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O Professor Construtivista - Um Pesquisador em Acao

O texto discute a importância do Método Clínico de Piaget na prática pedagógica, enfatizando que o professor construtivista deve observar e entender as dinâmicas de aprendizagem dos alunos para promover um ambiente educacional mais reflexivo e democrático. A autora argumenta que muitos educadores ainda se prendem a métodos tradicionais, sem compreender a teoria construtivista, e destaca a necessidade de uma postura de pesquisa constante na sala de aula. Além disso, o texto diferencia conflitos cognitivos, que são produtivos para o aprendizado, de conflitos emocionais, que podem ser prejudiciais.

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O Professor Construtivista - Um Pesquisador em Acao

O texto discute a importância do Método Clínico de Piaget na prática pedagógica, enfatizando que o professor construtivista deve observar e entender as dinâmicas de aprendizagem dos alunos para promover um ambiente educacional mais reflexivo e democrático. A autora argumenta que muitos educadores ainda se prendem a métodos tradicionais, sem compreender a teoria construtivista, e destaca a necessidade de uma postura de pesquisa constante na sala de aula. Além disso, o texto diferencia conflitos cognitivos, que são produtivos para o aprendizado, de conflitos emocionais, que podem ser prejudiciais.

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O PROFESSOR CONSTRUTIVISTA: UM PESQUISADOR

EM AÇÃO
Patrícia Fernanda Carmem Kebach

Introdução
As idéias de Piaget vêm sendo difundidas nos meios educacionais, nos quais os pro-
fessores tentam compreender a complexa teoria do desenvolvimento humano, detendo-se
ora a detalhes relacionados aos conceitos de assimilação e acomodação, ora às faixas etá-
rias atribuídas aos estágios, como forma de classificar as crianças naquilo que elas sabem
ou não fazer: “Esta criança ainda não está apta para compreender este conteúdo”; “Este
menino tem déficit de aprendizagem e deverá ser encaminhado para uma psicopedagoga ou
psicóloga”. São frases que ouvi algumas vezes, citadas por professores e orientadores pe-
dagógicos, alunos meus, que dão seus depoimentos acerca dos acontecimentos vivenciados
em suas escolas e traduzem as confusões teóricas que são realizadas no ambiente escolar.
Ora, será que os estágios ainda são utilizados para classificar as crianças, que, em determi-
nadas faixas etárias, devem já ter compreendido determinado objeto, já que o mesmo, em
sala, foi tão “bem trabalhado” através da exposição de experiências que o “professor” rea-
lizou diante das crianças?
Fala-se muito em construtivismo, até diz-se que esta “moda” já passou. Mas será
que o construtivismo foi realmente compreendido? Já escutei colegas e alunos falarem que
têm como ideal ser construtivistas, mas, na hora de sua prática, a teoria é bem outra, pois
não sabem que decisões tomar frente às situações mais conflitantes e, por isso, presos a es-
quemas clássicos e tradicionais, acabam por reproduzir condutas heterônomas (autoritá-
rias), procurando dar conta de uma situação sobre a qual parece terem perdido o controle.
Foram poucas as obras de Piaget dedicadas à pedagogia, e pequeno o número de re-
ferências que Piaget faz ao Método Clínico. Quase todas estão voltadas para a psicologia
da criança.
Neste texto, meu objetivo é o de trazer idéias que possam contribuir para a reflexão
sobre modos de agir pedagogicamente a partir de uma teoria construtivista. Parto de uma
proposição que, para mim, é essencial: o professor construtivista precisa ter noções do que
seja o Método Clínico, pois é através de uma postura clínica, ou seja, de constante obser-

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vação das condutas, portanto, de pesquisa, que deve agir para orientar seus alunos a toma-
rem consciência dos conteúdos propostos e ultrapassá-los, gerando posturas criativas e re-
flexivas em sala de aula. Desse modo, o Método é fundamental. Falo isso pois meu contato
com o Método Clínico mudou minha forma de pensar estratégias para agir e refletir em sa-
la de aula. Porém, deixo claro que o construtivismo não é um método, e, sim, uma teoria
que permite pensar de que modo o ser humano constrói conhecimento. Essa teoria, entre-
tanto, foi construída a partir de um olhar clínico de Piaget sobre as condutas psicossociais,
ou seja, através de seu método de pesquisa: o Método Clínico.
Com este texto, portanto, busco refletir sobre as questões que me são postas pelos
alunos da pedagogia, em relação à Epistemologia Genética, as práticas de sala de aula,
através desta teoria, ao Método Clínico como ferramenta experimental e, a partir de algu-
mas adaptações possíveis, inclusive como ferramenta dialético-didática que permite um
novo olhar e uma nova postura em sala de aula.

O que é o Método Clínico?


Piaget provavelmente não teria realizado uma teoria sobre o desenvolvimento inte-
lectual (Epistemologia Genética) sem um método de investigação que lhe proporcionasse
as observações empíricas que realizou. Chamou-o de Método Clínico (ou Crítico).
Na introdução do livro A representação do mundo na criança (1926), Piaget forne-
ce dados do que seria seu Método Clínico, só que esta seria sua primeira forma de interro-
gar as crianças clinicamente. Portanto, o que chama de Método Clínico, neste primeiro
momento de suas pesquisas, é ainda sua Entrevista Clínica (VINH BANG, 1996), e não o
Método Clínico definitivo, que adotará mais tarde, entre 1941 e 1951 em colaboração com
Szeminska e Inhelder, na verificação das quantidades físicas, do número, do tempo, do es-
paço etc. Segundo Delval (2002, p.61), “a essência do método não está na conversa, mas
sim no tipo de atividade do experimentador e de interação com o sujeito”. Assim, o Méto-
do Clínico se traduz pelo procedimento, inicialmente, de coleta de dados, através da propo-
sição de determinadas tarefas e execução destas pelas crianças, em que o experimentador
observa as ações e conversa com a criança a propósito da tarefa executada, para seguir seu
pensamento e, depois, analisa estes dados que devem ser registrados (através de gravado-
res, vídeos, anotações, etc.).
Carraher (1983) aborda um fato muito importante: “Aprender a observar em psico-

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logia constitui um esforço enorme para a maioria das pessoas porque é necessário que ten-
temos abandonar nossa perspectiva particular, o nosso modo de ver as coisas” (p. 9).
Piaget observou que os testes estandardizados (como o de Binet, por exemplo) es-
condiam a lógica do sujeito (ou pré-lógica) ao responder as questões padronizadas. Dessa
forma, um sujeito até poderia estar dando a resposta correta, mas, por acaso. Ele poderia
não ter operado de modo lógico para responder tal questão. Enquanto uma criança que teria
respondido de modo errado, poderia estar seguindo uma lógica pré-operatória, centrada na
percepção dos fatos - lógica transdutiva12 (PIAGET, 1978) em que a criança relaciona os
elementos de modo que um elemento da classe é pego para explicar o todo – e, nesse caso,
a criança ainda não conseguiria estabelecer relações e coordenações entre os fatos de modo
operatório. Porém, ainda assim, poderia estar mais próxima da resposta correta do que
aquela que respondeu certo por acaso, sem ter feito nenhum raciocínio para ter chegado a
tal solução. Assim, Piaget cria o Método Clínico, inspirado na Psicanálise, partindo do su-
posto de que se deve investigar as percepções, as ações e sentimentos infantis, buscando
analisar os mecanismos profundos do pensamento para compreender também os erros. O
que estaria faltando, afinal, para que uma criança que responde de modo errado compreen-
da um problema proposto? Esse modo de encarar uma pesquisa sobre a estruturação do
pensamento é revolucionário e desmancha conceitos antigos ancorados no empirismo e no
apriorismo:
- Primeiro, porque o pesquisador deve seguir o pensamento da criança, pro-
curando compreender sua lógica, exigindo assim um esforço de descen-
tramento por parte do adulto de não sugestionar a criança, não procurar
que ela responda aquilo que se deseja, proporcionando a reflexão a partir
das proposições da problemática;
- Segundo, porque é preciso formular provas referentes ao assunto que deve
ser trabalhado (pesquisado) a partir de hipóteses pré-determinadas e criar
meios de aplicá-las, em função do pensamento espontâneo da criança em
relação ao assunto pesquisado;
- Terceiro, porque existe uma técnica de aplicação da metodologia clínica
que deve ser respeitada (perguntas de antecipação, justificativas, contra-
argumentos, retorno ao ponto de partida), o que não é tarefa muito sim-

12
Lucienne, com 4;10 (12), diz sobre uma tarde sem sesta: “A gente não fez sesta, então não é de tarde“
(Piaget, 1946, p. 297).

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ples.
Assim, para compreender a gênese e o funcionamento do pensamento representati-
vo13 na criança, foi que Piaget criou o Método Clínico, ultrapassando o método de obser-
vação pura e dos testes estandardizados, por colocar em questão a sistemática de afirma-
ções do sujeito, não para medir a solidez de suas convicções, mas para seguir sua lógica
profunda, em suas performances funcionais, suas crenças espontâneas, e na estrutura de um
certo estado de desenvolvimento (VINH BANG, 1996).
Quando falo em “um certo estado de desenvolvimento”, estou me referindo aos es-
tágios piagetianos. Mas, afinal, o que são e para que servem? Os Estágios (ou estádios,
conforme Lino de Macedo, em conversa pessoal) são mecanismos de desenvolvimento do
espírito, ou seja, caracterizam-se por uma tendência a organizar sem cessar experiências e
a guardar seus resultados em vistas a tentativas ulteriores.
Por um lado, podemos considerar que os Estágios estão ligados a uma maturação
estrutural, mas que é, por outro, correlativa às influências das experiências e do meio social
e físico.
Piaget (1983) fala o seguinte sobre os estágios:
a) Um estágio é definido por sua estrutura, sua organização.
b) A ordem de sucessão dos estágios é constante.
c) Cada estágio integra as estruturas de conhecimento adquiridas no estágio prece-
dente. Não há reposição de condutas por outras, mas integração.
d) Cada estágio contém um período de preparação e um período de acabamento
com os desequilíbrios.
e) Não existem estágios rígidos: as idades são apenas médias. Uma criança que
pertence a um estágio, em relação a um determinado conteúdo, pode pertencer a
outro mais ou menos avançado, se propusermos conteúdos diferenciados. A is-
so, chamamos de decalagens.
Portanto, com base nessas proposições, o valor dos estágios para a pedagogia está
ligado ao fato de que a causalidade científica não é inata, ela é construída gradativamente.
“Cada estágio de desenvolvimento é muito menos caracterizado por um conteúdo fixo de
pensamento do que por certo poder, certa atividade potencial, suscetível de atingir este ou
aquele resultado segundo o meio no qual vive a criança” (PIAGET, 2006, p.173).

13
Como os sujeitos estruturam os objetos mentalmente, a lógica e o simbolismo das representações men-
tais.

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É através de um olhar clínico, isto é, através de seu Método, que Piaget identificou
os quatro estágios de desenvolvimento: sensório-motor14, pré-operatório, operatório con-
creto e operatório formal.
Desse modo, para além de uma análise sobre as condutas psicológicas gerais, que
caracterizam o funcionamento da estruturação cognitiva universal humana, Piaget identifi-
cou, através do Método Clínico (em suas várias formas – Entrevista Clínica, Observação
Clínica e Método Clínico –, como o compreendemos atualmente: reunião de observação
sobre as condutas e sobre as falas das crianças), características universais em determinadas
faixas etárias, lá aonde podemos encontrar a gênese, a origem da estruturação da inteligên-
cia: nas condutas infantis. Mas, então qual seria o valor pedagógico da utilização do Méto-
do Clínico? Como sair de um quadro experimental para um quadro dialético-didático? O
que isto tem a ver com os professores? Afinal, o que a Psicologia tem a ver com a Educa-
ção? Penso que conhecer o Método Clínico de Piaget tem seu valor pedagógico neste sen-
tido: compreender uma determinada estrutura de pensamento e possibilitar à criança toma-
das de consciência sobre o assunto que está sendo abordado, fazendo-a progredir em seu
conhecimento sobre determinado conteúdo e generalizando esta construção, isto é, apli-
cando este saber em outras situações. Se utilizarmos, não as provas, mas a forma de aplica-
ção das mesmas em sala de aula, ou seja, propusermos uma situação a ser pensada coleti-
vamente, procurarmos desequilibrar as crianças com contra-argumentos e novas investidas
de organização sobre os objetos, estaremos proporcionando momentos de real pesquisa em
sala de aula. Vejamos o porquê.

O professor pesquisador
Minha experiência como pesquisadora em psicologia do desenvolvimento forneceu-
me pista incrível de como devo agir com meus alunos em sala-de-aula, como já disse. De-
senvolvendo o Método Clínico em minhas pesquisas, aprendi que não se pode ser um bom

14
É importante ressaltar aqui que existe um método para observar as crianças que ainda não falam, especi-
almente as do estágio sensório-motor e primeiro período do estágio pré-operatório. O tipo de investigação
utilizada pela Epistemologia Genética para observar as crianças de zero a quatro anos, a partir do Método
Clínico, é chamada de Observação Clínica, em que situações são criadas para observar especialmente as
ações da criança. Por exemplo, o experimentador esconde um objeto em frente à criança e verifica se ela pos-
sui a capacidade de conservá-lo em forma de representação mental. Isso só ocorre por volta dos oito meses.
Ou seja, o experimentador verifica se a criança já chegou na fase do objeto permanente, segundo uma termi-
nologia piagetiana, observando se a criança busca remover a barreira que está na frente do objeto escondido .

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professor sem compreender processos de aprendizagem. Acho mesmo que é por isso que
os docentes se perdem em situações delicadas e voltam a reproduzir quadros empiristas em
suas aulas. Se não se verifica na prática (observação de dados empíricos) como o ser hu-
mano constrói conhecimento, não é possível proporcionar situações de progressão das
aprendizagens dos alunos. Portanto, conhecer meios de desafiar os alunos através de uma
postura dialético-didática (BOVET, PARRAT-DAYAN & VONÈCHE, 1987), propor tare-
fas interessantes e significativas e observar suas ações, deduções e induções, experimenta-
ções, livres ações, trocas de pontos de vista, conflitos cognitivos, pesquisas coletivas, é ne-
cessário para que se possa partir de uma postura construtivista. O professor construtivista,
assim, deve ter noções básicas de psicologia do desenvolvimento e metodologia clínica, em
termos de observação e análise das situações observadas, para tornar-se um pesquisador de
suas próprias ações docentes e das ações discentes, procurando melhorar sua prática peda-
gógica. Desse modo, o Método Clínico, mais que uma ferramenta experimental, fornece
dados de como agir pedagogicamente.
Os professores devem conhecer o seu papel dentro de sala de aula para que este
ambiente seja o mais democrático possível, instaurando uma rede de relações entre os alu-
nos, que juntos, orientados pelo professor, desafiados por ele, devem pesquisar, construin-
do para si os conhecimentos em jogo.
Ajudar os alunos a ultrapassar os limites de conhecimento sobre um determinado
conteúdo deve ser o alvo da educação (LA TAILLE, 2003). Isso tem total relação com um
quadro de autonomia e reflexão progressiva e é radicalmente diferente da “imposição de
limites” da escola tradicional. Por quê? Ora, porque as regras devem ser construídas inter-
namente pela compreensão dos fatos, e não impostas de fora, por um quadro heterônomo,
isto é, autoritário. O papel dos conflitos sócio-cognitivos (PERRET-CLERMONT, 1996)
diante de uma produção experimental coletiva é essencial para o exercício da democracia.
Cada um pode dar sua opinião, desde que se faça compreender pelos demais e de que res-
peite a opinião do outro, sem precisar necessariamente abandonar sua própria opinião. Isso
é diferente da emergência dos conflitos sócio-emotivos (idem), que, ao contrário, não são
produtivos, pois a solução conjunta é impedida. Através deles (conflitos sócio-emotivos),
os sujeitos, ao invés de se perturbarem em busca de uma solução conjunta para uma pro-
blemática, não aceitam as opiniões dos colegas e, muitas vezes, nem dos professores, pela
falta de reciprocidade, de respeito mútuo e pelas coerções existentes em determinadas rela-
ções assimétricas. Os conflitos, portanto, são necessários, mas as formas de serem desen-

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cadeados podem ser produtivas ou improdutivas, conforme suas emergências. Um conflito
emocional, portanto, é diferente de um conflito cognitivo. São esses últimos, através das
trocas argumentativas, do diálogo entre “diferentes” que devem ser incentivados, tomando
o cuidado de se ocasionar confrontos de ponto de vista o menos heterônomos possíveis 15.
O professor deve estar atento a isso. O ideal de democracia nasce exatamente do exercício
da mesma já em sala de aula, em que trocas de pontos de vista são incentivadas, as refle-
xões conjuntas e a cooperação. A co-construção de normas permite a criação de um clima
de cidadania. Sobre isto, Parrat-Dayan sugere que

A democracia supõe a intersubjetividade e o diálogo argumentado. O comporta-


mento democrático supõe diferentes valores como tal; a coerência ética, o espíri-
to crítico, o rigor argumentativo, a colaboração solidária e a crítica construtiva.
Assim a democracia se torna uma atitude do dia a dia. E o professor encaminha
as crianças com seu método, a elaborar seus pontos de referência (2005, p.281).

A prática do Método Clínico supõe um quadro democrático, na medida em que o


experimentador procura diminuir ao máximo as assimetrias entre adulto e criança, respei-
tando-a e pedindo-lhe que ajude a refletir sobre algo que “desconhece”. Devemos ter em
mente que a criança sempre procura agradar ao adulto e tenta, portanto, verificar suas ex-
pressões e atitudes para ver se está dando a “boa resposta” 16. Na medida em que o adulto
lhe diz que também está procurando compreender a “boa resposta”, a criança fica mais à
vontade para refletir. O mesmo deveria ser feito em sala de aula: os professores não deve-
riam negar às crianças, embora o façam às vezes de modo inconsciente, o direito de refle-
xão, exigindo repetição de respostas prontas.
Assim, os professores deveriam possuir uma formação não somente pedagógica,
mas também clínica. Mas, o que é uma formação clínica? Minha proposição está de acordo
com Perrenoud (1991), quando este diz que o professor “clínico” é aquele que, diante de

15
A cooperação absoluta é apenas um ideal. Segundo Piaget, existem todos os níveis de coerção nas tro-
cas sociais, por mais respeito que possa existir entre duas pessoas.
16
Não são somente as crianças que querem agradar ao professor. Existe, na maioria das vezes, uma aura de
respeito que envolve a figura do professor herdada de anos de heteronomia instaurada em sala de aula e, tam-
bém, como explica a psicanálise, pela idealização do outro, transferência necessária ao mestre para que se dê
a aprendizagem. O professor deve, sim, ter autoridade, no sentido de conhecer bem o seu conteúdo e das
transferências positivas, e não no sentido de “autoritarismo”, pois os alunos precisam amar e respeitar o mes-
tre para que as coisas que diga tenham valor. Portanto, também nas trocas entre professor e alunos adultos, as
assimetrias devem ser diminuídas com uma postura docente que autorize os discentes a expor suas idéias, a
criar algo novo e a trocar informações experimentais com os colegas. A postura de autoridade conferida pelo
saber, respeito mútuo e a humildade deve ser o foco do professor construtivista.

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uma situação problemática e complexa, através de instrumentos teóricos e práticos conse-
gue:
a) medir a situação;
b) imaginar uma intervenção supostamente eficaz;
c) realizá-la;
d) avaliar sua eficácia aparente;
e) ajustar sua conduta pedagógica.
Portanto, ensinar não consiste nem em aplicar cegamente uma teoria, nem em se
conformar com um modelo. É, antes de tudo, resolver problemas, tomar decisões, agir em
situações incertas e seguidamente urgentes. Por isso, o professor precisa conhecer se o que
propõe para seus alunos é realmente significativo para eles. Deve também propor ativida-
des que despertem o interesse das crianças. Resumidamente, seu papel consiste em propor
atividades de pesquisa, desafiar seus alunos e orientá-los, através de uma postura clínica. O
aluno deve sempre ser ativo em sala de aula. A passividade só leva à reprodução sem signi-
ficado.
Sem querer aprofundar o assunto neste texto, proponho que a escola tradicional co-
labore com o processo de reprodução do habitus,17 conforme Bourdieu (2005). No ensino
tradicional, transmite-se e impõe-se, via de regra, padrões culturais que se tornaram mode-
los, através de um processo histórico-cultural de valorização de certos conteúdos como
bem simbólico. Há reprodução e, portanto, legitimação de obras que representam a hierar-
quia dos bens culturais válidos dentro de uma sociedade, em um dado momento. “No en-
tanto, se a escola define o ideal, dificilmente cumpre o papel de fornecer a todos os meios
para alcançá-lo” (PENNA, 1990, p.24). A escola não compreende processos de aprendiza-
gem, não compreende (ou não quer compreender...) que a Educação deve ser “para todos”,
para a formação de cidadãos autônomos, criativos e livres e, finalmente, não valoriza o pa-
pel da ação e do interesse nos processos gerais de aprendizagem, mas sim, o da reprodução
que garante um sistema excludente. Insisto neste ponto, por achá-lo crucial.
Mas como a escola tradicional poderá agir de modo a levar em conta o interesse da
criança se, para começar, ela pensa que as estruturas do pensamento da criança já estão
prontas, que é o funcionamento entre adultos e crianças que se diferencia? Para o constru-

17
Reprodução aqui tem o sentido de seqüências estratégicas ordenadas e orientadas de práticas inconsci-
entes ou conscientes, que todo o grupo produz para reproduzir-se enquanto grupo, legitimando privilégios ou
condutas culturais diversas, neutralizando-as. Essas estratégias não são percebidas como tais pelos agentes
(BOURDIEU, 2005, p. 11).

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tivismo, o oposto é que é verdadeiro, isto é, o funcionamento de adultos e crianças é igual e
as estruturas se diferenciam.
Em primeiro lugar, vejamos como a Epistemologia Genética encara a criança, em
relação ao adulto.

Os processos de aprendizagem e a criança, segundo a Epistemologia Genética


Para a Epistemologia Genética, a criança é um instrumento de inteligibilidade, de
compreensão das condutas humanas. No plano teórico, ela é um instrumento de análise pa-
ra explicar o desenvolvimento do conhecimento dos mecanismos de aprendizagem. No
plano prático, observa-se, através dela, o problema da “eficiência” do ensino-aprendizagem
e da formação do adulto. Portanto, para o professor, o essencial é saber sobre quais crité-
rios interagir com as crianças, ou seja, sobre quais critérios fundar as regulações favore-
cendo as aprendizagens sólidas (SAADA-ROBERT, 1999).
Segundo a teoria piagetiana, a infância é uma fase de atividade contínua de estrutu-
ração, via adaptação, cuja origem está na indiferenciação. Assim, é uma etapa biologica-
mente útil de adaptação progressiva ao meio físico e social para chegar ao equilíbrio entre
assimilação e acomodação, através de diferenciações entre as propriedades do objeto a ser
investigado e integração das mesmas em patamares superiores de estruturação mental.
Eis-nos, novamente, diante dos conceitos de assimilação e acomodação... No que
realmente consistem? A gênese e o desenvolvimento do pensamento representativo na cri-
ança ocorrem na passagem pelas atividades sensório-motoras em direção às atividades ope-
ratórias, em diversos níveis representativos egocêntricos. Esse pensamento representativo
atinge as formas de imitação, jogo simbólico e representação cognitiva, todas solidárias
umas com as outras, na equilibração progressiva da assimilação e da acomodação, as quais
constituem os dois pólos de todo o processo de adaptação (PIAGET, 1978).
A linguagem é um fator muito importante de formação e socialização das represen-
tações. Porém, o pensamento representativo não começa pela linguagem. Ela só começa a
ser estruturada de forma mais plena a partir de um ano e meio a dois anos, acompanhando
o início da função simbólica (ou semiótica), a qual possibilita a evocação de acontecimen-
tos ocorridos no passado e a antecipação de eventos que ainda não ocorreram. Mas certa
coerência verbal, mesmo que pré-operatória, ocorre apenas a partir dos quatro anos de ida-
de. Portanto, antes dos quatro anos em média, é difícil a aplicação das provas clínicas pro-

49
curando observar os aspectos verbo-conceituais da criança. Realiza-se, portanto, a Obser-
vação Clínica (conforme a conceituamos em nota de rodapé, acima).
O desequilíbrio entre as assimilações e acomodações, devido ao autocentramento
do sujeito, vincula-se ao pré-conceito, que é uma representação egocêntrica, pré-operatória.
Quando predomina a assimilação, a representação egocêntrica caracteriza-se pelo domínio
da “subjetividade” em relação aos processos objetivos (sejam eles relativos aos objetos
e/ou às interações entre os sujeitos). Exemplo disso aparece quando as crianças pequenas
pegam um objeto qualquer e brincam que ele é um carrinho, fazendo-o percorrer os móveis
da casa e dizendo “vrummmm”. Pelo contrário, quando predomina a acomodação, o viés
objetivo das representações se sobressai, ‘apagando’ a presença do sujeito nas interações
com os objetos e outros sujeitos. Por exemplo, quando uma criança pequena procura imitar
tudo o que a maior faz. Ao contrário, quando o equilíbrio se estabelece entre os dois pólos
da adaptação, o sujeito constrói os conceitos e, portanto, começa a operar sobre os objetos
de forma descentrada. Por exemplo, somente quando as crianças conseguem realmente
compreender as regras de um jogo simples, como o de dominó, é que estarão aptas para re-
alizar condutas sociais baseadas nos princípios de coordenação de pontos de vista e coope-
ração, portanto, de descentramento, buscando coordenar suas ações com a de outras crian-
ças. Antes disso, por falta de compreensão do sistema de regras, agem por conta própria,
pensando que suas ações estão sendo compreendidas pelos outros. Os pequenos, num pri-
meiro momento, regulam-se apenas por imitações das ações externas sem compreendê-las
realmente, quando jogam coletivamente jogos de regras.
Encontramos, pois, o seguinte processo evolutivo: quando a acomodação predomi-
na sobre a assimilação, há imitação representativa, e, quando a assimilação predomina so-
bre a acomodação, há jogo simbólico. Na medida em que buscam um equilíbrio, há uma
representação cognitiva, mas que se restringe ao pré-conceito ou à intuição, quando um dos
pólos ainda predomina sobre o outro. Nesse último caso, a assimilação é direta e sem en-
caixes hierárquicos, e a acomodação ainda é ligada a imagens particulares. Somente atra-
vés do equilíbrio cognitivo e do descentramento é que o sujeito chegará ao nível operatório
através da reversibilidade, ligada a este equilíbrio entre a assimilação e a acomodação ge-
neralizadas (PIAGET, 1978, p 346). Antes disso, o pensamento do sujeito encontra-se no
nível pré-operatório, ou intuitivo. Esse trânsito até o nível operatório é um processo de
construções de estruturas que constituem o real, as quais orientam a invenção e a compre-
ensão de um fenômeno ou um evento (PIAGET, 1967).

50
Resumidamente, o processo organizador pela adaptação é característico do desequi-
líbrio pelo exercício e pelos jogos e se refere a uma acomodação contínua, mais vinculada
à imitação, ou seja, uma necessidade de ação para adaptar-se, e a uma assimilação contí-
nua, através da qual preferencialmente se constituem os jogos simbólicos ou de exercícios,
que poderíamos considerar como objetos interessantes, que constituem alimentos para a
própria atividade.
O problema é que a escola tradicional não compreende o papel do jogo na constru-
ção de conhecimento. Restringe-se a considerar superficialmente o papel da imitação, po-
rém sequer a que seja espontânea, que é a que realmente desenvolve os sujeitos de modo
complementar às suas assimilações. Assim, podemos pensar que o ensino tradicional visa a
sujeitos “acomodatícios”, aqueles que repetem respostas prontas, sem refletir, sem criar,
“sem compreender!”, conforme já dissemos, apenas para agradar aos seus professores, di-
ferente da Escola Ativa, que resgata a importância do jogo como fator fundamental na
construção do conhecimento, como alimento funcional à assimilação do real ao eu.
Tanto os jogos de exercício sensório-motor (comportamento de simples exercício),
quanto os jogos simbólicos (de imaginação) têm uma função fundamental no desenvolvi-
mento emocional e cognitivo: biologicamente, desenvolvem órgãos e condutas, psicologi-
camente, proporcionam a incorporação das coisas à própria atividade. As crianças repre-
sentam acontecimentos passados para reviver coisas ainda não assimiladas. O jogo simbó-
lico é característico do pensamento individual em sua forma mais pura, em oposição ao
pensamento racional socializado. O construtivismo deve aproveitar essas transições espon-
tâneas entre o jogo e o trabalho, como forma de proporcionar um ambiente rico em real
aprendizagem, ou seja, um ambiente de pesquisa.

E a pesquisa, o que é?
Mas, o que significa mesmo pesquisa? A pesquisa é um modo de apropriação ativa
de conhecimentos. Pesquisar, segundo Perrenoud (1991), significa:
- Vontade de aprender, de elucidar, de descobrir os mecanismos escondidos,
as causas, as interdependências;
- Tarefa de abertura criativa a um caminho incerto;
- Mistério estimulante, aventura intelectual;
- Invenção ou adaptação de métodos de observação e análise;

51
- Confrontação de pontos de vista diferenciados, resolução de conflitos só-
cio-cognitivos.
Perrenoud (idem) nos diz, ainda, que com Piaget e a Psicologia Genética, podemos
dizer que uma criança que se desenvolve e aprende é um “pesquisador”, pois ela procura
compreender o mundo agindo sobre ele. Nesse sentido geral, a pesquisa é um seguimento
de desequilíbrios e equilibrações, de desorganizações e de reestruturações, de momentos de
generalização, de diferenciação, de coordenação dos conhecimentos e de esquemas de pen-
samento adquiridos.
Numa sala de aula construtivista, professores e alunos agem continuamente, pesqui-
sando com vistas à apropriação de seus objetos de investigação: no caso das crianças, os
objetos que lhe são oferecidos em forma de tarefas e desafios propostos pelo professor. No
caso do professor, seu objeto de pesquisa refere-se aos processos de aprendizagem em sala
de aula, às condutas psicossociais realizadas entre os alunos, às formas que deve agir para
ajudar os alunos a ultrapassar os próprios limites, avançando progressivamente em suas
construções, de modo autônomo e cooperativo.

Conclusões
Procurei, neste texto, retomar questões importantes da Epistemologia Genética, no
que diz respeito a uma postura pedagógica construtivista, em que o professor deve sempre
procurar investigar e, portanto, pesquisar as ações exercidas em sala de aula, do ponto de
vista das condutas discentes e, também, de suas próprias condutas.
Exercer uma postura construtivista significa aproveitar as tendências próprias e ati-
vidades espontâneas da criança. A busca contínua é uma necessidade do ser humano. A in-
teligência é adaptação por excelência, ou seja, é construção contínua estruturante que im-
plica, ao mesmo tempo, formas elaboradas pelo sujeito; num ajustamento contínuo dessas
formas aos dados da experiência por regulações ativas. Desse modo, a razão é constituída
numa relação indissociável entre dedução e experiência. O interesse é o aspecto dinâmico
da construção da inteligência. Portanto, o trabalho obrigatório, segundo Piaget (2006) é
uma anomalia. A atividade fecunda é aquela que tem a ver com o interesse da criança. As-
sim, quando falamos em atividade, estamos nos referindo não a uma operação exterior mo-
tora, no sentido de efetuação, mas sim ao sentido funcional de uma conduta baseada no in-
teresse. Nossa proposição, a partir da Epistemologia Genética, é a de que, para agir peda-

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gogicamente de modo diferenciado, é preciso compreender a significação da infância, a es-
truturação do pensamento, as leis de desenvolvimento e os mecanismos da vida social in-
fantil.
No ensino tradicional, a vida social entre crianças não é valorizada em sala de aula.
O trabalho em grupo reduz-se à justaposição de trabalhos individuais. O professor é reves-
tido de um autoritarismo intelectual e moral. Portanto, o aluno lhe deve obediência. O cará-
ter de pressão (coercitivo) aparece somente no caso de não submissão, pois, em funciona-
mento normal, essa pressão pode ser suave e aceita pelo aluno, já que está neutralizada por
anos de reprodução, de heteronomia, em sala de aula.
Um professor construtivista deve compreender que sua ação é a de mediador das re-
lações de pesquisa coletiva entre os alunos, valorizando a vida social entre as crianças (tro-
cas entre os alunos, conflitos sócio-cognitivos, pesquisa coletiva), visando a uma socializa-
ção progressiva através do trabalho em equipes e self government18. Ele deve, portanto, es-
tar ali, atento aos questionamentos, aos processos de aprendizagem, aos conflitos cogniti-
vos que surjam em meio às pesquisas em grupo e agir de acordo com uma postura que leve
à reflexão e à criatividade por parte dos alunos.
Finalmente, o exercício da cooperação (reciprocidade entre indivíduos) e do respei-
to mútuo é essencial para a autonomia da consciência humana e educa o espírito crítico, a
objetividade e a reflexão. O professor deve criar situações em que a colaboração efetiva e a
disciplina autônoma do grupo, exercida pelo respeito às regras criadas coletivamente pelos
integrantes do ambiente escolar, e não somente pela submissão exterior a regras impostas
pelo professor, conduzam a valores especiais tais como a justiça baseada na igualdade e na
solidariedade.

Patrícia Fernanda Carmem Kebach. Doutoranda e Mestre em Educação (UFRGS). Gra-


duada em Comunicação Social. Professora nas áreas de Psicologia do Desenvolvimento,
Método Clínico, Educação Musical e Gestão Educacional. Bolsista CNPq. Integrante do
NEEGE. [email protected]

18
“O selfgovernment é um procedimento de educação social que tende, como todos os outros, a ensinar
os indivíduos a saírem do seu egocentrismo para colaborarem entre si e a se submeterem a regras comuns”
(PIAGET, 1998, p. 119). “(...) na medida em que, no terreno do trabalho escolar, há lugar para a verdadeira
atividade da criança, ou seja, para a livre pesquisa conjunta, essa espécie de selfgovernment intelectual cons-
tituído pela educação ativa da razão favorece evidentemente o sucesso do selfgovernment moral que lhe é pa-
ralelo” (idem, p.122)

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