na medida
em que o casamento é em si uma fonte de relação jurídica-familiar (art. 7.º do Código da
Família).

Ora, o estado e a capacidade das pessoas constituem matéria de competência absoluta


e de reserva legislativa da Assembleia Nacional, conforme dispõe o art. 164.º al. o) da CRA.

Nos termos do artigo 2.º al. a), 3.º e 4.º da Lei dos Tratados Internacionais – a
concordata seria assim um tratado solene aprovado por lei, isto é, pelo órgão legislativo por
excelência (Assembleia Nacional) e não por decreto (acto do Presidente da República).

Devido à inobservância do formalismo que se impõe para a recepção dos tratados


internacionais que revestem a forma solene, ao abrigo das disposições acima citadas cogita-se
inconstitucionalidade do Decreto Presidencial n.º 302/19, de 21 de Outubro.
12
Preâmbulo da Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, paragrafo 10.º.
17
A respeito disto, Irineu Matamba adverte:

Não obstante o esforço louvável feito pelo Estado Angolano e a Santa Sé,
porque reduziria o tempo, custo e massada dos interessados, os casamentos
canónicos continuam a não produzir efeitos civis em Angola por não se ter
observado o imposto na Constituição, no Código da Família e na Lei dos
Tratados Internacionais.
A contínua divulgação e aplicação das soluções resultantes[...][destes]
diplomas[...] não contribuíram para a certeza e a segurança jurídica, pois os
fiéis católicos criarão a falsa ideia de que estão casados também civilmente,
quando na verdade continuam/continuarão solteiros13.

Contrariamente a visão deste ilustre académico angolano, pensamos que, enquanto não
forem derrogadas por inconstitucionalidade, no âmbito da fiscalização sucessiva14, as
disposições concordatárias recebidas na nossa ordem jurídica são aplicáveis aos fiéis católicos
aos quais cabe a faculdade de optar uma ou outra modalidade de celebração do casamento
(civil perante órgãos do registo civil ou canónico-concordatário perante ministro de culto),
produzindo ambos efeitos civis.

1.2. Conceito de casamento

A definição de casamento sempre suscitou controvérsias doutrinárias, dividindo as


opiniões dos autores com uma corrente que defende a sua natureza contratual15, por requerer o
consentimento dos nubentes, e outra defende uma feição institucional16, justificada do facto
de imperarem no casamento princípios e normas de ordem pública a imporem deveres e a
reconhecerem direitos aos seus membros, limitando, sobremaneira, a autonomia privada.

Uma terceira corrente de pensamento sugere a natureza híbrida do matrimónio,


considerando-o como ―um contrato especial, doptado de consequências peculiares, mais
profundas e extensas do que as convenções de efeitos puramente económicos (contrato de
Direito de Família) em razão das relações específicas por ele criadas‖17.

13
MATAMBA, Irineu, Casamento Católico ja Produz Efeitos Jurídicos em Angola? Disponível em
https://matamba.ao-06/11/2022. Acessado a 14 de Outubro de 2023.
14
ARAÚJO, Raúl Carlos Vasques, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, CEDP/UAN, 2018, pp. 251-
253.
15
MADALENO, Rolf, Direito de Família, 8.ª Ed., Rev. Actual e ampliada, Forense Editora, 2018, p. 163.
16
Ibidem.
17
Ibid, p. 164.
18
Apesar da extraordinária importância que reveste na vida dos povos, como
fundamento jurídico da autêntica sociedade natural, que é a família, o casamento não se torna
fácil de definir, pela extrema variedade das situações abrangidas pelo conceito18.

Assim se explica que alguns códigos civis se tenham intencionalmente abstido de


formular conceito legal de casamento, partindo do princípio de que ele é um conceito que vem
dos primórdios da humanidade cuja definição legal pode criar mais dificuldades do que
benefícios19. Esta omissão não costuma ser censurada pela doutrina.

Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira afirmam que, ―todos temos ideia do
que é o casamento‖20, mas reconhecem as dificuldades de se resumir os caracteres essenciais
do casamento. Por isso afirmam que ―um conceito que quisesse abarcar todas as formas
matrimoniais seria meramente formal e destituído de interesse, pois a noção de casamento não
é comum a todos os direitos e a todas as épocas históricas‖21.

Partindo da ideia comum aos sistemas jurídicos que se inserem no mesmo espaço
cultural, estes autores definem o casamento como um acordo entre um homem e uma mulher
feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena comunhão
de vida entre eles22.

Madaleno Rolf, por seu turno, define o casamento como ―um acto complexo
dependente em parte da autonomia privada dos nubentes, mas complementado com a adesão
dos noivos ao conjunto de regras preordenadas, para vigerem a contar da celebração do
matrimónio, este como acto privativo do Estado‖23.

Medina caracteriza o casamento ou matrimónio como ―um negócio jurídico solene, ou


seja, formal, mediante o qual um homem e uma mulher aceitam voluntária e reciprocamente
estabelecer entre si convivência comum de carácter duradouro‖24.

Para Diogo Leite de Campos e Mónica Martinez de Campos, o casamento, enquanto


estado, é uma comunhão plena de vida, é um constante viver de cada cônjuge, não só com o
18
VARELA, Antunes, Direito da Família, Vol I, 5.ª Ed. Livraria Petrony, 1999, p.177.
19
MEDINA, Maria do Carmo, p. 177.
20
COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme de, Curso de Direito da Família – Introdução ao
Direito Matrimonial, Vol I, 5.ª Ed. Imprensa da Universidade de Coimbra Editora, 2016, p. 194. Disponível em
www.guilhermedeoliveira.pt acessado no dia 31 de Março de 2023.
21
Ibid, p. 195.
22
Ibidem.
23
MADALENO, Rolf, p. 164.
24
MEDINA, Maria do Carmo, p. 175.
19
outro, mas para o outro25, ou seja, um consórcio de toda vida, uma comunidade conjugal de
vida, plena, total, exclusiva, indissolúvel, em que está empenhada toda pessoa, que transforma
os cônjuges numa só carne em todos os aspectos do seu ser e da sua vida26.

Weliton Cavalcante Guerra entende que ―as núpcias são caracterizadas pela
convivência pública e contínua entre dois indivíduos de sexo diferente, estabelecida com
objectivo de constituição de família, sendo um negócio jurídico, estabelecido em lei,
iniciando-se, daí, uma sociedade com vínculos conjugais e com implicações jurídicas tanto
para o património como para si próprio‖27.

Já para Antunes Varela, casamento ―é o acto jurídico fundamental do direito da


família, pois através do vínculo matrimonial se constitui o cerne da sociedade familiar‖28.

Com esta definição o autor reconhece que a celebração do casamento determina o


estabelecimento de um vínculo jurídico familiar entre os cônjuges (homem e a mulher).

Semelhante entendimento resulta da interpretação do n.º 1 do artigo 35.º CRA quando


define a família como núcleo fundamental da organização da sociedade, enfatizada ainda com
a expressão ―quer se funde em casamento‖.

Ao contrário da constituição que privilegia o casamento e a união de facto como fontes


da relação jurídica familiar, o legislador ordinário coloca o casamento no mesmo plano que o
parentesco, e afinidade (artigo 7.º do Código da Família), definindo-o como ―união voluntária
entre um homem e uma mulher, formalizada nos termos da lei, com objectivo de estabelecer
uma plena comunhão de vida‖29.

Entendemos que o casamento é um vínculo jurídico familiar solene e formal


estabelecido entre um homem e uma mulher com o propósito de estabelecer uma convivência
plena, comum e duradoura.

25
CAMPOS, Diogo Leite de, CAMPOS, Mónica Martínez de, A Comunidade Familiar: Textos de Direito da
Família, IUC, 2016, p. 12. Disponível em DOI: http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1113-6_1. Também em
digitalis.uc.pt. Acessado aos 07 de Março de 2023.
26
CAMPOS, Diogo Leite de, p. 160.
27
GUERRA, Weliton Cavalcante, p. 16.
28
VARELA, Antunes, p. 177.
29
Cf. Artigo 20.º do Código da Família.
20
1.3. Natureza jurídica do casamento

Com base no conceito legal de casamento acima referido interessa-nos debruçar sobre
a natureza jurídica do acto do casamento, determinando qual é o seu conteúdo e qual a
importância da vontade das partes na sua celebração e na produção dos efeitos que dele
derivam.

Para a doutrina civilista, o casamento é um contrato civil no qual intervêm duas


vontades contrapostas, mas harmonizáveis, e que, ao contrário dos demais contratos,
pressupõe a diversidade de sexo30.

De acordo com essa doutrina, ao contrário dos negócios jurídicos em que domina o
princípio da autonomia privada, a autonomia deixada aos nubentes é muito [reduzida]31. Os
efeitos pessoais e os efeitos de conteúdo patrimonial do casamento são fixados
imperativamente pela lei, sem que as partes possam, introduzir derrogações no regime legal
respectivo, não podendo, por conseguinte, as partes estabelecer uma condição ou termo.

Os defensores dessa posição entendem que é a contratualidade do casamento que


melhor reflete a sua essência32. E afirmam que o casamento caracteriza-se pela
contratualidade, pela diversidade de sexo entre as partes, pela assunção do compromisso
recíproco de plena comunhão de vida, pela pessoalidade e solenidade33.

Embora os autores já citados reconheçam limitação ao princípio da autonomia privada


no domínio do direito matrimonial, entendem, no entanto, que a lei não o elimina34, de tal
sorte que os nubentes podem decidir livremente se casam ou não e, se sim, com quem vai se
casar (liberdade matrimonial), aceitando consequentemente, todos os efeitos legais.

Conforme escreve Jorge Duarte Pinheiro:

O casamento implica a assunção de um compromisso recíproco que tem


reflexos amplos no plano existencial e temporal: o compromisso da plena
comunhão de vida. Esse compromisso assente numa cláusula geral, traduz-se
em deveres particulares, previstos no art. 43.º do Código da Família.
No entanto, as repercussões da obrigação da plena comunhão de vida,
nomeadamente, na esfera pessoal e íntima, não excluem o carácter contratual
do casamento. O contrato não é exclusivamente uma figura patrimonial. E a

30
VARELA, Antunes, apud MEDINA, Maria do Carmo, p. 176.
31
CAMPOS, Diogo Leite de, p. 183.
32
Ibidem.
33
PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, 2.ª Ed. AAFDL-Lisboa, 2009, p. 399.
34
VARELA, Antunes, p. 187.
21
plena comunhão de vida não determina a eliminação da individualidade das
partes. É certo que o casamento produz limitações importantes no campo
existencial. Todavia, o regime da constituição do vínculo matrimonial é
delineado justamente com o propósito de levar os interessados a tomarem
consciência da seriedade do acto que se propõe celebrar35.

Portanto, a liberdade de contratar, bem como a liberdade de escolha do outro


contraente constituem o núcleo essencial da autonomia privada36. Assim, o casamento, tanto
civil como canónico, é para eles um contrato.

De acordo com a segunda corrente de pensamento – o casamento é uma instituição,


isto é, complexo normativo que se reúne à volta de princípios comuns que regulamentam um
determinado tipo de relação social37, no caso, a relação jurídica familiar.

Esta concepção é justificada pelo facto de o casamento criar uma família, estado de
cônjuge com uma série de expectativas tuteladas por lei, isto é, um vínculo familiar que une
marido e mulher constituído por um complexo de direitos e deveres que se estabelecem entre
ambos.

Esta posição é severamente criticada devido à imprecisão do conceito, nunca ganhou


profundas raízes na doutrina civilista que, mesmo reconhecendo que o acto jurídico realizado
pelos nubentes pode gerar uma instituição, não aceitam esta como sua natureza jurídica, pois,
para aquela corrente nada impede que a fonte da instituição seja, por exemplo, um contrato.

Conforme esclarece Antunes Varela:


Não pode, sinceramente contestar-se a existência de aspectos institucionais
(do ponto de vista sociológico-jurídico) do direito da família na medida em
que os interesses do grupo (social) familiar se impõem a cada pessoa aos
interesses puramente individuais de cada um dos seus membros. Não pode
considerar-se a família, nem como uma pessoa jurídica autónoma [...], nem
como um ordenamento jurídico ou uma instituição munida de competência
para fixar a sua própria disciplina jurídica. Por maioria de razão, tal
qualificação se não poderá aplicar ao casamento, como acto jurídico dos
nubentes38.

Na terceira corrente de pensamento há quem defende que o casamento é um negócio


jurídico familiar, bilateral com a natureza de um pacto, celebrado entre os nubentes, isto é,

35
PINHEIRO, Jorge Duarte, p. 401.
36
VARELA, Antunes, p. 188.
37
MACHADO, João Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19ª reimp, Almedina Editora,
2011, p. 14.
38
VARELA, Antunes, pp. 190-191.
22
acto jurídico condição de aceitação do estado de casado, que dele decorre estado de casado
que se estabelece em reciprocidade entre os dois nubentes39.

Perfilhamos esta posição por ser aquela que melhor se enquadra no conceito legal de
casamento à luz do ordenamento jurídico angolano, que caracteriza o casamento como
vínculo jurídico familiar constituído na base da vontade livre dos nubentes com o propósito de
firmarem entre si uma convivência de vida plena e duradoura.

O vínculo matrimonial é, pois, constituído na base da vontade livre dos nubentes


expressa em conformidade com a lei para reger não só o património, mas, sobretudo a
integridade pessoal de cada um dos cônjuges.

1.4. Sistemas matrimoniais

Ao longo da evolução das sociedades é possível identificar quatro sistemas


matrimoniais praticados nos diferentes ordenamentos jurídicos:

a) Sistema de casamento religioso obrigatório segundo o qual, a forma religiosa do


casamento segundo os ritos da Igreja [...] é a única permitida no Estado,
independentemente da religião e da nacionalidade dos nubentes40. Para este sistema só
produz efeito jurídico, o casamento celebrado segundo ritos e normas da igreja.
b) Sistema de casamento civil obrigatório, segundo o qual o Estado não admite outra
forma de casamento senão o casamento civil, celebrado segundo as suas leis e
regulado por elas; o direito matrimonial do Estado é obrigatório para todos os
cidadãos, independentemente da religião que professem. Claro que, admitida que seja
a liberdade de culto, o Estado dará inteira liberdade aos nubentes para casarem
segundo as normas da sua confissão religiosa, mas não atribuirá à respetiva celebração
quaisquer efeitos jurídicos41. Apenas o casamento civil é que será válido.
Este sistema apresenta como vantagem o facto de sujeitar todos os cidadãos do Estado
ao mesmo direito matrimonial. Entretanto, força a dupla celebração aos nubentes que
professem qualquer confissão religiosa.
c) Sistema de casamento civil facultativo segundo o qual, os nubentes podem escolher
livremente entre o casamento civil e o casamento católico ou celebrado segundo os

39
MEDINA, Maria do Carmo, p. 178.
40
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 204.
41
Ibid, p. 205.
23
ritos de outra religião, atribuindo o Estado efeito civil ao casamento em qualquer
caso42. Este sistema abrange duas modalidades distintas, muito diversas no seu espírito
e nas respectivas consequências práticas, embora correntemente referidas sob a mesma
designação43.

Na primeira modalidade do sistema de casamento civil facultativo o Estado permite


que os seus nacionais celebrem casamento religioso (católico, evangélico, judaico, etc.) e dá a
esse casamento efeitos legais, mas dá-lhe os mesmos efeitos e o sujeita ao mesmo regime do
casamento laico ou civil. O casamento civil e o casamento religioso apresentam-se como duas
distintas formas de celebração do matrimónio regido por uma só lei (Lei do Estado)44.

O sistema de casamento civil facultativo, nesta modalidade, oferece, em confronto


com o sistema de casamento civil obrigatório, a vantagem de evitar aos nubentes uma dupla
celebração, ao mesmo tempo conserva a vantagem substancial de haver um único direito
matrimonial, válido para todos os nacionais do Estado45.

Na segunda modalidade do sistema de casamento civil facultativo, quando o Estado


admite como válido e eficaz o casamento católico admite-o como tal, ou seja, como é
regulado pelo direito da Igreja, o Estado não reconhece apenas a forma de celebração
religiosa, reconhece a própria legislação (e até a jurisdição) eclesiástica sobre o casamento,
como que renunciando nessa medida à sua soberania46.

Nessa medida, o casamento civil e o casamento católico não são apenas duas formas
diversas de celebração do casamento, mas dois institutos diferentes, um regulado pelo direito
civil, outro pelo direito canónico, direito reconhecido ou recebido genericamente pelo Estado.

Nesta modalidade, o sistema de casamento civil facultativo também poupa aos


nubentes uma dupla celebração do matrimónio, mas agora à custa da unidade do direito
matrimonial, que é sacrificada47. Ou seja, não se consegue harmonizar as duas ordens
jurídicas (o direito civil e o direito canónico) em termos de as uniões legítimas à face da Igreja
também o serem à face do Estado e inversamente.

42
Ibid, p. 206.
43
Ibid, p. 208.
44
Ibidem.
45
Ibidem.
46
Ibidem.
47
Ibid, p. 209.
24
d) Sistema de casamento civil subsidiário segundo o qual, o Estado subordina-se
inteiramente à Igreja e como que faz seu o direito matrimonial canónico.
Neste sistema, em princípio, o casamento católico é o único que o Estado reconhece.
O Estado apenas admite que se celebrem o casamento civil em relação aos indivíduos
que não tenham recebido baptismo válido segundo a Igreja Católica ou, embora
batizados, tenham posteriormente apostatado48.

Este sistema apresenta algumas desvantagens, sobretudo pelo facto de não conciliar
com o princípio da liberdade religiosa, pois, segundo este sistema, o Estado vai obrigar os
cidadãos à prática de um acto religioso.

1.4.1. Sistema matrimonial angolano da actualidade

Após incursão sobre alguns sistemas matrimoniais praticados nos diferentes


ordenamentos jurídicos, julgamos pertinente tecer breves considerações sobre o sistema
matrimonial vigente no país numa altura em que o Estado Angolano e a Santa Sé definiram,
através de um tratado internacional (acordo-quadro), o quadro jurídico das relações do Estado
com a igreja Católica, com vista à reafirmação, o fortalecimento dos laços de amizade,
solidariedade e cooperação, baseado na representatividade histórica da Igreja Católica em
Angola49.

Entretanto, o conteúdo do acordo contradiz os fundamentos invocados para abolição


da validade do casamento canónico, nos termos aprovado pelo Código da Família. Pois, se por
um lado podemos afirmar que com a entrada em vigor da Lei n.º 1/88 de 20 de Fevereiro,
Angola adoptou o sistema de casamento civil obrigatório, isto é, admitido apenas como
válidos, os casamentos celebrados perante órgãos do registo civil (artigos 27.º e 34.º), por
outro lado, parece que com a aprovação do Decreto Presidencial n.º 302/19 de 21 de Outubro
operou-se uma alteração no sistema matrimonial angolano, ou seja, do sistema de casamento
civil obrigatório para o sistema de casamento civil facultativo com o reconhecimento de
efeitos civis ao casamento canónico-concordatário.

A esse respeito conforme acima citamos, Irineu Matamba entende que com a
celebração do casamento canónico-concordatário os fiéis católicos criarão a falsa ideia de que
estão casados também civilmente, quando na verdade continuam ser solteiro.

48
Ibidem.
49
Cfr. Preâmbulo do Acordo Quadro entre a República de Angola e a Santa Sé.
25
Com esta afirmação este autor evidencia o seu posicionamento quanto à questão
suscitada posicionando-se no sentido negativo, ou seja, considera que o único casamento
reconhecido no ordenamento jurídico angolano é o casamento civil, celebrado perante órgãos
do registo civil, devido à alegada inconstitucionalidade do citado diploma legal.

Não obstante a este posicionamento contrário, entendemos que enquanto o Decreto


Presidencial n.º 302/19 de 21 de Outubro não for declarado inconstitucional, o sistema
matrimonial angolano afigurar-se-á como um sistema de casamento civil facultativo na sua
primeira modalidade.

Este entendimento resulta do facto de o Estado angolano, nos termos das disposições
concordatárias, permitir que seus nacionais celebrem casamento católico e reconhece a este
casamento efeitos civis equiparando-o aos casamentos celebrados perante órgãos do registo
civil desde que o Assento de Casamento seja transcrito nos devidos registos do estado civil,
conforme o n.º 2 do artigo 14.º do Acordo Quadro. De modos a se garantir uma melhor
concretização desta disposição normativa, surge o Decreto Executo n.º 510/21, de 11 de
Outubro – Regulamento do Casamento Canónico Concordatário, estabelecendo os termos em
que este reconhecimento de efeitos civis ao matrimónio canónico-concordatário se processa.
Nesta conformidade, o artigo 4.º do citado diploma determina que a capacidade matrimonial
para a celebração do casamento é a prevista pelas leis civis e leis canónicas.

Quanto à atribuição de efeitos civis ao casamento canónico-concordatário, dispõe o


artigo 6.º do citado regulamento que ―o casamento canónico rege-se pelas normas do Direito
Canónico e são reconhecidos efeitos civis cumpridos os procedimentos previstos no presente
Diploma‖. Esta formulação, em princípio, sugere que os efeitos civis do casamento canónico
decorrem da lei civil do Estado.

Como veremos mais adiante, instrução do processo preliminar para celebração do


casamento é da competência da conservatória do registo civil, a quem cabe autorizar a
celebração do casamento canónico e, finalmente, proceder ao registo, por transcrição, do
casamento com vista ao reconhecimento de efeitos civis, em conformidade com a lei civil.

26
Conforme reconhece José Luquinda:

Apesar de teleologicamente este diploma visar a descontinuidade da dupla


realização de cerimónias (civil e religioso-católico), não deixa, contudo, de
estabelecer um regime de dupla verificação de pressupostos para a
celebração do casamento, sendo que os efeitos civis do matrimónio decorrem
por conta da legislação angolana e os efeitos religiosos decorrem da
legislação canónica50.

De acordo com esse entendimento podemos concluir que o casamento canónico-


concordatário produz efeitos civis e efeitos canónicos, sendo que, os primeiros são regidos
pelo ordenamento jurídico do Estado e os segundo pelo Direito Canónico, não pressupondo
com isto o reconhecimento por parte do Estado da legislação canónica. Há aqui uma espécie
de delegação de competências de celebração do casamento de um órgão do Estado para um
ente Eclesiástico.

1.5. Pressupostos de existência do casamento

Conforme supra nos referimos, o casamento é um negócio jurídico familiar bilateral.


Como qualquer outro negócio jurídico é constituído por elementos ou realidades sem as quais
não chegaria se quer a ter existência material, não chegaria sequer a constituir-se51
juridicamente. A esses elementos podemos designar por pressupostos de existência do
casamento. Com base no conceito legal exige-se que o casamento seja celebrado entre pessoas
de sexos diferentes (diversidade de sexo), que estas manifestam a vontade de contrair o
casamento (manifestação de duas vontades) perante um órgão estadual competente
(intervenção do conservador dos registos civis).

Pires de Lima escreve que:

a doutrina da inexistência não surgiu dum raciocínio lógico, mas de uma


necessidade prática. A lei (o código civil francês) não tinha incluído o
consentimento e a diversidade de sexos entre as condições de validade do
casamento e como era contrário à sua própria noção considerar válidos os
que fossem celebrados com falta de alguma dessas condições, impunha-se a
criação de uma teoria nova que, tal proclamando, respeitasse o velho axioma
— pas de nullité sans texte — e sossegasse, assim, a consciência dos

50
LUQUINDA, José, Acordo-Quadro entre Angola e a Santa Sé: O que altera no Direito Civil Angolano?
Disponível em https://Julaw.ao/wp-content-uploads/2021/10/No - 025 21. Acessado a 13 de Outubro de 2023, p.
450.
51
PINTO, Carlos Alberto da Mota, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed. Coimbra Editora, 2012, p. 383.
27
jurisconsultos clássicos, que se não contentavam com soluções baseadas na
simples equidade ou no bom senso52.

Ou seja, o Código francês não declarava nulo o casamento em que faltasse a


diversidade de sexo, a manifestação de duas vontades ou ainda a intervenção do conservador
pela simples razão de não ser necessário, e ser até descabido, declarar nulo um negócio que
nunca existiu.

Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira entendem que:

A categoria dogmática da inexistência veio [...] a impor-se na doutrina, no


âmbito do direito matrimonial, e foi aceite pelo Código Civil de 1966 (arts.
1628.º-1630.º), podendo abonar-se em duas razões ponderosas.
A primeira razão é a de que o regime da anulabilidade não se mostrava
adequado aos casamentos portadores de vícios considerados mais graves,
nessa época — casamentos entre pessoas do mesmo sexo, em que faltasse a
declaração de vontade dos nubentes ou de algum deles, etc.
A segunda razão é a de que os casamentos anuláveis, mesmo aqueles em que
o regime da anulabilidade é o mais severo, nos termos expostos, ainda
produzem os efeitos putativos53.

De igual modo o ordenamento jurídico angolano, a esse respeito, não contém


disposições que se referem expressamente à existência jurídica do casamento. Todavia, pelo
conteúdo das normas consideradas essenciais à própria existência jurídica do casamento,
Medina, na esteira do então Código Civil, qualifica a diversidade de sexo, a declaração de
duas vontades e a intervenção do conservador como pressuposto de existência do acto de
casamento54.

A inobservância dos pressupostos atrás referidos consubstancia-se na inexistência


jurídica do casamento. De acordo com Burity da Silva, se não há acção não existe negócio
jurídico55, ou seja, não existe nada, porque falta o mínimo de voluntariedade, ou a vontade ou
a consciência da declaração, ou a exteriorização56.

52
PIRES DE LIMA Apud COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme, pp. 353-354.
53
Ibidem.
54
MEDINA, Maria do Carmo, pp. 179-182.
55
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Ed. Colecção da FDUAN-Luanda,
2014, p. 652.
56
Ibidem.
28
1.5.1. Diversidade de sexo

É essencial que o acto de casamento seja celebrado entre duas pessoas de sexo
diferente. Este requisito deriva da própria natureza substancial do casamento que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos define como união plena entre homem e mulher57.

Como norma de Ius Cogens, o art.º 16.º, n.º 1, 1.ª parte, da DUDH opera
autonomamente, como limite ao poder constituinte, na elaboração da Constituição
instrumental e na consideração de outras fontes da Constituição formal (poder constituinte
originário) e ao longo das suas revisões58 (poder constituinte derivado).

Assim, do ponto de vista jurídico, afasta-se a aceitação legal ou a equiparação ao


casamento de qualquer tipo de união, estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, nos termos
do artigo 35.º n.º 1 da CRA. A exigência de homem e mulher não se trata de uma restrição a
um direito fundamental – trata-se, sim, da delimitação do âmbito normativo59.

O legislador não pode transfigurar os elementos conceitualmente definidos pela


Constituição; pelo contrário, ele encontra-se limitado por um conteúdo fixo, inamovível, do
elemento matriz da heterossexualidade, pressuposta no conceito constitucional do
casamento60, de tal maneira que o conteúdo semântico ―homem e mulher‖ não pode ser por
ele infirmado.

Do ponto de vista religioso e cultural, os Bispos de Camarões reafirmam que:

a homossexualidade falsifica a antropologia humana e banaliza a


sexualidade, o casamento e a família, fundamento da sociedade. Na cultura
africana, esta prática não faz parte dos valores familiares e sociais.
É uma flagrante violação do património que nos foi legado pelos nossos
antepassados. Na história dos povos, as práticas homossexuais nunca deram
origem à evolução social, mas são sinais claros da decadência implosiva das
civilizações. Na verdade, a homossexualidade coloca a humanidade contra si
mesma e a destrói61.

57
Artigo 16.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
58
BARROSO, Ivo Miguel, Casamento entre pessoas do mesmo sexo: um «direito fundamental» à medida da lei
ordinária?, in Lex Familiae. Revista Portuguesa de Direito da Família, Centro de Direito da Família, Coimbra
Editora, ano 7, n.º 13, 2010, pgs. 57-82 (também publicado in Revista de Direito Público, ano II, n.º 4, Julho /
Dezembro de 2010, Instituto de Direito Público, pp. 223-261). Disponível em https://www.icjp.pt. Acessado aos
29 de Setembro de 2023.
59
Ibidem.
60
Ibidem.
61
Cf. Ponto 2 da Declaração dos Bispos de Camarões sobre o tema da homossexualidade e da ―bênção dos
casais‖ homossexuais, assinado em Yaoundé no dia 21 de Dezembro de 2023.
29
1.5.2. Declaração de vontade

Já o dissemos que o casamento é um negócio jurídico familiar bilateral. O código civil


regula a declaração negocial, nos artigos 217.º e seguintes. Trata-se de um verdadeiro
elemento essencial do negócio jurídico, uma realidade componente ou constitutiva da
estrutura do negócio62, ou ainda o elemento central no processo de formação do negócio
jurídico63.

O negócio jurídico não se basta com a existência da simples vontade negocial. Esta
tem de ser sempre, de algum modo, exteriorizada, pelo que, o negócio jurídico não existe sem
a manifestação de vontade, ou, num sentido amplo, sem uma declaração negocial64.

Manuel de Andrade define declaração de vontade negocial como todo comportamento


de uma pessoa (em regra, palavras escritas ou faladas ou sinais) que segundo os usos da vida,
convenção dos interessados ou até, por vezes, segundo disposição legal, aparece como
destinado (directa ou indirectamente) a exteriorizar certo conteúdo de vontade negocial, ou
em todo o caso o revela e traduz65.

Para Menezes Cordeiro66 a declaração negocial é uma acção humana, pois pressupõe
uma acção ou omissão controlada ou controláveis pela vontade; é ainda um acto de
comunicação, isto é, uma acção que revela por dela se depreender uma opção interior do
declarante; é, por fim, um acto de validade, pois ao fazê-la o declarante não emite uma
comunicação de ciência ou uma informação opinativa, ele manifesta uma adstrição da própria
vontade.

Já Mota Pinto entende que a declaração negocial é o comportamento que,


exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de certo conteúdo de vontade
negocial, caracterizando, depois, a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos
práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes67.

A declaração negocial caracteriza-se, desse modo, pela intenção de realizar certos


efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes.

62
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 457.
63
MENEZES, Cordeiro Apud SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 457.
64
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 458.
65
MANUEL DE ANDRADE Apud SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 458.
66
MENEZES, Cordeiro Apud SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 457.
67
PINTO, Carlos Alberto da Mota, pp. 413-414.
30
No direito matrimonial, o artigo 35.º, n.º 1 do Código da Família, determina
expressamente que ―é essencial para a validade do casamento que cada um dos nubentes
manifeste de forma expressa, a vontade de contrair o casamento com o outro nubente‖.

Assim, no momento da celebração do casamento é essencial a existência de uma


declaração de vontade por parte de cada um dos nubentes. A omissão de declaração por parte
de qualquer dos nubentes é causa de inexistência jurídica do casamento.

No caso do casamento celebrado por procuração, pode esta ter deixado de produzir
efeitos em virtude da sua revogação por parte do mandante ou por caducidade em virtude da
morte deste, ou estar a procuração ferida de falsidade. A falta de declaração de vontade por
parte do nubente torna inexistente o mútuo consentimento em que ele se vai estruturar.

Daí que, a existência de duas declarações de vontade pressupõe, em regra, a presença


física de duas pessoas no acto68, isto é, a presença dos nubentes, sob pena da sua inexistente.

1.5.3. Intervenção do conservador do registo civil

O casamento deve ser celebrado por funcionário competente do registo civil que é, em
regra, o conservador ou seu substituto legal (art. 34.º al. b) do Código da Família).

Quando a cerimónia for celebrada por pessoa despida dessa competência, mesmo que
investida de autoridade pública, ou até por um terceiro sem qualquer poder para é, em regra
inexistente perante a ordem jurídica.

Só o casamento urgente, ou seja, casamento celebrado quando haja fundado receio de


morte próxima de um dos nubentes (art. 37.º do Código da Família), permite a celebração sem
a presença do competente funcionário do registo civil, mas a condição especial é estar sujeito
à homologação posterior.

Em suma, os pressupostos de existência do casamento são de verificação cumulativa,


pelo que a sua inobservância dá lugar à inexistência do casamento. Assim, o regime da
inexistência revela-se no seguinte:

a) O casamento inexistente não produz qualquer efeito jurídico;


b) A inexistência do casamento pode ser invocada a todo tempo;

68
MEDINA, Maria do Carmo, p. 181.
31
c) A inexistência do casamento pode ser invocada por qualquer interessado
independentemente da declaração judicial, ou seja, pode ser reconhecida por
sentença em acção que não seja especialmente intentada para esse fim como
também pode ser invocada por via de excepção e declarada oficiosamente pelo
tribunal.
1.6. Pressupostos de validade. Elementos de fundo e elementos de forma

O casamento como negócio jurídico bilateral e solene é constituído por elementos de


natureza substancial (condições de fundo) que conferem à aptidão natural para contrair o
casamento (englobando a diversidade de sexo, a idade púbere, a inexistência de
impedimentos) e de natureza formal (condições de forma) que se reportam ao processo
preliminar do casamento e à forma solene e pública da sua celebração.

1.6.1. Capacidade matrimonial

À personalidade jurídica69 é inerente a capacidade jurídica ou capacidade de gozo de


direito. O artigo 67.º do Código Civil, traduzindo esta inerência, estabelece que ―as pessoas
podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto
consiste a sua capacidade jurídica‖.

A capacidade jurídica é a medida das situações de que cada pessoa pode ser titular ou
que pode actuar, isto é, a aptidão para ser titular de um círculo, maior ou menor, de relações
jurídicas.

Genericamente, ha que distinguir na capacidade jurídica, a capacidade de gozo, que é a


medida de direitos e de obrigações de que uma pessoa pode ser titular, isto é, susceptibilidade
de ser titular de situações jurídicas e a capacidade para o exercício de direitos que é a
idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo
direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e exclusivo ou mediante um representante
voluntário ou procurador, isto é, representante escolhido pelo próprio representado70.

Atendendo aos fins sociais específicos do casamento, a lei estabelece condições


naturais para que, em princípio, este seja celebrado entre as pessoas que estejam aptas a

69
A personalidade jurídica consiste na aptidão para ser titular autónomo de direitos e obrigações ou de situações
jurídicas. É uma qualidade. A qualidade de ser pessoa. Vide, SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, Teoria Geral
do Direito Civil, 2ª Ed. p. 248.
70
Ibid, p. 259.
32
contraí-lo. A capacidade matrimonial é assim, a designação específica reconhecida à
capacidade para o exercício de direitos ou capacidade de agir, na relação matrimonial. Tem
por fim essencial a constituição da família, aponta [...] para os requisitos essenciais à
comunhão plena e natural de vida que constitui a base jurídico-sociológica da sociedade
conjugal71.

Para Medina, essa aptidão revela-se por condições de maturidade física e psíquica que
permita que os futuros cônjuges possam estar em condições de arcar com as responsabilidades
derivadas do casamento72. O que não quer dizer que uma pessoa fisicamente incapaz de
procriar não possa contrair casamento. A impotência, seja por razão natural ou fisiológica,
seja provocada por doença ou mutilação, não impede o homem de contrair casamento, tal
como a mulher estéril por razões fisiológicas, cirúrgicas ou outras também não está inibida de
contrair casamento. Em casos como esses, o outro nubente até ao momento da celebração do
casamento deve ter conhecimento cabal para saber se aceita, mesmo assim celebrar o
casamento. Se o vício for ocultado ao outro nubente até ao momento da celebração, isso
constitui um erro essencial sobre a qualidade do outro nubente e pode acarretar a nulidade do
casamento.

O artigo 23.º do Código da Família reconhece a todos a capacidade para contrair


casamento, entretanto impõe ainda restrições ao casamento entre pessoas ligadas por vínculos
familiares ou por práticas delituosas, por razões de ordem moral e até de eugenia. O artigo 4.º
do Regulamento do Casamento Canónico-Concordatário determina que a capacidade para
contrair casamento é a prevista pelas leis civis e canónicas.

Com a regulamentação da concordata estabelece-se um regime de dupla verificação de


pressupostos para a celebração do casamento. Os pressupostos civis e canónicos são na sua
maioria, similares, porém existem ainda diversos impedimentos ao casamento nos termos da
lei canónica que não tem reflexo directo na lei civil, tais como disparidade de culto ou jugo
desigual (cânon. 1086), orde sacra (cânon. 1087) e a profissão religiosa perpétua (cânon.
1088), que não fazem parte do objecto da nossa análise.

71
VARELA, Antunes, p. 216.
72
MEDINA, Maria do Carmo, p. 183.
33
A capacidade matrimonial enquanto aptidão para se celebrar validamente o casamento,
equivale à inexistência de impedimentos73, nos termos do artigo 23.º do Código da Família.

Podemos concluir a contrario sensu, que existe capacidade matrimonial quando se


verifica a inexistência de qualquer impedimento matrimonial. Entretanto, para uma melhor
compreensão entendemos fazer um estudo unificado dos pressupostos comuns ao casamento
civil e canónico-concordatário.

1.6.1.1. Idade núbil

O requisito capacidade é antes especificado na idade núbil do homem e da mulher que


pretendem celebrar o casamento.

Ensina Medina que:

A puberdade, ou seja, a maturidade sexual é a condição biológica primária


para a celebração do casamento.
O casamento leva à plena comunhão de vida entre [...][os cônjuges], e além
do aspecto físico e sexual dos cônjuges, há ainda que ter em conta o
desenvolvimento psíquico que é de exigir a quem vai constituir família,
assumindo com responsabilidade os inerentes direitos e deveres.
Os casamentos entre indivíduos demasiadamente jovens não trazem em regra
qualquer benefício nem ao nubente nem à sociedade, pois impede o seu
desenvolvimento físico global e a sua preparação profissional como cidadão
socialmente útil74.

O artigo 24.º do Código da Família estabelece a regra de que a idade núbil se atinge
aos 18 anos, mas prevê que, excepcionalmente o casamento se possa celebrar quando o
homem tiver 16 anos e a mulher 15 anos75 sendo, nesse caso, necessário uma autorização do
representante legal ou representantes legais do menor, ponderadas as circunstâncias que
justificam o interesse dos menores seja celebração do casamento a melhor solução.

Poder-se-á dar o caso da celebração de casamento de menor não núbil, nem por isso o
casamento será por si só, nulo, pois a lei permite a convalidação posterior, e sujeita a acção de
anulação do casamento a prazo de caducidade.

73
VARELA, Antunes, p. 215.
74
MEDINA, Maria do Carmo, p. 184.
75
Uma perspectiva de reforma do direito da família sugere descer aos 16 anos como limite mínimo excepcional
para a celebração do casamento em relação a ambos os sexos em obediência ao principio da igualdade, neste
sentido MOTA, Helena, Código de Família Angolano e o Livro IV do Código Civil Português de 1966 –
adaptação e inovação: In Textos de Direito da Família, IUC Editora, pp. 235-269.
34
Quando a autorização para o casamento for negada pelo representante legal do menor
ou por quem o tiver a seu cargo, é o tribunal que decidirá, ouvido obrigatoriamente o conselho
de família, podendo, se assim entender suprir judicialmente a falta de autorização e garantir a
celebração do casamento, se for do interesse e benefício do próprio menor, nos termos do n.º
3 do artigo 24.º do Código da Família.

1.6.1.2. Ausência de impedimentos matrimoniais

A lei exige ainda, como elemento definidor da capacidade matrimonial, as


circunstâncias negativas que não se deve verificar em relação aos nubentes. Estas
circunstâncias são denominadas impedimentos matrimoniais entendidos como factos que
obstam à realização do casamento ou destroem os efeitos do casamento76. A doutrina
distingue entre os impedimentos dirimentes absolutos e impedimentos dirimentes relativos.

Os impedimentos dirimentes absolutos – previstos no artigo 25.º do Código da Família


obstam a realização do casamento com qualquer pessoa. A alínea a) do artigo e diploma
citado faz referência à demência referindo-se aos interditos a data da celebração ou a
posterior e ainda aos que forem notoriamente dementes embora não formalmente interditos; a
alínea b) faz referência à bigamia que se verifica quando alguém é casado e vai contrair novo
casamento antes de dissolvido o anterior. A lei comina o segundo casamento a nulidade.

A falta da idade núbil pode igualmente ser caracterizada como um impedimento


absoluto, ou seja, impedimento absoluto não especificado devido o facto de não estar previsto
no artigo 25.º do Código da Família, pois na prática obsta a celebração válida do casamento
do menor com qualquer outra pessoa não abrangida na excepção do n.º 2 do artigo 23.º do
Código da Família.

Os impedimentos dirimentes relativos obstam unicamente que duas pessoas casem


uma com a outra, mas não obstam que casem com outrem, por razões de ordem pública. O
artigo 26.º alíneas a) e b) do Código da Família qualifica como impedimento dirimente
relativo o incesto, que se verifica com a celebração do casamento entre todas as pessoas
vinculadas entre si pelos laços jurídico do parentesco e de afinidade na linha recta e o
parentesco na linha colateral até ao segundo grau; enquanto que a alínea c) do mesmo artigo

76
MEDINA, Maria do Carmo, p. 187.
35
refere-se ao conjungicídio, que se verifica com a pronuncia como autor ou cúmplice por
homicídio doloso contra o cônjuge do outro.

Em suma, todos os impedimentos constituem obstáculos à celebração lícita e válida do


casamento. As normas que estabelecem os impedimentos matrimoniais devem ser
consideradas como normas de natureza excepcional e, portanto de interpretação restrita, pois
de facto restringem um direito fundamental da pessoa humana que é o direito de casar
reconhecido universalmente.

1.6.1.3. Mútuo consentimento

O mútuo consentimento é um critério clássico à atribuição da força vinculativa dos


negócios jurídicos às partes. Sendo o casamento entendido como um negócio jurídico familiar
bilateral, o n.º 1 do artigo 35.º do Código da Família, impõe que cada um dos nubentes
manifeste de forma expressa, a vontade de contrair casamento com o outro nubente, como
forma de confirmar o seu consentimento no estabelecimento da plena comunhão de vida.

Pela relevância jurídica e social que o casamento representa, o consentimento dos


nubentes deve ser:

 Pessoal – manifestado de forma expressa e individualmente pelo próprio nubente. Esta


imposição pressupõe, em regra, a presença física de cada um dos nubentes no acto do
casamento. Todavia, excepcionalmente admite-se que um dos nubentes se faça
representar no acto da celebração por procurador com poderes especiais (artigos. 34.º,
al. a) e 35.º n.º 1 e 2 ambos do Código da Família).
 Actual porque para a validade do casamento o consentimento deve ser prestado pelos
nubentes no momento da sua celebração.

Outrossim, o consentimento dos nubentes no acto do casamento deve estar isento de


falta da vontade, isto é, privação da vontade de carácter temporário (incapacidade acidental
artigo 257.º do Código Civil), que pode ocorrer no caso de o nubente se encontrar em estado
de embriaguez completa, no estado de drogado, no estado de hipnotizado ou estado de
sonambulismo77;

77
MEDINA, Maria do Carmo, p. 217.
36
Vício da vontade que se traduz numa divergência intencional e/ou unilateral entre a
vontade real e a declaração de casamento prestado pelo nubente. A vontade existe, foi
expressa a declaração, mas ela estava viciada na sua formação ou na sua liberdade de
expressão78. Consideram-se vício da vontade: o erro (sobre as qualidades físicas ou sobre as
qualidades essenciais do outro nubente) e a coação (consiste na ameaça efectiva da prática de
um facto ilícito seja sobre a pessoa do próprio nubente, seja sobre terceiro);

Simulação que acontece quando os nubentes estabelecem entre si um pacto simulatório


que os leva a celebrar o casamento como um verdadeiro simulacro de cerimónia, tendo ambos
acordados entre si que não querem estabelecer reciprocamente uma79 [plena comunhão de
vida]. Ou seja, externamente os nubentes mostram que querem casar, mas a vontade oculta de
ambos coincide em não quererem viver nem considerar-se como verdadeiros cônjuges.

1.7. Invalidade do casamento

A validade de um acto ou negócio jurídico é uma condição de plenitude do mesmo; é a


virtude ou potencialidade de produzir a totalidade dos efeitos queridos pela sua conformidade
com a lei. A invalidade é, portanto, a ineficácia do acto pela sua desconformidade com a
norma legal,80 devido à falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou
essenciais.

Como qualquer negócio jurídico, qualifica-se inválido o casamento a que falte ou em


que esteja viciado, algum dos elementos essenciais, ou em que não exista um dos
pressupostos de validade acima mencionados. O casamento inválido, em princípio, não
alcança criar direito, não gera direito entre os cônjuges, não põe em rigor uma regulação
negocial81, pois, a invalidade consiste em privar o acto jurídico da eficácia normativa que a lei
concede às manifestações da vontade privada82.

A invalidade assume tradicionalmente dois regimes típicos: a nulidade e a anulabilidade,


que se distinguem fundamentalmente da diversidade dos interesses envolvidos numa e noutra.

78
Ibid, p. 219.
79
Ibidem.
80
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 654.
81
VASCONCELOS, Pedro Pais de, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª Ed. Almedina Editora, 2012, p. 631.
82
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 655.
37
Conforme ensina Pedro Pais de Vasconcelo:

Na nulidade estão tipicamente em jogo interesses de ordem pública,


enquanto na anulabilidade[...]interesses privados. Por isso, na nulidade, é a
própria ordem jurídica que não tolera o vício e que não permite a sua
arguição por qualquer interessado sem limite de tempo, e determina o seu
conhecimento oficioso. Ao contrário, na anulabilidade, o direito permite às
pessoas cujo interesse esteja em jogo que escolham e decidam livremente
entre manter, confirmar ou anular o acto, não permite a arguição do vício por
qualquer interessado nem o seu conhecimento oficioso, e estabelece prazos
relativamente curtos para a anulação, esgotados os quais o vício se sana. Na
nulidade, o direito recusa a validade; na anulabilidade confere a certas
pessoas especialmente protegidas a faculdade de se libertarem do negócio
pedindo ao tribunal que o anule83.

Para além dos regimes tradicionais de invalidade, existem ainda outros regimes de
invalidades atípicas, também designadas na doutrina como invalidades mistas, híbridas ou
especiais. É o caso da invalidade que resulta da inobservância dos pressupostos de validade do
casamento em que se estabelecem prazos que se afastam do regime estabelecido na parte final
do n.º 1 do artigo 287.º do Código Civil de harmonia com as alineas a) e b) do artigo 70.º do
Código da Família.

Conforme supra nos referimos, os impedimentos matrimoniais são factos que obstam a
realização válida e eficaz do casamento e conduzem, em princípio, à sua nulidade absoluta,
por colocar em causa princípio de ordem pública. Porém, em relação a estes vícios, o
legislador angolano os sujeita ao regime da anulabilidade não sendo aplicáveis à invalidade do
casamento os princípios gerais estabelecidos relativamente à nulidade dos negócios jurídicos
em geral (art. 285.º e ss. do Código Civil), porque impera [entre nós no casamento] o
princípio do favor matrimonii, que procura, tanto quanto possível, salvaguardar a validade do
acto84.

Os casos de anulabilidade do casamento vêm previstos na alínea a) do artigo 65.º do


Código da Família e abrangem os que violem o disposto nos artigos 24.º, 25.º e 26.º, e ainda
os mencionados nas alíneas b) e c) do artigo 65.º, bem como na alínea c) do artigo 34.º todos
do Código da Família. No entanto, ainda que seja anulado, o casamento pode produzir efeitos
putativos85, se pelo menos um dos cônjuges estiver de boa fé, isto é, ignorando o vício que
enferma o acto.

83
VASCONCELOS, Pedro Pais de, p. 632.
84
Cf. Artigo 73.º do Código da Família.
85
Cf. Artigos 71.º e 72.º ambos do Código da Família.
38
A anulabilidade do casamento deve ser arguida por quem tenha legitimidade para o
efeito, nos prazos previsto na lei e decretado por sentença, nos termos das disposições dos
artigos 67.º, 70.º e 66.º respectivamente do Código da Família. Decretada à anulação por
sentença, o casamento deixa produzir efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença e, os
ex-cônjuges retomam o estado civil que possuíam anteriormente ao casamento.

Mas porque estamos no campo das relações de natureza pessoal e não patrimonial, os
efeitos não são aqueles que produzem a anulação dos negócios jurídicos em geral. Conforme
já nos referimos, independentemente da gravidade da causa que tenha sido invocada para a
anulação do casamento os efeitos anulatórios podem ser atenuados com propósito de
assegurar os direitos adquiridos pelo(s) cônjuge(s) de boa fé em virtude do casamento e bem
assim, da necessidade de protecção da prole inocente, através da figura jurídica do casamento
putativo.

1.8. Formalidade do casamento.

O terceiro elemento essencial da validade do casamento é a forma do casamento, a


qual o legislador confere maior importância e que se caracteriza pela existência de um
processo administrativo preparatório do casamento e pela obrigatoriedade de se proceder ao
registo do acto.

No artigo 27.º do Código da Família, reconhece-se a validade jurídica, por um lado,


aos casamentos que revestem a forma legal prevista na própria lei e, por outro lado, àqueles
que venham a ser reconhecidos pela via legal. Quis-se assim abranger os casamentos que
sejam objecto de transcrição do Registo Civil86, v.g. casamento canónico-concordatário, bem
como aqueles que venham a ser reconhecidos por decisão judicial, como ocorre no caso de se
verificar a falta do acto de registo.

Esta é a realidade subjacente no Decreto n.º 14/86, de 2 de outubro, que regula o acto
do casamento, publicado antes da entrada em vigor do Código da Família, no entanto ainda
aplicável com as devidas adaptações, em harmonia com as disposições deste código.

No que respeita ao casamento canónico-concordatário determina o n.º 2 do artigo 14.º


do Acordo-Quadro que ―São reconhecidos os efeitos civis ao matrimónio celebrado em

86
MEDINA, Maria do Carmo, p. 199.
39
conformidade com as leis canónicas, desde que o assento de casamento seja transcrito nos
devidos registos [...] civil, em termos a definir na lei angolana‖.

Esta disposição normativa determinou a regulamentação do casamento canónico-


concordatário, aprovado pelo Decreto Executivo n.º 510/21 de 11 de Outubro que estabelece
os procedimentos a serem observados tendo em vista a consumação do preceituado naquela
disposição concordatária.

A celebração do casamento canónico-concordatário, sempre que se pretenda atribuir


efeitos civis ficam dependentes da verificação dos pressupostos determinados pela lei civil,
sem esta não é possível à emissão do certificado para casamento, o que, por sua vez
inviabilizaria a celebração do casamento canónico-concordatário87.

Em suma, o acto do casamento em qualquer das duas modalidades (casamento civil e


casamento canónico-concordatário) subordina-se às formalidades preparatórias e de
celebração.

1.8.1. Formalidades preliminares. Processo preliminar

O processo preliminar destina-se a comprovar a capacidade matrimonial dos nubentes


e garantir à entidade que vai celebrar o acto de casamento que os nubentes possuem
capacidade matrimonial para o acto88. A capacidade matrimonial é evidenciada pela
documentação necessária à instrução do processo e garantida pela declaração sob juramento
dos cônjuges ou através do certificado passado pelo Conservador ou Delegado Provincial da
Justiça e Direitos Humanos.

Medina escreve que:

Procura-se [com isso] obstar a que venha ser celebrado casamento ferido de
vício substancial, que possa acarretar a sua anulação, com as graves
consequências que dela resultam. Também permite que os nubentes tenham
um determinado lapso de tempo para sopesar as consequências do acto que
vão celebrar e os efeitos ponderosos que, por via dele, irão incidir na vida
pessoal de cada um, procurando evitar resoluções precipitadas89.

87
LUQUINDA, José, Acordo-Quadro entre Angola e a Santa Sé: O que altera no Direito Civil Angolano?
Disponível em https://Julaw.ao/wp-content -uploads/2021/10/No - 025 21. Acessado a 13 de Outubro de 2023, p.
451.
88
MEDINA, Maria do Carmo, p. 200.
89
Ibidem.
40
1.8.1.1. Legitimidade da declaração inicial

O processo é aberto na respectiva conservatória do registo civil, por iniciativa dos


nubentes, através da subscrição do modelo de requerimento referido no art. 3.º previsto nas
disposições finais do Regulamento do Acto do Casamento. Neste requerimento deve conter os
elementos essenciais à identificação pessoal dos nubentes, dos seus ascendentes e fazer
menção se tiver filhos.

Em relação ao casamento canónico-concordatário, a organização do processo


preliminar compete, igualmente, à conservatória do registo civil, sendo a legitimidade da sua
iniciativa reconhecida não só aos nubentes, como também ao ministro eclesiástico através de
um requerimento que deve ser assinado por si, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do
Regulamento do Casamento Canónico-Concordatário.

Se o casamento tiver que ser celebrado perante órgão de registo civil, os nubentes
devem declarar, sob juramento, se estão ou não abrangidos por qualquer impedimento
matrimonial, sob pena de responsabilidade criminal, nos termos das disposições dos artigos
238.º, 239.º, 240.º e 241.º todos do Código Penal.

Se o casamento tiver que ser celebrado pela igreja católica, à luz do Acordo-Quadro os
nubentes não estarão sujeito a juramento, a sua pretensão deverá ser publicada na respectiva
paróquia e na conservatória onde o processo é instruído.

1.8.1.2. Oposição ao casamento

Nos termos das disposições do artigo 30.º do Código da Família conjugado com o
artigo 9.º do Regulamento do Acto do Casamento, qualquer cidadão que tenha conhecimento
da existência de algum impedimento pode suscitar oposição à sua celebração, sendo
obrigatório para os funcionários do Registo Civil e Ministério Público.

O regulamento do casamento canónico-concordatário impõe a publicação das


proclamas, justamente para garantir a publicidade90 do acto que a igreja há de realizar
permitindo desse modo que os impedimentos possam ser deduzidos antes da celebração do
casamento.

90
Diferentemente, no casamento civil, para obviar a este excessivo formalismo foram abolidas as publicações,
substituindo-as por uma declaração sob juramento. Vide MEDINA, Maria do Carmo, p. 201.
41
Deduzida oposição, ou havendo conhecimento de impedimento, o conservador deve
proceder a diligências de prova e suspender o andamento do processo, conforme o art. 194.º,
n.º 1, al. c) do Código de Registo Civil.

Se concluir pela procedência da existência de impedimento, deve recusar a celebração,


caso contrário, deverá lavrar o despacho nos termos do qual autoriza a celebração do
casamento ou emitir o certificado que declara que o casamento podia realizar-se civilmente,
consoante o casamento deva ser celebrado perante o conservador dos registos civis ou perante
Ministro de Culto da Igreja Católica. Neste último caso, a certificação funciona como um
mecanismo jurídico-legal de delegação de competência do conservador para serem exercidas
pelas autoridades eclesiásticas91.

1.8.2. Formalidades de celebração. Celebração do casamento

Terminado o processo preliminar, pelo qual se apurou a não existência de


impedimentos, e lavrado o despacho de autorização, segue-se a celebração do casamento. A
cerimónia do casamento caracteriza-se, em princípio, pela sua solenidade e publicidade
(artigo 32.º n.º 1 do Código da Família). Para o efeito, tratando-se de casamento civil, são
chamados a intervir os nubentes, o conservador do registo civil ou seu substituto legal e as
testemunhas que farão a prova da identidade dos nubentes e da realização do próprio acto
(artigo 34.º do Código da Família).

O casamento canónico-concordatário ocorre nos termos definidos pelo direito


canónico e pelas normas litúrgicas devendo os nubentes ser esclarecidos, pelo Ministro
Celebrante, sobre os deveres recíprocos dos cônjuges e deveres para com os filhos (artigo 10.º
Regulamento do Casamento Canónico-Concordatário).

Afigura-se de extrema importância o esclarecimento dos nubentes sobre os poderes-


deveres resultantes da celebração do casamento, o que, em nosso entender, deve ser feito
durante a instrução do processo preliminar como também na cerimónia de celebração do
casamento.

Refira-se que no acto do casamento as testemunhas servem ainda para atestar a


capacidade matrimonial dos nubentes e como demonstração da importância social que é dada

91
Nos termos das disposições combinadas dos Artigos 31.º do Código da Família e 8.º, n.º 1 do Regulamento do
Casamento Canónico-Concordatário.
42
ao acto do casamento, como acto que não se circunscreve à esfera privada dos nubentes e
repercute-se no meio social em que eles vivem.

1.8.3. Registo do casamento

Após o acto solene da celebração deve realizar-se o acto instrumentário que é o


registo, pois o casamento é um facto que se vai refletir na vida pessoal de cada um dos
cônjuges.

O registo de casamento enquanto registo civil torna público o acto e permite a


identificação dos cônjuges como casados. O registo do casamento é obrigatório, pois,
constitui o meio de prova privilegiado do estado conjugal92, produzindo, em princípio, efeitos
retroactivos à data da celebração do casamento.

É pelo registo que se prova a realização do casamento e se demonstra erga omnes a


situação jurídica do estado de casado. Sem ele, não pode ser invocada nem inter-partes, nem
perante terceiros93.

Para os casamentos celebrados perante órgãos de registos civis angolanos o registo é


lavrado por inscrição, isto é, logo após a celebração do casamento, perante o funcionário do
registo civil (artigo 40.º do Código da Família). A exemplo disto temos: os casamentos
celebrados em Angola e os casamentos celebrados perante agentes diplomáticos ou consulares
angolanos em relação aos casamentos celerados no estrangeiro.

O registo por transcrição ocorre quando é reconhecida eficácia jurídica a um


casamento que não foi celebrado perante os órgãos do registo civil (artigo 41.º do Código da
Família). É o caso do casamento canónico-concordatário cuja validade depende da sua
transcrição na conservatória do registo civil.

1.8.3.1. Transcrição do casamento canónico concordatário

Logo após a celebração do casamento, é lavrado o assento canónico que é feito em


duplicado, lido em voz alta, assinado pelos nubentes, testemunhas e o ministro celebrante,
sendo posteriormente o pároco obrigado até ao dia 10 de cada mês a enviar para o serviço do
registo civil competente os duplicados dos assentos dos casamentos celebrados no mês

92
Cfr. art. 278.º do Código do Registo Civil.
93
MEDINA, Maria do Carmo, p. 207.
43
anterior, para serem transcritos (artigos. 12.º e 14.º do Regulamento do Casamento Canónico-
Concordatário conjugados com o artigo 41.º do Código da Família com devidas adaptações).

A transcrição é da competência do serviço de registo civil que tenha expedido o


certificado para o casamento ou o que ficar mais próxima do lugar onde o casamento foi
celebrado, isto é, da sede paroquial (artigo 15.º n.º 1 e 2 do Regulamento do Casamento
Canónico-Concordatário).

O casamento celebrado nos termos acima mencionado é um acto constitutivo de


consequências jurídicas que se refletem no ambiente social (na medida em que gera a família
nuclear e a afinidade entre um dos cônjuges e os parentes do outro cônjuge); gera efeitos
pessoais (que se consubstanciam nos direitos e deveres aos conjugais) e, finalmente gera
efeitos patrimoniais (que se refere ao regime económico de bens ou regime matrimonial).

No presente estudo vamos cingir a nossa abordagem aos efeitos pessoais com destaque
aos deveres conjugais que nos vão permitir aferir a possibilidade do ressarcimento dos danos
resultantes da sua violação.

44
CAPÍTULO II: PRINCÍPIOS, DIREITOS E DEVERES CONJUGAIS

A relação matrimonial é constitutiva de consequências ou efeitos que se repercutem na


vida pessoal, patrimonial e social dos cônjuges. Os efeitos pessoais definem a plena
comunhão de vida (artigo 43.º e ss. do Código da Família); os efeitos patrimoniais traduzem-
se no regime económico do casamento (a administração dos bens dos cônjuges, a
responsabilidade pelas dívidas etc.), nos termos do artigo 49.º e ss. do Código da Família;
finalmente os efeitos sociais traduzem-se na alteração do estatuto social, isto é, estado civil
dos cônjuges (casados) e a consequente constituição do vínculo jurídico-familiar da afinidade
entre cada um dos cônjuges e os parentes do outro cônjuge, nos termos do artigo 14.º do
Código da Família.

No presente estudo, vamos restringir a nossa abordagem sobre os efeitos pessoais do


casamento catalogados, por um lado como direitos, e por outro lado como deveres que cada
cônjuge tem que ter com o outro, o que a doutrina designa como poderes-deveres conjugais,
demonstrando a especificidade de cada um dos deveres conjugais e as consequências jurídicas
resultantes da sua violação na esfera jurídica do outro cônjuge, bem como a natureza jurídica
dos referidos poderes-deveres.

2.1. Princípios fundamentais da relação matrimonial

A família tem a primazia do amor (a força que une os membros e os motiva a cuidar
uns do outro) e da solidariedade como seu fruto (a unidade em tempos difíceis, o apoiar uns
dos outros em todas as circunstâncias), da misericórdia como sua última consequência, como
fundamento da experiência conjugal e familiar94 (disposição para perdoar e compreender as
falhas e imperfeições dos outros). Estes valores afiguram-se essenciais para sustentá-la e
fornece um ambiente de apoio e compreensão mútuo.

Diogo Leite de Campos e Mónica Martínez de Campos anotam que:

O ser [humano] estabelece pontes com os outros. Esta abertura verifica-se


ser constitutiva do próprio ser, num círculo de êxodo e regresso a si mesmo
que constitui a vida pessoal. A vida de uma pessoa é para os outros: amar,
para ser amado; dar, para receber; comunicar para humanizar; transmitir para
conhecer. A comunicação, ―o ser para‖, é a própria vida do ser pessoal. Sem
comunicação com os outros, a ―humanização‖ é barbárie. Quando a
comunicação se interrompe, sobrevém a morte. O ser para o outro não é um
mais que se junta à pessoa humana; é constitutivo desta.

94
CAMPOS, Diogo Leite de, CAMPOS, Mónica Martínez de, p. 11.
45
Finalmente, o ser com o outro exprime a realização plena da personalidade
através da solidariedade plena com o outro. A comunicação leva a ter uma
relação de reciprocidade total que se torna em plena solidariedade.
A pessoa humana é, assim, sede de valores, unidade vivente de relações
inter-subjectivas, de solidariedade constitutiva: perdendo-se, para se
reencontrar; dando-se para enriquecer; negando-se, para se afirmar;
morrendo para viver95.

Com estas anotações, estes autores evidenciam o facto de que a existência do


casamento está intrinsecamente ligada ao propósito que cada um dos cônjuges busca na
convivência com o outro, ou seja, viver em busca de algo além de si mesmo, enquanto ser
pessoal. É efectivamente nisto que reside o cerne da relação conjugal, que se manifesta pela
determinação de consequências ou efeitos juridicamente relevantes, sobretudo, na esfera
pessoal96 de cada um dos cônjuges. Conforme já nos referimos, estes efeitos encontram-se
catalogados como direitos, mas, sobretudo deveres que impendem a cada cônjuge e que
definem a plena comunhão de vida como finalidade jurídica do casamento.

O n.º 2 do artigo 2.º do Código da Família prescreve que ―A família deve contribuir
para o desenvolvimento harmonioso e equilibrado de todos seus membros, por forma que
cada um possa realizar plenamente a sua personalidade e as suas aptidões, no interesse de
toda sociedade‖. Esta disposição anuncia um princípio comum às relações jurídicas
familiares, é por isso aplicável à relação matrimonial, com claro propósito de garantir a
harmonia e responsabilidade na relação conjugal.

Mas, para o êxito da nossa empreitada restringimos a nossa abordagem ao estudo dos
princípios específicos que informam o conteúdo das normas que dispõe sobre os poderes-
deveres conjugais. Assim, as relações pessoais dos cônjuges são regidas pelos princípios da
igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges em todos os aspectos da vida conjugal
(adiante princípio da igualdade); da decisão comum e o da plena comunhão de vida.

Importa referir que os princípios acima citados encontram-se consagrados em


instrumentos jurídicos internacionais (tratados e convenções internacionais), bem como em
fontes internas no catálogo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos,
visam à defesa da dignidade e do respeito da pessoa humana.

95
CAMPOS, Diogo Leite de, CAMPOS, Mónica Martínez de, pp. 12-13.
96
VIEIRA, Yara Cristina Marks, O Casamento como Base da Família Coexistindo com a Evolução do Divórcio,
UAL Editora, 2019, p. 48. Disponível em https://repositório.ual.pt. Acessado a 7 de Março de 2023.
46
2.1.1. Princípio da igualdade

Este princípio constitui a linha mestra sobre a qual assenta toda estrutura das relações
pessoais entre os cônjuges. Impera que na celebração do casamento, durante a sua vigência e
aquando da sua dissolução os cônjuges sejam tratados em completa paridade jurídica.

Ao contrário da prática das sociedades tradicionais africanas que assenta na ideia da


submissão da mulher ao marido, com a consagração deste princípio o marido deixou de ter a
chefia e a representação externa da família conjugal. O marido já não tem competência
exclusiva, seja por direito próprio, seja a título supletivo, na administração dos bens do casal.
De igual modo, a mulher também já não pertence, por direito próprio, nem o governo
doméstico, nem a direcção moral do lar97.

Logo, as relações conjugais são baseadas em direitos e deveres recíprocos de tal forma
que cada direito corresponde a assunção de um dever de natureza intercorrente, baseado na
solidariedade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 2 da CRA e 3.º, n.º
2 do Código da Família. Como consequência imediata deste princípio, o poder paternal sobre
os filhos comuns do casal é exercido hoje por ambos os pais (pai e mãe) de comum acordo, no
interesse do menor e da sociedade.

2.1.2. Princípio da decisão comum

Princípio da decisão comum também designado como princípio da co-direcção da


família surge como corolário lógico do princípio da igualdade entre os cônjuges, quer nas suas
relações entre si quer nas relações dos cônjuges com os filhos comuns,98 abrange tanto a
direção moral da família como a material ou patrimonial99.

Este princípio inspirou-se na nova versão do artigo 213.º do Código francês (lei de 4-
6-1970). No direito angolano tem a sua expressão máxima no artigo 48.º do Código da
Família segundo o qual ―os cônjuges decidem em comum dos assuntos essenciais da família
(...)‖.

A co-direcção da família envolve a necessidade de acordo sistemático dos cônjuges na


condução dos assuntos da família, de modo que, ao tomarem as suas decisões, os cônjuges

97
VARELA, Antunes, pp. 335-336.
98
MEDINA, Maria do Carmo, p. 232.
99
VARELA, Antunes, p. 338.
47
deverão procurar obter consenso entre si, respeitando a personalidade do outro e o interesse
dos filhos do casal, agindo numa base de mútua transigência não predominando a vontade ou
o capricho de um deles, ou seja, os cônjuges têm o dever de agir de acordo com o interesse da
própria família, tendo em vista o benefício desta e não o seu próprio interesse pessoal e
egoísta. A importância prática deste princípio reside na fixação da residência conjugal; na
administração dos bens comum do casal; no exercício do poder paternal 100; na escolha do
nome do filho.

Neste sentido revela-se importante saber se a ordem jurídica angolana dispõe de


mecanismos jurídicos de resolução de conflito em caso de desacordo dos cônjuges na
condução da vida familiar.

Em resposta a esta questão a lei parece não autorizar o recurso ao tribunal em caso de
desacordo dos cônjuges sobre a fixação da residência conjugal e sobre a administração dos
bens comuns, certamente, com base na ideia da não ingerência nos assuntos familiares com
vista à protecção da sua autonomia e da intimidade da vida privada. A ser assim, o desacordo
deverá ser resolvido dentro da família, pelos próprios cônjuges101, pois, o direito recusa-se a
intervir e faz apelo ao sentido de responsabilidade dos cônjuges e à sua capacidade de
autorregulamentação da família102.

Diferentemente, no que diz respeito à relação entre cada um dos cônjuges aos filhos
comuns, a lei já dispõe de mecanismo próprio que possibilita ao cônjuge interessado o recurso
por via judicial para escolha do nome do filho bem como para a regulação do exercício da
autoridade paternal, nos termos do artigo 133.º, n.º 2 e 140.º ambos do Código da Família.

2.1.3. Princípio da plena comunhão de vida

A plena comunhão de vida é um conceito ético que, embora seu conteúdo não esteja
totalmente definido, funciona como cláusula geral aberta de comportamento dos cônjuges. É
entendida como finalidade social e legal do casamento (artigo 20.º do Código da Família in
fine).

100
Ibid, p. 339.
101
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 406.
102
Ibidem.
48
Como princípio, a plena comunhão de vida significa que a vida em comum é
determinada pelos dois cônjuges num só103. Alguma doutrina atribui a plena comunhão de
vida entre o homem e a mulher a mesma importância do princípio que tem a boa fé,
particularmente para o direito das obrigações.

Conforme observam Diogo Leite de Campos e Mónica Martínez de Campos:

a plena comunhão de vida está no oposto do egoísmo. Cada um dos cônjuges


dá-se inteiramente ao outro para receber este; dá-se, para receber; quer
deixar de ser (só) um para passar a ser dois em um. Assim, cada um, ao
retirar-se dessa ânsia de fusão sempre renovada, verifica que trouxe o melhor
do outro, humanizando-se mais. Portanto, há que desvalorizar, nesta matéria,
o carácter autoritário do ―direito‖ subjectivo. A família é animada por
imperativos éticos e sociais, transformados em deveres. E não por uma
lógica autoritária de conexões obrigação/direito – coação – sanções. São
aqueles imperativos éticos e sociais que organizam e dinamizam a família. A
sanção vem depois e noutro plano, verificando o incumprimento e reparando
o dano104.

Se, por um lado, é certo que o casamento tem reflexos na liberdade dos cônjuges,
impondo restrições que são voluntariamente aceites por eles, e que a família matrimonial, o
casal, constitui sob muitos aspectos uma unidade, por outro lado, não é menos verdade que os
direitos fundamentais de cada cônjuge são salvaguardados, conforme veremos adiante.

Da plena comunhão de vida advém aos cônjuges efeitos pessoais directos, impondo
um relacionamento físico, que abrange a convivência sexual comum. Esta obrigação conjugal
é comummente designada como débito conjugal (expressão latina debitum conjugale), na
medida em que se impõe que os cônjuges vivam em comunhão de cama, mesa e habitação, ou
quando muito que permaneça o facto de os cônjuges poderem e querem comunicar entre si.

Entendemos assim que a plena comunhão de vida assenta sobre os princípios acima
mencionados, constituindo-se no conteúdo da relação matrimonial que se desdobra num
conjunto de direitos, mas, sobretudo deveres recíprocos considerados fundamentais à relação
matrimonial.

103
CAMPOS, Diogo Leite, p. 243.
104
CAMPOS, Diogo Leite de, CAMPOS, Mónica Martínez de, p. 13.
49
2.2. Direitos resultantes da relação matrimonial

Conforme anteriormente nos referimos, os poderes deveres conjugais refletem na vida


pessoal dos cônjuges e impõem restrições à liberdade individual de ambos. Mas é preciso ter
sempre em conta que eles não os restringem na sua personalidade própria e nos seus direitos
pessoais, que se mantêm intactos, tal como o direito à sua integridade moral e física, e em
geral, os direitos próprios de toda pessoa humana.

O direito à integridade física e moral obsta a que qualquer dos cônjuges exerça
violência corporal ou ameaças sobre o outro. A integridade moral do cônjuge tem que ser
respeitada pelo outro, preservando o direito de cada um à honra, à vida íntima, à imagem, à
correspondência própria, aos contactos telefónicos próprios, enfim, o direito ao
relacionamento no meio familiar e social.

Cada cônjuge tem direito às liberdades fundamentais de natureza política, cívica,


sindical, cultural ou religiosa, podendo os cônjuges ter as próprias convicções. Isto vem
reforçado no artigo 47.º do Código da Família que prevê o direito ao exercício de profissão ou
actividade como emanação da preservação dos direitos fundamentais que cada cônjuge
mantém para além do casamento.

Entretanto, a compatibilidade e o equilíbrio entre os direitos e deveres de natureza


profissional e as actividades dos cônjuges tornam-se indispensáveis dentro do matrimónio
para que não haja prejuízo de um em detrimento outro cônjuge.

Se admitirmos que os direitos fundamentais sejam direitos absolutos, erga omnes,


porque impõem a todos outros sujeitos, nas diversas relações sociais, o dever de abstenção,
com maior facilidade se vai compreender que estes direitos se mantêm intactos, ou seja, que
subsistem para além do casamento onde encontra uma tutela mais reforçada. Mas é também
de admitir que o casamento seja um acto constitutivo de determinados direitos específicos
que, pela sua importância, não podiam deixar de merecer a nossa atenção.

Referimo-nos a esse respeito do direito ao nome, direito à nacionalidade em relação ao


cônjuge estrangeiro e do direito de representação comum, que na verdade os cônjuges podem
requerer o seu exercício perante órgãos e agentes das pessoas colectivas públicas bem como
perante pessoas singulares.

50
2.2.1. Direito ao nome

Direito ao nome pode ser definido como faculdade legal que cada cônjuge tem de
adoptar ou não o nome do outro cônjuge ou de ambos adoptarem um nome comum da família
(artigo 36.º n.º 1 do CF).

A identidade do nome familiar não se traduz, evidentemente, na comunhão do nome


de baptismo, mas na comunhão do apelido ou dos apelidos por que é conhecida no meio
social cada família105. Não se trata de escolher o nome (institucional) da família ou o nome de
casamento, mas de satisfazer o interesse individual de um ou cada um dos nubentes na
assunção do apelido patronímico do outro106.

Dogmaticamente, trata-se de um acto unilateral (nem se quer sujeito à aprovação do


outro cônjuge) da esfera do direito público, que o seu titular exerce como cidadão perante o
Estado.107 O acto da escolha não necessita de justificação, valendo para o efeito a livre
discrição do seu titular. É um acto irrevogável, podendo a opção ser modificada apenas nas
condições em que pode excepcionalmente alterar o nome proveniente do nascimento, salvo no
caso da possibilidade de alteração subsequente à dissolução do casamento (por viuvez, por
divórcio) ou por nulidade do casamento.

2.2.2. Direito à nacionalidade

A nacionalidade é o vínculo jurídico legal que liga o sujeito a um determinado Estado,


ou seja, a qualidade de um sujeito de pertença a certo Estado, condição a que estão associados
o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres inerentes108.

O direito à nacionalidade na relação matrimonial pode ser entendido como faculdade


reconhecida ao cônjuge estrangeiro casado com nacional, por mais de cinco anos, sob o
regime de comunhão de adquiridos de obter a nacionalidade angolana em virtude do
casamento.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º1 e 4 e 14.º n.º 1, al. a), c) e
h) todos da Lei n.º 2/16, de 15 de Abril, que aprova a Lei da Nacionalidade, para atribuição da
nacionalidade angolana em virtude do casamento é imperativo que o cônjuge requerente seja

105
VARELA, Antunes, p. 365.
106
Ibid, p. 368.
107
Ibidem.
108
PRATA, Ana, in Dicionário Jurídico, Vol I, 5.º Ed. Almedina Editora, 2006, p. 268.
51
maior em face da legislação angolana e ofereça garantias morais cívicas de integração na
sociedade angolana e, que não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado pela
prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.

2.2.3. Direito de representação

A representação é outro direito reconhecido aos cônjuges em virtude casamento. A


família matrimonial é representada indistintamente por qualquer um dos cônjuges, tratando-se
de um poder de representação tácito, que assenta no princípio de que, quando um dos
cônjuges actua perante terceiros, está a actuar em resultado da vontade de ambos (artigo 48.º
do Código da Família in fine).

2.3. Deveres conjugais

Nos termos do artigo 43.º e ss. do Código da Família, os cônjuges estão


reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e
assistência. Trata-se de deveres recíprocos de harmonia com o princípio da igualdade dos
cônjuges, de maneiras a que não podem ser encarados como próprios ou exclusivos do marido
ou da mulher.

O cumprimento dos deveres acima enunciados corresponde ao que se espera de uma


―plena comunhão de vida‖109, ou seja, aquilo que constitui, em sínteses, o conteúdo110, a
essência da relação matrimonial. Por isso, ao se referir de deveres em vez de obrigações quis
o legislador centrar a sua atenção no aspecto moral subjacente às condutas estabelecidas na
lei, que se espera de cada um dos cônjuges na relação.

2.3.1. Dever de respeito

Sob o ponto de vista social e familiar, o matrimónio só terá saudável e harmonioso


desenvolvimento enquanto pautado num compromisso moral e espontâneo de respeito e ética
conjugal111. Como qualquer outra relação social, a relação conjugal baseia-se na confiança e
no respeito recíproco entre os cônjuges. Nesta relação o respeito envolve uma abstenção de

109
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 407.
110
VARELA, Antunes, p. 341.
111
ROLF, Madaleno, p. 358.
52
agredir os valores do outro, de tentar transformá-lo ou destruí-lo reduzindo-o a outro eu-
mesmo, retirando-lhe a sua diversidade única112.

Portanto, quando duas pessoas decidem estabelecer uma relação afectiva, voltada para
a constituição de uma entidade familiar existe entre cônjuges um dever universal de respeito à
pessoa e por seu turno, um direito consequentemente natural de busca da felicidade.

Do ponto de vista jurídico-legal, o dever de respeito está previsto no artigo 43.º do


Código de Família tem de ser integrado e lido na totalidade que é o casal, feito de duas
pessoas dignas, livres, racionais, capazes de amar e de reconhecer o outro cônjuge como outro
eu113e aceitá-lo como a pessoa que ele é114.

Mas, esta disposição pretende, sobretudo, acentuar que sobre cada cônjuge recai um
dever especial de abstenção em face dos direitos pessoais absolutos do outro115, não podendo
transformar-se em mera abstenção, arriscando-se a ser indiferença, não reconhecimento do
outro.

Ana Sofia Matos Fernandes sublinha que:

A noção de respeito leva-nos correntemente para duas atitudes, abstenção de


intervir e consideração pelo outro. Cada um dos cônjuges aceita o outro tal e
qual ele é e cuida do seu modo de ser. Esta comunhão de vida naturalmente
leva a uma continuidade de renascimento e de modificação de ambos os
cônjuges.
Contudo, o dever de respeito deve ainda ir mais longe; deve conter cuidado.
Cada cônjuge, sabendo que a vida em comum introduz alterações, deve estar
constantemente atento a que essas alterações não sejam unilaterais nem
desentrançadas do outro. Devem, porém, representar o resultado de um
projeto de vida em comum116.

Compreende-se desse modo que a abstenção de agredir os valores do outro cônjuge, a


consideração e o cuidado pela personalidade do outro cônjuge revelam-se como corolário do
dever de respeito, tanto mais que, se quem quer que seja deve respeitar as liberdades
individuais e os direitos de personalidade de cada um dos cônjuges, com maior empenho o

112
FERNANDES, Ana Sofia Matos, O Dever de Respeito entre os Cônjuges: in Revista Jurídica Portugalense,
UPT, 2021, p. 27. Disponível em https://www.upt.pt. Também em https://doi.org/10.34625/issn.2183-
2705(29)2021. Acessado aos 31 de Março de 2023.
113
Ibidem.
114
CAMPOS, Diogo Leite de, CAMPOS, Mónica Martínez de, p. 12.
115
VARELA, Antunes, p. 359.
116
FERNANDES, Ana Sofia Matos, p. 31.
53
deve fazer o outro cônjuge117, é nessa medida que o dever de respeito é entendido como um
dever negativo e positivo simultaneamente.

Enquanto dever negativo o dever de respeito abrange de modo especial a integridade


física e moral. Incumbe a cada um dos cônjuges o dever de não ofender a integridade física ou
moral do outro118 compreendendo-se na ―integridade moral‖ todos os bens ou valores da
personalidade cuja violação atenta contra honra, a consideração social, o amor próprio, a
sensibilidade e ainda a suscetibilidade pessoal do seu cônjuge.

Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira entendem que:

Infringe o dever de respeito o cônjuge que maltrata ou injuria o outro; o


cônjuge que, reiteradamente, ridiculariza a religião que o outro [professa] ou
a formação política de que ele é fervoroso militante; o cônjuge que, sem o
consentimento do outro, introduz no lar conjugal filho concebido fora do
matrimónio; a mulher que, sem o consentimento do marido, recorre a
técnicas de procriação assistida com esperma de dador, ou, estando grávida
de filho do casal, interrompe voluntariamente a gravidez; o marido que fez
uma doação de esperma sem o consentimento da mulher; a esterilização
voluntária de um dos cônjuges, sem fins terapêuticos, se tiver sido feita sem
o consentimento do outro cônjuge119.

Como dever de non facere é ainda o dever de cada um dos cônjuges não se conduzir
na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no conceito público, sob pena de
incorrer naquilo a que a doutrina costumava a designar por ―injúrias indiretas‖120, pois, o
casamento cria uma honra solidária, um bom nome colectivo, um pequeno património moral
comum entre marido e mulher, de tal maneira que toda a ocorrência que directamente atinja o
bom conceito individual de um dos esposos se repercute na imagem social do outro.121

Neste sentido, Carbonnier explica que ―o casamento cria uma obrigação especial de
reserva no exercício da liberdade: um esposo, antes de agir, deve lembrar-se de que não está
só, em face da sociedade ou do Estado‖122. Antes de agir o cônjuge tem que se lembrar que,
após o casamento, não está só, tem sempre uma outra pessoa a seu lado, no julgamento do
público. Isto porque, embora não dirigidas ao outro cônjuge, a relevância destas injúrias
fundam-se na ideia de que o casal é uma ―unidade moral‖, de tal modo que a dignidade, a

117
VARELA, Antunes, p. 359.
118
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 410.
119
Ibidem.
120
Ibidem.
121
VARELA, Antunes, p. 364.
122
CARBONNIER apud VARELA, Antunes p. 364.
54
honra e a reputação de um dos cônjuges são ao mesmo tempo a dignidade, a honra e a
reputação do outro123. A título de exemplo, se um dos cônjuges se embriaga ou se droga com
frequência, ou comete um crime infamante, estaria a violar o dever de respeito a outro
cônjuge.

Já como dever positivo, o respeito obriga que os cônjuges demonstrem interesse na


vida em comum e na família.124 Não precisamente o dever de cada um dos cônjuges amar o
outro, pois a lei não impõe nem pode impor sentimentos. Mas o cônjuge que não fala com o
outro, que não demonstra o mínimo interesse pela família que constituiu e que não mantém
com o outro qualquer comunhão espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge e
infringe o correspondente dever.

À violação do dever de respeito corresponde uma sanção própria do direito da família


– a faculdade de o cônjuge ofendido requerer a dissolução do casamento por divórcio (artigo
78.º do Código da Família), não afastando com isso eventuais sanções de ordem geral (civil
ou penal).

Assim, independentemente do divórcio, devem-se aplicar as regras gerais da


responsabilidade civil e, ainda, mais justificadamente, pelo menos se essa violação constituir
um atentado contra direitos de personalidade do outro cônjuge125.

2.3.2. Dever de fidelidade

A expressão ―fidelidade‖ significa qualidade do que é fiel. Traduz o comportamento


da pessoa que não engana nem trai a confiança que nela depositam. É ainda sinónima de
lealdade126. A fidelidade é, portanto, uma emanação da consciência individual de cada pessoa.

Na relação conjugal a fidelidade pode ser concebida como constância de sentimentos


entre marido e mulher, dedicação exclusiva de um ao outro127, ou ainda, a abstenção da
satisfação do instinto sexual com pessoa estranha ao vínculo conjugal128. Efectivamente, a
fidelidade afigura-se essencial à relação conjugal, por isso há quem entenda que, não é

123
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 411.
124
FERNANDES, Ana Sofia Matos, p. 29.
125
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges entre Si, Coimbra Editora,
2000, p. 95.
126
VAZA, Adelina C.F. Rocha da, AMOR, Emília Maria Marçal, Dicionário, Verbo Editora, 2006, p. 503.
127
Ibidem.
128
MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, Dano Moral nas Relações Familiares, Tese, FDUSP-Brasil, 2013,
p. 152.
55
possível a construção de uma plena comunhão de vida entre dois seres alicerçada na mentira
ou na dissimulação129.

A relevância sócio-afectiva que caracteriza a fidelidade sugere a sua juridicidade de


formas a que lhe seja retirado do domínio exclusivo da ética ou moral, para o Direito. Aliás, e
como bem anota Oliveira Ascensão ―a lei só traz realmente uma norma se se integrar na
ordem social‖130.

Actualmente, os diversos ordenamentos jurídicos consagram a fidelidade como um


dever recíproco dos cônjuges cujo objecto é a dedicação exclusiva, leal e entrega de cada um
deles ao outro131.

Convenhamos esclarecer que o dever de fidelidade pode ser definido, num sentido
132
amplo como obrigação de lealdade, sinceridade e honestidade, mas também como a entrega
entre os cônjuges. E, num sentido restrito, como proibição de qualquer dos cônjuges de ter
relações sexuais, ainda que sem cópula, com terceiro, incluindo a inseminação artificial com
esperma de outro homem e sem consentimento do cônjuge, flirts ou namoro com outra
pessoa, ligação sentimental com outrem133.

Para efeitos do presente estudo, suficientemente desenvolvemos a nossa abordagem


sobre o dever de fidelidade num sentido restrito, isto é, na ideia de dedicação exclusiva,
requerida entre os cônjuges.

Jorge Alberto Duarte Pinheiro ressalta o facto de a exclusividade sexual, determinada


pelo dever de fidelidade, ser qualificada como ―elemento irrenunciável do princípio da
monogamia‖, configurando-se, portanto, em núcleo indisponível da comunhão conjugal, em
sua dimensão física, moral e espiritual134.

No mesmo sentido, Bárbara Sofia Assunção Viana ensina que o dever de fidelidade
estabelece uma dupla vertente de abstenção: por um lado, os cônjuges têm o dever de não
praticar relações sexuais com terceiros (fidelidade física) e, por outro lado, os cônjuges devem

129
VARELA, Antunes, p. 342.
130
ASCENÇÃO, José Oliveira de, O Direito Introdução e Teoria Geral, 13ª Ed. Almedina editora, 2013, p. 255.
131
Ibidem.
132
Cfr. PINHEIRO, Jorge Duarte, O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal – Os Deveres Conjugais
Sexuais, Almedina Editota, 2004, p. 189.
133
VARELA, Antunes, p. 343.
134
PINHEIRO, Jorge Duarte, Op. Cit. p. 167.
56
abster-se de manter ligações sentimentais e amorosas com pessoa que não seja o seu cônjuge
(fidelidade moral)135.

À violação da primeira vertente da abstenção, conforme supra mencionado,


(infidelidade material), que constitui a forma extrema de quebra do dever de fidelidade, se dá
o nome de adultério136. Pela sua gravidade, o adultério destrói os vínculos imprescindíveis de
estima, confiança e ternura137, é um ultraje à honra e uma traição ao amor do outro cônjuge138,
por isso representa a mais nítida manifestação da falência da moral conjugal, na medida em
que fere e perturba de modo profundo a vida familiar.

Frank Pittman139 entende que, a maior ameaça da infidelidade não está no


relacionamento sexual, mas, sim, na traição da confiança, a gerar suspeita, insegurança e uma
perturbadora desconfiança e na possível e temerária perda do parceiro, aumentando o senso de
desvalorização da pessoa atingida pela traição.

Conforme explica Ana Streit:

a traição é sempre acompanhada de muita dor e tristeza. Os sentimentos de


negação e de falta acarretam uma profunda tristeza [equiparada a luto] em
que parece ser impossível de ser superada. Dúvidas e incertezas passam a
assombrar a mente da vítima tornando-a prisioneira da infelicidade.
Uma traição amorosa pode levar a pessoa a sofrer transtornos psicológicos,
como a depressão; transtorno do stress pós-traumático [na medida em que]
gera a sensação de vulnerabilidade e perda de controle em quem sofreu o
trauma; [e mais, gera] alteração do quadro de ansiedade e hipervigilância
como problema de sono, concentração, isolamento, raiva ou desejo de
vingança140.

Para disciplinar tal comportamento a ordem jurídica angolana durante muito tempo foi
bastante severa no regime de sansões aplicáveis ao adultero, sobretudo quando praticado pela
mulher, chegando mesmo a ser considerado como ilícito penal, nos termos do artigo 401.º e
ss. do Código Penal de 1886, e Civil.

135
VIANA, Bárbara Sofia Assunção, A Responsabilidade Civil no Âmbito Conjugal – o caso particular da
violação do dever de fidelidade, Dissertação U. Porto, 2017, p. 41 Disponível em
https://www.sigarra.up.pt/fdup.com Acessado aos 31 de Março de 2023.
136
VARELA, Antunes, p. 343.
137
MONTEIRO, Washington de Barros, apud ROLF, Madaleno, p. 347.
138
FÁBREGAS, Luiz Murilo, O Dano Moral Resultante do Divórcio ou Separação Injusta e o seu
Ressarcimento, Revista EMERJ, n. 6, 1999, p. 111.
139
FRANK Pittman Apud ROLF, Madaleno, p. 347.
140
STREIT, Ana, em entrevista concedida à CNN/Brasil no dia 24/06/2023. Disponível em
www.cnnbrasil.com.br, Acessado aos 21 de Janeiro de 2024.
57
Sob o ponto de vista da civilistica, de acordo com Ângela Cristina da Silva Cerdeira,
divergiam as sanções prescritas para o adultério da mulher e para o do marido. A sanção num
e noutro caso era a separação de pessoas e bens, mas enquanto que o adultério dela constituía
sempre fundamento para essa separação, o dele constituía-o, apenas, quando acompanhado de
escândalo público ou completo desamparo da mulher141-142.

As razões apontadas pela doutrina para esta diversidade de regime eram,


essencialmente, de ordem moral (era muito maior o escândalo causado pelo adultério da
mulher) e de ordem jurídica, dada a dificuldade criada pela mulher na determinação da
paternidade dos filhos adulterinos143.

Com a aprovação do Código Penal Angolano pela Lei n.º 38/20 de 11 de Novembro, o
adultério deixou de ser considerado ilícito penal, passando tão-somente a ser considerado em
geral como um ilícito civil144, podendo dele derivar para o cônjuge ofendido o direito de
indemnização por danos não patrimoniais145.

Não obstante a revogação do sistema de causas específicas, nos termos acima exposto,
o adultério não deixou de constituir um fundamento da dissolução do casamento. O adultério
pode hoje ser concebido como causa subjectiva do divórcio quando pela sua gravidade ou
reiteração comprometa a comunhão de vida ou impossibilite que se realizem os fins sociais e
pessoais do casamento (artigo 97.º do Código da Família).

A fidelidade física, não se destina apenas a evitar a gestação extramatrimonial, isto é, a


fazer coincidir a paternidade biológica com a presunção prevista nos artigos 163.º, 165.º,
166.º todos do Código da Família. A obrigação de exclusividade sexual decorre da imagem
legal do casamento como comunhão tendencialmente plena de vida (art. 20.º do Código da
Família) e monogâmica.

Tendo como referência a vertente física da infidelidade, esta caracteriza-se não só pelo
elemento objectivo, isto é, pela prática de relações sexuais consumadas (adultério), mas

141
Cfr. Artigos 1778.º al. a) e 1792.º ambos do Código Civil de 1966.
142
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 87.
143
Pires de Lima, Braga da Cruz, apud CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 87.
144
MEDINA, Maria do Carmo, p. 234.
145
Ibid, p. 311.
58
também pelo elemento subjetivo, ou seja, a intenção, ou, pelo menos, a consciência de violar
o dever de fidelidade146.

Seguindo essa lógica, para se consubstanciar em adultério (infidelidade material)


necessário se torna que o acto sexual praticado pelo cônjuge com terceira pessoa tenha que
conter o elemento subjectivo, ou seja, tem que ser um acto voluntário no sentido de que tem
que ser consciente e livre,147 ainda que os actos libidinosos sejam transmitidos pela internet.
Se for um acto obtido por violência ou fraude, o adultério não se consubstancia na violação do
referido dever.

2.3.3. Dever de coabitação

A coabitação pode ser entendida como acção ou efeito de habitar, em conjunto, o


mesmo espaço ou residência.148 No âmbito matrimonial coabitar não quer dizer apenas habitar
conjuntamente, na mesma casa, ou viver em economia comum, mas viver em comunhão de
leito, mesa e habitação (tori, mensæ et habitationis)149, isto é, convivência material de marido
e mulher[...] segundo o modelo social de convivência conjugal150.

A referência à comunhão de leito traduz a obrigação dos cônjuges ao chamado ―débito


conjugal‖. Conforme explica Ana Prata, os cônjuges estão reciprocamente vinculados de
viverem em comum, mantendo relações sexuais151. A infração ao débito conjugal pela recusa
ao acto sexual pode ocasionar sérios problemas psicológicos e distúrbios ao cônjuge, pois se
trata de uma necessidade fisiológica152.

Mas é preciso esclarecer que o casamento implica uma limitação lícita do direito à
liberdade sexual, no duplo sentido de que a pessoa casada fica obrigada a ter relações sexuais
com o seu cônjuge e a não ter essas relações com terceiros.

A limitação da liberdade sexual no sentido de vinculação dos cônjuges ao débito


conjugal enquadra-se, efectivamente, no domínio do dever de coabitação, de tal maneira que a
recusa injustificada de manter relações sexuais com o cônjuge é uma manifestação da

146
VIANA, Bárbara Sofia Assunção, p. 44.
147
MEDINA, Maria do Carmo, p. 233.
148
Vide Dicionário Verbo, p. 226.
149
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 413.
150
MEDINA, Maria do Carmo, p. 235.
151
PRATA, Ana, p. 294.
152
NETO, Inacio de Carvalho, apud, MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 154.
59
violação do referido dever, podendo por isso considera-se como fundamento para dissolução
litigiosa do casamento (artigo 97.º do Código da Família).

Entretanto, sendo a dignidade da pessoa humana o ponto de partida do ordenamento


jurídico, os bens de personalidade gozam, por isso, de protecção para além do casamento.
Esta protecção incide não só no Direito Civil (artigo 70.º, n.º 1 e ss. do Código Civil), como
também no Direito Penal.

Conforme aponta Carlos Alberto Burity da Silva, os direitos de personalidade são, em


regra, objecto de protecção penal153. No que diz respeito aos cônjuges, o Código Penal
angolano tipifica e pune como crime de agressão sexual os actos de imposição ou relações
sexuais não consentidas independentemente do facto desta conduta decorrer no interior da
vida conjugal (artigos 181.º, n.º 1, 182.º e 183.º todos do Código Penal). No Direito da
Família, diferentemente, esta conduta pode constituir uma violação do dever de respeito 154 e
como tal fundamento para dissolução litigiosa do casamento.

Noutro sentido, parece-nos que a limitação da liberdade dos cônjuges de manter


relações sexuais com terceiro restringe-se no âmbito exclusivo do dever de fidelidade e não
no de coabitação, na medida em que essa limitação radica da necessidade de dedicação
exclusiva e de lealdade entre os cônjuges.

Enquanto pressuposto do dever de coabitação, a comunhão de mesa traduz-se


especificamente no dever recíproco de se estabelecer uma vivência de entreajuda e partilha de
recursos entre os cônjuges. É daqui que resulta, pois, a necessidade de se estabelecer a
residência comum, um teto sob o qual os cônjuges devem manter o seu relacionamento
recíproco.

De harmonia com o princípio da igualdade, os cônjuges devem escolher de comum


acordo (expresso ou tácito) a residência da família, ou seja, a terra e o local onde vão viver155.
Na fixação da residência conjugal devem levar-se em conta os interesses de todos os membros
da família, de cada um dos cônjuges, dos filhos, não sendo possível descortinar o interesse
próprio da família enquanto conjunto156. Ou seja, é atendendo às necessidades de cada um dos

153
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Ed. Rev. Actual. Colecção da
FDUAN, Luanda 2014, pp. 121-122.
154
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 413.
155
Ibid, p. 414.
156
CAMPOS, Diogo Leite de, p. 253.
60
membros da família que se poderá chegar a uma composição em termos de fixação da
residência comum.

É este o entendimento do legislador angolano quando impõe que na escolha da


residência familiar devem os cônjuges atender, nomeadamente, às exigências da sua vida
profissional e interesses dos filhos (artigo 44.º do Código da Família) de modos a
salvaguardar a unidade da vida familiar.

Escolhida a residência da família, os cônjuges têm o dever de viver aí157, salvo


motivos ponderosos em contrário de diversa índole como, por exemplo, quando a doença de
um deles põe em risco a saúde do outro cônjuge e dos filhos, ou ainda por motivos
profissionais [que implicam] morar em lares diferentes e geograficamente distantes, sem que
como tal [os cônjuges] pensem pôr fim ao seu relacionamento conjugal158.

Ana Fernandez-Coronado Goanzalez159 entende que:

Podem ocorrer situações de absoluta justificativa do afastamento por um dos


cônjuges da vivenda conjugal, mas quando demonstrada a intenção de
romper a vida em comum, sem qualquer motivo justificável, se cuidar de um
proceder que destrói de forma frontal e directa o casamento, considerando
não se tratar de uma situação de risco em potencial, em que o cônjuge expõe
e abala a estrutura do casamento, com o seu abandono ele rompe o próprio
vínculo de forma directa, conclusiva e irreversível160.

O dever de coabitação não pode ser imposto, por se tratar de um acto voluntário, uma
convivência mutuamente desejada, mas quando injustificadamente rompida, de forma
unilateral e maliciosa, a quebra do dever de coabitação legitima o pedido de separação judicial
litigiosa161, uma sanção ética que pode motivar o cônjuge atingido a requerer o divórcio, nos
termos dos artigos 97.º e 98.º al. a), b) e c) do Código da Família.

De acordo com Medina, o artigo 98.º do Código da Família limita-se a indicar


situações factuais, ou seja, causas objectivas que, a verificarem-se, permitem a conclusão de
que se encontra comprometida a comunhão de vida dos cônjuges e impossibilitada a
realização dos fins sociais do casamento162.

157
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 414.
158
MEDINA, Maria do Carmo, p. 235.
159
Ana Fernandez-Coronado Goanzaleza Apud ROLF, Madaleno, p. 262.
160
Ibidem.
161
Ibidem.
162
MEDINA, Maria do Carmo, p. 309.
61
Mas pode acontecer que o cônjuge esteja sendo constrangido a abandonar o lar
familiar através de pressões, ameaças e até pela coerção física ou moral, como pode acontecer
que o cônjuge mais frágil esteja sendo impedido de retornar para a vivenda comum, em
atitudes despóticas e autoritárias, de flagrante e desrespeitoso constrangimento. Nestas
situações a este não se imputa a violação do dever de coabitação.

A culpa no incumprimento de um dever conjugal (no caso, o dever de coabitação)


pode ser reveladora de ruptura insanável da vida conjugal; mas pode igualmente não o ser: o
que competirá ao juiz analisar, em acção que um dos cônjuges intente para obter o divórcio.

Diogo Leite de Campos explica que:

pode haver coabitação sem necessariamente a comunhão de vida que


constitui a essência do casamento. Quanto a comunhão de leito, e embora em
si mesma não chega para qualificar uma situação de casamento, traduzindo-
se numa comunhão de vida, o facto de os cônjuges manterem relações
sexuais normais, dado o significado humano que estas assumem, pressuporá
normalmente que continua a existir uma comunhão de vida pelo menos
suficiente para qualificar o estado de casado163.

Em todo caso, o dever de coabitação deverá ser entendido de acordo com a


especificidade do casal, ou seja, com o perfil de vida adoptado pelos cônjuges. Hoje por
razões profissionais e opções comuns, tomadas em muitos casos antes do casamento levam à
necessidade de compatibilizar a coabitação com a existência de períodos mais ou menos
longos de distanciamento, determinados por factores que relevam da privacidade e não
compete a terceiros discutir.

2.3.4. Dever de cooperação

O dever de cooperação previsto no artigo 45.º do Código da Família impõe a cada um


dos cônjuges a obrigação de cooperar e de participar em todos os actos da vida familiar,
prestando-se reciprocamente entreajuda, quer nos actos da vida doméstica quer na criação e
educação dos filhos. É, no fundo, um dever de solidariedade, colaboração, partilha de
responsabilidades e tarefas164.

Francisco Pereira Coelho e Guilherme Oliveira explicam que o dever de cooperação


que importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuo e a de assumirem em

163
CAMPOS, Diogo Leite de, p. 254.
164
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, Responsabilidade Civil entre Cônjuges no Divórcio, FDU-Porto, p. 40.
62
conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram obriga os cônjuges a
ampararem-se mutuamente nas horas boas e más, na felicidade como na provação165, por
entenderem que a família conjugal é obra dos cônjuges e ambos devem assumir em conjunto
as inerentes responsabilidades166.

Com a previsão legal do dever de cooperação procura-se uma distribuição equitativa e


harmônica de todos actos que integram a vida comum do casal, assumindo cada um dos
cônjuges as tarefas que estejam em consonância com as suas próprias capacidades, num
espírito de altruísmo e de afecto recíproco167, precisamente porque o casamento não é uma
simples união de dois indivíduos, mas uma união que visa constituir uma família mediante
uma plena comunhão de vida.

Choi Cheng Man acredita que para se alcançar a plena comunhão de vida é necessário
que os cônjuges se apoiem material e espiritualmente, não importando os bons ou maus
[momentos], devem enfrentar e assumir em conjunto as responsabilidades da vida familiar168.

Jorge Duarte Pinheiro por seu turno abstrai do dever de cooperação o conceito de
socorro distinguindo-o do de auxílio na relação conjugal. Explica que enquanto socorro o
dever de cooperação põe a tónica numa ajuda que procura superar situações anormais e
graves, de crise ou emergência do outro cônjuge, já como auxílio sugere uma colaboração
destinada a fazer face aos problemas do quotidiano169.

A doutrina maioritária acredita que o cônjuge que mostrar um absoluto desinteresse


pela saúde e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em relação a estes, mas
também um dever em relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em conjunto com o outro
as responsabilidades inerentes à vida familiar170.

Aida Filipa Ferreira da Silva sublinha que ―ter comportamento de desinteresse,


indiferença e falta de colaboração pela comunhão de vida, pela educação dos filhos, pela
actividade profissional ou doença do cônjuge, parecem ser factos integradores de violações ao

165
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA Guilherme, pp. 415- 416.
166
Ibidem.
167
MEDINA, Maria do Carmo, p. 236.
168
MAN, Choi Cheng, Da Responsabilidade Civil Decorrente da Relação Conjugal, Universidade de Coimbra,
2022, p. 19. disponível em https://estudogeral.uc.pt acessado a 31 de Março de 2023.
169
PINHEIRO, Jorge Duarte, p. 383.
170
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA Guilherme de, p. 416.
63
dever conjugal de cooperação‖171. Todavia, adverte que a obrigação de socorro e auxílio não
é, como não o é qualquer outra obrigação, ilimitada172.

Assim, em casos de toxicodependência e alcoolismo, por exemplo, o dever de


recíproca solidariedade não obriga um dos cônjuges a ter de sujeitar-se a uma vida de
sacrifício para suportar o vício do outro, principalmente se o cônjuge doente recusa
tratamento173.

2.3.5. Dever de assistência

O artigo 45.º do Código de Família engloba ainda o dever de assistência que é o


prolongamento do dever de cooperação174. Mas ao contrário do dever de cooperação, o dever
de assistência tem carácter marcadamente económico175 ou patrimonial podendo ser
cumprido, tanto em dinheiro como em trabalho176 de harmonia com as possibilidades de cada
um177 dos cônjuges.

O dever de assistência compreende a prestação de alimentos e a contribuição para os


encargos da vida familiar. É, sobretudo, nesta última acepção que efectivamente se manifesta
o dever de assistência, se se atender o facto de que a obrigação de prestação de alimentos só
tem autonomia em face da contribuição para os encargos da vida familiar quando os cônjuges
vivem separados, de direito ou apenas de facto178.

Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira observam que se os cônjuges vivem


juntos, o dever de prestação de alimentos toma a forma de dever de contribuição para os
encargos da vida familiar179. Aliás, no caso de [...] [dissolução] judicial, e de simples
separação de facto, não existe ―vida familiar‖ e não tem sentido falar na obrigação de
contribuir para os respetivos encargos; mas a lei, em certas condições, obriga cada um dos

171
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, p. 41.
172
Ibidem.
173
Ibidem.
174
MEDINA, Maria do Carmo, p. 236.
175
CAMPOS, Diogo Leite de, p. 259.
176
Ibidem.
177
Ibidem.
178
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 416.
179
Ibidem.
64
cônjuges a prestar alimentos ao outro180, isto é, prestação da quantia estritamente necessária
para permitir [a sua] sobrevivência181.

Destarte, na vigência do casamento o dever de assistência manifesta-se na afectação


dos recursos dos cônjuges aos encargos da vida familiar ou no trabalho despendido no lar ou
na manutenção e educação dos filhos182. Implica que cada cônjuge deve contribuir para
satisfação das necessidades materiais e espirituais da família183.

Neste sentido, Medina ensina que:

O dever de assistência pode traduzir-se em dois aspetos complementares:


assistência material e assistência moral.
A assistência material traduz-se em prestações de natureza económica que,
em princípio, são feitas de comum acordo entre os cônjuges. Qualquer dos
cônjuges está obrigado a ajudar a sustentar o outro quando este
involuntariamente esteja privado de meios de subsistência, por razões de
saúde ou por qualquer outra razão que o impossibilite de os angariar
[enquanto que] o dever de assistência moral impõe aos cônjuges um dever de
ajuda espiritual, participando nos momentos difíceis da vida do outro, como
no caso de doença, desgosto familiares, reveses da vida profissional, etc.
Abrange igualmente, o dever de ajudar o outro no progresso da sua vida
profissional e social184.

A esse respeito o legislador angolano no artigo 46.º, n.º 1 do Código da Família


dispõe: que ―os cônjuges devem contribuir conjuntamente para os encargos da vida familiar,
de harmonia com as possibilidades de cada um‖.

Assim, os encargos da vida familiar podem ser entendidos, conforme Medina como os
que abrangem os custos com o sustento, vestuário, habitação e todos necessários a vida
normal de família, tais como despesas de manutenção de viatura, combustíveis, de água e
eletricidade, de empregada doméstica, compra de imobiliário, eletro domésticos,185 podendo
também abarcar encargos de natureza excepcional, como os decorrentes de necessidades de
tratamento médico, de um óbito, etc.

Por seu turno, Jorge Duarte Pinheiro, a título meramente exemplificativo, entende que
serão encargos da vida familiar as despesas de habitação, transporte, saúde, alimentação,

180
Ibid, pp. 416-417.
181
CAMPOS, Diogo Leite de, pp. 259-260.
182
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, p. 42.
183
MEDINA, Maria do Carmo, p. 236.
184
Ibid, pp. 237-238.
185
Ibidem.
65
educação e formação dos cônjuges e seus filhos186. Explica que, dependendo do padrão de
vida do casal, poderão ainda estar incluídas despesas com lazer, actividades lúdicas,
educativas, culturais, profissionais e espirituais187.

Podemos então concluir que os encargos da vida familiar são todas despesas, bem
como trabalhos domésticos realizados pelos cônjuges com vista à subsistência, harmonia, o
desenvolvimento e o bem-estar da família conjugal.

Sendo um dever que pende sobre os cônjuges nos mesmos termos (de acordo com o
princípio da igualdade dos cônjuges), então, não há uma atribuição estereotipada de funções
ao marido ou à mulher188, ou seja, cada um dos cônjuges pode, pois, cumprir a obrigação de
contribuir para os encargos da vida familiar ou pela afectação do seu rendimento ou pela
realização de trabalhos domésticos.

A violação do dever de assistência nestes termos traduzir-se-á, sobretudo, na não


contribuição daquilo que era devido pelo cônjuge incumpridor, o que pode prejudicar em
muito a subsistência e o sustento de uma família,189 e como tal, podendo tornar-se num sério
ataque à dignidade da pessoa humana do outro cônjuge e dos seus filhos, violações que a lei
protege no artigo 70.º, n.º 1 do Código Civil.

Aida Silva assevera que estas descrições desvendam bem a diversidade de ilícitos
conjugais que pode ocorrer (e ocorre) entre pessoas que se vinculam ao respeito, à
solidariedade e, enfim, à plena comunhão de vida190. Por isso adverte que as consequências
decorrentes de tais violações são, muitas vezes, graves, podendo ter gravidade suficiente para
provocar danos profundos e irremediáveis na saúde física e mental do cônjuge, no seu bom
nome e consideração social191, passíveis de responsabilidade.

Porém, do ponto de vista do direito da família, a violação grave ou reiterada do dever


de contribuir para os encargos da vida familiar é um sinal de ruptura do casamento192. Ainda
assim, o n.º 2 do artigo 46.º do CF, permite que qualquer dos cônjuges possa recorrer ao

186
PINHEIRO, Jorge Duarte, p. 510.
187
Ibidem.
188
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 418.
189
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, p. 42.
190
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, p. 43.
191
Ibidem.
192
COELHO, Francisco Pereira, OLIVEIRA, Guilherme de, p. 420.
66
tribunal para exigir que lhe seja entregue directamente a parte dos rendimentos ou proventos
do outro193.

Trata-se de uma acção de jurisdição voluntária que vinha prevista no artigo 1416.º do
Código do Processo Civil o qual permitia a mulher vir pedir ao tribunal a entrega directa dos
rendimentos do marido, necessários às despesas domésticas, devendo entender-se, agora, que
este é um direito que assiste a ambos os cônjuges194.

2.4. Natureza jurídica dos deveres conjugais

A segurança jurídica consiste na possibilidade de definir com bastante precisão aquilo


que a lei proíbe, autoriza ou prescreve para que cada um de nós possa, sem grandes
dificuldades, regular a sua conduta em conformidade195com as normas jurídicas.

De acordo com Oliveira Ascenção, sem a segurança a ordem não existe ou é


imperfeita, o que inquina a possibilidade de realização total dos fins da sociedade e das
pessoas que a compõem196.

Entretanto, Ângela Cerdeira afirma que ―nem todas normas jurídicas adoptam uma
formulação precisa e rigorosa em relação à definição das situações que contemplam e dos
efeitos que preveem, pelo contrário, é muito frequente, na redação das normas, admitir-se um
certo grau de indefinição e maleabilidade, com introdução de conceitos indeterminados e
cláusulas gerais‖197. Este facto verifica-se nas normas que dispõem sobre os deveres
conjugais, razão pela qual suscitamos a questão da sua natureza jurídica.

Assim, para a autora, a problemática da natureza jurídica dos deveres conjugais tem
sido suscitada, sobretudo, a nível de sanção198, devido a insusceptibilidade de imposição
coersiva ou pela impossibilidade de recurso às acções de cumprimento e execução específica
em caso de incumprimento ou violação de deveres conjugais (artigo 817.º e ss. do Código
Civil).

Conforme vimos referindo, no plano do direito da família, a violação dos deveres


conjugais por qualquer dos cônjuges, quando de gravidade suficiente ou reiteração, que

193
MEDINA, Maria do Carmo, p. 237.
194
Ibidem.
195
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 85.
196
ASCENSÃO, Jose de Oliveira, O Direito Introdução e Teoria Geral, 13ª Ed. Almedina Editora, 2013, p. 199.
197
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 85.
198
Ibid, p. 84.
67
comprometa substancialmente a convivência conjugal, configura um ilícito conjugal passível
de fundamentar o pedido de divórcio.

Para Medina os poderes-deveres matrimoniais são de conteúdo predominantemente


ético-jurídico, pois, correspondem a prestações de natureza eminentemente pessoal, pelo que o
seu cumprimento é normalmente de natureza espontânea e resultante da vontade de cada um dos
cônjuges de fortalecer e salvaguardar o vínculo conjugal199. Entende que a violação de deveres
conjugais não está em regra expressamente protegida por lei, embora reconheça a possibilidade
de haver responsabilidade criminal em certos casos extremos. Justifica a sua posição com base
na ordem por que são anunciados na disposição do artigo 43.º e ss. do Código de Família.
Para esta autora, o legislador quis dar particular realce aos que se referem à posição moral de
um cônjuge perante o outro200.

Já Pamela Alonzo201 entende que os deveres conjugais constituem verdadeiras


obrigações [...] que os cônjuges devem respeitar, visto que se trata de normas legais positivas,
cujo incumprimento pode determinar consequências jurídicas. No mesmo sentido, Menezes
Cordeiro202 considera os deveres conjugais enquanto verdadeiras obrigações legais.

Diferentemente, a doutrina maioritária entende que os deveres conjugais constituem


verdadeiros deveres jurídicos, isto é, situação jurídica passiva, que determina para a pessoa a
necessidade de praticar ou não praticar determinado facto203.

Ângela Cerdeira afirma que ―os deveres conjugais constituem deveres jurídicos, a que
correspondem no lado activo, verdadeiros poderes jurídicos de exigir do outro cônjuge o
cumprimento dos deveres fixados na lei e não apenas meros poderes de pretensão, como
acontecem nas obrigações naturais‖204.

Para Cristina Dias, tratam-se de deveres jurídicos que vinculam ambos os cônjuges,
com um carácter fortemente íntimo e, como tal, o seu cumprimento não pode ser exigido
coersivamente, ou seja, não há aqui lugar a execução específica ou a possibilidade de

199
MEDINA, Maria do Carmo, p. 244.
200
MEDINA, Maria do Carmo, pp. 232-233.
201
PAMELA ALONZO apud VIANA, Bárbara Sofia Assunção, p. 37.
202
CORDEIRO, António Menezes apud Bárbara Sofia Assunção, p. 37.
203
PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, p. 490.
204
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 95.
68
aplicação de sanção compulsória, v.g. no dever de fidelidade, respeito e coabitação, devido a
infungibilidade caracteristica dos comportamentos devidos205.

Aida Silva por seu turno explica que aos deveres conjugais correspondem os direitos
familiares pessoais, isto é, os direitos subjectivos do outro cônjuge206. Esta autora assevera
que, ainda que a lei não defina com precisão o conteúdo de cada um dos deveres conjugais,
dúvidas não há de que estamos perante verdadeiros deveres jurídicos que vinculam
reciprocamente os cônjuges207.

Duarte Pinheiro já ensinava que os deveres conjugais são direitos subjectivos


peculiares, especialmente marcados por uma vertente funcional comunitária, que se divisa na
técnica de consagração legal das situações conjugais, preferencialmente como deveres
recíprocos208.

Os deveres conjugais são um elemento hermenêutico útil para a compreensão do


próprio instituto do casamento, preenchendo o seu conteúdo e atribuindo-lhe sentido209. A
concretização dos deveres conjugais concorrem não apenas os princípios gerais do Direito da
Família, mas também a tutela constitucional referente aos direitos de personalidade, v.g. o
próprio valor da dignidade da pessoa humana constitucionalmente garantido210, de tal maneira
que aos direitos conjugais aplica-se a garantia comum, ou seja, independentemente do
divórcio ou separação de pessoas e bens a violação de deveres conjugais pode acarretar
responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil.

Aliás, conforme observa Duarte Pinheiro, o casamento não cria uma área de
excepção211, antes a responsabilidade civil é um instrumento de protecção de todos direitos
subjectivos e não apenas de garantia de certos direitos212. Assevera que a violação de um

205
DIAS, Cristina Manuela Araújo, ―Responsabilidade e indemnização por perda do direito ao débito conjugal –
considerações em torno do art. 496.º do Código Civil‖, Scientia Iuridica – Revista de Direito Comparado
Português e Brasileiro, Tomo LXI, n.º 329, Universidade do Minho, Maio/Agosto de 2012, p. 399, nota 16 e
―Breves notas sobre a responsabilidade civil …‖, cit., p. 396, nota 17.
206
SILVA, Aida Filipa Ferreira da, p. 29.
207
Ibidem.
208
PINHEIRO, Jorge Duarte, pp. 485-486.
209
VIANA, Bárbara Sofia Assunção, A Responsabilidade Civil no Âmbito Conjugal - o caso particular da
violação do dever de fidelidade, Dissertação FDU-Porto, 2017, p. 36.
210
VIANA, Bárbara Sofia Assunção, p. 36.
211
PINHEIRO, Jorge Duarte, p. 489.
212
Ibidem.
69
dever conjugal predominantemente pessoal pode preencher os pressupostos da obrigação de
indemnizar213.

213
Ibidem
70
CAPÍTULO III A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CÔNJUGES RESULTANTE
DA VIOLAÇÃO DE DEVERES CONJUGAIS

No âmbito deste estudo, buscamos investigar a viabilidade da aplicação das normas


gerais de responsabilidade civil à violação dos deveres conjugais durante o período de
casamento, apesar da amplamente discutida imunidade matrimonial. Partimos do pressuposto
de que os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cônjuges são protegidos através de
mecanismos legais, particularmente dentro do direito penal e da legislação de família. Nesse
contexto, concentramos nossa atenção na protecção civil destes deveres.

Iniciamos nosso estudo com uma breve análise dos aspectos históricos relacionados ao
instituto da responsabilidade civil culminando com o enquadramento da ressarcibilidade dos
danos decorrentes da violação dos deveres conjugais. Dada à escassez de estudos locais sobre
o tema, recorremos à doutrina estrangeira, com destaque para a perspectiva portuguesa, que
apresenta uma evolução mais substancial neste sentido, da qual a nossa abordagem se origina.

3.1. Breve Evolução Histórica sobre a Responsabilidade Civil

Nos primórdios das instituições jurídicas, o direito de vingança era amplamente


reconhecido como meio de reparação do dano e punição do autor. Almeida Costa entende que
essa abordagem reflectia uma reacção intuitiva à injustiça sofrida, priorizando a causalidade
material entre a acção violadora da ordem jurídica e o dano causado, em vez da intenção do
agente214.

Este autor destaca o papel significativo desempenhado pela solidariedade familiar, dos
vizinhos e de entidades protectoras [tanto da vítima quanto do agressor] nesses sistemas
primitivos indicando uma responsabilidade colectiva e objectiva215, especialmente no
contexto penal, pois, tanto a reparação quanto a repressão eram vistas como aspectos
interligados do mesmo fenómeno216. Para se alcançar a justiça, a "vindicta privata" permitia
que as vítimas buscassem vingança directamente contra o agressor.

No entanto, essa abordagem foi gradualmente atenuada pela introdução da Lei de


Talião, que buscava estabelecer um princípio de equidade na punição: "olho por olho, dente

214
COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 12.ª Ed. Rev. e Act. Almedina Editora, 2011, p.
525.
215
Ibidem.
216
MARQUES, António Vicente, Direito das Obrigações, 1.ª Ed. Vol. I Polis Editora, 2008, p. 210.
71
por dente, mas não dois por um". Além disso, a intervenção da autoridade pública se tornou
necessária para conter os excessos da vingança privada, com o estabelecimento de formas
mais organizadas de reparação e punição.

A intervenção das autoridades públicas consistia, por um lado, na fixação do montante


das várias indemnizações pecuniárias obrigando os ofendidos a aceitá-las; por outro lado, na
punição de certos factos que, em virtude de não afectarem directamente os particulares,
ficavam desprovidos de sanção217.

Revistou-se deste modo a transição para um sistema mais formalizado de resolução de


litígios, onde o autor do dano poderia compensar a vítima em troca do perdão ou da cessação
da vingança. Isso marca o surgimento da ideia de direito de reparação do dano 218, onde a
justiça não se baseia apenas na punição do agressor, mas também na compensação da vítima
pelos danos sofridos.

Estas formas de composição começaram por ser voluntárias, tornando-se mais tarde
obrigatórias, como consequência do desenvolvimento e concentração do poder numa
autoridade estadual219. Só com a criação dos Estados modernos foi possível consolidar a cisão
entre as responsabilidades civil e penal. A partir desse momento, a reparação por danos
causados fica em inteiro a cargo da responsabilidade civil que, nesta primeira fase, só era
admitida, em casos muito contados e sempre previstos na lei.

Deste modo, a responsabilidade civil e a responsabilidade penal (reparação e punição)


foram pouco a pouco se separando, o que equivaleu, segundo explica Almeida Costa, cindir-
se a reacção contra o autor do facto ilícito: a vítima obtém dele uma reparação (acção privada)
e a autoridade pública pune-o (acção pública)220.

O Código Civil francês de 1804, no seu artigo 1304.º viria a incluir uma cláusula de
responsabilidade por culpa, como único e exclusivo fundamento da imputação de um dano,
valendo no plano extracontratual. Ao invés, o que valia em matéria contratual era o princípio
da autonomia da vontade. Nesta altura, a sede de responsabilidade contratual era a liberdade
do indivíduo como regra, e o contrato como excepção; já na responsabilidade extracontratual,

217
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 525.
218
MARQUES, António Vicente, pp. 210-211.
219
Ibid, p. 211.
220
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 526.
72
a regra era a da irresponsabilidade e a excepção decorria do elemento subjectivo da vontade
que se manifestava sob a forma de dolo ou negligência221.

Ao lado da responsabilidade por culpa, surge a responsabilidade objectiva ou pelo


risco. Nestes casos, pode ser exigida a uma pessoa a reparação de um dano ou de um prejuízo,
mesmo que o seu comportamento não possa ser objecto de qualquer censura ético-jurídica222.
Em consequência da progressiva objectivação da responsabilidade, o próprio legislador
[também passou a impor] a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil em relação a
algumas actividades. Com a evolução deste instituto, Almeida Costa ja advertia para a
possibilidade do desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil em direcções
novas223.

No casamento, a responsabilidade civil, nomeadamente por violação dos deveres


conjugais é um tema antigo, mas foi objecto de tratamento doutrinal escasso. A discussão do
problema é indissociável da evolução que o casamento e a família sofreram nas sociedades
ocidentais que conhecemos224. Até ao século XIX, a doutrina portuguesa não fazia qualquer
referência à imunidade entre os cônjuges. Ao contrário afirmava-se que qualquer dos cônjuges
podia litigar sem intervenção do outro, quando estivessem a agir um contra o outro 225,
prevendo várias hipóteses que davam lugar a acções judiciais de cônjuges em conflito226.

O artigo 1192.º do Código Civil de 1867 que considerava a mulher incapaz de estar
em juízo, sem autorização do marido, exceptuava, entre outros, o caso em que o pleito fosse
com o próprio marido, confirmando desse modo a possibilidade dos cônjuges de pleitearem
entre si. A doutrina incluía nestes pleitos, além das acções próprias do direito da família,
acções de indemnização de perdas e danos227.

Nos termos do artigo 1191.º do diploma acima citado, o marido não podia, sem o
consentimento da mulher, alienar bens imobiliários. Todavia, tratando-se de bens próprios do

221
MARQUES, António Vicente, p. 211.
222
Ibid, p. 212.
223
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 533.
224
OLIVEIRA, Guilherme de, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres Conjugais, Institvto-Ividico, Lex
Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 17.
225
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, pp. 40-41.
226
A título de exemplo, se um dos cônjuges ocultasse, gastasse, alienasse, ou por qualquer outro modo,
dissipasse algum bem do casal, assistia ao outro o direito de pedir a restituição com todas acções
correspondentes actio rerum amotarum; se a mulher provocasse algum dano ao marido, podia ser por ele
demandada, para efeitos indemnizatórios, mesmo durante o matrimónio. Vide, CERDEIRA, Ângela Cristina da
Silva, Op. Cit. p. 41.
227
CUNHA, Gonçalves, Apud CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 42.
73
marido, os actos praticados ilegitimamente só podiam ser anulados a requerimento da mulher
ou dos seus herdeiros, achando-se o marido constituído em responsabilidade para com ela ou
para com eles228. Esta disposição referia expressamente à responsabilidade civil entre os
cônjuges.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, eliminou-se todos os vestígios da


ideia de incapacidade da mulher casada, aboliu-se a necessidade de autorização do marido
para o exercício de qualquer profissão ou actividade lucrativa (artigo 1676.º), exceptuando-se
o exercício do comércio (artigo 1686.º); reconheceu-se lhe a faculdade de contrair dívidas sem
o consentimento do marido (artigo 1690.º); atribuiu-se lhe o direito de livremente dispor de
todos seus bens (artigo 1735.º), etc. Manteve-se, no entanto, o princípio da chefia marital
(artigo 1674.º), com o intuito de preservar a autonomia e a unidade institucional da família.

De acordo com Antunes Varela, ―pretendeu-se evitar que, à menor discordância entre
os cônjuges, qualquer deles fosse tentado a transportar a divergência para a barra do tribunal,
devassando a intimidade da vida familiar e quebrando, através da decisão de um estranho (o
Juiz) a autonomia da sociedade familiar‖229.

3.2. Noção da Responsabilidade Civil

A expressão ―responsabilidade‖ não é unívoca, pode ser entendida no sentido


etimológico ou ainda num sentido jurídico. Etimologicamente o termo responsabilidade
deriva do latim ―respondere‖ (respondeo) que significa, grosso modo, comprometer-se
perante alguém. Neste sentido a expressão encontra-se tradicionalmente associada aos
comportamentos (ou consequências) desfavoráveis ou negativos230, podendo ser usada de
forma excepcional para se referir a actos valiosos em função do contexto.

Já a concepção jurídica de responsabilidade consigna uma ideia de submissão aos


resultados de certa conduta231. Surge em último lugar dentre as fontes das obrigações na
sistematização do Código Civil.

No contexto desta última acepção, Antunes Varela escreve que ―o que está em causa
no domínio da responsabilidade civil é uma questão elementar de justiça comutativa, que se

228
Ibidem.
229
VARELA, Antunes, Direito da Família, op. cit. p. 333.
230
DIAS, Nélia Daniel, A Responsabilidade Civil Subjectiva, 1.ª Ed. UEA-Praxis Editora, Luanda, 2008, p. 21.
231
Ibidem.
74
resume em saber quem é mais justo que suporte o dano: se o titular da coisa ou do direito
lesado, se o autor do acto ilícito232‖, ou seja, busca-se responder se é aquele que sofreu um
dano que tem, ele próprio, de suportá-lo em definitivo, ou se pode, no todo ou em parte, exigir
de outrem lesante a sua reparação. Deste modo, a responsabilidade civil será fonte da
obrigação (de indemnização) sempre que a ordem jurídica responda positivamente à questão
colocada, desde que se verifiquem os pressupostos de que ela faz depender o nascimento do
dever de indemnizar.

A responsabilidade civil pode ser definida, segundo Menezes Leitão, como conjunto
de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem233. Ou
ainda de acordo com Burity da Silva, para quem a responsabilidade civil consiste na
necessidade imposta pela lei a quem causar prejuízos a outrem de colocar o ofendido na
situação em que estaria sem a lesão234. Para este Professor, a responsabilidade civil visa tornar
―indemne‖, sem dano, o lesado, isto é, colocar a vítima na situação em que estaria sem a
ocorrência do facto danoso.

Vicente Marques, por seu turno entende que a responsabilidade civil consiste na
obrigação de reparar os danos que alguém, sem uma causa legalmente atendível, suportou235.
No mesmo sentido, Romano Martinez explica que a responsabilidade civil relaciona-se com a
ressarcibilidade de danos sofridos numa esfera jurídica, que serão suportados por outrem236.

Com base nestes conceitos podemos asseverar que o fundamento da responsabilidade


civil, enquanto fonte da obrigação237 é baseada no princípio do ressarcimento dos danos. Este
princípio surge como excepção à regra orientadora do nosso sistema jurídico que é o princípio
da autosuportação de danos, segundo o qual é o titular em cuja esfera se projecta um dano que
tem, ele próprio, de o suportar238. O dano apresenta-se como requisito essencial para a
configuração da responsabilidade civil em qualquer das suas espécies, de modos que, se não

232
VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. I 10ª Ed. Almedina Editora, 2008, p. 580.
233
LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol I, 15.ª Ed. Almedina Editora, 2018, p.
279.
234
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, p. 172.
235
MARQUES, António Vicente, p. 202.
236
MARTINEZ, Pedro Romano, Direito das Obrigações – apontamentos, 3.ª Ed. AAFDL Editora, 2011, p. 87.
237
Para a doutrina, fontes de obrigações são categorias de factos jurídicos que produzem a constituição do
vínculo obrigacional, ou seja, facto jurídico de onde emerge a relação obrigacional. Neste sentido vide LEITÃO,
Luís Manuel Telles de Menezes, Op.Cit., pp. 175-178.
238
MARQUES, António Vicente, p. 202.
75
houver dano, não há lugar a responsabilidade e, consequentemente, fica precludida qualquer
hipótese de haver indemnização239.

3.3. Responsabilidade Extracontratual e Contratual

Tradicionalmente, distingue-se a responsabilidade civil em função das obrigações que


nascem do contrato das que provêm do delito, ou seja, a delimitação do instituto da
responsabilidade civil é frequentemente estabelecida com base no facto de as referidas
obrigações derivarem da violação, respectivamente, de direitos relativos e de direitos
absolutos. Fala-se assim no primeiro caso da responsabilidade contratual e no segundo da
responsabilidade extracontratual.

A responsabilidade contratual advém da frustração da expectativa creditícia, ou seja,


do incumprimento de uma obrigação240 em sentido técnico. Para além dos contratos o
incumprimento dos negócios jurídicos unilaterais também dá lugar a responsabilidade
contratual, razão pela qual alguns autores preferem designar a essa modalidade por
responsabilidade negocial ou obrigacional241.

A responsabilidade extracontratual tem por base uma contrariedade ao princípio


alterarum non laedere, isto é, violação de deveres genéricos de respeito de normas gerais
destinadas a protecção do interesse de outrem ou a prática de tatbestände delituais
específicos242. Utilizam-se ainda as designações responsabilidade delitual ou aquilina.

Menezes Leitão esclarece que, enquanto a responsabilidade delitual surge como


consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem desligados de qualquer relação
inter-subjectiva previamente existente entre lesante e lesado, a responsabilidade obrigacional
pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva, que primariamente atribuía ao lesado
um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente
dessa relação específica243.

Apesar desta perceptibilidade conceptual, as duas figuras encontram-se intimamente


interligadas. O Código Civil tratou separadamente estas duas categorias de responsabilidade
nos artigos 483.º e ss. e 798.º e ss. Ainda que tenha sujeitado a obrigação de indemnização

239
Ibid, p. 236.
240
LEITÃO, Luís Telles de Menezes, p. 280.
241
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 539.
242
LEITÃO, Luís Telles de Menezes, p. 280.
243
Ibid, p. 282.
76
delas resultante a um regime unitário (art. 562.º e ss.), mantêm-se, no entanto, diferenças
menores entre os dois regimes de responsabilidade. Tais diferenças de regime são mais o
resultado da tradição do que uma resposta racional às necessidades de justiça244, podendo
resumir-se de seguinte maneira:

 Quanto à constituição – a responsabilidade contratual resulta da violação de um


direito de crédito, pode ser desencadeada pelo inadimplemento (art.798.º e ss. do CC),
pela mora (art. 804.º e ss. do CC) ou pelo cumprimento defeituoso da obrigação;
enquanto que, a responsabilidade extracontratual decorre da violação de direitos
absolutos ou de normas que tutelam interesses alheios (art. 483.º e ss. do CC);
 Quanto ao ónus de prova da culpa – na responsabilidade contratual, nos termos do
artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, ―incumbe ao devedor provar que a falta de
cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua‖;
enquanto que, na responsabilidade extracontratual, nos termos do artigo 487.º, n.º 1 do
Código Civil, ab initio ―é ao lesado que incumbe provar a culpa do lesante‖;
 Quanto ao prazo de prescrição – na responsabilidade contratual o direito à
indemnização extingue-se decorridos vinte anos, à luz do artigo 309.º do Código Civil;
enquanto que na responsabilidade extracontratual o prazo prescricional é de três anos
(art. 498.º, n.º 1 do CC);
 Quanto ao regime de solidariedade passiva245 – na responsabilidade contratual (art.
512.º, n.º 1 do CC), enquanto na responsabilidade extracontratual (art.497.º, n.º 1 do
CC).

3.3.1. Responsabilidade civil por factos ilícitos

O artigo 483.º do Código Civil vem estabelecer uma cláusula geral de


responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de
indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual representa a
violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável
(culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de

244
MARTINEZ, Pedro Romano, p. 93.
245
Solidariedade passiva ocorre sempre que entre vários obrigados, qualquer deles responde perante o credor
comum pela satisfação integral da obrigação, ficando, simultaneamente, todos os devedores exonerados
relativamente ao credor, quando um dos devedores a satisfaça por inteiro. Salvo melhor opinião contrária, o
regime jurídico da responsabilidade solidária não se aplica em matéria de violação de deveres conjugais devido à
natureza monogâmica do casamento.
77
causalidade entre o facto e o dano). Estes são, conforme afirma Antunes Varela, elementos
constitutivos da responsabilidade civil que necessitam de ser minunciosamente analisados246.

3.3.1.1. Facto voluntário do lesante

O facto voluntário é produto ou resultado do exercício da vontade livre de um sujeito


autonomamente determinado247, a pessoa obrigada a indemnizar. Pode igualmente ser
entendido como expressão da conduta de um sujeito responsável248, ou seja, um
comportamento ou conduta humana dominável ou controlável pela vontade. Só quanto aos
factos dessa índole tem cabimento a ideia de ilicitude, passíveis de censura ética jurídica.

Almeida Costa explica que esta qualificação da conduta do agente tem o único sentido
de excluir os factos naturais produtores de danos249. A voluntariedade do facto praticado pelo
agente estará, naturalmente, na base da sua imputabilidade. Por isso, não são, factos
voluntários, por estarem fora do controle da vontade do agente, os acontecimentos do mundo
exterior causadores de danos250, bem como os fenómenos respeitantes ao agente sempre que a
este falte consciência ou não possa exercer domínio sobre a sua vontade.

Na relação conjugal, por exemplo, o acto sexual praticado por um cônjuge com
terceiros mediante violência ou coação física não pode ser atribuído ao cônjuge violado ou
coagido, devido à ausência de livre consentimento na sua conduta. A necessidade de
consentimento é fundamentado na protecção dos direitos individuais e na consideração da
capacidade de agir de forma autónoma e voluntária.

O facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo que
importa a violação de um dever geral de abstenção, o dever de não ingerência na esfera de
acção do titular do direito absoluto (art. 483.º n.º 1 do CC). Também pode traduzir-se num
facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (artigo 486.º do Código Civil). Neste último
caso, a imputação da omissão exige a oneração do agente a um dever específico de praticar o
acto omitido, um dever específico [fundado num negócio jurídico ou imposição legal] que
torne o particular sujeito garante da não ocorrência desses danos251.

246
VARELA, Antunes, Op. Cit. p. 527.
247
MARQUES, António Vicente, p. 218.
248
LARENZ/CANARIS, Apud LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, p. 283.
249
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 558.
250
Ibidem.
251
Ibidem.
78
De lembrar que os deveres conjugais de respeito e fidelidade são, sobretudo,
concebidos como deveres negativos porque, em regra, obstam a que os cônjuges adoptem
determinados comportamentos (v.g. não ofender a integridade física ou moral do outro
cônjuge, não conduzir a vida de forma indigna, desonrosa e o dever de não praticar relações
sexuais ou manter ligações sentimentais e amorosas com terceiros), ao contrário dos deveres
de coabitação, de cooperação e de assistência que são concebidos, essencialmente, como
deveres positivos, isto é, impõem a adopção de certa conduta (v.g. vinculação ao débito
conjugal, obrigação de socorro e auxílio mútuo, obrigação de contribuir para encargos da vida
familiar). Percebe-se deste modo que, enquanto facto relevante para a responsabilidade civil, a
violação de um dever conjugal concebido como dever negativo dá lugar a um facto positivo,
ou seja, uma acção facere, enquanto que a violação de um dever conjugal positivo implica
uma omissão, um facto negativo ou non facere.

Entende-se desse modo que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever
jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria
impedido a consumação do dano252.

3.3.1.2. Ilicitude

Não basta que alguém pratique um facto prejudicial aos interesses de outrem, para que
seja obrigado a compensar o lesado. Torna-se necessário que o facto seja qualificado como
ilícito, ou seja, um acto que se traduz no incumprimento de um dever imposto por uma norma
jurídica ou que se consubstancia numa prática por ela proibida. O acto ilícito é, assim, aquele
que foi praticado à margem da ordem jurídica, em oposição às suas prescrições normativas253.

O artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil procurou fixar em termos mais precisos o
conceito de ilicitude, descrevendo concretamente as duas variantes fundamentais através das
quais se podem revelar o carácter antijurídico ou ilícito do facto. A citada disposição legal
distingue por um lado, a ilicitude por violação de direito de outrem, e por outro lado, a
ilicitude por violação da lei destinada a proteger interesses alheios. Todavia, admite-se ainda o
que a doutrina designa por ―tipos delituais específicos‖, ou seja, previsões específicas de
comportamentos ilícitos noutros locais, tais como: abuso do direito, colisão de direitos, ofensa

252
VARELA, Antunes, Op. Cit. p. 528.
253
MARQUES, António Vicente, p. 220.
79
ao crédito e ao bom nome, conselhos, recomendações ou informações, nos termos dos artigos
334.º, 335.º, 484.º e 485.º todos do Código Civil, respectivamente.

A primeira variante da ilicitude consiste na violação de um direito subjectivo. Limita-


se a indemnização da frustração das utilidades proporcionadas por esse direito, não admite a
tutela dos danos puramente patrimoniais254. A função desta modalidade de ilicitude não se
reconduz à tutela genérica do património do sujeito, mas antes à tutela das utilidades que lhe
proporcionava o direito subjectivo objecto de violação255. Esta modalidade abrange a violação
de direitos absolutos como os direitos de personalidade, os direitos reais, os direitos de
propriedade industrial e os direitos do autor. A doutrina enquadra ainda nessa categoria de
ilicitude a violação de direitos familiares de natureza patrimonial, com relevo para a
responsabilização dos cônjuges sobre os actos de administração dos bens comuns e próprios
(artigo 55.º do CF). Todavia, alguma doutrina entende que o mesmo não sucede quanto aos
direitos familiares de carácter pessoal nessa modalidade em virtude de a lei estabelecer
sanções de outra ordem pela sua violação. Entretanto, salvo, entendimento contrário, os
direitos familiares de natureza pessoal são, conforme anteriormente nos referimos direitos
subjectivos peculiares cuja violação traduz-se numa ilicitude. Na doutrina, há quem defende a
existência de um direito geral da personalidade atendendo a consagração da tutela jurídica da
personalidade física e moral e a previsão expressa da sua protecção pela responsabilidade
civil, nos termos do artigo 70.º n.º 1 e 2 do Código Civil, dando margem a possibilidade dessa
aplicação.

Neste sentido, Orlando Carvalho afirma existir um direito geral da personalidade,


como um direito subjectivo civil que recai sobre a personalidade no seu conjunto, e que tutela
a pessoa não apenas como ser, mas como ser em devir e, por consequência, no seu próprio
poder de autodeterminação ou autogestão256. Menezes Leitão por seu turno considera
extremamente valiosa esta construção como enquadramento dogmático da cláusula do artigo
70.º do Código Civil, por considerar que a construção de direitos gerais de personalidade não
envolve mais riscos para a segurança jurídica do que qualquer cláusula geral257.

A segunda variante da ilicitude aponta a infracção da norma destinada a proteger


interesses alheios, também designados por normas de protecção. Trata-se de normas que,

254
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, p. 288.
255
Ibidem.
256
ORLANDO Carvalho, Apud LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes, p. 291.
257
LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes, p. 291.
80
embora dirigidas à tutela de interesses particulares, quer exclusivamente, quer conjuntamente
com o interesse público – não atribuem aos titulares desse interesse um verdadeiro direito
subjectivo por não lhes atribuírem em exclusivo o aproveitamento de um bem. Estarão neste
caso certas disposições do Direito Penal, bem como do Direito de Mera Ordenação Social
cuja previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam prevenir, não a produção
de danos em concreto, mais o simples perigo de dano, em abstracto258 com maior importância
prática quanto aos interesses particulares (v.g. a vida, a integridade física, a honra, a
intimidade, a liberdade, o sigilo da correspondência, a autenticidade dos documentos e das
assinaturas), como também os outros interesses colectivos ligados à paz, à perfeição e a
segurança da colectividade.

3.3.1.2.1. Causa de exclusão da ilicitude

De modo geral, pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de outrem
ou violando direito alheio, se considera justificado, e por consequência, lícito, sempre que é
praticado no exercício regular de um direito ou no cumprimento de um dever 259. A par destas
causas consideradas gerais, há ainda algumas causas especiais justificativas do facto,
nomeadamente, acção directa, legítima defesa, estado de necessidade e o consentimento do
lesado.

Acção directa é o recurso à força para realizar ou assegurar o próprio direito. Nos
termos do artigo 336.º do Código Civil, para justificar a ilicitude com recurso à acção directa
é indispensável que o agente seja titular de um direito que procura realizar ou assegurar
(fundamento real); que seja indispensável o recurso à força, pela impossibilidade de recurso
tempestivo aos meios coercivos normais (necessidade); que o agente não exceda o
estritamente necessário para evitar o prejuízo (adequação); finalmente, que através da acção
directa, o agente não sacrifique interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar (valor
relativo dos interesses em jogo). A inobservância destes requisitos dá lugar a obrigação de
indemnizar os danos causados, salvo se o agente tiver agido na persuasão errónea da sua
verificação e o erro for desculpável.

A legítima defesa – consiste na reacção destinada a afastar a agressão actual e ilícita da


pessoa (da vida, da honra, da integridade corporal, pudor ou liberdade) ou do património, seja

258
VARELA, Antunes, p. 536.
259
VARELA, Antunes, p. 552.
81
do agente ou de terceiros. Nos termos do artigo 337.º, n.º 1 do Código Civil, a legítima defesa
torna-se causa justificativa quando se regista uma ofensa, contra a pessoa ou bens (agressão);
e esta agressão seja actual e contrária à lei (actualidade e ilicitude da agressão); sempre que
não seja viável nem eficaz o recurso aos meios coercivos normais (necessidade da reacção);
desde que haja certa proporcionalidade entre o prejuízo que se causa e aquele que se pretende
evitar, de modo que o meio usado não provoque um dano manifestamente superior ao que se
pretende afastar (adequação). O acto considera-se ainda justificado (lícito), mesmo que haja
excesso na defesa, quando o excesso provenha da perturbação ou do medo não culposo que o
agente actuou.

Estado de necessidade – consiste numa situação de constrangimento em que age quem


sacrifica coisa alheia, com o fim de afastar um perigo actual de um prejuízo manifestamente
superior (art. 339.º do CC). Porém, sempre que os danos forem causados por culpa exclusiva
do autor da destruição, danificação ou uso da coisa alheia há lugar a obrigação de indemnizar.

Consentimento do lesado – consiste na aquiescência do titular do direito à prática do


acto que, sem ela, constituiria uma violação desse direito ou ofensa da norma tuteladora do
respectivo interesse (art. 340.º do CC). Ressalva-se o caso de o acto autorizado ser contrário a
uma proibição legal ou infringir os bons costumes. Tem-se por existente o consentimento do
lesado nos casos em que a lesão se operou no seu interesse e de acordo com a sua vontade
presumível. Os requisitos do consentimento são paralelos aos da gestão de negócios, previstos
nos artigos 465.º e 468.º, n.º 1 do Código Civil.

3.3.1.3. Culpa

Culpa (nexo de imputação do facto ao agente) – agir com culpa significa actuar em
termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do Direito. A conduta do
lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da
situação, se conclui que ele podia e devia ter agido de outro modo. Por essa razão, é imputável
toda pessoa com capacidade natural de prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica,
para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca deles. Exige-se, assim, para que
haja imputabilidade, a posse de certo discernimento (capacidade intelectual e emocional) e de
certa liberdade de determinação (capacidade volitiva).

A culpa pode revestir duas formas distintas, a saber:

82
Dolo é a modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do agente, pela
mais estreita identificação estabelecida entre a vontade deste e o facto, se torna mais
fortemente censurável. Além do nexo entre o facto ilícito e a vontade do lesante (elementos
volitivo e emocional) o dolo compreende ainda o elemento intelectual, ou seja, para que haja
dolo é essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do
direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a consciência ilícita do facto260. No
momento da celebração do casamento, os nubentes são devidamente esclarecidos acerca dos
deveres recíprocos decorrentes do casamento. Por isso, age com dolo o cônjuge que viola do
dever conjugal.

Cabem os casos de dolo aqueles em que o agente representa ou prefigura no seu


espírito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua actuação,
apesar de conhecer a ilicitude dele (dolo directo); aqueles em que, não querendo directamente
o facto ilícito, o agente, todavia, o previu como consequência necessária, segura da sua
conduta (dolo necessário) e os casos em que o agente previu a produção do facto ilícito, não
como consequência necessária da sua conduta, mas como efeito apenas possível ou eventual
(dolo eventual).

A mera culpa ou negligência – consiste na omissão da diligência exigível do agente.


Exprime uma ligação da pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim
reprovável ou censurável. De acordo com o grau de reprovação ou censurabilidade, a mera
culpa ou negligência será consciente – sempre que o autor prevê a produção do facto ilícito
como possível, mas por leviandade, descuido, imperícia, desleixo ou incúria crê na sua não
verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para evitá-lo; inconsciente –
nas situações da vida corrente em que o agente não chega sequer, por improvidência,
descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e
devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida261.

O código civil consagrou expressamente a tese da culpa em abstracto quanto à


responsabilidade extracontratual (art. 487.º, n.º 2 do CC), no mesmo sentido para a
responsabilidade contratual (art. 799.º, n.º 2 do CC). A culpabilidade consiste num critério
para aferição do montante de indemnização, além do prejuízo causado e a situação económica
do lesado e do lesante. Havendo vários responsáveis, ou quando haja concorrência de culpas

260
VARELA, Antunes, p. 572.
261
VARELA, Antunes, p. 573.
83
do lesante e do lesado deve o juiz atender, no cálculo da indemnização, o grau de
culpabilidade de cada um deles para fixar a quota de responsabilidade nas relações internas
(art. 497.º, n.º 2 do CC), o que desde já não se aplica em sede na relação conjugal devido ao
seu carácter monogâmico.

3.3.1.4. Dano

O dano apresenta-se como requisito essencial para a configuração da responsabilidade


civil em qualquer das suas espécies, de modos que, se não houver dano, não há lugar a
responsabilidade e, consequentemente, fica precludida qualquer hipótese de haver
indemnização262. O dano assume deste modo, um papel finalístico relativamente à obrigação
de indemnizar e não constituí lesão de um direito ou do interesse protegido em si, mas
corresponde ao prejuízo ou desvantagem suportada por alguém, cuja esfera jurídica pessoal ou
patrimonial foi violada. Torna-se difícil encontrar uma única definição que sirva para marcar
todas as realidades263, razão pela qual existem várias abordagens sobre o conceito de dano.

Menezes Leitão sugere que o dano tem de ser definido num sentido simultaneamente
fáctico e normativo. Entende que o dano é a frustração de uma utilidade que era objecto de
tutela jurídica264. Para Burity da Silva, dano deve ser visto como uma lesão efectiva, um
prejuízo específico na esfera de interesses de alguém265. Já Romano Martinez define o dano
como supressão de uma vantagem, mediante a perda de um direito subjectivo ou a aquisição
de um direito266.

Por seu turno Fischer267 entende que o dano em sentido jurídico é todo prejuízo que o
indivíduo, sujeito de direito, sofre na sua pessoa e bens jurídicos, com excepção dos causados
pelo próprio prejudicado. No mesmo sentido, Vicente Marques conceitua o dano como
―prejuízo suportado ou desvantagem suportada por determinada esfera jurídica268‖.

262
MARQUES, António Vicente, p. 236.
263
DIAS, Nélia Daniel, p. 89.
264
LEITÃO, Luís Mnuel Teles de Menezes, p. 329.
265
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da, Teoria Geral do Direito Civil, p. 172.
266
MARTINEZ, Pedro Romano, p. 110.
267
FISCHER Apud DIAS, Nélia Daniel, A Responsabilidade Civil Subjectiva, p. 91.
268
Ibidem.
84
Menezes Cordeiro sustenta que dano ou prejuízo traduz-se na supressão ou diminuição
de uma situação favorável que estava protegida pelo ordenamento 269. Ou seja, é toda ofensa
de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica270.

Dentre os vários conceitos de ―dano‖ pode se inferir que no domínio da


responsabilidade civil as expressões, ―dano‖ e ―prejuízo‖, podem ser usadas como sinónimas
para retratar a mesma realidade. A constatação de um prejuízo ou de um dano é factor
absolutamente indispensável, quando se pensa em discutir ou fazer operar a obrigação geral
de reparar. É apenas em função do dano que o instituto realiza a sua finalidade essencialmente
reparadora ou reintegrativa. Mesmo quando lhe caiba algum papel repressivo e preventivo,
sempre se encontra submetido, como regra, aos limites da eliminação do dano271.

3.3.1.4.1. Tipos de danos indemnizáveis

Existem várias categorias ou classificações possíveis de dano. No presente estudo


procuramos agrupar o dano segundo a natureza das utilidades afectadas pela lesão; de acordo
com o momento da sua verificação; o grau de sua previsibilidade, à natureza física do bem
afectado pela lesão, à extensão ou gravidade das lesões à sua duração no lesado, quanto à
forma de apuramento do seu cálculo e quanto ao tipo de actuação do lesante.

a) Quanto à natureza das utilidades afectadas pela lesão

De acordo com essa classificação, os danos subdividem-se em danos patrimoniais e


não patrimoniais.

Danos patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades


susceptíveis de avaliação pecuniária272. Alude-se para abranger prejuízos que, sendo
susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão
directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à
lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária)273.

Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não
susceptíveis de avaliação pecuniária. Atingem bens como (a saúde, o bem estar, a liberdade, a

269
CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito Civil –Vol. I, 4.ª Ed. Reformulada e atualizada, Almedina
Editora, 2012, p. 979.
270
COSTA, Mário Júlio de Almeida, p. 590.
271
Ibidem.
272
LEITÃO, Luís Mnuel Teles de Menezes, p. 332.
273
VARELA, Antunes, pp. 600-601.
85
beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome), que não integrando o património do
lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo
esta mais uma satisfação do que uma indemnização274.

Esta é sem sombra para dúvidas, a mais tradicional classificação ou distinção sobre os
danos, sendo uma e outra dependente das utilidades afectadas pela lesão, consoante estas
mesmas utilidades sejam ou não avaliáveis em dinheiro. Esta classificação tem carácter geral
porque pode ser aferida em relação a todos outros tipos de danos, uma vez que os danos ou
prejuízos têm ou não natureza patrimonial quando sobre eles incidem ou não interesses de
cariz económico ou material.

b) Quanto ao momento de verificação do dano

Danos presentes e danos futuros: no primeiro caso situamos os danos emergentes e os


lucros cessantes, por serem danos que efectivamente se verificaram e são conhecidos pelo
tribunal no momento da prolação da sentença que fixa a indemnização.

No segundo caso enquadram-se os danos que ainda não se verificaram até ao momento
atrás referido, mas que podem nesta altura ser indemnizados, havendo previsibilidade certa da
sua ocorrência, desde que os mesmos sejam determináveis. Caso contrário, só em decisão
ulterior se fixará a indemnização correspondente, conforme alude o artigo 564.º, n.º 2 do
Código Civil.

c) Quanto ao grau de previsibilidade do dano

Danos certos e danos eventuais, hipotéticos ou incertos: Esta classificação atende à


certeza ou incerteza da previsibilidade futura deste tipo de dano. Como se sabe, só os
primeiros relevam para efeitos de cálculo e/ou fixação do dano futuro. No caso dos danos
eventuais, a sua consumação depende de outras circunstâncias que ainda não se verificaram e
sobre as quais não se pode assegurar que poderão ou não ocorrer.

d) Quanto à natureza física do bem afectado pela lesão

Danos corporais e danos materiais: Os primeiros afectam a pessoa (o corpo) na sua


integridade física e psíquica, enquanto os outros afectam bens materiais de diversa natureza
(sólidos, líquidos ou gasosos) v.g. os danos das coisas ou à propriedade alheia e ao ambiente.

274
Ibid, p. 601.
86
Na categoria de danos corporais se inclui também o dano biológico, o dano estético, o dano da
morte da pessoa singular, ao passo que na outra categoria se enquadram aqueles danos que
afectam outras realidades físicas.

e) Quanto à extensão ou gravidade das lesões

Danos parciais e danos gerais, totais ou absolutos: consoante o grau de afectação do


bem ou utilidade. Os primeiros, de acordo com o grau com que afecta o lesado podem ser
medido sem percentagem maior ou menor, dependendo disso e não só o valor da
indemnização.

f) Quanto à duração do dano no lesado

Danos permanentes e danos temporários: dependendo do tempo que duram os efeitos


da lesão no bem atingido. Os primeiros, sendo absolutos ou parciais, relevam especialmente
para o cálculo do dano futuro e têm normalmente a ver com as sequelas da lesão após o
tratamento ou alta médica e perduram para toda a vida do lesado, ao passo que os outros são
apurados por altura da sentença condenatória.

g) Quanto à forma de apuramento ou cálculo do dano

Danos concretos, reais ou efectivos e danos abstractos ou de cálculo: À primeira


categoria correspondem os danos tal qual eles se apresentam in natura com repercussão na
privação ou diminuição do gozo de bens, podendo ser materiais ou espirituais, desde que
verificáveis, mensuráveis e realmente sentidos, porquanto os danos ou prejuízos abstractos
implicam, após avaliação, a sua redução a uma expressão pecuniária como equivalente dos
danos reais. Esse valor assim apurado é o dano ou o prejuízo abstracto.

Noutros termos, diríamos que os primeiros correspondem às efectivas vantagens


materiais ou espirituais que foram desviadas do seu destinatário jurídico e os segundos, a
expressão monetária do dano real.

h) Quanto ao tipo de actuação do lesante

87
Danos lícitos e danos ilícitos: em função do tipo de actuação que lhes tenha sido dado
azo. Os primeiros têm natureza excepcional e dizem respeito às intervenções lícitas ou danos
de sacrifício, enquanto os outros consubstanciam a violação de normas ou dispositivos legais.

3.3.1.5. Nexo de causalidade

Nem todos os danos sobrevindos de factos ilícitos são incluídos na responsabilidade


do agente, mas apenas os resultantes do facto, os causados por ele. A causa virtual é o facto
(real ou hipotético) que tenderia a produzir certo dano, se este não fosse causado por outro
facto (causa real). Não é logicamente necessário que o facto tenha já sido posto em execução
para que possamos considerá-lo causa virtual de certo efeito danoso; pode tratar-se de um
facto posterior, real ou conjectural, que teria produzido o dano, se um outro não tivesse
provocado antes (causalidade prematura, antecipada ou precipitada).

Em qualquer dos casos, apesar de haver um facto ilícito, em princípio uma omissão,
que actua como causa real, operante do dano verificado, o agente (culpado ou não) é isento de
responsabilidade, por exclusiva consideração da causa virtual do mesmo efeito danoso. Para
que exista obrigação de indemnizar tem de haver um nexo de causalidade entre o facto e os
danos suportados. Aqui se levanta a questão da causa jurídica relevante. A esse propósito a
doutrina aponta várias teorias a destacar:

Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non – considera causa de
um evento toda e qualquer condição que tenha concorrido para a sua produção, em termos tais
que a sua não ocorrência implicaria que o evento deixasse de se verificar 275. A causa do
evento seria, portanto, apenas a imprescindibilidade de uma condição para a sua verificação
[...] não se justificando estabelecer qualquer apreciação da relevância jurídica dessas
condições, uma vez que todas elas são equivalentes para o processo causal, mesmo que o
evento só resulte da acção conjugada de ambos276. Entretanto, ao se afirmar a relevância de
todas as condições para o processo causal, já que por si nenhuma teria força suficiente para
afastar a outra, o resultado é abdicar-se de efectuar uma selecção das condições relevantes
juridicamente277. Esta teoria deve ser rejeitada, na medida em que, conduziria a resultados
jurídicos desastrosos, não fornece uma exacta definição da causalidade. Por outro, seria de
impossível aplicação em sede de responsabilidade objectiva.

275
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, p. 344.
276
Ibidem.
277
Ibid, p. 345.
88
Teoria da última condição só considera como causa do evento a última condição que
se verificou antes de este ocorrer e que, portanto, o procede directamente. Apenas admite a
indemnização de um dano quando ele seja consequência directa e imediata de inexecução 278.
Esta teoria não é aceitável, uma vez que a acção não tem que produzir diretamente o dano,
podendo produzi-lo apenas indirectamente e nem se quer há obstáculos a que ocorra um lapso
de tempo considerável entre o facto ilícito e o dano (art. 564.º, n.º 2 do CC).

Teoria da causalidade adequada – parte da equivalência de condições introduzindo


lhe uma limitação importante. De acordo com esta teoria para que exista nexo de causalidade
entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos
de conditio sine qua non. É necessário que, em abstrato, seja também adequado a produzi-lo,
segundo o curso normal das coisas279. É esta a posição adoptada pelo legislador angolano no
artigo 563.º do código civil.

Teoria da condição eficiente segundo a qual, para descobrir a causa do dano terá que
ser efectuada uma avaliação quantitativa da eficiência das diversas condições do processo
causal, para averiguar qual a que se apresenta mais relevante em termos causais. Esta teoria
não fornece um verdadeiro critério para o estabelecimento do nexo causal, apenas é possível
remetendo para o ponto de vista do julgador, o que acaba por redundar num subjectivismo
integral, totalmente inadequado para a construção jurídica.

Teoria do escopo da norma violada defende que para o estabelecimento do nexo de


causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultam do facto correspondem à
frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo
ou da norma de protecção. A questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se
reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu
de base à imputação dos danos.

Menezes Leitão sustenta esta posição afirmando que a obrigação de reparar os danos
causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o
que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da

278
Ibid, p. 345.
279
Ibid, p. 346.
89
determinação do fim específico e do âmbito de protecção da norma que determina essa
consequência jurídica280.

3.3.2. Responsabilidade obrigacional

A responsabilidade obrigacional, conforme acima exposta, resulta do incumprimento


da obrigação. O incumprimento pode ser definido como a não realização da prestação devida
por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da
obrigação281. É em regra uma omissão, uma conduta negativa do devedor que as mais das
vezes fundamenta a obrigação de indemnizar282.

Com o incumprimento definitivo verifica-se a extinção superveniente do dever de


prestar, mas ocorrendo essa extinção em virtude de uma conduta ilícita e culposa do devedor,
este é obrigado a indemnizar o credor pelos danos que lhe causar a não realização da
prestação283. Constitui-se, desse modo, uma nova obrigação, a obrigação de indemnização que
tem como fonte a responsabilidade obrigacional, nos termos do artigo 798.º do Código Civil.

Os requisitos da responsabilidade obrigacional são semelhantes aos da


responsabilidade delitual, razão pela qual nesta sede trazemos apenas os aspectos específicos
desta categoria de responsabilidade civil. Destarte, o facto ilícito na responsabilidade
obrigacional corresponde à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor
da prestação a que estava obrigado. Essa não execução da prestação debitória tem ainda que
ser imputável ao devedor, podendo manifestar-se num não cumprimento definitivo, na mora
ou ainda através do cumprimento defeituoso.

Nos termos do artigo 798.º do Código Civil, o devedor actuará ilicitamente sempre que
se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do
programa obrigacional284. Atendendo as diferentes formas que a inexecução da obrigação
pode revestir facilmente se pode concluir que o incumprimento pressupõe a violação do
princípio pacta sunt servanda previsto no artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil,
consequentemente se consubstancia na violação de um direito de crédito.

280
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, p. 347.
281
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol. II, 8.ª Ed. Almedina Editora, 2011, p.
239.
282
COSTA, Mário Júlio de Almeida, pp. 558-559.
283
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Op. Cit. p. 259.
284
Ibid, p. 261.
90
Diferentemente do que ocorre na responsabilidade delitual, a doutrina tem apontado
como causa de exclusão da ilicitude obrigacional285: a excepção do não cumprimento do
contrato (nos contratos sinalagmáticos) nos termos do artigo 428.º e ss. do Código Civil e o
direito de retenção (art. 754.º e ss. do Código Civil).

Para que o devedor se constitua em responsabilidade, a sua falta de cumprimento tem


que ser culposa (art. 798.º do CC) ainda que a sua culpa seja presumida (art 799.º, n.º 1 do
CC). Caberá ao devedor demonstrar que não lhe possa ser pessoalmente censurável o facto de
não ter adoptado o comportamento devido, o que sucederá sempre que o não cumprimento
seja devido a facto do credor, de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior (causas de
exclusão da culpa).

A responsabilidade obrigacional como qualquer outra, pressupõe o dano, ou seja, é


necessário que o incumprimento da obrigação provoque danos ao credor. Em virtude do
regime unitário da obrigação de indemnização (art. 562.º e ss. do CC), verifica-se que também
a responsabilidade obrigacional se deve efeituar primeiramente a reconstituição natural do
dano. A indemnização em dinheiro realiza-se quando a reconstituição natural não seja
possível, não repare integralmente os danos, quando a indemnização seja excessivamente
onerosa para o devedor (art. 566.º do CC). No âmbito dos danos compreender-se-ão aqui, os
danos emergentes, os lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1 do CC), bem como os danos futuros, se
forem previsíveis, devendo o tribunal remeter a fixação da indemnização para a decisão
ulterior sempre que não sejam determináveis, nos termos do artigo 564.º, n.º 2 do Código
Civil.

Na responsabilidade obrigacional a indemnização abrange o interesse contratual


positivo ou de cumprimento, ou seja, todas as utilidades que se frustraram em virtude da não
realização da prestação. Assim, a indemnização deve colocar o credor na situação em que
estaria se a obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida.

285
Excepção do não cumprimento do contrato pode ser entendida como a recusa da realização da prestação de
um dos contraentes, enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu
cumprimento simultâneo. Diferentemente, o direito de retenção é a faculdade que a lei atribui ao devedor de
recusar a entrega de uma coisa, que detém e cuja entrega está adstrita.
91
3.3.3. Enquadramento da Responsabilidade civil por violação de deveres conjugais

O notório aumento das separações e divórcios evidencia o crescimento da


intolerância, do egoísmo e da violência nas relações conjugais. Não se pode adoptar como
dogma a ideia de que a pessoa no seio de sua família estaria imune a eventuais ataques
aos seus direitos, por parte daqueles que com ela convivem.

Carlos Alberto Bittar286 vislumbrava a possibilidade do surgimento de danos morais


entre os cônjuges quando afirma que ―há, na ruptura de casamento, situações em que se
atingem os direitos da personalidade do outro cônjuge, suscitando então a discussão mais
atenta da responsabilidade civil‖. Todavia, o tema da responsabilidade civil entre os cônjuges
por violação de deveres conjugais na nossa principiante doutrina não tem sido estudado com
profundidade.

A maior parte dos conflitos de natureza familiar é solucionada com aplicação das
regras próprias do Direito de Família, em princípio, porque o direito angolano não prevê
dispositivo específico que trate da reparação dos danos emergentes da violação dos deveres
conjugais, ao contrário do direito português que consagra essa possibilidade, com a nova
redação do artigo 1792.º, n.º 1 do Código Civil, introduzida pela lei n.º 61/2008, de 31 de
Outubro. Assim, a doutrina e a jurisprudência portuguesa e também brasileira defendem a
ideia de que o relacionamento conjugal não se coloca mais como obstáculo à indemnização
por danos que normalmente se concedem às pessoas que não possuem esse vínculo287.

O princípio da supremacia da pessoa humana, sobre o qual se fundamenta o pedido


indemnizatório, se mostra incompatível com a concepção original do casamento. Parece que o
legislador reconhece a necessidade de garantir o socorro da justiça civil para aquele que, no
casamento, sofre violação da sua intimidade, da sua vida privada, da sua honra e imagem,
pois, com a consagração constitucional deste princípio pode-se concluir que o cônjuge passou
a prezar-se, não apenas nesta qualidade, mas, sobretudo, como ser humano sujeito de direitos
e deveres, em especial no que envolve a afectividade, o respeito, a liberdade, a honra, a
integridade moral e a absoluta igualdade no casamento288. Porém, admitindo-se a tutela

286
CARLOS ALBERTO BITTAR apud MARONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 145.
287
MARONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 146.
288
Ibidem.
92
civilística dos poderes-deveres conjugais cabe-nos enquadrar a possibilidade do ressarcimento
dos referidos danos numa das modalidades de responsabilidade civil.

Ângela Cerdeira rejeita liminarmente, a aplicabilidade das regras da responsabilidade


civil contratual ao casamento289. Todavia explica que também no campo da responsabilidade
civil por ilícitos matrimoniais, não se deve fazer uma aplicação imediata e em bloco das
regras do direito comum dos contratos, dada a especial natureza do casamento290. Na doutrina
moderna tem se admitido com maior frequência a responsabilidade civil nestas relações como
decorrência da prática de um acto antijurídico, sendo constatada pela análise do dano, da
culpa e do nexo de causalidade, e não pela inobservância de cláusulas contratuais291.

Deste modo, podemos com alguma segurança, perfilhar a ideia de que a


responsabilidade por danos resultantes de violação de deveres recíprocos dos conjugais é
extracontratual, isto é, responsabilidade subjectiva, pois a lesão provém da violação de dever
legal que se impõem aos cônjuges como condição inafastável de sobrevivência da união
conjugal e não do incumprimento de um contrato. Outrossim, na relação conjugal não se
aplica o regime da excepção do não cumprimento dos contratos, como causa de exclusão de
ilicitude, de modo que, por exemplo, o adultério de um dos cônjuges não justifica a prática do
mesmo acto pelo outro cônjuge ou de diferentes infracções. É o que a doutrina brasileira
costuma a designar como princípio da inadmissibilidade da compensação de culpas. Observa-
se, no entanto que a distinção entre a responsabilidade contratual e extracontratual não está na
fonte da obrigação, dependendo antes do carácter dela. Ainda assim, não faltaram argumentos
contrários à possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes dessa violação, conforme a
seguir se explica.

3.3.3.1. Inadmissibilidade da responsabilidade civil por violação de deveres conjugais

A doutrina tradicional salienta a fragilidade da garantia dos direitos familiares, pois,


abstraindo das sanções penais não encontrava uma sanção organizada para a violação desses
direitos. Excluía-se assim, a possibilidade da aplicação da responsabilidade civil nas
relações pessoais de natureza familiar, por se considerar, primeiro, que a indemnização entre
os cônjuges era contrária à moral e aos bons costumes; segundo, pela inexistência de

289
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 68.
290
Ibid, p. 69.
291
MARONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 151.
93
dispositivo legal que especificamente regulasse a espécie e, finalmente, por considerar que a
indemnização se consubstancia na violação do princípio do non bis in idem292.

A doutrina moderna é céptica em relação aos argumentos acima mencionados, rebate


que a indemnização de qualquer dano seria contrária à moral e aos bons costumes, não
somente a indenmização entre cônjuges; entende diferentemente, que o Direito de Família
não é um ramo isolado e, portanto, não se ilide a aplicação da regra geral da
responsabilidade civil, até porque não existe norma que desautorize ou vede esta reparação,
ou seja, o que o direito não proíbe implicitamente autoriza; finalmente, o divórcio, a
prestação de alimentos e a partilha dos bens comuns não têm carácter indemnizatório, não
havendo que se falar em infracção do princípio do non bis in idem.

Mesmo assim, Ruy Aguiar Júnior destaca actualmente algumas preleções contra a
pretensão indemnizatório. Entende que:
a) a tendência do Direito de Família é a de reservar a dissolução do
casamento à livre disposição das partes, o que é contrariado com a
condenação de um dos cônjuges pelos danos causados ao outro;
b) a negociação entre os envolvidos com as questões de família fica
comprometida com o incentivo à acção indemnizatória;
c) a tese afirmativa em nada contribui para a melhoria das relações
familiares, não elimina nem diminui o número de separações, não beneficia
os filhos;
d) ao contrário, a sua aceitação é motivo de discórdia entre casados,
contribuindo para o esfacelamento da harmonia familiar;
e) há preceito ético que afasta a possibilidade de o cônjuge atingido pelo
adultério [por exemplo]procurar ressarcimento para cobrar o preço de sua
honra;
f) não cabe indemnização pela dissolução do casamento porque no sistema
que o admite amplamente, a hipótese é sempre uma alternativa a considerar
por quem pretende casar-se, por isso, não pode pretender pleitear
indemnização por aquilo que o ordenamento prevê e admite como solução
adequada para vencer a crise conjugal;
g) o casamento existe em razão de uma relação afectiva, cujo rompimento
não pode ser objecto de uma indemnização pecuniária;
h) e a infracção do cônjuge às regras do casamento pode decorrer de causas
de ordem afectiva e psicológica postas pelo outro, sendo inconveniente que o
Direito ingresse nessa seara para avaliar danos e ressarci-los com pecúnia293.

292
Cf. BIGI, José de Castro, O Dano Moral em Separação e Divórcio, Revista dos Tribunais, V.679, 1992, p.
47. No mesmo sentido JUNIOR, Humberto Teodoro, Dano Moral, 7.ª Ed. Del Rey Editora, Belo Horizonte,
2010, pp. 87-90. Também PEREIRA, Sérgio Gischkow. Dano Moral e Direito de Família: in O Perigo de
Monetizar as Relações Familiares. Revista da AJURIS, n. 85, 2002, p. 361.
293
JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar, Responsabilidade Civil no Direito da Família, ADV Advogados. In
Advocacia Dinâmica: Seleções Jurídicas, n. 2, 2005, pp. 10-11.
94
Os partidários da tese da não ressarcibilidade dos danos havidos entre os cônjuges
sustentam que no Direito de Família não existe a figura da indemnização. Entendem, em
síntese, que o amor não se paga, a convivência não se indemniza. A indemnização
pecuniária imposta ao cônjuge infractor dos deveres conjugais, pode agravar ainda mais as
relações. Consideram que a ideia de tirar proveito em dinheiro da situação não parece a
medida mais eficaz, além do que, inegavelmente, a animosidade estabelecida instiga a cobiça
do lucro diante do litígio. Por isso, propõem que a solução mais viável, na impossibilidade de
reconciliação, é a própria separação do casal294.

3.3.3.2. Admissibilidade da indemnização na vigência do casamento

Conforme acima nos referimos, a doutrina maioritária actualmente é a favor da


ressarcibilidade dos danos resultantes da violação de deveres conjugais. Mas ainda assim, a
que distinguir no caso concreto duas situações: o dano que pode ser padecido por qualquer
pessoa e o que somente na condição de cônjuge alguém pode sofrer.

Assim, é possível assinalar duas correntes doutrinárias: a primeira admite a


responsabilização tão-somente nas hipóteses que possam ser subsumidas à cláusula geral de
responsabilidade civil; e a segunda sustenta o dever de indemnizar tanto em casos gerais,
como em casos específicos, quando restar caracterizada a infracção a um dever conjugal.

Segundo Maria Celina de Moraes295 para os defensores da primeira corrente, a


agressão física do marido à mulher evidentemente gerará dano moral a ser ressarcido, mas a
quebra do dever de fidelidade, por exemplo, não. Já para a segunda, a indemnização dos
danos poderá ocorrer nas duas situações, tanto pelo ilícito absoluto como pela violação do
dever conjugal.

Entre os partidários da segunda corrente há que se distinguir, ainda, os que admitem


a indemnização apenas em razão das causas que determinaram o término do
relacionamento conjugal e causaram danos – com a infracção dos deveres matrimoniais –,
daqueles que também consideram possível reparar os danos ocasionados pelo próprio
divórcio296.

294
SCHUH, Lizete Peixoto Xavier Apud MARONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 164.
295
Maria Celina Bodin de Moraes Apud MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, p. 170.
296
Ibidem.
95
Para Maria Celina Bodin de Moraes, o relacionamento extraconjugal, em si e por si,
não configura dano moral297, ou seja, ninguém pode ser culpado por deixar de amar, a
desilusão sofrida leva à vontade de culpar o outro, mas o desamor, a solidão e a frustração
não seriam indemnizáveis. Todavia, reconhece que se a ruptura da vida em comum vier
acompanhada de violência, de humilhação contínua diante de terceiros ou dos filhos, entrar-
se-á na seara do acto ilícito, podendo haver a responsabilização pelo dano moral infligido298,
sendo suficiente a aplicação da responsabilidade civil, quando presentes seus elementos
essenciais (art. 483º, n.º 1 do CC).

Portanto, não é a ruptura em si ou violação de deveres que justifica a indemnização,


mas somente os actos que extravasam os limites naturais da dissolução da relação. Ou seja,
somente admite a responsabilidade civil se a conduta do cônjuge ofensor for tipificada como
crime, produzindo dano material ou moral comprovado. Esta corrente entende, portanto, que
a infracção aos deveres do casamento vista como fenómeno isolado, não é capaz de gerar
dano moral indemnizável, que somente se perfaz quando o comportamento adoptado, além
de autorizar a dissolução do casamento, trouxer ao cônjuge lesado inegável sensação de dor,
aflição, humilhação, sentimentos de desamor que de forma nítida o influenciaram
negativamente, capazes de caracterizar a efectiva ofensa aos direitos inerentes à
personalidade299.

A reparação revela-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa


sofrida actuando ao mesmo tempo em seu sentido educativo-preventivo, na medida em que
representa uma sanção aplicada ao ofensor300. A razão para o reconhecimento do dever de
indemnizar reside na infracção de um dever absoluto, que surge independentemente da
existência ou não de vínculo familiar. O acto ilícito preserva a sua autonomia, projetando-se
duplamente, seja como fundamento para a dissolução do casamento, autorizando os efeitos
que lhe são próprios, como também fazendo incidir a regra geral da responsabilidade
civil301.

297
Ibid, p. 171.
298
Ibid, p. 172.
299
BRANCO, Bernardo Castelo, Dano moral no direito de família. São Paulo: Método, 2006, pp. 66-68.
300
Ibid, p. 116.
301
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 589.
96
Na opinião de Regina Beatriz Tavares da Silva302 a inexistirem consequências para a
violação dos deveres matrimoniais levaria ao caos, pois os cônjuges receberiam meras
recomendações da lei – a fidelidade, o respeito recíproco –, mas sem estarem obrigados a
observá-las, pois seu incumprimento não acarretaria sanção. Assumindo o papel de
aconselhamentos, as normas jurídicas do Direito de Família seriam transformadas em
regras de cunho puramente moral, cujas violações não gerariam qualquer implicação a seus
infractores, a favorecer o inadimplemento desses preceitos, em contraposto à necessária
preservação da dignidade da pessoa nas relações familiares. A autora adverte: que ―se nos
perdermos na seara dos afectos e amores como sentimentos, e não com o devido respeito à
dignidade da pessoa humana, ficaremos sem prumo e não encontraremos a solução jurídica,
almejada por quem recorre ao Poder Judiciário‖303. Mesmo que se considere o divórcio
como uma sanção, a garantia dos direitos familiares de natureza pessoal continua fragilizada
se, no caso de sua violação, não foram aplicados os princípios da responsabilidade civil304.

O actual conceito da família, aliado à maior efectividade das normas que


implementam os direitos humanos e, ainda, aos novos conceitos de responsabilidade civil,
em especial do ressarcimento dos danos morais, trouxe um alento para estes casos, de
modos que as infracções dos deveres conjugais podem ensejar reparação por danos morais
quando provocarem lesão aos direitos de personalidade do outro cônjuge, causando-lhe dor,
sofrimento, humilhação, vexame, afronta, ultraje etc. Assim, pode responder por danos
morais aquele que comete adultério, assim como o que violar injustificadamente o dever
de mútua assistência305. A indemnização não restitui, nem assegura o afecto, mas por meio
dela os danos podem ser minorados, ou seja, a prestação pecuniária a cargo do cônjuge
lesante, além de constituir uma sanção adequada, pode compensar os danos sofridos pelo
cônjuge lesado306.

A violação dos direitos e deveres de ordem familiar são sempre suscetíveis de


reparação patrimonial ou moral. Importa esclarecer que o tempo conta substancialmente na
configuração jurídica do dano que emerge da violação de dever conjugal, razão pela qual se
impõe que o recurso à acção judicial que visa indemnização, em princípio, deve ser
imediata, pois, o longo silêncio do cônjuge lesado pressupõe perdão de eventuais
302
Regina Beatriz Tavares da Silva Apud MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, pp. 177-178.
303
Ibid, p. 178.
304
CERDEIRA, Ângela Cristina da Silva, p. 83.
305
Valéria Silva Galdino Cardin, Apud MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, pp. 179-180.
306
VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, pp. 602-603.
97
desinteligências ou possíveis excessos de conduta, apagando os ressentimentos nascidos do
incumprimento do dever conjugal307.

Inacio de Carvalho Neto, na sua abordagem faz uma distinção entre os danos
imediatos que mantêm uma conexão directa com os deveres conjugais e como tal causados
pelo seu incumprimento, dos danos mediatos que se vinculam ao incumprimento do dever
conjugal apenas indirectamente, ou seja, os prejuízos oriundos da ruptura do casamento 308.
Os primeiros, tanto podem ser de natureza moral como de natureza patrimonial e
derivam de factos que são, ao mesmo tempo, causas legais da dissolução matrimonial.
Enquanto que os segundos são decorrentes da dissolução do matrimónio por divórcio,
sobretudo, litigioso e são caracterizados quase sempre como dano patrimonial, por
embasarem-se nas disparidades que a ruptura do matrimónio pode originar entre os
cônjuges, mas também de ordem moral, se referentes ao sofrimento ocasionado pela própria
dissolução do casamento309.

Em ambos os casos, estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar.


Todavia, se o cônjuge ofendido perdoar a causa culposa não poderá requerer indemnização
do ofensor, pois as demandas entre cônjuges, na constância do casamento, devem ser
evitadas. Assim, o perdão configura hipótese de renúncia, não ensejando a responsabilidade
civil.

3.3.3.3. Posição adoptada pelo legislador angolano

Já o dissemos o legislador angolano, não prevê, no Código da Família disposição


específica que expressamente se refere a responsabilidade dos cônjuges pela violação dos
deveres conjugais. Esta omissão, em princípio, evidencia a fragilidade de garantia desta
relação impossibilitando a pretensões indemnizatórias em caso de sua violação. Entretanto, o
casamento enquanto união voluntária, nos termos prescritos na lei, privilegia os aspectos
pessoais em detrimento dos aspectos patrimoniais. Esta ideia vem reforçada na constituição de
2010, com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRA).
Como corolário do referido princípio, consagra-se os direitos fundamentais de carácter
absoluto e inalienável, inerentes à pessoa humana (artigo 30.º e ss. da CRA), cuja tutela

307
MADALENO, Rolf, Divórcio e Dano Moral, Revista Brasileira de Direito de Família, n.2, 1999, pp. 65-66.
308
Inacio de Carvalho Neto Apud MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni, pp. 183-184.
309
Ibidem
98
civilista vem prevista no artigo 70.º n.º 1 do Código Civil.

Assim, salvo entendimento contrário, os danos resultantes da violação de deveres


pessoais dos cônjuges sarão passíveis de indemnização sempre que atentarem contra bens da
personalidade do cônjuge lesado, podendo ainda servir como fundamento para o divórcio,
quando pela sua gravidade ou reiteração comprometa a possibilidade de realização dos fins
sociais do casamento (artigo 97.º do Código da Família).

99
CONCLUSÃO

O casamento é uma realidade social, um instituto jurídico em constante evolução. As


legislações modernas preservam a identidade histórica, local e cultural do seu conceito. O
direito angolano consagra o casamento como fonte de relação jurídico-familiar,
reconhecendo a todos o direito de livremente constituírem família e estabelece a paridade
jurídica entre o homem e a mulher na relação familiar. As normas que regulam as relações
familiares visam essencialmente a tutela de interesses individuais e a protecção do indivíduo
inserido no seio familiar, tanto é que, no casamento os aspectos pessoais são mais
valorizados do que os aspectos patrimoniais. Assim considerando, o casamento é feito de
duas pessoas, dignas, livres e racionais, recai sobre cada cônjuge em princípio um dever
especial de abstenção na violação dos direitos pessoais absolutos do outro.

Ao longo da nossa abordagem constatamos que os poderes deveres conjugais que


caracterizam a plena comunhão de vida entre o homem e a mulher devem ser considerados
como verdadeiros deveres jurídicos, subordinados à realização de interesse pessoal de cada
um dos cônjuges. Isto justifica a concepção segundo a qual os poderes-deveres conjugais são
verdadeiros direitos subjectivos peculiares. Para a sua concretização concorrem não apenas
princípios do Direito da Família, mas também a tutela constitucional no âmbito dos direitos
fundamentais e civil enquanto direitos de personalidade.

O código de família não faz referência expressa à responsabilidade civil por violação
de deveres conjugais, tencionando com isso o reconhecimento da retrógrada concepção da
imunidade matrimonial. Do mesmo modo, não prevê uma disposição específica que obsta a
aplicação da responsabilidade civil nestas situações, havendo, por isso, uma lacuna ou
omissão legislativa.

Esta omissão, aliada à necessidade da tutela geral da personalidade, consubstanciada


na dignidade da pessoa humana, em nosso entendimento, legitima o recurso à analogia para a
aplicação das regras da responsabilidade civil em caso de ilícito conjugal resultante da
violação de deveres conjugais, para o ressarcimento dos danos causado (em regra não
patrimoniais). O mesmo facto lesivo pode servir também como fundamento do divórcio
quando, pela sua gravidade ou reiteração, compromete a continuação da vida em comum. No
entanto, em harmonia com o princípio da estabilidade familiar, entendemos que as acções que
visam à reparação de danos devem ser evitadas na vigência do casamento.
100
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