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Entre o Princípio e a Conveniência: o paradoxo
da atitude democrática dos brasileiros
Felipe Calabrez
Sciences Po/ INCT ReDem
Adriano Codato
INCT ReDem
Roberta Picussa
INCT ReDem
ReDem Working paper
Vol. 2
Nº 2
julho, 2025
Entre o Princípio e a Conveniência: o paradoxo da atitude
democrática dos brasileiros
Felipe Calabrez, Adriano Codato e Roberta Picussa
Resumo
Esta nota de pesquisa investiga o paradoxo das atitudes democráticas
dos brasileiros através de um modelo teórico que distingue duas tensões
fundamentais: (i) proteger minorias versus dar poder à maioria, (ii) e
manter controles institucionais versus concentrar poder no presidente da
República. Os dados provêm de survey com 1.504 brasileiros
entrevistados em 2025. Os dados revelam uma aparente contradição
entre alta adesão a princípios democráticos abstratos e disposições para
relativizá-los em contextos específicos. Surpreendentemente, as
diferenças entre eleitores de Lula e Bolsonaro são menores que o
Felipe Calabrez esperado. O resultado mais inesperado foi que eleitores de Lula da Silva
Sciences Po/ INCT ReDem (centro-esquerda) tenderiam a apoiar mais a concentração de poder
0000-0002-3890-6778 presidencial do que eleitores de Jair Bolsonaro (extrema-direita). Isso
[email protected] sugere que as pessoas poderiam mudar de opinião sobre democracia
dependendo de quem está no poder, portando visões instrumentais
sobre o funcionamento ideal dos regimes democráticos. A conclusão
principal é que a polarização brasileira é mais complexa do que uma
simples divisão entre “democratas contra autoritários” ou “esquerda e
Adriano Codato direita”. Na verdade, a maioria dos brasileiros parece estar disposta a
INCT ReDem flexibilizar regras democráticas quando isso favorece suas preferências
0000-0002-5015-4273 políticas imediatas.
[email protected]
Palavras-chave
democracia; liberalismo; majoritarismo; polarização política; Brasil.
Roberta Picussa Between Principle and Convenience: The Paradox of
INCT ReDem Brazilians’ Democratic Attitudes
0000-0002-5400-5136
[email protected] Abstract
This research note investigates the paradox of Brazilians’ democratic
attitudes through a theoretical model that distinguishes two core tensions:
protecting minority rights versus empowering the majority, and
maintaining institutional checks versus concentrating power in the
presidency. The data come from a 2025 national survey with 1,504
respondents. Findings reveal an apparent contradiction between a strong
adherence to abstract democratic principles and a willingness to
relativize them in specific contexts. Surprisingly, differences between Lula
and Bolsonaro voters are smaller than expected. The most unexpected
result is that supporters of Lula da Silva (center-left) are more likely to
endorse presidential concentration of power than supporters of Jair
Bolsonaro (far-right). This suggests that citizens may shift their views on
democracy depending on who holds power, rather than adhering to
consistent ideological identities. The main conclusion is that Brazilian
polarization is more complex than a simple divide between “democrats
and authoritarians” or “left and right.” In fact, most Brazilians appear
willing to bend democratic norms when doing so favors their immediate
political preferences.
Keywords
democracy; liberalism; majoritarianism; political polarization; Brazil.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Apresentação1
A democracia brasileira atravessa um momento crítico
que reatualiza dilemas centrais da teoria política
moderna. Como equilibrar o princípio da maioria com a
salvaguarda de direitos fundamentais? Em que medida
a busca por eficácia governamental pode justificar a
flexibilização de controles institucionais? Essas
indagações, profundamente enraizadas nos debates
clássicos sobre as distintas concepções de democracia,
adquirem nova urgência diante da polarização extrema
que marcou as eleições presidenciais de 2022, nas quais
1 Esta
pesquisa contou com se confrontaram Jair Bolsonaro, representante da direita
apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e radical, e Lula da Silva, líder de orientação social-
Tecnológico – CNPq, Brasil, por democrata (centro-esquerda).
meio do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia (INCT)
Representação e Legitimidade Esta nota de pesquisa propõe um modelo analítico
Democrática (processo nº para compreender como os cidadãos brasileiros lidam
406649/2022-7).
com tensões fundamentais no interior do regime
democrático. Partimos do pressuposto de que a
democracia não é um fenômeno unidimensional, mas
um arranjo institucional complexo, aberto a diferentes
interpretações e valorações. A proposta busca captar
duas dimensões centrais que estruturam as atitudes
democráticas: (i) a tensão entre o liberalismo político e o
majoritarismo sem limites, e (ii) a tensão entre o
constitucionalismo e a concentração de poder.
A relevância teórica desta investigação está em sua
capacidade de revelar como distintas tradições do
pensamento democrático se articulam no imaginário
político dos cidadãos comuns.
Do ponto de vista empírico nossos achados revelam
que a forte polarização política presente na disputa
eleitoral acirrada entre Lula e Bolsonaro em 2022 não foi
fruto de visões substancialmente divergentes sobre o
funcionamento ideal da democracia, sugerindo adesão
instrumental aos princípios da democracia liberal por
parte dos eleitores.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
1. Teoria e modelo analítico
1.1 A teoria da teoria democrática
Teóricos da democracia têm distinguido o que podemos
chamar de modelos agregativos de democracia dos
modelos substantivos de democracia. O primeiro
modelo é centrado na competição entre elites e na
agregação das preferências individuais por meio de
mecanismos eleitorais (como em Schumpeter, Downs e,
em certa medida, Dahl) enquanto o segundo enfatiza a
formação da vontade política por meio de processos
deliberativos, engajamento cívico e reflexividade
institucional (como em Habermas e Urbinati).
Apesar das importantes diferenças entre essas
abordagens, especialmente quanto ao papel atribuído
à deliberação, à participação cidadã e à noção de
bem comum, é possível afirmar, grosso modo, que
ambas compartilham da premissa de que a democracia
é inseparável do Estado de Direito e da garantia do
pluralismo político. Por isso, a expressão “democracia
liberal” pode ser considerada redundante, uma vez que
não haveria propriamente democracia sem limites ao
poder e sem a institucionalização da tolerância às
diferenças.
No entanto, embora uma democracia substantiva, ou
aquilo a que podemos chamar de “ideal democrático”,
exija a coexistência entre esses dois elementos, sabemos
das tensões existentes entre eles, que remontam aos
debates clássicos da teoria democrática, em especial às
preocupações sobre os perigos que a “regra da maioria”
(o princípio fundamental da democracia enquanto
procedimento) poderia produzir sobre as liberdades de
indivíduos ou grupos minoritários. Essa preocupação
animou filósofos como Tocqueville e Stuart Mill, mas foi
com Montesquieu e com os Federalistas que ela recebeu
propostas mais concretas do ponto de vista institucional.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
As limitações institucionais pensadas por James Madison,
centradas na existência de checks and balances que
visam evitar a concentração de poder, são justificadas
com base em valores liberais, como a liberdade
individual, evidenciando a possível desarmonia entre o
valor dominante da democracia e o valor dominante do
liberalismo, isto é, entre governo da maioria e a garantia
da liberdade (Gutmann, 1995).
Assim, embora uma noção de democracia
substantiva exija a coexistência desses três pilares
(democracia enquanto procedimento eleitoral, Estado
de direito e pluralismo político), cada um deles é
orientado por um princípio diferente que, para se
materializar, exige um conjunto diferente de arranjos
institucionais.
Tendo isso em vista, Zakaria (1997) aponta as tensões
surgidas nos experimentos democráticos reais entre o
constitucionalismo liberal e a democracia. O
constitucionalismo liberal visa a garantia da liberdade e
autonomia individuais contra coerções, seja do Estado
ou da própria sociedade. Já a democracia está ligada
a eleições abertas, livres e justas, o que também exige a
garantia de algumas liberdades, como de opinião e de
associação. A defesa da coexistência entre
constitucionalismo liberal e democracia em seu sentido
eleitoral é feita tendo em vista um problema muito
concreto: Mesmo quando resultam de eleições livres e
justas, governos eleitos pelo voto popular podem colocar
em risco direitos e liberdades fundamentais de parte da
população, especialmente quando exercem o poder
sem limites institucionais ou mecanismos adequados de
controle, o que levaria a resultados não democráticos ou
ao que chamou de “democracia iliberal” (Zakaria, 1997).
A tensão entre os dois princípios reside, portanto, no
escopo da autoridade governamental. O primeiro
pressupõe limitação do poder, o segundo, acúmulo e
emprego desse poder.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
A mesma problemática ressurge em termos análogos
na obra de Plattner (2010), para quem a primazia da
democracia em detrimento do constitucionalismo liberal
acarretaria uma situação de “desordem democrática”.
Isto é, o apelo à vontade da maioria como fundamento
de legitimidade (majoritarismo2) e o exercício do poder
sem mecanismos de freios e contrapesos não
caracterizam uma democracia, mas são expressões do
populismo, uma espécie de desfiguração da
2O termo tem sido empregado
em pesquisas recentes sobre democracia (Plattner, 2010; Urbinati, 2019).
cultura política, sendo
entendido como a visão
Tendo essas tensões em conta criamos um modelo
segundo a qual a imposição da
vontade da maioria sobre as bidimensional que busca captar a visão dos eleitores
minorias é algo legítimo e sobre o funcionamento da democracia, buscando
democrático (Grossman et al.,
2021; Casalecchi et al., 2024).
revelar como eles se situam em relação às duas
Tais pesquisas se inserem no dimensões assim enunciadas: (i) proteger minorias versus
debate sobre apoio eleitoral a dar poder à maioria, (ii) e manter controles institucionais
medidas autoritárias.
versus concentrar poder no presidente da República.
Acreditamos que essas duas dimensões expressam os
elementos teóricos que buscamos expor aqui, quais
sejam: (a) a tensão entre o liberalismo político e o
majoritarismo sem limites, e (b) a tensão entre o
constitucionalismo e a concentração de poder.
1.2 Processos de autocratização
Nas últimas décadas intensificou-se ainda mais o debate
sobre o caráter incompleto das democracias e sobre
processos de regressão democrática. Em relatório
recente, o Instituto Varieties of Democracy (V-Dem)
revelou que em 2024 o número de autocracias
ultrapassou o de democracias no mundo, fato que não
ocorria há vinte anos. Adicionalmente, os regimes de
democracia liberal tornaram-se o tipo menos comum
globalmente. De acordo com o relatório, a terceira onda
de autocratização (Lührmann & Lindberg, 2019)
continua avançando há pelo menos vinte e cinco anos
(Nord et al., 2025).
No debate da Ciência Política sobre a crise das demo-
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
cracias contemporâneas (Norris & Inglehart, 2019;
Mounk, 2019; Przeworski, 2020; Rouban, 2018; Castells,
2018; Plattner, 2010), destaca-se o diagnóstico que
relaciona o processo de “desconsolidação
democrática” à queda de apoio dos eleitores à
democracia e à deterioração da confiança nas
instituições democráticas (Mounk, 2019; Foa & Mounk,
2016). O avanço dessa agenda de pesquisa tem
produzido um refinamento das questões aplicadas em
surveys, gerando ganhos analíticos ao permitir a
investigação desagregada de diferentes elementos
“iliberais” presentes na cabeça dos eleitores (Zaslove &
Meijers, 2024; Claassen et al., 2025).
Outro aspecto desse processo de
“desdemocratização global” revelado por pesquisas
recentes é o fato de que muitas das ações autoritárias
tomadas por líderes eleitos, envolvendo concentração
de poder e supressão de direitos individuais e de
minorias, encontram amplo respaldo entre seus eleitores
(Albertus & Grossman, 2021; Grossman et al., 2021). A
recente vitória eleitoral de Donald Trump e de seu
discurso abertamente autoritário é um exemplo.
Essas pesquisas, centradas no lado da demanda,
revelam que os eleitores podem possuir diferentes visões
sobre os princípios que constituem a democracia. Assim,
nos parece fundamental o desenvolvimento de
pesquisas que avaliem que conjunto de elementos
predominam e formam a visão dos eleitores sobre o que,
de fato, compõem um regime democrático.
O Brasil representa um caso exemplar para uma
investigação desse tipo. De acordo com estudo que
embasou o relatório do Instituto V-Dem (Nord et al.,
2024), o Brasil caminhou em direção a uma
autocratização a partir de turbulências políticas iniciadas
em 2016 com o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff. Em meio à instabilidade e polarização social, o
populista de extrema direita Jair Bolsonaro foi eleito presi-
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
` dente em 2018 com um discurso abertamente contrário
aos direitos das minorias. Durante seu mandato,
protagonizou enfrentamentos com outros poderes,
especialmente o Judiciário, além de ataques à imprensa
e tentativas de desacreditar o processo eleitoral.
Apesar das ameaças a direitos e aos contrapoderes
institucionais, Bolsonaro (do Partido Liberal) só não foi
reeleito em 2022 por uma margem muito pequena de
votos: obteve 49,1% dos votos válidos (58.206.354), sendo
derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (do Partido dos
Trabalhadores), que alcançou 50,9% (60.345.999 votos).
Mesmo enfrentando processos por atentar contra o
Estado Democrático e havendo indícios de seu
envolvimento em trama golpista, Bolsonaro mantém
expressivo capital eleitoral no Brasil.
O processo de autocratização foi parcialmente
revertido após as eleições de 2022, configurando o país
como um dos casos de "U-Turn" (autocratização
interrompida) (Nord et al., 2024; Nord et al., 2025). No
entanto, diante da manutenção de altos índices de
intenção de voto em um líder abertamente autoritário,
interessa investigar quais visões sobre democracia
predominam no eleitorado brasileiro atual. Esse interesse
é reforçado quando levamos em conta que se trata de
um contexto pós-governo de extrema-direita, período
marcado pela reconfiguração da dinâmica entre os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em desfavor
do primeiro (Couto, 2025) e por intensa polarização
afetiva (Nunes & Traumann, 2023).
A literatura recente tem revelado que, em cenários
marcados por intensa polarização política, eleitores
demonstram uma tendência de minimizar ou
desconsiderar transgressões às normas democráticas
quando estas são perpetradas por candidatos de sua
preferência ideológica (Carey et al., 2022; Fossati et al.,
2022; Graham & Svolik, 2020). Paralelamente, uma
corrente de estudos tem se dedicado a examinar como
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
as diferentes compreensões sobre o que constitui uma
democracia influenciam e explicam esses padrões de
comportamento eleitoral (Ferrín & Kriesi, 2016).
Estas divergências conceituais produzem
consequências práticas significativas: uma mesma ação
política, o desacato a determinações judiciais, por
exemplo, pode ser simultaneamente percebido como
legítima ou ilegítima, democrática ou antidemocrática,
dependendo exclusivamente da lente interpretativa
através da qual ela é analisada. Essa ambiguidade
conceitual torna-se, portanto, um elemento crucial para
compreender as dinâmicas de tolerância a práticas
potencialmente erosivas das instituições democráticas.
1.3 Um modelo analítico
Neste working paper, propomos um modelo
bidimensional das atitudes democráticas dos cidadãos
brasileiros que captura duas tensões fundamentais:
Primeira Dimensão: liberalismo político versus
majoritarismo irrestrito
Esta dimensão mede até que ponto os cidadãos
aceitam limitações constitucionais ao poder da maioria
em nome da proteção de direitos fundamentais. Em um
polo, encontramos a tradição liberal que enfatiza direitos
individuais e de minorias como precondições da
democracia genuína. No polo oposto, situam-se
concepções mais plebiscitárias que privilegiam a
soberania popular irrestrita como expressão máxima da
vontade democrática.
Segunda Dimensão: constitucionalismo versus
concentração de poder
Esta dimensão aborda a tensão entre eficácia
governamental e controles institucionais, distinguindo
entre concepções “delegativas” de democracia (onde
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
o Poder Executivo eleito deveria ter ampla autonomia)
versus concepções “constitucionais” (que enfatizam
separação de poderes e accountability horizontal).
Essas dimensões, embora conceitualmente distintas,
correlacionam-se positivamente, refletindo diferentes
aspectos de um fenômeno mais amplo que
denominamos “liberalismo democrático”. Idealmente,
pessoas com alta adesão à proteção de minorias
tendem também a valorizar controles institucionais, pois
ambas as orientações refletem aceitação de limitações
ao poder político em nome de princípios superiores.
2. Materiais e Métodos
2.1 Fonte de dados e desenho da pesquisa
Os dados utilizados neste estudo provêm da pesquisa
Visões de democracia em tempos de polarização: um
estudo sobre a satisfação democrática no Brasil,
conduzida pelo Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia Representação e Legitimidade Democrática
(INCT ReDem) da Universidade Federal do Paraná.
2.2 Amostra e coleta de dados
A coleta de dados foi realizada em fevereiro de 2025
através de entrevistas domiciliares presenciais junto a
amostra representativa de 1.504 brasileiros maiores de 18
anos, distribuídos nas cinco regiões do país. A margem
de erro da pesquisa é de 2,5 pontos percentuais com
nível de confiança de 95%. A amostra foi estratificada
para garantir representatividade nacional e permitir
análises comparativas entre eleitores dos principais
candidatos das eleições presidenciais de 2022 (Lula e
Bolsonaro).
O questionário estruturado incluiu múltiplas baterias de
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
questões sobre concepções de democracia, utilizando
escalas de 0 a 10 pontos para mensurar tanto a
importância atribuída a diferentes aspectos
democráticos quanto as avaliações sobre o
funcionamento atual da democracia no Brasil.
2.3. Operacionalização das variáveis
Para a análise específica das atitudes democráticas,
selecionamos seis indicadores que operacionalizam as
duas dimensões teóricas centrais:
Dimensão 1: liberalismo político versus
majoritarismo
P08: “Em termos de importância, o quanto
acredita que, em uma democracia, os direitos de
grupos minoritários devam ser protegidos” (escala
0-10, recodificada para direção conceitual
consistente)
P15: “Em termos de importância, o quanto
acredita que, em uma democracia, a maioria
consiga o que quer, mesmo que os direitos de
algumas minorias sejam restringidos” (escala 0-10)
P21: “Em termos de importância, o quanto
acredita que, em uma democracia, a minoria
aceite a vontade da maioria em todas as
circunstâncias” (escala 0-10)
Dimensão 2: constitucionalismo versus
concentração de poder
P11: “Em termos de importância, o quanto
acredita que, em uma democracia, os tribunais
sejam capazes de impedir o governo de agir além
de sua autoridade, praticando ilegalidades”
(escala 0-10, recodificada para direção conceitu-
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
al consistente)
P49: “Poderia me dizer o quanto concorda ou
discorda da seguinte afirmação: O presidente
deve poder ignorar as decisões judiciais
consideradas politicamente tendenciosas”
(escala 0-10 de concordância)
P50: “Poderia me dizer o quanto concorda ou
discorda da seguinte afirmação: O Congresso
Nacional deve ser ignorado se atrapalhar o
trabalho do governo” (escala 0-10 de
concordância)
Para as análises apresentadas nesta nota de pesquisa,
as escalas originais de 0-10 foram recodificadas em três
categorias: “muito importante/concorda muito” (valores
7-10), “mais ou menos importante/concorda mais ou
menos” (valores 4-6), e “pouco importante/discorda”
(valores 0-3), permitindo análises de distribuição de
frequências e cruzamentos com voto presidencial.
2.4 Estratégia de análise
Primeiro, examinamos as distribuições de frequência
para cada indicador, identificando padrões gerais de
atitudes democráticas na população brasileira e
buscando evidências do que podemos chamar de
“paradoxo democrático”: alta adesão a princípios
democráticos abstratos coexistindo com disposições
para relativizá-los em contextos específicos.
Segundo, realizamos análises de associação entre
cada indicador de atitude democrática e preferência
eleitoral no primeiro turno das eleições presidenciais de
2022 (voto em Lula versus voto em Bolsonaro). Utilizamos
testes qui-quadrado para verificar significância
estatística das associações (α = 0,05) e o coeficiente V
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
IESP-UERJ de Cramer para mensurar a magnitude das associações
encontradas3.
Por se tratar de um estudo exploratório de atitudes
democráticas em um contexto de polarização política,
optamos, por uma estratégia descritiva, sem a inclusão
de variáveis de controle ou modelagens multivariadas.
3O V de Cramer varia de 0
Para os cruzamentos, foram considerados somente as
(ausência de associação) a 1
(associação perfeita), sendo respostas dos eleitores dos dois principais candidatos que
interpretado conforme disputaram o primeiro turno das eleições presidenciais
convenções estabelecidas: 0,1-
0,2 (associação fraca), 0,2-0,4
brasileiras de 2022.
(moderada), 0,4-0,6 (forte),
acima de 0,6 (muito forte).
3. Resultados
3.1 O paradoxo democrático brasileiro
A análise das distribuições de frequência revela padrões
intrigantes que desafiam a interpretação sobre atitudes
democráticas, sugerindo disposições ambíguas e
situacionais.
Na primeira dimensão, observamos forte adesão à
proteção de direitos de minorias: praticamente 83% dos
brasileiros consideram “muito importante” que direitos de
grupos minoritários sejam protegidos (P08). Este é um
achado notável que sugere robusta adesão ao princípio
liberal fundamental (Figura 1).
Figura 1. Em uma democracia, os direitos de grupos minoritários devem ser protegidos (%)
é pouco importante 5,1
é mais ou menos importante 12
é muito importante 82,9
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Porém, quando examinamos os indicadores que
medem o polo oposto da dimensão, descobrimos um
padrão aparentemente contraditório.
Aproximadamente metade dos respondentes, 47%
em P15 (Figura 2), e 52% em P21 (Figura 3), consideram
“muito importante” que a vontade da maioria
prevaleça, mesmo quando isso possa implicar restrições
a direitos de minorias ou exigir submissão irrestrita das
minorias.
Figura 2. Em uma democracia, a maioria deve conseguir o que quer, mesmo que os direitos
de algumas minorias sejam restringidos (%)
é pouco importante 31,8
é mais ou menos importante 21,2
é muito importante 47
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
Figura 3. Em uma democracia, a minoria deve aceitar a vontade da maioria em todas as
circunstâncias (%)
é pouco importante 27
é mais ou menos importante 20,8
é muito importante 52,2
0 10 20 30 40 50 60
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
ReDem working paper, vol. 1,
2, n. 2, julho 2024
2025
Na segunda dimensão, encontramos padrão similar.
Enquanto praticamente 70% (Figura 4) valorizam que
tribunais possam impedir ilegalidades governamentais
(P11), parcelas substanciais concordam que o
presidente da República possa ignorar decisões judiciais
“tendenciosas” (43,8% em P49 (Figura 5)) e que o
Congresso deve ser ignorado se atrapalhar o governo
(48,4% em P50 (Figura 6)).
Figura 4. Em uma democracia, os tribunais devem ser capazes de impedir o governo de agir
além de sua autoridade, praticando ilegalidades (%)
é pouco importante 14,9
é mais ou menos importante 15,4
é muito importante 69,7
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
Figura 5. O presidente deve poder ignorar as decisões judiciais consideradas politicamente
tendenciosas (%)
discordo 32,2
mais ou menos concordo 24
concordo 43,8
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Figura 6. O Congresso Nacional deve ser ignorado se atrapalhar o trabalho do governo (%)
discordo 29,2
mais ou menos concordo 22,5
concordo 48,4
0 10 20 30 40 50 60
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
Esses padrões sugerem que os brasileiros operam com
múltiplos quadros conceituais quando avaliam princípios
democráticos.
Quando questionados sobre valores abstratos
(proteção de minorias, controle de ilegalidades), os
eleitores demonstram forte adesão a princípios liberais.
Porém, quando esses mesmos princípios são
apresentados em contextos que evocam conflito
(ineficiência ou “politização”, por exemplo), uma
parcela significativa dos brasileiros se mostra disposta a
relativizá-los.
3.2. Lula versus Bolsonaro: padrões inesperados de
polarização ideológica
Os cruzamentos entre atitudes democráticas e voto
presidencial revelam padrões que desafiam o senso
comum ao não confirmam as expectativas de que voto
em um candidato autoritário de extrema-direita está
associado a visões iliberais de democracia (majoritarista
e pró-concentração de poder no Executivo).
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
3.2.1. Primeira dimensão: consenso no
majoritarismo
Na dimensão liberalismo versus majoritarismo, apenas
o indicador P08 (proteção de minorias) apresenta
diferença estatisticamente significativa entre eleitores de
Lula e Bolsonaro. Eleitores de Lula demonstram que
valorizam um pouco mais a proteção de minorias (87%
versus 76% considerando “muito importante”) (Figura 7).
Figura 7. Em uma democracia, os direitos de grupos minoritários devem ser protegidos (%)
3,3
é pouco importante
7,8
9,3
é mais ou menos importante
15,7
87,4
é muito importante
76,5
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 19,95, p value < 0,001, V de Cramer = 0,146 (associação fraca)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
O achado mais surpreendente, porém, é que P15
(Figura 8) e P21 (Figura 9), que medem “maioria versus
minoria”, não apresentam diferenças significativas entre
os grupos eleitorais. Isso significa que tanto eleitores de
Lula quanto de Bolsonaro compartilham visões similares
sobre a importância da vontade da maioria prevalecer,
mesmo quando isso possa vir a restringir direitos de
minorias.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Figura 9. Em uma democracia, a maioria deve conseguir o que quer, mesmo que os direitos
de algumas minorias sejam restringidos (%)
28,6
é pouco importante
33,2
22,6
é mais ou menos importante
22,8
48,8
é muito importante
44
0 10 20 30 40 50 60
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 2,61, p value 0,272, V de Cramer = 0.053 (associação muito fraca/desprezível)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
A forma como as pessoas veem a importância da
maioria conseguir o que quer (mesmo restringindo
prerrogativas de minorias) não está significativamente
ligada ao voto presidencial. As diferenças observadas
entre os grupos de eleitores podem ser apenas por
acaso.
Figura 8. Em uma democracia, a minoria deve aceitar a vontade da maioria em todas as
circunstâncias (%)
27,5
é pouco importante
25,4
18,3
é mais ou menos importante
20,8
54,3
é muito importante
53,8
0 10 20 30 40 50 60
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 1,13, p value 0,568, V de Cramer = 0.035 (associação muito fraca/desprezível)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
A percepção sobre a minoria aceitar a vontade da
maioria não tem uma ligação estatisticamente
significativa com o voto presidencial. As variações entre
os eleitores de Bolsonaro e Lula nessa questão podem ser
aleatórias.
3.2.2. Segunda dimensão: quem apoia concentração
de poder?
Na dimensão constitucionalismo versus concentração
de poder, os resultados são ainda mais desconcertantes
para expectativas convencionais.
A P11 (controle judicial sobre ilegalidades) não mostra
diferença significativa (Figura 10), indicando consenso
sobre princípios constitucionais básicos entre ambos os
grupos eleitorais.
Figura 10. Em uma democracia, os tribunais devem ser capazes de impedir o governo de agir
além de sua autoridade, praticando ilegalidades (%)
13,9
é pouco importante
14,7
14,5
é mais ou menos importante
15,2
71,6
é muito importante
70,1
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 0,24, p value 0,885, V de Cramer: 0.016 (associação muito fraca/desprezível)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
A visão sobre a capacidade dos tribunais de impedir
ilegalidades do governo não está significativamente
associada ao voto presidencial. As diferenças entre os
grupos de eleitores são provavelmente por acaso.
Porém, P49 (Figura 11) e P50 (Figura 12), que medem
disposições favoráveis à concentração de poder
executivo no Presidente, apresentam diferenças
significativas, mas em direção contrária ao esperado.
Observa-se uma associação estatisticamente
significativa entre a percepção da importância de que
o presidente possa ignorar decisões judiciais
consideradas politicamente tendenciosas (P49) e o voto
para presidente em 2022.
Figura 11. O presidente deve poder ignorar as decisões judiciais consideradas politicamente
28
discordo
36,5
22,9
mais ou menos concordo
21,1
49,1
concordo
42,4
0 10 20 30 40 50 60
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 7,52, p value 0,023, V de Cramer = 0,091 (associação muito fraca/desprezível a fraca)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
Observa-se uma associação estatisticamente
significativa entre a percepção da importância de que
o Congresso Nacional deve ser ignorado se atrapalhar o
trabalho do governo (P50) e o voto para presidente em
2022.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Figura 11. O Congresso Nacional deve ser ignorado se atrapalhar o trabalho do governo (%)
24
discordo
33,3
19,6
mais ou menos concordo
21
56,4
concordo
45,6
0 10 20 30 40 50 60
Lula (PT) Bolsonaro (PL)
χ² = 12,09, p value 0,002, V de Cramer = 0,114 (associação fraca)
Fonte: Pesquisa “Visões de democracia em tempos de polarização: um estudo sobre a satisfação
democrática no Brasil”. INCT ReDem (UFPR). IPSOS-IPEC
Importante: eleitores de Lula demonstram maior
propensão a apoiar que o presidente ignore decisões
judiciais “tendenciosas” (49,1% versus 42,4%) e que o
Congresso seja ignorado se atrapalhar o governo (56,4%
versus 45,6%).
4. Discussão
4.1. Interpretando os paradoxos: três chaves analíticas
Esses achados desafiam as expectativas convencionais
e demandam interpretação cuidadosa.
Propomos a seguir três chaves interpretativas que nos
ajudam a compreender esses padrões contraditórios.
4.1.1. Autoritarismo situacional versus ideológico
Os dados sugerem que atitudes sobre concentração de
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
poder no Presidente pode ser mais “situacionais” do que
“ideológicas”. Eleitores de Lula podem estar expressando
frustração com obstáculos institucionais a um governo
que apoiam, enquanto eleitores de Bolsonaro podem
estar refletindo experiências recentes com conflitos entre
o governo anterior e o poder Judiciário.
Na base dessas concepções pode estar uma espécie
de autoritarismo situacional, mais do que ideológico.
Essa noção descreveria a disposição de cidadãos de
relativizar princípios democráticos quando eles entram
em conflito com interesses ou preferências políticas
específicas. Em outras palavras, trata-se da ideia de que
o compromisso com a democracia é condicional,
dependendo de quem está no poder ou da conjuntura
política. Essa noção está alinhada com o que Levitsky &
Daniel (2018) chamam de erosão democrática por
dentro, e com a literatura sobre polarização afetiva
(Iyengar, Sood & Lelkes, 2012), que mostra como vínculos
partidários podem se sobrepor à defesa de normas
democráticas.
4.1.2. Concepções contextuais de “tendenciosidade”
Quando eleitores de Lula concordam mais que o
presidente deve ignorar decisões “politicamente
tendenciosas”, podem estar pensando em experiências
específicas recentes, como decisões judiciais que
perceberam como partidárias contra Lula ou o PT.
Similarmente, quando apoiam ignorar o Congresso “se
atrapalhar”, podem estar refletindo as dificuldades do
Governo Lula em avançar com sua agenda no
Congresso.
Isso sugere que atitudes sobre separação de poderes
são mediadas por avaliações sobre a legitimidade e
neutralidade dessas instituições, que variam conforme
experiências políticas contextuais e identificações
partidárias.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
4.1.3. Múltiplas tradições democráticas
Esses dados podem estar revelando a coexistência de
diferentes tradições democráticas no imaginário político
brasileiro. Elementos da tradição “delegativa”
identificada por O’Donnell convivem com elementos
liberais, criando combinações complexas que não
seguem padrões esperados pela teoria democrática
clássica.
Essa interpretação é consistente com características
históricas da democratização brasileira, onde
institucionalidade formal democrática se desenvolveu
em contexto de tradições políticas que enfatizam
liderança carismática e autonomia executiva.
4.2. Implicações para a compreensão da polarização
brasileira
• Primeiro, a polarização não se estrutura
simplesmente ao longo de uma divisão “democráticos
versus autoritários”. Em vez disso, diferentes aspectos
das atitudes democráticas se relacionam de formas
distintas com preferências eleitorais, criando padrões
mais complexos do que dicotomias conceituais
sugerem.
• Segundo, há mais consenso do que divisão em
várias dimensões das atitudes democráticas. Isso
sugere que a polarização pode ser menos profunda
institucionalmente do que aparenta, mesmo sendo
intensa eleitoralmente. O fato de que tanto eleitores
de Lula quanto de Bolsonaro valorizam majoritarismo e
demonstram disposições situacionais para
concentração de poder indica elementos comuns da
cultura política brasileira que transcendem divisões
partidárias.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
4.3. Limitações e caminhos futuros
Nossa análise apresenta limitações importantes.
Primeiro, trabalhamos com dados de um momento
específico (pós-eleições 2022), o que limita inferências
sobre estabilidade temporal dessas atitudes. Segundo, as
associações encontradas, embora estatisticamente
significativas, são de magnitude fraca, indicando que
atitudes democráticas (em relação a essas questões
específicas) explicam apenas pequena porção da
variação nas preferências eleitorais.
Pesquisas futuras se beneficiariam de desenhos
longitudinais que permitam examinar como essas
atitudes evoluem em resposta a mudanças no contexto
político. Adicionalmente, análises qualitativas poderiam
iluminar os mecanismos cognitivos e emocionais que
subjazem aos padrões quantitativos identificados.
5. Conclusões
Esta nota de pesquisa oferece uma perspectiva nova
sobre as atitudes democráticas dos brasileiros através de
um modelo teórico que, inspirado nos dilemas fundantes
das democracias modernas, distingue entre liberalismo
versus majoritarismo e constitucionalismo versus
concentração de poder. Nossos achados revelam um
panorama mais complexo e mais nuançado do que
nossas expectativas iniciais e contribuem para o debate
sobre os desafios que se colocam à democracia
brasileira.
Os brasileiros demonstram forte adesão a princípios
democráticos abstratos, mas essa adesão se torna mais
condicional quando alguns princípios são apresentados
em contextos específicos. Mais importante, as diferenças
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
entre grupos eleitorais são menores e mais contextuais do
que as expectativas sobre polarização sugerem.
Esses achados convidam a repensar tanto as
ameaças à democracia brasileira quanto suas fontes de
resiliência. Se, por um lado, disposições situacionais para
concentração de poder representam vulnerabilidades
potenciais, por outro lado, o amplo consenso sobre
valores democráticos fundamentais sugere bases mais
sólidas para estabilidade institucional.
A democracia brasileira não pode ser compreendida
através de dicotomias simples entre “democráticos” e
“autoritários”. Em vez disso, precisamos de modelos mais
sofisticados que capturem a complexidade e a
contextualidade das atitudes democráticas em
sociedades com democracia instável.
Nossos achados sugerem que o desafio não reside
apenas em extremismo ideológico, mas na tendência
amplamente distribuída de relativizar princípios
democráticos quando estes conflitam com preferências
políticas imediatas.
ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
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ReDem working paper, vol. 2, n. 2, julho 2025
Autoria
Felipe Calabrez
Doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo (EAESP-FGV), com mestrado em
Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e
pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia Representação e Legitimidade Democrática
(ReDem) realizado no Instituto de Estudos Políticos de Paris
(CEVIPOF-Sciences Po).
Adriano Codato
É professor de Ciência Política na Universidade Federal do
Paraná e coordenador do INCT Representação e
Legitimidade Democrática (ReDem).
Roberta Picussa
É doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e pesquisadora pós-doutoral do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Representação e
Legitimidade Democrática - INCT ReDem. Possui mestrado em
Políticas Públicas e graduação em Ciências Sociais. É também
assessora parlamentar da Comissão de Constituição e Justiça
na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná.
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e a Conveniência: o paradoxo da atitude democrática dos
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Principle and Convenience: The paradox of Brazilians’
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2(2), July.
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