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O livro 'Desejo de Justiça' narra a história de Gabriel e Guilherme Goulart, irmãos que, após a tragédia familiar, se tornam defensores da justiça em Curitiba. Gabriel, um investigador determinado, se vê em um dilema quando seu irmão defende uma mulher acusada de um crime hediondo, enquanto ele acredita em sua culpa. A trama explora a busca pela verdade e a complexidade das relações familiares em meio a um caso criminal.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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O livro 'Desejo de Justiça' narra a história de Gabriel e Guilherme Goulart, irmãos que, após a tragédia familiar, se tornam defensores da justiça em Curitiba. Gabriel, um investigador determinado, se vê em um dilema quando seu irmão defende uma mulher acusada de um crime hediondo, enquanto ele acredita em sua culpa. A trama explora a busca pela verdade e a complexidade das relações familiares em meio a um caso criminal.
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Desejo

de Justiça

V. Totta

Rio de Janeiro
2019
Copyright © 2019
Editora Responsável - Valéria Rodrigues
Revisão - Sabryne Matos
Arte Capa - Valéria Rodrigues
Diagramação - Valéria Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Ficha Catalográfica feita pela Autora.)

T718
Totta, V / Desejo de Justiça / V. Totta
Rio de Janeiro - 2019
ISBN 978-85-5832-003-0
1. Literatura Brasileira. I. Título.
CDD: B869
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos,
incluindo ainda o uso da internet,
sem permissão expressa da Autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).
Todos os direitos desta edição reservados pela.

@vtotta
[email protected]
Sinopse

Após sua família ser brutalmente destruída, Gabriel Goulart e seu irmão Guilherme prometeram,
diante do túmulo do pai que seriam homens de bem e justos. E assim o fizeram. Guilherme se torna
um grande advogado respeitado e Gabriel o mais jovem, eficiente, implacável e determinado
investigador da cidade de Curitiba.
Quando um crime hediondo assola a cidade, Gabriel assume o caso e rapidamente chega ao
assassino. Porém, o que jamais poderia esperar é que o irmão assumisse a defesa da acusada.
Enquanto Guilherme acredita na inocência de sua cliente, Gabriel está disposto a tudo para
provar que Monique é uma loba em pele de cordeiro.
Te convido a embarcar nessa história e, junto com os irmãos, buscar a verdade e a justiça.
Independente dos sentimentos envolvidos
Agradecimentos...

Agradeço primeiramente a Deus, pois tudo que conquisto devo a ele e é porque ele permite.
Agradeço também a cada amigo, cada Beta, cada amigo blogueiro como a Su, e cada pessoa
que torce por mim, cada pessoa que cruzou minha jornada, mesmo que agora não esteja mais
caminhando ao meu lado. Se você acreditou no meu trabalho, obrigada.
Tem também aquelas pessoas especiais, que estão ao meu lado desde o início e que quando eu
fraquejo, elas me empurram, muitas vezes acreditam mais no meu trabalho que eu mesma. Ari, Ma,
Nath, Sabry, sem vocês, eu definitivamente não estaria aqui. Obrigada por me darem o “tapa” que
eu preciso.
Agradeço a Métrica, por apostar em mim e me dar essa grande oportunidade.
Agradeço ao meu marido, que me incentiva e me ajuda no que é possível, principalmente,
acredita no meu sonho. Obrigada, amor.
Agradeço a minha família, que está do meu lado, me apoiando no meu sonho.

E agradeço a você, leitor, que é a parte principal da realização desse sonho, porque é por
vocês e para vocês que eu escrevo.

Muito obrigada a todos vocês que fazem o “Desejo de Justiça”, um sonho possível.
Dedico esse livro a meus filhos, Renato, Eduarda e Vitória. Para que eles saibam que quando a
gente luta pelos nossos sonhos, eles se tornam possíveis. Basta acreditar!
Prólogo

Fabiana colocou as mãos diante do rosto e deixou seu corpo escorregar até o chão. Quando se
sentou, abraçou suas próprias pernas e chorou. Um choro sentido, que doía no fundo do peito.
Há alguns dias sua vida parecia quase perfeita. Morava com sua melhor amiga, aquela que
considerou como irmã a vida inteira, porém, agora havia descoberto ter sido traída por ela da forma
mais inescrupulosa possível. E se não bastasse isso, haviam as últimas brigas com Marcelo. Ele
estava se mostrando tão instável e estranho, os problemas dele com sua empresa só pioravam e ele
acabava descontando nela. O relacionamento deles que, até então, era perfeito, com planos e
promessas de casamento, havia se tornado um pesadelo.
Fabiana se sentia tão cansada, tão exausta.
Depois daquela terrível discussão com Monique, ela só queria poder voltar no tempo. Um tempo
onde ela sentia-se feliz, apesar da eterna saudade dos seus pais.
Secando as lágrimas com força, Fabiana se levantou e respirou fundo. Ela resolveria tudo. Não
era a primeira vez que precisava superar uma situação difícil e não seria a última.
Quando se aproximou da mesa da cozinha, pegou seu celular, disposta a ligar para Monique e
resolver essa situação de uma vez. E se ela precisasse fazer uma escolha, faria. Fabiana já havia se
decidido. No entanto, antes de discar o número, ouviu a campainha tocar. Pensou duas vezes antes de
atender, mas, diante da insistência, não teve outra opção. Como o porteiro não anunciou ninguém,
acreditou ser Rita, que estava indo para Alemanha e provavelmente tinha ido se despedir.
Mas quando ela abriu a porta, se surpreendeu.
— Você? — ela respirou fundo e forçou um sorriso — Precisamos conversar.
— Precisamos mesmo.
Fabiana caminhou até a janela e afastou um pouco a cortina apenas para olhar o movimento na
rua.
— Não posso acreditar no que você fez, eu nunca imaginei que você fosse me magoar dessa
forma, mas...
Antes que pudesse terminar de falar, Fabiana sentiu um pano com um cheiro forte sobre sua boca
e nariz. Ela gritou, mas logo começou a ficar tonta e sentiu algo afiado perfurar sua pele, na altura do
seu peito. A dor lancinante a fez se debater e a pressão em seu rosto cedeu um pouco. Enquanto
tentava se desvencilhar, sentiu seu cabelo ser puxado e seu rosto ser arremessado contra a parede,
uma, duas, três vezes.
Fabiana ficou ainda mais tonta e tentou se equilibrar, segurando na cortina. Entretanto, seu corpo
ainda cambaleou antes de sentir outra apunhalada, depois outra e mais outra.
Ela estava fraca, tentou fugir, mas logo foi agarrada, antes de sentir o pano novamente sobre seu
rosto. Chutou e se debateu, sabendo que quebrava as coisas, sem se importar. Mas quando sentiu
outras apunhaladas, simplesmente desistiu.
Os olhos de Fabiana se encheram de lágrimas enquanto ela suplicava por sua vida. Mas tudo que
ela ouviu foi uma risada de satisfação. Quando ela tentou se virar e encarar a pessoa nos olhos,
apenas viu uma frieza desumana.
Sentiu mãos apertarem seu pescoço antes de ela quase perder os sentidos e enquanto seu corpo
era arrastado até o banheiro, ela se deixou levar.
Quando seu corpo foi jogado dentro da banheira, Fabiana ainda tinha uma fina linha de vida e de
consciência, porém, já não lutava mais por ela. Afinal, iria finalmente se encontrar com seus pais e
aquela angústia toda dos últimos dias sumiriam. Ela ficaria em paz!
Capítulo Um

Gabriel fitou aquela moça de corpo esbelto, cabelos lisos e negros, grandes olhos também
negros, cansados e avermelhados, destacados por olheiras de quem não dormia há dias. Estava bem
mais magra do que a última vez que ele a viu. As algemas estavam largas em seus pulsos. Ainda
assim, com a aparência cansada, ele podia dizer que ela era linda.
Só que aquele rosto delicado não enganaria o experiente investigador Gabriel Goulart. Claro que
não! Ele sabia o que ela havia feito, a barbaria que havia cometido e não se deixaria enganar por
aquele rosto angelical.
Três longas semanas se passaram desde que Gabriel começou aquela investigação e a princípio
ele não desconfiara dela. Mas agora? Não havia nada no céu nem na terra que o fizessem mudar de
ideia. Ela era culpada e pagaria pelo crime que cometeu.

Sentada diante da mesa do investigador Gabriel, Monique não conseguia imaginar uma maneira
de se livrar do seu futuro. Ela estava perdida e não havia nada que ninguém pudesse fazer por ela.
— Você tem um advogado que a represente? — Gabriel perguntou rispidamente e Monique
apenas balançou a cabeça negativamente.
Ela estava na cidade há pouco mais de um ano e, além de Fabiana, não havia ninguém que
pudesse ajudá-la. Aliás, nem Fabiana poderia mais ajudá-la neste momento.
— A senhorita entende a gravidade da sua situação? — Gabriel perguntou ainda impassível a ela.
— Pelo visto, eu já fui condenada, investigador. Não vejo como um advogado poderia me ajudar
— ela respondeu sem emoção na voz.
— Primeiro, você ainda não foi condenada. E, segundo a constituição, você tem direito a um
advogado. Já que você não dispõe de um, o estado lhe fornecerá um público, que cuidará da sua
defesa.
Monique apenas assentiu.
— Preciso pegar novamente seu depoimento. — O investigador Gabriel disse, fazendo um sinal
para que o escrivão entrasse para digitar o depoimento de Monique.
— Não há nada de diferente a dizer, tudo que eu lhe contei no primeiro depoimento, eu reforço.
Eu não estou men...
Ela parou ao encarar o investigador, que tinha uma expressão sarcástica no rosto. Não havia
porque ela continuar falando.
Gabriel sabia o que ela ia dizer. Sabia que ela diria que não estava mentindo e que era inocente.
Há alguns dias, Gabriel até acreditaria, porém, agora as provas eram incontestáveis.
— Você ficará aqui nesta delegacia até ser transferida para um presídio feminino e aguardará lá
pelo seu julgamento que acontecerá em no máximo seis meses. Então, a justiça será feita, você será
condenada e terá muitos anos para refletir sobre o que você fez.
Monique estremeceu com a frieza daquelas palavras.
Gabriel foi até a porta, chamou o soldado Santos, que entrou e conduziu Monique até sua cela. O
homem era assustador. Tinha a cabeça raspada, musculoso e com olhos pretos e frios, não parecia o
tipo de cara que gostava de sorrir ou de conversa.
Ao chegarem ao conjunto de celas, Monique estranhou, pois estava vazio para uma cidade grande.
Quando o soldado Santos parou em frente à cela, o coração de Monique acelerou. Ela sentiu
vontade de correr, o desespero enfraqueceu suas pernas, que começaram a tremer. Lágrimas arderam
em seus olhos e o seu sangue parecia ter se esvaído de seu corpo.
Monique olhou de soslaio para o policial, que mantinha uma expressão indiferente a ela.
— Bem-vinda à sua nova casa, boneca — ele disse logo após tirar as algemas e empurrá-la para
dentro.
Ela olhou ao redor e a cama estava coberta com um fino colchonete estampado e um lençol azul
encardido. No canto da cela havia uma pia e um vaso sanitário. O estômago de Monique embrulhou
ao se imaginar fazendo suas necessidades naquele lugar imundo e sem privacidade.
Exausta de tanto pensar, Monique jogou seu corpo cansado na cama suja e adormeceu. Mas,
apesar de toda sua fadiga, o sono dela não foi tranquilo. Constantemente foi interrompido por
terríveis pesadelos, que envolviam sangue, cabelos loiros e um detetive com rosto de modelo, olhos
azuis penetrantes e acusadores apontando o dedo para ela. Chamando-a de assassina.
Horas mais tarde, que pareceram apenas minutos para Monique, o policial Santos voltou, batendo
seu cassetete na barra da cela para acordá-la.
— Acorde boneca, hora do jantar.
Monique levantou relutante e quando o soldado passou a embalagem de alumínio pela fresta da
cela, o estômago dela embrulhou, ela correu até o vaso e colocou para fora tudo que ainda restava em
seu estômago, deixando a comida cair no chão.
— Você está jogando comida fora? — O policial rosnou furioso. — Agora ou come do chão, ou
ficará com fome. A princesa achou que iríamos pedir uma comida especial? Dê-se por satisfeita, no
presídio será muito pior.
Monique levantou os olhos e encarou a expressão debochada do soldado Santos. Os olhos dela
estavam cheios de lágrimas e ela ainda estava de joelhos perto da cerâmica fria do vaso. Ele sorriu
ao ver o desespero dela e saiu.
A comida agora estava mais nojenta que antes. Ela mal conseguia distinguir se o que
acompanhava o feijão e a carne era macarrão ou arroz. O cheiro era de comida passada.
Para que comer? — Pensou.
Já que não havia jeito de ela se livrar daquelas acusações que, pelo menos, morresse. Assim não
teria que passar o resto da vida na prisão.
E seus pais?
O coração de Monique se apertou ao pensar em seus pais idosos, que ainda moravam na pequena
cidade de Jardim Olinda, a 426 quilômetros de Curitiba, onde ela se encontrava agora.
Monique cruzava os dedos para que seus pais ainda não tivessem tido o desgosto de saber da sua
prisão. Do crime, segundo as autoridades, cometido por ela.
Os olhos de Monique começaram a ficar pesados outra vez, mas antes de se entregar ao sono ela
foi até a comida, recolheu, colocando de volta na embalagem e depositando-a em cima da pequena
pia. Lavou as mãos e deitou-se novamente.
As horas na cela pareciam se arrastar. No alto de uma das paredes havia uma pequena janela
com grade, porém, mesmo que ela fosse jogadora de basquete, seria impossível ter altura suficiente
para ver a rua. Monique só conseguia perceber que já havia amanhecido porque a claridade na cela
aumentou consideravelmente, fazendo-a despertar. No entanto, entre a hora em que o policial havia
trazido seu jantar e a hora em que o sol a acordou, pareciam ter se passado dois dias.
Monique enlouqueceria se passasse o resto da sua vida nessa situação. Ela não poderia… Jamais
poderia continuar vivendo daquela forma.
Da mesma maneira que ela colocou o jantar do dia anterior sobre a pia, ela colocou o almoço.
Logo ela teria uma torre de embalagens de alumínio decorando sua cela.
Alguns minutos depois da sua comida chegar, um homem aparentando seus sessenta anos, com
cabelos totalmente grisalhos, óculos quadrados e um terno barato — não que ela soubesse o valor de
um terno de grife, ou feito sob encomenda, entretanto definitivamente aquele terno gritava “barato”
de longe — entrou na cela para conversar com ela. Uma cadeira foi trazida por outro policial, menos
incomodativo que o soldado Santos, para que o homem de terno se sentasse.
— Boa tarde. — O senhor disse sorrindo educadamente para Monique. Um sorriso que não
chegava aos olhos — Sou o doutor Rodrigues, advogado designado para seu caso, pela defensoria
pública do estado do Paraná.
— Oi. — Monique respondeu, sem saber muito o que dizer.
— Eu li seu depoimento e tive acesso ao dossiê que está sendo feito pessoalmente pelo
investigador Goulart — o homem acendeu um cigarro sem se preocupar se isso a incomodaria. —
Sua situação não é nada boa e, se você continuar alegando inocência, o júri pode se revoltar e você
pegará a pena máxima. Como seu advogado, sugiro que você se confesse culpada, e assim poderei
tentar reduzir sua pena, alegando insanidade ou transtorno explosivo.
— Nunca! — Monique se levantou abruptamente, sua vista escureceu por um momento, uma
vertigem a dominou e ela se viu obrigada a sentar-se novamente. — Não vou confessar algo que eu
não fiz.
— Tente entender, senhorita Pillar, todas as provas apontam contra você. A senhorita não tem um
álibi aceitável… Eu repito, sua situação não é nada boa. Minha sugestão…
— Sua sugestão é totalmente sem propósito. Como posso confessar algo que não fiz?
— Essa é sua melhor opção. Se alegarmos insanidade, por exemplo, você pode pegar dez anos de
cadeia e aí, vai para uma clínica de doentes mentais. Não é uma coisa boa, mas é melhor que a prisão
estadual e…
— Esqueça! — Ela se levantou, mesmo que ainda se sentisse tonta, e caminhou até a grade para
se apoiar. — Eu não vou confessar algo que não fiz.
— É a sua melhor chance.
— Então eu irei para a prisão.
— Eu sou seu advogado, sei o que é melhor para a sua situação. Se você não seguir meus
conselhos, acredito que será muito difícil te defender e...
— Nesse caso, peça para me mandarem outro advogado. Eu sou inocente e por mais que ninguém
acredite em mim, eu não vou alegar nada diferente disso.
O advogado se levantou lentamente, encarando piedosamente Monique, e se retirou.
Ela soltou um suspiro e se deitou em sua cama suja, colocando os braços nos olhos e não os
descobrindo, nem mesmo quando o policial voltou para retirar a cadeira.
Quando seu jantar chegou, Monique não perdeu tempo abrindo a embalagem. Empilhou em sua
torre de quentinhas e voltou a se deitar.
Ela se perguntava quanto tempo demoraria até que outro advogado viesse ao seu socorro. Depois
de tudo que o investigador Goulart havia conversado com ela, Monique tinha consciência que seria
praticamente impossível se livrar daquela acusação, mas tinha que achar algum advogado que
tentasse, pelo menos.
Monique permaneceu de olhos fechados quando percebeu o barulho na delegacia diminuir. Isso
era sinal que a maioria dos policiais estava indo embora. Sim, era apenas seu segundo dia ali,
contudo, parecia muito mais e ela já estava familiarizada com os sons. Ou a diminuição deles.
Alguns minutos depois — ou seriam horas? — ela ouviu passos se aproximarem e antes mesmo
que pudesse abrir os olhos, a voz rouca soou do outro lado da cela.
— Você está acordada?
Monique abriu os olhos e fitou os azuis e frios olhos do investigador, que a avaliavam
severamente.
— Sim.
— Os policiais disseram que você não está comendo. — Ele vasculhou a cela com o olhar e viu
as três embalagens de alumínio em cima da pia — O que você está tentando fazer?
— Eu não consigo comer essa comida. — Monique se sentou e suspirou, cansada. — Elas têm um
cheiro estranho e a cara é péssima.
— Isso aqui não é um hotel, senhorita Pillar. Essa comida é feita por uma empresa de quentinhas
e todos os meus homens comem dela. Se tivesse algo errado, eu já teria trocado o fornecimento de
alimentos. Ninguém nunca reclamou, a senhorita é a primeira.
— Posso lhe fazer uma pergunta, investigador?
Gabriel a fitou, desconfiado, mas concordou.
— Faça!
— O senhor também come desta comida?
Ele se irritou com a pergunta dela. Como ela podia ser tão petulante? Claro que ele não comia
daquela comida hoje em dia. No entanto, comeu durante muito tempo. E ao contrário dela, dinheiro
não significava nada na vida de Gabriel.
— Não — ele respondeu secamente. Monique abriu a boca para falar, mas antes que qualquer
som pudesse ser emitido, ele continuou. — Entretanto, não fui eu quem infringiu a lei. Portanto, dê-se
por satisfeita.
— Eu... — lágrimas se formaram nos olhos de Monique e ela abaixou a cabeça. — Eu apenas não
consigo.
— Eu sei o que você está tentando fazer. — Gabriel disse ainda mais rispidamente e ela levantou
a cabeça para encará-lo. — Você está sem se alimentar para que tenha algum tipo de fraqueza e tenha
que ser levada ao hospital, e de lá, você tentará fugir. — Monique arregalou os olhos. — Desista! Eu
jamais permitiria que você saísse daqui e se para isso eu tiver que cozinhar pessoalmente para você,
eu o farei.
Gabriel olhou-a severamente e depois foi embora. Quando ele saiu do campo de visão de
Monique, ela mordeu os lábios para evitar um sorriso.
Algum tempo depois, Gabriel voltou com um cachorro quente e um refrigerante de guaraná, da
barraquinha que ficava em frente à delegacia e entregou a Monique. Ela sorriu, agradeceu e devorou
o lanche, como se aquela fosse a última refeição da sua vida.
Ele observava enquanto ela comia e quando ela passou a língua no canto dos lábios para tirar um
pouco do ketchup, Gabriel fechou os olhos, irritado com a reação que seu corpo teve àquela
assassina. Quando ele abriu os olhos novamente, ela já estava terminando e sorriu, quando tomou o
último gole do seu refrigerante.
— Obrigada.
— Não agradeça. Não fiz nada por você.
— Eu queria pedir uma coisa... — Monique hesitou, mas diante do olhar interrogativo de Gabriel,
ela continuou. — Preciso tomar um banho. Não posso fazer isso aqui.
Gabriel olhou ao redor e haviam dois presos, em duas celas afastadas, que sorriram
maliciosamente à simples menção dela tomar banho ali. E por um momento ele teve a intenção de
dizer que não era problema dele, porém, apesar de ela ser uma assassina, ele tinha escrúpulos e não
ia permitir que ela ficasse nua, exposta daquela maneira. Não em sua delegacia. Ele sabia bem o que
uma mulher como ela, com aquele corpo, podia provocar num ambiente daqueles.
— Verei o que posso fazer. Por agora, o lanche foi mais que suficiente.
Capítulo Dois

Quando amanheceu, Gabriel abriu os olhos com a sensação de dever cumprido. Ele se levantou,
foi até o chuveiro e tomou uma ducha longa e quente.
O apartamento de Gabriel era do tamanho ideal de um solteiro. Tinha uma suíte ampla, cozinha,
uma sala dividida em dois ambientes, um quartinho que ele não usava e um banheiro. Todos os
móveis eram na cor mogno e maciços. Sua cama com dossel foi feita sob encomenda. Ficava no
décimo andar de um prédio, em um condomínio de classe média. Claro que, se ele quisesse, poderia
morar em um apartamento melhor, pois seu salário lhe permitia isso, mas ele preferia estar ali, a
poucos minutos da delegacia, para que, em qualquer emergência, ele chegasse rapidamente. Claro
que isso era praticamente uma regra. Mal ele saíra do banho e seu celular tocou.
— Goulart! — ele respondeu com sua voz ríspida. Típico de um policial que levava a sério seu
trabalho. — Não... Ele não pode... Então ele que espere eu chegar até aí. Não permita que ele fale
com ela. Não até que eu esteja presente.
Gabriel se arrumou o mais rápido que pôde, colocando uma calça jeans escura, camisa polo azul
e tênis, desceu correndo as escadas do seu prédio, sem tempo nem paciência para esperar o elevador,
foi até a garagem, pegou sua moto de 750 cilindradas, design inspirado nos modelos chooper, e a
ligou. O ronco do motor era como música aos ouvidos de Gabriel. O investigador considerava sua
moto como o seu bem mais precioso.

Quando Gabriel se aproximou de sua sala, observou pelo vidro o homem alto de terno escuro e
caro, cabelos negros e bem cortados, que se encontrava de pé, olhando pela janela. A visão da janela
da sala de Gabriel era privilegiada, ficava ao lado de uma linda praça arborizada, bem cuidada e
limpa.
— Ora, ora, quem resolveu aparecer — Gabriel disse sarcasticamente quando entrou em sua sala.
Contudo, o homem que o aguardava não se assustou, ele, na verdade, sequer se virou. Apenas
esboçou um sorriso quando respondeu.
— Pois é, querido irmão. Eu te visito com a mesma frequência que você me visita.
— Então o que traz o ilustre advogado à minha humilde delegacia?
— Não se faça de tolo. — O homem finalmente se virou para Gabriel, que se sentava em sua
confortável cadeira — Tenho certeza que seus cães de guarda já lhe disseram o motivo da minha
visita. Vim me apresentar formalmente. Serei o advogado de Monique Pillar.
— Não seja ridículo, Guilherme. — Gabriel bateu furiosamente na mesa. — Nossa rivalidade de
irmão não pode ultrapassar o pessoal. Não permitirei que defenda aquela assas…
— Não seja infantil, Gabriel. Não se trata da nossa rixa pessoal. Eu quero defendê-la e vou. Não
há nada que você possa fazer quanto a isso.
— Você pode ser um advogado brilhante, porém eu tenho as provas. Você quer me humilhar, mas
no final, você sairá humilhado.
Os olhos de Gabriel queimavam em pura fúria, enquanto Guilherme sequer alterou sua postura.
Aqueles irmãos podiam ter suas semelhanças na aparência — penetrantes olhos azuis, pele
morena clara, cabelos negros e ondulados e, praticamente a mesma altura. Mas no comportamento e
personalidade, não podiam ser mais diferentes.
— Posso falar com a acusada? — Guilherme perguntou, mesmo sabendo que pela lei, ele tinha
todo direito de falar com ela e ser seu representante perante a justiça.
— Claro! No entanto, eu estarei presente.
— Você sabe que não pode ouvir nossa conversa.
— Mas posso olhar. E para mim isso é o suficiente.
Gabriel se levantou, encaminhando Guilherme até uma sala reservada para esse tipo de conversa.
O outro advogado não fez questão de usar essa sala, mas o investigador sabia que seu irmão não faria
questão de menos que isso.
Quando ele chegou até a cela, Monique tomava um café preto e pão, que os policiais compravam
na padaria que tinha próxima à delegacia, ela já tinha o rosto mais corado e as olheiras começavam a
sumir. Gabriel sentiu um alívio quando viu que, pelo menos, a aparência dela estava melhor. Se
Guilherme achasse que ela estava sendo maltratada, arrumaria rapidamente um jeito de tirá-la de lá.
— Venha — Gabriel ordenou abrindo a cela. — Há um advogado querendo conversar com você.
— E porque ele não veio até aqui como o outro?
— Porque esse, não é um advogado qualquer. — Gabriel falou, se arrependendo imediatamente
quando viu um brilho de esperança no olhar de Monique, o que o irritou.
Aliás, ele já estava irritado desde o momento em que o policial Santos ligou, dizendo que
Guilherme estava na delegacia. Seu irmão era conhecido por ser um advogado muito competente,
aliás, brilhante. Seja atuando como defesa ou acusação. Tudo que ele não precisava era de Guilherme
envolvido nesse caso. Não que Gabriel tivesse alguma dúvida sobre a culpa de Monique, mas se
Guilherme fosse atuar na defesa dela, como informou mais cedo, ele sabia que teria dor de cabeça.
Quando Gabriel parou à porta da sala e virou Monique de costas para ele, para soltar as algemas
dela, observou sua bunda empinada, mesmo com a calça jeans que ela estava, e se amaldiçoou
internamente, odiando-se por ficar reparando nas partes do corpo daquela criminosa.
Mas como não reparar?
Sacudindo a cabeça, afastando tais pensamentos, ele apontou a porta com o queixo para que ela
entrasse. E assim Monique o fez.
Quando seus olhos encontraram os de Guilherme, um sorriso largo e genuíno se formou em seu
rosto.
Monique correu até ele abraçando-o apertado e Guilherme retribuiu o abraço, beijando
carinhosamente o topo da cabeça dela.
— Guilherme! — ela disse secando as lágrimas. —Achei que você estivesse fora do Brasil.
— E eu estava, mas quando vi pelo noticiário o que estava acontecendo com você, peguei o
primeiro voo de volta. — ele sorriu para ela. — Como você está?
— Não acredito que você está me perguntando isso. — ela se sentou e o encarou — Estou
péssima. Esse investigador Goulart parece me odiar.
— Ele não te odeia, só está fazendo o trabalho dele.
Guilherme levantou os olhos e fitou o espelho diante dele, sabendo que Gabriel os observava —
e muito provavelmente os ouvia, mesmo tendo dito que não o faria.
— Então ele deveria fazer o trabalho dele melhor. Eu não fiz aquilo, Gui. Você tem que acreditar
em mim.
Monique voltou a chorar, dessa vez seus olhos ficaram muito vermelhos.
Guilherme se levantou e foi até ela, abaixando-se diante da mesma e secando suas lágrimas com
o polegar.
— Eu acredito em você, Monique. Não viria correndo se não soubesse que você é inocente. Não
se preocupe com isso, vamos provar sua inocência. É uma promessa.
Guilherme se levantou e a abraçou novamente. Secou suas lágrimas e abriu um sorriso, lindo,
branco e confiante para ela.
— Agora me diga. Você precisa de alguma coisa? Roupas limpas? Está se alimentando direito?
— Não comi no primeiro dia que fiquei aqui. A comida tinha uma cara horrível, mas o
investigador trouxe um cachorro quente ontem à noite e me deram um café da manhã hoje. Contudo,
eu disse que era alérgica a lactose e eles me deram pão puro — ela deu de ombros. — Melhor do
que nada. — Monique forçou um sorriso — Eu gostaria de tomar um banho. Então, se você puder me
trazer algumas roupas limpas e convencer o investigador a ceder um chuveiro mais privativo, eu te
agradeceria muito.
— Considere feito.
Guilherme sorriu e continuou.
— Se alguém te maltratar ou for rude demais, me avise. Eu virei te ver sempre que puder, porém,
agora vou estudar minuciosamente seu caso e de acordo com o que estiver nos autos, eu entrarei com
o pedido de habeas corpus. Se aceito, você poderá esperar julgamento em liberdade.
Monique assentiu e agradeceu. Finalmente conseguia ver luz no fim do túnel. Guilherme acreditar
nela era tudo que ela precisava.
Quando o advogado saiu pela porta, Gabriel pediu ao soldado Santos que a acompanhasse até a
cela e foi para sua sala com Guilherme.
— Você não pode atuar na defesa dela. Vocês já se conheciam— Gabriel disse assim que fechou a
porta.
— E em qual legislação diz que um advogado não pode atuar em causa própria, de parentes ou
amigos?
— Então a senhorita Pillar é apenas uma amiga?
— Sim.
— Não minta — Gabriel gritou e Guilherme lentamente levantou as sobrancelhas, o encarando
indiferente, já acostumado aos rompantes do irmão. — Eu vi como você a olhava e vi como ela te
abraçou. Vocês são mais que amigos.
— Já fomos, há algum tempo atrás, mas Monique é uma doce menina e nosso relacionamento
agitado estava atrapalhando seus estudos. Então gentilmente ela me dispensou. Depois disso, viramos
apenas bons amigos. — Guilherme se levantou e encarou Gabriel — Eu a conheço muito bem,
Gabriel. Ela não cometeu esse crime.
— Não seja tolo. Todas as provas...
— Eu sei, apontam para ela — Guilherme pegou sua pasta e parou próximo à porta. — Vou
providenciar algumas roupas limpas e voltarei para estudar os autos do processo. Acredito que você
não vá se opor, assim como também não impedirá que ela tome banho em um banheiro mais privado
do que o da cela.
— Claro que não. Eu já ia providenciar mesmo isso.
— Ótimo! Até mais tarde.
Guilherme saiu fechando a porta com um simples clique e Gabriel se jogou em sua cadeira,
maldizendo seu irmão. A calma dele diante de qualquer situação irritava profundamente o
investigador.
E não foi sempre assim?
Desde que eles eram criança, Gabriel era o explosivo, o revoltado, o brigão, e Guilherme o
menino calmo, amoroso, pacifista.
Quando o pai deles morreu, Gabriel tinha quinze e Guilherme doze anos. A reação dos dois foi
totalmente diferente, Gabriel chegava cada vez mais tarde e passava o máximo de tempo possível
fora de casa. Já Guilherme se tornou ainda mais caseiro, sempre fazendo companhia a mãe deles e
ajudando nas tarefas domésticas.
Claro que os dois sentiram a perda brutal do pai. Tanto que escolheram, ou melhor, prometeram
seguir carreiras que aplicavam a lei, e conseguiram, no entanto, a personalidade deles foi o que
definiu de que forma cada um a faria ser aplicada a quem merecia.
Agora Guilherme queria defender uma assassina. Teria que ser muito tolo, depois de ler os
documentos, se continuasse a acreditar na inocência dela. E ainda assim, se não acreditasse, então
ele seria mais idiota ainda por defender quem merecesse a cadeia. Estaria matando tudo que eles
acreditavam desde que sua família foi fatalmente atingida pela violência.
Gabriel se levantou abruptamente e foi até a cela de Monique. Ela definitivamente tinha um
semblante mais suave e um brilho nos olhos que Gabriel nunca havia visto.
— Não vai achando que porque meu irmão vai te defender, você estará livre. Nem o melhor
advogado do mundo, nem que os céus mandassem seu próprio advogado, você seria inocentada deste
crime.
— Seu irmão?! — Monique perguntou surpresa. Nem em seus mais remotos sonhos achou que
eles fossem irmãos, e acreditou que o sobrenome igual fosse apenas coincidência. Mas agora
observando bem Gabriel, ela percebeu a clara semelhança.
— Não finja que você não sabia — ele respirou fundo e Monique teve a impressão que se não
houvesse aquelas barras de ferro entre eles, o investigador faria justiça com as próprias mãos. —
Você pode manipular o tolo do meu irmão, mas a mim você não engana.
— Não estou manipulando ninguém, investigador. E eu realmente não sabia que vocês eram
parentes. Guilherme é um anjo na minha vida e veio porque acredita em mim. Não me crucifique por
eu voltar a ter esperanças.
— Pois, no seu lugar, eu não teria nenhuma.
Gabriel se foi e Monique ficou pensando em como dois irmãos podiam ser tão diferentes.
Em todo tempo que ela esteve com Guilherme, ele se mostrou doce, paciente, carinhoso. Ela
nunca o viu perder o controle, mas o investigador... Ah! Esse parecia uma bomba relógio prestes a
explodir a qualquer momento, principalmente no que se tratava dela.

Duas horas depois, Guilherme voltou trazendo duas mudas de roupa e entregou a Gabriel. Depois
na própria sala do irmão, ele estudou o caso de Monique. Quanto mais ele lia, mais seu semblante
ficava rígido, preocupado.
A situação dela realmente não era nada boa, pensou ele, lendo ainda as primeiras páginas do
dossiê.
Gabriel deixou o irmão lendo a papelada e foi conduzir Monique ao vestiário da delegacia para
que lá pudesse se lavar. Guilherme tinha trazido roupas confortáveis e limpas, assim como um par de
lingerie, sabonete, xampu, condicionador, toalha limpa e pente.
Antes que eles passassem pela porta, Gabriel ordenou que nenhum policial entrasse ali enquanto
ele estivesse lá, e improvisou uma cortina para uma das divisórias do banheiro.
— Você vai ficar aqui? — Monique perguntou enquanto pegava as coisas que ia precisar na
sacola que Guilherme havia trazido.
— Vou! — Gabriel respondeu indiferente à expressão dela.
— Mas...
— Não se preocupe, vou ficar sentado ali… — Gabriel apontou para um banco, próximo aos
armários dos policiais, que ficava a uma distância razoável do box onde ele colocou a cortina
improvisada — E eu ficarei de costas. Tudo que eu não preciso é você me processando por assédio e
revertendo a situação a seu favor.
Monique o encarou. Por que diabos ele estava sempre pensando o pior dela? Isso já estava indo
além do que ela achava profissional e começava a acreditar que, ao contrário do que Guilherme tinha
dito, o investigador realmente tinha uma implicância com ela. Não que ela se importasse com o que
ele pensava, desde que ele não usasse isso contra ela no processo.
— Não sei por que você sempre pensa o pior de mim.
— Porque eu sei muito bem como funciona a cabeça dos criminosos. Agora vá tomar seu banho.
Eu não tenho o dia todo.
Gabriel se virou e sentou-se no banco, tirou seu celular do bolso e ficou de costas para o local
onde Monique estava. Contudo, ele não prestava atenção na tela de seu telefone, ele estava atento a
qualquer barulho diferente que ela pudesse fazer. Se ela de alguma forma tentasse fugir, ele estaria
atento.

Relutante, Monique começou a se despir daquelas roupas sujas, sem tirar os olhos do
investigador. Ficando apenas de calcinha e sutiã, ela começou a caminhar para o box, não sem antes,
observar mais um pouco Gabriel.
Ele se manteve de costas como havia prometido.
Monique observou seus ombros largos e braços musculosos. Imaginou se ele seria tão bom de
cama quanto Guilherme e sorriu com tais pensamentos. O investigador seria o último homem na face
da Terra a querer tocá-la. Ele a repudiava, e não era preciso que Gabriel dissesse isso para que ela
tivesse essa certeza.
Monique entrou no chuveiro e a água quente tocando sua pele foi mais relaxante do que ela
poderia imaginar. Ver a sujeira ir embora era como se ela estivesse se livrando de algum peso, o que
em suma, não fazia o menor sentido.

Os olhos de Gabriel o traíram quando ouviu o barulho da água do chuveiro começar a cair. Sim,
ele havia fornecido a ela um pouco de privacidade, porém a cortina era branca e com o contraste da
luz, era por demais, transparente.
Ele pôde ver a silhueta de Monique através da cortina, e porra, como ela era linda! O corpo
esbelto, mas cheio de curvas. A bunda do tamanho certo, seios empinados e de tamanhos perfeitos,
que caberiam precisamente em suas mãos grandes.
Enquanto Gabriel se deleitava com a imagem da linda assassina durante o banho, sentiu sua
masculinidade despertar e pressionou sua crescente ereção com a mão, como se isso pudesse de
alguma forma apaziguar seu desejo.
— O que você está fazendo? — Guilherme o perguntou rispidamente, pegando Gabriel de
surpresa, fazendo ele se virar abruptamente na direção do irmão.
— Ouvi um barulho — mentiu ele — achei que ela pudesse tentar fugir.
— Claro, irmão! Porque ela fugiria nua… — Guilherme disse debochadamente.
— Eu não sou você. Não me envolveria com alguém que tivesse a capacidade de fazer o que ela
fez.
— Ela não fez.
— Você leu os autos? — Gabriel perguntou como se estivesse falando com alguém leigo. — Não
sei como você ainda pode duvidar.
— Eu sei que todas as provas apontam para ela, mas eu a conheço. Monique não cometeria tal
atrocidade.
— O fato de você ter se enfiado entre as pernas dela não significa que você a conheça —
desdenhou Gabriel.
Guilherme deu um passo ameaçador na direção do irmão, mas parou quando Gabriel não se
intimidou.
— Você acha que todas as mulheres são como as que você costuma foder, não é Gabriel?
Nenhuma delas vale nada, não é mesmo?
— Não! — ele sorriu debochadamente. — Geralmente, só as assassinas não prestam — Gabriel
deu mais uma olhada na direção do box, e mentalmente agradeceu a discussão com Guilherme, pois,
havia aliviado a pressão que sentia nas calças. Bem, não totalmente… — Ela é responsabilidade sua.
Quando terminar o banho, leve-a até a cela. Santos estará aqui fora esperando com as chaves.
— Eu preciso conversar com você.
— Estarei em minha sala.
Capítulo Três

Guilherme se acomodou onde Gabriel estava e ficou de costas para o box. Claro que assim que
chegou, ele também deu uma boa olhada nela e sentiu saudade da época em que estavam juntos, mas
claro que, diferente de seu irmão, ele não invadiria a privacidade dela dessa forma, então, virou-se
de costas, respeitando-a e aguardou.
Longos minutos depois, Monique desligou o chuveiro e se assustou quando abriu a cortina e viu
Guilherme no local onde Gabriel deveria estar.
— O que houve? Onde está o investigador?
— Isso tudo é tristeza em me ver? — ele disse em tom divertido.
— Não seja bobo — ela o repreendeu sorrindo. — Só me assustei. Ele foi tão categórico ao
afirmar que não sairia daí para evitar que eu tentasse fugir.
— Ele precisou resolver algumas coisas na sala dele e eu vim substituí-lo.
— Fico feliz. Seu irmão me dá nos nervos.
Monique enfatizou a palavra irmão, demonstrando sua confusão por Guilherme não ter
mencionado o parentesco deles. Entretanto, diante do silêncio de Guilherme, ela continuou.
— Por que você não me contou que eram irmãos?
— Porque não achei que isso importaria para você.
— Na verdade, não é que importe — ela começou a desenrolar a toalha e pediu para Guilherme
se virar, fazendo um gesto com a mão.
— Não há nada que eu já não tenha visto — Guilherme brincou, mas se virou conforme ela pediu.
— Vamos falar sério agora — ela disse com a voz embargada. — Qual minha real situação?
Guilherme soltou um suspiro longo e se virou. Ela já estava de calcinha e sutiã e estava
colocando a calça de moletom que ele havia trazido para ela.
— Nada boa, Monique — ele respondeu e ela percebeu o semblante preocupado dele. — Agora
entendo porque meu irmão tem tanta certeza que você é culpada. Todas as provas apontam você como
culpada, e eu não sei como vamos fazer essa situação se reverter.
— Mas você ainda acredita em mim, certo? — ela perguntou preocupada — Eu não fiz isso. Eu
jamais…
Guilherme se aproximou e colocou o dedo sobre os lábios trêmulos dela.
— Shhh! Você não precisa falar nada, eu sei que você não seria capaz de fazer aquilo.
— Obrigada, Gui — ela o abraçou e Guilherme retribuiu o carinho, fechando seus olhos e
inspirando o perfume dela.
— Agora vamos, você precisa voltar à sua cela e eu tenho que conversar com meu irmão. Depois,
estudar uma maneira de tirar você daqui.

Acompanhados do soldado Santos, eles caminharam até a cela.


Monique lamentou ter que entrar novamente naquela cela fria e habitualmente suja, porém, estava
estranhamente mais limpa. As quentinhas de comida tinham sido retiradas, os lençóis da cama haviam
sido trocados e o vaso havia sido limpo, um cheiro fraco de limpeza pairava no ambiente.
— Não é o ideal, entretanto pedi para que limpassem a cela e eu trouxe alguns livros para você
se distrair.
Monique olhou a quantidade de livros e suspirou.
— Vai demorar tanto assim para você me tirar daqui? — ela forçou um sorriso.
— Não sei quanto tempo vai demorar Monique, mas te prometo que não descansarei até
conseguir.
— Obrigada, outra vez.
— Me agradeça quando eu tirar você daqui.
Guilherme beijou o topo da cabeça dela, virou-se e deixou-a lá, novamente sozinha em sua cela.
Enquanto tomava banho, ela até conseguiu esquecer por alguns segundos onde estava, mas agora,
aquela era a sua realidade. Ela teria que se acostumar com isso.

Guilherme entrou na sala do investigador e Gabriel estava ao telefone. Levantou um dedo para
que o irmão esperasse e assim ele o fez.
Ele pôde perceber que Gabriel estava ainda mais exasperado que o normal. Sempre com a feição
dura e carrancuda, sempre olhando de soslaio para os outros e com ar de superioridade.
Quando Gabriel desligou o telefone, fez sinal para que Guilherme sentasse, quando ele se
acomodou, o investigador se levantou e fechou as persianas.
— Sobre o que quer conversar comigo? — Gabriel perguntou impaciente.
— As provas que você tem contra a senhorita Pillar são irrevogáveis.
— Então não sei qual o ponto.
— Segundo o depoimento de Monique, ela quem encontrou o corpo da vítima.
— Sim, inclusive ela chamou a polícia, mas, tudo para despistar.
— Isso é o que você acha — Guilherme disse impaciente.
— Isso é o que as provas apontam, doutor Guilherme.
— Não acha normal que tenha digitais e amostras de DNA da acusada, uma vez que ela morava
junto com a vítima?
— O que não é normal é que tenha resíduos de pele da senhorita Pillar debaixo das unhas da
vítima, uma mecha de cabelo presa em sua mão e que esta tenha sido brutalmente assassinada com
uma arma branca pertencente à acusada. E também, não é normal que logo que as provas começaram
a aparecer, ela fosse pega justamente na rodoviária tentando fugir.
— No depoimento diz que ela estava indo visitar os pais.
— Mesmo depois de ter sido informada que não podia sair da cidade — Gabriel se levantou
irritado. — Pare de tentar fazer dela uma vítima. Ela é a criminosa e, por melhor advogado que você
seja, onde ela está é onde deve permanecer.
— Eu não contaria com isso se fosse você.
Guilherme se levantou e os dois irmãos se encararam rispidamente. Sem dizerem mais nada, o
advogado se retirou, fechando a porta, um pouco mais ríspido que o normal, mas, ainda assim, sem
batê-la.
Gabriel esboçou um sorriso por finalmente ter tirado o irmão do sério, mesmo que um pouco. E
se lembrou de quando eram crianças e de todas as vezes que ele o provocou, fazendo Guilherme
perder a calma. Naquela época era divertido. O pai deles estava sempre por perto e sentava com os
dois para conversar que irmãos não deveriam brigar. E claro que isso era por brincadeira. Sempre
que as coisas se tornavam sérias, Gabriel defendia Guilherme com unhas e dentes. Mas agora tudo
era diferente, o investigador há muito não se entendia com o irmão, que também não fazia questão de
reatar antigos laços.
Ao longo desses anos, era inevitável que os irmãos Goulart se encontrassem no tribunal. Na
maioria das vezes, no mesmo time, porém, isso não os reaproximava além do profissional.
O caso é que agora, Gabriel não podia estar mais certo. O crime cometido por Monique Pillar era
hediondo e ela usara sua aparência de boa moça, seu sorriso doce e seu corpo perfeitamente
delineado para ficar acima de qualquer suspeita. Se Gabriel não fizesse seu trabalho com muita
seriedade, talvez nunca a tivesse capturado e a essa hora, ela estaria muito longe dali. E talvez esse
fosse mais um caso a ser arquivado.

Naquela noite, Gabriel foi até a cela levar o jantar de Monique. Ele podia mandar qualquer outro,
podia simplesmente fazê-la comer qualquer porcaria, no entanto, ele fazia questão de levar a comida
por um motivo que ele jamais assumiria, gostava de olhar para ela. Havia uma satisfação em vê-la
presa e de encará-la, demonstrando que a beleza dela não o afetava — pelo menos era isso que ele
dizia para si mesmo.
Quando ele chegou à grade, Monique estava deitada, lendo um dos livros que seu irmão havia
trazido para ela. Suas pernas estavam dobradas e cruzadas uma sobre a outra. Os cabelos negros
jogados sobre o travesseiro, com as mechas se espalhando por toda superfície e os olhos dela atentos
à leitura. Pelo menos era o que parecia.
— É dos livros que você tira as ideias para suas atrocidades? — Gabriel estava sério, mas era
possível perceber um tom de divertimento naquela provocação.
Monique levantou os olhos e fitou os penetrantes olhos azuis do investigador.
— Não sei do que você está falando.
— Aqui — ele esticou a mão, impacientemente, com um saco plástico pendurado nela. — Seu
jantar.
Monique fechou o livro, se levantou e foi até ele. Quando seus dedos se tocaram, um estranho
calor percorreu o corpo de Monique e, pela reação do investigador, ela podia afirmar que ele
também havia sentido.
— Obrigada — ela respondeu baixando o olhar e voltando para sua cama.
Gabriel se virou para ir embora, mas antes que ele pudesse se afastar, Monique o chamou.
— Investigador?
— Sim?
— Se eu provar que sou inocente...
— Isso não vai acontecer — ele a encarou friamente.
— Mas se eu provar, você acha que pode começar a tratar seus acusados de forma mais… Sutil?
— Primeiro, senhorita Pillar, SE é uma possibilidade muito grande. Segundo, você não vai provar
sua inocência, e terceiro, mesmo que houvesse essa remota possibilidade, isso não mudaria nada.
Jamais trataria nenhum suspeito de crime com sutileza. Isso não é para mim, vocês não merecem
nenhum tipo de consideração.
— Algum dia o senhor já se pareceu com seu irmão? Quero dizer… — ela hesitou, mas Gabriel
entendeu perfeitamente o teor da pergunta.
Ele a fitou ainda mais frio, se havia uma coisa que Gabriel detestava, era ser comparado com
Guilherme. Todos fizeram isso a sua vida inteira, o tempo todo, e agora que eram adultos, a última
coisa que ele queria, era continuar sendo comparado ao irmão.
— Nunca! — Gabriel rosnou — Guilherme é um fraco sentimental e isso é o tipo de inclinação
que eu não possuo.
Ele se virou e saiu.
Monique balançou a cabeça tristemente. Não havia um só resquício de bondade naquele
investigador. Ele era amargo e frio. Claro que ele lidava com os bandidos mais inescrupulosos todo
tempo, ainda assim, isso não era desculpa para ele ser desse jeito. Aliás, ela duvidava que algum dia
ele tenha sido diferente.

Três dias depois, Monique já estava se acostumando com sua nova vida, mesmo sabendo que
Guilherme era um advogado muito competente, ela começava a acreditar que esse seria seu futuro.
Guilherme veio visitá-la e assim que o policial Santos a chamou para lhe conduzir até a mesma
sala que ela havia conversado com o advogado pela primeira vez, Monique sentiu seu peito se
aquecer. Mas, ao entrar na sala e ver a expressão de Guilherme, seu coração se apertou. Ele tinha o
semblante cansado e triste.
— Vejo que não trouxe boas notícias.
Guilherme balançou a cabeça negativamente.
— O pedido de habeas corpus foi negado — ele falou.
Os olhos de Monique se encheram de lágrimas e Guilherme tocou sua mão delicadamente.
— Não perca as esperanças. Eu não desisti, vou fazer um novo pedido. Você não tem
antecedentes criminais, posso pagar sua fiança… Eu posso me responsabilizar por você. Vai dar tudo
certo.
— Confio em você — ela disse sem esperanças.
— Que bom! — Guilherme secou suas lágrimas com o polegar. —Vim te avisar que, caso eu
demore mais uns dias para voltar, não se preocupe. Estou dedicado unicamente ao seu caso. Só
voltarei a cuidar dos meus outros clientes quando tirar você daqui.
— Eu não quero te prejudicar...
— Você não me pediu nada, pediu? — ele sorriu carinhosamente. — Estou fazendo isso porque
acredito na sua inocência.
Monique apenas assentiu.
— Você está precisando de alguma coisa? — ele perguntou, encarando-a.
— Não, está tudo bem — ela respondeu sem muita animação.
— Certo, se precisar de alguma coisa antes que eu volte, fale com Gabriel e...
Monique deu uma risada forçada.
— Ele não fará nada por mim, Gui.
— Peça a ele para me chamar e eu virei.
Guilherme se aproximou e beijou sua cabeça demoradamente antes de se afastar e sair.

***

Naquela noite, quando Gabriel a levou para tomar banho, esperou do lado de fora do vestiário e
quando ela saiu, ele conversava com o delegado. O investigador a encarou friamente e ela retornou
para dentro do vestiário e aguardou.
Alguns minutos depois, Gabriel entrou procurando-a com o olhar frio e viu Monique sentada em
um dos bancos do vestiário.
— Qual a parte de bater à porta antes de sair, que você não entendeu? — ele deu passos firmes na
direção dela, fazendo-a se encolher — Você estava tentando fugir? Achou mesmo que ia conseguir
fugir debaixo do meu nariz?
— Não — ela sussurrou e revirou os olhos — Eu achei mesmo que você estaria ali fora e…
— Se você quiser continuar tomando banho fora da cela, é melhor seguir minhas regras, caso
contrário, perderá a regalia.
— Entendi. Desculpe-me.
— Agora, levante e se vire — a voz dura de Gabriel ecoou no sistema de Monique fazendo
novamente seus pelos se arrepiarem.
Gabriel se aproximou o suficiente para puxar o braço de Monique para trás e prender as algemas
em seu pulso. Como ele era bem mais alto, teve que se inclinar para pegar o pulso dela, sentindo o
cheiro do perfume do sabonete feminino que ela usava, misturado com o perfume natural dela, e
aquilo o excitou imensamente.
— Vamos — Gabriel a puxou bruscamente, fazendo seus corpos se tocarem e Monique suspirar.
Eles caminharam em silêncio de volta à cela e continuaram assim. Quando Gabriel se afastou,
sentia-se irritado com a reação que ele tinha sempre que aquela assassina estava por perto.
Naquele momento, Monique percebeu que não era só ela que se sentia estranhamente afetada por
ele. Ele também estava afetado.
Capítulo Quatro

Mais uma longa semana se passou e depois daquele dia, Gabriel evitou Monique fervorosamente.
As refeições dela começaram a ser entregues pelos policiais de plantão e nos seus banhos, ele
também se mantinha distante, apenas vigiando.
Naquela manhã, Monique foi acordada com uma voz familiar e antes mesmo de abrir os olhos, ela
esboçou um sorriso.
— Que bom que você veio. Já estava com saudades de conversar com alguém — ela disse para
Guilherme que estava abaixado perto da cama dela.
— Sua comida favorita ainda é lasanha?
— Sim, por quê? Vai me trazer uma?
— Não, vou te levar no melhor restaurante de massas da cidade — ele abriu um largo sorriso e
seus olhos azuis brilhavam.
— Mentira?! Você conseguiu?! — Monique quase gritava — Você não está brincando comigo,
está?
Guilherme levantou o papel do habeas corpus, assinado por um desembargador.
— Ah! — ela gritou — Eu não acredito!
Monique pulou em cima de Guilherme, o abraçando e quase o fazendo perder o equilíbrio, mas
ele conseguiu retribuir o abraço e ainda levantar, ficando em pé e mantendo o corpo dela junto ao
dele, enquanto ela sorria e chorava ao mesmo tempo.
Quando Guilherme a soltou, ela viu a silhueta de Gabriel, parado do lado de fora da cela. Sua
carranca era ainda mais dura que o normal, Monique só conseguia pensar em fúria quando o encarou.
Ela secou suas lágrimas e desviou o olhar.
— Pegue suas coisas e vamos sair daqui.
Guilherme disse antes de lhe entregar uma mochila. Monique rapidamente colocou os livros e
alguns pertences que ele havia trazido para ela.
Ao passarem por Gabriel, ele segurou no braço de Guilherme e quando eles se encararam, o
advogado percebeu que os olhos do investigador faiscavam de raiva.
— Você está cometendo um erro — Gabriel disse entre os dentes.
— No fim, você vai ver que não estou.
Gabriel focou seu olhar para Monique.
— Não pense que isso acabou. Ainda vou te ver novamente atrás das grades, onde é o seu lugar
— ele a encarou furiosamente e Monique engoliu seco. Ao mesmo tempo em que ele lhe dava medo,
ela sentia um arrepio com sua voz rouca e, tinha consciência que esse calafrio nada tinha a ver com
seu temor. — Você não está totalmente livre. Não pense em sair da cidade. Sequer vire a esquina,
pois estarei de olho.
— Não se preocupe com isso Gabriel — Guilherme o interrompeu. — Ela não vai a lugar
nenhum. Eu me responsabilizo por Monique.
Guilherme e Monique se afastaram deixando Gabriel exasperado, ainda parado em frente à cela.

***
Quando Monique saiu da delegacia, um vento frio varreu seus cabelos e a claridade do sol
ofuscou seus olhos.
Ela sorriu!
Como era bom estar livre novamente. No fundo, ela tinha esperanças que isso acontecesse.
Monique ficou sentindo o calor do sol, como se o toque dos raios solares em sua pele fosse um
presente. Ela sorria como uma criança, fechando seus olhos, e Guilherme ficou apenas admirando,
ele nunca se sentiu tão feliz de ter cumprido seu dever.
— Vamos? — ele a chamou.
E naquele momento seu sorriso sumiu do rosto, dando lugar a uma expressão preocupada.
— Para onde? — ela suspirou. — Eu não tenho para onde ir. O meu apartamento está… Bem, ele
está lacrado.
— Você vai ficar no meu apartamento…
— Eu não posso. Devo ter algum dinheiro no banco, algo que dê para eu sobreviver alguns
meses. Deve ter uma pensão aqui perto, com o preço acessível. Basta você me ajudar a procurar e…
— Nem pensar. Não tirei você da cadeia para ficar passando necessidade. Você vai ficar no meu
apartamento e não quero discussão sobre isso.
Monique fitou Guilherme por alguns segundos antes dele entrelaçar seus dedos aos dela e a puxar
em direção ao carro, um sedan prata com vidros fumês. Ele desativou o alarme, destravando as
portas, mas, antes de Monique entrar, ela quebrou o silêncio entre eles.
— Fico no seu apartamento, com uma condição.
Guilherme a fitou curioso e esboçou um sorriso.
— Qual?
— Somos amigos, certo?
— Claro.
— Apenas amigos.
— Apenas amigos — Guilherme repetiu as palavras dela, sorrindo fracamente, e entrou no carro.
Ele dirigiu cerca de meia hora até chegar a um condomínio de prédios altos e fachada reluzente,
devido às sacadas todas de vidro. Era sem dúvida um condomínio requintado.
Guilherme morava no oitavo andar, seu apartamento era totalmente masculino, mas, com um toque
de modernidade. Os móveis eram todos pretos e cinzas, as paredes claras. Um bar ficava ao lado da
porta de correr de vidro que dava para sacada e apenas dois quadros enfeitavam as paredes. Por
cima do rack, alguns porta-retratos, e Monique observava um em particular, onde o tom já estava
desgastado e uma mulher de cabelos negros e compridos estava ao lado de um belo homem com dois
meninos na frente do casal. Monique facilmente reconheceu Gabriel e Guilherme. Naquela época, o
investigador era um pouco mais alto que o irmão. Enquanto Guilherme sorria para a foto, Gabriel se
mantinha sério.
Guilherme mostrou à Monique o quarto de hóspedes — a suíte de Guilherme ficava do lado
oposto ao dela — que para ela estava ótimo. Apesar do pouco tempo que viveu no luxo, sua vida
toda foi em uma casa simples, em uma cidade pequena.
Como ela não tinha muitas coisas para arrumar no armário, foi logo tomar um banho.
Depois de um longo e relaxante tempo debaixo do chuveiro, Monique foi até a cozinha e começou
a preparar algo para eles comerem. Ela estava faminta! O mais rápido, delicioso e prático era um
macarrão ao alho e óleo e uma omelete.
Enquanto ela picava os temperos, Guilherme apareceu. Ele não usava seu habitual terno. Vestia
uma calça jeans, camisa pólo preta e tênis, estava absolutamente lindo.
— Achei que eu iria te levar para comer lasanha — ele disse divertido enquanto a observava
cozinhar.
— Desculpe, mas podemos deixar para outro dia? — ela perguntou batendo os cílios e sorrindo.
— Estou exausta e tudo que eu quero hoje é deitar no sofá, assistir a um filme e comer uma comida
caseira.
— Não precisa pedir desculpas, claro que podemos deixar para outro dia. E sinta-se em casa.
— Estou me sentindo bem à vontade, obrigada.
Enquanto Monique preparava o almoço, eles conversavam animadamente. Guilherme foi um
verdadeiro amigo e cavalheiro não tocando no assunto da sua prisão. Ela sabia que mais cedo ou
mais tarde, teriam que conversar a respeito, uma vez que ele iria defendê-la, porém, naquele
momento, tudo que Monique queria era fingir que sua vida continuava normal como antes.
Eles almoçaram e Guilherme não poupou elogios à comida de Monique que, ficou um pouco
constrangida, mas com seu ego inflado, afinal ela sempre sonhara em ser chef de um grande
restaurante.
Depois do almoço, sentaram no sofá e foram assistir uma comédia, os dois davam boas
gargalhadas quando o celular de Guilherme começou a tocar. A princípio, ele ignorou, entretanto,
logo em seguida, tornou a soar insistentemente e ele foi obrigado a atender.
— Já volto… — ele disse se levantando para receber a ligação longe de Monique.
Ela apenas assentiu e continuou prestando atenção no filme. Quando Guilherme retornou, ele
tentou não demonstrar seu incomodo, mas Monique percebeu que ele olhava para a TV sem realmente
prestar atenção no filme.
— Você está estranho, o que houve? — ela perguntou quando uma cena engraçada aconteceu e
Guilherme não sorriu.
— Meu irmão ligou, ele quer conversar comigo.
— Eu posso dar uma volta enquanto vocês conversam.
— Não é necessário, ele passará aqui depois do trabalho e vamos a um bar aqui perto. Você pode
ficar tranquila que não vou deixar que ele a importune.

Quando o filme terminou, Monique pediu licença e foi se deitar no quarto. Sim, ela havia passado
a maior parte do tempo dormindo enquanto estava presa, no entanto, o sono não era tranquilo e a
sensação que ela tinha era que há dias não fechava os olhos.
A noite já havia caído quando Monique despertou. Ela não sabia dizer se pela cama confortável,
pelo almoço ou pelo banho relaxante, mas se sentia revigorada.
Vestindo uma camisa que Guilherme havia lhe emprestado e um micro short que ele já tinha
providenciado, assim como algumas peças de roupas, ela foi até a cozinha e pôs café para fazer.
Quando voltou para sala, percebeu que o apartamento estava muito silencioso.
— Guilherme? — ela chamou, mas não obteve resposta.
Monique caminhou até o quarto dele e bateu à porta, o chamando novamente e sua única resposta
foi o silêncio. Ela franziu a testa e resolveu voltar para seu quarto, fechar a porta e aguardar lá. Ele
devia ter saído e não quis acordá-la. Deve ter ido ao encontro com o irmão. Pensou ela.
Enquanto ela passava pela sala, a campainha tocou, fazendo Monique dar um salto, assustando-se.
Seu coração acelerou e ela começou a rir de sua paranoia.
Foi até o olho mágico e quando viu quem estava do outro lado da porta, seu sorriso sumiu
instantaneamente.
Monique encostou a testa na fria madeira e já estava se afastando quando a campainha tornou a
soar, fazendo-a se assustar novamente e, sem querer, derrubar um vaso que ficava no aparador ao
lado da porta.
Lentamente Monique desvirou a chave e abriu a porta.
Quando os olhos azuis e frios encontraram os dela, Monique sentiu seu corpo se arrepiar.

Gabriel olhou-a incredulamente. O que ela estava fazendo ali? — pensou. Ele pôde perceber que
sua pele estava levemente corada e seus cabelos estavam cheirando deliciosamente bem. Lembrava
cheiro de rosa.
— O que você…? — Gabriel espiou para o lado de dentro da porta entreaberta. — Onde está
Guilherme? Eu havia marcado com ele.
— Não sei — Monique respondeu e sua voz soou extremamente baixa. — Eu acordei e ele tinha
saído. Você pode esperar aqui se quiser.
— Eu vou! — Gabriel empurrou a porta e entrou, olhou ao redor até que viu o vaso quebrado.
Avaliou o lugar e a situação com um olhar intrigado.
Depois, virou sua atenção para Monique que tinha acabado de trancar a porta e caminhava para a
copa, com a intenção de pegar a vassoura e a pá para recolher os cacos de vidro.
Os olhos de Gabriel fitaram as longas pernas de Monique, que não estavam cobertas. Ele não
pôde evitar contemplar o corpo dela, de cima a baixo.
Camisa do Guilherme! Gabriel pensou.
Quando Monique se abaixou para varrer os cacos para cima da pá, suas pernas ficaram ainda
mais expostas e Gabriel se virou, evitando olhá-la, sabendo bem que tipo de reação lhe provocaria.
— Então, você e meu irmão…?
— Somos apenas amigos e como meu apartamento está interditado, ele me trouxe para cá.
Gabriel deu um sorriso debochado.
— Meu irmão perdeu totalmente o juízo, colocando uma assassina debaixo do próprio teto.
— Eu sei que o investigador não acredita em mim… — ela o fitou. — Mas eu não fiz aquilo e seu
irmão não corre perigo.
Gabriel não respondeu. Era óbvio que ele não acreditava nela. E se ela não fosse tão boa atriz,
Guilherme também não acreditaria. Contudo, ele não o culparia. Realmente o brilho daqueles olhos
negros, sua aparente inocência e sua beleza cativavam qualquer homem. Menos ele. Ah não! Gabriel
era esperto demais para se deixar seduzir por tal beleza.
Atraído sim, seduzido, nunca.
Impaciente, ele olhou o relógio. Desde que Monique saiu da sala, há pouco mais de quinze
minutos, ele sequer ouvira algum barulho vindo da cozinha. Ele se levantou a fim de ver o que tinha
acontecido, quando Monique veio com uma bandeja com café e torradas.
— Eu não sei quanto tempo Guilherme vai demorar. Aceita um café? — ela perguntou enquanto
servia duas canecas.
— E o que você colocou nele? Cianureto? — A voz de Gabriel soou fria, mas seus olhos
brilhavam.
Monique o encarou incrédula e ofendida, porém, logo mudou sua expressão. Já devia esperar por
isso.
A fim de demonstrar sua boa vontade, Monique tomou dois goles de café, um de cada caneca e
entregou uma a Gabriel.
— As torradas foram compradas prontas, não fui eu quem fiz, mas se o investigador desejar,
posso morder um pedaço de cada uma delas. — ela desviou o olhar e tomou outro gole do seu café.
Gabriel apertou os olhos, irritado com a insolência dela. Depois, colocou a caneca novamente na
mesa.
— Eu não tomo café.
— Um policial que não toma café?! — Monique demonstrou uma genuína surpresa.
— Cafeína me deixa com insônia e eu já tenho suf… — Por que estava conversando com ela? Por
que estava fornecendo informações pessoais? Ele se perguntava irritado.
Monique sentou-se no sofá e continuou bebendo seu café. Cruzou as pernas deixando uma
quantidade grande de pele à mostra.
Gabriel deixou o olhar fixado por um tempo maior que o necessário naquela pele que ele
imaginava ser muito macia. Ouviu-a dar uma risadinha enquanto tomava mais um gole de café.
— O que é engraçado, senhorita Pillar?
A voz de Gabriel soou tão ríspida que o sorriso de Monique desapareceu no mesmo instante.
Gabriel se aproximou dela com passos firmes e colocou as mãos nas costas do sofá, uma em cada
lado dos ombros de Monique. O rosto a poucos centímetros do dela, com uma expressão furiosa e o
olhar ainda mais gélido que o normal.
— Acha que pode fazer comigo o que fez com o imbecil do meu irmão? Jogar seu charme para
cima de mim não vai livrar a sua pele. Não vou descansar um só dia da minha vida enquanto você
não for devidamente condenada. Então não perca seu tempo…
— O que está acontecendo aqui? — Guilherme irrompeu pela porta. Os olhos semicerrados
diante da cena que ele presenciara.
— Onde diabos você estava? — Gabriel perguntou rispidamente, afastando-se de Monique.
Capítulo Cinco

Os irmãos Goulart foram até um bar, a poucos quilômetros do apartamento de Guilherme. Durante
todo caminho até o estabelecimento, eles não trocaram nenhuma palavra.
Ainda no apartamento, Gabriel havia dito que estava ali esperando por ele há alguns minutos e
perguntou se o irmão estava maluco por dar abrigo a uma assassina.
Guilherme retrucou, dizendo que ela era inocente até o julgamento.
Por algum motivo, que Gabriel não soube explicar, ele não disse ao irmão que Monique estava
tentando seduzi-lo. Não! Ele não tinha a menor intenção de poupar Guilherme de qualquer possível
sofrimento, decepção ou constrangimento… Longe disso. Ele até gostaria de fazer seu irmão provar
do próprio veneno. Certamente também não pouparia aquela mulher desprezível — e linda — de
passar por tal embaraço.
Então porque ele não havia dito?
Sentados à mesa de madeira escura do bar, propositalmente mal iluminado, Gabriel pediu uma
cerveja importada enquanto Guilherme pediu uma caneca de vinho, que foi servida por uma linda e
peituda garçonete loira de olhos tão verdes que pareciam duas esmeraldas. Ela sorriu largamente
para cada um dos irmãos. Guilherme a ignorou completamente, mas Gabriel sorriu sedutoramente e
lhe deu uma piscadela, fazendo-a empinar seus seios e sorrir ainda mais.
Depois que ela se afastou, Guilherme lançou um olhar de censura para o irmão, que acompanhava
a garçonete com o olhar.
— Que foi? — perguntou Gabriel, sorrindo maliciosamente antes de tomar um gole da sua
cerveja. — Estou apenas tratando de me divertir.
— Quem liga para essa garçonete? Certamente ela amanhecerá em algum motel barato, sozinha e
com o valor da suíte e do táxi à disposição, em cima da mesa de cabeceira.
— Você virou celibatário, por acaso? Viu como ela é deliciosa… — ele apontou com o polegar
para trás, porém Guilherme ignorou.
— Eu não sou como você, Gabriel. Não pratico sexo como se fosse esporte.
— Claro que não, você prefere as comprometidas ou as assassinas — Gabriel respondeu
rispidamente.
Eles se encararam sérios e logo em seguida Guilherme suavizou sua expressão, soltou um longo
suspiro e recostou na cadeira, tomando um gole do seu vinho.
Nem de longe era como o vinho que ele estava acostumado a saborear, mas definitivamente tinha
o gosto melhor do que a porcaria que seu irmão estava bebendo.
— Eu não quero discutir novamente com você sobre o passado, Gabriel.
— Nem eu! — ele também se recostou à cadeira e deu de ombros. — Vim falar sobre o futuro. O
seu futuro e o futuro daquela lá.
— Ela tem nome.
— Tanto faz! — Gabriel se aproximou da mesa. — Você está louco? Dando abrigo a uma
assassina?
— Por que você está tão certo que ela é a assassina?
— E por que você está tão certo que não é? — a voz de Gabriel saiu mais alto que ele pretendia.
— Porra! — ele bufou. — Você leu o dossiê. Como pode ainda ter dúvida?
— Tudo indica que ela é culpada… — Guilherme disse e o irmão franziu a testa. — Assim como
tudo pode indicar que ela não tem culpa nenhuma.
— Você não está sendo coerente. Mas vamos à sua convicção de que ela é inocente, porque as
provas podem ser contestadas. Ela tem o motivo.
— Monique jamais tiraria a vida de alguém por qualquer motivo que fosse, mas o motivo que
você alega… Seria ainda mais improvável.
— Você passou anos na faculdade, fez prova para OAB, tornou-se um advogado renomado e
agora está tentando o cargo de promotor da cidade. Já pensou quando ela for condenada? Sua
carreira pode ir por água abaixo…
— Eu não me importo! — Guilherme respondeu rispidamente. — Não posso deixar uma pessoa
inocente ir para cadeia porque estou preocupado com minha carreira. Não foi para isso que eu me
tornei advogado.
— Ela não é inocente, porra! — Gabriel bateu na mesa, exasperado, fazendo a garrafa e a caneca
balançarem.
Todos no bar olharam na direção dos irmãos, porém Gabriel não se acuou. Ele não se importava
que as pessoas olhassem para ele. Estava acostumado a chamar atenção com seu porte imponente, sua
altura e tudo que vinha acompanhado com ele.
Guilherme se levantou ainda encarando Gabriel. Ele era o oposto do irmão. Detestava chamar
atenção. Quando tinha que dar entrevista sobre algum caso que estava defendendo — e ao longo da
carreira foram muitos — ele sempre se sentia desconfortável com tamanha atenção.
— Vou provar a inocência dela e aí nós vamos ver quem está errado.
— Não leve isso para o lado pessoal. Não é uma guerra entre nós dois. — Gabriel disse ainda
irritado, mas com o tom da voz mais baixo.
— Eu não estou, Gabriel. Nem tudo gira em torno de nós dois, ou do passado, ou, seja lá o
motivo que você ache que eu tenho para ter assumido esse caso. Conheço a Monique e sei que ela é
inocente.
Guilherme jogou uma nota de vinte reais em cima de mesa e saiu. Gabriel por sua vez, terminou
sua cerveja e levantou a mão para que a garçonete peituda e loira, lhe trouxesse outra long neck.

***

— Eu preciso falar com você… Você tem que me ouvir… Claro que eu entendo, mas você tem
que me entender também… Não... Estou na casa do meu advogado... Longa história... Por telefone
não... Marcamos em um lugar discreto... Ele está chegando, eu te ligo outra hora.
Monique colocou o telefone de volta no gancho e se apressou em ir para o quarto. Depois que
ouviu a porta bater, esperou um tempo e foi até a sala ao encontro de Guilherme.
Quando ela chegou ao cômodo, ele estava sentado no sofá com a cabeça recostada, uma taça de
um bom vinho na mão, apoiada no joelho, a camisa desabotoada e o outro braço sobre os olhos.
— Oi — Monique disse timidamente, não querendo se intrometer.
— Oi — Guilherme respondeu, consertando a postura e observando Monique de cima a baixo.
Ela ainda usava a mesma roupa de mais cedo e seu cabelo estava preso de forma bagunçada para
o alto. Ela sorria timidamente.
— Achei que você já estivesse dormindo.
— Dormi praticamente a tarde toda. Estou sem sono…
Guilherme não respondeu, apenas tomou um gole do seu vinho.
— Noite difícil? — ela perguntou, sentando-se no sofá oposto.
— Irmão difícil!
— Ele não gosta de mim.
— Gabriel não gosta de muitas pessoas.
— E também não gosta de você.
Guilherme deu de ombros.
— Um dia, ele gostou — ele encarou Monique que tinha um olhar interrogativo — Desculpe, mas
não quero falar sobre isso.
— Vocês… Falaram sobre mim?
— Basicamente — ele respondeu, não reafirmando para ela sobre a divergência de opiniões que
ele e seu irmão tinham a respeito do caso. — Acho que chegou àquela hora em que você precisa me
contar o que aconteceu naquela noite.
— Precisa ser hoje? — Monique fez uma cara triste, seus olhos lacrimejaram e ela suspirou.
— Podemos deixar para amanhã — Guilherme disse um pouco contrariado. — Mas não
poderemos adiar mais, preciso começar a agir antes que seja tarde demais.
— Tudo bem, mas eu saí da prisão hoje. Não estou fisicamente cansada, porém estou
emocionalmente. Preferia que conversássemos sobre outra coisa — os olhos de Monique eram
suplicantes.
— Sinto muito, querida, mas estou cansado e essa conversa com Gabriel me deixou ainda mais
exausto. Eu vou me deitar. — Guilherme se aproximou dela, beijando o topo da sua cabeça. — Fique
à vontade. Você está em casa. Boa noite!

***

— Nossa, você é tão gostoso! — a garçonete dizia enquanto se movimentava em cima de Gabriel.
— Eu sei querida! — ele respondeu com um sorriso lascivo no rosto.
Cada uma das mãos dele segurava um dos seios siliconados da garçonete, enquanto ela cavalgava
sobre seu membro, gemendo alto e o encarando.
— Vamos querida, mais rápido — ele disse quando estava próximo de chegar ao ápice de seu
prazer.
Gabriel ajudou-a a se movimentar mais, segurando firme em sua cintura, fazendo o corpo dela
subir e descer. Não demorou muito para que chegasse ao orgasmo. Ele começou a acariciar o clitóris
dela e depois de se certificar que a moça havia gozado mais uma vez, Gabriel a tirou de cima dele,
retirou o preservativo, dando um nó na ponta, e colocou dentro do bolso da calça jeans, que estava
jogada no chão ao lado da cama.
Alguns minutos depois, a garçonete dormiu, exausta e satisfeita depois dele dar a ela a melhor
noite de sexo da sua vida, segundo as palavras dela.
Gabriel se vestiu, deixou algumas notas na mesinha ao lado da cama, suficientes para ela pagar o
motel e pegar um táxi, depois saiu.
Enquanto ele deixava o motel, lembrou-se das palavras de Guilherme sobre o que ele faria com a
garçonete e sorriu satisfeito.
***

Guilherme teve uma emergência naquela manhã e saiu de casa antes mesmo de Monique acordar.
Deixou para ela um bilhete na cozinha e café da manhã pronto.
Ela tomou seu desjejum rapidamente, se arrumou e saiu.

Monique estava parada em frente a um prédio comercial imponente onde funcionavam diversas
empresas dos mais variados seguimentos.
Muitas pessoas iam e vinham e nenhuma parecia se importar com a estranha e malvestida moça
parada próximo a porta giratória do prédio.
Ela também não se importou com as pessoas. Monique havia deixado os cabelos soltos, usava
óculos escuros e jeans, tênis e um casaco de moletom. Andava de um lado para outro, impaciente. O
relógio estava contra ela.
Uma hora havia se passado e quem Monique queria que passasse pelo saguão do prédio, não tinha
aparecido. Ela não estava com sorte naquele dia. Decidiu que iria embora e tentaria novamente
amanhã.
Mal ela havia tomado essa decisão e o homem alto, de cabelos castanhos e olhos acinzentados
apareceu, saindo pela catraca que separava a entrada dos funcionários dos demais visitantes. Ele
conversava distraidamente com um homem quando seus olhos pousaram em Monique e o sorriso que
ele exibia sumiu no mesmo instante. Educadamente, o homem se despediu do senhor que o
acompanhava e foi na direção dela.
— Que diabos você está fazendo aqui, Monique?
— Eu disse que precisávamos conversar.
— Você ficou louca? — ele olhou para os lados, preocupado, mas ninguém parecia prestar
atenção neles — E se alguém te seguiu até aqui? Não quero que nos vejam juntos.
— Marcelo, por favor — os olhos dela se encheram de lágrimas. — Eu não tenho mais ninguém,
só você.
— Você tem o seu advogado.
— Não sei se ele pode me ajudar, como você pode. — Uma lágrima rolou pela face de Monique
e Marcelo soltou a respiração que, até então, não havia percebido que estava presa.
— Tudo bem, não chore — ele passou o polegar em seu rosto, secando a lágrima solitária — Me
dá o telefone de onde você está, eu prometo que vou ligar para você, vamos conversar em um lugar
menos público.
— Eu não sei o número de lá e me desfiz do meu celular quando essa confusão toda começou.
Descobriram meu número… Comecei a ser ameaçada, trotes, foi horrível… — mais lágrimas
rolaram pelo seu rosto e Marcelo a puxou e a abraçou, segurou-a por alguns segundos e a soltou
depois de beijar seu cabelo.
— Desça até a garagem do prédio. Meu carro está na vaga E17. Espere por mim lá.
Monique sorriu e fez como Marcelo disse.
Alguns minutos depois, ele apareceu com um celular na mão.
— Toma — ele entregou o celular na mão dela — Esse celular é desbloqueado. Aqui… —
Marcelo entregou algumas notas na mão de Monique — Compre um chip da operadora que você
quiser, coloque crédito e me ligue para me passar o número. Depois, aguarde que vou te ligar assim
que conseguir um lugar para nos encontrarmos com tranquilidade.
— Obrigada por não me abandonar, Marcelo.
— Vou cuidar de você, Monique. Não se preocupe.
Marcelo deu um beijo em sua testa e se despediu.

***

Monique entrou no apartamento e foi direto para o quarto, mas não teve tempo nem de fechar a
porta quando Guilherme entrou com uma expressão preocupada.
— Onde você foi? — a voz dele não era ríspida, mas, nem de longe era a voz suave com que ela
estava acostumada.
— Eu só fui dar uma volta — Monique respondeu acuada diante da cobrança de Guilherme.
Ele a encarou firmemente, e Monique não desviou o olhar.
— Me desculpe, mas quando eu cheguei em casa e não a vi… Pensei…
— Pensou que eu tinha fugido? — a voz de Monique saiu amargurada. — Achei que você
acreditasse na minha inocência.
— Me desculpe, eu acredito, mas Gabriel…
Ele parou a frase e Monique ergueu seu rosto.
— Eu sei o que o investigador pensa sobre mim, Guilherme. E achei que sabia o que você
pensava.
— Desculpe, não é que não acredite na sua inocência, mas, sei também que você está com medo.
Pensei que você pudesse ter fugido, por não acreditar que eu posso te ajudar.
— Sim, Guilherme, eu tenho muito medo. Medo de pagar por um crime que eu não cometi, mas eu
jamais faria isso com você. Eu só tenho você.
— Eu sei, querida. — Guilherme a abraçou e depois se afastou, sentando-se na cama dela. — Por
falar nisso, acho que chegou a hora de termos aquela conversa.
— Tudo bem. — Monique o encarou, abraçando o próprio corpo.
Capítulo Seis

Monique fez chá para eles. Precisava de algo quente e relaxante para conversar com Guilherme
sobre “aquele assunto”. Como ela queria ter tomado uma decisão diferente aquele dia, ou, que tais
decisões não tivessem virado um pesadelo. Mas ao contrário disso, o pesadelo perdurava até hoje.
Desde aquele dia, a vida de Monique nunca mais foi a mesma e talvez nunca mais seria.
De volta ao quarto de hóspedes, onde Guilherme gentilmente havia arrumado para receber
Monique, sentados um em cada extremidade da cama, ela tomou um gole do chá para tomar coragem.
Não funcionou.
— Eu li seu depoimento, Monique — Guilherme disse tentando lhe dar algum conforto. — Mas,
como seu advogado, preciso ouvir de você o que aconteceu naquele dia, com todos os detalhes
— Não deveria nem ter saído da cama naquele dia. Já comecei o dia mal. Fabiana e eu tivemos
uma discussão logo que acordei — ela parou e fixou o olhar em nenhum lugar específico, como se
estivesse pensando. — Eu havia pego uma jaqueta vermelha que ela ia usar. Claro que nós sempre
emprestávamos tudo uma a outra. Mas tínhamos uma regra de nunca pegar sem permissão, isso nos
dava a ideia de certa privacidade.
Monique tomou mais um pouco de chá, antes de continuar.
— Ela parecia nervosa com alguma coisa, Fabiana nunca foi de gritar, mesmo quando estava
coberta de razão, o que não era o caso. Para que nós não acabássemos nos ofendendo, eu saí batendo
a porta e ela me xingou. Eu não entendi nada, nunca a vi com tanta raiva.
— Discutiram por causa de uma jaqueta? — ele franziu o cenho, porém diante da confirmação
dela, ele continuou. — No dia anterior, como ela estava?
— Nervosa, mas normal. Ela estava saindo para ir se encontrar com o noivo.
— Marcelo Mendonça.
Monique assentiu.
— Continue — Guilherme pediu, colocando seu chá de lado.
— Depois da nossa discussão, eu não consegui ir trabalhar. Estava muito triste. Fiquei andando
até a hora que voltei para casa.
— Monique… — Guilherme suspirou. — Esse é o problema. Você não pode simplesmente dizer
que ficou andando. Tem que ter ido a algum lugar, alguma loja, qualquer lugar que prove que você
estava na rua. O crime aconteceu alguns minutos depois que você saiu. Se você não voltou logo para
casa, como você diz, onde você estava? Ninguém fica vagando pela rua tanto tempo sem parar em
algum lugar para tomar uma água pelo menos.
Monique não disse nada. Olhou para Guilherme em silêncio e baixou o olhar.
— Eu só... Caminhei. Quando voltei para casa, achei estranho a porta estar destrancada, mas
agradeci que estivesse, pois eu saí tão apressada que só quando voltei, percebi que havia esquecido
minhas chaves. Assim que abri a porta, percebi que algumas coisas estavam fora do lugar e um
espelho que devia estar pendurado na parede, havia sumido. Enquanto arrumava o que estava
bagunçado, chamei por Fabiana várias vezes e, como ninguém respondeu, achei que ela havia saído
rapidamente, por isso a porta estava aberta. Fui tomar um banho. Estava cansada. Demorei bastante
debaixo do chuveiro e logo em seguida, fui até a cozinha preparar alguma coisa. Foi então que vi o
celular dela sobre a mesa e estranhei... — os olhos de Monique se encheram de lágrimas. — Resolvi
procurar no quarto dela e a encontrei. Ah Guilherme... — ela se aproximou dele e o abraçou. — Foi
a cena mais horrível da minha vida.
Monique chorava copiosamente, soluçando, enquanto Guilherme acariciava seu cabelo e mantinha
seu rosto encostado em seu peito. Apenas a consolando, se compadecendo do sofrimento dela.
Depois de muito chorar, Monique adormeceu nos braços do advogado que apenas pensava em
toda aquela história. Ia ser muito difícil provar a inocência dela, contudo, ele já tinha aceitado
advogar em casos mais complicados e se saiu muito bem. Estava certo que dessa vez não seria
diferente. Ficou tanto tempo ali, que mal se deu conta que estava anoitecendo.
Guilherme acomodou Monique na cama carinhosamente e depois de se certificar que ela estava
totalmente confortável e aquecida, apagou a luz e saiu.

Guilherme deixou que Monique descansasse um tempo e foi para o seu quarto. Depois de um
banho, fazer a barba e se arrumar, ele voltou ao quarto dela. Ele queria animá-la de qualquer forma e
estava devendo a ela uma lasanha.
— Monique, acorde — ele acariciou o rosto dela suavemente, enquanto a chamava.
Quando ela abriu os olhos, o sorriso que dirigiu a Guilherme, por um instante, o fez se lembrar de
quando estavam juntos e como ela sempre sorria assim, tão doce e gentil, sempre que o encontrava.
Sorriso que hoje em dia era difícil de se ver.
— Levante-se e se arrume. Vamos sair em meia hora.
— Mas Gui… — ela disse, no entanto, ele bateu delicadamente a ponta do dedo no nariz dela e
sorriu.
— Nada de “mas”. Vamos sair, conversar, esquecer isso tudo, pelo menos por hoje.
Monique não se sentiu muito animada, porém diante do entusiasmo de Guilherme, ela concordou.
Meia hora depois, ela o encontrava na sala.
Ele estava esperando, sentado no sofá, trocando o canal repetidamente, sem realmente estar
interessado em algo para assistir, quando ele a viu.
Monique estava usando o vestido que ele tinha comprado para ela. Era branco, um pouco acima
do joelho, justo até a cintura e com uma saia larga.
— Você está linda — ele elogiou enquanto desligava a TV e levantava para ir ao seu encontro.
— Obrigada — ela disse sorrindo. — Você também está muito bonito.
— Obrigado. Agora vamos que temos reserva e não podemos nos atrasar.
Guilherme segurou a mão de Monique e a puxou para fora do apartamento.
Durante todo o caminho até o restaurante, ele conversou com ela sobre diversos assuntos,
evitando ao máximo falar sobre qualquer coisa que a lembrasse do processo.
Assim que ele estacionou diante do melhor restaurante de massas da cidade, ele deu a volta e
abriu a porta do carro para ela, antes de segurar novamente sua mão e seguir com ela até o
restaurante.
O local parecia uma cantina italiana, com toalhas vermelhas sobre as mesas de madeira escura,
música ambiente e iluminação fraca.
— Que lugar lindo! — ela disse depois que foram levados até a mesa que estava reservada aos
dois.
— Gosto muito daqui também. — ele disse enquanto pedia uma garrafa de vinho tinto e entregava
a Monique o cardápio para que ela escolhesse.
— Quero uma lasanha de quatro queijos.
— Vou querer uma à bolonhesa — Guilherme disse ao garçom antes de entregar o cardápio de
volta para ele.
Monique mal podia acreditar. Apesar de estar relutante no início sobre sair para jantar com
Guilherme, estava adorando a noite. Sentia-se relaxada e a conversa estava tão agradável que ela até
se esqueceu dos problemas. Talvez influenciada pelo álcool, mas por um instante, enquanto
Guilherme sorria e falava sobre uma coisa engraçada, ela se lembrou da época que estiveram juntos
e lamentou. Não lamentou ter namorado ele, ou terem terminado, porém, lamentou nunca tê-lo amado
de verdade. Ela era apaixonada por ele, era verdade, entretanto, queria tê-lo amado. Só que não foi
difícil terminar quando o relacionamento deles começou a atrapalhar seus estudos. Na verdade, foi
bem fácil.
— Está com a cabeça no mundo da lua? — ele colocou a mão por cima da dela gentilmente e
sorriu ainda mais.
— Não — ela sorriu de volta e não puxou a mão. Sabia que era o que deveria fazer, mas não o
fez. — Estou apenas pensando que às vezes, só às vezes, queria poder voltar no tempo e mudar as
coisas.
— Não pense nisso. — ele entrelaçou os dedos aos dela e acariciou sua mão com o polegar. —
Vai dar tudo certo.
Monique tomou um gole do seu vinho e sorriu em seguida.
— Vai sim.
A noite seguiu deliciosa e divertida, depois que eles voltaram para o apartamento de Guilherme,
Monique beijou o rosto dele carinhosamente e agradeceu antes de seguir para seu quarto. Enquanto se
trocava, ela sorriu. Estava quase tudo perfeito. Só uma pessoa atrapalhava sua felicidade.

Na manhã seguinte, eles tomaram o desjejum juntos. Guilherme estava arrumado, com seu terno
caro, feito sob medida, pois tinha uma audiência no tribunal. Um de seus clientes mais importantes —
e ricos — estava sendo processado por assédio e Guilherme estava defendendo o cara.
— Não sei que horas volto hoje, contudo, precisamos terminar aquela conversa.
— Eu sei, me desculpe por ontem. Fabiana era como uma irmã para mim… É tão difícil tocar
nesse assunto, ainda mais depois que a culpa caiu sobre mim. Você sabe, eu nunca…
— Claro! Conheço você, sei que não cometeria tal barbaria. Mas fique tranquila — Guilherme
colocou a mão sobre a dela. — Vamos conversando aos poucos. Está bom assim?
Monique assentiu e sorriu.
Quando Guilherme saiu, Monique lavou o que eles haviam sujado no café da manhã e foi para o
quarto. Ligou o celular que havia ganhado de Marcelo e ligou para ele. Chamou até cair na caixa
postal. Ela tentou mais uma vez e novamente ele não atendeu.
“Marcelo, sou eu. Este é meu número. Me liga, precisamos conversar o mais rápido possível.
Beijos” — ela deixou um recado e desligou.
Monique ficou nervosa. Andava de um lado para o outro, impaciente. Precisava conversar com
Marcelo antes de falar com Guilherme novamente, ou estaria perdida. Quando estava prestes a ligar
novamente, o número de Marcelo apareceu na tela.
— Oi… Estava ficando nervosa.
— Desculpa minha linda, eu estava eu reunião. Pode me encontrar daqui uma hora?
— Claro… Qual o endereço?
— Vou te mandar por SMS. Quando chegar lá, só precisa falar com o porteiro que vai ao quinto
andar.
— Certo.
— Esse apartamento estava vazio há alguns meses e eu o aluguei para te encontrar. Mas o prédio
lá não tem muita segurança, nem é movimentado demais. Por isso, não corremos perigo.
—Entendi… Te encontro lá em uma hora então.
— Até daqui a pouco então.
— Até.
Monique se arrumou rapidamente, pegou sua bolsa e saiu, certificando-se de trancar a porta.
Precisava ser rápida, pois tinha que voltar antes de Guilherme.
Quarenta minutos depois, Monique chegava a um prédio velho, com a fachada castigada pelo
tempo e portas de ferro descascadas. O edifício não tinha mais do que seis andares e o senhor magro
de cabelos brancos que ficava na mesa antiga de madeira, cochilava.
— Apartamento 505. — Monique disse quando o senhor despertou assustado, depois que ela
pigarreou para acordá-lo.
— Pois não senhorita, o elevador é a sua esquerda.
— Obrigada.
Como se eu não pudesse ver! Ela pensou, revirando os olhos.
O saguão do prédio era tão pequeno que a mesa do senhor mais atrapalhava do que ajudava.
Quando o elevador abriu suas portas no quinto andar, sacolejou, fazendo Monique sair
rapidamente de dentro da caixa de aço.
Dando uma rápida olhada nos números colados às portas dos apartamentos, Monique caminhou
para o lado esquerdo indo em direção ao apartamento 505.
Tocou a campainha uma vez e não demorou muito para que a porta abrisse e o encantador rosto de
Marcelo aparecesse sorrindo.
Monique retribuiu o sorriso genuinamente. Seus dias não estavam sendo fáceis, mas ela e
Marcelo se conheciam há muito tempo, além do mais, confiava nele.
— Que bom ver você novamente. — ela o abraçou acaloradamente e ele retribuiu, dando um
beijo no topo da sua cabeça.
— Digo o mesmo, minha linda — ele segurou a mão de Monique e fechou a porta, depois a puxou
para um sofá velho. — Desculpe as condições do nosso encontro, mas já te expliquei que se nos
virem juntos…
— Eu entendo, não precisa repetir.
Monique encarou os lindos olhos acinzentados de Marcelo e de alguma forma, o jeito que ele a
olhava, a confortou.
— Meu advogado está me pressionando. Ele quer saber onde eu estive aquele dia.
— Você não pode dizer.
— Se eu disser, ele pode usar isso a meu favor.
— Nós já conversamos sobre isso, não foi? — Marcelo se aproximou e segurou a mão de
Monique. — Nós não podemos ser vistos juntos.
— Eu não quero ir para a cadeia, Marcelo.
— Não vou deixar isso acontecer. Eu que dei um jeito de Guilherme saber da sua situação e isso
o fez vir correndo para te defender. Eu sabia que depois do que vocês tiveram… — Marcelo fez uma
careta divertida — Ele não hesitaria em pegar seu caso. Guilherme Goulart é o melhor advogado da
cidade e sua melhor chance.
— Mas ele quer saber detalhes. Não acredita que eu fiquei apenas caminhando. Eu não sei o que
dizer.
— Não pode dizer que estávamos juntos. Pensariam... — Marcelo fechou os olhos e passou as
mãos no cabelo. — Por favor, Monique, eu vou te ajudar, mas não posso ter meu nome envolvido
nisso mais do que já está. Principalmente neste momento.
Eles se encararam por um tempo até que Monique suspirou.
— Eu preciso ir, se Guilherme chegar e eu não estiver em casa novamente, ele pode ficar
desconfiado.
— Vocês estão juntos de novo? — a voz de Marcelo soou fria.
— Não. Guilherme é um bom amigo.
Monique se aproximou e deu um beijo no rosto de Marcelo.
— Não me abandone, Marcelo.
— Eu jamais faria isso. Você vai sair dessa e um dia vamos rir disso tudo.
Monique deu um sorriso que não alcançou os olhos e saiu. Preferiu descer de escada a sacolejar
novamente naquele elevador velho e caindo aos pedaços.
Assim que chegou ao saguão, ela colocou os óculos escuros e, ao passar pela porta, suspirou com
a brisa gelada que corria naquele dia ensolarado. Começou a sorrir lentamente, porém o sorriso se
esvaiu de seu rosto e seu coração falhou uma batida, quando olhou para o outro lado da rua e viu o
investigador Goulart.
Ele estava parado, encostado a um carro — usando seu habitual “uniforme”, jeans, camisa pólo e
blazer — com os dois braços cruzados na frente do peito.
Enquanto eles se encaravam, Gabriel tirou um bloco de anotações do bolso e escreveu alguma
coisa, depois avaliou o prédio.
Monique não sabia o que fazer, se corria ou se ia falar com ele.
Mas falar o que? — Pensou.
Lentamente ela caminhou até o meio-fio e seus primeiros passos foram o suficiente para Gabriel
caminhar em sua direção. Antes que ele pudesse alcançá-la, ela entrou em um táxi que tinha acabado
de estacionar e ordenou que o motorista saísse.
Digitou rapidamente uma mensagem para Marcelo dizendo que o investigador Goulart estava
parado diante do edifício e depois olhou para trás.
Gabriel observou o táxi se afastar antes de entrar no prédio.
Capítulo Sete

Quando Monique chegou em casa, não demorou muito e Guilherme entrou. Estava com um
semblante cansado e seu celular tocava incessantemente.
— Não vai atender? — Monique perguntou, já de roupa trocada e sentada no sofá, com a TV
ligada, sem realmente saber o que estava passando.
— Não! — ele respondeu. — Não quero falar com Gabriel hoje. O dia já foi bem difícil sem eu
ter que lidar com ele. Vou tomar um banho.
Monique apenas assentiu, mas assim que Guilherme sumiu pela porta do banheiro, ela correu para
seu quarto e desligou o seu celular, pois havia esquecido ele ligado. Quando olhou na tela, havia um
SMS de Marcelo.
“Foi por pouco”.
Isso significava que Gabriel por pouco não o pegou no apartamento. Monique estremeceu com a
simples hipótese de esse encontro acontecer. Ela e Marcelo jamais poderiam ser vistos juntos, por
muitas pessoas, mas principalmente por Gabriel. Tudo que ela não queria nem precisava, era
prejudicar, de alguma forma, Marcelo.
Com uma sensação de alívio, Monique voltou para sala e sentou novamente, agora procurando
realmente algo de interessante para assistir na TV, quando sua busca foi interrompida pela campainha
tocando.
Monique virou-se na direção do corredor, na esperança de Guilherme aparecer para atender a
porta, mas ele não veio. Ainda estava no banho. A campainha tornou a soar e relutante, Monique
levantou-se para atender.
Quando Monique espiou pelo olho mágico, não havia ninguém, entretanto, a campainha tornou a
tocar e sem tirar a corrente de proteção, ela abriu a porta e quando essa foi entreaberta, um braço
forte e musculoso empurrou a porta violentamente fazendo a corrente arrebentar.
O olhar frio de Gabriel fitou o rosto assustado de Monique. Ele apertou os olhos e caminhou na
direção dela ameaçadoramente.
— Guilherme? — ele perguntou, sua voz falsamente calma.
— Está tomando banho. — Monique respondeu baixando os olhos.
— O que você foi fazer naquele muquifo hoje à tarde?
— Eu… — Monique o encarou pensando em alguma resposta coerente para dar — fui visitar uma
amiga.
— Amiga uma ova. O porteiro disse que, ao apartamento que você foi, tinha chegado um homem
antes e que há meses aquele apartamento não era alugado, até dias atrás.
— Ele é um velho gagá, não sabe o que diz.
— Só porque é conveniente para você, senhorita Pillar — ele disse visivelmente exasperado. —
Com quem você foi se encontrar? Com seu amante? Seu comparsa?
A cada pergunta que Gabriel fazia, ele dava um passo ameaçador na direção de Monique.
— Você não precisa responder. — a voz de Guilherme soou alta, vinda do corredor, enquanto ele
se aproximava com o cabelo molhado, vestindo apenas um short de dormir.
— Ela foi se encontrar com o comparsa dela e você a está acobertando?
— Não estou acobertando ninguém. Ela não está na sua delegacia, nem sob interrogatório para
responder você. O que ela foi fazer, seja lá onde foi, só é da conta dela.
— Você é um idiota, Guilherme — a voz de Gabriel era fria, seu rosto estava vermelho, de tanta
raiva que ele sentia.
— Não sou eu que estou me comportando feito um idiota. — Guilherme deu de ombros.
— Sua cliente foi se encontrar com um homem, um que não quer ser encontrado, pois quando eu
fui até o apartamento já não havia mais ninguém lá. Deve ser comparsa dela no crime e…
— Isso é uma acusação? Já adicionou suas provas aos autos? — a voz de Guilherme era
tranquila, mas seus olhos ardiam. — Você não pode vir até aqui, fazer um monte de especulação e
acusar minha cliente sem ter provas.
— Você não percebe? — Gabriel estava exasperado e passou as mãos no cabelo. — Estou
preocupado com você, com o que ela pode fazer enquanto você dorme.
Guilherme pensou em retrucar debochadamente, no entanto, pôde ver uma genuína preocupação
nos olhos de Gabriel.
Sim, há muito eles não se entendiam, mas claro, eles eram irmãos. Era normal que um se
preocupasse com o outro. E tinha sido assim o tempo todo, a vida inteira, mesmo depois de terem
brigado.
— Agradeço sua preocupação, Gabriel, de verdade, mas não precisa se dar o trabalho. Eu estou
bem e vou continuar.
Gabriel fechou os olhos, contendo seu temperamento explosivo e quando tornou a abri-los, além
da raiva, havia tristeza.
— Quando for tarde demais, eu não vou poder te ajudar Guilherme. Às vezes, só às vezes, eu
queria que você tivesse razão e eu estivesse errado.
— Você está! — Guilherme disse e esboçou um sorriso. Não um sorriso debochado, ou de triunfo.
Mas um sorriso tranquilizador.
Queria que seu irmão entendesse, de uma vez por todas, que ele acreditava na inocência de
Monique.
Ela por sua vez, estava atônita, olhando os dois discutirem, mas com o pensamento em Marcelo.
— Não pense que eu vou esquecer essa história, senhorita Pillar. Eu vou descobrir quem foi o
homem que você foi encontrar.
Gabriel saiu, sem se despedir e bateu a porta atrás dele.
Guilherme voltou sua atenção para Monique, que estava sentada no sofá, encolhida como um
bicho ferido, abraçando as próprias pernas, olhando fixamente para a TV, com os olhos arregalados.
Ele não entendeu porque ela teve essa reação. Já deveria estar acostumada com o temperamento
explosivo de Gabriel.
— Você está bem? — Guilherme perguntou sem se aproximar.
— Não! — ela respondeu e uma lágrima solitária rolou por sua face. — Ele nunca vai me deixar
em paz. Vai me perseguir e caçar como na época da inquisição.
— Ele está fazendo o trabalho dele. Enquanto Gabriel acreditar que você é culpada, não vai
descansar até te ver atrás das grades.
— E isso deveria ser uma coisa boa? — a voz de Monique soou magoada.
— Sim! Pode não parecer agora, mas Gabriel é honesto e muito, muito justo.
— Justo?! — ela se levantou abruptamente, sua voz levemente alterada. — Eu não a matei.
— Eu sei disso, Monique, mas Gabriel não. Ele acha que sim e mesmo estando errado, está
tentando fazer a justiça.
Monique olhou incrédula para Guilherme. Diante do silêncio dele, ela caminhou até a porta.
— Aonde você vai? — ele perguntou cauteloso.
— Esfriar a cabeça. Posso? — Monique olhou desafiadoramente para Guilherme. — Ou eu saí da
cadeia para me tornar prisioneira em seu apartamento?
Aquelas palavras atingiram Guilherme como punhais. Ele deixou claro que ela estava à vontade
para ir e vir. Sua intenção ao levá-la para sua casa, foi dar a ela um teto, conforto e proteção. Agora
ela atirava as palavras, sem se preocupar em feri-lo.
— Eu não vou te responder. — Guilherme disse visivelmente chateado e caminhou em direção ao
seu quarto.
Monique se arrependeu no mesmo instante.
Droga!
Aquele investigador a tirava do sério, a ponto de fazê-la descontar sua frustração em Guilherme,
que era um bom amigo e uma ótima pessoa. Bem diferente do irmão.
Ela voltou até o quarto de hóspedes, pegou seu celular e um casaco, pois fazia frio aquela noite, e
saiu.
Enquanto estava no elevador, mandou um SMS para Marcelo contando o que havia acontecido. E
depois de enviada a mensagem, pensou no senhor da portaria.
Aquele homem não parecia se importar em falar da vida alheia e talvez ela e Marcelo tivessem
que procurar outro lugar para se encontrarem.

Gabriel pilotou sua moto velozmente até o seu apartamento. Estava irritado, furioso na verdade.
Ela teve o disparate de mentir, dizer que tinha ido encontrar uma amiga, quando na verdade era um
homem que a esperava naquele apartamento. O porteiro, senhor Zacarias, não foi instruído a mentir,
uma vez que Gabriel só precisou perguntar para obter todas as informações necessárias e, quando o
investigador perguntou ao bom senhor se podia subir, ele sorriu cansado e educadamente, não se
opondo a entrada do investigador no edifício.
Assim que Gabriel saiu do elevador, percebeu que havia algo errado. A porta do tal apartamento
não estava trancada. Ele não hesitou em entrar e descobrir que, além do apartamento estar vazio, não
havia nada de pessoal ali. Todos os móveis estavam sujos e empoeirados, exceto pelo pano que
cobria o sofá. Como se alguém tivesse providenciado uma manta de última hora e jogado sobre o
couro velho e rasgado do móvel, para ter algum conforto para uma conversa. Ou algo mais íntimo.
Já em seu apartamento, essa história não saía da cabeça de Gabriel. Infelizmente ele não sabia
quanto tempo Monique havia permanecido no prédio.
Foi pura coincidência ele estar ali. Almoçava com um antigo amigo, o Ricardo, e quando saiu,
viu Monique deixando o edifício. Até então, ele não viu nada demais, ficou a observando e pegou seu
bloco para anotar o novo número de celular de seu amigo, mas, quando percebeu o semblante dela
empalidecer, soube que ela não estava fazendo boa coisa. Então, caminhou até ela para confrontá-la e
quando a viu entrando no táxi apressadamente, teve certeza que tinha algo de errado naquele —
aparentemente — simples ato.
Gabriel tomava seu banho enquanto pensava e repensava. Quem ela poderia ter ido encontrar? E
por que a pessoa saiu correndo, sem nem se preocupar em trancar a porta?
Com o cabelo molhado e o corpo ainda úmido, Gabriel saiu do banheiro enrolado apenas em uma
toalha. Ele estava exausto. Tudo que ele queria era sua cama. Esse caso estava lhe tirando o pouco
sono que tinha e depois que Guilherme assumiu a defesa da acusada, sua preocupação só aumentou.
Claro, tinha seus problemas com seu irmão, mas ele ainda era sua família e nunca permitiria que
alguém lhe fizesse mal.
Foi até a cozinha, pegou a porcaria do chá que estava na garrafa térmica e seguiu para seu quarto.
Foi até a cabeceira e retirou da embalagem um comprimido do seu remédio tarja preta, depois, o
tomou com aquele chá horripilante e se jogou na cama, pedindo aos céus que aquele cansaço o
ajudasse a ter uma noite de sono tranquila.
Óbvio que isso não aconteceu.
Às três da manhã o celular de Gabriel tocou. A princípio, achou que fosse um sonho, mas quando
a pessoa do outro lado insistiu, ele acordou resmungando, esticou a mão para o lado e atendeu
rispidamente.
— Investigador Goulart... Sim... Uhum... Certo... Qual o endereço?... Qual a porra do endereço?
— Gabriel levantou num pulo e, ouvir a confirmação do endereço daquele crime fez todos os seus
sentidos despertarem — Chego aí o mais rápido possível.
Quando o investigador estacionou sua moto em frente ao endereço, uma estranha sensação pesou
em seu estômago. Era como se ele soubesse que algo assim poderia acontecer, e não fez nada para
evitar.
Muitas viaturas estavam estacionadas próximas ao local e uma fita de isolamento já havia sido
colocada no lado de fora do prédio. Quem estava dentro, não podia sair e quem estava fora, não
podia entrar, sendo morador ou não.
Gabriel atravessou a faixa, logo um policial veio ao seu encontro, para levá-lo até o corpo.
As portas do elevador estavam abertas e quando o investigador olhou para dentro da caixa de
aço, viu o corpo do homem, coberto de sangue, com várias perfurações na roupa e na pele, o que
indicava que havia sofrido vários golpes com algo cortante ou perfurante. Ao reconhecer o rosto da
vítima jogado na poça de sangue, ele se irritou.

Capítulo Oito

— Já interrogaram os moradores? — Gabriel perguntou friamente ao policial que estava ao seu


lado.
— Sim, investigador. Ninguém viu nem ouviu nada, não houve invasão em nenhum apartamento.
Todos são ocupados por moradores, exceto…
— O 505. — Gabriel continuou a fala do policial que franziu a testa e o encarou — Continue. —
disse, enquanto analisava a cena.
— Todos os moradores disseram praticamente a mesma coisa. Não havia ninguém aqui que
tivesse motivos para fazer isso com o senhor Zacarias Soares. Ele era simpático com todos e apenas
tinha sido mantido no cargo porque era sua única distração. Há muitos anos ele perdeu a esposa e o
casal não tinha filhos. Como ele trabalhou como porteiro a vida inteira, os moradores concordaram
em mantê-lo aqui, mesmo sabendo que não era necessário. Ou seja, o senhor Zacarias era uma pessoa
querida por todos.
Gabriel ouvia atentamente.
— Achamos que, quem quer que tenha feito isso…
— Conhecia o porteiro! E o senhor Zacarias acompanhou de bom grado a pessoa até o elevador e
quando as portas fecharam, ele foi pego de surpresa, apunhalado inúmeras vezes, sem ter tempo
sequer de reagir. — Gabriel completou como se tivesse lido a mente do policial.
— Como o investigador…
— Ora cabo, estou nisso há muitos anos. O assassino conhece o prédio. Sabe que não há câmeras,
senão teria atraído o senhor para fora e não para dentro. Também sabia que a movimentação aqui é
menor durante a madrugada. Chegou, convidou o senhor Zacarias para ajudar em alguma coisa, o
assassinou e depois saiu.
Gabriel foi até a calçada e observou mais atentamente a vizinhança. Do outro lado da rua havia o
restaurante que tinha almoçado no dia anterior. Ao lado direito funcionava uma velha lavanderia. Do
lado esquerdo uma loja de revistas. Várias lojinhas velhas e perdidas pelas proximidades, mas na
esquina do outro quarteirão havia um caixa eletrônico e um brilho de esperança iluminou os olhos de
Gabriel e quase o fizeram esboçar um sorriso… Quase.
— Será praticamente impossível descobrir quem fez isso — o cabo Dantas disse, observando o
quão simples e desprovido de tecnologia era o lugar.
— Nenhum crime é tão perfeito que não deixe vestígio. — Gabriel indicou o caixa eletrônico
com a cabeça.
A câmera daquele dispositivo talvez nem tivesse filmado nada que pudesse ajudar, mas ele tinha
que tentar.
Contudo, a essa altura, Gabriel já desconfiava quem havia feito aquilo. E sentia-se culpado,
afinal foi ele quem disse que o senhor Zacarias havia sido totalmente solícito quando ele foi lá
confrontar de onde ela havia saído.

***

Monique levantou e se espreguiçou, esticando todos os músculos de seu corpo. Estava cansada,
pois havia voltado tarde do seu passeio noturno. Ainda sonolenta, foi até a cozinha procurar algo
para comer.
Guilherme estava diante da pia, cortando algumas frutas. A cafeteira já exalava um delicioso
cheiro de café fresco e, um bolo e alguns pães estavam convidativos sobre a mesa.
Quando ele percebeu a presença de Monique, virou-se e sorriu amigavelmente para ela, em sinal
de boa vontade.
Monique retribuiu o sorriso e suspirou aliviada. Ela não queria que ficasse um clima estranho
entre eles. Se indispor com Guilherme não era uma opção. Não neste momento tão delicado da sua
vida.
— Me desculpe por ontem. — Monique começou. — Eu realmente não devia ter descontado em
você, mas seu irmão me deixa irritada.
Guilherme a encarou e pôde perceber sinceridade em seus olhos.
— Tudo bem, porém, eu gostaria de reforçar que você é livre para ir e vir. Você é uma hóspede
nessa casa, Monique, e, as restrições pela lei não lhe permitem sair do estado.
— Eu sei Guilherme, eu realmente não deveria ter falado com você daquela maneira. Sinto muito,
muito mesmo.
Monique caminhou até ele e o abraçou apertado. Guilherme era um bom amigo e, com certeza,
neste momento era alguém muito especial em sua vida. Ela não podia deixar que o imbecil do
investigador a fizesse perder aquela afinidade boa que eles tinham.
— Está desculpada, agora vamos tomar café que eu tenho que estudar seu caso.
Monique assentiu e eles sentaram em torno da mesa para tomar o desjejum.
Eles já estavam quase terminando quando o celular de Guilherme tocou.
— Pronto… Não vou sair hoje… O que houve…? — Guilherme ergueu as sobrancelhas e
encarou Monique — Tudo bem.
Ele desligou o celular e suspirou profundamente, olhando para a tela do aparelho antes de voltar
a encarar Monique.
— Preciso lhe perguntar uma coisa — Guilherme estava visivelmente alterado — Onde você foi
ontem à noite?
— Eu não fui a lugar nenhum, só… Andei por aí. — as últimas palavras dela soaram como um
deja vù e diante da expressão de Guilherme, Monique se encolheu na cadeira.
— Você está com problemas. Gabriel está vindo aqui, o porteiro do prédio onde ele te viu ontem
foi brutalmente assassinado e… Bom, não preciso nem dizer que ele desconfia de você.
— Que horror! Pobre homem! — ela o encarou e diante da expressão de Guilherme, teve a
sensação que Gabriel estava vindo para levá-la. — Por favor, Guilherme, não fui eu… Eu só andei
por aqui, pelas redondezas. — a expressão dela era desesperadora e seus olhos se encheram de
lágrimas que rapidamente rolaram por sua face. — Eu não posso voltar para a cadeia, por favor, não
me deixe voltar para aquele lugar.
Guilherme soltou um longo suspiro e fechou os olhos enquanto massageava as têmporas.
Ele não queria e nem podia mentir para Gabriel, mas se ele a levasse como suspeita de outro
assassinato, ela nunca mais sairia da cadeia e isso também não era justo.
— Vá lavar o rosto e se recomponha. Gabriel chegará logo. Apenas confirme o que eu disser.
— Você vai mentir?! Por mim? — os olhos dela se iluminaram.
— Por enquanto, mas você tem que parar de “andar por aí”, toda vez que acontecer um
assassinato. — Monique olhou incrédula para Guilherme.
Apesar da sua voz suave, ele certamente estava contrariado com a resposta que ela havia dado. E
mais contrariado ainda de ter que mentir para Gabriel sobre algo tão sério.
— Tudo bem. — foi tudo que ela respondeu antes de ir para o banheiro lavar o rosto e tentar se
acalmar.
Monique ainda estava no banheiro quando Gabriel tocou a campainha. Ela respirou fundo,
tentando retirar do ar a coragem para encará-lo.

— Me conte, o que aconteceu? — Guilherme pediu a Gabriel enquanto eles sentavam-se no sofá
— Monique foi ao lavabo e já vem.
— O porteiro, senhor Zacarias Soares, foi assassinado com muitas perfurações. Vinte ao total,
entre onze da noite e uma da manhã dessa madrugada, no prédio onde encontrei Monique ontem. Não
acha muita coincidência que ela tenha sido vista em um lugar e poucas horas depois, alguém morrer
nesse mesmo local?
— Na verdade, acho mesmo que é uma terrível coincidência, pois Monique não saiu ontem.
Ficamos aqui a noite toda.
— Juntos? — Gabriel perguntou debochadamente.
— Não transamos se é isso que você está insinuando. Assistimos a um filme até tarde e depois
ficamos conversando. Já eram quase duas da manhã quando fomos deitar.
Gabriel encarou o irmão, desconfiado.
— Ela se juntará a nós logo, pode confirmar se quiser.
Mal Guilherme acabou de falar e Monique apareceu. Os cabelos lisos soltos, caindo feito uma
cascata por seus ombros, enfeitando a lateral do seu rosto.
Gabriel a encarou friamente e só de olhá-la, sentiu imediatamente aquela atração esmagadora, o
que só serviu para deixá-lo ainda mais irritado.
— Monique, Gabriel quer lhe fazer algumas perguntas.
— Claro! — ela se sentou na cadeira diante deles, encarando nervosamente os olhos azuis e
gelados de Gabriel.
— Acho melhor que ela me acompanhe até a delegacia e assim pode prestar um depoimento
formal.
— Você está acusando minha cliente? — Guilherme perguntou ao irmão, autoritariamente.
— Ainda não.
— Então ela pode te responder aqui mesmo.
— Onde você estava ontem entre as vinte e três horas e a uma da manhã?
— Aqui com Guilherme.
— Tem certeza? O que vocês fizeram durante a noite?
Guilherme fitou Monique nervosamente. E se ela não tivesse escutado bem a conversa? E se
dissesse algo diferente do que ele tinha dito? Tudo estaria perdido.
— Assistimos a um filme, conversamos… Nada de especial. — Monique disse e procurou com o
olhar aflito, os olhos de Guilherme.
Por sorte, Gabriel não percebeu. Ele se levantou e fitou os dois.
— Vocês podem até achar que me enganam, mas eu não sou o melhor no que faço por acreditar
em historinhas combinadas. — O olhar ríspido de Gabriel se dirigiu a Guilherme. — Ela deve
mesmo ser muito boa de cama para você colocar em jogo sua reputação, mentindo dessa maneira.
— Não vou permitir que você fale dela como se ela fosse uma…
— Se ela fosse uma, o quê? — Gabriel aumentou o tom da sua voz. — A única coisa que ela é
para mim, é assassina. E podem ter certeza que eu vou conseguir provas e colocar a morte do
Zacarias Soares na conta dela também.
Guilherme encarou o irmão seriamente, porém, não argumentou. Se Gabriel dizia que ia fazer
uma coisa, ele fazia e isso seria um problema.
O investigador levantou abruptamente e caminhou até a porta.
— Só mais uma pergunta. — Gabriel parou no batente da porta e se virou para encará-los —
Que filme vocês assistiram ontem?
Guilherme e Monique se entreolharam, sabendo que se respondessem juntos iriam se complicar.
Ela abaixou o olhar e Guilherme caminhou para perto de Gabriel.
— Uma comédia romântica…
— Não perca seu tempo inventando um filme. A reação de vocês já foi uma resposta.
Gabriel saiu deixando Guilherme exasperado e Monique ainda mais nervosa.
Capítulo Nove

Gabriel voltou até o local do crime e durante todo o caminho, xingou o irmão. Como ele podia
ser tão idiota a ponto de mentir para defendê-la?! Raiva era pouco para o que ele sentia. Tinha
vontade de abrir a cabeça de Guilherme e colocar algum juízo lá dentro.
Quando Gabriel chegou ao caixa eletrônico, há alguns metros do local do crime, o cabo Dantas,
que ele havia deixado lá de prontidão, estava parado ao lado do banco 24 horas, que já havia sido
devidamente isolado.
— O pessoal do banco não ficou muito satisfeito em terem que mandar alguém aqui para pegar a
filmagem. — o policial disse a ele.
— Pouco me importa se eles gostaram ou não, contanto que façam — Gabriel olhou
impacientemente para os dois lados da rua. — E porque estão demorando tanto? Preciso dessa
filmagem urgente.
Tirando o celular do bolso, Gabriel fez uma ligação. Ao longo dos anos tinha feito contatos
importantes e muitos deviam favores a ele. O investigador não hesitava em cobrar esses favores. Não
quando certa acusada lhe irritava tanto.
Vinte minutos depois, o responsável designado pelo banco chegou ao caixa eletrônico para pegar
a gravação e entregar a Gabriel.

Duas, três, quatro… Inúmeras foram as vezes que Gabriel assistiu a filmagem, no entanto, por
mais que o equipamento dele fosse de alta tecnologia, a filmagem era uma boa porcaria.
A pessoa era alta, vestia roupas comuns como jeans e moletom, ainda estava de capuz e assim,
ele não conseguiu distinguir se era homem ou mulher. Entretanto, isso não descartava a possibilidade
de ser Monique.
Irritado, Gabriel socou a mesa.
Não poderia atribuir mais essa morte a Monique. Pelo menos, não imediatamente.

***

Depois que Gabriel saiu, Monique foi para o quarto. Ficou terrivelmente abalada. Guilherme
mentira por ela e, o investigador sabia disso. As coisas estavam ficando cada vez mais complicadas.
Depois de mandar um SMS para Marcelo, avisando sobre a morte do porteiro, ele respondeu
dizendo que era uma infeliz coincidência e que agora ela teria que ser paciente, pois, precisaria
encontrar outro local para que pudessem se encontrar.
Ela mal teve tempo de esconder o celular quando Guilherme entrou em seu quarto.
— Podemos terminar aquela conversa? — ele perguntou firme.
Monique não queria, claro. Contudo, diante da atitude dele em mentir por ela, não podia mais
adiar.
— Claro. — respondeu sentando-se na cama, dando espaço para Guilherme se juntar a ela.
— Depois que você entrou no banheiro e encontrou Fabiana na banheira, conte-me exatamente o
que você fez.
Monique suspirou fortemente, antes de começar.
— Quando entrei no banheiro, havia um cheiro forte e estranho. Eu acendi a luz e a vi. Uma perna
dela estava para fora da banheira e todo o resto de seu corpo, estava dentro. Imerso em uma água
avermelhada. Agi por impulso e corri até ela, abracei seu corpo, tentando tirá-la de lá. — os olhos
de Monique se encheram de lágrimas. — Acho que tinha esperanças de que ela ainda pudesse ser
reanimada. Mas quando eu vi o estado que o corpo dela estava… — ela colocou a mão no rosto e
continuou a falar. — Todos aqueles cortes.
— Consta nos autos do processo que havia um canivete na banheira. Seu canivete, reconhecido
por você em seu depoimento.
— Ganhei da minha mãe quando vim para a cidade grande. Ela disse que era para eu poder me
defender dos homens daqui.
— Você entende que isso é o que está lhe trazendo maior problema? O canivete é seu, Fabiana foi
assassinada com ele, não há outras digitais no canivete. Os vizinhos ouviram vocês discutindo
naquela manhã. Ela te xingou, te acusou de traição.
Monique abaixou os olhos e fitou a própria mão. A briga com Fabiana tinha sido bem mais feia
do que realmente ela havia confessado para Guilherme, mas ela não podia entrar em detalhes, sem
envolver Marcelo.
— Foram apenas palavras jogadas no calor da briga. Fabiana e eu nos dávamos muito bem.
Éramos como irmãs uma para a outra. Ela sabia que eu jamais faria nada que a magoasse.
— Quem frequentava o apartamento além de você?
— Namoramos seis meses, Guilherme. Você conhecia a rotina do apartamento. Tirando eu,
Fabiana e Marcelo, não ia mais ninguém lá.
— Mas você pode ter arrumado outro namorado desde que terminamos. Já faz quatro meses.
— Quando nós terminamos, eu disse a você que não estava conseguindo dar conta dos estudos,
trabalho e ainda um namorado. Eu não inventei aquilo Guilherme. Não teria nenhum sentido ter
terminado com você e logo em seguida, arrumar outro namorado.
— Não fez sentido você terminar comigo — Guilherme disse entristecido. — Eu amo… Amava
você.
Ela o encarou atordoada. Desde que ele a visitara na cadeia, eles nunca tocaram no assunto sobre
o relacionamento deles e a forma como terminou.
Monique sabia que ele havia ficado magoado, porém, não podia deixar um relacionamento, por
melhor que fosse, atrapalhar seus planos.
— Quando isso virou uma conversa sobre a gente? — ela perguntou, se levantando e caminhando
até a janela.
— Desculpe, eu não queria misturar as coisas.
— Guilherme, você foi o melhor namorado que eu já tive — ela se virou e o encarou. — Não que
eu tenha tido muitos, mas de longe você era o mais perto de príncipe encantado. Contudo, eu vim
para Curitiba para estudar, para me formar, para sair da cidade pequena e ser alguém na vida. Você
era tão encantador que eu me vi dividida, deixando meu estudo de lado para poder passar mais tempo
com você. Eu não podia deixar isso acontecer.
Guilherme se levantou e foi até ela. Aproximou-se o suficiente para que Monique sentisse sua
respiração. Ele levantou o queixo dela com o polegar, forçando-a a olhar para ele.
Quando seus olhos se prenderam, ela pôde ver um carinho tão grande nele, que isso quase a
derreteu.
— Podíamos ter dado um jeito. — ele disse suavemente ainda acariciando sua pele. Levantou a
mão levemente e prendeu uma mexa do cabelo dela atrás da orelha.
— Não tinha outro jeito, Guilherme.
— Eu te amava. — ele repetiu, na esperança que ela dissesse que também tinha o amado, mas
Monique não o fez.
Diante do silêncio de Monique, Guilherme abaixou o rosto e beijou sua bochecha. Um beijo lento
e demorado. Como ela não se esquivou, ele levou seus lábios até a outra bochecha e beijou-a da
mesma forma lenta e sedutora.
Monique fechou os olhos e Guilherme encostou seus lábios aos dela, passando a língua no lábio
inferior, pedindo permissão, e, quando ela entreabriu a boca, ele a beijou. Carinhosamente,
calorosamente, sua língua explorava de forma sedutora todos os cantos da boca de Monique, e ele
prolongou o beijo, apenas segurando seu rosto entre as mãos, ainda sem encostar seus corpos.
Por um momento, Monique retribuiu o beijo, mas logo em seguida se afastou, caminhando para
longe dele, cruzando os braços diante do corpo, como se quisesse se proteger de algo que nem ela
mesma sabia o que era.
— Guilherme, por favor… Não…
— Me perdoe, Monique. Eu não devia ter te beijado.
— Sinto um carinho enorme por você, mas acabou. Eu… — ela não queria magoá-lo, mas tinha
que dizer, pois senão, ele jamais deixaria de investir. — Eu nunca te amei. Era paixão, carinho…
Não amor. Por isso foi fácil para mim que nós terminássemos. — A voz dela era suave e ela se sentiu
destruída diante da tristeza quase palpável que se instalou naquele quarto.
Diante daquela declaração sincera, Guilherme sentiu algo dentro dele quebrar. Um último
resquício de esperança se despedaçou em milhões de pedacinhos, fazendo seu peito doer.
— Tudo bem Monique. Isso não deveria ter acontecido. E prometo que não tornará a acontecer.
Guilherme caminhou para a porta e por um momento, Monique se arrependeu.
— Espere! — ela disse com os olhos arregalados, e quando ele se virou, estava sorrindo.
— Não precisa se preocupar, Monique. Ainda serei seu advogado e, acima de tudo, ainda
seremos amigos. — ele sorriu amigavelmente, mas o brilho dos seus olhos não estava lá. — Boa
noite.
Depois que Guilherme saiu, Monique caminhou de volta para a janela e sentiu o vento gélido
varrer seus cabelos enquanto ela fitava o horizonte.
A vida dela nunca fora perfeita, porém, estava mais que satisfeita com ela.
Mas o destino lhe pregou uma peça. Vir morar com Fabiana foi a melhor e a pior coisa que lhe
aconteceu em toda a sua vida.
Cansada com o pensamento a mil, ela se deitou, demorando a adormecer.

***

Gabriel já tinha assistido à gravação tantas vezes que ele podia desenhá-la com perfeição — não
que ele tivesse algum talento para desenho, mas ele definitivamente já tinha a imagem gravada em sua
memória.
Estava tarde, todos os investigadores já haviam ido embora e, como o vídeo não estava ajudando
em nada, Gabriel resolveu ir refrescar sua cabeça em um clube não muito longe dali.
Ele havia trabalhado com o segurança, por isso, apesar da enorme fila, ele sempre conseguia
entrar com facilidade.
Subiu as escadas e foi até a parte de cima do clube, onde tinha uma visão privilegiada da pista
de dança, e sentou-se na poltrona de couro marrom.
Não demorou muito para a garçonete vir trazer o uísque caubói, que ele sempre bebia quando
estava lá. Como frequentador assíduo, seus gostos e preferências já eram conhecidos.
Gabriel gostava de ficar ali, observando as mulheres disponíveis. Sempre que ele estava
estressado, sexo era a forma que ele mais gostava de usar para se acalmar.
Muitas vezes, relaxava mais que o próprio calmante.
Não demorou muito para avistar seu alvo daquela noite.
A moça de vestido apertado e longos cabelos negros dançava com mais duas amigas, Gabriel
inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos sobre a perna enquanto a observava melhor.
Ficou alguns minutos olhando e depois de se certificar que ela estava sozinha, resolveu descer
para investir na sua conquista.
Ele já estava quase se aproximando quando um homem que estava ali com o mesmo propósito
que ele, alcançou-a primeiro.
O cara era bem-apessoado, mas não chegava nem perto da beleza de Gabriel e ele sabia disso.
Ficou apenas observando e quando a moça balançou a cabeça levemente, ele soube que era a
hora de entrar em cena.
— Ele está te incomodando, querida? — perguntou, puxando a morena possessivamente contra
seu corpo, enroscando a mão na cintura dela.
A mulher já estava pronta para reclamar, quando se virou e deparou com os incríveis olhos azuis
de Gabriel, seu rosto másculo e sua beleza arrebatadora, então, ela sorriu e se encostou ao corpo
musculoso dele.
— E quem é você? O namorado dela? — o homem perguntou, pronto para arrumar confusão.
— Sim. — Gabriel respondeu secamente e quem não soubesse, podia acreditar que ele estava
sendo sincero. — Vamos, querida. Já estou cansado.
Gabriel puxou a moça e levou-a até o bar. Ela ainda estava tão atordoada pela beleza dele, que
sequer hesitou.
— Oi — disse sorrindo. — Eu sou o Gabriel. Posso te pagar uma bebida?
— Oi, sou Silvia.
— Lindo nome, assim como a dona dele. — ele sorriu de forma sedutora, sabendo que sua beleza
sempre permitia que ele conseguisse a mulher que quisesse.
Silvia sorriu, foi o suficiente para Gabriel a tomar nos braços e beijá-la ferozmente.
Pouco mais de uma hora, eles entravam em um motel não muito longe dali.
Depois que estavam devidamente acomodados no quarto, Gabriel puxou Silvia novamente para
um beijo. Bem que ela tentou conversar, se conhecerem melhor, mas não era para isso que Gabriel
estava ali, e nem ela.
Era?
Gabriel sabia como ninguém, seduzir uma mulher. Ainda contava com um rosto lindo e másculo.
Rapidamente ele tirou o vestido de Silvia e sorriu lascivamente quando viu que ela não usava
sutiã nem calcinha.
Enquanto ele a beijava, sua mão grande percorria todo o corpo de Silvia, tocando-a nos lugares
certos para deixá-la excitada. Seus seios, sua bunda, o centro da sua coxa. Ele a tocava em todos os
lugares enquanto sua outra mão segurava de forma quase dura sua nuca, mantendo suas bocas
coladas, deixando-a sem fôlego.
Eles estavam despidos, e Gabriel beijava o pescoço de Silvia dando leves mordidas, acariciando
seu mamilo com o polegar enquanto ela gemia, tomando seu tempo com aquela carícia, deixando a
morena cada vez mais, nas mãos dele.
Quando ele desceu a mão pelo corpo dela, se certificou que ela estava pronta para ele, passando
lentamente o dedo no sexo dela, invadindo, enquanto com sua palma, acariciava seu clitóris,
deixando-a ainda mais molhada. Gabriel pegou uma camisinha, colocou e depois deitou Silvia na
cama, arrastando-se por cima dela. Enquanto ele afastava as pernas dela com os próprios joelhos,
beijou-a duramente e a penetrou.
Com a primeira estocada ela gemeu, mas quando ele começou o vai e vem, Silvia estremeceu.
Gabriel era grande, mas acima de tudo, sabia como enlouquecer uma mulher na cama e enquanto a
penetrava, cada vez mais duramente, pôde sentir o quanto ela estava gostando. A satisfação nos olhos
dela e nos seus gemidos o deixavam cada vez mais duro. Ele podia sentir seu membro pulsar dentro
dela.
Eles mudaram de posição, Gabriel sentou-se na cama, colocando Silvia por cima dele e enquanto
ela controlava as estocadas, ele apenas observava as costas dela refletidas no espelho diante da
cama, enquanto ela rebolava sobre ele, beijava e mordia levemente seu peitoral.
Quando Silvia levantou a cabeça e o encarou, Gabriel a empurrou abruptamente, fazendo-a se
assustar.
Por alguns segundos, não era mais Silvia quem estava ali, e sim, Monique. Com seus grandes
olhos negros, e seus lábios volumosos.
O coração de Gabriel acelerou e Monique sorriu lascivamente.
Diante do sorriso dela, Gabriel sentiu seu membro implorar por atenção de forma quase
dolorosa.
Já estava prestes a se levantar, quando Silvia o tirou do transe quebrando o silêncio.
— O que houve? — ela perguntou sem entender nada.
Ele apertou os olhos e novamente estava lá a morena da boate.
Gabriel rapidamente a puxou, colocando ela de joelhos diante dele, penetrando-a novamente sem
dar maiores explicações de, o porquê a havia empurrado e agido feito louco. E assim, com a bunda
empinada diante dele e o rosto colado na cama, escondido pelos longos cabelos, ele pôde deixar sua
imaginação o levar e, enquanto cravava seus dedos com força na fina cintura da morena, aumentou as
estocadas, a penetrando de forma quase violenta, dando àquela assassina, o que ela merecia.
Capítulo Dez

Na manhã seguinte, Gabriel chegou cedo à delegacia. Aquele caso o estava deixando ainda mais
insone.
Decidido a tentar mais uma vez ter uma conversa com seu irmão, Gabriel pegou o celular, porém,
antes que ele pudesse discar o número de Guilherme, ele bateu à porta de sua sala e entrou.
— Posso entrar? Está ocupado? — Guilherme perguntou, colocando a cabeça para dentro da
sala.
— Entre, eu estava mesmo querendo falar com você.
— Eu vim para saber se o vídeo do caixa eletrônico revelou alguma coisa.
— E por que você acha que eu lhe daria tal informação?
— Porque eu sou advogado de defesa da acusada e...
— Caro irmão, eu ainda não acusei sua protegida do assassinato do porteiro Zacarias, então,
mesmo que eu tivesse uma pista quentíssima, eu não teria e menor obrigação de lhe fornecer qualquer
informação.
Guilherme fitou o irmão com os olhos apertados e fechou o punho por cima da perna.
Gabriel percebeu que o irmão havia ficado irritado.
— Você mente para mim, defendendo uma assassina, ignorando completamente seu juramento,
sua ética, e agora ainda vem até meu trabalho exigir alguma coisa?
— Eu não menti…
— Te conheço desde que você nasceu e apesar de não sermos os melhores amigos há alguns
anos, sei bem quando você está mentindo. Vocês não estavam juntos na hora da morte do porteiro e eu
vou provar isso.
Guilherme se levantou na intenção de ir embora, quando um policial entrou falante.
— Investigador, recebi uma ligação de uma tal Rita e…
Ele parou abruptamente quando viu Guilherme olhando curioso para ele.
— Rita?! — Gabriel levantou e franziu a testa. O nome dela não era estranho.
— Sim, é sobre o caso Veiga.
O policial fitou Guilherme e depois olhou interrogativamente para Gabriel.
— O Dr. Goulart já está de saída — Gabriel disse praticamente o expulsando da sala.
— Quem é Rita? — o advogado perguntou e seu irmão abriu um largo sorriso.
— Talvez alguém que vai me ajudar a colocar sua amiguinha atrás das grades definitivamente.
Agora, saia da minha sala.
Guilherme abriu a boca para responder, mas diante da expressão dura de Gabriel, ele sabia que
não ia conseguir arrancar nada dele. Virou-se e saiu, batendo a porta em seguida.
Depois que ele saiu, o investigador relaxou e voltou a falar com o policial.
— E então, o que essa Rita queria?
— Não sei.
— Como não sabe, porra?!
— Ela ligou para a delegacia, disse que só falava com você e que nem adiantava procurá-la,
pois ela estava em um hotel. Disse apenas que era algo de extrema importância sobre o caso Veiga.
— E por que você não me passou a merda da ligação?
— O investigador estava com o Dr. Goulart, achei que não era para interromper.
— Incompetente! — Gabriel bufou. — Eu estarei bem aqui na minha sala e assim que essa tal
Rita retornar, me passe a ligação. Se eu não estiver na minha sala, você me procure, pare o que
estiver fazendo e vá me encontrar, ligue no meu celular, mas não permita que ela desligue sem falar
comigo. Entendeu soldado?
— Sim, senhor — o policial estremeceu sabendo exatamente o tipo de fama que o investigador
Goulart tinha quando uma solicitação sua não era atendida.
Gabriel ficou impaciente. Pensou inúmeras vezes, porém não fazia a menor ideia do que essa
Rita teria para falar com ele de tão importante, no entanto, independente do que fosse, se o ajudasse a
colocar Monique atrás das grades por longos anos, ele já estaria satisfeito.

***

Guilherme saiu da delegacia pegando rapidamente o celular, discando o número de casa.


Monique atendeu no terceiro toque.
— Quem é Rita? — ele perguntou preocupado, depois que ela disse o habitual “alô”.
— Rita?! — Monique respondeu do outro lado da linha. — A única pessoa que conheço com
esse nome é uma vizinha minha e de Fabiana. Ela viajou para estudar na Alemanha, por quê?
— Ela está de volta e procurou Gabriel para depor. Disse que tem algumas informações
importantes sobre o caso. Você acha que ela sabe de algo que possa piorar sua situação?
— Não, nós não éramos melhores amigas como Fabiana e eu, mas nos dávamos bem. Tomamos
cerveja juntas algumas vezes. Mas ela foi embora no dia da…
— O que? Quando ela foi embora?
— No dia da morte da Fabiana.
— Se ela disser algo que possa piorar sua situação… Bem, você tem como entrar em contato
com ela? Preciso conversar com ela antes de Gabriel.
— Não, mas posso ver se algum vizinho tem o celular dela… Isso se ela não trocou de número.
— Vamos torcer para que isso não tenha acontecido. Estou indo para casa, conversamos melhor
quando eu chegar.
Guilherme desligou e se dirigiu para seu carro.

***

Rita chegou de viagem e fez check-in no Hotel Máster Palace, um dos locais mais caros de
Curitiba. E apesar de o hotel estar bem além das suas possibilidades reais, ela não pretendia ficar
muito tempo. Sabia que no momento em que colocasse os pés de volta à sua cidade natal, com o
propósito que tinha, sua vida estaria em risco.
A primeira coisa que ela fez, foi ligar para o investigador Gabriel Goulart, responsável pelo
caso da sua vizinha Fabiana Veiga, mas ele não podia atendê-la, então Rita foi tomar um banho
rápido.
Depois que terminou o banho, se jogou na cama e foi ler algumas mensagens no celular, dizer a
Yuri que estava bem e tranquilizá-lo, antes de ligar para o investigador novamente, mas acabou
adormecendo por causa da exaustão da viagem.
Assim que acordou, ela ligou para o investigador.
— Investigador Goulart, por favor… diga que é Rita de Cassia Ramos, vizinha de Fabiana Veiga
e Monique Pillar... Sim ele aguarda minha ligação...
Ela ficou aguardando no telefone quando a campainha do quarto tocou. Calmamente, ela se
levantou e foi até o olho mágico.
— Quem é?
— Serviço de quarto. — a voz respondeu do outro lado.
— Mas eu não pedi nada.
— Cortesia do check-in em nosso hotel, senhorita. Você tem direito a uma refeição gratuita, que é
servida apenas esta hora. Não lhe informaram?
Rita pensou em recusar, entretanto, seu estômago roncou e então ela se deu conta que a última vez
que comeu, foi a refeição servida no avião.
— Só um momento, por favor. — ela disse para a pessoa do outro lado da porta.
Rita foi até o telefone e o colocou no ouvido.
— Alô... Tudo bem, eu aguardo enquanto vocês o procuram... Eu vou atender ao serviço de
quarto e já volto, por isso, se o telefone ficar mudo, por favor, não desligue, o que eu tenho para falar
é muito importante...
Rita largou novamente o fone e foi até o banheiro pegar um roupão, depois, se dirigiu até a porta,
abrindo-a, sentindo o cheiro dos alimentos no carrinho enquanto este era transportado para dentro.
Ela se virou para ir até sua bolsa pegar uma gorjeta, quando ouviu a porta ser fechada. Desconfiada,
ela virou-se.
Quando Rita prestou atenção em quem empurrava o carrinho, seu sangue gelou e seu coração
falhou uma batida.
— O que você faz aqui?! — os olhos dela estavam arregalados e suas mãos começaram a tremer.
— Como você me achou?
A pessoa sorriu maliciosamente e antes que Rita pudesse gritar, a outra pessoa investiu contra ela
e enfiou uma faca na lateral de seu corpo, perfurando seu pulmão duas vezes, enquanto tapava sua
boca.
Rita se debateu fracamente por causa da falta de ar, mas a pessoa enfiou novamente a faca, em
outro ponto da sua barriga, fazendo um sangue vermelho-escuro manchar rapidamente o roupão do
hotel.
Rita, sem forças para falar, começou a rastejar até a cama, onde o telefone estava e a pessoa que
a apunhalou apenas observava, sorrindo satisfeita.
Rita chegou ao telefone e sussurrou socorro.
A pessoa se divertia ao ver a patética tentativa de Rita de se salvar, mas o tempo era curto e
precisava terminar logo com isso, então caminhou até a cama enfiando a faca novamente, em três
lugares diferentes. Depois, tirou a faca do corpo dela e tomou o telefone de sua mão, ouvindo,
enquanto o homem do outro lado da linha, chamava repetidamente pelo nome dela.
A pessoa desligou o telefone.
— Eu cheguei a tempo? — perguntou à Rita que podia sentir seus batimentos cardíacos caindo
— Responde logo sua vadia, eu cheguei a tempo ou você falou para esse investigadorzinho de merda
sobre aquele dia? — Rita permaneceu em silêncio e esboçou um sorriso em ver um pouco de
desespero no olhar daquela criatura monstruosa — Ou você diz, sua puta, ou vou te jogar pela
sacada.
Diante do silêncio de Rita, a pessoa que invadiu seu quarto, arrastou lentamente o corpo dela até
a sacada do quarto e antes de jogá-la, disse:
— Sabe, mesmo que você me respondesse eu ia te jogar, porque eu vou sentir muito prazer em
ver você bater contra o concreto lá em baixo. Adeus vadia fofoqueira.
O corpo de Rita foi arremessado pela sacada, mas antes mesmo que ele se chocasse contra a
calçada, a pessoa saiu do quarto, levando consigo o carrinho de comida e fechando a porta enquanto
caminhava rapidamente para a saída de incêndio. Estacionou o carrinho ao lado de outros dois que
estavam no corredor e começou a se despir de suas roupas, enquanto descia as escadas. Colocou em
uma sacola. Depois retirou a luva de silicone, que usava, quase imperceptível, juntando tudo em um
saco plástico.

***

Gabriel gritava ainda mais com os policiais, pedindo que todos se dirigissem rapidamente para
todos os hotéis das redondezas, precisava achar Rita. Ele a ouvira sussurrar socorro e sabia que algo
havia acontecido.
E antes mesmo que pudesse sair da delegacia para procurar, um policial o chamou.
— Acabaram de denunciar um corpo, atirado pela sacada do Hotel Máster Palace.
— Merda! — Gabriel grunhiu enquanto saía rapidamente em direção ao hotel, dando ordens,
sendo autoritário e extremamente profissional, como de costume. Não precisava que ninguém
dissesse que o corpo era de uma mulher. Ele sabia que era Rita!

Poucos minutos depois, Gabriel chegava ao hotel e já havia uma multidão aglomerada em torno
do corpo. Quando ele se aproximou, viu o rosto da moça ensanguentado contra o concreto, seu corpo
todo torto, vários ossos quebrados e muito sangue em volta dela.
— Porra! — ele passou as mãos no cabelo, exasperado.

Capítulo Onze

Assim que Guilherme pôs os pés dentro de casa, seus olhos varreram o silencioso lugar.
— Monique? — ele chamou, mas não houve resposta. Ele caminhou até seu quarto, largou sua
pasta e depois foi até o quarto de Monique. Ao passar pela porta do banheiro, a ouviu tomando
banho.
Guilherme decidiu esperar e depois de trocar de roupa, foi até a cozinha para preparar um
macarrão rapidamente.
Quando Monique se juntou a ele, ainda tinha uma toalha enrolada no cabelo e usava um
vestidinho curto e largo.
— Você demorou! — ela disse enquanto abria a porta da geladeira para pegar um pouco de suco.
— Fui falar com alguns contatos, tentar descobrir onde essa tal Rita estava hospedada, mas não
consegui nada. Depois, um cliente me ligou, emergência de última hora, e eu precisei atendê-lo. Você
conseguiu o telefone dela?
— Não. Quem aceitou falar comigo, não sabia o número e teve aqueles que me xingaram e
desligaram na minha cara.
— Tudo bem, tenho certeza que, se Gabriel estivesse sabendo de algo que fosse importante, nos
ligaria, nem que fosse para esfregar na nossa cara. — ele se virou para ela e sorriu, tentando
confortá-la. — Você pode pôr a mesa, por favor? O jantar já está quase pronto.
— Claro. — ela sorriu e virou-se.
Guilherme estava trazendo a travessa com o macarrão, enquanto a TV exibia o noticiário local,
mas nenhum dos dois prestava atenção. Depois que se sentaram, Monique começou a servir os
pratos, enquanto ele servia suco, mas antes que começassem a comer, a atenção do advogado foi
capturada pela TV.
Monique se sentou e começou a comer quando percebeu que ele olhava atentamente para a
televisão ainda de pé, então ela virou-se para prestar atenção também.

“...O hotel está cercado, todos os hóspedes e funcionários serão interrogados. O corpo de Rita
de Cassia Ramos caiu de uma altura de dez metros, entretanto, ela já havia sido golpeada com
facadas, várias vezes, antes da queda. O quarto estava todo ensanguentado, mas não havia sinais
de arrombamento, o que leva a polícia a crer que o assassino foi convidado a entrar. O
investigador Gabriel Goulart, que não quis dar entrevista, foi um dos primeiros a chegar ao local,
e está conduzindo as investigações.”

Guilherme se virou e olhou Monique que parecia estar atônita, com a mão sobre a boca e os olhos
cheios de lágrimas.
— Me diz que você não saiu enquanto eu estava fora?
— Eu não saí! — ela falou com tanta convicção e mágoa que Guilherme se arrependeu no
momento em que fez a pergunta.
Monique se levantou e caminhou para seu quarto rapidamente, batendo a porta com força.
Ele foi atrás dela, porém ela o ignorou, mesmo com a insistência dele.
— Me desculpe, Monique — ele forçou a maçaneta, mas ela havia trancado com a chave. —
Abra a porta, por favor, precisamos conversar.
Ela não respondeu. Estava deitada em seu travesseiro fitando o teto, enquanto Guilherme insistia.
Alguns minutos depois, ele desistiu e se afastou, pois se fez silêncio do outro lado da porta.
Monique pensou em ligar a TV, mas não precisava nem queria assistir sobre a morte da sua ex-
vizinha. Estava cansada disso tudo.

Guilherme ligava insistentemente para Gabriel, contudo, ou o investigador não fazia nenhuma
questão de atendê-lo ou estava muito ocupado.
Ele se serviu de uma taça de vinho e sentou-se em frente à TV, mudando de canal continuamente,
procurando por mais noticiários que falassem sobre a morte de Rita, ao mesmo tempo em que
buscava notícias em seu tablet.
Sua campainha tocou e ele se levantou, antes de abrir a porta, espiou o corredor na direção do
quarto de Monique, mas ele não a tinha visto desde a hora do jantar.
Quando observou pelo olho mágico, viu a carranca de Gabriel do outro lado. Soltando um longo
suspiro, Guilherme abriu a porta.
— Estou te ligando há horas.
— Sei disso — ele disse indiferente. — Onde ela está?
— Nem começa, Gabriel. Ela está dormindo e não saiu de casa hoje.
— E você esteve aqui com ela o tempo todo, certo? — Gabriel não sabia por que tinha ido lá
confrontar os dois, mas sabia que os casos estavam tendo ligação e tudo apontava para Monique,
apesar de ele só ter provas em relação à morte de Fabiana, as demais mortes tinham, de certa forma,
ligação com ela.
— Não, mas ela me garantiu…
Gabriel soltou uma gargalhada seca e debochada.
— Sério “advogado”? Ela te garantiu?
— Eu não saí. — Monique veio caminhando pelo corredor. — Mas sei que você não acredita em
mim, então para que veio aqui?
Seu semblante voltara a estar cansado e pálido, como nos dias em que ela estava na delegacia.
— Preciso te fazer algumas perguntas sobre a Rita.
— Não sei em que posso ajudar, nós não éramos amigas.
— Mas se conheciam?
— Sim.
Gabriel indicou com a mão o sofá e Monique se sentou, enquanto ele se acomodava na poltrona
diante dela. Guilherme sentou-se ao lado dela e, por um instante, um incômodo silêncio se instalou
entre eles.
Claro que essa era uma situação inusitada. Formalmente, eles teriam que ir até a delegacia e,
Guilherme diria a ela para não responder nada. Mas, entre os irmãos, apesar de toda a rivalidade,
havia também uma cumplicidade e há muito tempo eles juraram trabalhar para fazer justiça.
Infelizmente, neste caso, o ponto de vista deles era muito diferente. Ainda assim, os dois buscavam a
mesma coisa.
— O que você sabia da vida dela?
— Saímos algumas vezes juntas. Mas Rita era muito caseira e estudiosa. Ela era órfã e muito
trabalhadora, não parecia ter muitos amigos. Fabiana mesmo achava estranho que nunca a via com
outras pessoas e as poucas vezes que ela saiu conosco, foi por convite da Fabiana.
— Então vocês nunca a viram com mais ninguém? Namorado?
— Da última vez que conversamos, uns três meses antes da Fabiana… — ela encarou os olhos de
Gabriel, que não mudou sua expressão. Falar da morte da amiga diante do investigador era, no
mínimo, estranho — Enfim, ela disse que tinha conhecido o homem da sua vida, que ele era alemão e
que tinha a chamado para ir morar com ele e estudar lá. Ela estava indecisa, mas, algumas semanas
depois, nos encontramos no corredor e ela disse que havia se decidido.
— Você sabe o nome desse namorado?
— Yuri Fritz — Monique deu uma risada. — Eu gravei porque achei engraçado. Bem, a viagem
dela estava marcada para o mesmo dia…
Monique abaixou o olhar mais uma vez.
— No seu depoimento, você diz que você e Fabiana discutiram naquele dia e depois você foi
para o trabalho, mesmo nunca tendo chegado lá, certo?
Monique assentiu.
— Você encontrou com Rita no corredor do prédio enquanto saía?
— Não, como eu disse antes, não encontrei ninguém conhecido naquele dia.
Gabriel se levantou e caminhou até a porta, mas antes de sair, parou com a mão na maçaneta e se
virou para Monique.
— Você tem certeza que não saiu hoje?
— Sim.
— Ok! — ele respondeu incrédulo.
Depois do que aconteceu, mesmo se tivesse ido à padaria por meros cinco minutos, Gabriel
estava certo de que ela não diria, com medo de mais uma acusação.
Ele saiu, porém antes que pudesse chegar ao elevador, Guilherme o alcançou.
— Te acompanho até sua moto, preciso falar com você.
Gabriel apenas assentiu e enquanto estavam dentro do elevador, ficaram em silêncio. Mas, assim
que passaram do portão do prédio, Guilherme foi o primeiro a falar.
— Você vai acusar Monique desta morte também?
Gabriel virou-se para ele, incrédulo.
— Eu não devo? O que você sugere? Que eu finja que uma morte não tem ligação com a outra? —
ele passou a mão no cabelo, visivelmente irritado, e respirou profundamente. — Guilherme…
— Não, claro que não. — ele o interrompeu. — Você precisa me dizer o que sabe. Nós juramos
fazer justiça e eu também quero isso.
— O problema que para mim, justiça é colocar ela atrás das grades e para você é livrá-la da
cadeia.
— Eu sei que ela é inocente e… — Gabriel fez uma cara debochada e Guilherme não deu chance
para ele falar. — Só me escuta… Se eu estiver certo e a Monique for inocente, tem alguém querendo
acusá-la. E essa pessoa está solta aí fora e vai continuar matando enquanto não conseguir o que quer.
— E o que essa “pessoa” quer? Incriminar Monique? Por quê?
— Isso é o que precisamos descobrir.
— Você está delirando...
— O que você vai fazer com as informações que Monique te deu?
— Não sei, vou tentar localizar o tal namorado, mas sabe que as chances são poucas. Os peritos
estão analisando o quarto e o que encontraram lá, mas ela... — Guilherme fez uma careta e como
Gabriel não estava a fim de discutir com ele mais uma vez, se corrigiu — Quem quer que tenha feito
isso, fez bem feito e não deixou pistas.
— Eu posso ir até o namorado. Tentar encontrá-lo e falar com ele pessoalmente.
— E por que você faria isso?
— Porque ele pode saber de alguma coisa, pode saber o que a Rita tinha vindo contar.
— E se ele disser que sabia, que a Rita viu a Monique entrando no apartamento e saindo depois
que a Fabiana estava morta?
— Então eu abandono o caso e nunca mais pego um cliente que você esteja acusando.
— Interessante... — Gabriel deu um sorriso de lado. — Mas eu não acredito em você.
— Desde quando?
— Bom, já que eu preciso te lembrar, desde que peguei você e a Laura…
— Isso já foi há muito tempo. Pare de viver no passado.
— E você está fazendo o que irmãozinho? Defendendo a principal suspeita de um crime de
assassinato brutal só porque se deitou com ela? — Gabriel rosnou entre os dentes.
— Não se trata de mulheres, apenas de nós dois. Quando foi que eu fui um advogado sem ética?
Aquela pergunta surpreendeu Gabriel, realmente, Guilherme nunca tinha agido fora da lei. Era o
melhor advogado da cidade justamente por ser ético e justo, por lutar pela verdade e pelo que ele
acreditava.
— Nunca — Gabriel respondeu contrariado.
— E não vai ser agora que vou começar.
— Olha… — o investigador subiu em sua moto e antes de colocar o capacete, encarou seu irmão
— Eu vou tentar localizar o tal alemão e te mantenho informado. Se for necessário que alguém vá
falar com ele…
Eles se encararam, e Guilherme assentiu, sabendo o que aquela frase não terminada significava.
Gabriel ligou sua moto e saiu, deixando Guilherme parado, pensando no quanto esse caso se
complicava mais a cada dia.
Capítulo Doze

Quando Gabriel chegou em casa, seus músculos estavam tensos, sua mente estava em um
turbilhão. Ele sabia que Monique tinha dito a verdade. Depois do caso do senhor Zacarias, tinha
designado um policial para vigiá-la, claro que sem o conhecimento de ninguém.
Gabriel estava se comprometendo tomando tal atitude, mas não poderia arriscar que ela agisse
novamente e ele não tivesse como acusá-la, uma vez que ele tinha certeza que ela estava por trás da
morte do porteiro.
Entretanto, esse último assassinato o deixou confuso. Se ela não havia saído de casa e
assassinado Rita, quem o teria feito? E se Guilherme estivesse remotamente certo, quem tentaria
incriminar Monique?
Pelo pouco que ele pôde ouvir pelo telefone, o assassino ou assassina, não era um total
desconhecido dela.
A cabeça de Gabriel latejava de dor e depois de um longo banho quente, ele se jogou na cama,
mas o sono como sempre o abandonara.
Ele se levantou e caminhou até sua sala, indo até o bar e se servindo de uma dose dupla de uísque
barato.
Talvez o álcool o ajudasse a relaxar e ele adormeceria. Sabia que era perigoso, porém, talvez até
tomasse um de seus comprimidos após terminar seu drinque.

***

Depois que Guilherme e Gabriel saíram, Monique voltou para o quarto e não demorou muito para
o advogado bater à porta dizendo que precisava se ausentar. Ela estranhou que ele fosse sair àquela
hora, mas necessitava de privacidade, então, sequer questionou onde ele estava indo.
Imediatamente, entrou em contato com Marcelo.
— Oi… Preciso falar com você. Já arrumou outro lugar para nos encontrarmos?
— Você precisa ser paciente…
— Estou sendo paciente até demais Marcelo, mas já estou ficando cansada dessa sua enrolação.
— ela não se importou em não parecer ríspida. Realmente estava irritada com ele.
— Eu não estou enrolando, já expliquei a situação. Além da minha empresa, se a atenção se
voltar contra mim, não vou poder ajudar você. Então, preciso arrumar um lugar que a gente não vá
correr o risco como da última vez.
— Não me importa, eu quero falar com você e não pode ser por telefone — a voz dela soava
rígida.
— Eu estou providenciando um lugar, não precisa ficar nervosa.
— Certo, me avise com antecedência, porque tem um homem rondando a portaria do prédio e
acho que pode ser um policial, tenho certeza que é para me vigiar e, se for assim, terei que sair pelos
fundos.
— Assim que conseguir um lugar, te ligo para marcarmos.
—Tudo bem, fico no aguardo. E Marcelo... — ela esperou ele responder — se você não arrumar
logo um jeito, vou bater à porta da sua casa. Já fui até sua empresa, posso muito bem ir até lá.
Monique desligou o celular na cara dele e pôs o aparelho para carregar, escondido debaixo da
cama. Depois, virou-se para o lado e dormiu.

Na manhã seguinte havia um bilhete de Guilherme dizendo que havia saído, que caso ela
precisasse ir à algum lugar, o carro dele estava na garagem, as chaves e documentos em cima do
aparador.
Era a oportunidade perfeita!
Monique correu até o celular, ligou-o, mas não havia nenhuma mensagem de Marcelo. Ela
rapidamente discou o número dele, mas caiu direto na caixa postal.
Irritada, ela pegou o carro de Guilherme e ficou feliz pelo vidro ser fumê, assim, o tal homem não
saberia que era ela quem estava ao volante. Dirigiu até o trabalho de Marcelo, mas ele não se
encontrava, então, ela fez como tinha dito e foi até a casa dele, entretanto, o porteiro do prédio
informou que ele havia viajado. Aquilo deixou Monique profundamente irritada.
Como assim viajado? — Pensou ela.
Mas antes que Guilherme voltasse e visse que ela havia saído, voltou para o apartamento.

***

Mal o dia raiou, Guilherme saiu, pegou um táxi e foi até o necrotério. Precisava conversar com o
legista, saber sobre os pertences dela e descobrir qualquer novidade que Gabriel não tivesse lhe
passado.
Depois de ser bastante generoso com o legista, o senhor de cabelos brancos e corpo rechonchudo
lhe passou mais algumas informações, como o fato de Rita tomar remédio para ansiedade.
O advogado pediu para ver o corpo. Uma moça de cabelos curtos e crespos, a pele morena clara
e muitos hematomas, estava deitada sobre a fria mesa de metal. Durante um tempo, ele apenas
observou imaginando o que ela teria de importante para falar a Gabriel e principalmente, porque isso
tinha a levado à morte.
— O tombo, na verdade, só agilizou a morte. Um pulmão perfurado, fígado e baço perfurados,
fora os outros cortes. Ela não sobreviveria de qualquer forma.
— Se ela não sobreviveria, por que o facínora a jogaria lá de cima?
— Por diversão! — O legista deu de ombros. — Ele ou ela, não estava ali só para calar uma
possível testemunha, se divertiu em cada facada e mais ainda em observar o corpo se esborrachar lá
em baixo.
— Observar?
— Sim, doutor, quem quer que tenha feito isso, tem o perfil psicológico de um psicopata. Ele não
só mata, mas sente prazer em fazer. Veja bem, se o propósito fosse só matar, um corte na jugular ou
no coração, seriam o suficiente, no entanto, essa pessoa em questão, gosta de ver a vítima sofrendo
enquanto as facadas são desferidas.
— Você também examinou o corpo de Fabiana Veiga, certo?
— Sim, fui eu.
— E pelos cortes, pela facada, você acha que foi a mesma pessoa?
— Eu não acho, doutor, tenho certeza. Apesar das lâminas serem diferentes, a posição em que a
lâmina perfurou a vítima, os lugares, pressão, precisão e força, foram os mesmos. A única diferença
entre as mortes de Fabiana Veiga e Rita Sampaio foi o que finalizou. Na de Fabiana, a pessoa
responsável pela morte encheu a banheira de água e deixou que ela se afogasse e na de Rita, atirou-a
pela sacada do hotel.
— E o porteiro?
— A mesma coisa. Esse assassino procura ferir sempre em órgãos que não tem como a vítima se
salvar e, além de perfurar o pulmão e o fígado, o porteiro ainda teve a veia aorta cortada na altura da
virilha. Acho que, naquele caso, especificamente, o assassino não tinha uma finalização para fazer e
ele se arriscou, pois podia chegar alguém enquanto o porteiro era ferido.
— Obrigado.
Guilherme saiu e seu semblante era preocupado. Gabriel estava certo! As mortes estavam
interligadas, ou seja, a mesma pessoa que matou Fabiana, matou o porteiro e agora, Rita.

***
Marcelo não gostava de que dissessem a ele o que fazer. Muito menos uma mulher. Por mais que
ele e Monique fossem amigos, ele não podia se envolver. Era dono de uma das maiores empresas de
investimento da cidade.
Sua empresa não estava muito bem das pernas, estava passando por grandes problemas
financeiros e o que ele não precisava no momento era de uma publicidade negativa. Se fosse visto
junto com Monique, sua vida se complicaria muito. Mesmo que seu nome estivesse envolvido no
caso, além do que já estava por ser noivo da vítima, era uma coisa superficial, diferente do que
aconteceria se ele fosse visto ao lado dela.
Poderiam pensar que eles estavam juntos, ou até que eram comparsas e isso sim, seria péssimo
para os negócios e para sua vida.
Onde eu estava com a cabeça quando disse que a ajudaria? — ele pensou.
Ele dirigiu até a delegacia onde Gabriel trabalhava e abordou um policial que estava parado em
um balcão de atendimento.
— Preciso falar com o investigador Goulart.
— O investigador não está, eu posso encaminhá-lo…
— Qualquer outro não serve. Tem que ser ele. — ele disse com arrogância.
O policial avaliou Marcelo de cima a baixo.
— Como eu já lhe informei, o investigador Goulart…
— Marcelo Mendonça, a que devo a honra? — Gabriel disse com desdém, se aproximando dos
dois homens.
Desde que ele tinha interrogado Marcelo, quando o assassinato de Fabiana ocorreu, não havia
gostado dele. A forma pedante e de superioridade que Marcelo respondia às perguntas, não
demonstrava que ele estava triste com a morte da namorada. Além do mais, algo no olhar de Marcelo
incomodou o investigador. Mas, ele tinha um álibi para aquele dia. Confessou estar com outra mulher,
sua amante, durante as horas que o assassinato aconteceu, a tal moça foi até a delegacia prestar
depoimento e a história deles foi coerente, sem furos.
— Podemos conversar em um lugar mais reservado? — Marcelo pediu, com ar de superioridade.
— Claro, me acompanhe.
Eles foram até a sala do investigador e depois que se acomodaram, ele fitou o homem diante dele.
Marcelo estava vestindo um terno risca de giz e seu cabelo estava impecavelmente penteado, bem
diferente da bagunça que era o cabelo de Gabriel, afinal, ele não se preocupava muito com
aparência. Fazer a barba duas vezes na semana e usar perfume era o máximo de vaidade que tinha.
— O que você quer? — Gabriel perguntou impaciente diante do silêncio de Marcelo.
— Eu quero proteção policial.
Gabriel deu uma risada.
— E por que você quer proteção policial?
— Eu tenho recebido algumas ligações estranhas. — Marcelo respondeu — SMS’s ameaçadores.
Estou preocupado com a minha integridade física.
— Posso ver seu celular?
— Não!
— Certo, então pode ir…
— E a minha proteção?
— Se eu não posso ter acesso às tais ameaças, não tenho o porquê lhe dar proteção.
Marcelo bufou e mostrou alguns SMS’s ao investigador.
“Precisamos conversar, não estou brincando.”
“Pare de me evitar ou vai se arrepender.”
Gabriel leu e depois levantou a sobrancelha, tentando disfarçar um sorriso que forçava se formar
em seus lábios.
— Olha, nem de longe isso parece uma ameaça à sua integridade física. No seu lugar me
preocuparia mais com suas bolas, pois, com certeza, isso soa mais como uma ex-namorada ou uma
ex-amante muito puta por ter sido dispensada.
— Você está achando graça? A vizinha de Fabiana…
— E o que isso tem a ver com você? — ele parou e como Marcelo não concluiu, Gabriel
continuou — Você nem sequer viu Fabiana aquele dia, certo?
Marcelo concordou.
— Então, você não tem com o que se preocupar, pode ir embora. E proteja suas bolas. — ele
sorriu debochadamente.
— Isso não vai ficar assim, se algo me acontecer…
— Adeus, Sr. Mendonça.
Gabriel sorriu enquanto Marcelo deixava sua sala, furioso.

Depois daquela visita desagradável, o investigador começou a trabalhar incessantemente na


morte de Rita e depois de ligar para o legista e se certificar que todas as mortes tinham ligação,
tentou falar com o tal Yuri Fritz, mas o homem parecia simplesmente não existir.
Capítulo Treze

Guilherme e Gabriel se encontraram em um restaurante próximo à delegacia.


Depois das inúmeras tentativas frustradas de encontrar o tal Yuri Fritz, o investigador se
convenceu que a melhor opção que eles tinham era que Guilherme fosse pessoalmente atrás do
homem. Ele havia conseguido poucas informações a respeito do Alemão, entretanto, era como se o
homem estivesse se escondendo.
— Olha, quero deixar bem claro que, se você me passar a perna, eu vou colocar você em uma
cela ao lado da dela. — Gabriel disse, depois de contar ao irmão todas as suas tentativas de
encontrar o tal cara.
— Deixe de ser ridículo, Gabriel. Já disse que você pode confiar em mim. Vou atrás desse Yuri e
vou arrancar dele qualquer informação pertinente que ele tenha.
— Acredito que ele seja a chave para esse caso, minha intuição me diz que sim.
— Acho que tem mais coisa por trás dessa história toda.
— Pode ser, mas eu quero resolver isso logo. Esse caso está tirando meu sono, a imprensa e meu
chefe estão no meu pé e só piorou depois que você libertou aquela lá.
— Por falar na Monique, preciso que você fique de olho nela para mim.
— Você está brincando? — a voz de Gabriel se alterou um pouco e ele, que até então estava com
uma expressão normal, cerrou o maxilar encarando friamente o irmão.
— Não! Não estou. — Guilherme bebeu um gole de vinho e continuou. — Se eu estiver certo,
Monique pode correr algum risco.
— Bom, se você estivesse certo, porque não está, a última coisa que essa “pessoa” ia querer, era
que ela morresse, uma vez que ela deixaria de levar a culpa, então não vejo motivos para bancar a
babá.
— Gabriel…
— Isso está fora de cogitação, Guilherme. Sabe muito bem a minha opinião sobre ela. Acho que
as pessoas precisam se proteger dela e não o contrário.
— E se algo acontecer a ela, você vai conseguir deitar sua cabeça no travesseiro tranquilamente?
— Vou! — ele respondeu de imediato, mas, diante do olhar do irmão, ele respirou profundamente.
Gabriel levantou as sobrancelhas para Guilherme e resmungou um palavrão. Claro que ele não
deitaria a cabeça no travesseiro tranquilamente. Ele queria justiça, queria vê-la atrás das grades e
não morta. Infelizmente seu irmão sabia disso, porém, estava certo de que ela não precisaria de
proteção.
— Lhe dê o número do meu celular e caso ela precise de ajuda, pode me ligar. — Gabriel
finalmente disse, visivelmente contrariado.
— Obrigado. Monique não é esse monstro que você pensa e eu vou te mostrar isso quando
encontrarmos esse tal Yuri.
— Isso é o que você diz. — Gabriel deu de ombros. — Eu acho que você vai voltar muito
decepcionado, eu vou colocar Monique Pillar atrás das grades por muitos anos e aí, vou poder
respirar aliviado, talvez eu até consiga uma boa noite de sono.
Guilherme não respondeu. Sabia que a opinião deles era diferente, apenas fitou o irmão e
terminou sua refeição.
Gabriel estava em uma acalorada discussão com o irmão sobre quem pagaria, quando seu celular
tocou.
— Oi… hospital? O que aconteceu? Sim, claro. Estou indo para lá.
— O que houve? — Guilherme perguntou diante da ruga de preocupação que surgiu na testa do
irmão.
— Sabe o Marcelo Mendonça? — seu irmão assentiu. — Ele me procurou hoje pela manhã e
pediu proteção policial, dizendo que estava sendo ameaçado. — ele levantou jogando algumas notas
sobre a mesa.
— Isso é ridículo.
— Foi o que eu achei, mas agora o idiota está no hospital. Um carro investiu contra o dele
quando ele entrava na garagem de casa e o arrastou alguns metros.
— Ele está bem?
— Sim, apenas alguns ossos quebrados, mas ele disse ao policial que foi pegar o depoimento
dele, que a culpa era minha, pois ele havia pedido proteção e eu não concordei.
— Quer que eu vá com você?
— Para dar um jeito naquele mauricinho pedante? Claro que não. Dou conta dele.

***

Quando Guilherme chegou em casa, Monique não estava. Havia deixado um bilhete dizendo que
tinha ido ao shopping para tentar se distrair.
Meia hora depois, ela chegou, e Guilherme estava na cozinha fazendo café.
Monique foi até seu quarto, tomou um banho rápido e depois foi para a cozinha se juntar a ele.
— Como estava o shopping?
— Cheio. Essa época do ano, aquilo fica um inferno, no entanto, foi bom. Olhei algumas vitrines,
passeei um pouco.
— Não comprou nada?
— Eu não sei se você lembra, mas eu não estou trabalhando, o que significa que eu não estou
dispondo de dinheiro atualmente. O que Fabiana deixou para mim está bloqueado por conta do
processo, então...
— E o cartão que eu te dei?
— Emergência, lembra? — ela pegou a caneca de café e se serviu do líquido fumegante. —
Fazer compras no shopping não se enquadra nessa categoria.
— Não seja boba, eu não vou ficar mais pobre se você comprar um sapato ou algumas peças de
roupa.
— E para que? Para ficar aqui no apartamento? Não sei se você reparou, mas eu não tenho
muitos amigos ultimamente, tampouco sou convidada para festas.
— Você está muito depreciativa hoje. Aconteceu alguma coisa? — Guilherme se aproximou e
colocou uma mecha do cabelo preto de Monique atrás da orelha. Depois suspendeu o queixo dela e
sorriu acaloradamente.
— Não, só estou cansada disso tudo. — ela suspirou.
— Então, eu tenho uma boa notícia para você. Eu vou viajar amanhã.
— Nem de longe isso é uma boa notícia! — ela disse sinceramente.
— Vou atrás do tal Yuri Fritz. Gabriel não conseguiu contatá-lo e eu vou pessoalmente até a
Alemanha. Talvez ele saiba de alguma coisa.
— Você acha que ele sabe? — ela arqueou as sobrancelhas — Quer dizer… Isso é bom?
— Não faço ideia. — ele deu de ombros. — Mas acho que precisamos arriscar.
— E quanto a mim?
— Você continuará aqui e se precisar de qualquer coisa, ligue para o Gabriel.
— Ligar para quem?! — Monique arregalou seus olhos que já eram grandes. — Você está
brincando, né?
Guilherme deu uma risada diante da expressão e da resposta dela. Exatamente a mesma resposta
que Gabriel deu quando ele pediu para que o irmão cuidasse dela.
— Não estou. Ele mesmo me pediu para eu te passar o número de seu celular.
— Acho que ele seria a última pessoa que eu procuraria.
— Por favor, Monique. Não hesite em ligar para ele, eu realmente vou viajar preocupado com
você.
— Tudo bem. — ela disse sem convicção.
— Me prometa, Monique. Vai ligar para Gabriel caso algo estranho aconteça com você.
Monique soltou um longo suspiro, e antes que pudesse responder, Guilherme insistiu para que ela
prometesse.
— Ok, eu prometo! — ela disse e moveu o pescoço desconfortavelmente, fazendo careta e dando
um gemido enquanto mexia de um lado para o outro.
— Tudo bem?
— Sim, só devo estar tensa. — ela respondeu, terminando seu café e se retirando para o quarto.
Enquanto estava deitada, ficou imaginando como aquela viagem de Guilherme poderia surtir
efeito no seu problema. Se seria algo bom ou ruim. Entretanto, ela cansou de pensar. Seu pescoço
estava doendo muito e tudo o que ela queria, era dormir e descansar.

Antes de ir dormir, Guilherme foi silenciosamente até o quarto de Monique. Depois de abrir a
porta cautelosamente e se certificar que ela estava dormindo, ele se recostou ao batente e cruzou os
braços diante do peito.
Ela dormia tranquilamente, seu semblante sereno e seus cabelos jogados sobre o travesseiro.
Guilherme não pôde evitar sorrir com aquela imagem. Ela era exatamente como sempre foi.
Linda, serena, ingênua. Ele colocaria sua mão no fogo por ela e isso não era só porque era
completamente apaixonado, mas porque a conhecia bem.
O advogado não saberia dizer quanto tempo ficou ali, apenas admirando a mulher que ele amava,
mas, quando ela se mexeu, ele saiu fechando a porta silenciosamente. Não precisava ser pego em
flagrante e arriscar que as coisas entre eles ficassem desconfortáveis.

***

Gabriel chegou ao hospital alguns minutos depois de deixar o restaurante. Assim que saiu do
elevador, avistou o policial Santos parado em frente à porta.
— O que você está fazendo aqui soldado?
— Boa noite, investigador Goulart. O capitão me mandou ficar aqui para a segurança do paciente.
— Onde está o capitão?
— Lá dentro, conversando com a vítima.
Gabriel entrou sem pedir licença, intempestivo como sempre. O capitão virou-se e o olhar de
Marcelo seguiu o do policial.
O investigador observou Marcelo, que tinha apenas o braço preso em uma tala, e um pequeno
curativo na testa.
— Até que você está ótimo para quem sofreu uma tentativa de assassinato. — Gabriel disse
debochadamente.
— Eu te disse, investigador, se você tivesse acreditado em mim eu não estaria aqui agora.
— Bom, tecnicamente, mesmo que eu tivesse um policial seguindo você, provavelmente o carro
conseguiria te acertar.
— Mas talvez ele tentasse prendê-la.
— Prendê-la?! Como sabe que era uma mulher?
— Ou um homem de cabelos compridos, mas pelas feições finas, sim, acredito que fosse uma
mulher.
Gabriel olhou interrogativamente para ele.
— Podemos conversar? — o capitão pediu ao investigador. — Ali fora.
Eles saíram e quando estavam fora do quarto, o capitão o chamou até a cantina.
— O senhor Marcelo Mendonça disse que foi até a delegacia e pediu proteção, mas você negou.
— Claro que neguei! Ele me mostrou dois SMS’s com umas frases nada ameaçadoras, que
poderiam ter sido enviadas de qualquer ex-amante irritada. Apenas mandei que ele protegesse as
próprias bolas.
— Acontece que agora ele diz que isso podia ser evitado se você tivesse colocado um policial
para segui-lo.
— Ridículo! Vou cuidar disso, mas agora eu preciso saber, tem alguma informação sobre o carro
que bateu? O que Marcelo disse em depoimento?
— Disse que estava chegando ao seu prédio, e, enquanto esperava o portão abrir, o carro que
parecia estacionado, acendeu o farol no máximo antes de ligar o motor e investir contra o carro dele.
Como era uma pick-up, o carro arrastou o dele alguns metros, antes de dar ré e sair em alta
velocidade.
— E em nome de quem está o carro?
— Está no nome de um homem, o fato é... O carro foi furtado essa tarde no shopping Boulevard.
— Então, o que você está me dizendo é que alguém furtou o carro, foi até lá, tentou matá-lo,
depois, abandonou o carro e fugiu? — Gabriel franziu o cenho — E me deixe adivinhar. Ninguém viu
ou ouviu nada?
— Como sempre!
— E como ele viu que era uma mulher se o farol foi aceso no máximo?
— Ele disse que conseguiu ver uma silhueta antes de ser cegado pelo brilho.
Gabriel franziu a testa antes de falar.
— Tudo bem, deixe o policial com esse mala sem alça até ele ter alta e quero a roubos e furtos
focada nesse carro. Até lá, vamos tentar omitir isso dos jornais, não quero mais esse fato
acrescentado ao caso Veiga e você sabe como esses repórteres são. Se isso vazar rapidamente, já
vão dizer que está tudo interligado e eu não acho que esteja.
— Você que manda, investigador.
— Esse Marcelo deve ter uma visão extraordinária.
— Porque diz isso, investigador?
— Simples, porque mesmo com o farol alto do carro o cegando, ele conseguiu ver o
comprimento do cabelo e as feições finas da pessoa dentro do carro.
Gabriel se virou e caminhou em direção ao elevador.
Capítulo Quatorze

Monique se encontrava sozinha no enorme apartamento de Guilherme. Ele havia viajado naquela
manhã e reforçou mais de uma vez que, qualquer problema, ela devia procurar o investigador
Gabriel.
Nunca!
Ela faria justamente o contrário. Se manteria o mais longe dele possível, pois sabia que qualquer
espirro que desse, sem colocar a mão na frente, Gabriel a colocaria novamente atrás das grades.
Entretanto, essa viagem de Guilherme foi providencial para ela. Tudo que precisava resolver
com Marcelo, poderia fazer, sem se preocupar com advogado questionando onde foi.
Ficou muito irritada quando descobriu que ele não havia viajado. Provavelmente tinha dado
aquela ordem ao porteiro.
Depois de tomar um café da manhã reforçado, Monique ligou insistentemente para Marcelo, mas
o celular só caía na caixa postal. Então, ela pegou as chaves do carro de Guilherme e saiu em
direção ao edifício onde ficava a empresa de Marcelo.
Estacionou diante do edifício e aguardou, uma, duas, três horas, mas ele não apareceu.
Monique dirigiu para fora do edifício e guiou até a casa dele e, quando se aproximou, observou
enquanto um reboque suspendia o carro de Marcelo, amassado do lado do motorista.
Imediatamente, ela retornou para o apartamento.
Assim que saiu do veículo e acionou o alarme, se virou, apenas para dar de cara com uma parede
de músculos parado atrás dela.
— Ai! — ela gritou e quando olhou para cima, seu olhar foi capturado por aqueles incríveis
olhos azuis.
— Como foi o passeio? — Gabriel questionou, sua voz propositalmente calma, mas sua
expressão dura, como sempre.
— Eu… eu só fui…
— Nem se dê ao trabalho. — ele aproximou mais seus rostos enquanto a encarava friamente —
Não acreditaria em você mesmo. Só vim me certificar que você estava “segura”. Mas como eu disse
a meu irmão, as pessoas precisam se proteger de você e não o contrário.
— Eu não preciso de babá.
— Ah, nós dois concordamos sobre isso. — ele apertou os olhos — Mas eu ficarei de olho em
você, esperando que cometa seu primeiro deslize e sem meu irmãozinho aqui para salvá-la, montado
em um cavalo-branco, a verei apodrecer atrás das grades.
Antes que ela pudesse responder, Gabriel se virou e saiu, fazendo o ronco da sua moto ecoar por
todo o estacionamento.

***
Gabriel ligou para o policial que estava disfarçado, de prontidão em frete ao prédio de seu irmão
e pediu que ele o encontrasse na esquina.
Quando o homem à paisana se aproximou, a expressão do investigador era de raiva e ele soube
no mesmo instante que viria bronca.
— Posso lhe assegurar que ela não está saindo e…
— Deixe de ser burro, ela está usando o carro de Guilherme. — Gabriel empurrou um pedaço de
papel contra o peito do policial — Esse é o modelo, placa do veículo, cor. Agora seja menos imbecil
e a siga, caso ela saia.
— Sim, senhor, desculpe…
— Estou cercado de incompetentes — ele colocou o capacete e deixou o policial parado lá, com
cara de idiota.

***
Monique, depois de ignorar aquela visita surpresa e nada agradável, começou a pesquisar na
internet os hospitais da região, já que não havia nenhuma notícia recente sobre Marcelo. Após ligar
para vários, encontrou o hospital que ele estava.
Ela saiu novamente, e agora, consciente de que a estavam seguindo, deixou o carro no
estacionamento de um shopping e pegou um táxi até o hospital onde Marcelo estava.
Quando chegou à recepção do hospital, deu a descrição de Marcelo, fingindo ser irmã dele. A
atendente se compadeceu com seu sofrimento e a informou em que quarto o paciente estava. Depois
de agradecer, ela seguiu para o elevador, mas assim que as portas abriram no quinto andar, Monique
se assustou ao ver um policial parado em frente ao quarto. Por sorte, não era ninguém que ela
conhecia dos dias que passou na prisão.
Droga! Resmungou ela, se escondendo atrás de uma pilastra.
Raciocinando rápido, ela colocou óculos escuros e prendeu o cabelo em um coque e observou.
Se ela se aproximasse dele, ele poderia reconhecê-la e depois dizer para o investigador que ela
havia estado ali. Mas precisava dar um jeito de tirá-lo dali, mesmo que fosse por alguns segundos.
Ela observou o lugar, procurando qualquer coisa que pudesse ajudá-la.
Até que avistou o alarme de incêndio. Providencialmente o corredor estava deserto então, ela
usou o cotovelo e quebrou o vidro, que logo em seguida acionou o alarme.
Depois correu até o elevador como se tivesse acabado de sair dele. Logo os corredores ficaram
cheios de pessoas curiosas e desesperadas. Entretanto ela não correu, apenas observou para se
certificar que sua tática havia dado certo. Quando o policial se afastou da porta, ela aproveitou a
movimentação das pessoas para passar despercebida por ele e entrar no quarto.
Assim que entrou, viu Marcelo deitado, dormindo. Ele tinha o semblante calmo e respirava
suavemente.
Pé ante pé, Monique se aproximou da cama e o barulho do aparelho de monitoração cardíaca
chamou sua atenção. Cada bip que entrava em sua mente a afastava um pouco da realidade.
— O que você faz aqui? — ela se assustou com a pergunta de Marcelo, que se sentava
rapidamente.
— Você não me atendeu mais, não me ligou, fingiu uma viagem. — ela disse em tom acusatório
— Eu precisava falar com você.
— Como conseguiu entrar? O policial… Que barulheira é essa?
— Um incêndio.
— Incêndio?!
— Longa história — ela deu de ombros e se aproximou mais. — Precisamos conversar…
— Como você sabia onde eu estava? — ele perguntou desconfiado.
— Não importa e eu não tenho muito tempo — Monique ignorou totalmente a pergunta dele. —
Você está me evitando e eu não estou gostando nada disso. Disse que ia me ajudar, que não me
abandonaria, e agora me evita?
— É complicado…
— Complicado?! — ela elevou consideravelmente sua voz. — Não venha me dizer que a sua
vida está complicada quando sou eu quem estou correndo o risco de passar o resto dos meus dias na
cadeia. — Monique apontou para si mesma — Você me pediu paciência e eu fui muito paciente, mas
agora já chega, acabou. Ou você cumpre sua promessa de me ajudar ou eu vou contar ao meu
advogado e ao investigador todos os detalhes daquele dia.
— Você não entende? Se você contar…
— Não, Marcelo. Você é o único que não está mais entendendo. Minha paciência acabou! — ela
jogou as mãos para o alto. — E não me venha com mais desculpas esfarrapadas. Estarei com o
celular ligado, quando você parar de se fingir de o acidentado por causa de dois arranhões, me ligue
e, se você me fizer esperar muito, vai se arrepender.
Monique se afastou e saiu do quarto abruptamente, porém, assim que pôs os pés do lado de fora,
seu coração gelou.
Gabriel estava conversando com o policial que há poucos minutos estava em frente à porta de
Marcelo e não tinha o semblante nada agradável.
Ela não podia voltar para dentro do quarto de Marcelo, pois ele a pegaria ali. Monique olhou
para o final do corredor e a única saída era uma grande janela com grades. Desesperada, ela correu
para direção da janela e entrou no último quarto do corredor, fechando a porta delicadamente para
não fazer barulho. Uma vez que o alarme havia sido desligado.
— Até que enfim, enfermeira. Que demora!
Ela se virou e um senhor, aparentemente com mais de oitenta anos, que nem sabia identificar uma
enfermeira, estava deitado na maca.
— Já apertei essa campainha há mais de dez minutos. Eu preciso fazer xixi.
— Desculpe a demora — ela caminhou na direção do velho. Se não quisesse ser pega ali, teria
que entrar no personagem e ajudar o velho. — Vamos, vou te ajudar a ir até o banheiro e…
— Você está louca, minha filha? Eu não posso andar, esqueceu? Pegue a comadre.
Monique gelou. Ela teria que ajudar ele a urinar?! Por alguns segundos ela teve vontade de sair
correndo e enfrentar Gabriel, no entanto, se isso acontecesse, tudo estaria perdido.
Ela caminhou até a porta e abriu-a lentamente, espreitando pela pequena fresta que lhe permitiu
ver Gabriel e o policial entrando no quarto de Marcelo.
— Ei, enfermeira. Eu vou mijar na cama… E que barulho foi esse?
— Shhh! — ela pediu silêncio ao senhor. — Foi apenas um alarme falso.
Quando a porta do quarto de Marcelo se fechou, Monique saiu do quarto do velho e correu,
tentando manter-se silenciosa enquanto passava em frente ao quarto e seguindo o mais rápido que
pôde para as escadas. Não ficaria parada esperando o elevador. Quanto antes saísse daquele
hospital, melhor.

Gabriel e o policial Cruz entraram no quarto e Marcelo falava furiosamente ao celular, mas,
quando seus olhos fitaram os dois policiais entrando, ele desligou.
— Preciso desligar, resolva isso. Hoje! — Marcelo rosnou, e depois virou-se para o
investigador.
— Problemas? — Gabriel perguntou debochadamente.
— Negócios, apenas negócios. Mas, me diga, o que traz um homem tão ocupado quanto o
investigador a visitar um zé-ninguém como eu?
— Não vim ver você. O policial Cruz me ligou, dizendo que teve um falso alarme de incêndio
aqui. Como eu estava perto, resolvi vir verificar. E não custava nada dar uma passada aqui, ver se
sua amante não voltou para terminar o serviço.
— Não foi uma amante!
— Então você sabe quem foi?
— Não! Claro que não.
— E como pode afirmar então, que não foi uma amante? Mulheres furiosas são muito perigosas.
Sabe, fico imaginando se Fabiana não teria descoberto um de seus casos e aí vocês tiveram uma
briga…
— Sei bem aonde o investigador quer chegar. Eu já lhe disse que eu tenho um álibi. Você a
interrogou… Por que esse papo agora?
— Foi só uma coisa que me passou pela cabeça.
— Isso é ridículo. Eu amava Fabiana e ela me amava. Íamos nos casar, ter muitos filhos.
— E, no entanto, isso não o impediu de ter um caso com outra mulher.
— Ora investigador, eu sou homem. Por que eu deveria dispensar uma boa transa? — Marcelo
sorriu satisfeito. — Entretanto, isso nada tem a ver com meus sentimentos para com a minha noiva.
— Típico de um homem como você pensar assim.
— Ora, vai dizer que o investigador é do tipo homem fiel?
— Eu não sou fiel, porque não me envolvo com ninguém. Não que isso seja da sua conta, mas
para mim, respeito é o que conta.
— Temos então uma visão muito diferente do que é respeito.
— Uma coisa me intriga. — Quem não conhecesse o investigador, poderia pensar que se tratava
de uma simples conversa, mas a verdade era que ele estava visivelmente manipulando os sentimentos
de Marcelo para estudar sua reação — Vocês eram tão apaixonados, iam se casar, ter uma família,
porém, o testamento dela deixava toda fortuna para uma amiga, e nem um centavo para o noivo. Você
não se sentiu ofendido?
— Claro que não, investigador! Eu sou um homem rico, tenho minha agência de investimentos,
por que me importaria para onde iria o dinheiro da minha mulher? Além do mais, ninguém realmente
imaginava que isso fosse acontecer com ela tão precocemente.
— Para um homem apaixonado, você trata a morte da sua noiva com bastante frieza. Como se ela
tivesse morrido naturalmente e não brutalmente assassinada.
— Não julgue meus sentimentos, investigador. Quem é você para dizer como eu devo ou não me
sentir em relação à perda da minha noiva? — Marcelo disse rispidamente, contudo seus olhos não
demonstravam nenhuma emoção.
— Você está provavelmente certo, mas no seu lugar, eu exigiria justiça.
— Ah, quanto a isso não se preocupe — Marcelo deu um sorriso torto. — Se a justiça não for
feita, eu sei exatamente de quem cobrar.
— Isso é uma ameaça?
— Absolutamente não. Apenas um fato.
Os dois homens se encararam desafiadoramente e quando Marcelo desviou o olhar, Gabriel virou
as costas e saiu.
Capítulo Quinze

Monique tomava um banho relaxante na banheira de Guilherme, sorrindo da sua sorte. Foi por
pouco, muito pouco que Gabriel não a pegou no hospital. Seria difícil explicar o que ela estava
fazendo ali. Não que fosse estranho uma amiga visitar o amigo acidentado, entretanto, o fato de ela
ter acionado o alarme de incêndio, porque mesmo sem provas, com certeza, ele a acusaria, isso sim
seria impossível de explicar.
Pensar no investigador com aquele semblante constantemente sério, o maxilar rígido, músculos
visíveis mesmo sob a roupa e aqueles penetrantes olhos azuis, enquanto a água quente acariciava sua
pele, fez Monique sentir um calor crescer no centro das suas coxas.
Aproveitando seu tempo e privacidade, ela desceu sua mão pelo seu corpo, enquanto pensava em
Gabriel. Quando sua mão chegou onde mais precisava, se acariciou, imaginando como seria o toque
dele, no lugar do dela. Rodeando lentamente seu ponto, ela fechou os olhos e jogou a cabeça para
trás, imaginando o olhar de Gabriel, se seu beijo seria tão intenso quanto ela imaginava e só de
imaginar isso, ela gemeu e aumentou a pressão em seu clitóris, se entregando ao prazer. Quando suas
pernas começaram a estremecer, ela gemeu alto e sorriu, até que aquele delicioso tremor cessou.
Satisfeita, voltou a apoiar a mão na lateral da banheira e relaxou ainda mais.

***

Gabriel estava sentado em um bar, olhando uma linda morena que sorria para ele, fingindo
timidez, enquanto o encarava. Ele adorava esse tipo de mulher, se fazia de recatada e quando estavam
entre quatro paredes, se mostravam verdadeiras onças.
Ele se levantou decidido a ir até ela e ter mais uma noite de sexo relaxante quando seu celular
tocou.
Gabriel olhou para a tela e franziu o cenho, pois não reconheceu o número. Tornou a colocar o
celular no bolso, ignorando, mas este voltou a soar insistentemente.
— Goulart! — ele atendeu rispidamente.
— Oi, sou eu… — a voz feminina soou tímida do outro lado da linha.
— Eu quem? — Gabriel sentiu seu corpo reagir somente à voz dela.
— Monique… É que… O Guilherme disse para eu te ligar, caso fosse necessário e...
— Pare de enrolar e diga logo.
— Eu estava tomando banho…
— Que bom para você. Mas acredito que não tenha me ligado para falar sobre sua higiene
pessoal — ele virou de costas para a morena e caminhou até o balcão do bar. — Direto ao ponto,
senhorita Pillar.
— Fui acordada quando ouvi um barulho, alguém esteve aqui dentro do apartamento. Estou
assustada.
— Você estava tomando banho ou dormindo? — Gabriel perguntou impaciente.
— Eu adormeci na banheira... Olha... — Monique precisou se esforçar para manter a calma. —
Só liguei porque o Guilherme disse que se eu precisasse de algo... Além do mais o apartamento é
dele, mas você não precisa vir, ok? Aliás, esquece que eu liguei.
— Ok!
Gabriel desligou e fez sinal para o garçom, que lhe serviu uma dose dupla de uísque. Ele a virou
toda de uma vez antes de ser servido novamente. Depois da segunda dose, uma culpa começou a
corroê-lo. Não que ele estivesse temendo pela vida de Monique. Mas ele havia prometido a
Guilherme que cuidaria dela e, além disso, seu irmão era um advogado muito conhecido que já tinha
pego diversos casos complicados. Talvez alguém estivesse tentando se vingar dele.
— Merda! — ele grunhiu enquanto jogava algumas notas em cima do balcão, depois se dirigiu à
saída.

Alguns minutos depois, Gabriel estacionava a moto em frente ao prédio de Guilherme. Já


passavam das 22 horas e a vizinhança estava silenciosa. O porteiro o reconheceu imediatamente e
permitiu que o investigador entrasse.
Assim que chegou ao andar de Guilherme, Gabriel sentiu-se compelido a recuar. Deixar para lá.
Mas no fundo, sabia que estava fazendo a coisa certa.
Ele bateu duas vezes na porta do irmão e não obteve resposta. O silêncio dentro do apartamento
significava duas coisas: ou Monique estava dormindo, ou havia saído.
Ou está morta!
A voz de seu subconsciente gritou e Gabriel forçou a porta, que abriu sem empecilho. Estava
destrancada!
A escuridão dentro do apartamento era ofuscante e Gabriel tateou a procura do interruptor.
Quando a centelha da lâmpada piscou, uma labareda lambeu todo apartamento e com a explosão,
Gabriel foi lançado contra a parede da sala, batendo fortemente sua cabeça. Seu corpo desabou ao
lado do aparador, derrubando-o e fazendo o vaso cair sobre sua testa.
Antes que fosse tomado pela escuridão, sua visão ficou turva e ele sentiu o calor aumentar. Estou
morto! — pensou, antes de desmaiar.

***
Monique não queria ficar ali. Não naquele momento. Pegou seus documentos, um casaco, sua
bolsa, as chaves do carro de Guilherme e saiu.
Olhou para os dois lados no corredor se certificando que estava sozinha.
Quando chegou ao estacionamento, estranhamente silencioso, ela andou cautelosa até o carro e
entrou rapidamente nele, antes que fosse surpreendida por alguém.
Estava há dois quarteirões, quando seu peito se apertou em angústia. Num impulso, fez o retorno e
voltou ao apartamento.
Estava no elevador quando ouviu a explosão. Assim que as portas se abriram, ela correu em
direção ao apartamento. A porta estava aberta, emanando um calor insuportável.

Rapidamente, tirou seu celular do bolso e ligou para os bombeiros, mesmo que o sistema contra
incêndio do prédio já tivesse sido acionado.
Ela caminhou na direção do apartamento e viu as pernas de Gabriel na direção da porta.
— Gabriel! — ela gritou — Investigador… Gabriel! — chamou novamente, mas ele não se
mexeu.
Apenas o calor queimava sua pele mesmo à distância. No entanto, ela não podia deixá-lo ali.
Algo dentro dela dizia para não deixá-lo. Ela se abaixou, fugindo da fumaça espessa, e puxou o
corpo de Gabriel pelas pernas.
A quentura estava fazendo sua boca secar, seus olhos ardiam por causa da fumaça. Por um
momento ela pensou em desistir. Se o investigador morresse, metade de seus problemas estaria
resolvida, por outro lado, se ela o salvasse, também.
Tirando forças, sem saber de onde, ela o puxou e o arrastou até perto do elevador. Ao longe ela
pôde ouvir as sirenes dos bombeiros. Neste momento, os outros moradores saiam de seus
apartamentos, tomados pelo pavor, e tudo que Monique conseguiu fazer, foi se ajoelhar próximo a
Gabriel e proteger a cabeça dele, já machucada.

***

O barulho irritante dos bips da máquina de monitoramento cardíaco estava irritando Gabriel,
antes mesmo que ele pudesse abrir os olhos.
Seu corpo estava dolorido, sua boca seca, sua cabeça latejava.
Quando ele abriu as pálpebras, a claridade o incomodou como o inferno, fazendo seus olhos
doerem. Ele apertou novamente os olhos, porém a dor em sua cabeça pareceu aumentar.
— Enfermeira! — ele tentou gritar, mas sua garganta seca não permitiu.
Olhou para cima e viu o que parecia ser uma campainha, certamente para ajudá-lo a chamar
alguém. Ele se sentou e quando levantou o braço, percebeu que estava enfaixado até a metade.
Cinco minutos depois, uma médica entrou no quarto, seguida por uma enfermeira. A doutora tinha
os cabelos loiros presos em um coque, os olhos cor de mel e um sorriso contagiante.
— Bom dia senhor Goulart.
— Que horas são? Onde eu estou? Como cheguei até aqui?
— Calma, são muitas perguntas, que logo serão respondidas, mas primeiro gostaria de saber
como se sente?
— Como se eu tivesse sido atropelado por uma merda de um rolo compressor. Satisfeita? — ele
respondeu rispidamente, ainda que sem elevar a voz.
— Bem que me disseram que você era mal-humorado — a médica ainda sorria, sem se importar
com o jeito azedo dele — Bem, são sete da manhã, você está no Hospital Health and Healing
(Saúde e Cura) e foi trazido pelos bombeiros depois de ter sofrido algumas queimaduras de primeiro
e segundo graus nos braços e nas pernas. Levou cinco pontos na cabeça por causa de um corte e dois
na testa.
— E eu já posso ir embora?
— Sinto muito, mas por enquanto não. Por causa da pancada na cabeça, fizemos uma tomografia e
estamos esperando os resultados. Só depois disso, se estiver tudo bem, você poderá ir embora.
— Eu me sinto ótimo, não preciso esperar exame…
— Não está com dor de cabeça?
— Não! — ele mentiu.
— Sinto muito, porém, eu seria irresponsável se liberasse você antes do resultado dos exames.
Até a tarde deve estar pronto e aí, se estiver tudo bem, eu te dou alta… Amanhã.
— Eu não tenho tempo para isso, não posso ficar aqui.
Gabriel se levantou rapidamente e quando se colocou sobre seus pés, o quarto rodou. Ele fechou
os olhos, tentando afastar aquela sensação de atordoamento, sentando-se novamente.
— Viu? Você ainda não está bem. Precisa ficar mais um pouco em observação. Por favor, não
seja teimoso.
— Estou com sede e com fome. — Gabriel disse, ignorando totalmente o pedido da médica.
— Vou pedir que tragam seu desjejum. A enfermeira vai trocar alguns curativos e aferir sua
pressão, trocar seu soro.
— Tanto faz! — ele respondeu e se deitou na cama, contrariado.
A enfermeira Maria, como estava escrito no crachá, chegou logo depois. Ela mediu a pressão de
Gabriel, temperatura e logo em seguida começou a trocar as bandagens que envolviam seu antebraço
direito, sua panturrilha e pé esquerdo e os curativos dos pontos. Enquanto ela mexia no curativo da
testa de Gabriel, ele observava seu decote.
— É enfermeira há muito tempo? — ele perguntou puxando assunto, observando a beleza de
descendência oriental da moça.
— Há dois anos. — Maria deu um sorriso que Gabriel soube na hora que tinha algo por trás.
— Você deve receber muitas cantadas, não é mesmo?
— Algumas, mas eu não costumo misturar as coisas. — ela o encarou e Gabriel percebeu ela
engolir em seco e corar levemente.
— Está certíssima. — ele deu um sorriso lascivo e tocou na mão dela. — Já eu, adoro misturar
as coisas.
Ela o encarou e o olhar de Gabriel a fez enrubescer. Ele apertou de leve sua mão e Maria não
tentou desvencilhar do toque dele. Lentamente ele foi subindo sua mão, passando suavemente o
polegar na junção do braço dela. O toque dele levava um arrepio por todo corpo de Maria e por mais
que ela soubesse que aquilo era errado, era praticamente impossível resistir a ele.
Ele passou a mão por trás da nuca dela e puxou cautelosamente, dando a Maria a chance de se
afastar, mas ela não o fez e quando seus rostos estavam a centímetros, alguém bateu à porta do quarto,
fazendo Maria se afastar abruptamente e Gabriel resmungar um palavrão.
Seu chefe, o delegado Eduardo Campos, entrou no quarto olhando de forma intrigada para
Gabriel e apertou os olhos na direção da enfermeira.
— Chefe! — Gabriel o cumprimentou.
— Investigador Goulart, acho que você está melhor do que me informaram.
— Estou ótimo, mas a médica não quis me dar alta.
Eduardo esperou a enfermeira sair para começar a falar.
— O que você foi fazer no apartamento do Guilherme ontem?
— Eu fui averiguar se… A acusada sobre o assassinato de Fabiana Veiga não havia fugido.
— E desde quando você sabia que ela estava morando com seu irmão?
— Desde que ela saiu da cadeia. — ele não mentiu.
— E quando pretendia me contar?
— Chefe, não achei relevante. Eles se conhecem há muito tempo e…
— Eu sei da história toda. Conversei com ela ontem à noite.
— E?
— Sem mais. Ela apenas foi interrogada por conta dos fatos.
— Ela tentou me matar!
— Não diga bobagem, ela salvou a sua vida. Você deve agradecer a ela por estar vivo.
— O que você quer dizer com isso? — Gabriel franziu o cenho.
— Que, se ela não tivesse te arrastado pelo corredor do prédio, essa hora você seria um
churrasco e nós estaríamos no seu velório com o caixão fechado.
— Impossível! — Gabriel disse com desdém.
— Não é. — o delegado andou até a porta. — Olha, eu também acho isso tudo muito estranho. Se
ela tivesse deixado você fritar, nós teríamos que repassar o caso, surgiriam novas investigações e
isso a deixaria mais tempo livre. Talvez ela até conseguisse fugir. Mas a verdade é que várias
testemunhas a viram te arrastar, com muita dificuldade devo acrescentar, e ficar com você até os
paramédicos chegarem. Monique Pillar definitivamente não o queria morto. — Eduardo Apenas fitou
Gabriel e diante do silêncio dele continuou — Bom, você tem uns dias de folga. Aproveite-os
bastante.
Gabriel não respondeu, ao comentário do seu delegado, apenas observou-o sair do quarto e
depois, jogou-se novamente na cama, pensativo.
Se Monique o deixasse morrer, teria muito mais chances, pois eles iriam ter que passar o caso
para outro investigador, entretanto, ela não o fez.
Por outro lado, ela pôde muito bem ter provocado o incêndio, ligado para ele, chamando-o para
a armadilha que ela mesma armou, para depois tirá-lo de lá e tentar aliviar a perseguição do
investigador. Ou até mesmo, sua culpa.
Capítulo Dezesseis

Já passavam das sete da noite quando a médica retornou ao quarto de Gabriel, informando que
ele teria que ficar pelo menos mais 24 horas, pois havia um leve inchaço em seu cérebro devido a
pancada. Ele esbravejou, resmungou, ameaçou, mas nem diante disso a médica permitiu a saída dele
do hospital.
Próximo das 22 horas, quando a porta se abriu novamente, Gabriel virou-se animado, achando
que era a enfermeira que ele havia cantado o dia inteiro, porém, seus olhos se arregalaram quando
viu Monique entrar.
Ela entrou receosa, demorando mais que o normal para fechar a porta, esperando pelo momento
que Gabriel a expulsaria aos berros. Mas ele não o fez. Apenas ficou a encarando, sem mover um
músculo de sua face. Sem expressão nenhuma e com o olhar indecifrável.
— É… — ela quebrou o silêncio, porém, sem saber realmente o que dizer.
— O que faz aqui? — Gabriel perguntou e seu tom de voz estava estranhamente sereno.
Monique não conseguiu saber o que se passava na cabeça do investigador e estranhou a falta de
rispidez que já estava acostumada.
— Vim saber se você estava bem. Se precisava de alguma coisa.
— Conferir se tudo saiu como você planejou? — ele perguntou e sua voz soou um pouco mais
rígida. — A única coisa que eu preciso é sair daqui.
Monique até poderia reclamar, mas, na verdade, foi um alívio, pois daquele jeito ela sabia como
lidar com ele.
— Como assim? — ela perguntou incrédula.
— Ah, qual é? — Gabriel se levantou e caminhou até a janela. — Você acreditou mesmo que eu
cairia nesse seu joguinho? Me salvar?! Para começo de história, você me ligou, dizendo para ir lá.
Se não fosse por você, eu não estaria no apartamento.
— Você é um ingrato, isso sim. Te arrastei corredor afora para salvar sua vida e é assim que você
me agradece?
— Para me salvar de um incêndio que você mesma provocou. Pesou a consciência me deixar
virar churrasco?
— É isso que você acha?! — Monique gritou exasperada, esquecendo completamente que estava
em um hospital. — Sabe, investigador, não sei que raios nessa vida te tornou tão amargo, mas saiba
que as pessoas, as vezes, fazem as coisas apenas por fazer. Você tem razão, eu podia tê-lo deixado
virar churrasco, mas, naquele momento meu coração me disse para te salvar e eu o fiz. E mesmo você
sendo esse completo imbecil, eu não me arrependo.
A reação de Monique pegou Gabriel de surpresa. Ela nunca o respondera tão rispidamente.
Naquele momento, ele sentiu ainda mais atração por ela. Seu corpo começou a corresponder, então,
ele se virou e caminhou com passos firmes na direção dela, mas parou abruptamente quando a viu se
encolher diante da aproximação dele.
— Você acha que eu vou te machucar? — ele disse com a voz mais suave e Monique o encarou.
— Você me odeia! — ela disse como se essas poucas palavras respondessem à pergunta dele.
— Eu não te odeio. Odeio o que você fez. Só procuro justiça — a voz dele soou estranhamente
suave.
— Eu não vou repetir que não fiz aquilo, uma vez que você não acredita.
Ele se afastou, voltando para a cama.
— Por que você veio aqui? — ele perguntou sem encará-la.
Monique estranhou que ele estivesse repetindo a pergunta.
— Eu já disse. Queria saber como você estava.
— Olhe, senhorita Pillar, eu posso ser tudo, menos tolo. Você poderia muito bem ter perguntado a
alguma enfermeira. No entanto, entrou sorrateiramente no meu quarto tarde da noite.
— Eu não vim te matar.
— Sei que não! Você não seria tão idiota. Mas sei que você não veio aqui só para me ver.
— Você está certo. Não foi só por isso.
O sorriso de satisfação que surgiu nos lábios de Gabriel, deixou Monique sem ar. Ele não era só
bonito. Era sedutor, másculo, com feições fortes e olhos extremamente azuis.
— Não sorria assim — Monique reclamou.
— Viu como eu sempre estou certo?
— Nem sempre…
— O que você realmente quer?
— Eu não consigo falar com o Guilherme, gostaria de saber se você tem alguma notícia dele.
— Não! — Gabriel franziu o cenho, lembrando-se que desde que seu irmão viajou, ele não falou
com o mesmo. Tudo bem que não tinha muito tempo, pouco mais de vinte e quatro horas, mas, apesar
de tudo, eles haviam combinado de manter contato.
— Tentei ligar para ele e avisar sobre os últimos acontecimentos, mas, o celular está caindo
direto na caixa postal.
— Não deve ter acontecido nada demais. Guilherme deve apenas estar focado no seu objetivo. —
Gabriel respondeu pensativo.
— Tudo bem. — Monique respondeu e caminhou em direção à porta.
Antes que ela pudesse alcançá-la, um pensamento invadiu a mente de Gabriel. Se o apartamento
dela continuava isolado e o de Guilherme agora havia sido praticamente destruído pelas chamas,
onde ela dormiria?
— Onde você vai dormir? Onde dormiu na noite passada? — ele perguntou e Monique se virou
calmamente, encarando-o, tentando perceber em seu olhar o que aquela pergunta significava, uma vez
que o tom de sua voz não disse muita coisa.
— Na noite passada, não dormi, na verdade. Fiquei aqui no hospital esperando por notícias,
depois fui para a delegacia ser interrogada e agora voltei para cá — ela suspirou. — Hoje pretendo
dormir no carro de Guilherme.
— Na rua?! — a voz de Gabriel aumentou consideravelmente o tom. — Ficou louca?
— Está preocupado, investigador? — Monique se controlou para conter um sorriso, mas o tom da
sua voz a entregou.
— Com você? — ele deu uma risada. — Nunca! No entanto, prometi ao meu irmão que tomaria
conta de você. E mesmo contrariado… Eu costumo cumprir minhas promessas.
Gabriel caminhou até a gaveta da cômoda, onde estavam alguns de seus pertences pessoais que
haviam sido trazidos pelo seu chefe, e pegou um molho de chaves.
— Fique em meu apartamento até eu sair daqui. Depois, arrumarei um lugar para você ficar.
Algum lugar onde eu possa manter os dois olhos sobre você.
— Não é necessário. Eu…
— Eu não perguntei se você quer, senhorita Pillar. E acredito que, mesmo uma pessoa como você,
sabe o quão perigoso é dormir em um carro. Além do mais, se essa sua historinha de “invasão” for
real, quem quer que tenha tentado lhe fazer mal, vai conseguir muito mais facilmente com você
dormindo em um veículo.
Monique hesitou e Gabriel caminhou até ela. Com a proximidade dos dois, Monique, que nunca
se considerou baixa, teve que olhar para cima, para que pudesse encará-lo.
— Eu não sei…
— Faça o que estou dizendo — a voz dele saiu estranhamente suave. — Guilherme concordaria
comigo.
Monique suspirou. Não por estar contrariada ou por estar compelida a negar a sugestão de
Gabriel. Dormir no apartamento dele era, de longe, a melhor opção no momento para ela. Entretanto,
aquela proximidade do corpo másculo dele, fazia seu próprio corpo acender. A voz rouca de Gabriel,
seus penetrantes olhos. E então, ela se lembrou do que tinha feito na banheira a poucas horas
pensando nele e precisou desviar o olhar.
— Tudo bem — ela estendeu a mão para pegar a chave e quando suas peles se tocaram, os pelos
de Monique se arrepiaram, e ela pediu aos céus para que ele não tivesse percebido.
Depois que Monique deixou o quarto de hospital, Gabriel retornou para a sua cama, pensativo,
questionando se havia tomado a decisão correta.
Ele pegou o celular e discou o número do policial que estava designado a vigiar Monique.
Depois do segundo toque, o cara atendeu.
— A senhorita Pillar ficará em meu apartamento durante um tempo. Fique de olho nela. —
depois que o policial concordou, Gabriel encerrou a ligação e voltou a pensar nela.

***

O apartamento de Gabriel, nem de longe, parecia com o de Guilherme.


O do advogado era masculino, sem muitos detalhes, entretanto, limpo e arrumado. Já o
apartamento do investigador era uma verdadeira bagunça. Havia uma fina camada de poeira visível
por cima dos móveis e havia roupas jogadas no sofá e duas ou três peças no chão. Muitas garrafas de
bebidas espalhadas.
Monique suspirou horrorizada. Não havia nada na geladeira além de água e um leite velho.
Olhou para a pia, onde havia alguns garfos e facas jogados, mas não havia pratos. Contudo,
dentro da lixeira, muitas vasilhas descartáveis e embalagens de comidas prontas.
Monique foi até o quarto que provavelmente era de Gabriel e viu os lençóis bagunçados e mais
roupas jogadas sobre a cama. No outro quarto, uma cama de solteiro com o colchão à mostra, uma
cômoda velha e muitas coisas entulhadas.
Ela sorriu. Definitivamente Gabriel e Guilherme, apesar de irmãos e de terem tido a mesma
criação, eram como a água e o vinho.
E já que ela passaria algum tempo ali, não custava nada colocar algumas coisas em ordem.
Capítulo Dezessete

Naquela manhã, Gabriel fez um novo exame para verificar o inchaço em seu cérebro e como
havia diminuído consideravelmente, teve alta. Ele já estava no hospital há pouco mais de 48 horas e
já estava impaciente. Nem as mais belas enfermeiras conseguiam melhorar seu humor, apesar de que,
em momento nenhum deixou de flertar com elas.
— Diante da sua melhora, te darei alta hoje e…
— Finalmente! — ele interrompeu a médica.
— Entretanto, o senhor tem que me prometer que caso sinta alguma tontura ou forte dor de
cabeça, voltará ao hospital.
— Claro! — Gabriel deu de ombros, mas, qualquer um podia perceber que ele estava dando uma
resposta evasiva.

Enquanto Gabriel estava no táxi, a caminho de casa, pensava se encontraria Monique lá. Durante
todo tempo que ele ficara no hospital, eles trocaram apenas um telefonema quando ela ligou para seu
celular perguntando algo sobre roupa limpa.
Quando Gabriel se aproximou da porta de seu apartamento, tocava Malandragem, de Cassia
Eller. Se ele não soubesse que sua chegada era surpresa, com certeza acharia que ela colocou a
música de propósito.
Silenciosamente, ele abriu a porta — com a chave reserva que ficava debaixo do capacho — e
fechou-a lentamente. Quando ele vasculhou o apartamento com o olhar, quase teve a impressão de
estar no lugar errado.
Nada estava fora do lugar, não havia roupas espalhadas. As garrafas de uísque barato estavam
alinhadas em cima do bar. Os copos e taças emborcados em cima de uma bandeja de prata. O lugar
cheirava a algum perfume floral, que se misturava com o aroma que vinha da cozinha. Um cheiro
delicioso de comida que fez o estômago de Gabriel roncar. Depois de alguns dias comendo comida
de hospital, aquele cheiro o fez ficar faminto.
Ele caminhou cauteloso até a cozinha e quando parou na porta do cômodo, sentiu seu corpo
responder a imagem diante dele. Monique usava um bustiê preto e um short jeans curto, que deixava
uma grande quantidade de pele de fora. Os cabelos dela estavam presos em um rabo de cavalo e ela
murmurava suavemente no ritmo da música.
Monique esticou o corpo para pegar algo na dispensa, fazendo seu short subir um pouco e mostrar
mais do que as pernas.
Gabriel sentiu uma pressão aumentar contra seu jeans e se mexeu desconfortavelmente, enquanto
ajeitava seu membro com a mão, seu cotovelo esbarrou em uma travessa que estava sobre a bancada
que dividia o corredor da cozinha, fazendo-a cair.
Monique gritou assustada e virou abruptamente, derrubando uma vasilha de mantimentos, cheia de
farinha de trigo.
— Gabriel?! — ela disse, respirando pesadamente e pousando a mão sobre o coração. — Como
você entrou?! Quer me matar de susto?
— Não tive a intenção. — ele resmungou dando a volta e pegando a travessa que tinha derrubado.
Depois, caminhou até próximo à Monique e avaliou o estrago. — Eu pego a pá.
— Ah! — Monique se levantou a caminhou até a área de serviço. — Não é preciso. Eu comprei
um aspirador.
— Você o que?
— Bom, eu precisava arrumar a casa e detesto vassouras, então comprei um aspirador. Muito
mais prático.
— Você não precisava arrumar nada! Agora como vou achar minhas coisas?
— Não seja exagerado. Eu apenas…
— Mulheres! — Gabriel esbravejou, virando-se e deixando Monique sozinha.
Ele foi até seu quarto na intenção de tomar um longo banho, mas teve dificuldade para encontrar
suas roupas.
Novamente ele xingou, e começou a vasculhar os armários, achando uma grande quantidade de
cuecas na gaveta — onde elas sempre deveriam ter estado, e não jogadas dentro do armário como ele
costumava deixar.
Gabriel não era um cara que se preocupava muito com a organização dos seus pertences. Ele
deixava esse tipo de “coisa” para seu trabalho. Lá sim, ele era chato e extremamente organizado,
minucioso até.
O seu apartamento era limpo a cada quinze dias por uma diarista de confiança, mas, na quinzena
anterior, ela havia adoecido e por isso algumas coisas estavam mais fora do lugar do que o normal.
Gabriel sorriu ao pensar que a doce senhora se espantaria ao ver sua casa tão limpa e arrumada,
sem que ela mesma tenha feito.

Depois de um longo banho, Gabriel voltou para a cozinha e a sujeira já havia sido limpa,
entretanto, Monique não estava lá. A música havia sido desligada e o cheiro da comida ainda estava
maravilhoso. Algo que vinha de dentro do forno.
— O jantar está pronto. — a voz de Monique soou atrás dele e Gabriel virou-se para olhá-la. —
Lombo suíno com batatas, arroz com brócolis e a salada está na geladeira.
Ela havia tomado banho e trocado de roupa. Uma mochila pendurada em um dos ombros.
— Onde você está indo? — ele perguntou, encarando a mochila.
— Bom, percebi que você não gostou que eu tenha mexido nas suas coisas e não costumo ficar
onde não sou bem-vinda. Vi sua irritação quando falei do aspirador e…
— Não foi isso que me irritou — Gabriel disse entre os dentes.
E ele não estava mentindo. De fato, não havia se irritado com a limpeza que ela tinha feito, ou
qualquer outra coisa que fizera no apartamento. Na verdade, esperava mesmo que ela se sentisse à
vontade, uma vez que o convite partiu dele. Ah não, nem de longe era isso que o havia irritado.
O que irritou Gabriel na verdade, foi a porcaria de atração que ele sentia por aquela criminosa,
atração essa, que ele sentiu desde a primeira vez que pôs os olhos sobre ela. Ele não podia se
repudiar mais por isso, mas, também não podia evitar que seu corpo reagisse a uma bela mulher.
E Monique, apesar de inescrupulosa, era sim, uma bela mulher. Na verdade, uma das mulheres
mais bonitas que Gabriel já havia visto na vida.
Os cabelos compridos e lisos, negros como seus grandes e expressivos olhos, seu rosto delicado,
pele clara, lábios rosados e carnudos e um sorriso grande, que podia derreter qualquer homem.
Qualquer um, menos ele.
— Então o que te irritou?
— Não importa, vá guardar essa mochila e vamos jantar. Estou morrendo de fome.
— Eu não…
— Olha… — Gabriel a interrompeu e respirou profundamente. — Acha que, por algumas horas,
podemos fingir que você não é uma assassina e eu não quero ver você apodrecer atrás das grades?
Monique arregalou os olhos e arqueou as sobrancelhas. A sinceridade de Gabriel era uma coisa
que sempre a surpreendia.
— Amanhã mesmo arrumarei um lugar para você ficar, mas, acredito que apenas hoje, você pode
continuar aqui, até porque, além de você não ter para onde ir, não está… Não está me incomodando,
de verdade.
— Você é sempre assim?
— Assim como?
— Extremamente sincero?
— Procuro ser. — ele deu de ombros. — Não tenho o porquê de fingir ser uma coisa que não sou.
Além do mais, a mentira machuca as pessoas.
— A sinceridade também.
— Só se você não estiver preparada para ouvi-la. A maioria das pessoas é assim. — Gabriel
caminhou para o armário enquanto falava e pegou dois pratos, colocando-os sobre a bancada. —
Preferem ouvir mentiras que lhe agradem, que lhes faça sorrir, do que a verdade que pode machucar.
Eu não! Prefiro tanto falar, quanto ouvir a verdade.
— Ou a verdade que você acredita.
Gabriel a encarou com os olhos semicerrados, porém, conteve seu ímpeto de ser grosso.
— Mas não é disso que se trata a verdade? Se acreditamos realmente em alguma coisa, aquilo se
torna verdade para nós.
Monique largou a mochila no chão e caminhou até a geladeira para pegar a salada. Depois,
enquanto Gabriel retirava a travessa com a carne do forno, ela preparava uma jarra de suco.
Quem assistisse a cena, jamais imaginaria que dentro daquela cozinha estavam duas pessoas que
se odiavam. Ou, pelo menos, achavam que se odiavam.
Durante o jantar, um desconfortável silêncio pairava sobre eles. O único barulho que podia se
ouvir era dos talheres batendo delicadamente nos pratos de cerâmica.
— Conseguiu contato com Guilherme? — Monique perguntou.
— Não. — ele a encarou e diante do semblante dela, acrescentou. — Não se preocupe. Ele está
bem.
O silêncio tornou a se fazer presente.
Antes de terminarem completamente o jantar, Gabriel quebrou aquela calmaria.
— Acho que eu não agradeci.
— Não foi nada. Eu não podia ficar aqui e não fazer nada.
— Não estou falando do apartamento. Minha diarista viria eventualmente para a limpeza.
— Não?!
Gabriel balançou a cabeça negativamente e colocou outro pedaço de carne na boca, mastigando
lentamente e engolindo antes de continuar.
— Estou falando por ter salvo a minha vida.
— Oh! — Monique suspirou e baixou o olhar, fitando o prato como se aquela declaração de
alguma maneira a envergonhasse. — Não agradeceu. De qualquer forma, você acha que eu quis te
matar, então…
— Mesmo que você tenha armado para mim, se arrependeu e me tirou de lá. Obrigado.
Monique o encarou e o olhar de Gabriel era sincero.
— Está falando sério? — ela perguntou.
— Sempre sincero, lembra?
Monique assentiu e o silêncio voltou a pairar sobre eles.
Depois que terminaram, Gabriel lavou os pratos enquanto Monique guardou o que sobrou da
comida em potes de plástico e os arrumou organizadamente na geladeira.
— Acho que vou para o quarto dormir um pouco. — ela disse, não querendo mais prolongar
aquele incômodo silêncio.
Gabriel concordou e observou Monique caminhar em direção ao quarto de hóspedes.
Após terminar de lavar as coisas, Gabriel caminhou até o bar se servindo de uma grande dose de
uísque, carregando consigo a garrafa que já estava acabando para seu quarto e, de forma silenciosa,
rodou a chave da porta.
Depois de colocar o copo de uísque sobre a cabeceira, esticou a mão e alcançou seu coldre que
ficava pendurado no dossel da cama. Retirou sua pistola dele e a acomodou debaixo do travesseiro.
Gabriel tomou sua dose de uísque em um só gole, mas, naquela noite, dispensou seu medicamento.
Capítulo Dezoito

Como de costume, Gabriel revirava na cama. Ao olhar para o relógio em sua cabeceira, percebeu
que já passavam das duas da manhã.
Irritado com sua insônia, Gabriel sentou. Naquela noite, além do seu habitual problema para
dormir, ainda havia Monique.
A imagem dela, de shortinho e top, não saía de sua mente. Seu corpo reagia àquelas lembranças e
isso o irritava ainda mais. Mas, nada se compara ao inferno que foi o jantar. Ver seus lábios se
movendo, quase sensualmente, enquanto ela comia, o deixaram duro como pedra durante toda
refeição.
Cansado daquilo, resolveu ir até o bar se servir de mais uma dose de uísque. Se ele não podia
dormir, pelo menos ele beberia um pouco mais, pois, a garrafa que ele havia levado para o quarto já
tinha terminado.
Assim que destrancou a porta, Gabriel sentiu uma estranha sensação e, cautelosamente abriu-a. O
corredor estava na penumbra, e uma fraca iluminação entrava pela janela da sala, o que não
adiantava muito.
Gabriel fez menção de seguir para a sala, mas, antes que ele pudesse dar um passo, viu a silhueta
de Monique surgir na extremidade do corredor, segurando um objeto comprido, pontiagudo e
reluzente em sua mão.
Uma faca! Ele pensou.
— Que porra você pensa que está fazendo? — Gabriel perguntou rispidamente, dando passos
largos, ameaçadores e muito rápidos na direção de Monique.
— Nada… Eu…
Ele se aproximou com tanta rapidez que Monique não teve tempo para se esquivar. Gabriel
agarrou seu punho que segurava a afiada faca de cozinha e a pressionou contra a parede, empurrando
sua mão para o alto e apertando com tanta força seu pulso que ela não teve outra opção a não ser
soltar a faca.
— O que você ia fazer com essa faca? Me matar?!
— Não… Eu… Claro que não.
— Não minta para mim! — ele esbravejou, aumentando o tom da voz.
Os olhos de Gabriel queimavam em fúria e Monique olhou assustada.
Estou perdida! — pensou ela.
— Você achou mesmo que ia conseguir me matar?
Gabriel a pressionou com seu grande e pesado corpo contra a parede, sua mão ainda
pressionando o pulso de Monique e a outra segurando seu queixo, obrigando-a a encará-lo.
— Não… Por favor… Eu não ia fazer nada... Apenas comer uma maçã.
— Não minta para mim! — ele disse entre os dentes, aproximando mais seu rosto do dela. Seu
cenho franzindo e seus olhos apertados.
— Por favor, não estou mentindo — ela choramingou. — Você está me machucando.
— Nada, perto do que você queria fazer comigo…
— Merda! Já falei que não ia fazer nada contra você. Se eu fosse a assassina que você diz, eu
teria que ser muito burra para atentar contra você dentro do seu apartamento e ainda correndo o risco
de dar errado…
— Acho que você é mais ardilosa do que eu imaginava.
— Olhe para mim. — com a mão que estava solta, ela apontou para si mesma. — Eu ia te matar e
depois sentar no sofá da sala para tomar um refresco? Se eu quisesse te matar, teria envenenado a
comida!
Gabriel observou-a melhor e percebeu que ela usava apenas uma camiseta que mal chegava na
altura das coxas, mas como ele estava suspendendo um dos seus braços, pôde ver a linha de uma
calcinha de renda.
Imediatamente seu corpo reagiu àquela visão e seu membro ficou duro, pulsando dentro da cueca.
E sem pensar muito, ele afrouxou a mão que segurava o rosto dela.
— São duas da manhã, depois que eu estivesse morto, você poderia muito bem se trocar e…
A proximidade e a beleza de Gabriel estavam deixando Monique inebriada. Mal ouvia o que ele
estava dizendo e a pressão com que ele a segurava, já não estava doendo mais. Pelo contrário.
Monique se mexeu desconfortavelmente roçando nele e Gabriel pressionou novamente seu corpo
contra o dela, a fim de prendê-la no lugar, mas quando ela sentiu sua ereção pressionar contra sua
pelve, soltou um longo suspiro e fechou os olhos. Aquela sensação aqueceu o centro de sua coxa e
ela entreabriu os lábios para soltar o ar, que não percebeu que estava preso.
Diante do vislumbre da bela mulher, entregue em seus braços, totalmente excitada, Gabriel não
pensou duas vezes e investiu contra sua boca, invadindo com sua língua, de forma dura. Sua língua
buscando a dela impiedosamente enquanto ele pressionava ainda mais seus corpos. Quase fazendo
dos dois, um.
Quando Monique não relutou contra seu beijo, Gabriel suspendeu o outro braço dela, prendendo
os dois sobre sua cabeça com uma das mãos, e desceu a outra até o seio de Monique. O fino tecido
da camisa era a única coisa que separava a mão grande de Gabriel do seio intumescido dela.
Ele beliscou seu mamilo, fazendo Monique gemer contra sua boca. Aquele som fez Gabriel ficar
ainda mais excitado e ele se afastou, apenas alguns segundos. Tempo suficiente para rasgar a blusa de
Monique e vislumbrar o esbelto e delineado corpo diante dele.
Os olhos de Monique encontraram os dele. A negritude do seu olhar queimando em desejo.
Gabriel apenas suspirou e avançou novamente, beijando-a duramente e prendendo novamente suas
mãos acima da cabeça.
Gabriel escorregou sua mão pelo corpo de Monique, tocando cada parte da sua pele quente e
macia. Ela se arrepiava ao seu toque e quando a mão dele tocou no lugar que ela tanto desejava,
Monique estremeceu e abriu as pernas lhe dando acesso enquanto remexia o quadril, pedindo por
mais do seu toque.
Ele soltou um grunhido contra sua boca, quando percebeu o quão molhada ela estava. Molhada
para ele!
— Mantenha as mãos acima da cabeça — Gabriel ordenou, segurou cada coxa de Monique
fazendo suas pernas se abrirem e envolverem seu quadril.
Descendo sua boca, beijando, lambendo, mordendo a suave pele de Monique, até que chegou ao
seu seio e abocanhou severamente, sugando, brincando com seu mamilo entre os dentes, prendendo e
puxando enquanto sua língua provava sua pele.
Monique gemeu com aquele gesto bruto. Dor e prazer misturados deixavam-na ainda mais
excitada e molhada.
Gabriel colocou a mão entre seus corpos, acariciando o clitóris inchado de Monique com o
polegar. Não demorou muito para que seu sexo começasse a contrair com o intenso prazer.
— Por favor…
Ela implorou gemendo. Precisava sentir Gabriel dentro dela. Precisava chegar ao ápice logo.
Seu corpo ansiava por aquilo e já estava dolorido de prazer.
— Ainda não! — Gabriel se afastou abruptamente, ajudando Monique a se equilibrar em seus
próprios pés e depois a puxou até seu quarto.
Jogou os travesseiros e edredom no chão, tirou sua pistola colocando-a debaixo da cama.
— Deite-se de costas na cama — Gabriel ordenou e seu olhar lascivo foi tudo que Monique
precisou para obedecer sem hesitar.
Monique se deitou e observou Gabriel se despir lenta e sensualmente. Quando ela pôde
vislumbrar sua virilidade, mordeu os lábios. Gabriel era grande, de longe o maior que ela já tinha
visto.
— Levante as mãos acima da cabeça. — ele ordenou e Monique obedeceu.
Gabriel deitou-se por cima de Monique e a beijou lascivamente. O corpo dela implorava pelo
dele e Gabriel não se sentia diferente. Seu membro pulsava e estava tão duro, que parecia que ia
explodir.
Enquanto beijava Monique, Gabriel estendeu a mão até a gaveta da cômoda e pegou duas
algemas.
Monique estava tão perdida nos beijos e no toque de Gabriel que só percebeu que ele estava
algemando sua mão quando sentiu o frio metal contra seu pulso.
— O que você está… — ela começou a falar, mas Gabriel a calou com outro beijo ardente.
As duas mãos de Monique estavam presas, uma em cada dossel da cama. Quando ela puxou os
braços para tentar se libertar, Gabriel deu um sorriso torto.
— Se puxar, vai machucar. Fique quieta!
Gabriel rasgou a calcinha de Monique e a tocou novamente, enfiando dois dedos em sua abertura
úmida e massageando seu clitóris com a palma da mão.
Monique arqueou, seu corpo entregue totalmente à deliciosa sensação que o toque de Gabriel lhe
causava. Ele abocanhou seu seio novamente, e o toque dos seus lábios úmidos foi o suficiente para o
corpo de Monique estremecer em um delicioso orgasmo. Mas Gabriel queria mais dela. Queria sentir
seu gosto, então percorreu sua pele com os lábios e apertou suas coxas, afastando bem suas pernas
antes de passar a língua por toda abertura de Monique, fazendo-a gritar de prazer. Ele começou a
lamber e sugar seu clitóris, ficando inebriado com o cheiro dela.
Puta que pariu. Apesar de fantasiar várias vezes que estivera saboreando o sexo dela, nada
poderia se comparar ao gosto real que ela tinha. E ele continuou sem parar, até que o sabor dela
estivesse gravado em seu sistema. E, quando ela atingiu o orgasmo mais uma vez, ele deu uma leve
mordida em seu clitóris antes de se levantar.
Com a respiração ofegante e um sorriso no rosto, Monique fechou os olhos enquanto seu corpo se
acalmava, mas, antes que ela pudesse relaxar totalmente, Gabriel pegou uma camisinha e depois de
colocá-la, penetrou Monique impiedosamente.
Ela gritou com a estocada e rapidamente seu corpo se acendeu, fazendo-a gemer novamente.
Gabriel a penetrava duramente, como se quisesse puni-la. Mas, ao contrário do que ele
imaginava, ela não estava reclamando. Estava gostando. Não, na verdade, ela estava adorando a
forma bruta com que ele a possuía.
— É assim que você gosta de ser fodida? — ele rosnou a encarando, aumentando a força das
estocadas. — Responde.
— Sim. — ela disse gemendo, não desviando o olhar do dele.
Antes que ele pudesse gozar, se afastou, e Monique sentiu como se lhe tivessem tirado o ar.
Imediatamente ela protestou, porém Gabriel caminhou até a outra gaveta e pegou a chave das algemas
soltando o braço direito dela.
— Vire-se.
A voz dele era rouca e sensual, Monique prontamente se virou ficando de bruços. Gabriel a
colocou sobre os próprios joelhos, mas ordenando que seu rosto permanecesse encostado na cama.
Fazendo-a ficar empinada e exposta para ele. Aquela visão fez seu pau pulsar mais uma vez.
Gabriel a penetrou novamente, dessa vez mais duro, cravando seus dedos na lateral de seu
quadril, enquanto enrolava o cabelo dela em sua mão e o puxava bruscamente contra si, muitas e
muitas vezes até que ele chegou ao orgasmo e ao sentir os músculos internos de Monique se
contraírem, percebeu que ela chegara ao ápice novamente.
Quanto Gabriel a soltou, Monique deixou seu corpo desabar sobre a cama, dolorida e satisfeita.
Ela nunca tivera um sexo tão bruto e tão bom. Chegara ao orgasmo com tanta facilidade que a única
coisa que ela podia fazer era sorrir, enquanto sua respiração acalmava.

Gabriel tirou a camisinha e observou Monique deitada, com a respiração ofegante e um leve
sorriso brincando eu seus lábios.
Ele rosnou um palavrão e foi para o banheiro. Enquanto deixava a água fria correr pelo seu
corpo, tentou se esquecer do sexo maravilhoso que acabara de ter. No entanto, cada vez que ele se
lembrava dela e de como ela se entregou totalmente a ele, seu corpo voltava a responder e a água
gelada não era suficiente para acabar com aquele calor.
Merda!
Gabriel xingou. Não podia ter feito sexo com ela. Não com ela. Monique era uma assassina
inescrupulosa, uma pessoa sem caráter e sem brios. Merecia estar na cadeia, mas a verdade era que
desde a primeira vez que ele pôs seus olhos em cima dela, desejou-a e imaginou possuindo-a
exatamente como fizera. Amarrada e exposta para ele.
Agora ela estava nua em sua cama, provavelmente dormindo. E quem olhasse, podia até imaginar
que ela era apenas uma mulher comum, exausta por um sexo maravilhoso.
Mas a verdade é que ela não era. Era uma assassina e Gabriel jamais se perdoaria por ter cedido
ao desejo irracional que sentia por ela.
Ao passar por ela e vê-la nua, sua ereção despertou mais uma vez.
Sou uma porra de um adolescente agora? — ele pensou irritado. Mas a verdade era que ele
queria acordá-la e mais uma vez, estar dentro dela. Mentalmente, ele se amaldiçoou.
Gabriel se vestiu rapidamente e saiu em busca do primeiro bar que encontrasse aberto.

Muito tempo depois que ele saiu, ainda podia sentir o cheiro dela em sua pele, seu gosto em sua
boca. Sentado naquele bar, tomando uma dose de uísque ainda mais barato do que os que tinha em
seu apartamento, as imagens do sexo que eles haviam feito ainda invadiam sua mente. E não era só
isso. Cada vez que a imagem dela, nua, totalmente entregue a ele, voltava a poluir seus pensamentos,
ele ficava dolorosamente duro, o que só servia para deixá-lo ainda mais irritado.
Gabriel tinha acabado de pedir mais uma dose de uísque quando uma loira sentou ao seu lado e
praticamente se esfregou nele antes de se acomodar no banco.
— Noite difícil? — ela perguntou sorrindo.
Gabriel não respondeu. Olhou-a de cima a baixo, avaliando seu corpo, e, quando ela cruzou as
pernas, deu um sorriso lascivo e a encarou.
— Que pode começar a melhorar.
Gabriel levou a mulher para um motel barato não muito longe dali e mesmo depois de passar
praticamente a noite inteira dentro dela, o cheiro de Monique não saía da sua pele. Estava
impregnado nele, em seu sistema.
Inferno!
Ele praguejou enquanto entrava no seu prédio e quando o porteiro o cumprimentou, ele respondeu
entre os dentes, mas antes de entrar no elevador, voltou.
— O senhor sabe de algum apartamento para alugar por aqui?
Capítulo Dezenove

Os primeiros raios de sol invadiram o quarto, fazendo Monique despertar. Ela respirou a fundo
e, um sorriso brincou em seus lábios quando seu corpo ainda dolorido a fez se lembrar da noite
anterior.
Rapidamente ela puxou o braço esquerdo, que estava solto. Uma marca avermelhada, porém
fraca, podia ser vista onde as algemas prenderam seus pulsos.
Sentando-se na cama, ela observou ao redor. Não havia indício de que Gabriel estava por perto.
O apartamento estava silencioso e o coldre dele não estava mais pendurado sobre o dossel.
Monique se levantou e foi até o banheiro. Depois de um banho quente e relaxante, caminhou até o
quarto de hóspedes onde suas poucas coisas estavam, colocou um short jeans e uma camiseta branca
justa ao corpo. Fez uma trança lateral deixando alguns fios soltos e depois se dirigiu para a cozinha.
Enquanto passava pelo corredor, onde Gabriel a pressionara na noite anterior, o corpo de
Monique estremeceu com a deliciosa lembrança.
Após preparar o café da manhã, ela aguardou quase uma hora, mas Gabriel não apareceu.
Talvez tivesse ido trabalhar — pensou ela. Mas logo se lembrou de que, por causa do acidente,
ele devia estar de folga.
Monique acabou tomando o desjejum sozinha e já limpava a cozinha quando sentiu o ar ficar
pesado. Ela se virou e viu Gabriel observando-a seriamente, encostado ao batente da porta.
— Achei que você tinha ido trabalhar, por isso já tomei café. Então se você quiser, posso…
— Arrume suas coisas. — ele disse friamente.
O sorriso de Monique sumiu de seus lábios e ela ergueu as sobrancelhas, encarando Gabriel.
— Pegue tudo que eu vou tomar um banho e quando terminar, te levarei para sua nova casa.
— Achei que… — Monique não continuou, diante do sorriso sarcástico de Gabriel.
— Achou o que? Que só porque transamos, eu ia cair aos seus pés como meu irmão? Que íamos
começar um relacionamento e que, com isso, você ia se livrar de ir para a cadeia, que é o lugar onde
você merece estar?
— Não, eu só pensei que…
— Deixar você ficar no meu apartamento foi um erro. A noite passada foi um erro maior ainda.
— a voz de Gabriel era gélida e por um momento, Monique voltou ao dia em que ela estava na
cadeia com ele trazendo seu jantar. — Vou tomar um banho rápido, quando eu sair, esteja pronta.
Gabriel virou-se e foi para o chuveiro. Não que ele realmente precisasse daquela higiene, mas
ver Monique em sua cozinha com aquela blusa justa, os mamilos levemente à mostra, o deixou com o
sangue fervendo.
Ele tomou o banho frio mais rápido da sua vida. Curitiba não era um lugar propício para banhos
frios e Gabriel nunca fora adepto, pelo contrário, gostava mesmo era do banho quente e relaxante.
Mas, ultimamente, quanto mais perto de Monique ficava, mais era de água fria que precisava.
Quando ele saiu do quarto, encontrou com ela no corredor do apartamento. Os olhares deles se
cruzaram, no entanto, Gabriel rapidamente desviou os olhos e caminhou em direção à porta.
— Pegou tudo o que é seu?
— Sim.
— E aquela coisa que você comprou com o dinheiro do meu irmão? — ele apontou para a área
de serviço.
— Eu comprei com o meu dinheiro e…
— Mais um motivo para eu não querer aquela porcaria aqui. — ele caminhou até a área de
serviço e pegou a caixa com o pequeno aparelho doméstico.
Monique abriu a porta e caminhou em direção ao elevador, mas Gabriel a chamou.
— Aonde você vai?
— Você não ia me levar para meu novo apartamento?
— Sim, é aqui. — ele caminhou para o lado oposto ao elevador.
A porta do “novo” apartamento de Monique ficava há dois metros da de Gabriel.
— Aqui?! — ela perguntou incrédula.
— Sim, foi o mais rápido que eu consegui e além do mais, assim eu posso ficar de olhos bem
abertos aos seus passos, senhorita Pillar.
Monique fez uma careta, mas não respondeu. Quando entraram no apartamento, apesar da
disposição dos cômodos serem iguais aos de Gabriel, os móveis e cortinas eram mais claros,
deixando o ambiente mais leve, diferentemente do apartamento dele, que era escuro e até um pouco
melancólico.
— Tome suas chaves. — ele ficou parado ao lado de fora do apartamento, esticando a mão para
que ela pegasse o chaveiro.
— Você não quer… — Monique se interrompeu.
O que ela estava fazendo? Não é como se eles fossem amigos ou qualquer coisa do tipo. Não!
Muito longe disso. Eles sequer se toleravam e o fato de terem tido uma noite maravilhosa de sexo
bruto, não passaria disso. E Gabriel voltou a olhar para ela como se ela fosse um monstro.
— Obrigada! — ela disse quando pegou a chave da mão dele.
Suas peles se tocaram e o corpo de Monique se arrepiou, ela sufocou um suspiro e virou-se de
costas para ele. Antes que pudesse virar-se novamente, ouviu a porta fechar em um clique suave.
Monique soltou o suspiro, jogando-se no sofá e rindo da própria sorte.

***

Gabriel foi até a delegacia e, mal chegara lá, seu telefone tocou.
— Investigador Goulart.
— Sou eu, Guilherme — falou a voz do outro lado da linha.
— Porra, onde você se meteu? Já estava ficando preocupado.
— É uma longe história. Estou sem celular e tive que ficar em um hotel diferente do que eu havia
reservado. Enfim, não tenho muito tempo para falar. Consegui contato com o tal Yuri, tenho uma
reunião com ele marcada para daqui a dois dias. Ele… Mas eu acho...
A ligação começou a falhar e Gabriel chamava pelo nome do irmão até que a única coisa que ele
ouviu foi o sinal de linha ocupada.
Resmungando um grande palavrão, ele discou para um amigo na embaixada brasileira do país
onde seu irmão estava, explicou a situação e pediu para que ele tentasse localizar Guilherme.
Precisava saber onde o irmão estava hospedado, poder contatá-lo caso precisasse.

***
Com essa confusão de Gabriel, Monique não teve mais contato com Marcelo. Raiva foi o que ela
sentiu quando foi até o escritório e uma secretária disse que ele havia ido passar o fim de semana na
casa de campo da família dele.
Ela estava começando a achar que todo aquele papo de ajuda era apenas para fazê-la relaxar.
Mas ele ia pagar. Todo aquele tempo se fazendo de amigo, mas, no fundo, ele não estava nem aí para
a situação dela. Com certeza não estava, caso contrário estaria realmente ajudando.

Quando Monique saiu do elevador, viu Gabriel caminhando até o apartamento dele.
Ela deu um suspiro, não por estar contente em vê-lo, contudo, porque depois da notícia ruim, não
precisava do sarcasmo de Gabriel, mas, quando ela se aproximou, percebeu algo em seu olhar.
Alguma coisa que ela nunca tinha visto.
— Guilherme me ligou hoje. — ele disse sem nenhuma irritação na voz. Pelo contrário, ele
parecia genuinamente preocupado.
— E ele está bem?
— Sim, pelo menos foi o que ele me disse. Já fiz alguns contatos para descobrirem onde ele está
hospedado, assim poderei falar com ele.
— Ele falou com Yuri?
Aquela pergunta pegou Gabriel de surpresa. Claro que Guilherme deve ter dito a ela o que tinha
ido fazer na Alemanha, mas ele não achou que ela seria tão atrevida de perguntar isso diretamente a
ele.
Gabriel sorriu sarcasticamente.
— Preocupada?
— Na verdade, não. — Monique deu de ombros.
— Ele tem uma reunião com o cara em dois dias. Acho que seus dias de liberdade estão
contados.
— Isso é o que você acha. — Monique respondeu rispidamente, virando-se de costas para ele e
indo em direção ao apartamento.

Ela estava irritada, Gabriel a deixava assim, mas não somente isso. Ele a deixava excitada.
Monique já sentia uma grande atração por ele quando não conhecia seu corpo e não sabia o amante
maravilhoso que ele era na cama. Mas agora, estar diante dele fazia o corpo dela responder
automaticamente.
Monique foi até a cozinha para preparar um café, entretanto, uma simples tarefa como esta foi um
total estrago. Ela queimou a mão com a água quente e quebrou a jarra da cafeteira.
Era isso que ele causava nela. Irritação e atração, os dois na mesma intensidade.

Gabriel estava sentado no sofá tomando sua dose diária de uísque, quando bateram à sua porta.
De má vontade, ele se levantou e caminhou até a porta, mas, quando a abriu, a visão que teve fez seu
peito queimar e não era por causa do grande gole que ele tinha dado em sua bebida.
— Meu… Meu chuveiro não está esquentando. Você pode dar uma olhada para mim?
Monique estava com os cabelos molhados, emoldurando sua face, vestindo um roupão atoalhado
branco.
— Isso não é problema meu. — Gabriel disse, contendo um impulso de puxá-la contra ele e
tomá-la ali mesmo, contra a porta do apartamento.
— Tudo bem, vou ver se o porteiro pode me ajudar.
Monique se virou e caminhou na direção do elevador, mas, antes que pudesse se afastar muito,
Gabriel colocou a mão em seu ombro.
— Vamos, eu vejo isso. — ele disse entre os dentes.
— Não quero incomodar.
— Não seja ridícula. Se não quisesse incomodar, não teria batido à minha porta. — Monique fez
uma expressão surpresa diante da resposta dele. — Olha, só vamos lá ver seu chuveiro, ok?
Ele segurou no pulso de Monique e a puxou na direção do apartamento dela, sem dar a ela a
chance de recusar. Uma vez lá dentro, Gabriel caminhou direto para o banheiro e poucos minutos
depois, já tinha detectado o problema.
— Vou pegar umas ferramentas e já volto. — ele disse saindo e voltando pouco mais de cinco
muitos depois.
Enquanto mexia no chuveiro, Gabriel ficou com sua camisa molhada e depois de se certificar que
o chuveiro estava funcionando perfeitamente bem, saiu do box, retirando a camisa e jogando-a por
cima do ombro.
Monique sentiu uma enorme vontade de tocar seu peito musculoso e ficou atônita, apenas
admirando, quando ela percebeu que ele a fitava.
— Se você sair da minha frente, eu posso ir embora e você, terminar seu banho.
Monique o encarou e, apesar do semblante mordaz, ela pôde ver seu olhar cheio de luxúria.
— Você podia ficar… Tomávamos alguma coisa...
— Por quê? — ele disse apertando os olhos. — Não somos amigos e eu não acho que tenha
alguma coisa que me prendesse aqui junto a uma…
— Vai continuar negando a atração que há entre nós? — os olhos negros e intensos de Monique
somados ao leve sorriso que brincava em seus lábios carnudos, fizeram a imaginação de Gabriel ir
longe.
— Não sei do que você está falando.
Gabriel a tirou de sua frente e caminhou rapidamente em direção à porta.
Monique o seguiu e antes que ele pudesse alcançar a porta, ela o chamou.
— Gabriel, diga que você não me deseja.
Quando Gabriel se virou, viu o roupão de Monique deslizar por sua pele, mostrando seu corpo
nu.
Capítulo Vinte

O que passou no olhar de Gabriel naquele momento, Monique não soube decifrar. No entanto, ela
mal teve tempo de soltar um suspiro e Gabriel a alcançou com passos firmes. Colando sua boca
brutalmente à dela, penetrando-a com sua língua, buscando pela dela enquanto a beijava
ardentemente.
Uma das mãos de Gabriel segurava a nuca de Monique, puxando-a ainda mais para ele, enquanto
a outra deslizava pelo seu corpo, tocando cada centímetro da pele macia dela. Até alcançar um de
seus seios e brincar com seu mamilo rijo.
Monique gemeu contra a boca de Gabriel, envolveu seus braços no pescoço dele, puxando seu
cabelo enquanto ele ainda tocava seu seio e ela já sentia seu corpo se contorcer de prazer.
Gabriel desceu sua mão até o centro das coxas de Monique e, quando ele a tocou lá, ela já estava
totalmente úmida. Pronta para ele.
— Tão molhada para mim. — ele grunhiu contra seus lábios enquanto enfiava dois dedos em
Monique. — É assim que eu te deixo, não é? Diga que somente eu te deixo assim.
Monique já estava quase chegando ao ápice quando, repentinamente, Gabriel tirou os dedos de
dentro dela.
— Diga! — ele grunhiu.
— Só você me deixa assim. — ela disse gemendo, seus olhos suplicando pelo toque dele
novamente, enquanto esfregava seu corpo na ereção de Gabriel.

Ele grunhiu antes de envolver os braços em sua cintura e levá-la até o sofá sentando-se,
colocando Monique por cima dele. Enquanto a carregava até o sofá, beijou sua boca bruscamente,
fazendo os lábios dela incharem. Suas bocas não se desgrudaram, até que Gabriel rompeu o contato e
desceu seus lábios pelo corpo de Monique até abocanhar seus seios.
Ela arqueou o corpo enquanto ele sugava seu mamilo, mudando de um para o outro, levando
Monique à loucura somente com aquele toque.
Com um dos braços envolta de Monique, puxando-a contra si, enquanto se deliciava com seus
seios, Gabriel desceu a outra mão até o clitóris dela, o rodeando com o polegar e fazendo uma
corrente de prazer correr por todo seu corpo.
Ele continuou naquela deliciosa tortura com os dedos e a boca, até que os músculos de Monique
se contraíram e seu corpo estremeceu quando ela atingiu um delicioso e intenso orgasmo.
Depois de chegar ao ápice do prazer, Monique não esperou que sua respiração se acalmasse,
rapidamente ela se afastou de Gabriel, ficando de joelhos diante dele, abrindo o zíper da sua calça e
abocanhando seu membro ereto assim que ele despontou da cueca.
Ela passou a língua em toda a extremidade dele, sugando e lambendo, fazendo Gabriel gemer
furiosamente. Ele agarrou Monique pelo cabelo e a conduziu no vai e vem enquanto sentia a boca
macia e quente dela sugando seu membro. Ele empurrou ainda mais sua cabeça fazendo com que ela
tomasse tudo dele.
Gabriel estava perto de gozar quando a puxou para cima. Monique ficou de pé diante dele,
enquanto Gabriel rasgava a embalagem de um preservativo que, ele pegou no bolso da calça, e
colocava em seu membro.
— Venha, monte em mim. — ele a chamou, estendendo a mão para ela, fazendo Monique sentar-
se sobre ele novamente, penetrando-a fundo, fazendo-a dizer seu nome junto a um gemido, enquanto
começava a se movimentar, subindo e descendo, cavalgando nele, enquanto Gabriel segurava seus
seios.
Gabriel soltou um som gutural ao senti-la apertada em torno de sua pulsante ereção.
— Coloque as mãos para trás. — ele ordenou e Monique o fez.
Gabriel segurou as mãos dela, juntas, atrás de suas costas, fazendo seu corpo arquear para frente,
dando a ele livre acesso aos seus seios enquanto ela continuava a rebolar sobre o membro dele.
Não demorou muito para que Gabriel gozasse violentamente, soltando um gemido bruto entre os
dentes. Quando Monique percebeu que ele havia chegado ao orgasmo, ela começou a diminuir a
velocidade, mas Gabriel envolveu os dois braços na cintura dela, fazendo-a subir e descer até que
ela gozasse novamente.

Monique dormia sobre o sofá, com a respiração calma e o semblante igualmente sereno. Sua face
levemente corada pelo sexo maravilhoso que tinham feito.
O peito de Gabriel se aqueceu diante da visão maravilhosa da mulher à sua frente até que se
lembrou de quem ela realmente era. Ele apertou o punho, com raiva de si mesmo por permitir que ela
o seduzisse daquela maneira, mais uma vez.
Mesmo com raiva, Gabriel pegou gentilmente Monique nos braços e a levou até a cama,
deixando-a confortável e aquecida, depois se retirou para seu apartamento.

***

Na manhã seguinte, Gabriel acordou com seu celular tocando. Quando ele olhou para o relógio de
sua cabeceira, haviam passado apenas duas horas desde a última vez que tinha verificado.
Ele sempre teve insônia, mas dessa vez, o motivo era a culpa que lhe corroía. O conflito dentro
dele, entre o desejo irracional que sentia por Monique e a vontade de trancafiá-la até o fim de seus
dias.
O telefone tocou novamente e quando ele olhou no visor, o rosto de uma senhora de olhos
castanhos e cabelos grisalhos, com um sorriso cansado, aparecia na tela.
— Oi, mãe. — Gabriel olhou para janela e viu que, apesar de já estar claro, o sol ainda não
havia nascido — O que houve?
A voz de sua mãe soou triste e chorosa. Gabriel levantou-se abruptamente já vestindo a primeira
roupa que lhe veio à mão.
— Fique calma mãe, já estou indo. — Gabriel disse e desligou.
Antes de sair, escreveu um bilhete rápido para Monique, deixando debaixo de sua porta.

***

Monique não se lembrava de ter ido até sua cama, mas quando abriu os olhos e se viu em seu
quarto, não pôde evitar sorrir.
Ela se mexeu e o corpo dela reclamou de uma forma gostosa.
Eu posso me viciar nisso. Ela pensou e sorriu quando se lembrou da noite anterior.
Levantou preguiçosamente e foi até a cozinha, servindo-se de um iogurte, voltando para a sala
para assistir ao jornal da manhã, quando percebeu o pequeno papel branco próximo à porta da sala.
A primeira reação dela foi franzir a testa, mas logo se levantou e, depois de pegar o bilhete, o abriu.

Precisei fazer uma viagem emergencial. Se serve de conselho, melhor ficar em casa e não sair.
Se ocorrer alguma emergência, ligue para o cabo Dantas. Deixei-o de sobreaviso.
Atenciosamente, Goulart.

Ao final do bilhete, havia um número de telefone. Monique começou a se perguntar o que tinha
acontecido para que Gabriel viajasse repentinamente, deixando-a livre. Até para fugir se quisesse.
Monique jogou-se no sofá e assistiu ao seu programa.

No dia seguinte, ela estava sentada de frente para a TV quando seu celular começou a tocar e ela
reconheceu o número de Marcelo.
— Até que enfim — ela resmungou. — Sim, podemos nos encontrar… Que horas... Certo. Te
encontro lá.

Monique não estava animada por aquela reunião. Algo dizia a ela que Marcelo não havia ficado
feliz com o último encontro deles. Ainda assim, ela ficou curiosa para saber o que ele queria.
Ela dirigiu alguns minutos, tentando se livrar do carro que a seguia. O policial era tão estúpido
que nem sequer disfarçava e usava sempre o mesmo veículo. Ela sorriu! Se Gabriel soubesse disso,
mataria o cara com as próprias mãos.
Depois de muito tentar despistá-lo, sem sucesso, ela voltou para seu apartamento.
Jogou-se frustrada em seu sofá, antes de pegar o celular e ligar para Marcelo.
— Oi, sou eu. — ela disse assim que ele atendeu — Não consegui despistar o policial que me
seguia.
— Eu queria te ver. — ele respondeu — Fiquei tão preocupado com a história do incêndio.
— Preocupado?! — a voz de Monique soou magoada. — Isso já tem quase uma semana e só
agora você me liga.
— Você sabe que eu não posso me aproximar publicamente, mas juro que eu fiquei extremamente
preocupado, acompanhando todas as notícias pela TV.
— Obrigada, mas estou ótima. — ela suspirou, tentando conter sua raiva — Você disse que ia me
ajudar. Como você pode me ajudar, Marcelo? O cerco está se fechando… Eu... Não posso passar o
resto da minha vida atrás das grades.
— Você não vai. — ele disse animado. — Eu estou em contato com o melhor escritório de
advocacia da cidade. Passei seu caso para eles e a junta de advogados me garantiu que você não será
condenada.
— E as provas contra mim?
— Eles disseram que é fácil de resolver, uma vez que você morava lá. — a voz dele estava mais
animada ainda — Mas você precisa dispensar Guilherme. Eu trouxe uns papéis para você assinar e
passar o caso para esse escritório…
— Dispensar Guilherme? Mas ele é o melhor da cidade. Preciso pensar...
— Mas Monique…
— Eu disse que preciso pensar, Marcelo. — ela respondeu rispidamente.
— Em uma semana, Monique. É o prazo que você tem, ou eles pegarão outro caso grande e você
terá que se contentar com Guilherme. — ele respirou profundamente — Graças a Fabiana, nós nos
conhecemos e nos aproximamos. Eu falo sério quando digo que não vou deixar você ser condenada.
Apenas tenha paciência e confie em mim. A melhor coisa para você nesse momento, é mudar de
advogado. Basta assinar os papéis e eu cuido de todo o resto.
Monique encarou o teto e suspirou.
— Tudo bem, Marcelo. Eu confio.

Capítulo Vinte e Um

Monique resolveu sair e conhecer as redondezas. Apesar do conselho de Gabriel para que ela
não saísse, ela sabia que seria seguida. Após passar alguns minutos caminhando, voltou para casa.
Assim que saiu do elevador, já passavam das 23 horas. Ela caminhava pensativa em direção ao seu
apartamento, mas ao passar pela porta de Gabriel, um barulho estrondoso a assustou.
Sem pensar muito nas consequências, ela abriu a porta e a visão que ela teve do apartamento a
apavorou. Muitas garrafas estavam jogadas no chão ao lado do sofá, todas vazias e, a mesinha de
centro de mogno e vidro, estava estilhaçada.
O primeiro impulso dela foi correr, se afastar dali, já que ela havia praticamente invadido o
apartamento, porém outro barulho assustador veio da cozinha e logo em seguida ela ouviu Gabriel
gritar um palavrão.
Lentamente ela caminhou até o cômodo, apreensiva, com o coração acelerado. Pé ante pé ela se
aproximou e viu Gabriel ajoelhado no chão, perto de uma panela. A mão esquerda sobre a direita,
enquanto ele continuava xingando.
— Você está bem? — ela perguntou.
Gabriel levantou o olhar para encará-la. Seus olhos estavam vermelhos e injetados. Seu cabelo
mais bagunçado que o normal e sua expressão era de alguém que estava quebrado.
— O que você faz aqui? — ele perguntou sério, mas sua voz não soou ríspida como o de costume.
— Ouvi um barulho e vim ver se estava tudo bem.
— Eu estou maravilhosamente bem. — sua voz saiu embargada e logo em seguida Gabriel soltou
uma risada.
Nem de longe era um som genuíno. Pelo contrário, a gargalhada soou debochada e triste. Monique
percebeu logo que ele estava bêbado.
Gabriel tentou pegar novamente a panela que estava no chão e quando seus dedos tocaram no
metal, ele xingou novamente.
— Espere, deixe-me te ajudar.
Ela caminhou rapidamente até ele, pegando um pano de prato e colocando a panela em cima do
fogão. O interior dela estava escuro, o que significava que havia ficado muito tempo sobre o fogo,
sem nada dentro.
— Deixe-me ver isso. — ela pediu, pegando a mão que ele queimara.
As pontas dos dedos de Gabriel estavam vermelhas e começando a inchar.
Sabendo que não ia conseguir fazer Gabriel levantar do chão, ela pegou uma vasilha de plástico e
encheu de água fria, depois, ajoelhou-se de frente para ele e colocou a mão machucada lá dentro.
A água fria aliviou a dor da queimadura, mas Gabriel não falou nada. Apenas ficou fitando
Monique enquanto ela cuidava da sua mão.
— Por que você está me olhando? — ela perguntou sem encará-lo. Ainda olhando para a mão
coberta pela água.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu já disse, ouvi um barulho e vim ver se você estava bem.
— Eu não estou bem, mas você não se importa.
— Não me importo. — ela finalmente o encarou. — Mas já que eu estou aqui, posso cuidar da
sua mão. Onde você guarda a caixa de primeiros socorros?
— Eu não tenho uma caixa de primeiros socorros.
— Você consegue levantar?
— Claro que eu consigo levantar. O que você acha que eu sou? Um inválido?
— Não, um homem que bebeu um pouquinho demais. — ela se levantou, secou a mão de Gabriel
delicadamente com o pano de prato e o puxou. — Venha, eu tenho uma caixa de primeiros socorros
no meu apartamento. Vou pegar uma pomada para queimadura.
Gabriel se levantou, mas quando Monique caminhou em direção à sala, puxando sua mão, ele
estancou, fazendo-a parar também.
— Estou com fome. — ele resmungou, puxando a mão do aperto dela e virando-se para o fogão.
— Deixe de ser teimoso, pelo menos uma vez.
Monique alcançou a mão machucada dele novamente e o puxou para o outro cômodo.
— Depois que eu tiver cuidado da sua mão, preparo algo para você comer.
— Vai colocar veneno? — apesar de estar sempre alfinetando ela, seu tom de voz era
estranhamente suave.
— Hoje não. — ela conteve um sorriso ao responder.
Gabriel a seguiu, mas, próximo ao sofá estava cheio de cacos de vidro. Monique então caminhou
até o quarto do investigador e o fez sentar-se na cama enquanto ela ia ao outro apartamento.
Assim que Monique virou as costas, ele se levantou cambaleando e foi até o armário, pegando na
parte superior uma garrafa de uísque que já estava pela metade. Sequer se deu o trabalho de voltar
para a cama. Sentou-se recostando no armário e tomou um gole grande, no próprio gargalo, e o
líquido âmbar queimou sua garganta obrigando Gabriel a fazer uma careta, mas sem se dar por
vencido. Tomou outro gole grande e lágrimas se formaram em seus olhos.
Mas ele sabia que aquelas lágrimas não estavam sendo causadas pela bebida. Já estava mais do
que acostumado a beber uísque, não estava?
A dor!
Essa sim, estava fazendo um homem daquele tamanho derramar lágrimas e querer se afundar
ainda mais na bebida, na vã tentativa de abrandá-la.
Monique voltou e viu Gabriel sentado no chão, com os braços cruzados sobre os joelhos e a testa
sobre os membros. Ainda segurando a garrafa em uma das mãos.
Ela soltou a caixa de primeiros socorros em cima da cama e caminhou até ele. Ouviu Gabriel
fungar baixo, como se quisesse esconder o que estava sentindo.
— Venha Gabriel, sai do chão. — ela o chamou, mas ele não se mexeu. — Levante-se. Eu
preciso cuidar da sua mão.
Gabriel secou seus olhos nos braços antes de encarar Monique.
— O que tem nesses primeiros socorros? Cianureto?
— Se eu quisesse te matar, bastaria deixar você aqui se embebedando até você entrar em coma
alcoólico. Deixe de ser ingrato e levante-se do chão.
Gabriel a fitou furioso, porém se levantou e, apoiando-se em Monique, cambaleou até a cama,
deitando-se. Enquanto ela cuidava da sua mão, colocando uma pomada própria para queimadura,
Gabriel derramava goles e mais goles da garrafa de uísque.
— Você vai me contar o que aconteceu para você voltar da sua viagem assim?
— Por que eu deveria?
— Simples. Porque às vezes, desabafar faz bem.
— Você é a última pessoa com quem eu desabafaria. — ele respondeu, com a voz arrastada.
— Não sei se você percebeu, mas você não tem muitas pessoas te cercando.
Ele apenas a fitou enquanto ela ainda passava pomada em cada canto avermelhado de sua mão.
— Eu não desabafo com assassinas.
Agora foi a vez de Monique encará-lo silenciosamente. Os olhos azuis de Gabriel não desviaram
dos pretos dela até que ela voltou sua atenção para a mão dele.
— Você quem sabe. — ela deu de ombros.
— Morreu alguém muito importante para mim.
— Mas dessa vez não fui eu? Fui? — Monique não conseguiu conter o deboche.
Gabriel puxou a mão abruptamente, mas Monique a puxou de volta.
Já estava quase terminando.
— Desculpe. — ela resmungou, pegando mais um pouco da pomada para passar na última
mancha de pele avermelhada.
— Minha madrinha morreu. — ele tomou outro gole e depois soltou um suspiro. — Era quase
uma mãe para mim. Cuidou de mim e do meu irmão quando as coisas ficaram complicadas lá em
casa.
— Ela foi para um lugar melhor, Gabriel.
— Não existe isso de “lugar melhor”.
— Você não acredita em Deus?
Gabriel não respondeu, apenas deu de ombros antes de continuar.
— Você sabe com o que eu trabalho. Vejo muita coisa ruim acontecendo com gente boa, inocente,
pais de família… Crianças até.
— As coisas ruins acontecem porque existem pessoas ruins. Livre arbítrio, Gabriel, livre
arbítrio.
Monique guardou a pomada e se levantou. Disse para Gabriel ficar deitado enquanto ela ia
preparar algo para ele comer.
Quando ela chegou à cozinha, havia um pacotinho de sopa pronta em cima da bancada.
“Um homem daquele tamanho comendo essas sopinhas prontas!” — Ela revirou os olhos
enquanto começava a vasculhar os armários e a geladeira. Balançou a cabeça negativamente quando
viu que suas opções eram macarrão ou macarrão.
Vencida pela falta de mantimentos, Monique preparou um macarrão ao alho e óleo e uma salada
de atum, pois havia achado uma lata dentro da dispensa.
Assim que entrou no quarto carregando a bandeja com a comida, correu para colocá-la em cima
da cômoda, quando viu Gabriel caído de bruços ao lado da cama.
Monique virou-o de barriga para cima enquanto ele resmungava algo que ela não conseguiu
entender. Ele estava fedendo a álcool e a garrafa de uísque que há alguns minutos podia servir muitas
doses, estava vazia.
— Gabriel, fala comigo.
Mas ele não falou. Ele apenas a encarou e sorriu. Um sorriso lindo e contagiante que Monique
nunca tinha visto-o dar.
Com a ajuda de Monique, ele conseguiu voltar para cama. Gabriel acariciou o cabelo dela, se
esforçando para sentar, no entanto, Monique fez com que ele permanecesse deitado.
— Não estou me sentindo bem — ele disse embolado.
Monique correu até a área de serviço, pegou um balde e voltou o mais rápido que pôde. Bem a
tempo de colocar o objeto de plástico na direção do rosto dele enquanto ele colocava para fora todo
o líquido que havia bebido.
Gabriel vomitou, uma, duas, três, quatro vezes seguidas. Já não tinha mais o que pôr para fora e
seus lábios já estavam pálidos. Monique segurava sua testa para que ele não caísse de cima da cama.
Quando o estômago dele finalmente se acalmou, ele deitou-se e permaneceu de olhos fechados.
Monique correu até a cozinha, pegou uma garrafa de água mineral e voltou, fazendo Gabriel
tomar pequenos goles, tomando cuidado para não derramar, mas uma gota escorreu pelo canto da sua
boca e ela passou o dedo para secar. Enquanto fazia esse simples gesto, sua boca ressecou e sua
respiração começou a acelerar. Ele era muito lindo e, até debilitado, inebriava com sua beleza.
Perdida nas lembranças das duas vezes que ela pôde sentir toda masculinidade dele, não
percebeu quando Gabriel abriu os olhos e a observou. Quando ela se deu conta de que ele a olhava,
tirou rapidamente a mão, mas Gabriel a alcançou no ar e sorriu. Não era um sorriso debochado, nem
um sorriso malicioso. Era apenas um sorriso... Sincero.
— Às vezes, me pego desejando que você não fosse uma assassina e que tivéssemos nos
conhecido em outras circunstâncias. — ele falou acariciando os lábios dela com o polegar. —
Guilherme foi um idiota em deixá-la escapar. Comigo seria muito diferente.
Monique suspirou e, relutantemente, se afastou do toque dele.
— Não diga besteiras. Você está bêbado. Nós nos odiamos, lembra?
Gabriel não respondeu nada, apenas sorriu e fechou os olhos, deixando sua mão cair por cima do
colo de Monique, e adormeceu.
Ela permaneceu lá, sentada na cama dele, observando seu peito musculoso subir e descer
conforme ele respirava calmamente. O toque dele contra seus lábios ainda queimava.
Capítulo Vinte e Dois

Gabriel abriu os olhos e parecia que tinha um sino badalando em sua cabeça. A dor era quase
insuportável. Seu corpo estava dolorido, como se tivesse levado uma surra.
Ele olhou para a mesa de cabeceira e viu que havia um copo com água, duas aspirinas e um
bilhete. Assustou-se ao ver a sua mão enfaixada, mas sabia que o tal bilhete tinha algo a ver com
aquilo. Antes mesmo de ler, ele pegou os comprimidos e os jogou na boca, junto com um grande gole
da água. Só depois então, pegou o pequeno papel para ler.

Gabriel,
Espero que acorde se sentindo melhor. Estou no quarto de hóspedes. Se precisar de alguma
coisa, é só chamar.
Monique.

Gabriel releu o bilhete duas vezes para ter certeza de que, sua mente dolorida não estava lhe
pregando uma peça.
Forçou-se a lembrar da noite anterior, porém, suas lembranças só iam até a hora em que atirou a
garrafa de vodca contra a mesa de centro da sala, em seguida foi até o bar, pegou a garrafa de uísque
e se deitou para bebê-la. Depois disso, era tudo um borrão. Imagens desconexas e confusas.
Ele foi até o banheiro para tomar um banho. Estava se sentindo sujo, com cheiro de bebida e
vômito. Depois de alguns minutos debaixo d’água, ele se sentiu revigorado, apesar de a sua cabeça
ainda doer. Vestiu um short de tactel e se dirigiu para o quarto ao lado.
A visão de Monique dormindo, vestindo apenas uma camisa dele, foi o suficiente para fazer o
corpo inteiro de Gabriel despertar.
O semblante dela estava sereno, os cabelos negros caídos por cima do travesseiro. Ele se
aproximou silenciosamente e assim que parou diante da cama, como se pressentisse de dentro de seus
sonhos a presença dele, ela abriu os olhos lentamente.
Ao perceber que Gabriel estava próximo, ela se sentou rapidamente, puxando um lençol para
cobrir suas pernas.
— Para que você está se cobrindo? Não há nada aí que eu já não tenha visto. — ele deu um
sorriso debochado, fitando o corpo dela.
— Isso não significa que seja uma área de livre acesso para você.
— Quer apostar? — Gabriel deu mais um passo na direção de Monique. Sua ereção já visível
por baixo do fino tecido do short.
Monique sentou-se mais ereta, mas não conseguiu esconder sua excitação diante do olhar lascivo
e cheio de promessa de Gabriel. Sua respiração já estava acelerada e ela sentiu sua umidade
aumentar entre suas pernas.
Gabriel se aproximou e abaixou-se, deixando seus lábios ficarem a poucos centímetros de
distância, o olhar preso ao dela. As mãos dele estavam pousadas na cama ao lado das coxas de
Monique, tão próximas que ela podia sentir o calor da pele dele. Ela desejou que ele a tocasse,
porém, Gabriel não o fez. A respiração dela acelerou e ela entreabriu os lábios, molhando-os
levemente com a língua.
Ele a estava provocando, contudo, este jogo podia ser jogado por dois.
— Merda! — ele xingou e a puxou pela nuca, fazendo suas bocas colarem.
Monique soltou um gemido quando a língua dele buscou pela dela impacientemente e ela
envolveu os braços no pescoço de Gabriel, puxando-o contra si, fazendo o corpo pesado dele cair
sobre o seu, enquanto ela se arrastava para uma posição deitada.
A mão de Gabriel deslizou por debaixo da blusa de Monique, alcançando seu seio, acariciando o
mamilo rijo por cima da renda do sutiã. Ela gemeu ainda mais contra os lábios dele, que mordeu
levemente o lábio inferior dela, dando um leve puxão enquanto ele apertava seu seio.
Monique envolveu suas coxas no quadril dele, puxando-o ainda mais contra si, sentindo ainda
mais a ereção de Gabriel pressionar seu sexo. Ela arqueou o quadril e remexeu, fazendo Gabriel
soltar um grunhido.
Voltando a beijá-la, ele a devorou com fome, entretanto, não demorou muito a afastar suas bocas
novamente, beijando e mordiscando sua orelha, descendo pelo pescoço, levantando sua blusa e
alcançando seu seio, ainda contido pelo sutiã. Ele mordeu seu mamilo por cima do tecido, fazendo
Monique arquear seu corpo, gemer e, silenciosamente, implorar por mais.
— Gabriel! — Monique disse gemendo quando ele afastou um pouco seus corpos e desceu a mão
até seu sexo úmido. Ele rasgou sua calcinha antes de começar a acariciar seu clitóris, e continuou
massageando, se deleitando com o prazer estampado no rosto dela, até que o corpo de Monique
começou a estremecer e ela ergueu o quadril, pressionando-o ainda mais na mão de Gabriel entre
seus corpos, enquanto gozava violentamente.
Quando o corpo de Monique se acalmou, Gabriel pegou uma camisinha na gaveta do criado-
mudo e, se despindo rapidamente do short, colocou-a, deitando-se novamente sobre Monique e,
penetrando-a, enquanto a respiração dela ainda estava ofegante.
Gabriel a queria muito, o tempo todo, e o fato de, ela ser quem era e, daquilo estar indo contra
seus princípios e tudo que ele acreditava, não impedia seu desejo e estava ficando cada vez mais
difícil não se imaginar a possuindo de inúmeras maneiras, por muitas e muitas vezes. Praticamente
impossível resistir.
Cada vez que ele a penetrava, em vez de se sentir saciado e livre desse desejo, a vontade
aumentava mais. O desejo de estar ali, dentro dela, quente e apertada, a fodendo do jeito que ela
gostava, fazia seu corpo estremecer de prazer.
Monique gemeu e Gabriel a encarou enquanto continuava a penetrá-la. Ela não desviou o olhar.
Sustentava com o desejo ardendo no brilho dos seus olhos negros.
Ela começou a estremecer quando outro orgasmo se aproximava e seu sexo se contraiu,
apertando o membro de Gabriel e fazendo-o soltar um grunhido e aumentar as estocadas, ficando
mais rápido e mais exigente enquanto gozava. Ele continuou a penetrando até que seu corpo desabou
sobre o dela, os dois com a respiração ofegante.

Eles estavam deitados um ao lado do outro e Monique sorriu discretamente, pois, pela primeira
vez, Gabriel não se levantou correndo e a deixou sozinha, com a desculpa de jogar a camisinha no
lixo. Ele apenas permaneceu ali, enquanto seus corpos se recuperavam.
— O que aconteceu ontem? — Gabriel quebrou o silêncio, ainda fitando o teto. — Como você
veio parar aqui?
— Eu estava chegando e ouvi um barulho alto quando passei em frente à sua porta — ela virou-
se para olhá-lo, mas ele ainda estava vidrado no teto. — Como você não atendeu, rodei a maçaneta e
a porta se abriu. Te encontrei na cozinha ajoelhado ao lado de uma panela fervendo e queimando a
mão.
— E depois?
— Nada! — ela se sentou na cama e começou a se vestir. — Eu cuidei da sua mão, esperei você
vomitar litros no balde e quando você finalmente dormiu, eu arrumei a bagunça que você tinha feito
na sala. Quando eu terminei, fiquei preocupada de você passar mal novamente, então, em vez de ir
para o meu apartamento, tomei um banho, peguei uma camisa sua e o resto você já sabe.
— Só isso?
— Você quer saber se fizemos sexo? — ela estava vestindo o jeans. — Claro que não. Você não
tinha condições.
— Eu sempre tenho condições para uma boa transa. — Gabriel finalmente esboçou um sorriso,
mas continuou com os olhos vidrados no teto. — Mas, na verdade, o que eu estava perguntando, era
se… Se nós conversamos.
— Não muito. — Monique mentiu. Ele já não gostava dela, se ela dissesse então que ele chorou
e se abriu, talvez a odiasse ainda mais. — Você comentou algo sobre o falecimento da sua madrinha,
mas logo depois você apagou. — enquanto falava, Monique terminava de se arrumar. — Você
também não tinha condições para um bom diálogo.
— Nisso eu acredito, no entanto, mesmo quando eu não posso falar, eu ainda posso ter uma boa
transa.
Monique apenas o fitou e antes que ela pudesse responder, o celular de Gabriel começou a tocar
no bolso da bermuda que estava jogada no chão.
— Goulart falando… Sei... Claro que sei, eu ia conversar com ele hoje na hora do almoço...
Como é? Porra!... Que horas isso aconteceu? — ele levantou os olhos e fitou Monique que estava
olhando para ele. — Tudo bem, estou saindo de casa agora. — ele se levantou abruptamente e correu
até seu quarto.
Monique o seguiu e, enquanto ele se vestia, ela ficou parada na porta do quarto.
— O que aconteceu?
— Problemas com o caso… — ele parou de falar e a fitou.
— Quem eu matei agora? — não havia deboche ou desafio na voz dela e Gabriel pôde perceber
isso.
— Olha… — ele começou a falar enquanto colocava o coldre e logo em seguida vestia seu
blazer — Você ontem fez muito mais por mim do que muita gente que se diz meu amigo e isso que a
gente tem feito...
— Sexo! — ela o interrompeu.
— Sexo. — Gabriel repetiu, como se aquela palavra tivesse um gosto amargo. — Enfim… Não
quero misturar as coisas. Você ainda é acusada e suspeita de muitas mortes. Mas essa...
— Por que não pode ter sido eu? Só por que eu estava aqui? — Monique o encarou e Gabriel
não conseguiu descrever o que passava em seus olhos. — Quem garante que eu não o matei enquanto
você dormia? Seja lá quem tenha sido assassinado dessa vez.
— Porra, Monique! — ele deu passos rápidos na direção dela e a segurou pelos ombros. — Que
diabos você quer de mim? — ele estava a centímetros dela, ainda a segurando firmemente enquanto
seus olhos se prendiam — O que você quer que eu faça? Você está me deixando maluco, sabia?
— Sinceramente, Gabriel? — ela segurou as mãos dele e as afastou. — Nada!
Monique se virou e saiu.
Capítulo Vinte e Três

Gabriel observou Monique sair de seu apartamento. Raiva era pouco para o que ele estava
sentindo. Dela, e de si mesmo. Ela estava certa.
Enquanto viajava, o soldado Santos ligou para ele e informou-o que havia aparecido uma nova
testemunha do assassinato do senhor Zacarias.
Um rapaz de dezoito anos, que morava há pouco tempo naquele prédio, chegava da balada
justamente na hora em que o assassino saía do edifício. O rapaz teve sorte, pois viu uma lâmina na
mão da pessoa que saía do prédio. Ela limpava a arma reluzente na própria roupa enquanto parou
diante do carro, calmamente olhando para os lados, antes de entrar no veículo e sair como se não
tivesse feito nada.
Demorou muito para que o rapaz tivesse a coragem de depor, no entanto, ele foi instruído para
que falasse apenas com o investigador Goulart, que estaria de volta no dia seguinte.
Mas naquela noite, enquanto voltava de outra balada, o rapaz foi brutalmente assassinado em um
beco.

Gabriel chegou ao beco, pouco mais de vinte minutos depois de ter saído de casa. O local estava
cercado de policiais e curiosos. Ele odiava aquilo. As pessoas tinham um prazer mórbido em ver um
corpo estirado no chão.
— Tirem essas pessoas daqui. Cambada de abutres. Vão procurar o que fazer — ele esbravejou
enquanto ultrapassava a faixa amarela da polícia e se aproximava do corpo.
Quando o investigador abaixou para avaliar a cena, sentiu-se enjoado. Os mesmos cortes nos
locais de sempre, pulmão, fígado... Dessa vez, a diferença era que a garganta do menino havia sido
rasgada de fora a fora e havia sinais de luta. A manga da blusa do rapaz havia sido rasgada e Gabriel
observou que havia uma mecha de cabelo preto presa à mão dele.
Retirando uma luva e um saquinho do bolso da calça jeans, Gabriel recolheu o cabelo e o
guardou. Depois caminhou até os demais policiais que conversavam sobre amenidades.
— Onde está a perícia? — ele perguntou a um policial que estava ali perto.
— Já está a caminho.
— Alguma testemunha? — Gabriel perguntou, mesmo sabendo a resposta.
— Não. Esse lugar é um pouco deserto depois de certa hora, ninguém viu nada.
— O que descobriu sobre o rapaz?
— Nada de importante. Era um rapaz trabalhador e estava morando com a tia há poucos meses.
— Namorada? Algum amigo com ele? Morando aqui há alguns meses ele já devia conhecer
alguém.
— Sim. Sua tia disse que ele era um bom menino, que conheceu algumas pessoas e quanto a
relacionamento, segundo ela, ele não fazia distinção entre homens e mulheres.
— Ele era bissexual. — Gabriel afirmou mais para si mesmo do que para o outro policial.
— E apesar de haver sinais de luta, o rapaz não parece ter sido arrastado para o beco.
— Claro que não. Provavelmente ele foi até lá por vontade própria, atraído por uma bela
mulher…
— Ou um belo homem, — o policial o interrompeu. Tirando Gabriel e o soldado Santos, não era
de conhecimento geral que o rapaz era testemunha do crime do senhor Zacarias.
— E quando ele percebeu que estava com problemas…
— Tentou lutar, porém já era tarde demais.
— E ao tentar correr, o assassino o segurou pela roupa, rasgando parte do tecido, mas conseguiu
impedir que o rapaz se afastasse. Cortando sua garganta logo em seguida.
— Chegamos à mesma conclusão, investigador.
Gabriel fitou o policial satisfeito que alguém ali, além dele, usava o cérebro de vez em quando.
Não havia muitos policiais como aquele. O cabo Dantas era sempre o primeiro a chegar à cena do
crime e estava sempre procurando avaliar a cena com atenção, diferente dos demais que apenas
queriam se livrar logo daquilo e voltar a seus afazeres mais simples.
Gabriel pensou que o cabo Dantas daria um bom investigador no futuro.
A perícia estava avaliando o local e, o investigador estava atento a cada movimento que eles
faziam. E claro que, depois da avaliação deles, a conclusão continuava a mesma. Quem quer que
tenha matado o jovem Rodrigo Matias, não tinha feito um esforço muito grande para levá-lo ao beco.
Gabriel voltou à delegacia e pediu a Dantas para que intimasse os seguranças da boate Vênus
para irem até lá prestar depoimento. Alguém deveria se lembrar de Rodrigo. O rapaz era alto e tinha
os cabelos pretos com as pontas pintadas de azul, o que fazia com que ele não passasse tão
despercebido quanto a maioria.
Duas horas depois, o primeiro segurança, Carlos, um homem alto de cabeça raspada e corpo
musculoso, chegava para depor. Ele havia saído direto do trabalho e ido para a academia próxima à
boate, então, não foi difícil localizá-lo.
Depois de alguns minutos de conversa com Gabriel, Carlos informou que viu quando Rodrigo
saiu da boate. Ele não estava acompanhado e parecia um pouco alterado pela bebida, mas nada que o
impedisse de caminhar com as próprias pernas. Entretanto, não havia se afastado muito da porta da
boate quando um carro preto se aproximou e o chamou. Rodrigo caminhou até a porta do carona e,
após alguns minutos de conversa, resolveu entrar no carro.
— Sabe precisar que horas isso aconteceu?
— Olha investigador, exatamente não, mas acredito que por volta das 3 da manhã.
Enquanto o segurança falava, Gabriel anotava tudo, além do escrivão que digitava seu
depoimento.
— Você, por um acaso, não anotou ou prestou atenção na placa do carro? — Gabriel perguntou,
sem tirar os olhos de sua anotação.
— Na boa, investigador? Não. — Carlos se recostou na cadeira, relaxadamente. — Não é uma
coisa incomum os jovens da boate serem abordados na saída. Nós só damos alguma atenção especial
se a pessoa abordada parecer relutante ou incomodada e não foi o caso do rapaz. Ele parecia bem à
vontade enquanto conversava com a pessoa.
— E, claro que você não conseguiu perceber se o motorista era homem ou mulher.
— O vidro do carro era fumê, a luz do interior apagada, ou seja, não. Mas se quer um palpite, eu
vou dar. Acho que era mulher, pois o sorriso que o rapaz deu quando o vidro do carro baixou, me
deixou curioso. Ele parecia ter encontrado uma modelo de capa de revista.
Gabriel balançou a cabeça pensativo e depois, dispensou o segurança. Assim que o homem se
retirou, Gabriel quis ficar sozinho em sua sala. Sua cabeça estava a mil. O carro preto era o mesmo
que ela havia usado quando matou o porteiro. Mas para que Monique tivesse cometido esse crime,
ela teria que cuidar de Gabriel — que a essa altura já tinha muitos flashes de memória e lembrou-se
de Monique cuidando de sua mão e depois, ajudando-o enquanto seu estômago expulsava todo uísque
e vodca tomados —, sair com o carro de Guilherme, deixá-lo em algum lugar, trocar pelo preto,
seduzir o rapaz, matá-lo, destrocar os carros, voltar para casa, se livrar do sangue, deitar-se e
dormir, ou fingir dormir, para que, quando Gabriel acordasse, a encontrasse na cama. Além do mais,
ela nunca poderia saber que horas ele despertaria, o que fazia toda essa tese ir por água abaixo.
Merda!
Ela teria que ser muito rápida ou definitivamente ter um cúmplice.
Gabriel levantou-se rapidamente avisando que sairia e foi até a cidade vizinha. Não levou mais
de 40 minutos para chegar ao seu destino.

O porteiro do condomínio de casas deu acesso a Gabriel depois de ele se identificar. E, após
virar na terceira rua, o investigador parou diante de uma casa de pedras, com portas e janelas de
madeira.
O condomínio era praticamente residido por policiais, o que fazia o local ser bastante seguro. As
casas não tinham muros, separando-as. Parecia aquelas casas americanas, onde só o quintal dos
fundos era demarcado.
Na frente das casas, havia apenas grama e pedra.
Gabriel bateu impacientemente na porta da casa e quando a mulher loira, de estatura mediana,
abriu a porta, deu a ele um largo sorriso e, logo em seguida, o puxou para um abraço.
— Quem é vivo sempre aparece, não é? — ela disse se afastado e avaliando Gabriel de cima a
baixo.
— Estou feliz em te ver também, Paula — ele sorriu genuinamente.
— Ora, pare de cerimônia, entre.
Gabriel entrou puxando o ar, sentindo o cheio familiar que ele tanto gostava, mas há muito não
sentia.
— Como você está? E o que te traz aqui em um dia de semana e depois de tanto tempo?
— Preciso falar com Ricardo. Ele está?
— Ele saiu para comprar cerveja, mas não demora — a mulher se virou e foi até a cozinha. —
Você pode me ajudar a cortar os legumes enquanto ele não chega. Almoça conosco?
— Não sei Paula, eu preciso voltar e…
— Gabriel Goulart! — A mulher o encarou com seu olhar furioso, que fez Gabriel estremecer. —
Que merda de amigo é você? Estamos há quase um ano sem nos ver e quando você aparece, não tem
tempo nem para um almoço?
Ele a adorava. Eles haviam feito faculdade juntos e Gabriel por um tempo, tinha sido noivo da
melhor amiga dela, Laura. Conhecia Paula e Ricardo há muitos anos e eram muito amigos, entretanto,
o jeito recluso do investigador e seu trabalho, tornavam suas visitas aos amigos cada vez mais
esporádicas.
— Tudo bem Paula, mas depois do almoço eu terei que voltar. Estou trabalhando em um caso
complicado.
— E quando você não está, querido? — ela sorriu e entregou a ele uma faca e alguns tomates. —
Por isso você é o melhor.
Gabriel e Paula conversavam animadamente e, ele dava uma gargalhada quando Ricardo chegou.
— Quem é o homem que eu vou ter que matar por estar na minha cozinha com a minha mulher?
— Ricardo entrou sorrindo para Gabriel, abraçando-o apertadamente, dando tapas fortes em suas
costas, enquanto o investigador retribuía.
— Fala parceiro. — Gabriel disse enquanto eles ainda se cumprimentavam.
— O que te trouxe à minha humilde residência? — Ricardo perguntou, enquanto colocava as
latas de cerveja no freezer da geladeira.
Gabriel olhou para Paula, que estava de costas, mas que sorriu diante do silêncio dele.
— Tudo bem, estou sobrando. Sempre estou sobrando. — ela fingiu indignação, mas sorria ao
falar. — Por que os meninos não vão ter a conversa de “meninos” no escritório enquanto eu termino
o almoço? — Ela se aproximou de Gabriel e tirou a faca da mão dele, depois deu um beijo em seu
rosto.
— Ei e eu não ganho beijinho? Só porque ele é mais bonito. — Ricardo se aproximou da mulher,
plantando um tapa em sua coxa.
— Não faça drama homem. — ela beijou castamente o marido na boca e fez sinal para eles irem
logo embora.
Paula sorriu.
Seu marido era um homem lindo. Alto, pele morena, olhos e cabelos negros e, nenhuma mulher
deixava de percebê-lo. Mas Gabriel era realmente de parar o trânsito. Seus olhos azuis eram como
duas pedras hipnotizadoras. Entretanto, com toda beleza arrebatadora dele, Paula nunca o vira com
outros olhos. Ele era sempre o bom amigo, que estivera ao lado deles por muitos momentos, bons e
ruins. Era praticamente um irmão.

Ricardo fechou a porta do escritório depois que eles entraram e serviu dos copos de uísque,
entregando um ao Gabriel.
— Pela sua cara, vejo que você está com um problema daqueles.
Gabriel não respondeu. Apenas sorriu fracamente e tomou de uma vez a dose de uísque que o
amigo o servira.
— Estou ouvindo. — Ricardo disse, sentando-se na poltrona ao lado da que Gabriel estava.
O escritório de Ricardo era uma sala ampla com móveis de madeira antigos. Uma mesa ficava
próxima à janela e não tinha muita coisa em cima, além de um notebook e uma luminária. No canto
direito, do chão ao teto, uma estante de livros ocupava a parede. Do lado esquerdo, duas poltronas
de couro na cor marrom ficavam uma ao lado da outra, separadas por uma pequena mesa redonda e,
atrás delas, um bar com a mais variada quantidade de bebidas.
— É sobre aquele caso em que estou trabalhando, da Fabiana Veiga. Você deve ter visto e lido
nos jornais.
— Sim, tenho tentado me inteirar. Deve ser complicado para você, depois de tudo que aconteceu,
ainda ter que ficar brigando com Guilherme nos tribunais.
— Ainda não chegamos lá, mas vamos. No entanto, essa não é a pior parte.
— E o que é?
— A acusada, Monique Pillar, já foi namorada do meu irmão.
— Como é? — foi a vez de Ricardo tomar um grande gole de sua bebida.
— E não para por aí… — Gabriel pediu outra dose de uísque e, enquanto Ricardo servia, ele
continuou a falar.
Contou ao amigo toda a história. A atração que ele sentiu por Monique desde a primeira vez que
pôs os olhos sobre ela, quando ainda nem era suspeita, até agora que ele sequer conseguia resistir
tocá-la, quando estava perto dela.
— Você está apaixonado pela assassina?!
— Não diga asneiras. — Gabriel se levantou abruptamente e dessa vez, ele mesmo foi se servir
de mais uísque. — Eu não me apaixono. Nunca mais! Você sabe disso.
— Eu já lhe disse que Laura não vale isso. Ela não presta e você não deve se afastar do amor
por causa do que ela fez — Gabriel fez menção de falar, mas Ricardo continuou. — No entanto, acho
que seu problema é ainda maior que isso. Ela está te manipulando, Gabriel. Essa tal Monique sabe
que seu desejo por ela é seu ponto fraco. Claro que ela vai te seduzir, quantas vezes puder e isso vai
te deixar cada vez mais fraco em relação a ela.
Gabriel sentou-se novamente e fitou o amigo enquanto ele falava.
— E é bem provável que esta Monique tenha um cúmplice. — Ricardo continuou — E quanto a
morte do rapaz, eu até acho que ela teria sim, tempo hábil para fazer tudo isso. A troca de carros e
tudo o mais, entretanto, ela não teria como saber que horas você acordaria e, se a ideia dela era fazer
você acreditar que ela passou a noite toda no seu apartamento, isso só nos leva novamente ao
cúmplice. Você não tem ideia de quem possa ser esse cúmplice? O noivo da vítima, talvez?
— Marcelo? — Gabriel perguntou incrédulo. — Aquele cara é um pedante. Só presta atenção no
próprio umbigo. Duvido que ele se envolveria em algo tão complexo e perigoso. Algo que pudesse
desarrumar aquele cabelinho engomado dele.
— Quem está no caso é você, mas, de qualquer forma, eu não o descartaria tão fácil assim. Se
ela tem um cúmplice, é alguém que ela conhece e que certamente se daria bem com a herança herdada
por ela. Fora que ele pode estar sendo coagido. Ou talvez seja outra pessoa, isso você terá que
descobrir.
Ricardo estava pensando exatamente como Gabriel, entretanto, um lado dele, um lado muito
pequeno, lutava para não acreditar naquilo tudo.
— Eu preciso de um favor. — Gabriel disse, ficando com o olhar ainda mais escuro, e Ricardo
soube na hora que “o favor” seria algo ilegal. — Preciso que você arrume um jeito de analisar essa
amostra de cabelo. Preciso ter certeza que pertence a ela.
— Porra Gabriel, você alterou a cena do crime?! Puta que pariu! Você está mesmo apaixonado.
Gabriel não respondeu, apenas olhou enfurecido para o amigo e tomou mais um gole.
— Sabe que esse seu olhar não me causa sequer um arrepio. — Ricardo disse, tirando o
saquinho com o cabelo das mãos de Gabriel. — Te conheço a tempo suficiente para saber que esse
olhar não combina com seu coração.
— Você está parecendo a Paula falando.
— Ouvi meu nome? — Paula colocou a cabeça para dentro do escritório, sorridente como
sempre. — Só vim avisar que o almoço fica pronto em dez minutos. Então, assim que vocês
terminarem de tricotar, podem ir para a cozinha.
— Já estamos terminando aqui, querida. — Ricardo respondeu e sua esposa se retirou
novamente.
— Você ainda tem dúvidas que o cabelo seja dela? Ou você quer acreditar que não é só porque
está apaixonado?
— Eu não estou apaixonado, porra!
— Tudo bem, tudo bem. Se você quer se enganar, não sou eu quem vai te contrariar. Vou pedir
para analisar essa amostra, e você me manda a que você já tem em arquivo. Em no máximo 72 horas
acredito que eu já tenha uma resposta para você. — Ricardo se levantou e foi até a gaveta de sua
mesa, mancando.
O amigo de Gabriel era um policial reformado, pois ele havia perdido mobilidade por causa de
um tiro que levou na perna e não conseguiram reconstituir seu joelho.
Ricardo digitou uma senha em um teclado que ficava acima das gavetas o que fez soar um barulho
de destravamento, abriu a gaveta, guardou o saquinho com o cabelo e a fechou apertando uma única
tecla, travando-a novamente.
— Mas acho que posso te dar um conselho. Até lá, fique o mais longe possível dessa Monique.
Gabriel não respondeu, apenas se levantou e acompanhou o amigo para fora do escritório.
Capítulo Vinte e Quatro

Monique andava em seu apartamento de um lado para o outro. Ela sentia que seus dias de
liberdade estavam contados e dessa vez, ninguém a salvaria.
Calma, ele pediu uma semana e mal se passaram dois dias. — ela dizia para si mesma quando
se lembrava da última conversa com Marcelo.
E Gabriel? Ele havia saído de manhã, logo depois que ela deixou seu apartamento, e ainda não
havia retornado. Já estava tarde e nem sinal dele.
Ela abriu a porta mais uma vez para espiar pelo corredor, porém não havia nenhum sinal de
movimento. Monique estava ficando impaciente. Depois do que passaram e depois da forma que eles
haviam se despedido naquela manhã, não sabia como estaria o humor de Gabriel. Se ele estaria
calmo, ou voltaria ao seu humor habitualmente irritadiço.
Cansada de esperar, Monique pegou sua bolsa e saiu. Ia dar uma volta para tentar espairecer.
Talvez até comesse um grande pedaço de torta de chocolate, afinal de contas, ficar ali não ia ajudar
em nada a sua ansiedade.
Ela foi até o estacionamento do edifício, mas desistiu de pegar o carro, assim que parou ao lado
dele. A doceria não ficava tão longe e, a noite em Curitiba estava agradavelmente fresca, o que a fez
decidir caminhar.
Monique caminhou lentamente pelas ruas arborizadas e limpas. Algumas quadras depois, chegou
ao local da perdição das mulheres em dieta. Uma doceria local que tinha os mais variados doces,
para todos os gostos. Ela pediu a torta de chocolate mais calórica da loja e a devorou ali mesmo,
acompanhada de um refrigerante bem gelado.
Quando terminou, resolveu estender sua caminhada indo até uma praça, algumas quadras adiante.
Apesar da hora tardia, o local ainda estava um pouco movimentado e alguns jovens namoravam no
local.
Enquanto observava o local, ela ficou pensativa. Se perguntou por que nunca se deixou viver da
forma que aqueles jovens estavam vivendo. Sempre tentou ser a filha perfeita, a aluna perfeita, a
amiga perfeita. Todos esperavam nada menos que perfeição dela. Não tivera tempo para namoricos e
os dois únicos namorados que teve — Sandro, na época do segundo grau e Guilherme, recentemente
— não duraram mais do que poucos meses. E o que ela tinha com Gabriel estava longe de ser um
relacionamento, no entanto, ela sorria sempre que se lembrava dos momentos juntos deles.
Agora sua vida tinha ainda menos chances de ser simples como a daqueles jovens. Não que ela
fosse velha, tinha apenas vinte e dois anos, mas e daí? Ela estava em uma situação que nunca se
imaginou estar. Passar o resto de seus dias na prisão não era algo que alguém como ela merecia. Não
sem ter aproveitado quase nada da vida. Definitivamente, não!
Ela queria conhecer muitos lugares, queria conhecer pessoas e ter mais sexo bom, como era com
Gabriel.
Mas, do que adiantava se lamentar agora? O que havia de acontecer já tinha acontecido e, a única
coisa que ela podia esperar, era o desfecho dessa história que, podia ser bom ou ruim. Não dava para
voltar atrás e mudar o que já passou.
No caminho de volta para casa, Monique parou em uma igreja que, por sorte, ainda estava aberta,
e entrou. Diante do altar, pediu aos céus que ela escapasse daquilo tudo. Que ela pudesse viver sua
vida de forma proveitosa.
Ela não se demorou em sua oração, pois, pelo horário, a igreja já estava fechando. Assim que
saiu do templo religioso, sentiu o vento mudar e tornar-se frio. Ali naquela cidade era muito fácil
esfriar repentinamente e, como a meteorologia já havia previsto uma frente fria chegando, era bem
provável que o dia amanhecesse chuvoso.
Caminhou em direção ao apartamento quando ouviu atrás de si um barulho de uma lata de
refrigerante que havia sido chutada. Monique virou-se rapidamente para trás, mas não viu ninguém. A
rua estava estranhamente deserta e o único barulho era o uivo do vento, que aumentava.
Monique continuou caminhando, e aquela sensação de ser seguida estava cada vez mais forte. Seu
coração acelerou e ela apressou o passo. Olhou para trás rapidamente e viu um vulto se esconder em
uma árvore larga e teve certeza que, caso não alcançasse seu apartamento logo, talvez não chegasse
até lá.
Quando ela começou a correr, percebeu que o vulto agora não se preocupava em se esconder e
começou a correr também.
O coração de Monique parecia que sairia pela boca, quanto mais ela corria, mais seus batimentos
aumentavam e mais o pavor tomava conta dela. Sorte que seu apartamento não era muito longe dali e
duas quadras depois, ela virou a esquina olhando para trás, rapidamente percebendo que ainda estava
sendo seguida, quando bateu de frente com um corpo alto e forte que a segurou firme pelos braços.
Ela começou a gritar e se debater, pedindo para que ele a soltasse até que ele gritou.
— Calma, sou eu.
Diante daquele timbre rouco e conhecido, ela parou de lutar e encarou os olhos azuis de Gabriel.
Ainda assustada e com o coração acelerado, ela o abraçou apertado, sentindo-se segura nos braços
dele.
— O que aconteceu? — ele perguntou retribuindo o abraço, sentindo o coração dela bater
acelerado contra seu peito.
— Eu saí… Para dar uma volta, comer um doce, e na volta alguém me seguiu. A princípio eu
achei que estava louca, mas quando eu comecei a correr, ele correu também.
Gabriel a soltou rapidamente e correu até a esquina, mas a rua estava deserta, não havia ninguém
lá.
— Você conseguiu vê-lo? Sabe descrever algo?
— Eu estava correndo, você ouviu? Você já foi perseguido, investigador? Me diz como eu ia
prestar atenção em detalhes?
Gabriel a encarou e apertou os olhos, mas, diante do rosto assustado de Monique, ele relaxou e a
envolveu com o braço. O corpo dela ainda tremia enquanto ele a conduziu para dentro do prédio.
Depois que estavam dentro do apartamento dela, Gabriel fechou a porta e se dirigiu para a
cozinha.
— Tome um banho para relaxar, vou fazer um chá para você. Você tem chá aqui, certo?
— Sim, no armário que fica acima da pia.

Alguns minutos depois, Monique saía do banho enrolada em um robe felpudo preto e os cabelos
molhados caídos por cima dos ombros. Ela ainda parecia assustada, mas também estava mais calma.
Era o efeito Gabriel. Estranhamente, ela se sentia segura, mesmo que ele quisesse vê-la apodrecer
atrás das grades.
— Se sente melhor? — Gabriel perguntou, observando-a de cima a baixo, esticando a mão para
lhe entregar uma xícara de chá.
— Um pouco. — ela balançou a cabeça negativamente. — Quem será que estava me seguindo?
— Possivelmente, um ladrão.
— Ladrão? Você acredita mesmo nisso? — ela se jogou no sofá e levou a caneca até a boca, mas
não tomou o chá realmente. — Um ladrão me perseguiria por duas, quase três quadras? Por causa de
alguns trocados e um celular barato?
— Certamente ele não sabia que só havia alguns trocados e um celular barato em sua bolsa. Além
do mais, ele podia… — Gabriel estremeceu com a possibilidade de o perseguidor ser um estuprador
e violentar Monique em um beco qualquer.
Mesmo uma pessoa como ela, não merecia sofrer tal violência. E a verdade era que imaginar
outro homem tocando a pele dela — contra sua vontade ou não — fazia Gabriel estremecer de raiva.
— Ele podia? — ela perguntou.
— Deixa para lá. Você precisa descansar e agora está segura.
— Estou? — Monique fitou a porta e depois encarou Gabriel. — Não quero ficar sozinha.
— Não seja boba, um ladrão não iria segui-la até aqui.
— Mas e se seguiu? E se ele só recuou porque me viu com você lá em baixo? — Monique se
levantou e foi até a janela e ao olhar para a rua, deixou a xícara cair.
Sua mão começou a tremer, suas pernas fraquejaram e Gabriel se aproximou a tempo de segurar
seu corpo, antes que ela caísse no chão.
— Monique, fale comigo, o que houve?
— Ele está lá em baixo, do outro lado da rua, atrás das árvores.
Gabriel se levantou rapidamente, ainda mantendo o corpo de Monique contra o seu e olhou para o
outro lado da calçada, mas não havia ninguém lá. A rua estava cada vez mais deserta com a ventania
que trazia a frente fria.
— Não tem ninguém lá.
Monique olhou novamente e realmente não havia ninguém.
— Por favor, Gabriel, não me deixe sozinha. Estou com medo.
Gabriel a encarou, seus corpos juntos. Ele podia sentir sua respiração acelerada junto à dele.
Monique levantou o olhar para encará-lo e o puxou contra si, apertando seus corpos juntos.
Lentamente, ela levantou a cabeça deixando a sua boca a centímetros da dele.
Gabriel não se moveu enquanto as palavras de Ricardo rodeavam sua mente.

“Ela está te manipulando, Gabriel. Essa tal Monique sabe que seu desejo por ela é seu ponto
fraco. Claro que ela vai te seduzir, quantas vezes puder, e isso vai te deixar cada vez mais fraco
em relação a ela.”

Mas, como lutar contra o que ele estava sentindo naquele exato momento? O desejo ardente que
queimava em seu peito, o calor que fazia seu corpo responder, e sua ereção ser tão pulsante e
dolorida que se ele não a tomasse, tinha medo que fosse explodir?
Gabriel segurou a nuca de Monique e a puxou contra seus lábios, beijando-a ardentemente.
Pressionou seu corpo contra a parede ao lado da janela e, enquanto suas bocas permaneciam coladas,
Gabriel desamarrou a corda do roupão, deixando o corpo perfeito dela exposto. As curvas da sua
cintura, os seios fartos e empinados, suas pernas torneadas e sua pele clara, contrastante com seus
lindos olhos e cabelos negros, faziam Gabriel se perder.
Ele a sentou sobre a janela e continuou a beijá-la enquanto suas mãos percorriam seu corpo até
seu seio intumescido.
Monique envolveu suas pernas no quadril dele e abriu o botão da sua calça, colocando sua
enorme ereção para fora, acariciando, envolvendo-a com sua mão macia, movendo em um vai e vem
rítmico, deixando-o cada vez mais duro.
Gabriel rosnou contra sua boca e a puxou contra si, rasgando sua calcinha e a penetrando em uma
só estocada. O toque da mão macia e quente de Monique havia deixado ele louco e precisava tê-la
ainda mais urgentemente.
Segurando em sua bunda, Gabriel puxou o corpo dela contra ele e a fodeu com tanta intensidade,
com tanta fome e desejo, que achou que pudesse fazer o corpo dos dois virar apenas um. Enquanto
ele estava dentro dela, a beijou ardentemente, esquecendo completamente tudo. Quem ela era, sobre
o que estava sendo acusada, as palavras de Ricardo. Naquele momento só existiam os dois e o fogo
ardente do desejo deles.
Depois de chegarem juntos ao ápice, Gabriel desceu-a da janela e a beijou mais uma vez antes
de ajudá-la a amarrar o robe. Entrelaçou seus dedos aos dela e a levou até o sofá.
Enquanto seus corpos se acalmavam, ele se deu conta da besteira que havia feito. Eles transaram
sem preservativo.
Puta que pariu! — ele se xingou mentalmente.
Como pôde ser tão estúpido? E se ela engravidasse… Inferno! Ele não queria deixar que aquilo o
enlouquecesse, mas era inevitável.
— Monique…
— Sim. — ela permaneceu com a cabeça deitada no ombro dele e respondeu com a voz suave.
— Me diz, por favor, que você usa algum método contraceptivo.
Ela deu uma risada contra o pescoço dele.
— Claro que sim. Tomo injeção. Não quero filhos também, pelo menos não agora.
O investigador respirou aliviado, mas, ainda assim, se perguntou como pôde ser tão
irresponsável.
Gabriel desistiu!
Ele já não lutava contra o desejo irracional que sentia e não ficava com raiva depois de saciá-lo,
pelo contrário, ele queria mais. Quanto mais a tinha, mais a desejava.
— Vou pegar mais chá para você. — Gabriel se levantou e foi até a cozinha, voltando com uma
nova xícara de chá.
— Você não vai embora, vai? — Monique perguntou quando Gabriel entregou a ela a xícara e
não se sentou.
— Eu não acho que deva passar a noite aqui.
— Por favor, Gabriel. — Monique se levantou e caminhou na direção dele. — Estou com medo.
Gabriel deu um longo suspiro e fechou os olhos. Ficar conscientemente ao lado dela, a noite
toda, não seria fácil e isso estreitaria ainda mais os laços que ele não queria que existissem. Não
podia permitir que existissem. Monique logo seria condenada e eles nunca mais se veriam, mas, vê-
la tão frágil e temerosa fazia o lado protetor de Gabriel falar mais alto. Ele não poderia deixá-la ali a
noite toda, achando que a qualquer momento alguém poderia invadir o apartamento e atacá-la.
— Tudo bem, mas eu posso te deixar aqui por alguns minutos? Vou até meu apartamento tomar
um banho rápido e volto.
— Tudo bem. — Monique respondeu receosa.
— Tranque a porta e não abra para ninguém. Quando eu voltar, usarei a chave reserva que está
comigo.
— Você tem uma chave reserva do meu apartamento?
— Eu o aluguei para você, lembra? O inquilino me deu duas chaves. Guardei uma por precaução.
— Tanto faz. — Monique concordou e enquanto Gabriel saiu, ela fez como ele disse, trancou a
porta e foi até a cozinha lavar a xícara.
Estava distraída na pia, quando um celular tocou em cima da mesa e ela se assustou, pois o toque
não era o dela. Quando se aproximou, viu que era o celular de Gabriel. Ela demorou um tempo
fitando o aparelho. Até que ele parou e o ícone de uma carta apareceu, informando que tinha uma
mensagem de voz.
Monique ficou muito curiosa. Algo lhe dizia que aquela mensagem tinha alguma coisa a ver com
ela. Com o caso de Fabiana Veiga.
Ela foi até a mesa e pegou o celular na mão. Enquanto olhava a tela do aparelho, se sentiu
dividida em ouvir ou não a mensagem.
Monique se decidiu. Ia ouvir a mensagem e dependendo do que fosse, apagaria, assim ela e
Gabriel poderiam continuar se entendendo.
— O que você está fazendo? — a voz de Gabriel soou ríspida atrás dela, fazendo-a se assustar e
quase deixar o celular cair.
— Que susto, Gabriel! — ela esticou a mão e entregou o celular a ele. — Estava tocando, mas
caiu na caixa postal.
— E você estava curiosa para ouvir?
— Não vou negar. Estava mesmo. Se fosse alguma coisa a ver com o meu caso… Com o caso da
Fabiana... Você ia ficar nervoso, irritado e ia me deixar sozinha.
— E você ia ouvir a mensagem?
— Eu ia apagar a mensagem. Assim, você não me deixaria aqui. — ela deu de ombros —
desculpe.
Gabriel ficou atordoado com a sinceridade dela. Ela não negou que ouviria e apagaria a
mensagem. Mesmo sem deixar transparecer seu divertimento, ele sorriu internamente.
— Então sua preocupação era eu te deixar aqui sozinha? Somente isso?
— Sim. — ela caminhou para a sala e ele a seguiu. — Você já me acha culpada, lembra? Nada
do que lhe disserem a meu respeito, vai piorar minha situação.
— É verdade. — ele confirmou. — Mas já que você estava tão curiosa, eu vou colocar no viva
voz e deixar você ouvir.
Gabriel discou o número da caixa postal e depois da habitual saudação, a gravação começou e
quando os dois reconheceram a voz da mensagem, eles se entreolharam.

Gabriel, estou chegando amanhã de manhã. Deixei recado na delegacia, já que você não
estava. Não vai acreditar no que descobri. Mas eu não posso falar por telefone. As coisas vão
muito mais além do que imaginávamos. Me encontre no bar habitual às dez horas. E Gabriel,
continue tomando conta de Monique.
Gabriel fez a caixa postal repetir a mensagem e, quando terminou a gravação, ele olhou
novamente para Monique. Ela parecia nervosa e havia um brilho diferente em seus olhos. Um brilho
que Gabriel não gostou de ver.
Capítulo Vinte e Cinco

Monique sentiu seu coração se apertar ao ouvir a voz de Guilherme. Seja o que for que ele tenha
descoberto, não deixava nenhuma pista na mensagem, mas ela tinha certeza que era algo bom para
ela, senão, ele não pediria a Gabriel que continuasse tomando conta dela, pediria?
— O que será que ele descobriu? — Monique não se conteve em perguntar.
— Não sei, mas Guilherme me pareceu nervoso. Muito nervoso.
Monique assentiu, pois também tinha tido essa impressão. Ela caminhou até o sofá e sentou-se ao
lado de Gabriel. Durante um tempo, os dois ficaram silenciosos fitando a TV desligada.
Sem muito entusiasmo, Gabriel pegou o controle e ligou a TV, mas não prestou realmente
atenção. Seus pensamentos estavam longe. Dependendo do que Guilherme havia descoberto, ele
jamais tocaria em Monique novamente, e essa possibilidade fez seu corpo ficar tenso.
Como se percebesse seu nervosismo, Monique colocou a perna por cima da dele e quando ele a
encarou, ela sorriu.
— Acho que nós devíamos aproveitar o que pode ser nossa última vez juntos.
— Por que você acha que é a nossa última vez juntos? — Gabriel perguntou irritado.
— Sejamos realistas. — ela acariciou o peito dele por baixo da blusa. — Você não vai
descansar até me pôr atrás das grades e dependendo do que Guilherme descobriu, isso pode ser
amanhã.
— Se você acha que a descoberta dele pode ter pôr atrás das grades, isso significa que você…
— Isso significa que eu quero aproveitar o melhor sexo que já tive na minha vida, Gabriel. Sem
pensar no amanhã. Apesar de tudo, eu gosto de você.
Aquela declaração pegou Gabriel de surpresa e, antes que ele pudesse dizer alguma coisa,
Monique abriu o robe e sentou-se de frente para ele, com os joelhos ao lado dos seus quadris.
Gabriel olhou o corpo dela e rapidamente sua masculinidade respondeu, o deixando totalmente duro.
Monique segurou o rosto dele com as mãos e o beijou. Sua língua buscou a de Gabriel
sensualmente e ela começou a se remexer lentamente, esfregando seu sexo úmido na ereção pulsante
dele.
Gabriel apertou suas coxas e Monique continuou a sedução. Rapidamente, ela tirou a camisa de
Gabriel e acariciou seu peito, enquanto suas bocas não se desgrudavam.
Monique foi beijando o maxilar imponente de Gabriel, seu pescoço, desceu pelo seu tronco e
seus músculos rígidos da barriga, até encontrar seu membro, que com a ajuda das mãos, ela já havia
colocado para fora do short.
Quando a boca de Monique tocou a pele sensível do membro de Gabriel, ele grunhiu entre os
dentes. Monique sorriu diante da reação dele e o chupou, com fome e desejo.
Gabriel ficou maluco ao sentir a boca macia e quente dela, acariciando sua ereção, sugando,
lambendo. Suas veias já pulsavam contra a língua dela e, quando ela começou a masturbá-lo, Gabriel
sentiu que não duraria muito tempo. Ele estava inebriado de prazer enquanto ela continuava a
deliciosa tortura oral.
Monique aumentou o ritmo da sua mão enquanto continuava a sugá-lo. Isso foi o suficiente para
levar Gabriel ao orgasmo violentamente.
Quando Monique se levantou, ela sorria lascivamente e Gabriel retribuiu o sorriso, se
levantando rapidamente, ele a envolveu pela cintura, beijando-a apaixonadamente enquanto sentia
seu próprio gosto nela. Enquanto a levava para o quarto, suas bocas não se desgrudaram. Ele a deitou
sobre a cama e a amou, uma, duas, três vezes. Até que seus corpos não aguentaram mais e eles
adormeceram extasiados de prazer.

Na manhã seguinte, Gabriel acordou cedo, o dia nem havia clareado. Ficou um tempo
observando Monique adormecida enquanto sua mente analisava todos os acontecimentos que os
envolvia.
Como uma mulher linda, delicada e sensual como ela, podia cometer tantos crimes, tantas
atrocidades e tudo por um motivo tão estúpido?
O peito de Gabriel se apertou e por um momento ele a odiou novamente. Não foi justamente por
isso, pelo mesmo motivo fútil, que sua família havia sido brutalmente destruída? Agora ele estava
envolvido com uma mulher tão inescrupulosa quanto os homens que destruíram seu lar. No entanto,
ele não podia mais mentir para si mesmo. Ricardo estava certo.
Ele havia se apaixonado.
Apaixonado por uma assassina e, por mais que ele nutrisse bons sentimentos por ela, não podia,
jamais, passar por cima da justiça, além do que já havia feito… Ela deveria pagar pelo crime que
cometeu e doía em Gabriel que ele fosse o responsável por fazer tal justiça. Mas ele havia prometido
diante do túmulo de seu pai que ele seria quem o vingaria, levando justiça aonde ela tivesse que ser
feita.
Gabriel se levantou e foi até o banheiro e depois de tomar um banho, vestiu-se novamente e foi
até seu apartamento; Depois de trocar de roupa, voltou com uma xícara de café quente para Monique.
Ele colocou a xícara em cima da cômoda e caminhou até a janela, abrindo as cortinas. O dia lá
fora estava chuvoso, as nuvens cinzas e pesadas combinavam com seu humor.
Monique se mexeu na cama e ele virou-se para olhá-la. Quando ela abriu os olhos e viu que
Gabriel a observava, ela sorriu. Um sorriso tão inocente e genuíno que Gabriel sentiu-se compelido
em ir até lá e beijá-la.
E foi o que ele fez. Ele segurou seu rosto e a beijou castamente, depois deu a volta na cama e
entregou a ela a caneca de café.
— Acho que você deveria vir junto.
— Eu? Ao seu encontro com Guilherme?!
— Sim, afinal, você também está interessada em saber o que ele tem de tão importante para
contar, certo?
— Eu não vou fugir, se é por isso que você quer me levar junto. — Monique disse ressentida. —
Acho que prefiro ficar aqui.
— Você quem sabe, mas não é esse o motivo para eu querer que você vá.
Gabriel saiu do quarto e Monique se enrolou no lençol e o seguiu. Antes que ele pudesse
alcançar a porta, ela o chamou.
— Espere! — Gabriel se virou e a encarou. — Não é por isso?
— Tanto faz, Monique.
Ela correu e parou na frente da porta. Claro que se ele quisesse tirá-la da frente, bastaria um leve
empurrão, porém esse tempo que ela tem convivido com ele, sabia que apesar de gostar de um sexo
mais bruto, ele não era realmente violento.
— Tanto faz nada. Agora você vai dizer.
— Você ontem não sossegou enquanto eu não passei a noite com você, alegando estar com medo
de ficar sozinha. Agora esse medo já passou? Guilherme mandou que eu ficasse de olho em você. Era
só por isso que eu queria que você fosse junto. — ele mentiu, em cada porcaria de palavra.
Ele a queria junto dele. Queria passar os últimos minutos possíveis ao lado dela, antes de
trancafiá-la para o resto da sua vida.
— Me dá dez minutos? — ela sorriu e ficando na ponta do pé o beijou. — Eu vou só jogar uma
água no corpo e colocar uma roupa.
Gabriel sorriu.
— Você tem cinco minutos.
Ela retribuiu o sorriso e se retirou.
Monique tomou um banho rapidamente. Vestiu um jeans claro, calçou uma bota preta, uma blusa
justa, também preta, e uma jaqueta de couro vermelha. Antes de sair, pegou seu celular que se
comunicava com Marcelo e digitou um SMS para ele.

Agradeço a ajuda que nunca veio, mas acredito que não vá precisar mais.

Logo em seguida, retirou a bateria e o chip, jogando o telefone no fundo da gaveta.


— Estou pronta. — ela disse chegando à sala e quando Gabriel colocou os olhos sobre ela, teve
vontade de tirar toda aquela roupa e levá-la para cama novamente.
— Está mesmo com saudade do Guilherme. Se produziu tanto. Não vê a hora de se livrar de
mim, certo? — o tom dele era ríspido.
— É impressão minha ou você está com ciúmes?
— Não seja ridícula. — Gabriel virou-se e abriu a porta para ela passar. — Pegou a chave do
carro de Guilherme? Está chovendo e acho que não seria legal irmos de moto.
Monique afirmou, enquanto dava uma risadinha e seguia pelo corredor. Ao saírem na garagem,
ela caminhou em direção ao carro de Guilherme, mas Gabriel pigarreou.
— Eu dirijo.

Alguns minutos depois, eles chegaram ao tal bar. A loira peituda que atendeu Gabriel e
Guilherme algumas semanas atrás, fez questão de ir servi-lo novamente e não poupou sorrisos.
— Olá querido, o que vai querer hoje? — ela não fez questão de ser sutil, e empinou ainda mais
os seios grandes quando perguntou o que Gabriel queria, ignorando totalmente a presença de
Monique, o que a fez ficar irritada.
— Só uma cerveja. — ele sorriu sedutoramente para ela e piscou.
Ele percebeu que Monique ficou incomodada. Como ela havia se arrumado e perfumado demais
para o encontro com Guilherme, ele resolveu fazê-la provar do próprio remédio. Gabriel não tinha a
menor intenção de transar com a loira novamente, contudo, para provocar ciúmes em Monique,
resolveu entrar na brincadeira.
— E você, vai querer alguma coisa? — Gabriel perguntou para Monique.
— Um balde para eu vomitar. — Monique respondeu irritada e olhou para o lado de fora da
janela.
Gabriel sorriu e dispensou a loira, agradecendo.
— Não precisava ser tão rude. — ele disse, contendo um sorriso.
— Se você quiser, eu posso ir embora para você poder trepar com ela no banheiro sujo daqui.
— Quem está com ciúmes agora? — dessa vez, ele não conseguiu conter um sorriso.
Monique virou-se para ele e viu Gabriel sorrindo. Aquilo a deixou ainda mais irritada. Ele
estava deliberadamente tentando deixá-la enciumada e estava conseguindo. Ela sentiu vontade de
bater a cabeça daquela loira oferecida contra a mesa de mármore do bar.
— Eu? Com ciúmes de você? Não seja ridículo!
Gabriel sorriu ainda mais e quando a loira voltou para deixar a cerveja, ela acariciou o ombro
dele antes de se retirar e Monique fingiu fazer vômito colocando a língua para fora.
— O que eu posso fazer se eu sou irresistível?
— Você é ridículo, isso sim.
Monique olhou novamente para a chuva que caía lá fora e sua carranca demonstrava que Gabriel
havia conseguido deixá-la realmente enciumada. E só isso foi o suficiente para melhorar seu humor.
O relógio já passava das dez e meia e Gabriel começava a ficar preocupado. Ao contrário dele,
seu irmão era chato com horário e nunca se atrasava.
Gabriel pegou o celular e ligou para o aeroporto para se certificar sobre o voo vindo da
Alemanha e se havia algum atraso, mas não. O único voo que viria da Alemanha naquela manhã,
havia chegado exatamente no horário previsto. Então se Guilherme havia perdido o voo, ainda estaria
na Alemanha.
Ele resolveu esperar mais um tempo. O humor de Monique havia melhorado um pouco conforme
conversavam sobre coisas sem importância, porém, voltava a ficar emburrada quando a loira se
aproximava, mas nada que estragasse a conversa deles.
Faltavam dez minutos para as onze horas quando o celular dele tocou.
— Investigador Goulart... O que aconteceu com ele? — Gabriel se levantou rapidamente, tirou a
carteira do bolso, jogou uma nota de cinquenta reais sobre a mesa e fez sinal para Monique o seguir.
— E como foi isso? Onde ele está?... Estou ido para aí agora.
Gabriel se dirigiu para o carro e quando ele e Monique entraram, ele encostou a cabeça no
encosto do veículo e fechou os olhos, socando o volante. Monique o fitou silenciosamente e quando
viu que uma lágrima solitária correu pelo rosto dele, ela se desesperou.
— O que aconteceu?
— Guilherme sofreu um acidente e está no hospital entre a vida e a morte.
Monique levou a mão à boca e soltou um gemido doloroso, logo seus olhos também ficaram
marejados e ela abraçou Gabriel enquanto deixava suas lágrimas caírem.
Capítulo Vinte e Seis

Gabriel dirigiu silenciosamente durante todo o caminho e, assim que estacionou de qualquer jeito
em frente ao hospital, entrou abruptamente pela porta, perguntando de maneira nada educada para
uma enfermeira que passava por ele — e ficava atônita com sua beleza — onde ficava o centro
cirúrgico.
Depois de, a enfermeira responder, ele seguiu apressadamente para o quinto andar do hospital,
com Monique ao seu encalço.
Dentro do elevador, os olhos de Gabriel permaneceram fixos no letreiro luminoso que indicava
os andares. Seu maxilar estava tenso e seus punhos cerrados na lateral do corpo, fazendo os nós dos
dedos ficarem brancos.
Monique colocou a mão em seu ombro e deu um leve apertão, tentando confortá-lo, e só então ele
desviou o olhar e a encarou. Tudo que ela conseguiu ver foi dor em seus olhos.
Durante o tempo em que conviveu com os dois, ficou perceptível toda rivalidade e hostilidade
entre os irmãos e, apesar de Guilherme ser um homem pacífico, Gabriel sempre conseguia tirá-lo do
sério, fazendo o advogado ficar verdadeiramente irritado, mesmo que às vezes não demonstrasse. Era
de se espantar que diante daquela situação, Gabriel parecesse tão nervoso. Claro, eram irmãos e se
preocupavam um com o outro, mas o tamanho da dor que ela viu em seus olhos, indicava que não só
estava preocupado com o irmão, mas também o amava muito e, a possibilidade de perdê-lo, mostrou
um Gabriel ainda mais frágil do que o que ela encontrou bêbado em seu apartamento, por causa da
perda da madrinha.
Quando as portas do elevador se abriram, ele segurou a mão de Monique e a puxou para fora,
dirigindo-se à recepção.
— Sou o investigador Gabriel Goulart e procuro informações sobre meu irmão, Guilherme
Goulart. Preciso saber como ele está e…
Antes que ele pudesse terminar de falar, seu chefe e o soldado Santos apareceram com uma
caneca de café na mão. O olhar do delegado Eduardo Campos foi rapidamente de Gabriel para
Monique algumas vezes, incrédulo com a cena que via. Ele tinha conhecimento que Guilherme
cuidava da acusada e era seu advogado de defesa, mas não fazia ideia que ela e Gabriel pudessem
estar ali, um ao lado do outro, de mãos dadas. Ele conhecia bem seu investigador e sabia a forma
com que ele tratava os acusados de assassinatos, principalmente com atrocidades como a que ela
havia cometido.
Eduardo franziu a testa e continuou caminhando na direção deles. Gabriel se aproximou de
Monique e pediu para ela aguardar em um dos bancos que havia no corredor, afastada dele e dos
outros policias. Ela assentiu, entendendo que ela estar ali, junto dele, poderia complicar as coisas, e
se afastou.
Quando Eduardo chegou ao lado de Gabriel, o cumprimentou firmemente com um aperto de mão,
enquanto o soldado apenas fez um gesto com a cabeça.
Eduardo se afastou com Gabriel, fazendo sinal para que eles fossem até o outro lado do balcão.
— Sei que o momento é delicado para você, investigador, e sei também que é inoportuno da
minha parte tocar nesse assunto, mas não posso evitar. O que ela faz aqui? E por que estavam de
mãos dadas?
— Você tem razão, delegado. O momento é totalmente inoportuno. Estou tentando obter
informações sobre o estado do meu irmão e a última coisa que preciso é ficar respondendo ao seu
interrogatório. De qualquer forma você sabe melhor do que eu, que a senhorita Pillar é velha
conhecida do meu irmão e estamos aqui por ele. Sei que tenho muito a explicar, mas nem fodendo
vou fazer isso agora.
Gabriel se virou e voltou a falar com a atendente, ela lhe informou que seu irmão ainda estava
em cirurgia e que a enfermeira chefe estava vindo para falar a respeito do estado de Guilherme.
O investigador caminhou até Monique, que estava sentada fitando o chão, enquanto o soldado
Santos a olhava sem nenhuma expressão aparente no rosto.
— Eu… Desculpa. Não sabia que seu chefe estaria aqui, senão, não teria vindo com você e...
— Não é hora para nos preocuparmos com isso, Monique. — Gabriel sentou-se ao lado dela e
colocou a cabeça entre as mãos, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. — Além do mais, as coisas
iam acabar se complicando mais cedo ou mais tarde.
Monique sentiu uma enorme vontade de abraçá-lo, mas não pôde, uma vez que os olhos de Santos
não se desviavam dela.
Poucos minutos depois, que pareceram uma eternidade para ele, uma enfermeira de meia idade
parou no balcão de atendimento e depois que a atendente apontou para Gabriel, ela se aproximou do
investigador.
— Senhor Goulart?
Gabriel levantou rapidamente, encarando a mulher de uniforme branco diante dele. Ela era alta
com cabelos curtos e negros e olhos tão azuis quanto os dele. Suas marcas de expressão
demonstravam que era uma mulher com mais idade e com isso, alguém com certa experiência.
— Meu irmão…
— Podemos ir até a enfermaria para conversarmos melhor?
A mulher olhou para o corredor cheio de pessoas e depois voltou a encarar Gabriel.
— Claro. — Gabriel virou-se para Monique e pediu que ela ao aguardasse. Caso mais alguém
chegasse com notícias, ela poderia receber por ele.
Gabriel seguiu a enfermeira por um longo corredor e depois dobraram à esquerda, passaram por
uma porta dupla, onde outras enfermeiras iam e vinham, enquanto algumas estavam apenas sentadas.
A enfermeira se dirigiu até uma mesa e sentou-se, indicando a Gabriel, outra cadeira.
— Quando seu irmão chegou aqui, eu fui uma das enfermeiras que o atendeu. Também sou a
enfermeira chefe do local. Me chamo Andreia Nulo.
— O que meu irmão tem? Qual a gravidade do seu estado?
— Você me parece um homem direto, então vou lhe dizer sem rodeios. A situação dele é crítica.
Seu irmão sofreu traumatismo craniano, está com uma pressão no cérebro causada por um coágulo, a
vesícula perfurada, teve duas costelas quebradas e a tíbia também. Ele está passando por uma
cirurgia agora para ver se diminuímos o coágulo e a pressão no cérebro e também uma cirurgia para
colocar pinos no osso da perna, já que foi fratura exposta.
— Então você não sabe se meu irmão vai ficar bom?
— Tudo vai depender da cirurgia. Ele bateu a cabeça várias vezes e em lugares diferentes. Seu
irmão está aos cuidados da melhor equipe de neurologia e traumatologia do hospital, o que significa
que as chances dele são boas, porém, não deixa de ser complicado.
— Quanto tempo ele está lá dentro?
— Já estão com ele há quase duas horas. Entretanto, como são vários procedimentos a serem
feitos, acredito que leve mais algum tempo.
— Certo, estarei no corredor esperando notícias.
— Se o senhor quiser, pode ir para casa e deixar seu telefone conosco, assim que terminarmos
aqui, entramos em contato.
— Com todo respeito, enfermeira? Não era nem para você me fazer esse tipo de sugestão. Eu
jamais deixaria meu irmão aqui e ficaria em casa esperando notícias. Obrigado pelas informações.
Quando Gabriel se dirigiu à porta da enfermaria, muitos pares de olhos femininos o seguiram. Era
claro que ele já estava acostumado a esse tipo de reação e, em outras circunstancias, ele não
dispensaria os olhares, mas não agora e não ali.

***

Assim que Gabriel saiu, Monique se levantou, incomodada com o olhar fixo do policial, e foi até
a recepção perguntar onde ficava o bebedouro mais próximo. Quando a atendente apontou para o
corredor oposto ao que ela estava, Monique se apressou em ir pegar um copo de água. Depois daria
um jeito de ficar pela recepção mesmo. O olhar daquele policial a incomodava, fazendo com que ela
se lembrasse bem do quão hostil ele foi nos dias em que ela ficou presa na delegacia.
Enquanto caminhava até o bebedouro, esfregou os braços na tentativa de aquecê-los e se xingou
mentalmente por ter deixado a jaqueta no carro. Agora não sabia se estava com frio pela temperatura
baixa ou porque aquele policial lhe dava calafrios.
Assim que ela abaixou, posicionando o copo debaixo da torneira do bebedouro, sentiu uma
sombra atrás dela, de alguém que se aproximou sorrateiramente.
Monique virou-se rapidamente, fazendo derramar metade da água que estava no copo, molhando a
ponta da calça e o coturno preto que complementavam aquele uniforme.
— Oh, desculpe... V-você me assustou.
— Não deveria se assustar comigo, boneca. Achei que podia querer me seduzir também.
— Te seduzir? — Monique franziu a testa. — Não sei do que você está falando.
Ela tentou passar por ele, mas antes que ela se movesse muito, Santos segurou-a pelo braço e a
apertou de forma bruta.
— Não te interessa me seduzir, certo? Eu não sou realmente uma ameaça para você. Mas o
investigador, ele era, até você fazer com que ele se enfiasse entre suas pernas, agora você está
praticamente livre, certo?
— Eu não sei do que você está falando. Estamos aqui juntos apenas por causa de Guilherme.
Monique respondeu encarando-o, apesar da sua voz soar fraca.
— Você acha que me engana, que caio no seu joguinho? Ora, vamos, eu posso ajudar a livrar sua
cara também e tenho certeza que você deve saber fazer ótimos truques com esses seus lábios
carnudos. — ele passou o polegar de forma bruta nos lábios dela.
— Me solta. — ela disse, mas antes que ele pudesse responder, eles foram surpreendidos.
— O que está havendo aqui? — a voz de Gabriel soou exasperada atrás do policial e ele
rapidamente soltou o braço de Monique.
— Nada, investigador. — Santos se apressou em responder. — Eu estava apenas conversando
com a suspeita e me certificando de que ela não fugiria.
— E quem lhe incumbiu tal tarefa? — Gabriel segurou Monique pelo braço e a puxou para perto
dele. — Ela não vai fugir porque não é prisioneira. Agora, vá fazer seu trabalho e descobrir como
Guilherme se acidentou.
— Você não sabe? — apesar de o soldado ter perguntado seriamente, Gabriel não pôde deixar de
perceber um tom de satisfação em sua voz. — Não foi um simples acidente. Alguém tirou o táxi
propositalmente da pista, fazendo o carro capotar várias vezes antes de passar pelo muro de
contenção do viaduto. Sorte, muita sorte, que eles já estavam na descida, pois se estivessem na parte
mais alta, a essa hora o advogado poderia estar no necrotério.
Ouvir aquilo fez o corpo de Gabriel enrijecer. Seus olhos ficaram escuros e ele encarou Santos
com ódio no olhar.
— E o que você está fazendo aqui, em vez de descobrir quem foi o desgraçado que tentou matar
meu irmão?
— Já tem gente cuidando disso, além do mais, o delegado quem me chamou para acompanhá-lo.
Santos deu as costas a Gabriel e se retirou, indo em direção ao elevador. Quando os olhos do
investigador pousaram no braço de Monique, ele percebeu que havia uma marca vermelha,
exatamente onde Santos a segurava. Ele grunhiu um palavrão e fez menção de seguir o policial, mas
Monique segurou seu braço e meneou a cabeça.
— Está tudo bem, vamos voltar para o corredor — ela caminhou puxando-o. — O que a
enfermeira disse?
Gabriel repetiu as palavras da enfermeira para Monique e seu coração se apertou ao ver os olhos
dela se encherem de lágrimas. Não podia negar que ver nos olhos dela o mesmo medo que ele tinha,
não era o que mais o incomodava. Era a porra do ciúme que o corroía.
Capítulo Vinte e Sete

As horas se passavam e, quanto mais demorava para ter notícias do irmão, mais Gabriel ficava
irritado. Àquela altura dos acontecimentos, apenas a presença de Monique ao lado dele lhe dava
alguma calma.
O tempo que lhe foi informado que a cirurgia provavelmente demoraria, já havia ultrapassado, e
Guilherme estava lá dentro há mais de cinco horas.
Gabriel estava prestes a se levantar e ir buscar informações, nem que para isso precisasse
quebrar metade do hospital, quando um médico de cabelos grisalhos, olhos castanhos cansados, saiu
do centro cirúrgico. Ele parou para falar com uma das enfermeiras e logo em seguida, se dirigiu para
onde Gabriel e Monique estavam.
— Sr. Goulart?
— Sim, sou eu. Meu irmão…
— Sou o doutor Vaz. — ele estendeu a mão e os dois se cumprimentaram — Seu irmão passou
por uma cirurgia delicada e nós fizemos tudo que estava ao nosso alcance — aquelas palavras do
médico fizeram a pernas de Gabriel fraquejarem. — Conseguimos retirar o coágulo e a pressão no
cérebro diminuiu, mas seu irmão está em coma. Não há nada que possamos fazer agora. Não sabemos
quanto tempo ele poderá ficar assim. Podem ser horas, dias, semanas, meses. Enfim, está nas mãos de
seu irmão, agora depende única e exclusivamente dele e do seu organismo.
— Como não há nada que possam fazer? Tem que ter algo que esteja lhe deixando em coma. Tem
que haver algo que se possa fazer…
Gabriel começava a se desesperar. Não podia perder seu irmão. Não depois do que aconteceu ao
seu pai, não depois de ter perdido sua madrinha — sua segunda mãe — tão recentemente.
— Compreendo sua dor, Sr. Goulart, mas infelizmente não há nada que possamos fazer, de
verdade. — o médico colocou a mão no ombro de Gabriel a fim de confortá-lo, porém Gabriel
apenas observou os olhos sem emoção do médico. — Ele será transferido para a UTI. As visitas são
restritas e por apenas quinze minutos.
— Você está me dizendo que meu irmão pode morrer e eu ainda não poderei vê-lo sempre que
quiser?
— Sinto muito. — as palavras saíam da boca do médico em tom indiferente.
Contudo, Gabriel não poderia culpá-lo. Quantas notícias talvez piores ele já não tinha dado em
todos os seus anos na polícia? Se o médico fosse se envolver emocionalmente em todos os casos dos
seus pacientes, já teria ficado louco. Ele mesmo não se envolvia quando tinha que informar alguma
morte aos parentes que o procuravam na delegacia.
Antes do médico se retirar, informou que em alguns minutos uma enfermeira viria até Gabriel e o
levaria para ver Guilherme.
Enquanto o médico se distanciava, Gabriel observava suas costas, sem realmente enxergá-la.
Tudo que ele podia fazer era sentir a dor em seu peito o dilacerando, enquanto a possibilidade de
perder Guilherme lhe assombrava.
Sua mente o levou há muitos anos, quando ele tinha oito anos e Guilherme cinco…

Ele tentava ajudar seu irmão a aprender andar de bicicleta, e era um bom professor.
Guilherme gargalhava quando dava as primeiras pedaladas se equilibrando, até que ele virou-se
para ver o rosto orgulhoso do seu irmão mais velho e passou por cima de uma pedra. O pneu
dianteiro derrapou e ele se desequilibrou, fazendo Guilherme cair e ralar todo joelho na terra.
Enquanto ele chorava, Gabriel correu apressadamente até seu irmão, assoprando o joelho
onde o sangue começava a escorrer. Ele ajudou Guilherme a se levantar e o levou até a torneira
do quintal, que ficava próximo dali, e começou a lavar a terra e o sangue. Os olhos azuis de
Guilherme olhavam com adoração seu irmão, que cuidava carinhosamente do seu machucado.
Quando Gabriel terminou de lavar, assoprou o machucado, como se aquilo pudesse amenizar a
dor do irmão.
— Não chore, Gui. Eu estou cuidando de você. Sempre cuidarei de você.
— Tudo bem. — Guilherme respondeu, forçando um sorriso enquanto Gabriel continuava a
cuidar dele.

Monique tocou no braço de Gabriel fazendo-o voltar para o presente. Ele piscou algumas vezes
antes de focar a enfermeira chefe, parada diante dele.
— O que houve? — ele perguntou arregalando os olhos.
— Você já pode ver seu irmão.
Gabriel arregalou os olhos e apesar de ordenar que suas pernas caminhassem junto com a
enfermeira, elas não obedeceram.
Monique segurou sua mão e parou diante dele. Olhou-o bem nos olhos e colocou as mãos na
lateral do seu rosto, forçando-o a encará-la.
— Está tudo bem, Gabriel, vá até lá e converse com ele. Diga que estamos esperando ele acordar
e que vai ficar tudo bem. Fale com ele.
Gabriel suavizou a expressão diante do olhar carinhoso e preocupado de Monique.
A enfermeira chamou novamente Gabriel, dirigindo-se para o elevador. A Unidade de tratamento
intensivo ficava no andar de baixo e, enquanto seguiam para o elevador, Monique segurou a mão de
Gabriel apertado, dando-lhe o apoio que ele precisava.
Quando Gabriel viu o corpo machucado e fragilizado do seu irmão através do vidro, seu peito se
apertou. Haviam tubos e fios que entravam e saíam por várias partes do corpo de Guilherme. Os
parafusos que foram presos a sua canela estavam descobertos e Gabriel fechou os olhos imaginando
que aquilo devia doer demais. Mas, ele estava ciente de que seu irmão não estava sentindo dor
alguma, pelo menos, não naquele momento.
Gabriel entrou no leito onde Guilherme estava. O peito dele subia e descia no ritmo do aparelho
respiratório que estava em sua boca. O bip do monitor cardíaco e aquela máquina de oxigênio eram
os únicos barulhos daquele lugar. A cabeça de Guilherme estava enfaixada e ele tinha certeza que por
baixo do fino lençol que cobria seu irmão, seu tórax também deveria estar enfaixado.
— Por que você não me pediu para ir buscá-lo? — Gabriel falou, fitando as pálpebras
arroxeadas de seu irmão. — Depois que ouvi aquela mensagem, eu deveria ter ido até o aeroporto te
buscar. Tudo isso poderia ser evitado.
Ele continuou fitando o corpo imóvel do seu irmão. Até que duas leves batidas no vidro
chamaram sua atenção. Uma enfermeira apontou para o pulso, indicando que a visita já havia
terminado.
Gabriel apertou os olhos na direção dela e já estava prestes a xingar quando se deu conta de que,
aquelas pessoas cuidariam do seu irmão enquanto ele estivesse ali e ele não precisava arrumar
problema para que eles descontassem no corpo já fragilizado de Guilherme.
Gabriel se abaixou e deu um beijo na testa de Guilherme, prometendo voltar no dia seguinte. E é
claro que ele voltaria. Todos os dias. Aliás, ele iria até a delegacia e pediria suas férias, que ele há
tantos anos não tirava, depois dedicaria todo seu tempo a acompanhar a recuperação de Guilherme.
Porque, sim, apesar de toda descrença no olhar do médico, ele sabia que seu irmão sairia daquela
situação. Já passaram por tantas coisas. Não seria um acidente, um coma, que impediria seu irmão de
se tornar promotor da cidade. Ah, não!

Quando Gabriel chegou ao corredor onde Monique o aguardava, ela percebeu que seu semblante
parecia ter envelhecido dias em poucos minutos. Seus lindos olhos azuis, estavam opacos, e sua dor
era visível. Quase palpável.
Ela se aproximou dele e o abraçou, mesmo que tenha sido pego de surpresa, Gabriel retribuiu e
duas lágrimas correram por sua face, enquanto ele sentia o aperto dos braços dela envolta de sua
cintura e o cheiro maravilhoso de seu cabelo.
Em pouco tempo, aquela mulher que ele detestava havia se tornado seu porto seguro. E a mente
dele o criticou. Há muitos anos ele fez uma promessa. Prenderia todos os “caras maus” e agora ele
estava ali. Abraçado — e se sentindo agradavelmente confortado — nos braços de uma mulher que
ele estava amando e, desejando com a mesma intensidade, vê-la atrás das grades.
Quando eles se afastaram, Gabriel a olhou nos olhos vendo todo carinho que ela dedicava a ele e
toda a preocupação com a situação de Guilherme. Ele sentiu-se compelido a beijá-la quando avistou
o delegado Eduardo se aproximar.
Lentamente, ele se afastou de Monique, deu a ela a chave do carro e pediu para que ela fosse para
casa. Ele havia ligado para sua mãe e avisado sobre o acidente de Guilherme. Ela viria para a cidade
para ver o filho e ficaria hospedada no apartamento de Gabriel. Monique se ofereceu para arrumar o
quarto de hóspedes para acomodá-la.
Assim que Monique entrou no elevador, ele o delegado Eduardo foram até a cantina e depois de
pedirem um café cada um, sentaram-se em uma mesa afastada das demais.
— Como está o Dr. Guilherme?
— Mal. Está em coma, todo entubado. A perna cheia daquelas porcarias de ferros que devem
doer até o inferno.
— Sinto muito por seu irmão, Gabriel. De verdade. Não temos ainda pistas do carro que causou o
acidente, mas todas as câmeras estão sendo analisadas para ver se conseguimos alguma coisa. A
única informação até agora é que o carro era uma pick-up preta alugada, que foi encontrada alguns
bairros depois, abandonada. Quem alugou o veículo, pagou em dinheiro e usou uma identidade falsa.
O taxista infelizmente morreu na hora.
— Santos disse que foi proposital.
— Sim. Segundo testemunhas, o carro emparelhou com o táxi e investiu contra ele enquanto eles
ainda estavam no alto do viaduto, mas o taxista conseguiu controlar o carro. Infelizmente, a segunda
investida foi mais violenta e eles capotaram até o táxi cair por cima da mureta de proteção e atingir a
pista do outro lado.
Gabriel não fez nenhum comentário, mas apertou tanto a xícara de café que as pontas dos seus
dedos perderam a cor.
Eduardo abaixou o olhar, tentando evitar o rosto do investigador enquanto continuava a conversa.
— Acho que você já sabe o que vai acontecer, não sabe?
— Do que você está falando?
— Terei que lhe afastar do caso Veiga.
— Não pode fazer isso. O caso é meu desde o princípio e…
— No começo, você não estava transando com a acusada.
Apesar da voz de seu chefe estar suave, Gabriel pôde perceber algo escuro em seus olhos.
— Eduardo, não é porque estávamos aqui hoje juntos que…
— Não é por isso que estou lhe afastando e não minta para mim, Gabriel. Somos amigos há muito
tempo. — o delegado abriu o paletó e retirou um envelope pardo do bolso. — Recebi essas fotos
hoje de manhã.
Gabriel pegou o envelope e observou as fotos que haviam lá dentro, sem retirá-las do pacote.
Eram fotos dele e de Monique, na noite anterior, enquanto se amavam na janela.
— Merda! — Gabriel xingou.
Ela estava certa. Havia alguém lá embaixo naquele dia. Alguém que se escondeu nas árvores e
que a havia seguido até lá. A mesma pessoa que tirou a foto deles juntos e mandou para seu chefe.
— Sinto muito, Gabriel, mas a partir de hoje, você está oficialmente fora do caso Veiga.
Capítulo Vinte e Oito

Gabriel fitou seu chefe com olhos furiosos. Queria mandá-lo para o inferno. Queria dizer para ele
se danar e, que aquilo não o impediria de ir atrás da verdade e da justiça, mesmo que isso
significasse colocar Monique atrás das grades.
— Faça como quiser Eduardo, mas você sabe que isso — ele indicou as fotos — não me
impediria de fazer justiça. Além do mais, não há nenhum investigador mais competente que eu
naquela delegacia, nem nessa porcaria de cidade. Boa sorte com isso.
Gabriel se levantou abruptamente, arrastando a cadeira, fazendo um barulho desnecessário,
chamando atenção das demais pessoas presentes na cantina.
Depois que ele saiu, Eduardo pegou o envelope e o guardou, para que quando chegasse em sua
sala, desse um fim àquilo. Ele sabia que Gabriel estava certo, não existia investigador melhor que ele
na cidade, mas ele não poderia deixar mais que ele conduzisse o caso. Estava envolvido demais.

Depois que ele deixou Eduardo na cantina, dirigiu-se novamente para a sala de espera da UTI.
Sabia que não poderia ver Guilherme de novo naquele dia, mas se ele acordasse, queria estar por
perto. Queria poder dizer novamente ao irmão que o protegeria.
Acabou dormindo sentado no banco e sem ter noção de quanto tempo se passou desde que seus
olhos se fecharam. Gabriel sentiu uma mão suave acariciar seu rosto e, antes mesmo de abrir os
olhos, sabia que era Monique, só pelo seu perfume.
— Achei que você precisaria de alguma coisa — ela trazia uma sacola com um lanche.
— Obrigado, mas não tenho fome.
— Você precisa comer ou então, a única coisa que vai conseguir é um leito ao lado do de
Guilherme. Precisa estar forte para quando ele acordar.
— Tudo bem.
Gabriel comeu quase tudo que ela trouxe, mas seu estômago embrulhava cada vez que ele olhava
para a porta da UTI. Não podia pensar no estado que seu irmão estava sem sentir-se mal.
— Eu queria te pedir uma coisa.
— Diga. — Gabriel resmungou, enquanto limpava a boca com um guardanapo.
— Eu gostaria de entrar para ver Guilherme hoje. Sei que não tenho direito, afinal, não sou da
família, mas ele sempre foi muito bom para mim e…
— Não precisa me explicar nada. — novamente, aquele horrível sentimento o corroeu, mas
Gabriel tentou continuar racional. — Você pode vê-lo.
— Obrigada — Monique sentou-se ao lado dele sorrindo.

Faltavam algumas horas ainda para liberarem a visita, mas ela não se importava. Esperaria ali
com Gabriel.
Alguns minutos de silêncio depois, Gabriel virou-se para Monique e a encarou.
— Preciso lhe contar algo.
Ela apenas assentiu.
— Não sou mais o investigador responsável pelo seu caso… Quero dizer, pelo caso Veiga. Não
saberei mais como andam a investigações — como Monique não disse nada, apenas continuou o
encarando, ele prosseguiu. — Você estava certa, estavam te seguindo anteontem e havia alguém lá em
baixo nos observando. Ele tirou fotos nossas e mandou para meu chefe.
Monique baixou os olhos, mas não disse nada. Não havia nada que ela pudesse dizer naquele
momento. E se fez mais algum tempo de silêncio até que Monique finalmente o quebrou.
— Quer saber? — ela colocou a mão sobre a de Gabriel. — Acho que é até melhor assim.
— Como pode dizer uma coisa dessas?
— Se você não está no caso, não podem acusá-lo de me ajudar, ou sei lá, de alguma forma,
burlar as provas por estarmos fazendo sexo.
— Eu nunca faria isso. Mesmo estando… — Gabriel a fitou. Monique o olhava atentamente.
Ele não diria a ela. Como poderia confessar estar apaixonado? E mesmo assim, afirmar que não
a ajudaria, caso continuasse no caso. Monique estava certa. Foi melhor assim.
Mais algumas horas se passaram e o cabo Dantas chegou para visitar o investigador. Claro que
informalmente e foi à paisana, já que era seu dia de folga.
Gabriel se levantou e o cumprimentou amigavelmente. Via naquele policial um futuro promissor
e claro, sabia da sua honestidade. Era algo que todos comentavam na delegacia.
— Como está seu irmão, investigador?
— Estável. Nem melhor, nem pior, mas só tem vinte e quatro horas. Estamos torcendo para que
ele saia logo do coma.
— Minha esposa orou muito por ele.
— Agradeça a ela por mim.
O policial fitou Monique e depois se aproximou mais de Gabriel.
— O investigador Fontes assumiu o caso Veiga. Disse que não sabe como ela está livre. —
Dantas disse evitando olhar para Monique.
— Ela está livre porque Guilherme é um excelente advogado e conseguiu o habeas corpus. Claro
que eu também não entendo como isso aconteceu, mas fico feliz que tenha sido assim.
— Eles estão tentando revogar a decisão do juiz ainda hoje e caso consigam…
— Isso não vai acontecer. Guilherme conseguiu a soltura dela dentro das normas da lei. Juiz
nenhum passará por cima da ordem de um desembargador.
— Só achei que você deveria saber.
— Obrigado, Dantas.
— Bom, o investigador tem meu celular, se precisar de alguma coisa, é só me ligar. Se estiver ao
meu alcance, eu o farei.
— Agradeço novamente. — Gabriel e Dantas apertaram as mãos.
— Não sei por que tiraram o caso do investigador e não me importo. Mas quero que saiba que
não concordo. Qualquer um que o conheça minimamente, sabe o quão sedento por justiça você é. — e
depois de dizer aquelas palavras, o bom policial se foi, deixando Monique e Gabriel sozinhos
novamente.

Na hora da visita, Gabriel apresentou Monique às enfermeiras que ele havia conhecido enquanto
passou a noite sentado na sala de espera. Disse-lhes que Monique tinha livre acesso às visitas,
mesmo que ele não estivesse ali, informando que era uma velha amiga da família.
Quando Monique vestiu o roupão necessário para a visita e entrou, Gabriel ficou observando
pelo vidro enquanto ela se aproximava de Guilherme e seus olhos voltavam a se encher de lágrimas.
Monique se aproximou do leito de Guilherme e segurou sua mão, depois abaixou, colocando o
rosto sobre a mão dele e sorriu quando se levantou e começou a falar.
Gabriel observava e ficou curioso para saber o que ela dizia. Será que confessava amá-lo?
Prometia que se ele acordasse, ela voltaria para ele?
Apesar de desejar mais que tudo, que seu irmão despertasse, não podia evitar o ciúme. E não
gostava daquele sentimento, não estava preparado para senti-lo novamente e muito menos,
relacionado a Guilherme.
Será que a vida lhes pregaria novamente essa peça? Fazendo novamente os dois irmãos brigarem
pela mesma mulher?

Aquele sentimento fez Gabriel lembrar-se do dia que pegara Laura, sua ex-noiva, na cama de
Guilherme. Ele estava em tempo vago na faculdade e foi até o dormitório de Guilherme lhe contar a
novidade. O relacionamento dele e de Laura estava passando por algumas dificuldades e ele decidiu
que ia marcar a data do casamento. Queria que Guilherme fosse o primeiro a saber, afinal, como
eram amigos, além de irmãos, ele seria o padrinho.
Ele se lembra bem até hoje como foi a sensação quando abriu a porta do quarto e viu os longos e
loiros cabelos dela jogados pelo travesseiro e pelos braços de Guilherme.

Gabriel deu um grito que fez os dois acordarem ao mesmo tempo. Guilherme se levantou
abruptamente e caiu sentado no chão, olhando assustado para a figura de Gabriel parado diante
da porta. Seus olhos arregalados iam de Laura para Gabriel e de um para o outro, como se fosse
uma equação difícil de se resolver.
— Qual dos dois vai me dizer que porra está acontecendo aqui?
— Gabriel, eu juro… — Guilherme começou a falar, mas os olhos enfurecidos de Gabriel o
fizeram calar-se.
Laura não falava nada, apenas colocava seu vestido florido — aquele que Gabriel deu de
presente para ela e sempre a elogiava dizendo que a deixava com o corpo ainda mais belo — e
calçava suas sandálias.
— Jura o que Guilherme? Que não sabe o que a minha noiva está fazendo nua na merda da
sua cama?
Gabriel foi até o irmão que já estava de pé e deu um soco com toda sua força em seu rosto,
fazendo-o cambalear, mas ele não caiu.
— Anda, reage. — Gabriel exigia, enquanto o socava mais e Guilherme apenas se defendia.
— Não vou brigar com você. Nós somos irmãos, droga.
— Você devia pensar nisso quando resolveu foder minha noiva.
— Não sei o que aconteceu, mas…
— Não piore as coisas. — diante da falta de reação de Guilherme, Gabriel se afastou.
Se ele continuasse investindo contra seu irmão, iria matá-lo. Os olhos dele já começavam a
inchar e sua boca sangrava. Claro que, apesar da vontade violenta de matá-lo, ele não podia fazer
isso.
— Se você quer essa vadia, se ela vale tanto a ponto de fazer você trair seu próprio irmão,
que fique com ela.
Gabriel se virou e saiu, deixando os dois lá.
Ficaram mais de dois anos sem se falar, até que a mãe deles adoeceu e eles não tiveram outra
saída. Para cuidar dela, voltaram a se falar, mas o relacionamento deles nunca mais foi o mesmo.

— Gabriel?
O investigador virou-se para ver quem o chamava e viu seu amigo Ricardo se aproximando.
Os dois se abraçaram apertado e Ricardo deu tapas confortadores nas costas de Gabriel, depois,
caminharam para fora da sala de espera da UTI e conversaram um tempo sobre Guilherme. Ricardo
respirou fundo antes de mudar de assunto.
— Sei que não é a melhor hora, mas preciso te dizer uma coisa.
— Se é sobre aquele favor que lhe pedi…
— Exatamente sobre isso.
— Não importa mais, não estou mais no caso.
— Sei disso. Liguei para lá hoje cedo e me passaram para o delegado Campos e, depois de
conversar com ele um pouco, vim até aqui.
— Então… — Gabriel deu de ombros.
— Te conheço bem o suficiente para saber que mesmo estando fora do caso, você vai querer
saber o resultado do teste. — eles se encararam e diante do silêncio do amigo, Ricardo continuou. —
O cabelo é dela, Gabriel. Monique matou aquele rapaz.
Capítulo Vinte e Nove

O coração de Gabriel falhou uma batida. Seus olhos fixaram o amigo, na esperança de que aquilo
não passasse de uma brincadeira de mau gosto, mas diante do semblante de Ricardo, ele teve certeza
que as palavras dele eram sérias.
Seu peito se apertou em angustia. Idiota! Xingou-se mentalmente. Deixou-se se envolver, caiu na
tentação. Entregou-se ao desejo e acabou por confiar na última pessoa que devia ter confiado. A
assassina. Sem escrúpulos, de sangue frio. Que tinha esfaqueado a própria amiga e matado um
inocente homem trabalhador apenas porque ele conhecia seu comparsa. Atirara da sacada do hotel
uma jovem com um futuro promissor, apenas para silenciá-la e matou um jovem de dezoito anos.
E ainda havia Guilherme.
Céus! Ela estava lá com ele, neste exato momento. E a essa altura, já pode ter desligado todos os
aparelhos e…
Gabriel pôs-se a correr desesperado, atravessando a porta vai e vem da sala de espera da UTI
com o coração palpitando, mas quando ele olhou pelo vidro, na direção do leito de Guilherme,
Monique segurava entre a sua mão e a de seu irmão um terço. Seus olhos estavam fechados e sua
boca murmurava palavras que Gabriel acreditou ser uma oração.
Ele ficou observando a cena e depois sentiu o corpo de Ricardo parar ao lado dele. Lágrimas
rolavam pela face de Monique, enquanto ela balbuciava aquelas palavras.
Impossível!
Pensou Gabriel. Aquela era a verdadeira Monique, a quem ele conheceu profundamente. Que
cuidou dele, mesmo quando ele a odiava. Aquela era a mulher que Guilherme defendera com unhas e
dentes. E fizera seu irmão ir até a Alemanha atrás da verdade que a libertaria. Pelo menos, era nisso
que ele acreditava.
Ricardo colocou a mão sobre o ombro do amigo e Gabriel virou-se para ele.
— Não posso aceitar isso, Ricardo. Alguém está tentando incriminá-la. Olhe para ela. Acredita
mesmo que ela possa ter feito todas essas atrocidades?
— Não se deixe enganar, Gabriel. Você não a conhece…
— Você está errado. Eu a conheço e sei que não foi ela.
— Sabe que não foi ela, ou não quer acreditar?
Gabriel voltou a olhá-la e por um instante ele acreditou ser enganado, assim como ele sempre
acusou Guilherme de ser. Sentiu-se tão idiota quanto disse que seu irmão era. Mas então, ela secou as
lágrimas e continuou sua oração.
— Se alguém lhe dissesse que achou o cabelo da Paula em uma cena de crime, você a
consideraria culpada?
— Claro que não, conheço bem minha Paula. Sei que ela não seria capaz de tal coisa. — a voz
de Ricardo soou protetora.
Gabriel não respondeu. Apenas fitou o amigo nos olhos, demonstrando para ele que o
pensamento de ambos eram iguais.
— Você mal a conhece, Gabriel.
— Eu a conheço há pouco tempo, isso não significa que a conheça mal. Esquece isso Ricardo.
— Não posso.
Gabriel apertou os olhos e encarou Ricardo, depois, sentiu o olhar de Monique sobre ele e,
quando ele a olhou, ela sorriu. Gabriel não conseguiu retribuir o sorriso, apesar de sentir seu coração
se aquecer.
Voltou seu olhar enfurecido para Ricardo e o puxou para fora da sala de espera da UTI.
— O que você quer dizer com “não posso”?
— Você alterou a cena de um crime e me envolveu nisso. Eu sei a verdade e sei que o cabelo é
dela. Não posso omitir isso. — Gabriel ia retrucar, mas Ricardo continuou. — Não posso e não
quero.
— Se você fizer isso, nunca mais ela sairá da prisão. — Ricardo não respondeu e baixou o olhar,
mas Gabriel sentia tanta raiva que continuou — Achei que você fosse meu amigo.
— E eu sou, Gabriel. Nunca duvide disso. — Ricardo soou magoado. — E por ser seu amigo
que eu devo fazer isso. Agir racionalmente quando você não consegue. Futuramente, irá me
agradecer.
Gabriel entendeu o que o amigo queria dizer. Ele sempre agiu justamente. Sempre buscou agir
dentro da lei e levá-la a todos os lugares. Era quase um justiceiro, prendendo os criminosos e
fazendo com que as punições fossem cabíveis a eles. E Ricardo conhecia esse lado de Gabriel. Sabia
da sua história e sabia da sua índole. Ele realmente acreditava que a Monique que ele acabou
conhecendo não era capaz de tal atrocidade, entretanto, aos olhos de qualquer outro policial, ela
realmente era a única culpada.
Ele não podia culpar o amigo por pensar assim.
— Sinto muito, Gabriel.
Ricardo virou-se para se afastar e Gabriel segurou em seu ombro.
— Me dê alguns dias. Eu vou conseguir provar que ela não tem nada com isso. Vou conversar
seriamente com ela e fechar as lacunas que ainda estão abertas. Não a entregue ainda Ricardo.
— Não me peça isso, Gabriel.
— Já pedi, Ricardo. — a voz de Gabriel soou dura e ele encarou o amigo, mostrando que não
voltaria atrás em seu pedido. — Então? Vai fazer isso por mim?
Ricardo soltou um suspiro contrariado.
— Você tem 48 horas.
— Só pode estar brincando comigo. 48 horas?! Nem eu conseguiria resolver esse caso em tão
curto tempo. Preciso de mais.
— Olha, Gabriel…
— Quatro dias, apenas quatro dias.
Ricardo encarou Gabriel e diante do semblante cansado do amigo, cedeu, mesmo que a
contragosto.
— Nem um minuto a mais nem um minuto a menos. — eles se encararam fazendo um acordo
silencioso — Quatro dias, Gabriel, e então eu entregarei a prova para a Homicídios. E saiba que eu
faço isso por você e apenas por você.
— Valeu amigo.
— Não me agradeça ainda.
Ricardo apertou a mão de Gabriel e se foi. A cabeça do investigador estava a mil. Ele tinha
apenas 96 horas para resolver aquele quebra cabeças. E claro que ele já estava acostumado com
prazos. O problema é que ele agora estava fora do caso e para piorar, não teria mais acesso ao
dossiê, apesar de já ter memorizado muita coisa.
Gabriel caminhou para a sala de espera novamente e ao passar pela porta vai e vem, viu
Monique sair da UTI. Ela tinha o olhar entristecido apesar do sorriso fraco que enfeitava seu rosto.
Diante do semblante sério do investigador, o sorriso dela desapareceu. Claro que aquele homem
ao lado dele, observando-a pelo vidro da antessala da UTI, não passou despercebido. Muito menos o
semblante preocupado de Gabriel.
A princípio, ela achou que era referente ao Guilherme, mas agora que ele a fitava, sabia que
aquela expressão séria no rosto do investigador tinha a ver com ela, e não com seu irmão.
— Está tudo bem? — perguntou ela, colocando a mão sobre o braço dele, afagando lentamente.
— Não está nada bem.
— O que houve?
— Precisamos conversar, mas não aqui. Vamos para meu apartamento.
— Mas e Guilherme?
— Não podemos ajudá-lo ficando aqui. Ele está em boas mãos e além do mais… — Gabriel a
fitou. Como dizer a ela que salvá-la agora era mais importante que ficar velando o corpo de seu
irmão em coma? — Tenho outras coisas urgentes para resolver.
— E o que seriam tais coisas?
— Já falei que aqui não. Vamos ao meu apartamento. — ele disse, sabendo que seu irmão
aprovaria.

Gabriel segurou a mão de Monique e a conduziu para fora do hospital. Foram no carro de
Guilherme, mas dessa vez, ele deixou Monique conduzir. Precisava pensar e não teria muita atenção
no trânsito.
Quando ela estacionou na vaga do condomínio de Gabriel, antes de se dirigirem ao elevador, ele
segurou sua mão e a fez encará-lo.
— O que você estaria disposta a fazer para se livrar da acusação da morte de Fabiana?
Monique arregalou seus olhos grandes e piscou várias vezes, como se precisasse ter certeza que
ouvira direito.
— Eu não a matei! — Monique puxou a mão que estava conectada à de Gabriel e começou a
caminhar em direção ao elevador.
— Espere! — Gabriel deu dois passos e a alcançou. — Você não me entendeu. Venha, vamos
subir e depois continuamos essa conversa. Preciso de uma dose de uísque também, antes de
prosseguirmos.
Ele entrelaçou seus dedos novamente aos dela e deu um beijo em sua testa enquanto as portas do
elevador se abriam.

Capítulo Trinta

Monique estava sentada no sofá marrom de Gabriel e ele de costas, enchendo seu copo com uma
dose dupla de uísque. Ela trançava os dedos uns nos outros e olhava nervosamente para o chão. Algo
estava acontecendo e apesar de terem ido até o apartamento de mãos dadas, ela sentia toda tensão
vindo de Gabriel.
Depois de encher o copo, ele ainda permaneceu de costas um tempo, olhando o líquido âmbar,
sem mover nenhum músculo, apenas sua respiração era perceptível.
Quando ele se virou para Monique, seus olhos estavam sérios como seu semblante. Não havia
tristeza ou qualquer outra emoção. Apenas um infinito azul e frio.
— Preciso lhe perguntar novamente, mas não quero que você se ofenda — Monique levantou as
sobrancelhas e ele continuou. — O que você faria para se livrar da acusação de morte de Fabiana
Veiga?
— Eu já lhe disse que...
— Não a matou. — ele suspirou e tomou um grande gole da sua bebida. — Você já disse e eu já
ouvi, o que não a torna menos suspeita, acusada, ou seja lá que nome você queria usar.
— Então, me deixe perguntar uma coisa, investigador — ao pronunciar aquela palavra, Gabriel
pôde perceber toda hostilidade de Monique. — Você ainda acha que eu a matei?
Aquela pergunta pegou Gabriel de surpresa. Há poucas semanas atrás, ele não hesitaria em
responder que sim, achava que ela havia matado sua amiga a sangue frio e que merecia apodrecer na
cadeia. Mas, àquela altura, ele já a conhecia bem, sabia que tipo de pessoa ela era, e que era muito
improvável que pudesse planejar e executar um crime daquela desumanidade, tão friamente.
Poderia?
Gabriel se aproximou e sentou-se ao lado dela, depois, segurou sua mão, mas sua expressão
ainda estava séria.
— Naquela manhã, depois que você me ajudou, quando eu recebi um telefonema avisando da
morte de uma possível testemunha sobre a morte do porteiro, lembra o que você me disse?
— Que poderia ter sido eu, uma vez que você estava dormindo e não teria como saber se eu
passei a noite toda aqui — a voz de Monique soou nervosa. — Mas eu estava apenas te provocando.
Eu passei a noite toda aqui, velando você. Tem que acreditar em mim.
— Acredito em você. — ele tomou outro gole de uísque e então continuou. — O problema é que
havia uma prova irrevogável no local do crime.
— Prova de quê? — diante do olhar de Gabriel, Monique puxou a mão e arregalou os olhos. —
De que fui eu? Oh, céus! Não fui eu, não matei ninguém.
— Havia uma mecha de cabelo na mão do rapaz. E depois de um teste laboratorial, foi
confirmado que é compatível com a amostra encontrada com o corpo de Fabiana.
Monique começou a chorar e suas mãos tremiam quando ela as colocou diante do rosto.
— Não fui eu, Gabriel. — ela tirou as mãos do rosto e segurou a mão livre de Gabriel. — Tem
que acreditar em mim, olhe nos meus olhos. Eu não fiz isso… Não fiz, por favor, eu não posso voltar
para a cadeia novamente. Se eu tiver que voltar para aquele lugar, prefiro morrer...
— Shhh, se acalme. — Gabriel depositou o copo de uísque na mesinha de centro e a puxou
contra seu peito, abraçando-a apertado. — Você não vai morrer e eu não permitirei que você volte
para a prisão.
— Então você acredita em mim?! — Monique o encarou.
A surpresa estampada em seu rosto contrastava com o alívio enorme em seu peito. Não
importava que mais ninguém acreditasse nela. Se Gabriel acreditava, para ela já estava bom. Aliás,
perfeito!
— Mais que isso, Monique. Eu removi a mecha de cabelo antes que o pessoal da perícia
chegasse para examinar o local. Algo me dizia que aquele cabelo seria seu.
— Obrigada, Gabriel, eu te amo tanto, não suportaria passar meus dias longe de você. — As
palavras saíram de sua boca, antes que ela pudesse segurá-las.
Ambos ficaram rígidos diante daquela declaração. Lentamente, Monique começou a se afastar
quando percebeu que ele estava ainda mais tenso.
— Não se preocupe. Não tenho quinze anos. Sei que não me ama e não precisa… Mas... Eu não
vou retirar o que disse. Eu te amo e não me importa se ninguém mais acredite em mim, se você
acredita, eu já fico feliz.
Gabriel a encarou. Ela repetiu! Monique o amava e ele podia sentir as palavras presas em sua
garganta, para confirmar o que ele já sabia e deixar claro para ela que, o sentimento era recíproco.
Contudo, na garganta, as palavras estavam e ali permaneceram. Tudo que ele conseguiu fazer, foi
puxá-la para um beijo apaixonado, entrelaçando os dedos em seu cabelo, enquanto ela retribuía
avidamente.
Sua masculinidade respondeu instantaneamente, crescendo sob o jeans, porém ele não podia
continuar. Precisavam levar aquela conversa adiante. Ricardo só lhe dera algumas horas e quanto
mais tempo eles demorassem, mais o tic tac do relógio fazia parecer impossível que ele conseguisse
salvá-la.
Relutantemente, Gabriel se afastou de Monique, ainda com as mãos presas aos seus negros
cabelos, e a encarou. A expressão no rosto dele estava mais suave, mas seu olhar continuava duro.
Ela olhou para seu quadril e sorriu lascivamente quando percebeu, mesmo com o jeans, que ele
havia ficado excitado.
— Eu queria te jogar na minha cama e te levar à loucura de muitas formas diferentes, mas
precisamos terminar essa conversa.
— Tudo bem.
— Meu amigo, aquele que estava no hospital hoje, foi quem examinou o cabelo para mim. Não
há como estar errado, então eu só posso presumir que alguém colocou seu cabelo lá.
— Quem?
— Isso é o que temos que descobrir, pois, definitivamente, alguém quer te ver atrás das grades.
O que não sabemos é quem e o porquê.
— Não sei de ninguém que me queira tão mal assim. Além do mais, o que a pessoa ganharia com
isso?
— Para descobrirmos isso, você terá que ser muito sincera comigo, Monique. Me contar tudo,
todos os detalhes desde que você veio para Curitiba e até antes. Também tudo que aconteceu nos dias
anteriores à morte de Fabiana, como era seu relacionamento com ela, quem convivia com vocês.
Tudo, nenhum detalhe pode passar em branco. Preciso saber de tudo da sua vida e você tem que ser o
mais verdadeira possível.
Monique se afastou do abraço dele e suspirou. Depois recostou no sofá, abraçando as próprias
pernas.
— Fabiana e eu nos conhecemos quando tínhamos onze anos. Ela sempre foi loirinha, filha de
pais ricos que todo mundo adorava bajular e eu a menina pobre de pés descalços que não tinha
amigos. Eu sempre observava ela passar na frente da loja dos meus pais e apesar de ela parecer
legal, nunca soube como me aproximar e também, não queria que pensassem que eu estava fazendo
isso pela condição financeira dela — Monique suspirou. — Um dia teve uma festa na praça da
cidade e minha mãe montou uma barraquinha de churros para tentar arrecadar algum dinheiro para
ajudar meu pai.
Monique fitava o chão enquanto descrevia aquelas lembranças.

A menina morena de cabelos negros até a cintura estava na barraquinha com sua mãe quando
viu Fabiana passar. A menina sorriu para ela, como sempre, mas Monique não retribuiu. Elas não
eram amigas, jamais poderiam ser, afinal, Monique não tinha amigos e, definitivamente Fabiana
não era o tipo de menina que seria amiga de alguém como ela.
Depois que Fabiana comprou um refrigerante na barraca ao lado, ela se dirigiu para a parte
da praça onde estavam os brinquedos do parque. Assim que Monique voltou sua atenção para o
que sua mãe fazia, umas meninas que moravam na mesma rua passaram pela barraca e ela ouviu
quando uma delas disse: “Aquela loirinha metida vai aprender a não olhar para nós como se a gente
fosse suja”.
Monique franziu a testa e sabia que elas falavam de Fabiana. Mas a questão era que ela não
acreditava que aquela menina que sorria para ela tão docemente, poderia olhar com desdém para
outra pessoa.
Ela sentiu que naquele momento, se não fizesse alguma coisa, Fabiana poderia ter problemas.
Então ela saiu correndo atrás da menina, tentando chegar até ela antes das outras.
Por sorte, Monique alcançou Fabiana antes.
— Vem comigo, você precisa vir comigo.
— Ei, calma — Fabiana sorriu — está brincando de que?
— Não estou brincando. Venha, preciso te mostrar uma coisa.
Fabiana olhou desconfiada, porém resolveu seguir Monique, que a levou para trás do
maquinário da roda gigante. O local estava deserto e um pouco escuro.
— Se você queria companhia para ir à roda gigante, era só pedir.
— Shhh, fique quieta.
— Ei, não me mande calar... — Fabiana começou a se levantar, contudo Monique a puxou
novamente, escondendo-a nas sombras do maquinário.
Ela já ia retrucar, quando os grandes olhos de Monique se arregalaram e Fabiana virou para
a direção que ela olhava.
Três meninas, duas do tamanho delas e uma mais alta, vinham olhando para todos os lados,
procurando alguma coisa. A mais alta tinha um pedaço de cabo de vassoura na mão e as outras
duas, pedras grandes, cada uma.
Fabiana olhou incrédula para Monique que fez sinal com a mão para que ela permanecesse
em silêncio. Ela assentiu e continuou agachada ao lado da menina morena.
— Vamos procurar em outro lugar, aquela loira aguada não está por aqui.
Quando as meninas se afastaram, Fabiana tinha os olhos tão arregalados quanto os de
Monique.
— Elas estavam procurando por mim?
Monique apenas confirmou com a cabeça.
— E elas iam me machucar? — ela perguntou ainda mais assustada.
— Não sei se elas iam te machucar ou só te assustar. Ouvi quando elas passaram em frente à
barraquinha da minha mãe e falaram que iam procurar você.
— Então você salvou minha vida? — Fabiana conseguiu dar um sorriso, mesmo que ainda
estivesse apavorada.
— Não foi nada e…
Antes que Monique pudesse continuar, Fabiana a abraçou apertado e depois sorriu para ela,
com aqueles olhos azuis e brilhantes.

— Desde então, nos tornamos as melhores amigas. Quando as meninas viram que Fabiana estava
andando comigo, esqueceram aquela ideia que ela as olhava com nojo.
Gabriel ficou em silêncio e então Monique continuou.
— Quando ela tinha dezessete anos, seus pais faleceram e, tanto ela quanto sua herança, ficaram
sobre a tutela de um tio, irmão de seu pai, mas o cara era um idiota beberrão e começou a torrar a
grana com mulher e bebida. Fabiana entrou na justiça com um pedido de emancipação — Monique
sorriu se lembrando da amiga. — Nós éramos inseparáveis até então e Fabiana sempre foi uma
pessoa muito simples. Quando ela veio para Curitiba, me chamou para vir junto, entretanto, meus
pais não permitiram e também, eu tinha medo.
— Medo?
— Sim, medo da cidade grande, do que podia me acontecer. — as palavras dela soaram amargas
diante da constatação que talvez, nunca devia ter saído da pequena cidade onde morava.
Gabriel se levantou e serviu-se de mais uma dose dupla de uísque e ofereceu a Monique, mas ela
negou e continuou.
— No meu aniversário de vinte e um anos, Fabiana apareceu na minha casa. Desde que ela se
mudou, a gente mantinha contato por telefone, carta, e-mail, bate papo. — Monique sorriu. — Só
faltava mandarmos sinais de fumaça uma para outra, para não deixarmos de nos falar. Enfim, quando
ela apareceu na minha porta no dia do meu aniversário, eu nem acreditei. Foi uma surpresa
maravilhosa. Passamos um dia perfeito e, apesar de nós sempre estarmos em contato, tínhamos muita
conversa para pôr em dia. Ela dormiu na minha casa e quase parecia que tínhamos novamente quinze
anos. Contudo, na manhã seguinte ela teve que partir…

— Eu tenho que voltar, tenho reunião na segunda-feira com alguns investidores. Juro que se eu
pudesse, ficava mais.
— Entendo.
— Vamos comigo. — Fabiana disse e os olhos dela brilhavam conforme a ideia surgia em sua
mente. — Eu acabei de comprar um apartamento enorme. Você pode morar comigo. Faremos
faculdade juntas, moraremos juntas. Seria como nos velhos tempos, mas só que agora somos
adultas. — ela sorriu. — Temos que ter juízo e responsabilidade — Fabiana repetiu a frase do pai
de Monique.
— Não posso, além do mais, meus pais nunca permitiriam.
— Ei moça de 21 anos, você atingiu a maioridade, sabia? Eles não podem mais decidir as
coisas por você, além do mais, se você vier para a cidade grande comigo, pode fazer uma
faculdade, se formar, dar uma vida melhor para seus pais. É sério! Se você continuar nesse fim de
mundo, nunca poderá ajudá-los.

— E foi assim que ela me convenceu a vir com ela. Meus pais, é claro, não ficaram satisfeitos,
mas entenderam que era o melhor para mim. Pelo menos era o que achávamos. Agora acho que eu
nunca devia ter saído de lá.
— Pois eu discordo. — Gabriel a beijou castamente. — Se você não tivesse vindo, não teríamos
nos conhecido.
— As circunstancias nas quais nos conhecemos não é coisa para ser agraciada. Se o nosso
destino fosse nos conhecermos, isso aconteceria de qualquer forma.
— Não acredito em destino.
— Eu também não acreditava, até ele me pregar uma peça.
Capítulo Trinta e Um

O cenário daquela longa conversa mudou e agora os dois se encontravam na cozinha. Gabriel
sugeriu que comessem algo, depois de ouvir claramente o estômago de Monique roncar, enquanto
mais lágrimas rolavam por sua face ao se lembrar de Fabiana.
O dia havia sido longo, cansativo e estressante. Gabriel e ela mal tiveram tempo de comer um
lanche no hospital e, enquanto conversavam, não perceberam o tempo passar até que viram o dia
começar a raiar. Ele estava na pia preparando um sanduíche enquanto ela estava sentada atrás dele,
na bancada, com um copo de água na mão, fitando o líquido enquanto continuava a falar.
— Eu fiquei tão maravilhada quando cheguei aqui… Era tudo tão diferente, coisas que até então
eu só tinha visto na televisão. Quando chegamos, ela me levou direto para o apartamento novo dela.
E depois de me mostrar onde ficava tudo, ela tomou um banho e saiu. Após ela sair, fui até a sacada e
fiquei observando o movimento das pessoas. E foi naquele momento em que eu achei que tinha feito a
escolha certa.
Monique tomou um gole de água e fitou aquele homem enorme, de costas para ela, apenas a
escutando, querendo saber da sua história. E agora era a hora de contar. Não podia mais esperar por
Marcelo, pela ajuda prometida que nunca veio. Se ela tinha alguma esperança de não passar muitos
anos na cadeia, tinha que apostar em outro salvador e seu coração dizia que esse herói era Gabriel.
Um sentimento de traição invadiu seu peito. Quando ela terminasse de falar, teria traído Marcelo
e tudo o que eles combinaram, tudo que ele foi para ela desde sempre, mesmo depois de todo
desentendimento deles… Mas a liberdade dela falava mais alto, não falava?
— Naquele dia, quando Fabiana voltou da sua reunião com os investidores, ela me levou para
conhecer o Jardim Botânico. Depois, ela me levou na universidade para que eu pudesse me inscrever
para o vestibular de gastronomia. Ela estava terminando sua faculdade de direito. — Gabriel se
virou para ela e sorriu.
— Agora eu descobri porque você cozinha tão bem. Lembre-me de nunca cozinhar para você.
— Não seja bobo. — o sorriso dela foi tão genuíno que aqueceu o coração de Gabriel.
— Não estou sendo, mas eu sou bom em muitas coisas, exceto cozinhar. — ele virou-se para ela
e sorriu — Mas meu sanduíche é comível.
Ela sorriu.
— Me dê uns minutos que já volto.
— Tudo bem.
Monique caminhou até o banheiro e fitou seu reflexo no espelho. Há dias que ela não falava com
Marcelo, ele nunca mais a procurou. O celular que eles se comunicavam continuava jogado na gaveta
de seu quarto, ainda sem bateria. Monique ficou dividida em continuar aquela conversa ou ir até seu
apartamento e tentar mais uma vez falar com ele. Mas do que serviria essa conversa? E pior, ele a
atenderia? Afinal, há quanto tempo ele vinha prometendo ajuda, amparo, e nunca tinha dado de
verdade?
Se não fosse por Guilherme, ela estaria ainda apodrecendo naquela cela da delegacia até que o
dia do seu julgamento chegasse.
Afastando tais pensamentos e tentando se livrar da culpa, ela voltou para a cozinha.
Gabriel estava colocando os pratos sobre a bancada quando ela se sentou em um dos bancos e
sorriu para ele tristemente.
— Sinto te fazer falar sobre isso, mas é necessário. É a única chance que temos.
— Sei disso e você não faz ideia do quanto eu fico feliz por isso.
Monique suspirou e continuou a contar a história de onde tinha parado.
— Naquela noite ela me levou ao Bar Curityba e foi quando eu conheci Marcelo. Era o segundo
encontro deles. Quando ele entrou, todas as mulheres o olharam. Alto, olhos cinzas, cabelo preto,
sorriso largo. Até eu fiquei boquiaberta, porém, quando ele olhou para Fabiana, ficou claro que
nenhuma mulher naquele bar teria chances. A paixão e o carinho no seu olhar eram perceptíveis. E
claro que os olhos dela também se iluminaram — Monique sorriu ao se lembrar da cena e Gabriel
fez uma careta, sabendo exatamente que tipo de homem Marcelo era. — Junto com ele, veio seu
sócio, Júlio. Ele era apenas um pouco mais velho que Marcelo, tinha os cabelos loiros, olhos mel.
Era bem bonito.
O maxilar de Gabriel se retesou. Ele sabia o que viria a seguir e não gostou de ter que ouvir
aquilo. A possessividade nele gritava, mas ele respirou fundo e tentou não transparecer.
Tarde demais. Monique percebeu sua tensão.
— Não fiquei com ele.
— Não ficou com quem? — Gabriel perguntou, tentando disfarçar.
Finalmente ele sentou-se ao lado dela e não a encarou, enquanto servia os sucos.
— Júlio. — Monique colocou a mão por cima da de Gabriel e sorriu. — Não sou esse tipo de
garota que fica com qualquer um. Ele é um cara legal, inteligente, porém ficamos apenas
conversando.
— Tudo bem. — Gabriel respondeu tentando fazer uma cara indiferente, contudo Monique
percebeu seus músculos relaxarem.
Enquanto eles comiam, ela falou pouco e contou como foi passar no vestibular, com a ajuda da
amiga, claro, que a ajudou a estudar muito. Fabiana queria comemorar tudo. Depois, falou do dia-a-
dia delas e como elas estavam cada vez mais unidas e sempre uma cuidando da outra. Como se
fossem irmãs.
Ao ouvir aquilo, Gabriel ficou tenso novamente. Lembrou-se de Guilherme no hospital.
Lembrou-se de como eles sempre cuidaram um do outro… Bom, pelo menos até Laura... E agora ele
não podia fazer nada. Sentia-se totalmente impotente por não poder ajudar o irmão de alguma forma.
Uma tristeza quase palpável tomou o ambiente e Monique novamente segurou a mão de Gabriel,
apertando delicadamente, enquanto dava a ele um sorriso tranquilizador, apesar de não se sentir nem
um pouco tranquila.
— Seis meses depois de ingressar na faculdade, Fabiana já estava praticamente se formando,
faltavam apenas seis meses e ela tinha que assistir uma palestra de um renomado advogado, pediu
para que eu fosse com ela, pois depois da palestra, nós iríamos ao cinema. Foi naquele dia que eu
conheci Guilherme…

O auditório estava lotado e por mais que existissem muitos homens no curso de direito, a
maioria das pessoas ali era composta por mulheres. Monique franziu o cenho quando percebeu
isso.
Ela já estava indo em direção a uma das fileiras de trás para sentar-se, quando Fabiana
segurou sua mão e a puxou em direção à fileira da frente.
— Temos que sentar lá na frente. Rápido, antes que não tenha mais lugar.
— E por que não teria mais lugar? Está cheio de cadeiras vagas.
Fabiana deu um sorrisinho malicioso.
— Você logo verá.
E Monique realmente viu. Em poucos minutos, o lugar estava lotado. Na fileira anterior, uma
menina que tinha colocado a bolsa no assento enquanto ia ao banheiro, discutia com a outra que
retirou os pertences dela do lugar e sentou-se na maior cara dura.
— Porque esse alvoroço todo? É apenas uma palestra, certo?
— Sim querida amiga, mas a questão não é a palestra e sim o palestrante.
Assim que Fabiana acabou de dizer, um homem alto de cabelos negros e barba cerrada entrou
no lugar. Ele vestia um terno preto, gravata vinho e camisa branca. Quando ele parou no centro do
palco, Monique ouviu muitos suspiros e olhou novamente o homem.
Quando ele começou a falar, sua voz parecia ecoar no auditório e os olhos dele, tão azuis e
brilhantes que pareciam duas pedras preciosas.
— Senhoras e senhores, meu nome é Guilherme Goulart e eu sou advogado há oito anos,
durante todo esse tempo eu atuei tanto na área civil, quanto criminal, mas foi nessa última que eu
mais me identifiquei. O que eu posso assegurar aos senhores é que, independente de que área
esteja, você tem que dar o seu melhor para defender aquilo que você acredita, no caso, seu
cliente...
Enquanto Guilherme falava, Fabiana tomava anotações rapidamente. Claro que a amiga
achava o homem lindo, no entanto, tinha Marcelo, que também era lindo e apaixonado por ela.
Quando Guilherme parou para beber um gole de água, seus olhos vagaram pelo auditório e
foram capturados por olhos grandes e negros, na segunda fileira.
A morena que o encarava era linda e tinha uma beleza tão simples, tão pura, que Guilherme
não conseguiu desviar os olhos.
Ao se dar conta de que todos os olhares do auditório estavam dirigidos a ele e à direção que
seus olhos azuis acompanhavam, Guilherme pigarreou e voltou a falar, desviando os olhos de
Monique.
A palestra durou mais ou menos uma hora e meia e quando terminou, Guilherme sentou-se em
uma mesa e esperou que os alunos fossem até ele com suas dúvidas. Muitas alunas do curso de
direito tinham perguntas para fazer, outras estavam ali apenas para ficar perto do advogado.
Fabiana acabava de fazer suas anotações enquanto Monique observava a aglomeração em
volta da mesa do advogado, também não pôde deixar de perceber que em alguns momentos, ele
erguia o pescoço e olhava na direção dela. Sem graça, ela desviava o olhar, entretanto, não se
demorava a voltar sua atenção para aquele ponto novamente.
— Pronto, terminei. — Fabiana disse, fazendo Monique olhar na direção dela. — Agora só
preciso esperar essa aglomeração acabar para ir até lá e tirar minhas dúvidas.
— Você vai até lá para falar com ele?
— Claro, essa é a intenção da palestra. — Fabiana franziu o cenho, sem entender porque o
espanto de Monique, quando percebeu que Guilherme se esgueirava novamente para olhá-la. —
Ah entendi. Ele é lindo, não é mesmo?
— Ah, sim. Mal notei.
— Pode parando com isso, Monique. Claro que você notou. Não há como não notar aquele
pedaço de mau caminho — Fabiana se abanou com uma folha do fichário. — Ou bom, nesse caso,
já que ele tem uma excelente reputação.
Monique não respondeu, baixou os olhos e procurou manter sua atenção longe do advogado.
Mas, quando a aglomeração em volta da mesa diminuiu consideravelmente, Fabiana se levantou e
pegou na mão da amiga, puxando-a na direção da mesa.
— Não, vou te esperar aqui.
— Ah, mas não vai mesmo. Venha. Não seja ridícula. — Fabiana a puxou mais forte, fazendo
Monique acompanhá-la.
Monique envolveu o próprio corpo com os braços e parou um pouco distante da mesa
enquanto Fabiana falava com o advogado, tirando dúvidas, conversando quase que
profissionalmente. Se não soubesse, acharia que sua amiga era sim, uma advogada e não uma
estudante de direito.
— E você, não tem nenhuma dúvida? — Monique não percebera que a conversa entre eles
cessara e que o advogado tinha voltado sua atenção para ela.
— Ah... Eu... Eu não sou estudante de direito.
— Ela é estudante de gastronomia. Está aqui apenas me acompanhando. — Fabiana
respondeu rapidamente.
— Ah, entendo — Guilherme sorriu e Monique quase derreteu diante do encantador sorriso
que ele exibia.
— O nome dela é Monique. — Fabiana disse, percebendo os olhares que eles trocavam.
— Prazer em conhecê-la Monique — Quando Guilherme se levantou e aproximou-se, ela
conseguiu perceber o quão alto ele era e assim de perto, sua beleza era mais inebriante ainda.
Quando suas mãos se tocaram, ela sentiu uma firmeza doce por parte dele e que tudo que ela
pôde fazer, foi sorrir timidamente.

— Depois disso, Fabiana foi estagiar no escritório de Guilherme e claro, ela deu um jeito de
armar vários encontros até que…
— Até que vocês começaram a namorar. — Gabriel completou a frase, consciente que ela e seu
irmão tinham tido um relacionamento duradouro e não fazendo questão de esconder seu desconforto
por isso.
— Ficamos juntos seis meses, apesar de eu gostar muito de Guilherme, chegou uma época que eu
preferia ficar enfiada nos livros a sair com ele e apesar dele ser sempre compreensivo e me dar
apoio, dizendo que eu realmente tinha que estudar, eu sentia a tristeza no olhar dele. Então eu decidi
que era hora de dar um fim naquela relação que eu sabia não ter futuro.
Gabriel se levantou e começou a retirar os pratos e copos que usaram enquanto comiam o
sanduíche. E, quando ele se aproximou da pia, Monique encostou a mão no ombro dele.
— Deixe que eu lavo. Você preparou, eu me encarrego da louça.
Gabriel pegou a mão dela e levou aos lábios, beijando docemente.
— Prefiro que você continue falando.
Monique voltou a se sentar e continuou.
— Não há muito mais o que falar. Depois que eu terminei com Guilherme, ele ainda pediu para
retomarmos umas duas vezes, mas eu não podia fazer isso com ele. Ficar com ele só porque ele
queria. Então, na nossa última conversa, eu fui definitiva e pedi que ele não me odiasse. Claro que
ele garantiu que não odiava e que seríamos sempre amigos.
— Isso é bem a cara do Guilherme.
— Depois disso, voltamos a ser só Fabiana, Marcelo e eu. Ah e claro, tinha a Rita, que muito de
vez em quando saía com a gente. Contudo, eu não posso dizer que éramos amigas.
— Como era a relação de Marcelo e Fabiana? Sei que você já disse que eles eram apaixonados
e tudo o mais, mas no dia-a-dia...
— Normal, como todo casal, eles tinham seus momentos ruins. Inclusive, três dias antes da morte
dela, eles haviam brigado feio. Lembro que Fabiana entrou em casa chorando muito, os olhos
inchados...

— Desgraçado, filho da mãe! — Fabiana disse, entrando em seu apartamento e batendo a


porta.
— O que houve? Você está bem? — Quando Monique fitou o rosto da amiga, ficou preocupada
e correu ao encontro dela. — Meu Deus, Fabiana o que aconteceu com você?
— Aquele imbecil do Marcelo. Ele... Ele... Olha, vou te contar viu, homem é tudo igual.
— O que ele aprontou?
— Ele teve acesso a alguns documentos meus, documentos pessoais, e quis se meter. Coisa que
ele não deveria ter acesso e agora acha que, porque vamos nos casar, ele tem direito de
influenciar nas minhas decisões. Agora me diz Monique, você que me conhece a vida inteira. Acha
mesmo que eu, que aprendi desde nova a me virar, porque meus pais morreram, eu que nunca
dependi de ninguém, vou mudar minhas vontades por causa do Marcelo?
— Sei que você nunca faria isso.
— Pois é, e aí quando eu disse que não mudaria nada, ele simplesmente enlouqueceu. Falou
que eu estava ficando maluca e que com doida ele não casava. Que ou eu repensava minhas
decisões ou estava tudo acabado. Claro que eu o mandei para o quinto dos infernos e vim embora.
— E que decisão é essa que deixou ele tão furioso? Tem a ver com o casamento de vocês?
— Não, não tem nada a ver com ele. Só tem a ver comigo e não fique chateada, mas eu prefiro
não entrar em detalhes sobre essa questão. Sobre esses documentos e…
— Pode parando, Fabiana. Claro que eu não vou ficar chateada. Nós moramos na mesma casa
e é só isso. A sua vida pertence a você e eu respeito se acha que não deve me contar algo.
— Obrigada, Monique. Você é realmente uma irmã.
As duas se abraçaram e Fabiana voltou a chorar fortemente.
Capítulo Trinta e Dois

Gabriel tinha o cenho franzido e seus olhos ficaram escuros. Aquilo era algo que ele não sabia,
afinal, a Fabiana estava morta e Monique não tinha cooperado muito quando fora interrogada.
— Você contou isso para o Guilherme?
— Não. Achei irrelevante. Eles brigavam às vezes, logo depois, faziam as pazes e era sempre
assim. Não levei aquela briga a sério, eu sabia que mais cedo ou mais tarde, eles fariam as pazes.
Além do mais, não se tratava de mim e sim dela e dele. Se alguém tinha que contar sobre a briga, era
o próprio Marcelo.
— Agora eu preciso que você me diga em detalhes tudo que aconteceu nos dias seguintes, até a
hora que você ligou para a polícia.
Monique suspirou visivelmente compelida a repetir aquela velha frase “Já disse tudo e não tenho
mais nada a acrescentar”, mas aquilo não era a verdade. A verdade é que ela tinha muito mais coisas
a dizer, mas ainda não estava certa se devia.
— Eu... Preciso ir em casa e...
— Monique, você ainda não entendeu? Seu futuro depende disso.
— Eu entendi, Gabriel. Só... Só me dá alguns minutos, está bem?
— Tudo bem.

Monique foi até o seu apartamento e, dirigindo-se até seu quarto, pegou o celular e o montou.
Queria falar com Marcelo, dizer para ele o que estava prestes a fazer. Afinal, era realmente da conta
dele que ela estava prestes a falar tudo. Não era?
Quando o celular acabou de ligar, no mesmo instante chegaram mensagens de texto.

Preciso falar com você urgente. Me liga.

Sua vaca ingrata, me liga logo.

Monique não acreditou na segunda mensagem. Como ele podia falar com ela daquela maneira?
Uma fúria cresceu dentro de si naquele instante. Ela, preocupada com ele, com o fato de
envolvê-lo naquela situação e Marcelo a xingando gratuitamente. Ainda mais quando ele nunca fez
nada do que prometeu e agora que ela via alguma chance de se livrar da prisão, ainda pensava nele
primeiro.
Quantas vezes ela tentou falar com ele? Quantas vezes o procurou e, ele a evitou ou deu
desculpas esfarrapadas. Até quando ela foi presa, Marcelo nada fez por ela e se não fosse
Guilherme, ainda estaria lá.
Sentindo-se determinada a fazer a coisa certa, Monique pisou no celular até que esse estivesse
esmagado, e jogou-o novamente na gaveta.
Ela se apressou em voltar para o apartamento de Gabriel e quando entrou, o encontrou na sala,
próximo à janela, olhando fixamente para o lado de fora, com um novo copo de uísque na mão.
— Estava te esperando. — ele disse virando-se para ela e sorrindo assim que apareceu na sala,
seus olhos escureceram de desejo, e apesar do impulso em tomá-la agora mesmo, Gabriel sabia que
tinham que terminar aquela conversa.
— Sabe, todas as vezes que eu ia dar depoimento, ou quando Guilherme me interrogou sobre o
dia do assassinato, eu sempre fiquei reticente sobre o que acarretaria eu contar inteiramente a
verdade. Sempre achei que pudesse piorar minha situação que já não era boa. Mas agora que é com
você… Neste momento em que estamos vivendo... Eu... — Monique se aproximou de Gabriel e o
abraçou. — Eu me sinto totalmente confortável em falar e sei que em você eu posso confiar.
— Sim, Monique, você pode. — ele acariciou seu rosto com o polegar. — Eu não deixaria que
nada de mal lhe acontecesse. E quero que você acredite que tudo que eu fizer daqui para frente, vai
ser em busca da justiça.
— Naquela manhã, eu acordei e havia muito barulho na cozinha. Achei estranho, mas fui até lá…

Monique entrou na cozinha e viu Fabiana abaixada, pegando algo que caiu no chão.
— Está tudo bem? O que você está fazendo aí em baixo?
— Ah, você acordou. Estava mesmo querendo falar com você. — os olhos de Fabiana estavam
vermelhos, mas ela não chorava.
Monique não conseguiu ver o que se passava em seus olhos. Parecia um misto de tristeza,
raiva e decepção. Fabiana tinha o celular na mão e estava tremendo.
— Fale.
— Por que você terminou com o Guilherme?
— Por que você quer voltar nesse assunto agora? Depois de tanto tempo.
— Não desconverse, Monique. Apenas me responda.
— Porque eu não o amava. Eu já tinha te dito isso. Não ia ficar com ele se tudo que eu
conseguia ver nele era um bom amigo.
— E quem você ama?
— Eu não amo ninguém. Do que você está falando?
Fabiana foi até ela e segurou seus braços com força, cravando as unhas em seu braço e seus
olhos encheram de lágrimas.
— Não minta para mim. Diga que você não mentiria para mim.
— Do que você está falando, Fabiana? Claro que eu não mentiria para você! — Monique
franziu o cenho. — E me solte, você está me machucando.
Monique a empurrou e os dedos de Fabiana escorregaram do seu braço, arranhando sua pele.
— Merda, você me arranhou! O que aconteceu com você?
— Eu sei de tudo. Você não podia fazer isso comigo, eu te trouxe para morar comigo, é como
uma irmã para mim. Como você pôde fazer isso comigo, Monique?
— Quer saber? Isso é conversa de doido. Você vai me dizer o que foi que eu fiz para te deixar
assim?
— Não finja que não sabe.
— Não sei, e gostaria de saber para ter, pelo menos, como me defender, ou me desculpar, se é
que eu realmente fiz algo, ou se você está louca.
— Não me chame de louca, não você também.
— Vou para o trabalho e quando eu voltar, a gente continua essa conversa. Você não está
racional.
— Você está fugindo. — Fabiana gritou.
— Não estou, mas não vou ficar aqui brigando com você. Quando você estiver mais calma,
conversamos.

— Eu fui para meu quarto, troquei de roupa e depois quando eu saí, Fabiana ainda estava na
cozinha e eu podia ouvir o choro dela. Quis ir até lá abraçá-la, dizer que tudo ficaria bem, mas fiquei
com medo de que, quando ela me visse, começássemos a brigar novamente.
— Por que você não disse isso em seu depoimento?
— Sinceramente? Você não era a pessoa mais agradável do mundo enquanto me interrogava e o
que esperava que eu dissesse? “Olha minha amiga e eu, essa que eu estou sendo acusada de ter
matado, tivemos uma briga horrível naquela manhã.” Acho que aí mesmo que você não acreditaria
em mim.
— Realmente eu não sou do tipo “agradável” e você tem que concordar que na minha profissão
eu nem deveria ser, mas nesses casos, sempre é imprescindível falar a verdade. Isso explicaria
porque tinha pele sua debaixo das unhas dela.
— Como eu disse antes, tudo que eu não contei, foi por medo de que pudesse piorar minha
situação.
— Venha. — Gabriel a puxou pela mão e sentou-se no sofá, colocando-a no colo dele e puxando
Monique contra si. Depois ele a beijou castamente e quando ela abriu a boca, e penetrou com a
língua os lábios de Gabriel, ele soltou um gemido. — Não faça isso, senão essa conversa não acaba
hoje.
— Não podemos nem fazer uma pequena pausa?
Ele sorriu, mas a beijou castamente, antes de tirá-la do seu colo. Monique era sua perdição, estar
dentro dela estava se tornando um vício, mas naquele momento, precisava conhecer toda história
para tentar salvá-la ou a perderia para sempre. E isso sim, seria sua ruína.
— Vamos ter muito tempo para isso, agora eu realmente tenho que saber o que aconteceu depois.
— Tudo bem. — ela suspirou e o beijou novamente, antes de voltar a falar.
— Com tudo o que você me contou, muitas coisas começam a fazer sentido, no entanto, preciso
de todos os detalhes para descobrir o que aconteceu e como você acabou sendo a principal suspeita
desse crime.
Monique assentiu e continuou.
— Eu saí de casa decidida a ir até o trabalho, e fui, mas meu coração estava apertado. Eu não
tinha feito nada que pudesse magoar Fabiana daquela forma, então em vez de entrar no prédio eu dei
meia volta e comecei a caminhar para o ponto de ônibus, eu tinha que voltar para casa, tentar
resolver com ela qualquer que fosse aquele mal-entendido. Só que quando eu coloquei os pés no
ponto, meu celular tocou.
No mesmo instante, o celular de Gabriel tocou.
— Investigador Goulart… Sim, entendo... — Gabriel sorriu — Claro, estou indo agora mesmo.
Gabriel se levantou bruscamente, pegando o capacete, as chaves da moto e uma camisa que
estava jogada nas costas do sofá.
— O que houve?
— Guilherme acordou e me chamou. Pegue o carro e me encontre lá, mas não posso esperar.
Preciso ir logo e a essa hora, de moto, chegarei mais rápido.
— Não se preocupe com isso, eu te encontrarei lá. Vá logo.
Gabriel sorriu largamente e saiu pela porta.
Ele odiava ter que interromper aquela conversa, principalmente porque precisava saber o que
tinha realmente acontecido, mas seu irmão ter acordado e chamá-lo, além de encher seu peito de
alegria, também ajudaria na sua missão.
Salvar Monique da cadeia.
Capítulo Trinta e Três

Monique observou a porta fechada e sorriu. A felicidade de Gabriel estava estampada em seu
rosto. O carinho dele para com o irmão estava ficando cada vez mais óbvio. E se isso estava tão
claro, por que havia tanta hostilidade entre eles? O que teria acontecido entre os dois irmãos, que
visivelmente se amavam, para que tivessem se afastado daquela forma?
Apesar dessas perguntas rondarem sua mente, ela não podia ficar ali pensando nisso. Foi até seu
apartamento para tomar uma ducha rápida e ir até o hospital, afinal ela também queria ver Guilherme.
Enquanto escolhia uma roupa, viu o celular quebrado dentro da gaveta. Por um instante, se
arrependeu de ter quebrado o aparelho. Não porque queria falar com Marcelo, mas agora ela gostaria
de ter como se comunicar com Gabriel.
Depois de tomar um banho rápido, vestiu um jeans e uma blusa cinza, colocou sua jaqueta, tênis,
e saiu. Antes de ir ao hospital, pararia em uma loja qualquer e compraria um celular novo, para
assim, poder se comunicar com Gabriel caso precisasse.
Ela estava na sala, pegando sua bolsa, quando ouviu alguém forçar a fechadura. Sabia que não
era Gabriel porque ele tinha a chave. Esperou que a pessoa desistisse, no entanto, ela continuou.
O coração de Monique acelerou e seu rosto ficou lívido quando lembrou que podia ser o homem
que a seguiu alguns dias antes. O mesmo que havia tirado foto dela e de Gabriel em um momento
íntimo.
Monique caminhou pé ante pé até a cozinha. Aqueles apartamentos antigos tinham uma porta de
serviço na cozinha que era para entrada e saída de empregados. E apesar daquela porta nunca ter
sido usada por ela, neste momento veio bem a calhar.
Quando ela ouviu a porta da sala ser novamente forçada e ceder, era a hora. Silenciosamente, ela
abriu a porta de serviço e observou o corredor. Quem quer que estivesse invadindo seu apartamento,
tinha entrado, e ela ouviu o barulho de coisas sendo reviradas.
Ela não podia ir até o elevador, nem para o apartamento de Gabriel sem passar em frente à porta
do seu apartamento. Foi quando ela olhou para o lado direito e viu a porta de madeira da escadaria.
Perfeito!
Ela abriu lentamente a porta, que por ser velha e pouco utilizada, rangeu. O coração de Monique
falhou uma batida quando ouviu a mesinha da sala ser derrubada. Sabia que o invasor estava indo
olhar o corredor.
Rapidamente, ela fechou a porta e se escorou nela, pedindo aos céus que ele não a tivesse
ouvido. Começou a descer as escadas, silenciosamente, e quando alcançou dois andares abaixo,
começou a ficar aliviada.
Correu até a garagem e rapidamente se acomodou no carro de Guilherme. Olhou para o lado,
onde antes estava estacionada a moto de Gabriel e desejou ter ido com ele.
Ainda estava tensa, mas quando saiu do edifício com o carro, seu coração começou a se acalmar.
E depois de passar em uma loja de departamentos e adquirir um celular novo, seguiu para o hospital.

***
Quando Gabriel chegou ao hospital, seu coração estava calmo, aliviado na verdade. Não queria
perder mais ninguém nessa vida, principalmente Guilherme. Claro que ele nunca admitiria isso para
seu irmão, não depois do que ele fez, mas a verdade era essa. Ele e sua mãe eram sua família e
perdê-los seria imensuravelmente doloroso.
Assim que ele passou pela porta vai e vem da antessala da UTI, seu coração se apertou
novamente. Havia duas enfermeiras ao lado do leito de Guilherme e o doutor estava com uma mini
lanterna, examinando os olhos do seu irmão. Gabriel ficou observando pelo vidro, até que uma das
enfermeiras percebeu sua presença e comunicou ao médico.
O doutor fez sinal para que Gabriel esperasse e prosseguiu com os exames.
Ele observou a cena, achando estranho. Seu irmão estava imóvel e o médico abria suas
pálpebras com os dedos para examinar. Depois de algum tempo, falou com as enfermeiras e veio ao
encontro de Gabriel.
— O que aconteceu? Me ligaram dizendo que Guilherme...
— Foi uma melhora temporária. Na verdade, ele abriu os olhos enquanto a enfermeira media sua
temperatura. Ele sussurrou seu nome e logo em seguida voltou a fechar os olhos. Elas não deveriam
ter te ligado, já tiveram uma advertência por isso.
— Mas o estado dele no geral? Está melhor?
— Não, está estável. Ele pode acordar daqui a meia hora, dias, ou nunca mais acordar do coma.
O peito de Gabriel voltou a apertar novamente. E depois de um longo suspiro, ele virou-se para
o médico.
— Se ele acordar, mesmo que seja rapidamente como foi hoje, quero que me avisem. Mesmo que
ele volte para o coma, entendeu?
— Sim investigador, pode ficar tranquilo.
Gabriel saiu do hospital transtornado e compelido por uma fúria indescritível. Saiu do hospital
feito um furacão, decidido a ir até a delegacia. Nem ele poderia contar a quantidade de sinais de
trânsito que ultrapassou.
Enquanto andava pelos corredores da delegacia, não se preocupou em cumprimentar ninguém e
quando entrou na sala de Eduardo, sem bater, seu chefe o encarou sério.
— Que diabos está acontecendo aqui? Como você entra assim na minha sala, investigador
Goulart?
— Vamos parar com as formalidades, Eduardo. Quero saber como andam as investigações sobre
o caso de Guilherme.
— Primeiro lugar, investigador Goulart, aqui dentro vamos manter sim, as formalidades, eu sou
seu chefe e ponto final. Não importa se estudamos juntos, muito menos se lá fora somos amigos. Aqui
eu exijo respeito. — a voz de Eduardo era ríspida e autoritária. — Segundo, as investigações estão
caminhando.
— Caminhando para onde? O que descobriram? Você tem que me deixar ajudar.
— Sabe que eu não posso, você está envolvido até o último fio de cabelo nessa confusão toda. E
se, como eu suspeito que sim, o atentado à vida de Guilherme tiver alguma coisa a ver com o caso
Veiga, é mais um motivo para eu não deixar você participar disso.
— Você sabe que sou competente. O melhor daqui...
— Sim, você é. No entanto, está envolvido emocionalmente e isso poderia influenciar nas
investigações — a voz de Eduardo se suavizou. — Olha, Gabriel, o Fontes é um excelente
investigador e já está a par de toda a situação. Tenho certeza que ele está se empenhando ao máximo
para resolver isso tudo.
— Ele é bom, mas não tanto quanto eu.
— Você não é nada humilde.
— Não, não sou! Sou realista — Gabriel virou-se para sair e seu chefe o chamou. — Que foi?
— Conheço esse seu olhar, não faça besteira. Não se envolva, nem interfira nas investigações.
— Não pode me impedir…
— Na verdade, eu posso — Eduardo se levantou e encarou friamente Gabriel. — Seu distintivo
e sua arma. Deixe-os aqui e tire uns dias de folga.
— Você não está fazendo isso. — os olhos de Gabriel brilharam de fúria e seu maxilar ficou
tenso.
— Estou, e mesmo que não acredite, não estou fazendo isso como seu chefe, mas como seu
amigo. Quando tudo isso terminar, eu devolvo suas coisas. Ninguém precisa saber e caso alguém
pergunte, direi que você está de férias para acompanhar de perto a situação de Guilherme.
Gabriel não podia estar mais irritado. Amaldiçoou o momento em que decidiu ir até a delegacia.
Em um ímpeto de fúria, jogou o distintivo na mesa de seu chefe e depois de tirar o pente de sua
pistola e colocar sobre a mesa, Gabriel virou-se para a porta, porém antes de sair, avisou.
— Isso também não vai me impedir.
Antes que Eduardo pudesse falar alguma coisa, Gabriel deixou a sala.

Quando chegou à sua moto, o celular tocou e ele ficou feliz ao ver que era sua mãe. Tentou
suavizar a voz antes de atender.
— Oi mãe… Sim, estou indo para casa... Claro, já estou chegando.
Alguns minutos depois, Gabriel estacionava sua moto em frente ao seu prédio e avistou um táxi
se aproximar. Uma senhora magra de cabelos grisalhos e olhos castanhos, desembarcou sorrindo
fracamente para ele.
Gabriel se aproximou rapidamente, ajudou-a a tirar a bagagem do porta-malas do carro, depois
foi até o taxista e pagou a corrida.
Aproximou-se novamente da senhora e a abraçou apertado.
— Que bom te ver, mãe, apesar das circunstancias.
— Como você está meu filho? Seu rosto está abatido. — apesar do comentário, ela também não
tinha a aparência nada boa e a preocupação estava estampada em seu rosto.
— Gui está no hospital, mãe, como você acha que eu estou?
— Seu irmão é forte, querido. Vai sair dessa. — apesar da afirmação, ela não tinha muita
convicção na voz.
— Assim espero, mãe.
— Me leve para vê-lo agora, preciso ver seu irmão.
Capítulo Trinta e Quatro

Monique chegou ao hospital rapidamente e dirigiu-se logo para a Unidade de Tratamento


Intensivo. Quando entrou pela porta da antessala, estranhou não ver Gabriel ali. Foi quando uma
enfermeira passou e Monique a abordou.
— Como ele está? — perguntou apontando para Guilherme.
— Ah, na mesma. Até achamos que ele tinha despertado, mas foi uma coisa momentânea.
— Viu seu irmão aqui? O investigador? — Monique perguntou sabendo que era óbvio que ela
tinha visto. Nem Guilherme nem Gabriel passariam despercebidos por mulher nenhuma.
— Sim, ainda pouco, mas ele já foi.
Monique estranhou, pois ele sabia que ela iria encontrá-lo lá.
— Tudo bem, obrigada. — ela agradeceu e sentou-se no banco de espera. Ficaria por ali mesmo,
assim evitaria mais desencontros e também, se Guilherme tornasse a acordar, ela estaria ali.
Ela não sabia quanto tempo tinha se passado, mas acabou cochilando. A noite havia sido longa e
agora ela estava ficando cansada.
Quando tornou a abrir os olhos, sentiu seu corpo dolorido reclamar. Afinal, havia dormido
sentada. Depois de esticar o corpo, estranhou o lugar estar mais silencioso e vazio que o normal.
Olhou o relógio e se deu conta que já eram 19 horas e entendeu porque o lugar estava vazio. Era
troca de turno.
Monique se levantou e foi até o vidro para olhar Guilherme antes de ir embora. Se Gabriel não
havia aparecido até agora, ela o esperaria no apartamento.
Quando ela se aproximou da janela, um médico estava ao lado do leito de Guilherme e quando
ele a viu, virou-se de costas rapidamente.
Monique franziu a testa e ficou observando. Bateu no vidro, na tentativa de chamar atenção do
médico, pois queria fazer perguntas sobre o estado de melhora dele, mas o homem de jaleco
simplesmente a ignorou. Ela olhou para os lados, procurando outro profissional que pudesse ajudá-
la, mas o lugar estava deserto.
Ela continuou observando até que viu o médico tirar uma seringa do bolso.
Sem saber o porquê, ela entrou, sem se importar de infringir as regras do hospital.
— Boa noite, doutor. Como ele está?
Monique estranhou quando o médico pareceu ficar tenso e não se virou para olhá-la.
— Não me diga que ele piorou? — ela insistiu.
— Não, o paciente está bem.
O médico escorregou a mão para dentro do jaleco, guardando alguma coisa que Monique não
conseguiu ver o que era.
— Bem? Então, existe previsão de quando ele acordará? E essa melhora que ele teve hoje, é um
bom sinal?
— Melhora? Ele teve melhora?! — a voz do médico soou estranha e por um momento, Monique
achou a voz dele familiar, mas como ele usava aqueles protetores faciais e o som saía abafado, ela
afastou essa sensação da mente.
— Sim, não lhe disseram? Ele acordou e chamou pelo irmão. Certamente essa informação está
no prontuário e…
O médico permaneceu de costas para ela, contudo, quando Monique parou de falar, ele colocou
novamente a mão no bolso do jaleco e tirou de dentro uma seringa.
Quando a mão do médico foi em direção ao braço de Guilherme, Monique franziu o cenho. Sabia
que todos os medicamentos ali eram depositados diretamente no soro que já iria direto para a
corrente sanguínea do paciente. E, além disso, aquele médico estava se comportando de forma
estranha.
Num impulso, Monique segurou a mão do médico antes que a agulha chegasse ao braço de
Guilherme.
— O que é isso que você está aplicando nele?
Lentamente, o médico se virou para ela e, quando os olhos dele se fixaram aos dela, Monique
sentiu como se todo o sangue tivesse sido drenado de seu corpo. Sua mão permaneceu firme,
segurando o braço dele, mas suas pernas fraquejaram e seu coração acelerou de forma tão bruta que
ela podia sentir a pulsação de suas veias próximas ao ouvido.
Aqueles olhos eram inconfundíveis e agora, diante daquele olhar frio e calculista, todas as peças
começaram a se encaixar.
— V… Você? Mas, por que...?
O médico não respondeu, mas ela pôde ver que ele sorria, pois, apesar de estar de máscara, os
olhos dele demonstraram seu humor. Um humor vil.
Com uma força brutal, ele puxou o braço que ela segurava e deu um soco em seu rosto. A força
do golpe fez com que Monique caísse para trás, batendo a cabeça na quina da maca e ficar tonta até
sentir seu corpo todo impactar contra o chão. O médico caminhou em sua direção, depois de se
posicionar sobre ela, usou a mão livre para apertar sua garganta, fazendo Monique debater as pernas,
mas sem ter forças para se livrar. Ele apertou e investiu a cabeça dela contra o chão algumas vezes
antes de aproximar a seringa do seu pescoço.
Agora é meu fim. — ela pensou e quando a agulha perfurou seu pescoço, ela sentiu uma
queimação enquanto o líquido entrava, mas não demorou mais do que alguns segundos até o médico
afastar a seringa.
Monique não fazia ideia do que tinha ali dentro, mas, com certeza, a fez sentir um sono
descomunal. Seus olhos ficaram pesados e ela não lutou para mantê-los aberto.
Ela ouviu barulho de metal caindo, e um grito. Logo em seguida todos os seus sentidos se
apagaram e ela sentiu seu corpo leve.

***

Enquanto estavam no elevador, Gabriel parecia nervoso. Se sua mãe encontrasse Monique em seu
apartamento, estranharia. E como ele a apresentaria? Sua amiga, sua namorada, a suspeita de um caso
de assassinato, ex-namorada de Guilherme? Nem ele sabia o que Monique era dele, naquele exato
momento, apesar de saber bem o que ela significava para ele.
A palavra namorada rodeava sua cabeça, entretanto, não era isso que eles realmente eram. Não!
Apesar de todo sentimento que tinham um pelo outro, eles não eram mais do que amantes. Bem que
Gabriel queria que fosse diferente.
— Está tenso, meu filho. Há mais alguma coisa, além do acidente de seu irmão, lhe
incomodando.
— Você me conhece bem, não é mãe?
— Eu não seria uma boa mãe se não conhecesse bem meus filhos. Agora desembucha… O que
está te incomodando.
— Bom, tem uma mulher. Ela é importante, mas é complicado. As coisas começaram erradas e
não foram melhorando com o tempo.
— Sua namorada?
— Não sei bem se o termo namorada se encaixaria.
— Meu filho, se ela é importante como você mesmo disse, não fique remoendo. No final tudo se
acertará. E eu fico feliz que depois daquela vaca da Laura, você esteja finalmente se abrindo para o
amor novamente.
Gabriel nunca gostava de ouvir o nome da sua ex. Isso lhe trazia velhas lembranças
desagradáveis e naquele momento, era tudo o que ele não precisava. Mas ouvir sua mãe unir “vaca”
e “Laura” na mesma frase, o fez sentir uma enorme vontade de rir.
— Bom, o nome dela é Monique e talvez ela esteja no meu apartamento. Bom, foi onde eu a
deixei quando saí.
— Ficarei feliz de conhecer essa Monique.
Mas ao ouvir aquele nome, sua mãe franziu o cenho.
— Espere — ela encarou Gabriel — você não estava trabalhando em um caso onde o nome da
acusada era Monique e logo em seguida seu irmão atuou em defesa... Oh, céus Gabriel. Não me diga
que é a mesma Monique e, por favor, não me diga que você e Guilherme estavam brigando por ela.
— Não vou mentir, mãe. É sim a mesma mulher e, bem, eu e Guilherme...
— Não acredito que isso está acontecendo novamente — ela mudou visivelmente seu semblante
e seu humor.
— Mãe, espere. Não é bem assim. Ela e Guilherme não têm nada um com o outro e eu… Bem,
nós só começamos a nos envolver agora e...
— Olha meu filho, consigo perceber que toda essa situação é bem mais complicada do que eu
imaginava — a porta do elevador abriu e eles caminharam em direção ao apartamento de Gabriel. —
Por enquanto, não vou fazer nenhum prejulgamento, mas depois que eu visitar Guilherme, nós vamos
sair para jantar e você vai me explicar toda essa história, direitinho.
— Tudo bem, mãe — Gabriel deu um beijo na testa de sua mãe e destrancou a porta do
apartamento.
O local estava vazio. Monique com certeza teria ido até o hospital, e a essa altura,
provavelmente estaria voltando.
— Bem, ela não está aqui. — Gabriel informou, levando as malas de sua mãe até o quarto de
hóspedes. Depois ele passou rapidamente em seu quarto e pegou sua pistola pessoal.
— Terei bastante tempo para conhecê-la.
Não demoraram muito para sair novamente e quando Gabriel trancou a porta, virou-se na direção
do apartamento de Monique e viu uma fresta de luz passando pela porta.
Ela não foi até o hospital?
— Mãe, espere junto ao elevador, não me demoro.
— Alguma coisa errada?
— Por favor, mãe, só vá até lá.
Gabriel caminhou até o apartamento e tirando sua arma do coldre, entrou lentamente. Seu
coração falhou uma batida quando viu o apartamento todo revirado, coisas quebradas.
Depois de cautelosamente revistar todos os cômodos e se certificar que não havia ninguém ali,
começou a caminhar para a saída, mas se sobressaltou quando seu celular começou a tocar.
— Goulart… O quê?... Fale devagar... — Puta que pariu, ele pensou enquanto ouvia a pessoa do
outro lado da linha — Estou indo para aí agora... Isso é um absurdo... Não me interessa... Se algo
pior acontecer, vocês vão se ver comigo.
Gabriel desligou o celular exasperado e lívido. Seu coração agora parecia bater a mil por hora
e, enquanto dirigia-se para o elevador, começou a discar um número.
— Gabriel, você está pálido, o que houve? De quem é aquele apartamento?
— Estou bem, mãe — ele mentiu. Não ia preocupar sua mãe antes da hora, uma vez que, quem
ligou do hospital não deu muitas informações sobre os acontecimentos.
Ainda com seu celular em mãos, ele discou um número e, quando a pessoa do outro lado da linha
atendeu, Gabriel ignorou o olhar interrogativo de sua mãe.
— Dantas, preciso de um favor… Sim, mas tem que ser agora... Ótimo, me encontre no
hospital onde meu irmão está internado em vinte minutos... Ótimo, então vá para lá e me aguarde.
— Você vai me dizer o que está acontecendo?
— Não há tempo, mãe, quando chegarmos ao hospital você verá.
O coração de Joana Goulart apertou e ela soube na hora que algo sério havia acontecido,
contudo, também conhecia seu filho bem o suficiente para saber que por mais que ela o pressionasse,
ele não falaria nada.

Quando eles chegaram ao hospital, eles se dirigiram apressadamente até a UTI e o cabo Dantas
já o esperava do lado de fora da antessala de espera.
— Obrigado por vir, Dantas.
— Disponha, investigador. Está uma confusão aí dentro. Em que posso ajudar?
— Venha comigo. — Gabriel virou-se para sua mãe e tentou parecer tranquilo. — Mãe, eu já
deixei seu nome na recepção como visita permitida, mas você precisa ir lá e fazer seu crachá — ele
apontou para a recepção. — Vá lá enquanto eu converso com o cabo aqui.
Joana assentiu e caminhou até a recepção.
Depois que sua mãe se afastou, ele deixou transparecer toda sua preocupação e entrou
abruptamente na antessala, e correu dividido, sem saber em que leito ir primeiro.
Guilherme continuava no leito do canto direito, atrás da janela de vidro, onde Eduardo
observava o médico examiná-lo, e Monique agora estava em outra maca, num lugar menos fechado e
distante de seu irmão.
— O que houve aqui, Eduardo? — o chefe virou-se para Gabriel e depois de mover seu olhar do
investigador para o cabo Dantas, ele respondeu.
— Por sorte do seu irmão, o médico impostor encontrou dois obstáculos, pois definitivamente o
alvo era ele. Provavelmente era a mesma pessoa que causou o acidente e veio se certificar que
Guilherme nunca mais acordasse.
— Não precisa ser nenhum gênio para saber disso. — a voz de Gabriel soou ríspida. — Quero
saber como terminamos com uma enfermeira morta e Monique na UTI?
— Olhe como fala comigo!
— Estou afastado, lembra? Aqui fora somos apenas amigos, como você mesmo já mencionou.
Posso falar com você como eu quiser.
Eduardo franziu o cenho, porém entendeu que Gabriel devia estar uma pilha de nervos.
— Bom, parece que a senhorita Pillar chegou bem na hora que o impostor estava prestes a
terminar o serviço e como ela o impediu, partiu para cima dela. Injetou uma quantidade considerável
de hidropirimidina, mas antes que pudesse ser a quantidade que acabaria com a vida dela em poucos
minutos, a enfermeira entrou e aí o alvo dele mudou. Infelizmente, a enfermeira recebeu o resto do
conteúdo da seringa e ainda foi asfixiada.
— Merda! Alguém viu quem ele era? Câmeras de segurança?
— Não. Esse cara é esperto, muito esperto. Pelo que pudemos averiguar, ele entrou já vestido de
médico. Evitou as câmeras e sabia exatamente aonde ir, veio no horário fora da visita e quando os
médicos e enfermeiros estão trocando o plantão, ou seja, fica pouco movimentado aqui… Sorte que a
senhorita Pillar chegou para a visita antes da hora.
— Nem tanta sorte assim, uma vez que agora ela também está internada. Vou ver meu irmão e a
Monique e já volto. — Gabriel suspirou e suavizou a voz. — Preciso pedir um favor, Eduardo. Um
favor de amigo.
— O que é?
— Diante das circunstâncias, acredito que meu irmão precise de proteção e não confio em mais
ninguém além do Dantas. Preciso que você dê permissão para que ele fique aqui, fazendo a segurança
de Guilherme.
— Não vejo problema, mas sabe que ele não poderá ficar aqui direto.
— Eu mesmo virei rendê-lo, ou arrumarei alguém de confiança para fazer isso, entretanto, no
momento só confio nele.

Ouvir o investigador Gabriel falar sobre ele daquela forma, fez o ego de Dantas inflar. Claro, ele
sabia que sua honestidade um dia lhe traria bons frutos, mas o investigador era alguém que tinha fama
de duro e nunca elogiava outra pessoa. Gabriel Goulart só se importava com ele mesmo e em ser
sempre o melhor e mais implacável cumpridor da lei. Não era isso que todos diziam?
— Se é assim, — Eduardo disse — o cabo Dantas ficará aqui como proteção para Guilherme.
Dantas bateu continência e conteve um sorriso. Sabia que colar com Gabriel era sinônimo de um
futuro promissor e muita aprendizagem.

Gabriel se afastou e após conversar com o médico a respeito de Guilherme e Monique, entrou no
leito do irmão e este, felizmente estava bem, salvo, mas não havia quadro de melhora. O caso de
Monique era um pouco mais complicado. Sua cabeça havia sofrido fortes pancadas e ainda havia a
substância injetada nela.
Quando saiu de lá, ele foi até o leito de Monique. Ela parecia um anjo adormecido. Sua pele
estava pálida, exceto pelo hematoma em seu rosto, e seus cabelos negros contrastavam com a fronha
incrivelmente branca do travesseiro. A máquina de monitoração cardíaca apitava lentamente.
Ele segurou sua mão e fechou os olhos ao sentir suas mãos geladas. Então Gabriel orou como há
muito tempo ele não fazia. Pedindo pela recuperação de Guilherme e agora, também a de Monique.
— Volte para mim, querida — ele fechou os olhos e suspirou. — Eu te amo!
Disse ao ouvido dela, na esperança que aquilo pudesse fazê-la abrir os olhos, mas nada mudou.
Capítulo Trinta e Cinco

Ele havia dito à sua mãe parte da história sobre o que havia acontecido no hospital e, depois de
certificar-se que ela ficaria ali com Guilherme até que pudesse voltar para buscá-la, caminhou em
direção à porta do hospital, pois agora, mais que nunca, o relógio estava contra ele.
Gabriel saiu do hospital com a mente fervilhando. Tentou usar o que Monique contou para ele, em
prol de tentar juntar as peças. E a única coisa que lhe ocorreu era que ela realmente seria incapaz de
matar Fabiana.
Inferno! Ele praguejou quando se lembrou que o assunto principal eles não tinham conversado.
Sobre o dia do assassinato. Ele sabia que a declaração dela, naquele momento em que ela confiava
nele, seria crucial para resolver tudo.
E quem era esse homem que tentou matar Guilherme? Será que Eduardo estava certo? Isso tinha a
ver com o caso Veiga ou era apenas mais um criminoso ligado a algum dos réus que Guilherme
conseguiu colocar atrás das grades por muitos anos?
Movido pelo desespero, foi até a casa de Ricardo. Precisava contar a ele os últimos
acontecimentos e convencer o amigo a não entregar as provas — provas que agora ele tinha certeza,
haviam sido plantadas — que incriminariam Monique.

Quando Ricardo abriu a porta, apesar de se demonstrar alegre pela presença de seu amigo, seu
semblante logo mudou. Ele sabia que Gabriel teria ido lá para tentar convencê-lo a não entregar sua
amada.
Fora de cogitação, pensou Ricardo.
— Sei o porquê veio Gabriel, e sinto lhe dizer que está perdendo seu tempo. — Ricardo disse
enquanto dava as costas ao amigo.
— Você tem alguns minutos para me ouvir?
— Sempre, mesmo assim, quero que fique claro que minha posição não mudou.
Eles dirigiram-se novamente para o escritório de Ricardo, mas quando ofereceu uma dose de
uísque e Gabriel negou, ele sabia que o assunto era sério e que seu amigo estava extremamente
concentrado… Não, desesperado.
— Tentaram matar meu irmão… — Gabriel começou.
— Sim, por isso ele está no hospital.
— Não, Ricardo, tentaram novamente. Foram terminar o serviço.
— Puta merda! — Ricardo colocou a mão no ombro de Gabriel e deu um aperto confortador. —
Como você está?
— Mal. Aliás, péssimo. Ele só não conseguiu matar Guilherme porque Monique estava no lugar
certo, na hora certa. — Gabriel explicou toda a situação, desde o telefonema com a curta melhora de
Guilherme, até a sua conversa com Eduardo. — Preciso pôr as mãos nesse cara. Ele tentou tirar duas
pessoas de mim, Ricardo.
— Diante disso que você está me falando, não sei o que pensar.
— Monique é inocente e agora eu tenho plena certeza disso.
— A menos que o atentado contra Guilherme nada tenha a ver com o caso Veiga, e aí, ela apenas
estava no local errado, na hora errada.
— Também já pensei nessa possibilidade. Acredite, apesar de… Apesar de tudo o que aconteceu
entre Monique e eu, não a acobertaria se não acreditasse na inocência dela.
— E quando foi que você passou a crer que ela fosse inocente? Antes ou depois de vocês
transarem pela primeira vez?
A voz de Ricardo não soou grosseira ou debochada. Ele apenas tentava trazer razão ao amigo.
Mas Gabriel se irritou e levantou abruptamente.
— Quando eu comecei a conhecê-la e saber que ela simplesmente não seria capaz — Gabriel
caminhou até a porta e parou com a mão na maçaneta. — Mas você tem razão. Por que eu devia
acreditar que a única mulher que me fez finalmente, esquecer o que a Laura fez, é uma boa pessoa?
Gabriel saiu e Ricardo tomou mais um gole da sua bebida antes de fitar o chão. Gabriel podia
estar errado em relação à tal Monique Pillar, e que inferno, Ricardo tinha quase certeza que ele
realmente estava errado. Contudo, ele não poderia fazer isso com Gabriel. Por mais errado que
fosse, por mais fora da lei, por mais hediondo, jamais faria seu amigo sofrer, não depois de tudo que
ele tinha passado. E que Deus o ajudasse, porque se Monique fosse presa, Gabriel estaria no inferno
novamente.

Assim que Gabriel subiu na moto, seu celular tocou e um sorriso involuntário apareceu em seus
lábios.
— Sim, estarei aí em uma hora no máximo.

***
Joana entrou na UTI e a cada passo que dava em direção ao leito do filho, era como se uma mão
esmagasse seu coração. Seus olhos imediatamente se encheram de lágrimas e sua garganta se apertou
dolorosamente. Seu filho, seu menino, deitado naquela maca, em coma, correndo o risco de nunca
mais acordar, era imensuravelmente doloroso. Ela não poderia nem mesmo começar a descrever o
que sentia naquele momento.
Quando segurou a mão de seu filho, deixou lágrimas silenciosas rolarem pelo seu rosto e se
lembrou do seu pequeno menino. O quanto ele sempre foi carinhoso, tranquilo, temperamento tão
diferente de Gabriel. Lembrou-se do quanto eles, mãe e filho, se tornaram ainda mais unidos, ainda
mais amigos, quando seu marido foi tirado deles.
Agora ele estava ali e, definitivamente não merecia. Não que ela desejasse isso para qualquer
outra pessoa, entretanto, Guilherme era a última pessoa na Terra que merecia sofrer, seja pelo que
fosse.
E, enquanto orava por ele, se deu conta de que aquela que, talvez, fosse motivo de novo
desentendimento entre os irmãos, era também quem tinha evitado, com a própria vida, que seu filho
fosse assassinado.

***

A luz não era forte, mas fazia seus olhos e cabeça doerem. Sua boca estava seca e seu corpo
parecia pesar duzentos quilos. Droga! Sua mente também não estava ajudando muito.
Monique forçava, tentando lembrar-se do que tinha acontecido, mas tudo parecia um borrão. Um
filme antigo, com uma película de péssima qualidade.
Tentou abrir os olhos novamente e viu uma mulher vestida de branco parada ao seu lado. A
imagem ainda estava desfocada, no entanto, ela conseguiu distinguir a enfermeira.
Lentamente, as coisas começaram a voltar.
Hospital! Estou em um hospital. Merda! Guilherme. Um desespero tomou conta dela. Estou
viva?! Por que estou viva? Tinha certeza que acordaria no paraíso. Ou no inferno.
— Senhorita Pillar, acorde — a enfermeira segurava seu pulso e olhava o monitor de batimentos
cardíacos. — Precisamos fazer alguns exames — a enfermeira avisou para que ela não se assustasse
com a picada da agulha, enquanto ela colhia o sangue. — Você não corre mais perigo de vida, mas
precisa ficar algumas horas em observação. Consegue me entender, senhorita?
Monique apenas assentiu e fechou os olhos novamente, se entregando à sonolência que ainda era
forte.

Sem saber quanto tempo se passou desde que falou com a enfermeira, Monique começou a abrir
os olhos novamente e, apesar de ainda ter um pouco de dor de cabeça, não sentia mais sono. Ela
estava em um lugar diferente, provavelmente havia saído da UTI e estava em um quarto.
Sua visão começou a entrar em foco quando percebeu que havia uma senhora, parada ao lado da
cama, velando seu sono. Monique não a reconheceu. Não fazia ideia de quem era aquela mulher de
cabelos grisalhos e olhos castanhos penetrantes.
— Quem é você? — Monique perguntou com a voz embargada.
— Como se sente, querida?
— Como se tivesse sido atropelada por um caminhão. — Monique tentou inutilmente, se sentar
quando a mulher caminhou até mais próximo e entregou a ela um controle que servia para mexer na
cama. — A senhora não respondeu minha pergunta.
Monique mexeu no controle e conseguiu colocar a cama em um ângulo que ela podia olhar de
frente à tal mulher.
— Eu sou a mãe do seu namorado… E do seu ex-namorado.
Droga!
Monique fez uma careta.
— Não sou namorada do Gabriel. — ela disse, desviando o olhar. Não era, mas adoraria ser.
— Sei disso. Mas isso não significa que não quer ser, certo?
Monique a encarou. Era como se a mulher pudesse ler sua mente. Depois desviou o olhar
novamente.
— Eu vim te agradecer… — a mulher continuou e Monique tornou a olhá-la — Por ter salvo a
vida de Guilherme. Se você não estivesse lá, a essa hora…
Os olhos da mulher se encheram de lágrimas e Monique tentou imaginar o quão desesperador era
para uma mãe saber que seu filho correu risco de vida… Duas vezes em pouco tempo.
— Pois eu faria novamente se fosse preciso.
— Acredito em você, — Joana sorriu e depois voltou a ficar séria — mas não foi só por isso que
eu vim aqui.
— Não?
A mulher balançou a cabeça negativamente.
— Vim para te dar um aviso também... — Monique levantou a sobrancelha e Joana continuou —
Se você colocar meus filhos um contra o outro, vai se ver comigo. — a voz da mulher não era
ameaçadora ou ríspida, pelo contrário, era doce, porém Monique pôde ver em seus olhos que estava
falando muito sério. — Isso já aconteceu uma vez e minha família quase foi destruída. Não vou
permitir que isso aconteça novamente. Então acho que vai ser melhor para todo mundo…
— Não vou me afastar de Gabriel. Não… Não consigo. Não posso.
— Então, afaste-se de Guilherme.
As duas mulheres se encararam silenciosamente, quando Monique ia explicar que o que ela tivera
com Guilherme era passado e mesmo que Gabriel não a quisesse, ela não voltaria para o advogado,
uma voz masculina chamou a atenção delas.
— Mãe?! — ele olhou para as duas que viraram-se para ele e sorriram ao mesmo tempo. — O
que você faz aqui?
— Vim conhecer a mulher que salvou meus dois filhos.
Gabriel franziu o cenho, porém não contradisse sua mãe e, conforme ele se aproximava de
Monique, era impossível conter um sorriso, apesar de uma ruga de preocupação ainda se fazer
presente em seu semblante.
— Como você se sente? — ele perguntou a ela, segurando sua mão.
— Bem. — Monique respondeu simplesmente.
— Vou deixar vocês a sós. — Joana disse sorrindo para os dois. — Mais uma vez, obrigada
Monique.
Monique apenas sorriu e assim que sua mãe saiu do quarto, Gabriel sentou-se ao lado dela e a
abraçou apertado. Como se ela pudesse escorregar e escapar pelos seus dedos.
— Sabe o quão preocupado eu estava com você?
— Você estava preocupado?! — ela o encarou surpresa.
— Claro que sim. — Gabriel segurou o rosto dela entre as mãos e a beijou casta e
demoradamente.
Eles se encararam em silêncio por um tempo até que Gabriel desviou o olhar.
— Olha, sei que você deve estar cansada, assustada, mas…
— Precisamos continuar a nossa conversa. — ela sorriu e apertou a mão dele carinhosamente —
Agora mais do que nunca.
— Por que agora mais do que nunca?
— Eu sei quem ele é, Gabriel. O médico. — os olhos dela se encheram de lágrimas. — Mas
antes de te falar, quero lhe contar o que aconteceu naquele dia. Droga! Não posso acreditar que fui
tão estúpida esse tempo todo.
— Você não é estúpida. Não fale assim. — ele reclamou, não tentando esconder que aquilo era
uma bronca.
— Estúpida sim. Eu omiti informações, coisas que agora eu sei que eram importantes e para quê?
— mais lágrimas rolaram por sua face e seu peito subia e descia. Ela estava realmente muito
abalada.
— Você quer alguma coisa antes de continuar? Um copo de água? Quer que eu chame a
enfermeira?
— Não! — ela secou as lágrimas e sua expressão assumiu uma raiva intensa — Só quero
terminar de te contar logo isso, para que você possa colocar aquele desgraçado atrás das grades.
Capítulo Trinta e Seis

O celular de Monique tocou insistentemente e, ao olhar para o visor, franziu o cenho. O que
ele poderia querer com ela?
Monique se sentiu compelida a ignorar a ligação, precisava voltar para casa o quanto antes,
mas talvez ele soubesse por que Fabiana estava tão chateada com ela e assim, quando chegasse
para conversar com a amiga, poderiam dialogar e se entender.
— Marcelo?… Eu estava voltando para casa, preciso falar com Fabiana e... Sim, também
percebi que ela está estranha ultimamente, hoje de manhã brigamos... Sim... Claro, seria ótimo...
Onde?... Tudo bem, estou indo para lá.
Monique demorou alguns minutos até chegar à Praça Rui Barbosa. O local era normalmente
movimentado, até por causa da quantidade de ônibus que faziam ponto ali, mas estava chovendo
naquele dia e a movimentação das pessoas era relativamente menor.
Ela aguardou durante muitos minutos. Ele estava definitivamente atrasado e quando a espera
começou a lhe incomodar, pegou o celular para ligar para Marcelo, contudo, ao fazê-lo, viu o
carro dele se aproximar e estacionar perto dela.
— Vamos, entre. Está chovendo.
Sem hesitar, Monique deu a volta e entrou. A chuva agora aumentava consideravelmente e
Monique ficou feliz em não estar mais desprotegida.
— Como você está? — Marcelo perguntou, dando um beijo em seu rosto, depois engatando a
marcha do carro e saindo para o trânsito.
— Péssima. Fabiana e eu nunca brigamos, nunca! Meu coração está dilacerado.
— Também estou triste. Sabe, nós brigamos há alguns dias.
— Ela me contou.
— Te contou?! — Marcelo não conseguiu esconder a surpresa e momentaneamente, ele ficou
tenso — Te disse por que brigamos?
— Não detalhadamente, disse que tinha algo a ver com uns documentos, mas, não quis me
dizer que papéis eram esses.
— Eu… Só estava tentando protegê-la. Ela precisa ser mais cautelosa com o dinheiro dela.
— Fabiana não liga para isso. Se ela tivesse que trabalhar para se sustentar, o faria com toda
a felicidade do mundo. Seus pais, apesar de muito ricos, a criaram como uma pessoa de caráter,
assim como eles sempre foram.
— Sei disso, mas existem muitas pessoas más intencionadas no mundo, Monique. Às vezes, ela
acha que pode confiar em alguém que, na verdade, não deveria.
Monique o encarou, os olhos de Marcelo demonstravam sinceridade e mais alguma coisa que
ela não soube decifrar… Tristeza, talvez.
Eles permaneceram em silêncio durante um tempo e logo em seguida, Marcelo ligou a seta
para entrar no estacionamento do que parecia ser um grande hotel luxuoso.
— Por que estamos entrando aqui?
— Eu tenho um flat alugado aqui. Assim poderemos conversar em paz... Sem sermos vistos
juntos e...
— Por que não podemos ser vistos juntos?
— Já vou te explicar. — Marcelo acariciou a mão de Monique e depois de estacionar o carro,
a conduziu até o elevador.
Assim que entraram no flat, Marcelo acendeu as luzes e parecia bem à vontade com o local.
Monique sabia que não era ali que ele morava.
— Fabiana sabe desse flat?
— Claro que sabe. — ele se virou para ela e sorriu — Ela sabe de tudo da minha vida. Agora
venha… Quer comer alguma coisa?
— Estou nervosa demais para comer. Eu preciso conversar com Fabiana. Droga! Você sabe
por que ela me acusou de enganá-la?
— Foi por isso que eu quis conversar com você em um lugar particular, Monique. Fabiana
acha que nós dois temos um caso.
— O quê?! — ela não conseguiu conter a surpresa e a exasperação — Isso é um absurdo! Você
e eu? Nunca. Por que ela acha… Não importa, eu preciso ir para casa agora, preciso dizer a ela
que isso é ridículo.
— E você vai falar o quê? Como você saberia sobre essa desconfiança dela? — Marcelo se
aproximou e a abraçou enquanto o corpo de Monique tremia. — Vai dizer que eu te contei? Aí que
ela vai achar que temos algo mesmo. — Ele segurou seu rosto de forma que ela o encarasse. —
Fique calma, vamos conversar os três e aí resolveremos isso. Ela vai entender que essa
desconfiança dela é ridícula.
— Eu não preciso dizer que sei, não preciso. Eu só tenho que conversar com ela e sei que
Fabiana falará. E quando eu disser que não tem nada a ver, ela acreditará em mim. — Monique se
afastou de Marcelo e pegou sua bolsa. — Eu preciso ir agora. Você me leva?
— Chamo um táxi para você. Tenho que resolver algumas coisas da minha agência.
— Não precisa chamar um táxi. Obrigada.
Monique saiu do flat e, quando passou pela recepção, notou alguns olhares sobre ela, mas
ignorou. Caminhou até o ponto de ônibus, apressadamente. A sorte era que conhecia um pouco da
cidade e não estava longe de casa.
Meia hora depois, Monique chegou ao seu apartamento e estranhou que o porteiro não
estivesse ali. O senhor Clóvis nunca faltava, estava naquele serviço há muitos anos. Se ele não
tinha ido trabalhar, deveria ser algo muito sério.
Droga! Ela resmungou.
Por que estou pensando no problema dos outros, quando tenho problemas muito maiores para
resolver?
Quando Monique virou a chave e abriu a porta do apartamento, assustou-se ao ver a bagunça
que estava.
A mesa de centro estava virada, o vaso que ficava em cima dela, quebrado, próximo ao sofá,
que estava torto. A cortina havia sido puxada com força a ponto de a costura na parte de cima
ficar esgarçada.

— Fabiana? — Monique chamou, mas não houve resposta.


Imaginou que depois que ela saiu, num ímpeto de fúria, por se sentir traída, sua amiga havia
virado os móveis e depois, para se acalmar, deixou o apartamento.
Com as mãos trêmulas de tristeza e lágrimas nos olhos, Monique começou a colocar as coisas
no lugar. Desvirou a mesa, catou os cacos do vaso de cerâmica que ficava em cima da mesma e
como seus olhos estavam nublados pelas lágrimas, acabou cortando um pouco o dedo.
Monique foi até seu quarto e tomou um banho de banheira relaxante. Quando abriu sua
gaveta de calcinhas, percebeu que alguém havia mexido nelas. Monique era chata, separava as
calcinhas por cor e, naquele momento, elas estavam todas bagunçadas.
Fabiana!
Talvez a amiga estivesse tão magoada que, foi até seu quarto procurar algum vestígio daquilo
que não existia. Ótimo! Ela não encontraria nada mesmo.
Depois de se vestir, Monique foi até a cozinha pegar algo para comer, pois, por causa da
briga com Fabiana, não tinha tomado café da manhã e a essa altura, seu estômago já estava
reclamando furiosamente.
Ao entrar no cômodo, não percebeu imediatamente, porém, ao fechar a porta da geladeira,
com um iogurte na mão, e ir até a mesa pegar uma banana, viu que o celular de Fabiana estava
em cima do tampo de vidro.
Imediatamente os pelos de Monique se eriçaram e ela chamou mais uma vez a amiga. Sabia
que Fabiana não sairia de casa sem o celular, por mais chateada que estivesse.
Monique caminhou até o quarto da amiga e quando entrou, estranhou que o tapete estivesse
dobrado. A bolsa da amiga estava sobre a cama. A carteira sobre a cômoda, junto às chaves do
carro. Ela caminhou até o banheiro e chamou novamente.
— Fabiana? Você está aí? — silêncio. — Me responda, precisamos conversar.
Diante do persistente silêncio, Monique entrou no banheiro e, quando seus olhos foram
capturados pela cor incomum da banheira, seu coração praticamente parou. Suas pernas
fraquejaram e seu peito doeu como se alguém estivesse lhe apunhalando.
— Oh, céus. Fabiana!!!
O corpo da amiga estava jogado na banheira, com a água cobrindo apenas a metade. Uma
perna para fora da banheira. Seu rosto inchado e ensanguentado, suas mãos também vermelhas e,
ao se aproximar, viu que em seu peito haviam vários furos por onde um fraco sangue saía. Os
cabelos loiros de Fabiana se misturavam à água ensanguentada, fazendo que as pontas estivessem
vermelhas.
Desesperada, Monique foi até a amiga e levantou seu corpo, tentando puxá-lo para fora da
banheira como se aquilo pudesse salvá-la, contudo, era tarde demais.

— Depois que o desespero passou, eu liguei para a polícia. Nunca imaginei que a culpa fosse
recair sobre mim.
— Ela foi morta com perfurações feitas pelo seu canivete. — Gabriel disse pensativo e Monique
suspirou, mas percebeu que na voz dele não havia acusação ou cobrança. Ele apenas estava tentando
ligar os pontos.
— Porque o canivete foi retirado da minha gaveta. Agora eu sei. Foi Marcelo, Gabriel. Desde o
início, tudo. Foi ele.
Gabriel virou-se para ela de cenho franzido e de repente, as coisas começaram a clarear em sua
mente.
Capítulo Trinta e Sete

Tudo começava a fazer um pouco de sentido, no entanto, ainda existiam algumas lacunas a serem
preenchidas. O motivo e por que ele se esforçaria tanto para pôr a culpa em Monique? Claro que ela
era um ótimo bode expiatório, mas onde as outras mortes se encaixavam? Ela já era suspeita da
morte de Fabiana, provavelmente seria acusada. Então, para que matar as outras pessoas? Para que
tentar piorar a situação dela?
Todas essas perguntas ainda não respondidas eram a chave para fechar o quebra-cabeça daquela
situação toda. E assim que o fizesse, Gabriel provaria que Marcelo era o verdadeiro assassino e
Monique estaria livre de qualquer acusação.
— Algumas lacunas ainda não estão preenchidas.
— Não sei por que ele fez isso.
— Acredito que deve ser por causa da herança. De alguma forma, ele acreditaria que poderia
ficar com ela.
— Eu nunca desconfiei, mas… Agora faz sentido. — Monique arregalou os olhos. — Esses eram
os tais documentos que Fabiana disse que ele reclamou. Provavelmente, ele descobriu que ela me
deixava como sua única beneficiária e ficou exasperado por não ter sido incluído no testamento.
— Mas por que matá-la? Ele poderia convencê-la com o tempo, a mudar o testamento. E
matando a pobre moça, o testamento não mudaria. Você continua sendo a única beneficiária.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo, pensativos, com as mãos unidas como se aquilo fosse
ajudá-los a pensar melhor.
— Gabriel... Antes de ser presa, Marcelo me procurou...

— Tenho certeza que apesar de terem encontrado seu canivete na banheira, e as outras
provas, você não tem nada a ver com isso.
— Você tem certeza, mas a polícia não. Estou perdida. Não quero ser presa. Não posso. Não
fiz nada.
— Eu vou cuidar de você, Monique. Como Fabiana cuidaria, e nós vamos encontrar quem foi
a pessoa vil que fez isso com ela. E mesmo se o pior acontecer, não te abandonarei.
— Eu posso dizer que estava com você, que você é meu álibi.
— Ficou louca? Você não pode fazer isso por inúmeros motivos, mas… Droga, o principal é
que isso vai te prejudicar muito. Se Fabiana comentou com alguém sua desconfiança, aí que a
polícia vai ter certeza que foi você. — Marcelo passou a mão pelos cabelos. — Preste atenção. Se
eles acharem que você a matou porque era minha amante e nós íamos fugir juntos? Além de se
complicar, você vai me complicar e aí não poderei te ajudar. Confie em mim.
— Eles vão me perguntar onde eu estive naquela manhã.
— Sim, diga apenas que depois de vocês discutirem, você saiu para caminhar, espairecer a
cabeça, e quando voltou para casa, encontrou-a morta.

— Ele prometeu cuidar de mim e me convenceu que, se eu dissesse estar com ele, eu iria me
complicar. O que será que ele tinha em mente?
— Não sei, acho que eu terei que perguntar a ele. E eu o farei falar, nem que para isso tenhamos
que ter uma conversa um pouco mais dura.
Monique ficou tensa. Gabriel já estava nervoso o suficiente, porém, ela não podia esconder o
último, e talvez, mais importante fato dele.
— Gabriel, era ele. O médico que tentou matar a mim e a Guilherme. Eu reconheceria aqueles
olhos em qualquer lugar. Por isso eu soube que foi ele quem fez isso à Fabiana.
O rosto de Gabriel se modificou e abruptamente, ele se levantou. Antes estava tenso, contudo,
agora era pura fúria. O cara não só havia cometido assassinato, colocado a culpa em Monique, como
também quase tirou a vida de seu irmão… Provavelmente, duas vezes.
— Esse cara perdeu totalmente a noção do perigo. Eu vou pegá-lo, vou acabar com ele. — os
olhos de Gabriel queimavam e suas mãos estavam tão apertadas na lateral do seu corpo, que os nós
dos dedos estavam brancos.
— Espere Gabriel, não podemos nos precipitar. Marcelo nos enganou esse tempo todo. Me
enganou. Se ele souber que você está chegando perto, ele pode fugir.
— Querida, estou nisso há muito tempo. — Gabriel se aproximou e acariciou seu rosto com o
polegar, sentindo sua pele macia. — A essa altura, ele já sabe. Sabe que você não morreu, então,
quanto mais tempo eu demorar a ir até ele, mais fácil ele vai conseguir se livrar. E… — Gabriel
estremeceu com a possibilidade — Se eu não colocar as mãos nele logo, não teria como...
— Como provar que sou inocente.
Gabriel apenas assentiu e a abraçou. Aquela possibilidade era dolorosa demais. Sim, justiça!
Era isso que ele queria. E Monique pagar por um crime que não cometeu, não era nem de longe justo.
— Eu preciso ir. Minha mãe está no hospital e Dantas também. Se você precisar de alguma coisa,
por favor, procure os dois e peça para me ligarem.
Gabriel deu um beijo em Monique. O beijo era tão intenso, caloroso, apaixonado, que os olhos
dela se encheram de lágrimas. Se ela não acreditasse que ele fosse capaz de executar seu plano,
podia jurar que aquele beijo era uma despedida.
Quando ele se afastou e viu que lágrimas corriam por seu rosto, delicadamente ele secou-as com
o polegar.
— Não faça assim, querida. Não chore. Não se preocupe… Ficaremos bem. — ele se aproximou
e a beijou novamente.
Assim que Gabriel saiu, Monique sentiu seu peito se apertar. Se eles estivessem certos e ela
sabia que estavam, Marcelo havia cometido tantos crimes brutais… Tinha matado a mulher que ele
dizia amar.
O que ele não faria com Gabriel?

***

Mal Gabriel fechou a porta do quarto, avistou sua mãe vindo pelo corredor. Ela exibia um sorriso
tão fascinante nos lábios que o coração de Gabriel se aqueceu e, por um instante, ele esqueceu toda
fúria que o movia.
— Venha meu filho, venha. Guilherme acordou.
Gabriel segurou a mão de sua mãe e juntos, andaram apressados pelo corredor em direção à UTI,
quando ele olhou pelo vidro e os olhos azuis de Guilherme encontraram os seus, Gabriel fraquejou.
Era incrivelmente maravilhoso ver seu irmão acordado. Seus olhos arderam, mas ele respirou fundo
e esboçou um sorriso.
Depois que o médico acabou de examinar Guilherme, disse que aparentemente estava tudo bem.
Que eles fariam mais alguns exames e se estivesse tudo certo, naquele dia mesmo ele seria
transferido para um quarto.
Quando o médico deixou o leito, sua mãe o abraçou apertado, enquanto Gabriel apenas
observava ao lado da maca.
Joana soltou o filho e encarou os dois. Eles não disseram nada, entretanto, sabia que o olhar que
eles trocavam, era de carinho e de cumplicidade.
— Estou feliz que esteja de volta. — Gabriel disse finalmente. Sua voz séria, mas seus olhos
iluminados.
— Estou feliz de estar de volta. — Guilherme sorriu e tentou levantar, porém, ainda se sentia
tonto por ter passado muito tempo deitado e, porque a pancada que sofrera na cabeça foi forte.
— Fique deitado. — Joana disse, pegando o controle da cama e levantando um pouco a parte de
cima. — Você vai continuar quietinho até fazer todos os exames e o médico informar que está bem.
— Tudo bem, mãe. A senhora que manda. — Guilherme disse sorrindo, mas logo depois, adotou
uma expressão séria e encarou Gabriel.
— Entendi o recado, vou sair, mas ficarei olhando do vidro. — Joana disse assim que percebeu
que seus filhos queriam conversar a sós — Se eu ver vocês se olhando estranho por um segundo que
seja, voltarei aqui e ensinarei vocês a serem irmãos. — A mulher exibia um sorriso, mas não
enganava os irmãos Goulart. Eles sabiam que ela falava sério… Muito sério.
Quando ela saiu do quarto, Guilherme deu um longo suspiro antes de começar, e Gabriel se
sentou na ponta da cama, próximo ao pé do irmão.
— Monique? — Guilherme perguntou e Gabriel não pôde deixar de sentir o bichinho do ciúme
corroer suas entranhas, mas, diante daquela situação, não discutiria com seu irmão. Não mesmo.
— Está bem. Como eu te prometi, cuidei dela. — Os olhos de Gabriel se iluminaram ao se
lembrar dos momentos em que passaram juntos e ele desviou dos de seu irmão.
— Encontrei o tal Yuri. Monique é inocente, como eu sempre te disse.
— Eu sei disso.
— Sabe?
Gabriel apenas assentiu.
— E é por isso que eu não posso ficar muito tempo aqui. Preciso ir atrás do verdadeiro
assassino.
— Então você também já sabe quem foi?
— Não foi difícil descobrir, depois que Monique resolveu finalmente ser sincera e cooperar…
— E o que você fez para que ela cooperasse?
— Guilherme… — Gabriel começou, mas não teve coragem de dizer ao irmão tudo que ele e
Monique tinham feito. Desconfiava que seu irmão nutria sentimentos por ela, além do mais, na maior
parte do tempo, ele tinha sido um idiota com os dois. A última coisa que ele queria, era magoá-lo.
Não agora, não depois de quase perdê-lo. E apesar de saber que outra tempestade se aproximava, ele
adiaria o máximo possível.
— Olha, não importa. A questão é que a Rita voltou para o Brasil, para inocentar Monique e
dizer que quem esteve no apartamento naquela manhã…
— Foi Marcelo — Gabriel completou, antes que seu irmão terminasse.
— Exato.
— Eu só vim mesmo ver se você estava bem, preciso ir… Pegar esse cara...
Gabriel se levantou e passou por Guilherme, seus olhos estavam escuros novamente e seu
maxilar retraído. Mas antes que ele pudesse se afastar, Guilherme segurou seu pulso.
— Sei que provavelmente meu acidente tem a ver com isso tudo e… — Guilherme respirou. —
Sei bem o que você deve estar sentindo nesse momento, mas não seja imprudente. Não precisamos
trocar de lugar e você parar em uma maca.
Gabriel fechou os olhos para que seu irmão, que o conhecia bem, não visse o ódio que se
passava neles. Ele não tinha conhecimento que além do acidente, Marcelo tinha voltado para terminar
o serviço.
— Não serei. Só quero que a justiça seja feita. Lembra-se da nossa promessa, Guilherme?
Justiça!
Guilherme assentiu e soltou Gabriel.

Antes de sair, Gabriel passou no quarto de Monique e deu a ela as boas novas.
— Estou tão feliz. — ela disse e, percebeu Gabriel ficar com o maxilar tenso. — Não se
preocupe! É por você que eu estou apaixonada.
Gabriel a encarou, seu corpo todo ordenava que ele dissesse a ela, que repetisse as palavras que
tinha dito enquanto ela estava desacordada, mas não o fez.
— Acho que ele gostaria de te ver.
— Você não se importa?
— Quer que eu diga a verdade ou minta? — os olhos de Gabriel percorreram o corpo de
Monique de forma possessiva.
Ela sorriu, se aproximou dele e o beijou. Um beijo apaixonado e cheio de desejo. Gabriel ficou
visivelmente mais relaxado e a puxou contra seu corpo, fazendo Monique perceber seu membro
responder àquele gesto.
— Preciso ir — ele a soltou rapidamente, antes que resolvesse tomá-la ali mesmo, no quarto do
hospital. — Vá ver Guilherme.
— Se cuide — Monique disse indo até a cama, para comer o alimento que a enfermeira havia
deixado há alguns minutos.

No estacionamento do hospital, Gabriel girou a chave da moto e quando acelerou para fazê-la
pegar, pressentiu alguém se aproximar, mas, antes que pudesse ver quem era, uma dor violenta o
atingiu na cabeça, depois, sentiu algo quente escorrendo. Seu corpo caiu de cima da moto e o peso do
veículo de metal parecia esmagar sua perna. Contudo, não sentiu dor por muito tempo. Logo a
escuridão o envolveu por completo e Gabriel apagou.
Capítulo Trinta e Oito

Monique almoçou rapidamente. Estava ansiosa para ver Guilherme. Queria abraçá-lo e dizer que
estava tudo bem. Ela sabia dos sentimentos dele por ela e, apesar de não corresponder — afinal ela
estava apaixonada por seu irmão —, nutria um carinho muito grande por ele e não podia deixar de
vê-lo. Não naquele momento em que finalmente, ele não corria risco de vida.
Ela entrou no banheiro para fazer sua higiene pessoal, mal havia fechado a porta quando ouviu a
do quarto abrir. Pelo curto tempo, achou que era Gabriel que havia esquecido alguma coisa.
— Esqueceu alguma coisa, queri…
Antes que ela pudesse terminar a frase, seu peito gelou. Não era Gabriel quem estava parado,
vestido elegantemente como sempre, com um sorriso débil no rosto encarando Monique.
— Marcelo?! — ela olhou para os lados, visivelmente assustada, procurando alguma coisa para
se defender, ou algum lugar para correr, mas antes que seu cérebro apavorado raciocinasse
rapidamente, ele falou.
— Nem pense em fazer algo idiota. — ele disse friamente, sem tirar o sorriso do rosto. —
Troque de roupa e venha comigo.
Ele estendeu a ela uma sacola de papel.
— Eu não vou com você a lugar nenhum, seu monstro.
— Ora, querida, não precisa fazer elogios. — Marcelo colocou a mão no bolso interno do blazer
e pegou um celular — Acho que você não tem escolha.
Marcelo estendeu o aparelho para Monique e quando ela viu o que havia na tela, precisou
apoiar-se à parede para não cair.
Gabriel estava amarrado e amordaçado, sua cabeça ensanguentada, em um chão preto que
parecia ser o interior de um veículo.
— Seu namoradinho ainda está vivo, mas não me irrite, senão, esse quadro mudará rapidamente.
— Marcelo tomou o celular da mão dela e voltou a colocá-lo no bolso. — Seja uma boa menina e
troque logo a porcaria da roupa. Eu não tenho a vida toda.
Monique se tremia toda enquanto trocava de roupa. Teve uma dificuldade enorme para conseguir
fechar o botão da calça jeans e Marcelo se mostrou ainda mais impaciente.
— Que inferno, mulher. — ele deu passos rápidos até ela e puxou sua mão violentamente,
fechando ele mesmo a porcaria do botão.
Monique não reconhecia aquele homem. O rosto era o mesmo que ela conhecia há quase dois
anos, porém, definitivamente, o olhar, o tom de voz e a frieza, pertenciam a outra pessoa. Outro
Marcelo. O verdadeiro Marcelo.
Quando ele exibiu novamente seu sorriso encantador no rosto e se afastou dela, sabia que era
hora de irem. Mas irem para onde? O que ele pretendia?
Monique olhou para a gaveta do armário, onde provavelmente Gabriel arrumou suas coisas, e
pensou no celular novo que tinha comprado e não teve tempo sequer de ligar.
Assim que passaram pela porta do quarto, Monique viu Joana vindo em direção a ela e tentou
apressar os passos. Não queria envolver a mãe de Gabriel naquilo e, quando ela desviou dos olhos
da senhora e caminhou mais rápido em direção ao elevador, Marcelo olhou para trás e encarou a
mulher.
Por um momento, Marcelo diminuiu os passos e apertou os olhos na direção dela, mas quando
Monique continuou andando, ele se viu obrigado a segui-la antes que ela corresse.

Já no estacionamento, ele a conduziu até um sedan preto, que ela não conhecia como dele, mas
não importava.
— Para onde estamos indo?
— Ansiosa, querida? — Marcelo sorriu debochadamente e logo voltou a ficar sério. —
Vamos deixar as coisas bem claras aqui. — ele engatou a marcha e colocou o veículo em movimento.
— Você não faz perguntas, não fala… Droga, sua voz me irrita, sempre me irritou! Vamos onde eu
quiser e você não questiona. Tudo que acontecer a partir de agora com você e seu namoradinho,
depende única e exclusivamente do seu comportamento. Então seja uma porcaria de uma menina
boazinha e fique em silêncio.

***

Joana viu Monique entrar no elevador e ficou sem entender nada. Quem era aquele homem que a
acompanhava, com a mão em sua cintura, conduzindo-a tão intimamente?
Quando voltou para o quarto da UTI, Guilherme havia saído para fazer uma tomografia e verificar
como estava sua cabeça.
Não demorou muito para que ele fosse trazido de volta e quando olhou o rosto preocupado de sua
mãe, fez sinal para que ela entrasse.
— O que houve, mãe?
— A tal Monique, fui lá chamá-la como você pediu, mas ela estava indo embora.
— Indo embora?! — Guilherme franziu o cenho.
— Sim, ela me pareceu… não sei, desconfortável, e quando me viu, apressou-se para ir. —
Guilherme jogou a cabeça no travesseiro, pensativo, e sua mãe continuou — O rapaz que estava com
ela também me pareceu tenso.
— Rapaz?! — Guilherme se levantou abruptamente e encarou sua mãe — Que rapaz?
— Ah filho, não sei. Eles pareciam íntimos... Alto, cabelos castanhos, elegantemente vestido...
— Puta que pariu! — Guilherme esbravejou e observou pelo vidro quando Dantas o observava
com o olhar curioso. — Mãe, preciso do seu celular agora!
— O que está acontecendo?
— Mãe, o celular! — Guilherme insistiu mais duramente e sua mãe tirou o aparelho da bolsa que
estava em seu ombro.
Enquanto discava um número, Guilherme fez sinal para que o cabo Dantas entrasse, este
rapidamente o fez e aguardou quando o advogado levantou um dedo para ele, pedindo que ele
aguardasse, enquanto o celular completava a ligação.
— Inferno! Só dá caixa postal.
— Posso perguntar o que está acontecendo?
— Vou precisar muito da sua ajuda, policial, porém, preciso que aguarde um minuto.
Guilherme discou outro número e rapidamente foi atendido.
— Ricardo? Guilherme… Sim, acordei, mas não temos tempo para isso agora...
Guilherme explicou da forma mais resumida possível a história e o fato de Gabriel não atender o
celular, e Monique ter saído do hospital com Marcelo.
Ricardo se encarregou de tentar descobrir alguma coisa sobre o tal Marcelo, número de celular,
qualquer coisa que eles pudessem rastrear o homem.
— Dantas, certo? — Guilherme disse confirmando o nome que sua mãe havia dito mais cedo.
Depois de pedir que ele providenciasse caneta e papel, escreveu um endereço já conhecido por ele
e, o entregou. — Preciso que você vá a esse endereço e dê uma busca lá.
Dantas hesitou e diante disto, Guilherme resmungou um palavrão.
— Você ouviu a conversa? Gabriel e Monique correm risco de vida. Você não vai hesitar por não
ter a merda de um mandato, vai? Além do mais, eu sou o melhor advogado dessa porcaria de cidade,
livro sua cara em dois segundos. Agora, ande! O tempo está contra nós.
— Claro, me desculpe. Estou indo imediatamente.

***

Depois de alguns minutos dirigindo, totalmente em silêncio, Marcelo tornou a tirar o celular do
bolso. Após acionar a discagem automática, a pessoa do outro lado da linha atendeu e, ele colocou a
ligação para sair por bluetooth no som do carro.
— Como está nosso herói?
— Dando trabalho. Eu te disse que ele não cooperaria muito — a voz masculina disse do outro
lado e Monique estremeceu.
— Sabe o que deve fazer… Dê um tratamento relaxante ao nosso herói.
Do outro lado da linha, Monique ouviu o barulho de alguma coisa dura batendo, e logo em
seguida, um som gutural e respirações rápidas.
— O cara é durão, chefe.
— Claro que ele é e por isso, pegue mais pesado.
— Não! — Monique gritou e seus olhos se encheram de lágrimas.
Marcelo a olhou duramente e logo depois, exibiu um sorriso assustador.
— Cara, nossa menina falou e ela sabe quais são as regras. Por isso, pegue ainda mais pesado.
Acho que você pode arrancar uma unha ou algo assim.
Monique sentiu seu peito doer e sua boca ficou seca. Oh céus, eles iam torturá-lo até a morte!
— Deixa comigo, chefe. Vamos ver até onde ele aguenta.
— Divirta-se. Só não se esqueça de mantê-lo vivo. Pelo menos por enquanto.
— Entendido.
Marcelo desligou, virou-se para Monique e estendeu a mão para colocar uma mexa de seu cabelo
atrás da orelha.
— Entendeu como funciona, querida? Fale sem permissão e quem pagará pela sua infração é seu
namoradinho.
Monique deu um tapa na mão de Marcelo, afastando-a de si, mas continuou em silêncio enquanto
grossas lágrimas rolavam pelo seu rosto.

Marcelo dirigiu até o flat dele e Monique estranhou que ele a estivesse levando para um lugar tão
próximo e tão movimentado.
Quando entraram no apartamento, ele trancou a porta e indicou a cadeira para ela se sentar.
Monique não se mexeu e ele levantou a sobrancelha.
— Sabe, acho que você não se importa mesmo com o que vai acontecer com nosso herói — ele
sorria e ela pôde ver toda maldade naquele sorriso.
Diante da constante ameaça à integridade física de Gabriel, Monique foi até a cadeira apontada e
se sentou.
Marcelo sorriu e foi até uma gaveta que ficava na cômoda ao lado da cama, depois voltou com
uma pasta e sentou-se ao lado dela. Ainda em silêncio, ele abriu a pasta e depositou na mesa alguns
papéis.
— Vamos ao ponto do nosso agradável encontro. — ele estendeu os papéis a ela. — Você vai
assinar todos esses papéis onde tem um x marcado. Assim, você passará toda sua herança para mim.
O real merecedor dessa fortuna.
— Foi tudo por causa dessa porcaria de dinheiro? — Monique perguntou, ainda chorando.
— Claro! — ele levantou irritado.
Monique estremeceu achando que ligaria novamente para seu comparsa, porém, ele foi até o bar
e se serviu de uma grande dose de vodca. Depois, virou-se para ela.
— Aquela imbecil da Fabiana! Como ela podia deixar toda essa fortuna para você? Eu era o
noivo dela, quem ela dizia amar — Marcelo esbravejava sem tentar conter o desprezo na voz. — E
ela não me deixa sequer uma pequena porcentagem? Pode entender como eu fiquei furioso com isso?
Todo o esforço que eu fiz para conquistar aquela idiota, desde o dia que ela entrou na minha agência
dizendo que tinha herdado o dinheiro de seus pais e que precisava de um bom investimento, iria por
água abaixo. Vi ali uma oportunidade única de ficar rico sem esforço. Uma jovem belíssima e
ingênua. Tudo o que eu precisava. E, além disso, gostosa. Não me custava nada deitar-me com uma
mulher como ela algumas vezes, fazê-la gemer e fingir amá-la se com isso eu ganhasse alguns
milhões de reais.
Monique ouvia aquilo tudo horrorizada.
Marcelo tomou outro gole antes de continuar.
— Quando eu tentei convencê-la a não deixar tudo para você, ela ficou uma fera. Claro! Percebeu
que o meu interesse nela era principalmente por causa do dinheiro e, quando eu vi que não voltaria
atrás, tive que convencê-la que você não era uma boa amiga, que tinha dado em cima de mim muitas
vezes e que, se eu não fosse tão apaixonado, teria caído nas suas garras. — Marcelo soltou uma
gargalhada alta. — Tinha que ver o rosto dela enquanto eu inventava isso. Parecia que alguém estava
lhe arrancando o coração. Eu até teria ficado com pena, teria a consolado, se ela não tivesse ficado
ainda mais louca e dito que a culpa também era minha, e terminado comigo.
— Então… Você planejou tudo desde o momento em que a conheceu? — o horror tomava cada
vez mais conta do corpo de Monique.
— Olhe para mim, olhe bem. Acha que sou homem de ter uma mulher só? Nunca pensei em me
casar, no entanto, Fabiana era um bom negócio e eu não deixaria de me divertir com outras mulheres.
Ele tomou outro gole e continuou.
— Nunca foi tão fácil manipular uma situação. Sabia bem onde você guardava seu canivete, já
que você mesma fez questão de mencionar várias vezes. Peguei-o da sua gaveta poucos dias antes e
você sequer se deu conta. — ele deu uma risada debochada — Sabia que, do jeito que ela estava
transtornada, vocês discutiriam e você sairia de casa. Era a hora de agir, passei a noite toda em
frente ao prédio de vocês, esperando o momento certo. Quando toquei a campainha, ela não hesitou
em me deixar entrar e eu sabia que ela não o faria. Não demorou muito para ela perceber que eu não
estava ali por amor, foi aí que a idiota resolveu lutar pela própria vida. Contudo, não teve a menor
chance e então, foi fácil armar para que você fosse incriminada. Depois, só precisei te convencer a
não contar que estivemos juntos naquela manhã. Sabe? Te encontrei logo depois de ter dado um fim à
vida da sua amiga. — ele sorriu debilmente. — Mas aí veio aquele imbecil do Guilherme e
conseguiu te tirar da cadeia.
— Ainda assim, por que matar as outras pessoas? E comigo presa, como isso faria você ficar
com o dinheiro?
— Simples. Eu continuaria fingindo ser seu amigo e faria você me dar uma procuração para que
eu administrasse sua fortuna, tudo com o propósito de contratar os melhores advogados do mundo
para te soltarem, e aí, quando se desse conta do que havia acontecido, eu estaria longe e você teria
muitos anos na cadeia para refletir, mas quando foi solta, eu soube que se eu não tomasse cuidado,
aquele advogadozinho poderia livrar a sua cara.
— E aí você começou a matar as outras pessoas e fazer parecer que fui eu.
— Sim, e foi tão fácil. Manipular você e fazer você estar nos lugares certos, plantar provas. E
quando você saía, eu tinha olhos que te vigiavam e sabia exatamente a hora de agir e tudo estava
dando muito certo, até aquele investigador idiota cair nos seus encantos. Qual o problema desses
homens que pensam com a cabeça do pau? — Marcelo encheu novamente o copo e encarou Monique.
— Então, eu tive que mudar minha estratégia e bem... Aqui estamos nós.
Capítulo Trinta e Nove

Dantas entrou no apartamento, cauteloso. Não gostava de invadir locais sem um mandato e,
estava consciente do tipo de problema que aquela ação poderia lhe causar. Mas depois de tudo que
ouviu, não podia ignorar o fato de a vida do investigador Goulart estar em perigo e por isso, estava
ali. Além do mais, Guilherme era um excelente advogado. O melhor da cidade, certo?
Quando entrou, deixou seu instinto investigativo aflorar e, mesmo sem tocar em nada, percebeu
que havia algo estranho. E não foi o silêncio ou o fato de não ter ninguém que o incomodou. Claro
que ele sabia que não encontraria Marcelo ali. O que lhe incomodou de verdade, foram as plantas
praticamente mortas, os móveis empoeirados. Ele podia estar enganado, mas há muito tempo não
aparecia ninguém ali.
Adentrando ainda mais no apartamento, prestando atenção para não esbarrar em nada, foi até a
cozinha. Depois de retirar uma luva de látex do bolso — que ele havia pedido a uma enfermeira
antes de deixar o hospital — colocou-a e, abriu primeiramente os armários. Nada, além de alguns
copos e pratos, nenhum mantimento. Foi até a geladeira e o quadro se repetiu. Não havia nada, nem
mesmo, água.
Dantas foi até o quarto e não foi surpresa quando abriu o guarda-roupas e constatou que não
haviam mais do que meia dúzia de peças ali. Como se alguém tivesse, aos poucos, se mudando.
— Dr. Guilherme… — Dantas ligou para o advogado enquanto saía do apartamento — Tem
certeza que o endereço é esse? O local está deserto, não há nem mesmo vestígio que tenha tido
alguém aqui por um longo período... Sim, compreendo, então nosso amigo deixou o local aos poucos
e, não fez isso recentemente... Sm, irei ao hospital imediatamente... Até já, doutor.

***

Ricardo estava aflito e, nem com Paula acariciando seu cabelo, conseguiu acalmá-lo. Gabriel
estava correndo perigo e ele tinha que fazer alguma coisa.
Depois de ligar para muitas pessoas, descobriu que a empresa de Marcelo há muito estava mal
das pernas. Mal não, péssima. Depois que ele havia comprado a parte do seu sócio, Júlio, as coisas
começaram a não dar muito certo e a situação chegou a um ponto tão crítico que ele teve que pegar
um grande empréstimo no banco, porém, não foi o suficiente para salvar sua agência de investimento.
Conseguiu também, informações de fontes seguras, que Marcelo estava falido e que se não
pagasse a dívida do banco, eles lhe tomariam tudo que ele ainda tinha. Apartamento, carro e qualquer
bem que ele possuísse.
A questão agora, era descobrir onde ele poderia estar e onde manteria Monique e Gabriel.
Frustrado por ainda não ter conseguido tais informações, Ricardo jogou o telefone longe,
assustando Paula.

***

— Bom, vamos ao que interessa — Marcelo disse, depois de virar todo líquido que havia em seu
copo. — Você assina isso, passa todo seu dinheiro para mim e pronto. Seu namorado está livre e
você também.
— Não! — Monique disse, jogando as folhas no chão.
— Ficou louca? Não teme pela vida do nosso bom investigador?
— Não sou estúpida. Gabriel e eu já estamos mortos. Basta eu assinar isso para que você dê a
ordem e seu comparsa matará Gabriel e depois, você mesmo vai me matar.
— Não vou negar que minha vontade é de acabar com você. Arrancar cada fio de cabelo preso
nessa sua cabeça oca. Você me deu muito trabalho, encheu meu saco com aquela conversa mole de
“você prometeu que ia me ajudar”, toda vez que eu ouvia você repetir essa frase, tinha vontade de
fazer com você o mesmo que fiz com Fabiana. Mas se tem uma coisa que eu aprendi, foi a ser
paciente.
Monique baixou os olhos quando viu a maldade que passava no olhar gélido de Marcelo.
— Contudo, eu prometo que se você for boazinha, eu deixo você e seu namoradinho viverem.
Basta você assinar isso.
— Não! — ela se levantou e se afastou da mesa. — Você não vai fazer isso, posso ver em seus
olhos e, se eu assinar, nunca ficarei em paz com a memória de Fabiana. Você nunca verá nem um
centavo do dinheiro dela, então, se você quer me matar, faça logo, porque essa herança você não vai
ter.
Marcelo ferveu de raiva e num ímpeto violento, se aproximou dela, segurando-a pelo cabelo,
prendeu um de seus braços nas costas com tanta força que, Monique achou que ele pretendia arrancá-
lo a sangue frio.
— Você acha que eu estou brincando? Acha que pode me testar? — Marcelo investiu a cabeça
dela contra a pilastra com força suficiente para machucar, mas não desmaiar. Monique sentiu o
sangue escorrer de seu supercílio e ficou tonta. — Eu não blefo, querida. Então acredito que seja
melhor você repensar sua bravura.
Marcelo a arrastou até a cama, jogando-a violentamente sobre o colchão e, logo em seguida,
abriu um laptop que já estava com a tela de um programa para conversa em vídeo, aberta.
Do outro lado, um homem musculoso, todo vestido de preto, com uma touca ninja sobre o rosto,
atendeu.
— Amigo, mostre à nossa convidada que nós não blefamos e nem brincamos.
— Agora mesmo, chefe.
O homem virou a tela e Monique viu Gabriel. Ele estava amarrado em uma cadeira, as mãos
presas para trás, os pés atados aos pés do assento. Sua cabeça pendia para frente e sua respiração
era lenta, como se ele lutasse para conseguir fazer o ar entrar nos pulmões.
Sangue escorria de seu peito e barriga e, também pingava de seu rosto. Monique levou as mãos
aos olhos. Não podia ver aquilo. Seu coração doía tanto que era como se tivesse sido arrancado do
peito.
Marcelo se colocou atrás dela, tirando à força as mãos dela do rosto e, puxando novamente seu
cabelo, obrigando-a a olhar para a tela.
— Pode começar. — ele ordenou e, o outro homem se aproximou de Gabriel com dois fios
desencapados na ponta. Ele encostou um fio no outro, fazendo uma centelha surgir.
Monique fechou os olhos, no entanto, Marcelo sussurrou ao seu ouvido que se ela não assistisse,
ele faria a tortura ser muito pior.
Quando o homem encostou aqueles fios nos joelhos de Gabriel, seu corpo todo estremeceu e o
grito gutural que ele deu, fez o corpo de Monique amolecer, como se ela mesmo estivesse sentindo o
choque.
Gabriel desmaiou novamente e o homem encheu seu rosto de socos até que ele despertou.
O homem encapuzado puxou seu cabelo para trás e o fez encarar a tela. Seus olhos estavam
inchados e seu nariz e boca, ensanguentados.
— Olhe sua garota. E diga a ela para assinar os papéis. Implore feito uma menininha para que ela
salve sua vida.
— N... Não assine n... Nada. — Gabriel balbuciou e o homem desferiu mais dois socos em seu
rosto e logo em seguida, voltou a pegar o fio.
— Vamos ver o quão durão você é.
Gabriel soltou outro grito que fez os pelos de Monique se arrepiarem de medo.

***
Dantas chegou ao hospital e foi até o quarto para o qual Guilherme havia sido transferido. Bateu à
porta antes de entrar e encontrou o delegado Eduardo parado próximo à cama de Guilherme,
enquanto o advogado contava a ele tudo o que sabia.
Eduardo tinha a expressão preocupada.
— Designarei todos os policiais disponíveis para encontrarmos Gabriel. Ninguém dormirá ou
folgará até que peguemos esse desgraçado.
— Obrigado, Eduardo. — Guilherme disse, enquanto apertava a mão do delegado.
— Faço isso em nome da nossa antiga amizade.
Eduardo cumprimentou Dantas, se virou e saiu.
— Seu amigo Ricardo deu alguma notícia? — Dantas perguntou genuinamente preocupado.
Guilherme balançou a cabeça negativamente antes de responder.
— Pelo menos, nada que seja relevante.
— Merda! — Dantas esbravejou, esmurrando a parede.
Guilherme fitou aquele policial e sorriu. Será que Gabriel tinha ideia que mesmo com seu jeito
carrancudo e reservado, existiam pessoas como Dantas, que gostavam e o admiravam?
O celular do advogado tocou, tirando-o de seus pensamentos e, quando ele olhou na tela, deu um
grande suspiro e pediu aos céus que aquela ligação trouxesse finalmente boas notícias.
Atendeu e colocou no viva voz para que o cabo Dantas pudesse ouvir.
— Fala Ricardo.
— Tenho duas pistas, Guilherme — a voz do homem soava ansiosa. — Achamos um endereço no
nome da mãe do Marcelo, a quarenta minutos de Curitiba. Se corrermos, podemos chegar em trinta,
talvez vinte... É uma casa antiga que, pelo que fiquei sabendo, não mora ninguém lá há anos.
— Ou seja, local perfeito para um cativeiro.
— Foi o que eu também achei.
— E qual a outra pista?
— Tem um flat, também no centro da cidade, que foi alugado por um tal Jonas Silva Mendonça e
adivinha só quem é esse homem?
— Não faço ideia.
— Pai de Marcelo. O problema é que o homem já morreu há cinco anos.
— Então por isso que o apartamento dele está vazio. Ele está em um flat.
— Guilherme... — Ricardo parecia tenso. — Sabe que é um tiro no escuro. Se nós arrumarmos
pessoal suficiente para ir nesses dois lugares, pode não dar em nada e aí, o relógio vai mais ainda
contra nós.
— E que escolha nós temos, Ricardo? Esse Marcelo já mostrou que não está para brincadeira.
Não posso arriscar e, quanto ao pessoal, deixe que eu cuido disso.
— Vou acionar meus contatos. Tenho amigos policiais e ex-policiais que não hesitariam em pagar
suas dívidas comigo e ir até a tal casa abandonada. Alguns deles podem chegar lá antes de nós.
— Excelente. Você os manda até a casa abandonada e eu vou arrumar quem vá ao flat —
Guilherme encarou Dantas, deixando claro que se tratava dele.
— Mãos à obra. — Ricardo desligou e Guilherme virou-se para Dantas. — Vou ligar para
Eduardo e pedir que ele designe alguns homens para acompanhar você, mas quero você no comando
e tenho certeza que o delegado Campos não vai se opor.
— Farei isso com maior prazer.
Capítulo Quarenta

Monique não aguentava mais. Seu estômago estava embrulhado e podia sentir seus olhos
inchados de tanto chorar. O que eles estavam fazendo a Gabriel era desumano e, Marcelo estava
obrigando-a a assistir. Se ela fechasse os olhos, eles eram ainda mais severos. Por um momento, ela
acreditou que ele já estivesse morto, mas, logo em seguida, viu seu peito inflar, respirando.
Ela teve certeza que se fosse um homem mais fraco, não resistiria, entretanto, se tratando de
Gabriel, ele estava suportando. Apesar de ela ter certeza que essa resistência não duraria muito.
— Chega Marcelo, por favor, eu não aguento mais, ele não vai aguentar mais — Monique
implorou.
— Mas não sou eu quem está fazendo isso com ele, querida. — ele acariciou seu rosto e o corpo
dela se arrepiou em repulsa. — Você está. Ele não precisaria passar por isso se você já tivesse
assinado os papéis.
Monique balançou a cabeça negativamente.
— Se, desde que chegamos aqui, você tivesse assinado, vocês estariam livres, correndo um para
os braços do outro.
— Você está mentindo. — ela gritou.
Marcelo apenas fez um gesto com a cabeça para que a tortura recomeçasse, mas, agora os gritos
de Gabriel transformaram-se em gemidos e Monique sabia que ou ela fazia alguma coisa ou,
assistiria o homem que ela amava ser torturado até a morte.
— Pare, por favor, eu assino... Eu assino, mas pelo amor de Deus, pare com isso.
Marcelo levantou a mão e o homem encapuzado se afastou de Gabriel no mesmo instante.
— Finalmente! — Marcelo se levantou sorrindo, recolheu os papéis do chão, e arrumou-os para
que Monique os assinasse. — Sabe, você com a sua teimosia, proporcionou muita diversão ao meu
amigo. Há muito tempo que o jeito pedante do investigador o irritava diariamente e ele queria muito
essa oportunidade.
— Ele é policial também?
— Para você ver... Nem todo mundo quer bancar o herói como seu namoradinho.
Quando Marcelo estendeu os papéis diante de Monique e lhe ofereceu uma caneta, ela o encarou.
— Vou assinar, mas só depois que você liberar Gabriel.
— Como é, sua vadia? Vai querer ver a tortura recomeçar? Acredite, meu amigo vai ficar mais do
que feliz com essa tarefa.
— Não, espere. — ela secou as lágrimas, respirou fundo, e assumiu uma postura confiante. — Eu
vou ficar aqui, eu não me importo com o que você faça comigo depois. Pode me matar... Não me
importo. Apenas poupe a vida de Gabriel.
Marcelo apertou os olhos encarando, avaliando, para ter certeza de que ela falava sério.
— Ora, o que você tem a perder? — ela provocou. — Quando Gabriel conseguir chegar a um
hospital e ser curado, você já estará longe. Eu estarei morta e ninguém poderá mais te incriminar. Ele
é só um homem, o que ele poderia fazer contra alguém com tanto dinheiro quanto você?
Marcelo a fitou por um momento, considerando sua proposta. Para Monique, aqueles segundos
pareciam uma eternidade e ela sabia que o tempo de Gabriel estava se esgotando. Com tantos
ferimentos, ele precisava de um hospital o mais rápido possível.
— E então, Marcelo? Mande seu comparsa soltar Gabriel para que eu possa começar a assinar
logo isso.
Ela posicionou a caneta sobre o papel e o encarou.
— Você daria sua vida por ele? Um homem que, até algumas semanas atrás, odiava você e queria
te por atrás das grades?
— Sim, eu daria... Dou a minha vida em troca da dele. Mas isso não é da sua conta. E você? Quer
ficar milionário ou vamos ficar nesse bate papo?
Marcelo chamou novamente o homem e, quando este atendeu, ele ordenou.
— Deixe o local.
— Como é, chefe?
— Você me ouviu.
— E o que eu faço com ele?
— Deixe-o aí, abandonado à própria sorte. Se o anjo da guarda dele for muito bom, alguém o
achará. Agora, faça o que eu mandei e deixe o local. Não vá muito longe, mas abandone a casa. Se eu
não ligar para você em meia hora, volte e meta uma bala na cabeça desse desgraçado.
— Entendido, chefe.
A tela do notebook ficou preta, sinal que o homem do outro lado, desligou. Marcelo então, virou-
se para Monique com um largo sorriso.
— Agora é a sua vez.
Monique suspirou e assinou lentamente, folha após folha. Ela não confiava em Marcelo e, quanto
mais demorasse, mais tempo o homem se afastaria de onde Gabriel estava. Seu coração ainda estava
apreensivo. Pedindo a todos os anjos que alguém achasse Gabriel a tempo. Enquanto ela assinava,
lágrimas rolavam por sua face e uma pingou no papel.
Ao assinar a última folha, Monique sentiu-se derrotada e livre. Todo aquele pesadelo terminaria
e, mesmo que isso significasse sua morte, ela não se importava, pois Gabriel teria uma chance.
Monique entregou a Marcelo os papéis e a caneta. Suas mãos tremiam.
— Finalmente — ele disse sorrindo. Depois pegou o celular e apertou a discagem rápida. —
Volte lá e termine o serviço.
— Não! — Monique gritou e voou em cima de Marcelo.
O peso do corpo dela fez com que ele se desequilibrasse e batesse contra o armário embutido. A
porta de correr deslocou e eles escorregaram mais.
Monique batia em Marcelo, porém, ele era muito mais forte e não teve dificuldade em imobilizá-
la e, mais uma vez, investir a cabeça dela contra o chão.
— Você acreditou mesmo que eu o deixaria vivo? Ora, eu vi o jeito que vocês trepavam na
janela. E mesmo pelas fotos, não foi difícil ver como ele estava possessivo sobre você. Como ele
tomava você... — Ele passou a língua no rosto de Monique, que se esforçava para soltar-se, mas
parecia uma tarefa impossível. — Mesmo que eu fosse para o Japão, ele iria atrás de mim e eu não
posso arriscar.
— Seu desgraçado. — ela se debatia, mas Marcelo continuava segurando-a firmemente e, quando
ele conseguiu encontrar uma forma de fazer os dois se levantarem, retirou uma arma da parte de trás
da calça e apontou para ela.
— Anda, atira... — ela provocou, com lágrimas pesadas nos olhos. — Termina logo com isso.
— Sabe, você é corajosa. É realmente uma pena que eu tenha que fazer isso.
Ele tirou um silenciador do outro bolso e acoplou à pistola, logo em seguida, destravou a arma.
***

O homem que havia torturado Gabriel, fez retorno com o carro e seguiu de volta até a casa
abandonada. Não tinha se afastado muito, apenas dez minutos. Claro que ele não o mataria
imediatamente. Dar um tiro na cabeça dele, era sem graça demais. Ele iria torturá-lo até a morte e
depois, ainda ganharia para isso.
Veja se isso não é ter sorte? Ele sorriu, encarando seus olhos no espelho retrovisor. Quantas não
foram as vezes que ele se imaginou fazendo isso, a cada insulto, cada grito que aquele desgraçado do
investigador dava?
Assim que ele desligou o motor, olhou ao redor e tudo parecia exatamente como ele havia
deixado. Totalmente calmo e deserto.
Tinha apenas vinte minutos que ele havia saído, mas ele tinha certeza que Gabriel não tinha
morrido nesse tempo. Não! Ele era forte demais. E lutaria bravamente pela sua vida.
Coitado! Pensou o homem. Mal sabia ele que sua vida estava para terminar, ali e agora. E tudo
isso por se enfiar entre as pernas da mulher errada.

Quando o policial traidor chegou até o quarto onde tinha torturado Gabriel, ele não estava mais
lá. Assustado, ele olhou ao redor procurando.
Não! Impossível que ele tenha saído daqui com as próprias pernas. E se ele fez, foi se
arrastando. Não estaria longe.
Ele começou a procurar em todos os cômodos, quando saiu para a varanda da casa, o local estava
cercado de homens à paisana.
Todos eles apontavam uma arma para o peito do policial e ele pôde ver refletir em sua camisa,
alguns lasers das miras.
Os homens continuaram em silêncio e ao fundo, um homem moreno alto, vinha na direção dele,
mancando um pouco da perna direita.
Os atiradores não se moveram e o homem continuou caminhando até o policial.
— Seu nome, soldado. — o homem perguntou, percebendo pelo porte, corte de cabelo e postura,
que aquele homem era um deles.
— Santos, senhor. — ele respondeu, tentando esconder seu nervosismo. — Vim aqui a mando do
delegado Eduardo. Soubemos que é possível que o investigador Goulart esteja sendo mantido refém
aqui.
Ricardo olhou Santos de cima a baixo e viu sua calça jeans escura, manchada de sangue.
— Verdade, filho?
— Sim, senhor.
— Então me responde, filho, como você chegou aqui tão rápido?
— Eu... Eu estava pelas redondezas.
— Sabe soldado, se tem uma coisa que eu sempre odiei, eram mentirosos e corruptos. Vocês se
acham espertos, mas a verdade é que vocês fedem e, quando vocês estão transpirando como você
está agora... O cheiro é pior ainda.
Ricardo fez um gesto com a mão, Santos ouviu dois disparos e logo em seguida, sentiu seus
joelhos queimarem. No mesmo instante, ele caiu, sentindo a dor aumentar com o impacto no chão,
instintivamente, ele jogou o corpo para o lado e tentou sacar sua arma, porém, Ricardo atirou em sua
mão, fazendo com que a pistola caísse e, ainda apontando para Santos, abaixou e pegou a outra arma.
— Agora me responda, filho. O que você acha de tortura?
Os olhos de Santos se arregalaram e ele xingou um palavrão alto.
Os outros homens se aproximaram, guardando suas armas em seus coldres e o encarando com
fúria. Alguns sorriam maliciosamente.
Porra! Santos praguejou. Aquilo seria ruim, muito ruim.
— Quero que você se divirta com alguns amigos meus... — Ricardo disse e virou-se, entretanto,
antes de se afastar, disse aos companheiros — Quando terminarem, queimem tudo.

***
Monique fechou os olhos, apenas aguardando o disparo da arma e, quando ela ouviu um barulho
alto, pensou que não demoraria muito para estar morta. Entretanto, ao contrário disso, ouviu uma voz
gritar “Largue a arma”. Marcelo a puxou contra ele, colocando a arma em sua cabeça.
Quando ela abriu os olhos, viu Dantas e mais dois policiais, com a arma apontada para eles.
— Não sejam idiotas. Eu atiro nela e a mato em dois segundos.
— Não seja idiota você. O local está cercado e não tem para onde fugir.
— Vocês vão colocar em risco a vida de uma refém?
— Coloquem, por favor. — Monique gritou. — Metam uma bala nesse desgraçado.
— Se entregue, Marcelo e será melhor para todo mundo.
— Nunca! — Ele sorriu. — Adeus, Monique.
No entanto, antes que ele pudesse puxar o gatilho, um disparo foi ouvido e uma queimação atingiu
suas costas, fazendo-o instintivamente soltá-la. Logo em seguida, Marcelo sentiu seu corpo se chocar
contra o chão.
E foi a oportunidade perfeita.
Dantas se aproximou, chutando a pistola para longe, antes de chutar as costas de Marcelo e dar
voz de prisão.
Monique recolheu as folhas que estavam caídas pelo quarto e as rasgou furiosamente diante do
rosto de Marcelo.
— É isso que você vai ganhar, seu desgraçado — ela o chutou. — Isso e muitos anos na cadeia.
Dantas a segurou e Monique desabou, chorando copiosamente.
— Gabriel, esse desgraçado matou Gabriel.
— Se acalme, senhorita Pillar. O investigador está a caminho do hospital agora.
Monique arregalou os olhos, incrédula, e o encarou.
— Vai ficar tudo bem. — Dantas a abraçou e acariciou seu cabelo enquanto o corpo de Monique
estremecia de nervoso e alívio.
Capítulo Quarenta e Um

O caminho até o hospital nunca foi tão longo. Monique pouco se importava com sua cabeça
dolorida e seus ferimentos. Não! Ela queria chegar lá para se certificar que Gabriel estava bem.
Deus, faça com que ele esteja bem.
— Por favor, Dantas, você é policial. Não pode dirigir um pouquinho mais rápido?
Dantas sorriu, sem virar o rosto para olhá-la.
— Fique tranquila, senhorita Pillar, logo chegaremos lá.

Quando a viatura estacionou em frente ao hospital, Monique desceu correndo na direção da porta
automática de vidro, mas, antes que ela pudesse entrar, seus olhos foram capturados por uma
movimentação próxima a uma ambulância.
Quando retiraram o paciente lá de dentro, o coração dela gelou. Ela não sabia como, contudo,
mesmo sem ver o rosto de Gabriel, sabia que era ele.
Ela se aproximou cautelosa enquanto os enfermeiros ajeitavam o soro e cobriam seu corpo
machucado. Lágrimas voltaram a rolar por sua face, quando viu que ele mantinha os olhos fechados.
— Se afaste, moça. — um enfermeiro pediu quando, sem se dar conta, ela tentou tocar a mão
dele.
— Eu... Eu o conheço.
— Então, aguarde na recepção. — o enfermeiro finalmente a olhou e, ao perceber seu rosto
machucado e seu olhar de tristeza, sentiu-se compadecido de sua dor. — A senhorita também precisa
de cuidados. Bem, acho que pode nos acompanhar.
Ele piscou e sorriu para Monique, que retribuiu e tocou a mão de Gabriel de forma delicada, com
medo de machucá-lo. Mas, ao sentir seu toque, Gabriel forçou-se a abrir os olhos roxos e inchados e,
ao perceber que Monique estava ao seu lado, deu um leve apertão.
— Estou aqui, querido... Estou aqui.
Monique passou a mão pelo rosto dele, enquanto Gabriel era levado para a sala de tomografia e
raio-x, para verificarem se não havia nada quebrado.
O equipamento de tomografia estava sendo preparado, quando Gabriel puxou Monique para
próximo dele.
— Se... Se eu morrer...
— Shhh, não fale. Não diga isso, você vai ficar bem.
— Se... — ele insistiu — se algo acontecer, preciso que você saiba.
Ela apenas o encarou, esperando ele concluir, já que sabia que ele não desistiria de falar.
Teimoso!
— Eu... Eu te amo.
Monique não podia acreditar no que estava ouvindo. Seus olhos se encheram de lágrimas e, antes
que ela pudesse repetir para ele que também o amava, o enfermeiro pediu para que ela se retirasse.

Depois dos exames, Gabriel foi tratado por uma excelente equipe de médicos e enfermeiros, após
se certificarem que ele não sentia dor, aplicando uma injeção de demerol, deixaram-no descansar.
Três longas horas depois, ela permanecia ao lado do leito de Gabriel, sentada em uma cadeira
desconfortável, com os braços sobre o lençol branco e a cabeça apoiada aos membros.
Estava cochilando, quando sentiu uma mão acariciar seu cabelo. Rapidamente, ela levantou o
rosto e encarou os olhos azuis de Gabriel, em uma linha fina de suas pálpebras ainda inchadas.
— Olá — ela disse sorrindo fracamente.
Gabriel fitou o corte, no centro de um hematoma em sua testa, e franziu o cenho.
— Você está machucada — ele disse ainda com a voz fraca e ela pôde sentir toda sua raiva.
— Eu? — Ela acariciou o rosto dele, em um dos poucos lugares que não estava machucado. —
Eu estou ótima. Quem está machucado aqui é você.
— Não ligue para isso. Sou duro na queda. Daqui a pouco estarei pronto para outra.
— Nem brinque com uma coisa dessas, Gabriel. — Monique se levantou e foi até a janela.
Envolveu a si mesma com os braços e fitou o nada. As imagens de Gabriel sendo torturado ainda
passavam em sua mente, como um thriller de terror. Sem se dar conta, ela começou a chorar.
— Não posso imaginar você passando por aquilo novamente... Quase morrendo... Eu morreria.
Ainda mais, por minha culpa.
— Venha até aqui. — Gabriel estendeu a mão e ela voltou para perto dele. — Primeiro, nunca
mais repita isso, você não tem culpa de nada. Segundo, eu sou um policial, Monique, já estou
acostumado com isso e, se nós vamos ser namorados, você tem que se acostumar com a ideia.
— Namorados? — ela o encarou, séria, mas seu coração dava pulos de alegria.
— Sim. — Ele estava sorrindo, mas ficou sério rapidamente. — Por que, você não quer?
— Ah, Gabriel — ela o abraçou apertado. — É tudo o que eu mais quero.
Gabriel gemeu, pois ela apertava uma de suas costelas quebradas, porém, quando ela tentou se
afastar, ele a puxou e a beijou castamente.
Nesse momento, a porta abriu e eles se afastaram. Guilherme estava em uma cadeira de rodas,
observando a cena com um olhar curioso.
— Guilherme! — Monique correu até ele e o abraçou. — Desculpe não ter ido te ver, mas...
Ela se calou. Não tinha desculpa. Estava preocupada demais com Gabriel e não quis sair de perto
dele um só minuto até ter certeza de que ele estava realmente bem.
— Tudo bem, Monique. Não precisa se explicar — ele sorriu e segurou sua mão, dando um beijo
casto nos nós dos dedos dela. — Soube que você ficou orando muito por mim e agradeço por isso.
— Não agradeça, era o mínimo que eu podia fazer.
Os irmãos Goulart se encararam. Apertando o controle da cama, Gabriel suspendeu um pouco o
leito.
— Monique, você pode nos dar licença um instante? — Gabriel pediu.
— Claro, estarei por perto.
Depois que Monique saiu, o silêncio ainda permaneceu incômodo por um tempo, até que
Guilherme o quebrou.
— Você disse que seria prudente.
— Bom, eu não tive muita escolha, já que levei uma grande porrada na cabeça.
— Fico feliz que você esteja bem.
Novamente, o silêncio pareceu ser um grande abismo que separava os irmãos.
— Eu a amo. — Gabriel falou, pegando Guilherme de surpresa com aquela revelação. — Não fiz
isso para descontar, me vingar, nada disso. Jamais faria algo assim. Eu relutei muito contra isso, mas,
quando você a deixou sob meus cuidados… Aconteceu.
Guilherme aproximou a cadeira da cama e segurou a mão de Gabriel.
— Sei que você não faria algo tão mesquinho. E fico mais do que feliz que você esteja aberto ao
amor novamente. Desejo que vocês sejam felizes e...
— Porra Guilherme! Dá para, pelo menos uma vez na vida, você mostrar que tem sangue nas
veias? Porque não é possível que você esteja bem com isso. Sei que você gosta dela e sei o quanto
isso é dolorido. Posso ver em seus olhos.
— Não vou negar que a amo e que é dolorido... Nossa, como é, mas... Caramba! Você é meu
irmão. Eu não poderia te desejar mal. Nunca!
— Você sempre foi uma pessoa muito melhor do que eu.
— Não, Gabriel. Você é uma pessoa maravilhosa. De bom caráter. Eu só sei lidar melhor com
essas coisas de dor. — Guilherme deu de ombros. — Não foi sempre assim?
A mente de Gabriel o levou há muitos anos...

Eles estavam sentados na sala, jogando videogame. Como era de se esperar, estavam
discutindo, pois Guilherme ganhava pela terceira vez consecutiva e Gabriel não aceitava perder.
Apesar de ser três anos mais novo, Guilherme era muito melhor nessas coisas de jogo do que o
irmão.
Joana estava na cozinha fazendo a tradicional carne assada de domingo, o pai deles, na
varanda, lendo jornal e fumando seu charuto, com seu robe de domingo e chinelo de couro.
O Sr. Sérgio Goulart era um homem de meia idade, mas com pouquíssimos cabelos brancos. Os
olhos azuis dele e a beleza máscula eram algo que encantava muitas mulheres, porém, diferente de
muitos empresários daquela época, Sérgio Goulart só tinha olhos para sua doce esposa.
De repente, Sérgio entrou abruptamente em casa e chamou os meninos para a cozinha.
— Garotos, venham cá... Agora, porra. — ele chamou, enquanto desligava a TV.
Na mesma hora, Gabriel e Guilherme se levantaram e encararam seu pai. E, quando eles
entraram na cozinha, viram o rosto de sua mãe lívido e seu pai, cada vez mais apavorado, no
entanto, tentando manter a calma.
— Joana, por favor, querida. Eu posso lidar melhor com isso, se vocês não forem um alvo, por
favor. Vá com os meninos para a dispensa. Agora, Joana, agora!
Ela obedeceu e entrou no pequeno cômodo cheio de prateleiras de mantimentos, — pois,
depois de muito insistir, Sérgio fizera como ela tinha visto nos filmes americanos e insistira que
queria igual — e ficou lá com seus filhos.
Os meninos olhavam para sua mãe de forma interrogativa, contudo, ela nada disse, além de
suas orações.
Eles se assustaram quando a campainha tocou.
Ouviram-se passos e logo depois, vozes vindas da porta que dividia a sala e a cozinha.
— E onde está sua família, Goulart?
— Minha esposa e meus filhos estão na igreja a essa hora.
— É você quem está cozinhando?
— Claro, por que não?
O homem observou atento a cozinha e, depois de abrir a porta dos fundos e mandar o outro
cara que estava com ele, verificar os quartos e o banheiro, voltaram para a sala.
— Vamos ao que interessa, Goulart. Onde está o dinheiro?
— Eu já disse que vou te pagar, Tony, só preciso de um prazo maior e...
— Não brinque comigo, Goulart. Seu prazo já foi estendido duas vezes.
— Mas eu tenho família, você tem que entender.
— Se você quiser, podemos aliviar você desse fardo. — O homem sentou no sofá e cruzou as
pernas. — Aguardaremos aqui até que eles voltem da igreja e então, daremos um fim neles, aí você
vai conseguir me pagar.
— Não! Saia da minha casa! — Sérgio gritou e avançou para cima do homem, mas antes que
ele pudesse alcançá-lo, o seu parceiro atirou e Sérgio caiu sobre o tapete.
Com o barulho dos tiros, Gabriel e Guilherme se assustaram e silenciosamente, saíram da
dispensa, ajoelhados, foram até a porta da cozinha e viram o corpo de seu pai, estendido no chão,
com o rosto contra o tapete.
Um homem mantinha o rosto dele colado no chão, pressionando com o tênis, sua cabeça,
enquanto o tiro que havia acertado Sergio no ombro, sangrava.
Quando os olhos do pai encontraram os dos filhos, ele estremeceu. Se aqueles homens os
vissem ali, estaria tudo perdido. E, em um olhar apavorado e silencioso ele pediu para os meninos
voltarem para a dispensa.
— Sabe, eu vim aqui na boa para a gente conversar e você tenta me atacar? Tsc Tsc Goulart.
Você cometeu um grande erro.
O outro homem pisou no ferimento e Goulart urrou de dor.
— Vamos embora, Barata. Acabe com isso. Mate esse desgraçado.
O parceiro do agiota não hesitou, atirou duas vezes, acertando a cabeça de Sérgio que,
permaneceu com os olhos abertos, como se ainda olhasse para seus filhos, enquanto o sangue
escorria pela sua testa.
— E a família? — Barata perguntou ao seu chefe.
— Deixe que eles achem o presunto e pensem que foi assalto. Vamos.

No dia do enterro de Sérgio Goulart, Gabriel e Guilherme não se separaram um só minuto. E,


enquanto a terra era jogada por cima do caixão, Gabriel disse:
— Nós nunca vamos fazer nada desonesto. Vamos buscar sempre a justiça. — Gabriel apertou
a mão de Guilherme. — Prometa, Guilherme, prometa que nós vamos ser homens de bem,
cumpridores da lei, para varrer da sociedade a escória, como os homens que fizeram isso.
— Vamos ser homens de bem, irmão, cumpridores da lei. — Guilherme repetiu em meio às
lágrimas.
Os irmãos Goulart se abraçaram e choraram enquanto davam o último adeus a seu pai.
Depois do enterro do pai, a família Goulart se mudou para a cidade onde a madrinha de
Gabriel e, tia dos meninos, morava. Como Joana teve que trabalhar, eles ficavam a maior parte do
dia aos cuidados da madrinha, que na época, tinha um filho um pouco mais jovem que os irmãos
Goulart. Wagner.
Enquanto Guilherme era sempre solícito, sempre ajudava nos afazeres domésticos, Gabriel
estava cada vez mais perdido e por um tempo, Guilherme acreditou que Gabriel não fosse
conseguir cumprir a promessa e, fosse virar um delinquente juvenil, mas, na verdade, ele só não
estava sabendo lidar bem com a dor e foi se afastando cada vez mais das pessoas que o amavam.
Capítulo Quarenta e Dois

Gabriel sorriu quando conseguiu afastar aquelas tristes lembranças da sua mente.
— Verdade, mas confesse. Se eu não estivesse numa cama de hospital e você não estivesse
parecendo que está fazendo teste para o papel do Homem de Ferro, você ia querer me dar uns bons
socos.
— Acho que eu ainda posso fazer isso, quando estivermos recuperados.
— Tenta a sorte, Gui! Tenta a sorte. — Gabriel provocou e Guilherme sorriu ao ouvir seu irmão
chamá-lo pelo apelido que lhe deu quando ele nasceu, porém, que há muito não usava.
— Tenho que voltar para o meu quarto antes que as enfermeiras pensem que eu fugi.
— Ah, tenho certeza que elas estão muito tristes de terem que cuidar de você. — Gabriel disse
maliciosamente, sabendo que as enfermeiras deviam estar encantadas com seu irmão.
Guilherme balançou a cabeça e depois de apertar a mão do irmão carinhosamente, saiu do quarto.

Assim que passou pela porta, Monique, que estava esperando no corredor, veio ao encontro dele.
Ele sorriu ao vê-la, mas logo se lembrou que agora, ela era de seu irmão e ele tentaria se manter
afastado o máximo possível.
— Guilherme, posso falar com você? — Os olhos dela estavam apreensivos.
— Está tudo bem, Monique. — ele mentiu — Gabriel já me contou que vocês estão juntos.
— Sinto muito, mas... Não foi nada planejado, sabe? Aconteceu.
— Não se preocupe com isso. — ele forçou um sorriso — Ficarei bem se você me prometer que
vai cuidar bem dele e fazer meu irmão muito feliz, porque ele merece.
— Eu prometo. — ela o abraçou. — Nem precisa pedir duas vezes.
— Quero que me prometa também, que vamos continuar amigos e que, se ele te magoar, você vai
me avisar para que eu possa dar uma surra nele.
— Ei, a primeira parte eu prometo, mas não se preocupe com a segunda. Sou uma garota crescida
e sei me cuidar. — Ela baixou o tom da voz e sorriu. — Eu mesma darei uma surra nele. — Monique
se aproximou e beijou seu rosto.
Guilherme sorriu tristemente e voltou para seu quarto, sentindo seu peito se apertar e a dor
dilacerar seu coração.

Quando Monique entrou no quarto de Gabriel, ele abriu um largo sorriso. Mesmo com todos
aqueles machucados e os olhos inchados, continuava lindo.
— Venha aqui. — ele estendeu a mão e, quando ela se aproximou, ele chegou para o lado, para
que ela deitasse com ele.
— Não acho que seja uma boa ideia...
— Para mim parece uma ótima ideia. — ele levantou o rosto dela e a beijou, quando suas bocas
se afastaram, ele sorriu e disse: — Você ao meu lado vai me fazer sarar muito mais rápido do que
qualquer porcaria que eles coloquem no meu soro.
Ela sorriu, acariciando o peito dele por cima do avental do hospital e, ele a puxou ainda mais
contra si.
— Gabriel?
— Sim?
— Guilherme reagiu bem quando você falou de nós?
— Como um verdadeiro cavalheiro. — Gabriel sorriu. — No lugar dele, eu teria quebrado
minha cara.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro. — ele beijou a testa dela.
— O que houve entre vocês?
Gabriel ficou tenso por um instante, mas logo relaxou.
— Não precisa falar se não quiser... É só que, eu fiquei muito curiosa, porque ficou claro que
vocês se amam, então, por que tanta hostilidade?
— Tudo bem, querida, sem problemas. Posso falar, porque agora, isso não me incomoda mais —
ele fez um som, como se estivesse limpando a garganta ou tomando coragem para falar e continuou.
— Quando eu fiz o segundo grau, conheci uma menina. Seu nome era Laura e eu fiquei encantado na
época. Não demorou muito para começarmos um relacionamento sério. Éramos inseparáveis e até
estudávamos juntos para o vestibular, passamos para a mesma faculdade de direito e tudo o mais. Um
dia, eu decidi que aquilo não era para mim e que queria ser policial, mas ela não gostou muito. E aí,
nosso namoro, que até então era perfeito, deixou de ser, brigávamos muito, mas continuamos juntos,
ficamos noivos. Eu acreditava que o amor poderia superar qualquer coisa. Alguns períodos mais
tarde, Guilherme entrou na faculdade e Laura, que já o conhecia, se aproximou mais dele. A
princípio, eu achei que eles haviam se dado bem, porque ele era meu irmão, porém, na verdade ela
ficou interessada nele, quando descobriu que eles tinham o mesmo objetivo. Ser um advogado
renomado ou, um juiz. Ela nunca aceitou o fato de eu querer prender os caras maus.
— Eu faço uma leve ideia da preocupação dela.
— Não acho que o problema dela fosse esse. Na verdade, eu achei que isso era desculpa para
ela terminar, mas não tinha coragem. Resumindo bem a história, um belo dia, eu fui até o dormitório
de Guilherme e a encontrei nua em sua cama, com ele ao lado dela.
— Oh, céus. O Guilherme fez isso com você?
— Ele jurou de pés juntos que não havia acontecido nada, enquanto ela repetia que eles não
precisavam mentir, que eu entenderia. — Gabriel fechou os olhos enquanto se lembrava da cena...

Laura dizia para Guilherme não mentir para seu irmão. Que mais cedo ou mais tarde ele
saberia do amor deles.
— Gabriel, ela é louca. Não aconteceu nada. — Guilherme repetia categoricamente, quando
percebeu que seu irmão olhava para sua pélvis, encarando sua ereção, o contradizendo.
— Eu sempre cuidei de você, e é assim que você retribui? — Os olhos de Gabriel queimavam
em fúria, sua voz ríspida e gélida.
— Gabriel... — Guilherme tentou falar, no entanto, Gabriel acertou um soco em seu maxilar, o
fazendo cair novamente sobre a cama.
Gabriel investiu novamente, mas, ao ver que seu irmão apenas se defendia sem revidar, ele
sentiu mais raiva ainda.
— Quer saber? Pode ficar com a vadia
Gabriel saiu do dormitório batendo a porta.

— E eles ficaram juntos?


— Não. Guilherme ainda tentou falar comigo mais algumas vezes, jurou que não aconteceu nada,
porém, eu acho que eles não ficaram juntos porque ele sentiu remorso.
— Sério que você acredita nisso? — Monique se apoiou no cotovelo para encará-lo. — Você
acha mesmo que Guilherme seria capaz de algo assim?
— Homens fazem coisas malucas quando estão apaixonados. Não vê? Me envolvi com uma
suspeita de assassinato.
— Você me odiava quando transamos pela primeira vez.
— Talvez, mas eu acho que odiava, na verdade, o desejo que sentia por você. — ele beijou o
topo da cabeça dela. — Eu te desejei desde a primeira vez que te vi. E acho que depois daquela
noite... Eu comecei a desejar que você fosse inocente, como Guilherme acreditava.
— Parece que seus desejos foram atendidos.
— Sim, senhorita Pillar, mas acho que ainda vou lhe dar voz de prisão.
— Por quê? — Monique franziu o cenho e o encarou.
— Porque quero você encarcerada ao meu lado, de preferência, na minha cama. — ele sorriu
maliciosamente.
— Pode me algemar, policial. Eu não vou resistir a essa prisão.
Gabriel sorriu e a beijou apaixonadamente. Seus corpos e suas mentes estavam livres para viver
aquele amor intensamente.
— Eu te amo, Monique. — Gabriel disse, quando conseguiram afastar suas bocas.
— Ah, Gabriel. Eu também te amo, muito. Achei que a primeira vez que você disse, era porque
tinha levado muita pancada na cabeça... — ela deu uma risada.
— Não foi a primeira vez que eu disse.
— Quê?
— A primeira vez que eu confessei que te amava, foi logo depois daquele crápula ter te atacado
na UTI. Eu confessei na esperança de você acordar.
Monique ficou surpresa com aquela declaração.
— Eu te amo — ela o beijou novamente. — Nós nos amamos e nada nem ninguém vai mudar
isso.
— Esse é um tipo de prisão boa — ele a puxou contra si e a beijou apaixonadamente,
demonstrando todo amor que sentia por ela.
Oito meses depois...

A mesa no quintal estava posta. Uma toalha quadriculada vermelha dava o toque de simplicidade,
enquanto o cheiro da comida e da natureza invadiam o local.
Gabriel olhava Monique sorrir, conversando com Joice, esposa de Cristiano ou, cabo Dantas —
Cris, para os íntimos — que estava um pouco mais distante, brincando na grama com seu filho de três
anos.
Guilherme apareceu logo em seguida, vestindo um avental que Gabriel achou ridículo, junto com
sua mãe, trazendo várias travessas com mais comida.
— E lá se vai minha dieta. — Paula disse, enquanto se aproximava da mesa com Ricardo ao seu
lado. — Parabéns, querido — ela disse, abraçando Gabriel e depois indo até Monique e Joice para
cumprimentá-las.
Gabriel se levantou para abraçar Ricardo e eles começaram a conversar se afastando.
— Como vai o caso Veiga?
— Não tem nenhuma novidade. Marcelo praticamente confessou tudo e depois das provas que
tínhamos contra ele, testemunhas, não fazia diferença se ele assumisse ou não. O julgamento dele está
marcado para daqui a dois meses e, claro que será condenado.
— E ele ficou mesmo paraplégico?
— Sim, e fico feliz em saber que algumas penitenciárias do nosso país têm infraestrutura para
acomodar meliantes nessas condições físicas.
— Não seria justo se não tivesse.
— Pois é.
— Ei meninos, vocês querem parar de tricotar e vir para cá? — Paula chamou, oferecendo ao
marido uma lata de cerveja.
O homem olhou para Gabriel e começou a se afastar.
— Fazer o quê? Ela sabe como me convencer.

A tarde correu mais que agradável e, enquanto Guilherme e Joana serviam a sobremesa, Gabriel
se levantou para fazer um pronunciamento.
— Eu queria agradecer a presença de todos para comemorar meu aniversário. Agradeço também
todos os presentes e, é diante de amigos que eu digo que existe um presente que eu gostaria muito de
ganhar e... — Gabriel enfiou a mão no bolso, tirou uma caixinha de veludo preta e, ao abrir, um lindo
solitário brilhou sob a luz fraca do sol. Ele se abaixou próximo de Monique, ficando sobre um joelho
e pediu — Você me daria a honra e o presente de se tornar minha esposa?
Monique foi pega totalmente de surpresa. Levou as mãos ao rosto enquanto sorria e chorava ao
mesmo tempo.
— Oh, mulher, você está me matando aqui. Responda por favor.
— Sim, claro que sim. — ela o envolveu com os braços e o beijou enquanto todos aplaudiam.
Gabriel colocou o solitário no dedo dela e beijou sua mão.
De longe, Guilherme observava a felicidade do irmão com um sorriso fraco no rosto. Estava
feliz por ele? Claro que estava, mas não podia deixar de se sentir também, triste.
Joana pegou a mão do filho por baixo da mesa e apertou carinhosamente e, quando ele sorriu
para a mãe, ela retribuiu, num silencioso enternecimento.

Mais tarde naquela noite, Monique colocava sua camisola de seda, enquanto Gabriel escovava
os dentes. Há alguns meses, ela já havia se mudado para o apartamento dele e viviam juntos desde
então.
Ela sentou-se na cama e ficou observando o brilho do seu anel.
— Gostou? — Gabriel se aproximou por trás dela, puxando-a contra si e envolvendo sua cintura
enquanto as costas dela recostavam em seu peito.
— É lindo. — ela virou-se para ele e o beijou. — Você é louco, eu nem desconfiei.
— Que bom. Adoro fazer surpresas.
— E eu adoro surpresas.
Monique olhou novamente seu anel e Gabriel afastou seu negro cabelo para o lado e começou a
beijar seu pescoço, sua nuca, passando a língua por sua pele macia, levando arrepios pelo corpo de
Monique, fazendo o centro de suas coxas se aquecer e sua umidade aumentar.
Enquanto acariciava sua pele, Gabriel colocou a mão por dentro da camisola e acariciou seu
mamilo enquanto com a outra ele alcançou seu sexo e massageou seu clitóris. Com o toque, Monique
gemeu e arqueou as costas, remexendo sensualmente contra a mão de Gabriel que se tornava cada vez
mais implacável.
Monique podia sentir a ereção de Gabriel pressionar suas costas, e tentou levar a mão para trás
para tocá-lo, contudo, ele a advertiu.
— Não, querida. Essa noite é só para você.
— Mas eu quero tocar você — ela disse entre gemidos.
Ele mordiscou sua orelha, depois desceu seus lábios pela clavícula dela.
— Se você continuar, vou ter que te algemar.
— Por favor, faça isso senhor policial.
Gabriel se afastou e Monique virou para encará-lo. Os olhos dele estavam escuros de desejo e o
sorriso que ele exibiu, totalmente lascivo, aumentou ainda mais sua excitação.
Rapidamente, Gabriel foi até a gaveta da cômoda e pegou duas algemas.
— Fique nua. — ele ordenou com a voz rouca de puro desejo. Monique fez o que ele pediu e
quando ele se aproximou, ela já estava como ele pediu. — Como eu disse, essa noite é sua e se é isso
que a minha noiva deseja, — ele colocou uma algema no pulso direito dela — é isso que minha noiva
vai ter.
Gabriel colocou a outra algema no pulso esquerdo e a beijou ardentemente. Enquanto Monique se
entregava ao beijo, Gabriel prendeu cada algema em uma extremidade da cama, deixando-a de
braços abertos.
Quando ela se deu conta, já estava totalmente à mercê dele. Gabriel a beijou novamente, suas
línguas numa batalha sensual e, quando Monique respirou ofegante, ele se afastou, descendo os beijos
pelo seu corpo, lambendo e mordendo cada centímetro da pele macia dela, fazendo os pelos do seu
corpo se arrepiarem e seu ventre se contorcer. Gabriel continuou seu caminho e, quando chegou aos
seus seios, abocanhou cada um de seus mamilos rígidos, provando sua pele, depois continuou
descendo seus lábios pelo ventre dela, demorando e saboreando cada pedaço do seu corpo, enquanto
continuava com a tortura deliciosa.
Entretanto, quando Gabriel chegou com seus lábios no lugar que ela mais desejava, Monique
gemeu e Gabriel lambeu cada centímetro do seu sexo úmido, antes de se dedicar ao seu clitóris.
Enquanto ele a devorava, seu dedo a penetrou, a fazendo gemer cada vez mais alto.
Não demorou muito para Monique atingir o ápice e, depois de Gabriel saborear seu prazer, ele
subiu novamente, colocando seu quadril entre as coxas dela, penetrando-a em uma só estocada.
Monique gemeu e arqueou o quadril para que o encaixe fosse perfeito, então, Gabriel começou o
movimento de vai e vem, penetrando cada vez mais fundo, cada vez mais duro, cada vez mais rápido,
sentindo seu membro preencher cada centímetro do sexo quente e úmido dela.
— Tão molhadinha para mim. — ele disse contra seus lábios e a beijou apaixonadamente sem
parar de penetrá-la. Até que atingiu o orgasmo e depois de preenchê-la com a prova do seu prazer,
continuou a estocá-la, até que Monique atingiu o orgasmo novamente.
Com a respiração ofegante e os corpos suados, Gabriel tirou as algemas de Monique e a levou
para o chuveiro.
Como ela ainda estava com o corpo fraco por conta do sexo maravilhoso que tinham feio,
Gabriel encostou-a na parede do banheiro. Ele pressionou-a com seu corpo e começou a ensaboá-la.
Suas mãos deslizavam pelo seu corpo e, quando um leve gemido escapou dos lábios de Monique, ele
ficou duro novamente.
— Nunca vou me cansar disso. — Ele a beijou e segurou suas coxas, fazendo as pernas dela
envolverem seu corpo enquanto ele a penetrava novamente.
Depois de atingirem juntos ao orgasmo, ele terminou o banho deles e depois de lavar seu cabelo
carinhosamente, Gabriel a secou e a levou para a cama.
Deitou-se ao lado dela e a puxou contra si.
E era assim que ele amava dormir. Com o corpo quente de Monique aquecendo o seu, depois de
se entregarem de corpo e alma ao amor e ao prazer que sentiam um pelo outro.
Há muito, Gabriel não recorria ao remédio ou ao uísque para adormecer. Seu melhor e maior
remédio era sua amante, sua mulher, seu amor.
Assim que a respiração dela se estabilizou, Gabriel soube que ela estava dormindo e então,
relaxou.
— Durma, querida. Eu vou te proteger, sempre... Te amo.
Feliz!
Gabriel se sentia pleno e feliz. Respirando fundo, ele fechou os olhos e adormeceu.

Fim
Desejo
de Vingança

V. Totta

Rio de Janeiro
2016
Copyright © 2016

Revisão ​ Sabryne M atos


Arte Capa ​ Valéria Rodrigues
Diagramação ​ Valéria Rodrigues
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Ficha Catalográfica feita pela Autora.)
Totta, V.
Desejo de Vingança/ V. Totta | 1a ed. ​ Rio de Janeiro: V. Totta ​ 2016
p.
ISBN 978-85-5832-007-8
1. Literatura Brasileira 2.Romance I

Índice Catálogo Sistemático


1.Romance Brasileiro B869.3
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo
ainda o uso da internet, sem permissão expressa da Autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).

Todos os direitos desta edição reservados pela.

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Sinopse

Guilherme sempre foi um cara justo, centrado e calmo. Mas a vida não cansava de lhe pregar peças e levá-lo ao limite. Desde que
seu pai morreu diante de seus olhos, quando ele ainda era adolescente, o destino parecia estar sempre brincando com ele e seus
sentimentos. E ver a mulher que amava se casar com seu irmão, era a prova disso.
Palavras não eram suficientes para descrever o quanto ele se sentia dilacerado. Mas ele estava disposto a seguir em frente, focar em
sua carreira e em sua ascensão profissional. Quando ele e a juíza Márcia trabalham juntos em um caso de repercussão nacional, a gana
dos dois em condenar Montenegro os une. Entretanto a rivalidade e atração entre eles se torna quase palpável.
Além disso, o passado estava batendo à sua porta com a volta de Laura em sua vida. E ela não mediria esforços para tentar
conquistá-lo.
O destino não parava de surpreendê-lo!
Será que Guilherme encontraria novamente a sua felicidade?
Prólogo

Ele se virou apenas para observar os olhos negros e intensos dela encarando os dele. Lentamente
ela se aproximou e tocou em seu peito com as mãos, antes de ficar na ponta dos pés e beijar
suavemente sua boca.
Guilherme fechou os olhos e respirou profundamente, antes de segurar em sua cintura e puxar seu
corpo contra o dele. Aquilo era errado, muito errado, mas era mais forte que ele.
O amor e a paixão que ele sentia, eram muito fortes. Deixavam Guilherme irracional a ponto de
fazer a única coisa que nunca quis.
Trair seu irmão.
Mas só de sentir o cheiro dela, a maciez e quentura da sua pele, seu corpo contra o dele, fazia com
que Guilherme deixasse de ser racional.
Ele a beijou, com todo amor e paixão que sentia por ela. Demonstrando o quanto ele precisava
dela, na esperança que ela percebesse isso e mudasse de ideia. Escolhesse ele em vez de Gabriel.
Enquanto se beijavam, Guilherme suspendeu o corpo de Monique e a colocou sobre sua mesa,
depois subiu suas mãos até o rosto dela e intensificou o beijo.
Ele podia sentir sua ereção sob a calça e pelos gemidos que ela dava contra sua boca, sabia que
ela também o queria.
E porra!
Como ele desejou que ela o quisesse tanto quanto ele.
Da última vez que se beijaram ela o tinha rejeitado. Contudo agora ela tinha ido até ele, por
vontade própria e sequer tinha dito nada. Apenas se aproximou e o beijou.
Guilherme não podia fazer outra coisa que não fosse retribuir o beijo com a mesma intensidade
que ela o beijava.
— Eu quero você, Guilherme. — ela sussurrou contra seus lábios e envolveu suas pernas no corpo
dele, puxando-o para perto dela.
Guilherme sorriu genuinamente e começou a desabotoar o vestido dela, lentamente, se deleitando
com o momento, quando os lindos e empinados seios dela ficaram livres ele os acariciou com o
polegar, fazendo Monique jogar seu corpo para trás e fechar os olhos, gemendo com o suave toque.
Ele inspirou profundamente sentindo seu perfume, antes de descer a boca lentamente pela pele dela
até chegar em seus seios e abocanhar cada um, se deleitando. E enquanto saboreava seus seios,
lentamente, ele colocou o dedo por baixo do elástico da calcinha dela e a penetrou, sentindo-a
totalmente pronta para ele. Monique segurou em seu cabelo e puxou suavemente, mantendo a boca de
Guilherme contra sua pele.
— É você que eu amo.
Ouvir aquelas palavras fez o peito de Guilherme aquecer e ele voltou a beijá-la sentindo seu
membro implorar por atenção.
Ele estava pronto para tomá-la e fazê-la sua... Quando um irritante e constante barulho invadiu sua
mente.
Resmungando um palavrão, ele abriu os olhos e desligou o despertador.
Mais um sonho!
Ele se socou internamente, antes de levantar e olhar seu smoking pendurado no armário diante
dele.
O dia havia chegado e ele precisaria se esforçar muito para sorrir durante as próximas horas,
enquanto tudo que ele queria fazer era estar muito longe dali. Sumir e só voltar quando esse pesadelo
terminasse.

Capítulo Um

Guilherme estava sentado naquele bar há duas horas com o mesmo copo de vodca na mão. Ele não
era realmente de beber e nem se lembrava de quando foi a última vez que colocara alguma dose de
álcool na boca. Mas naquele dia... realmente estava precisando.
O problema é que a bebida não era algo consolador. Enquanto ele bebia, o líquido queimava sua
garganta e o gosto... Bom, cada um tem o seu, mas para aquele promotor o gosto daquela bebida não
era nada boa.
Vinho!
Isso sim era do agrado de Guilherme e apesar de ele sempre ter uma garrafa de boa safra em seu
apartamento — novo — não tinha o costume de beber, guardava para ocasiões especiais, porém
naquele dia específico, precisava de algo mais forte. Bem mais forte!
Haviam se passado longos doze meses. Longos 365 dias, que ele precisou ignorar totalmente seus
sentimentos e aplacá-los como se estivesse prendendo um animal feroz, que lutava para se libertar.
Um ano assistindo e apoiando a felicidade de seu irmão, Gabriel. Que depois de sofrer uma dolorosa
decepção amorosa, — decepção essa que ele atribuía a Guilherme veementemente, — merecia mais
do que qualquer pessoa, ser feliz.
O problema era que a felicidade de Gabriel veio através da dor de Guilherme.
Inferno!
Seu irmão havia se apaixonado pela única mulher que Guilherme amou na vida e para infelicidade
do promotor, Monique correspondia ao amor de seu irmão.
Guilherme queria lutar, queria brigar, gritar... entretanto, do que adiantaria?
Além do mais, mesmo que ele nunca tivesse tido nada com Laura, Gabriel achava que sim. E não
atrapalhar a felicidade do irmão era uma forma de se redimir, por isso ele preferiu sofrer calado e
apoiar incondicionalmente o casal.
Durante esse tempo ele focou na sua carreira, estudou, fez provas e se tornou o mais novo
promotor de justiça de Curitiba, na tentativa de manter sua mente ocupada e longe de seu irmão e
Monique.
Mas a vida é cheia de surpresas.
E surpresa mesmo, foi quando eles o convidaram para ser padrinho do casamento deles.
Que boa porcaria!
Guilherme queria recusar, mas não podia. Tinha certeza que nenhum dos dois fez aquilo por mal,
pelo contrário. Queriam, de certa forma, fazê-lo participar da felicidade deles. E isso só mostrava
claramente o quanto nem seu irmão, nem sua ex-namorada, tinham conhecimento do tamanho dos
sentimentos de Guilherme.
E o fatídico dia tinha chegado. Gabriel e Monique se casaram e ele se viu obrigado a sorrir
durante horas, mesmo que por dentro estivesse dilacerado. Agora que a cerimônia e a
confraternização haviam acabado, os noivos estavam viajando para sua lua de mel e Guilherme, a
caminho de seu edifício, resolveu parar no primeiro bar para tentar afogar suas mágoas.
O promotor tomou mais um gole de sua bebida e depois de engolir fazendo uma careta, resolveu ir
para casa.
Talvez, uma boa noite de sono, fosse melhor para acabar com aquela dor, do que a porcaria da
vodca horrível.
Antes que Guilherme levantasse do banco onde estava sentado, uma mulher alta e loira aproximou-
se dele. Quando Guilherme virou para encará-la, teve uma grande surpresa!
— Laura?
— Tudo bem, Guilherme? Quanto tempo...
O sorriso que Laura exibia era exatamente como ele se lembrava. Fascinante. Do tipo que fazia os
caras ficarem olhando sua boca algum tempo, praticamente hipnotizados.
Guilherme observou seu corpo e era o mesmo. Nem parecia que anos haviam se passado. As
curvas chamativas, seios fartos, pernas torneadas. Seu cabelo loiro agora um pouco mais curto, mas
seus olhos tinham a mesma intensidade.
— Você continua... A mesma. — ele sorriu, um sorriso não muito convincente e olhou nos olhos
dela.
— Obrigada, vou considerar isso um elogio. — ela se aproximou e deu um beijo em seu rosto —
Me paga uma bebida?
Ela pediu sem cerimônia e isso foi o suficiente para Guilherme perceber que o jeito dela, também
não havia mudado. Laura era direta, sem rodeios, sem meias palavras. O que ela queria, ela pegava.
E tudo que Guilherme pôde fazer, foi sorrir e concordar.
Depois de solicitar ao garçom que ele os encaminhasse até uma mesa reservada, Guilherme pediu
uma garrafa de vinho para eles.
Assim que deu o primeiro gole, seu paladar agradeceu. Isso sim era o que ele gostava e o que
estava acostumado. E era disso que ele precisava, pois logo a conversa tomou um rumo descontraído
e ele relaxou.
E talvez isso tenha sido porque eles não falaram do passado ou porque ela não tocou no nome de
Gabriel, mas Laura e Guilherme continuaram conversando o resto da noite e quando se deram conta,
o bar já estava fechando. Uma garrafa e meia de vinho haviam sido consumidas e depois que saíram,
eles começaram a se despedir enquanto esperavam o manobrista trazer o carro de Guilherme.
— Pode chamar um táxi, por favor. — Laura pediu ao outro manobrista que estava na calçada.
— Onde está hospedada? — Guilherme perguntou, chamando a atenção dela para ele.
— Não muito longe daqui.
— Então venha que eu te levo. — ele abriu a porta para ela, assim que o manobrista estacionou e
depois deu a volta assumindo o volante.
Apesar de todo transtorno que Laura havia causado a ele, Guilherme era um cavalheiro. Estava
tarde e ele jamais a deixaria sozinha, dentro de um táxi. Claro que não era problema dele, mas, ainda
assim, ele preferia se certificar de que ela ficaria segura.
Enquanto Guilherme dirigia, eles continuaram conversando, algumas quadras depois, ele
estacionou diante da entrada do hotel e desligou o motor do carro. Um silêncio estranho pairou sobre
eles, porém logo Laura o cortou.
— Quer subir? — ela perguntou direta e a única reação de Guilherme foi sorrir.
Ele já esperava por aquilo e se alguém perguntasse, diria que estava realmente tentado a aceitar,
no entanto, se tinha uma coisa que o promotor não fazia, era dormir com uma mulher impulsionado
pelo álcool. Principalmente se essa mulher fosse Laura.
— Não Laura. — ele sorriu e ela deu de ombros. — Você tem meu telefone. Me ligue se precisar
de algo.
Laura se despediu e saiu.
Enquanto dirigia para casa, Guilherme sorria da merda da própria sorte. Primeiro seu irmão o
encontra com a sua noiva, e mesmo que ele não tenha tido nada com ela, não acreditou. Depois ele se
apaixona e o irmão “rouba sua mulher”. Agora, no dia do casamento deles, ele encontra com aquela
que desde o início foi o estopim para que o relacionamento dos dois passasse de ótimo, para uma
bela porcaria.
Guilherme entrou em seu apartamento, jogando as chaves sobre o aparador e retirando a roupa,
mas ao contrário da maioria dos homens, que deixariam tudo jogado pelo caminho, ele as carregou
até o banheiro e as colocou devidamente no cesto de roupas sujas. Depois se permitiu tomar um
banho demorado, daqueles em que você espera que a água lave muito mais que a sua pele. Que lave
sua alma e leve sua dor pelo ralo. E enquanto ele permaneceu ali debaixo da água quente, fazendo os
vidros do banheiro ficarem embaçados, perdeu a noção do tempo.
Quando a campainha o tirou do transe ele fechou o chuveiro e se enrolou em uma toalha,
preocupado, se perguntando quem bateria em sua porta àquela hora.
Ao abrir a porta sem se preocupar em verificar quem era pelo olho mágico, coisa que ele nunca
fazia, a visão que ele teve fez seu membro pulsar debaixo da toalha.
Laura estava parada diante dele, vestindo apenas um sobretudo e salto alto. O casaco
completamente aberto revelando seu corpo perfeito e seus olhos brilhavam enquanto encarava
Guilherme.
— Não fuja de mim mais uma vez, Guilherme.
Ainda entorpecido pelo álcool, de repente, não era mais Laura que estava ali e sim Monique. Seus
longos cabelos negros e seus olhos incrivelmente brilhantes, quentes como o inferno o encaravam
cheios de luxúria.
Abruptamente ele a puxou para dentro e pressionou seu corpo contra a porta enquanto devorava
sua boca em um beijo apaixonado. Enquanto Monique retribua, gemia contra a boca dele, remexendo
seu corpo, sentindo a ereção de Guilherme pulsar sob a toalha. Ele percorreu suas mãos grandes pelo
seu corpo, se deliciando com sua pele macia e desceu sua mão até o sexo dela a penetrando com o
dedo.
Ela estava pronta para ele!
E por um momento Guilherme se sentiu feliz, muito feliz. Até que ele interrompeu o beijo e ao
abrir os olhos, viu quem realmente estava diante dele. Não era mais Monique.
Ele se afastou abruptamente, pouco antes de se amaldiçoar.
Primeiro por imaginar a esposa do irmão e depois por quase ter fodido com Laura, a última mulher
na face da Terra com quem ele pensaria em se envolver.
— Vá embora Laura.
— Mas Guilherme… — ela disse ofegante.
— Sem mais, vá embora, por favor. — apesar da palavra educada seu tom era exasperado.
Mas ele não estava realmente com raiva dela e sim, de si mesmo.
— Posso chamar um táxi para você? — ele perguntou tentando demonstrar um pouco de educação.
Os olhos de Laura se arregalaram, porém, ela não questionou. Apenas tornou a fechar seu
sobretudo e caminhou na direção da porta.
— Não é necessário. — ela sorriu — O taxista que me trouxe está me esperando lá fora.
Assim que ela saiu, ele fechou a porta e encostou a testa nela, querendo que a friagem da madeira,
esfriasse também seu corpo.
Enquanto caminhava para seu quarto, balançou a cabeça se amaldiçoando pela merda que ele
quase fez.
Capítulo Dois

O som do despertador ecoou pelo quarto tirando Guilherme de seu sono. Imediatamente sua cabeça
reclamou da mistura alcoólica do dia anterior e depois de pegar uma aspirina na gaveta da cabeceira
e tomá-la, foi para o banheiro, começando sua rotina diária.
O sol nem havia apontado no horizonte e Guilherme já estava terminando de atar o nó da gravata
vinho, que escolheu naquele dia. Seu terno preto e camisa cinza, ajudaram a deixá-lo com a
aparência ainda mais profissional.
Depois de verificar mais de uma vez os documentos em sua pasta, finalmente se dirigiu ao
estacionamento do seu prédio. Após estar acomodado atrás do volante do seu sedan, seguiu em
direção ao tribunal.
Àquela hora da manhã, Guilherme normalmente não encontrava transtornos no trânsito, o que
facilitou sua chegada ao local da audiência importantíssima que ele teria naquele dia. Era seu
primeiro trabalho como promotor da cidade e ele decidiu chegar mais cedo, reler atentamente todo
seu material a fim de que não deixasse brechas e Charles C. Montenegro, fosse devidamente
condenado e quando isso acontecesse, — e Guilherme faria acontecer — ele apodreceria no
presídio.
Ele mal se deu conta de quanto tempo estava ali, absorto nos autos do processo, quando o meirinho
veio avisar que o réu havia chegado e que todos estavam praticamente prontos, apenas aguardando a
juíza.
Guilherme apenas assentiu e continuou lendo seus papéis. Sabia que ainda tinha alguns minutos
antes da audiência começar de fato.

***
Um carro preto, blindado, com vidros fumê, escoltado por dois policiais de moto, chegou pelos
fundos do tribunal e depois de estacionar, o motorista saiu do carro e foi abrir a porta para o
passageiro que se encontrava atrás.
Uma mulher alta e esbelta, com ar imponente, que mesmo sem a ajuda dos seus saltos quinze,
deixaria muitos homens olhando diretamente em seus olhos sem ter que abaixar o olhar, desembarcou
do veículo.
Seu cabelo loiro estava preso em um coque elegante e seu terninho impecável. A maquiagem era
leve e os óculos escuros escondiam seus olhos azuis e frios.
Márcia passou as mãos sobre o quadril, alisando sua saia, não que estivesse amarrotada, e depois
de pegar sua bolsa, ela ergueu o queixo e seguiu seu caminho, sem ao menos olhar para os lados.
Não. Ela não temia por sua vida.
Seu trabalho sempre foi perigoso e ela sabia das consequências disso no momento em que decidiu
ser quem era. Mas depois de tudo o que aconteceu na sua vida, ela não poderia escolher outra
profissão.
— Bom dia Vossa Excelência. — o segurança cumprimentou enquanto ela passava por ele,
entrando no recinto.
Ela retribuiu o cumprimento apenas com um aceno de cabeça, sem desviar o olhar de seu caminho.
Não porque ela fosse mal-educada ou pedante. Mas porque era assim que ela era. Impunha respeito
por onde passava. E até chegar em sua sala, todos a cumprimentaram com a mesma forma
profissional de sempre.
Antes mesmo de se acomodar em sua mesa, ela jogou sua bolsa sobre o sofá que havia no canto do
gabinete e pediu ao meirinho, que já estava prontamente em sua porta, para que chamasse o promotor.
— Mario, chame o doutor Goulart aqui por favor.
— Sim, meritíssima.
O meirinho imediatamente se retirou e fez o que a juíza pediu.
Ela começou a andar impaciente de um lado para o outro. E quando Guilherme entrou os dois se
encararam sérios, quase de forma fria.
— Pode ir Mario. — ela o dispensou antes de voltar a olhar para Guilherme — Não vamos ter
problemas hoje, certo doutor Goulart?
Guilherme e Márcia já trabalharam juntos algumas vezes quando ele ainda era advogado, e talvez a
gana dos dois por justiça, os fizesse quase rivais. E não, não tinha nada a ver com o fato de ela ser
mulher e ocupar o cargo que ocupava. Guilherme a respeitava, isso não podia ser contestado, mas
algo entre eles fazia com que só de estarem no mesmo lugar, o ar se tornasse pesado. Quase
sufocante.
Mas agora que ele havia se tornado promotor, e havia sido designado a trabalhar com ela, eles
estariam juntos em muitos casos.
— Me diga você, Vossa Excelência. Não vamos ter problemas hoje, vamos?
A petulância de Guilherme irritava profundamente Márcia. Ela se aproximou dele e olhou
diretamente em seus olhos. Guilherme era um dos poucos homens que ela conhecera sua vida toda,
que conseguia ser mais alto que ela.
Por um instante os dois apenas se encararam, silenciosamente. E quem observasse aquela cena
poderia até interpretar de forma errônea.
Os dois, se encarando, a poucos centímetros um do outro, tão perto, que podiam sentir suas
respirações.
Mas antes que a situação se tornasse complicada, Guilherme soltou uma profunda respiração e
falou:
— Não quero problemas, só quero ver esse desgraçado do Montenegro atrás das grades.
— Ótimo, porque eu quero o mesmo. Então faça seu trabalho perfeitamente e me dê tudo que eu
preciso para trancafiar esse imbecil atrás das grades e deixá-lo apodrecendo lá.
Guilherme não pôde evitar um sorriso torto e após acenar com a cabeça, ele se retirou do gabinete
da juíza.
Durante todo caminho até sua sala ele lembrou de todas as vezes que ele e a juíza Márcia se
desentenderam durante uma audiência. E não porque o objetivo deles fosse diferente, mas Guilherme
tinha a péssima mania de passar por cima da autoridade da juíza. É claro que ele fazia isso com
outros juízes também, mas com Márcia era praticamente uma rotina.
E apesar da estonteante beleza de Márcia, quando ela estava no tribunal, no ofício do dever, era
como se vestisse uma capa e tudo que ele conseguia enxergar era a competente juíza Braga.
Meia hora depois, Guilherme fechou sua pasta e seguiu para a sala da audiência. Ele se acomodou
em seu lugar, na cadeira ao lado de sua estagiária Luciana, e só então olhou ao redor. Percebeu que o
lugar estava cheio... até demais. Alguns jornalistas, alguns funcionários de Montenegro. E no fundo
um rosto conhecido, que tentava se esconder por trás de óculos escuros, mas que Guilherme
reconheceria em qualquer lugar.
Laura!
Que diabos ela fazia ali? — ele se perguntou.
Entretanto, antes que ele pudesse ir até ela e questionar sua presença ali, os advogados de Charles
C. Montenegro entraram e se acomodaram do lado oposto de Guilherme.
Eles se cumprimentaram de forma rápida e educadamente, mas apenas por uma formalidade, pois
sabiam que em poucos minutos estariam se devorando como leões famintos presos em uma jaula.
Todas as pessoas designadas para o juri popular já estavam devidamente em seus lugares.
Então foi a vez de trazerem o réu.
Charles Castellano Montenegro era um homem alto, por volta dos seus cinquenta anos, de
descendência espanhola. Tinha a pele morena, olhos escuros e cabelos grisalhos, o que só deixavam
ele mais charmoso. Porte atlético, com seus músculos sendo perceptíveis por baixo do terno.
Ninguém diria que aquele homem tinha aquela idade.
E se olhassem apenas para seu belo e másculo rosto, seu semblante calmo, aparência distinta,
também não acreditariam do que ele estava sendo acusado.
Montenegro estava respondendo processo por tráfico de mulheres, formação de quadrilha, entre
outras coisas. A polícia estava atrás dele há muitos meses e quando o irmão de Guilherme, o
investigador Gabriel, assumiu o caso, demorou pouco mais de seis meses para enquadrar o
desgraçado. Agora Guilherme ia terminar seu trabalho e fazer com que a justiça fosse feita e
Montenegro pagaria por seus crimes, apodrecendo na cadeia.
Após ser devidamente acomodado próximo aos seus advogados Montenegro olhou na direção de
Guilherme e acenou, com um sorriso enorme no rosto o que só serviu para deixar o promotor ainda
mais irritado, entretanto ele não deixou isso transparecer.
Assim que a entrada da juíza foi anunciada, todos se levantaram, voltando a se sentar logo em
seguida, quando ela deu início à sessão.
A voz rouca e imponente de Guilherme ecoou dentro da sala e todos ali tinham sua atenção voltada
para ele, que durante a hora seguinte, apresentou todas as provas e documentos que havia juntado
para que a justiça fosse feita.
Os advogados de Montenegro não fizeram nenhuma objeção enquanto Guilherme falava. E ele
achou aquilo muito estranho.
No entanto, quando o advogado de Charles C. Montenegro começou a falar, Guilherme começou a
interromper fazendo objeções e mal deixava o rival articular por mais de cinco minutos seguidos.
— Doutor Goulart e doutor Farias, venham a minha mesa por favor. — a juíza disse impaciente
quando os dois homens começaram a discutir enquanto Montenegro apenas sorria — Doutor Goulart,
o senhor falou por uma hora sem ser interrompido. Será que poderia deixar seu colega terminar um
raciocínio, pelo menos?
O advogado de Montenegro não disse nada, mas só a expressão em seu rosto, mostrava a
satisfação de ver a juíza chamar a atenção de Guilherme.
— Como quiser meritíssima. — Guilherme a fuzilou com os olhos e voltou para seu lugar.
Depois de sentar, Guilherme se controlou ao máximo para não interferir mais. Ele mexia e remexia
em seus papéis na tentativa de se distrair, mas sua raiva só crescia.
O advogado falou por mais alguns minutos e quando terminou a juíza pediu para que o guarda
trouxesse a primeira testemunha.
Mas antes que o homem pudesse entrar, ouviu-se um barulho alto do lado de fora da porta da sala,
tão estrondoso que o chão estremeceu levemente. Gritos ecoaram pela sala quando outro estrondo
mais próximo os ensurdeceu e seguido de mais outro, agora dentro da sala onde eles estavam.
As explosões geraram correria e pânico generalizado. Pedaços de madeira do banco, cascalhos de
piso e concreto voaram para todos os lados, acertando e ferindo quem estava próximo.
— Levem esse idiota daqui. — Guilherme gritou para os agentes que haviam trazido Montenegro.
Por instinto Guilherme correu os olhos pela sala e avistou a juíza, que estava abaixada atrás de sua
mesa. Ele correu até ela e a agarrou pela cintura, retirando-a da sala alguns segundos antes de outra
bomba estourar... bem onde ela estava.
Capítulo Três

O barulho das sirenes da polícia e dos bombeiros podiam ser ouvidos ao longe.
Guilherme continuava levando Márcia para longe da sala onde tudo aconteceu. E quando eles
finalmente conseguiram sair de dentro do fórum, ela se esquivou dele e seguiu na direção do
estacionamento, procurando seu carro, mas Guilherme a puxou na direção do próprio veículo.
— Meu carro está ali e... — na verdade o carro em que ela havia chegado não estava à vista, nem
o motorista.
— E com certeza você será alvo fácil nele. — ele a interrompeu e a puxou novamente.
— Não seja ridículo, não querem a mim. — ela se desvencilhou do braço dele — Queriam libertar
Montenegro.
— Sim, mas não podemos arriscar. — ele segurou o braço dela e mais uma vez ela se soltou.
— Você é o promotor, quem garante que não querem você também?
Guilherme a encarou por um momento depois voltou a segurar seu braço e colocou o outro ao
redor de sua cintura, impedindo assim que ela se afastasse e eles continuassem com aquela guerra de
egos.
Márcia prendeu a respiração com o toque dele, mas não se desvencilhou, ela ordenou seus
membros para que o empurrassem e suas pernas andassem para direção contrária, mas eles
simplesmente não obedeceram.
— Tem razão.
Ele a puxou até a rua e chamou um táxi que passava providencialmente na hora e depois que
entraram no veículo, — ela praticamente obrigada por ele — o promotor pediu ao motorista que
saísse, mesmo sem indicar o endereço.
Durante, pelo menos, um quilômetro, o motorista seguiu adiante sem saber exatamente para onde ir,
até que em determinado momento ele cobrou um endereço.
— Diz seu endereço ao motorista. — Guilherme pediu a juíza mas ela apenas o encarou e sorriu
debochadamente.
— Não quero que saiba onde eu moro.
— Não seja ridícula. O motorista precisa de um endereço.
Márcia não respondeu, apenas encarou Guilherme por um instante e depois olhou para o lado de
fora da janela como se ele nunca tivesse perguntado nada.
Guilherme resmungou algo, que a juíza podia jurar que foi um palavrão e mesmo contrariado
forneceu ao motorista do táxi um endereço.
Durante todo percurso, Márcia sequer questionou para onde estavam indo e permaneceu olhando
pela janela.
Ela havia ficado sem ação pela primeira vez em muitos anos. Nunca ninguém havia a tratado
daquela forma, de um jeito autoritário e protetor como Guilherme tinha feito.
Na verdade, era comum que os homens simplesmente se afastassem dela. A forma autoritária
dela e sua profissão na maioria das vezes, os intimidava, mas definitivamente esse não era o caso de
Guilherme.
E quando ele a tocou...
Ela realmente ficou sem reação com o simples toque da mão dele em volta de sua cintura.
Quando o motorista parou diante do prédio de Guilherme ele saiu do carro sem dizer nenhuma
palavra e foi na direção da porta do motorista pagar a corrida até ali. Depois entregou mais dinheiro
ao cara, pedindo que levasse ela para onde ela quisesse ir.
Depois de dizer um “Bom dia” seco, subiu para tomar um banho e trocar de roupa, pois seu terno
estava todo sujo. Quando estava novamente impecável, chamou um táxi para ir para seu escritório.
Por sorte ele tinha cópia de todos os documentos que a essa altura, com as explosões haviam se
perdido.
A TV e rádio não falavam de outra coisa, a não ser sobre as explosões. Uns especulavam se
haviam tentado matar Montenegro ou se ele estava tentando fugir. A segunda hipótese era a qual
Guilherme apostava. Por sorte eles conseguiram colocar o cara novamente atrás das grades.
Com o atentado, muitas pessoas ficaram feridas e já haviam pelo menos oito mortos.
Enquanto ia para o escritório o celular de Guilherme tocou e ele respirou profundamente ao ouvir
a voz de Gabriel.
— Oi...
— Você se machucou?
— Não, eu estou bem.
— Que merda foi essa?
— Não sei, estou indo para o escritório e vou dar alguns telefonemas para tentar descobrir.
— Tem certeza que está bem? — Gabriel insistiu.
— Estou cara.
— Se precisar de algo me fale e me mantenha informado.
— Claro, se eu precisar de algo te ligo... Até mais Gabriel.
Gabriel era o irmão mais velho de Guilherme. Há muito que os dois já não se davam tão bem
quanto quando eram crianças, mas nos últimos meses foram resgatando, muito lentamente, esse elo,
porém Guilherme ainda estava apaixonado pela, agora, esposa de Gabriel e se manter longe deles era
o melhor a fazer.
Entretanto seu irmão não perdia esse lado protetor dele e por isso, havia ligado assim que soube
do ocorrido querendo saber se Guilherme estava bem.
E não foi sempre assim?
Mesmo com a distância entre eles, Gabriel sempre deu um jeito de cuidar de Guilherme, nem que
fosse através da madrinha e da mãe deles.
***
Márcia aguardou que Guilherme entrasse em seu prédio e forneceu o endereço ao motorista. Não
levou nem vinte minutos para ela estar sã e salva em frente ao seu prédio. E quando ela pediu ao
motorista que esperasse ela pegar dinheiro em seu apartamento, já que sua bolsa havia ficado no
fórum, ele avisou que a corrida já estava paga e saiu.
Parada na calçada não pôde evitar sorrir.
Mas assim como Guilherme, ela só trocaria de roupa rapidamente e iria para o seu escritório tentar
descobrir como andavam as coisas no tribunal.
Assim que ela cumprimentou o porteiro, ele lhe entregou um pequeno envelope pardo, que a fez
franzir a testa ao observar e notar que não tinha remetente. Imediatamente ela voltou e perguntou ao
porteiro quem havia entregue a correspondência, mas ele não sabia. Explicou que um morador pegou
o envelope jogado próximo ao portão principal, e que tudo que havia ali era o nome dela escrito
com letras de forma.
Márcia agradeceu e seguiu para seu apartamento. Depois de avisar a única pessoa que importava
em sua vida, que estava bem, demorou poucos minutos para tomar banho e se arrumar. Pegou o
pequeno envelope e seguiu para seu escritório. Durante todo caminho no táxi ela usou sua influência
para saber detalhes sobre o atentado daquela manhã.
Por sorte ela tinha um celular reserva guardado em seu apartamento.
***
Guilherme estava sentado em seu escritório, decorado com móveis rústicos, onde uma enorme
estante de livros ocupava toda parede esquerda e duas poltronas de couro ficavam diante da sua
imponente mesa em madeira talhada.
Ele separava os documentos que estavam salvos e quando seu telefone de mesa tocou, ele acionou
seu viva-voz.
— Goulart.
— Doutor Goulart. — a voz de sua secretária Jéssica soou pelo alto-falante — É do escritório da
juíza Braga...
— Pode passar. — ele nem esperou que ela terminasse de falar.
Quando a voz da juíza ecoou pela sua sala ele largou os papéis.
— Venha ao meu escritório imediatamente.
— Estou ocupado juntando alguns documentos. — ele respondeu friamente, recostando na sua
cadeira e cruzando os braços diante do peito, encarando o telefone, como se pudesse olhar a própria
juíza — O que há de tão importante que você não pode falar por telefone?
Claro que Guilherme devia respeito a ela, mas fora dos tribunais, ele não seria tão complacente
assim.
— Não seja petulante doutor Guilherme. — ela respirou fundo sabendo que discutir neste momento
não traria benefícios pra nenhum dos dois — É algo sobre o caso, envolve você, então por favor,
pode vir ao meu escritório o mais rápido possível?
— Pedindo assim de forma tão educada, como posso negar? — ele sorriu debochado e mesmo que
a juíza não pudesse ver a expressão em seu rosto, isso ficou explícito em sua voz.
Ele não esperou a resposta dela, apesar de ter certeza que neste momento ela xingaria ele, desligou
e se levantou, pegando seu paletó para sair. Guilherme guardou os documentos no cofre e chamou um
táxi. Alguns minutos depois estava entrando no escritório da juíza Braga.

O ambiente era completamente diferente do dele. Móveis e paredes claras. Algumas plantas
enfeitando o local, muitos quadros e nenhuma foto de família.
A juíza não estava, mas a secretária pediu que ele esperasse dentro da sala dela, enquanto ia avisar
sobre a presença dele.
Ele olhava o título dos livros na estante, com os braços cruzados, quando ouviu a maçaneta girar e
a porta se abrir.
— Obrigada por vir tão prontamente, doutor.
— Disponha, doutora. Agora se puder me colocar a par do que é tão urgente...
— Sente-se, por favor. — ela indicou a cadeira confortável diante da mesa dela enquanto ela
mesma sentava em sua cadeira — Quando cheguei em casa, havia um envelope com o porteiro. —
ela tirou da gaveta um saco plástico transparente com um pequeno envelope dentro — Como pode
ver não tem remetente e meu nome está escrito à caneta.
Guilherme pegou o plástico da mão dela e olhou minuciosamente o envelope.
— E o que tinha dentro? Você abriu?
Márcia não respondeu. Apenas pegou outro saquinho plástico, com um papel branco dentro e
entregou a Guilherme.
Ele franziu a testa e precisou ler duas vezes para acreditar no que estava escrito.
“Absolvam Montenegro ou muitas pessoas vão se machucar, começando pela Vossa Excelência e
aquele advogadinho de quinta categoria, doutor Goulart.”
Capítulo Quatro

Guilherme releu o bilhete algumas vezes. Não que houvesse algo de difícil compreensão escrito,
mas quem quer que tivesse mandado, sabia que os dois, ele e a juíza, eram as peças principais do
jogo, além dos jurados. Aqueles que poderiam definitivamente, foder com a vida de
Montenegro.
Depois ele e a juíza Márcia ficaram conversando. Guilherme ficou surpreso ao ver o pesar na
voz da juíza quando ela mencionou a morte do motorista que estava com ela naquela manhã. Mas a
verdade é que, além dele, outros funcionários e pessoas que não tinham nada a ver com aquilo
também haviam sofrido as consequências. Durante um tempo, enquanto aguardavam a chegada do
perito que estava indo buscar o envelope e o bilhete, permaneceram falando sobre o atentado e a
ameaça. Apesar dos dois concordarem que provavelmente não conseguiriam nada, era o
procedimento que deveria ser tomado.
Após uma longa conversa com o perito, todos saíram do escritório da juíza e ela e Guilherme se
deram conta do quão tarde estava. Tinham ficado tão absortos em todos os acontecimentos daquele
dia, que não se deram conta das horas que passaram.
Guilherme conferiu as horas e viu que já passavam das vinte e uma. Antes que ele e a juíza
começassem a se despedir, ele decidiu convidá-la para jantar, apesar de ter quase certeza que ela não
aceitaria.
— Esse assunto rendeu tanto que não vimos a hora passar. Está tarde e eu não comi nada o dia
inteiro, e se você trabalha tanto quanto eu, sei que também não. Aceita comer alguma coisa? — ele
nem mencionou a palavra jantar porque não queria que parecesse um encontro.
Porra. Longe disso.
A primeira resposta que veio na cabeça de Márcia foi um sonoro “não”, mas antes que ela pudesse
responder sua barriga roncou suavemente. Realmente ela estava com fome e como teria que passar
em algum lugar para comer, resolveu mudar sua resposta.
— Por que não? — ela deu de ombros — Mas eu escolho o lugar e pago o que eu consumir.
Aquilo soou para Guilherme como uma ofensa. Jamais permitiria que uma mulher pagasse a conta
ou sequer dividisse e não porque era machista, mas porque era um cavalheiro e desde o momento que
ele havia convidado, era a coisa mais digna a fazer.
Mas em se tratando da juíza Márcia Braga, ele resolveu ceder, ou entrariam em uma nova
discussão que não terminaria antes da sobremesa.
— Como quiser. — respondeu entre os dentes, visivelmente contrariado e seguiram para o carro
dela já que o dele havia ficado no tribunal.
Márcia levou Guilherme até um restaurante japonês que não ficava muito longe dali. Depois que
eles fizeram o pedido, não demorou muito para uma moça loira, com roupa de chef, se aproximar da
mesa deles sorrindo.
— Você aqui? A que devo a honra? — a moça disse sorrindo antes de se abaixar e abraçar Márcia
com tanta intensidade que Guilherme arqueou as sobrancelhas esperando uma reação ríspida da juíza.
Mas tudo que Márcia fez foi retribuir o abraço com a mesma afeição. E Guilherme reparou então,
que até a frieza do seu olhar foi substituída por um brilho intenso, caloroso.
Amor.
Por um instante, ele a viu de verdade. Não a juíza, séria, fria e cumpridora da lei que ele estava
acostumado. Mas a Márcia, uma mulher, linda por sinal, que sorria tão genuinamente que ele sentiu
vontade de sorrir também.
— Doutor Goulart, esta é minha irmã Camila. Ela é chef e dona deste restaurante.
— Prazer em conhecê-la, Camila.
Camila estendeu a mão apertando a de Guilherme e sorriu quando olhou para a irmã.
— Uau ele é um gato, mana. — a chef disse sorrindo.
— Camila! — Márcia a advertiu, mas sua irmã só abriu mais ainda o sorriso.
Guilherme deu uma gargalhada grave e sincera.
— Quê?! — Camila fez cara de inocente e se levantou — Prazer em conhecê-lo doutor Goulart,
minha irmã rabugenta que eu amo tanto pode não assumir, mas você é sim um gato.
— Obrigado. — ele sorriu genuinamente, achando graça do comportamento de Camila e se
espantando ao ver como as duas eram completamente diferentes.
Camila ainda brincou um pouco, mas logo em seguida se despediu, e depois que sumiu por detrás
das cortinas de bambu que separavam a entrada de funcionários, Márcia se ajeitou
desconfortavelmente e encarou Guilherme com seu habitual olhar seco, frio.
— Não repare minha irmã, doutor Goulart, mas como pôde reparar, somos como água e vinho, e
ela tem esse jeito extrovertido que muitas vezes constrange as pessoas.
— Não me senti constrangido. — ele disse simplesmente, sendo sincero.
Enquanto falavam o pedido foi servido.
— Melhor assim. — Márcia arrumou seu hashi entre os dedos e começou a comer.
Guilherme fez o mesmo e não pôde deixar de se perguntar como as duas podiam ser irmãs. Mas a
realidade era que ele não estava realmente espantado. Afinal, ele mesmo e Gabriel eram, como a
juíza descreveu, água e vinho.
Durante todo jantar eles continuaram conversando sobre o que havia acontecido naquela manhã e
na maior parte do tempo sobre trabalho, mas em outros raros momentos falaram amenidades, mesmo
que ela sempre tentasse desconversar. Por mais alguns minutos a conversa seguiu espantosamente
agradável para ambos, logo em seguida Márcia alegou estar cansada, então eles se levantaram, mas
quando ele foi pagar a conta, Márcia o interrompeu.
— Não se preocupe com isso, eu tenho uma conta aqui. Depois acerto com a minha irmã.
— Não se ofenda doutora, mas quem tem conta aqui é você, não eu. Se fôssemos em outro lugar,
você pagaria o que consumisse então, eu farei o mesmo.
Sem discutir mais, Guilherme pagou metade da conta e esperou na porta enquanto Márcia e Camila
se despediam. A chef olhou para ele acenando com tanta empolgação que tudo que Guilherme pôde
fazer foi sorrir e retribuir o aceno.
Já do lado de fora do restaurante, Guilherme e Márcia se despediram e apesar de ela insistir em
deixá-lo em casa, ele foi categórico ao agradecer e dizer que pegaria um táxi.
Mais uma vez, a juíza não discutiu e seguiu seu caminho deixando Guilherme na calçada do
restaurante.
Ele caminhou para a ponta da calçada aguardando um táxi passar quando um veículo diminuiu a
velocidade até que parou diante dele. Sua primeira reação foi recuar e deixar um carro que estava na
calçada entre o veículo e ele, mas quando o vidro abriu e aquele rosto familiar o encarou de dentro
do carro, Guilherme a encarou.
— Quer uma carona?
— Não, Laura, obrigado.
— Ah, pare de frescura! Não vou te agarrar. — ela deu uma risada — Vamos, te deixo em casa e
prometo não abusar de você.
Ao reparar melhor ele percebeu que ela tinha um curativo no rosto e sua mão estava engessada do
pulso até perto dos dedos. E foi então que ele se lembrou que ela havia estado no tribunal naquela
manhã.
Curioso, ele aceitou e entrou no carro.
Enquanto ela dirigia, seguindo o caminho para o apartamento dele, Guilherme perguntou:
— O que fazia no tribunal esta manhã?
— Trabalho para uma revista que pediu para que eu cobrisse o julgamento. — ela apontou para o
ferimento na testa e mostrou o braço — Como pode ver, me dei mal. Sorte que eu tinha ido ao toalete
bem na hora em que tudo começou. — ela sorriu — E você? Como saiu de lá inteiro?
— Saí pelos fundos, vantagem de conhecer bem o lugar. Mas foi por pouco. — ele disse enquanto
se lembrava da cena.
— Sorte a nossa. — ela o encarou — Poderia ter sido pior.
Depois disso a conversa entre eles ficou estranha. Ele já tinha conseguido a resposta que queria e
não tinha muito o que conversar com Laura. Ela, basicamente falava sozinha e quando parou em
frente ao prédio de Guilherme, desligou o carro e o encarou.
— Vai me convidar para subir? — ela mordeu o lábio inferior e sorriu.
— Boa noite, Laura. — Guilherme respondeu educadamente, agradeceu a carona e saiu do carro,
sem hesitar, sem olhar para trás, ou dar crédito à pergunta dela.

Já deitado em sua cama ele começou a analisar friamente tudo que havia acontecido naquele dia e
pensou em Gabriel e em como ele adoraria se envolver em tudo que estava acontecendo. No entanto,
o investigador estava em lua de mel, com aquela a quem Guilherme ainda amava, mas que logo
deixaria de amar. Era o correto a fazer. E ao pensar isso, sem saber o motivo, a imagem de Márcia
abraçando Camila, as duas sorrindo e claramente demonstrando o carinho que tinham uma pela outra,
invadiram sua mente.
Capítulo Cinco

Os dias seguintes de Guilherme se resumiram a estudar outros processos, e pressionar o Supremo


Tribunal de Justiça, para que fosse marcado um novo julgamento para Montenegro. Aliás, ele e
Márcia estavam juntos nesse objetivo. Haviam dado uma trégua para conseguir que o julgamento
fosse remarcado o mais rápido possível.
Mais alguns longos dias se passaram sem que obtivessem uma resposta satisfatória e Guilherme
estava extremamente estressado. No Brasil tudo era muito burocrático e infelizmente a justiça não era
diferente e caminhava a passos de tartaruga.
E quanto mais tempo demorasse até um novo julgamento, mais Montenegro teria como planejar
uma nova fuga. Porque, por mais que ele não tivesse conseguido ainda comprovar a ligação de
Montenegro com o primeiro atentado, Guilherme sabia que ele estava por trás daquilo.
Completamente exasperado com a demora, ele chegou ao fim daquela manhã no seu limite, jogando
os papéis diante dele para longe, depois de, após outro telefonema, obter resposta negativa sobre a
previsão de uma nova data. E antes que ele acabasse descontando sua raiva em mais alguém, como
ele havia feito mais cedo com Jéssica, Guilherme resolveu sair para almoçar, avisando a sua
secretária que não sabia se voltaria para o escritório.
Dentro do seu sedã, o promotor dirigiu sem prestar realmente atenção aonde ia, enquanto
cantarolava Suedehead de Morrissey, que saía pelo alto-falante. Quando seu celular tocou e o nome
da sua secretária apareceu no visor ele simplesmente ignorou. Decidido a tirar o resto do dia de
folga para esfriar sua cabeça, continuou dirigindo até que parou em frente ao seu restaurante favorito.
Após cumprimentar a recepcionista ele foi guiado até sua mesa habitual e enquanto lia o cardápio,
percebeu que alguém o encarava a distância. A princípio Guilherme decidiu ignorar, mas quem quer
que fosse se mostrou insistente e quando ele se virou e observou aquele sorriso tão contagiante, tudo
que conseguiu fazer foi sorrir de volta.
Ele olhou ao redor e depois de cumprimentá-la, voltou sua atenção ao cardápio e antes que ele
pudesse erguer a mão para chamar o garçom, percebeu que ela já estava ao seu lado.
— Eu não sei você, mas eu odeio comer sozinha. Se importa se eu me sentar aqui?
Os olhos de Guilherme se encontraram com os dela e ele sorriu genuinamente.
— Por favor, seria um prazer ter sua companhia... Camila, certo?
— Certinho doutor Goulart.
— Por favor, me chame de Guilherme.
— Guilherme... — ela repetiu sorrindo ainda mais e acrescentou — Peça o filé ao molho madeira,
é uma delícia e...
Guilherme fechou o cardápio e prestou atenção no que ela falava, tentando não rir, mas era
impossível diante da animação dela.
Quando Camila percebeu que ele apenas a encarava parou de falar.
— Oh droga, fiz de novo, não fiz? — ela colocou a mão na boca — Márcia vive dizendo que eu
sou muito tagarela, que eu saio atropelando os outros, principalmente se o assunto é comida.
Desculpa.
— Não precisa se desculpar, vou aceitar sua sugestão. — ele ergueu a mão e logo um garçom veio
atendê-lo. Então depois de anotar o pedido o homem se retirou.
— Como chef, eu gosto de indicar boas comidas. Aliás, comida é minha paixão. Eu amo, muito
mesmo, tudo que envolva comida. A forma como preparar, escolher os alimentos, o cheiro, até o som
deles eu gosto e...
Guilherme a olhava admirado.
Camila tinha uma alegria contagiante e tudo que ele conseguia pensar era em como as duas irmãs
eram totalmente diferentes, pelo menos no que diz respeito à personalidade, já que no quesito beleza
as duas eram igualmente atraentes. E foi então que ele se questionou sobre o que poderia ter
acontecido para Márcia ser tão... amarga.
Assim, como Gabriel.
Enquanto almoçavam, ele e Camila conversaram e riram muito. Naquele pouco tempo em que ficou
ali, ele realmente esqueceu todos os problemas e preocupações do seu trabalho. A forma espontânea
de Camila o fez relaxar e o deixou bem à vontade. A companhia dela mudou totalmente seu humor.
Depois que terminaram o almoço, Camila pediu a conta, mas Guilherme claro, não permitiu que
ela pagasse e depois de se despedirem com dois beijos no rosto, ela se levantou e saiu.
O celular de Guilherme voltou a vibrar sobre a mesa, e mais uma vez ele ignorou. A tarde dele
havia melhorado consideravelmente, e ele não precisava ficar mal-humorado de novo com algum
problema que Jéssica quisesse lhe passar. Claro que isso era uma situação atípica. Como promotor,
ele estava sempre “disponível”, mas naquele dia em especial, ele se desligou um pouco.
Quando ele ergueu a cabeça, viu que Camila caminhava de volta até ele.
— Sem que isso pareça estranho, nem um convite esquisito nem nada do tipo. — ela sorriu
erguendo suas mãos e suspirou — Você me disse que ia tirar o resto da tarde de folga, não quer me
acompanhar? Preciso comprar algumas coisas para o restaurante e gostei de conversar com você. —
ela encolheu os ombros de forma tão natural que ele considerou aquela proposta.
Guilherme ficou silencioso por um tempo analisando o convite e logo abriu um largo sorriso.
— Claro, por que não?
Guilherme e Camila passaram as próximas duas horas no mercadão da cidade onde ela adquiriu
tudo que estava faltando para o restaurante. Ele ficou admirado com o carinho e paixão que ela
escolhia cada ingrediente, cada tempero, cada erva e como explicava a ele o que fazer com cada um,
como um ou outro alterariam o sabor da comida.
Eles já estavam no carro, a caminho do restaurante, quando o celular de Guilherme tocou mais uma
vez.
— Essa coisa tocou o dia todo, e não estou reclamando nem nada, mas não sei como você
consegue simplesmente não atender.
— Tirei o resto do dia para me desligar do trabalho depois de uma manhã complicada, se eu
atender vou ficar estressado de novo. Passar essas horas com você, foi realmente relaxante e eu não
quero colocar tudo a perder por causa de um telefonema.
— Bem, você sempre pode desligar, sabe...
— Não posso, por causa da minha família. — ele deu de ombros simplesmente e aquele
comentário fez Camila sorrir.
Apesar da aparência séria do promotor e de toda fama que ele possuía, com poucas horas, ela
conseguiu perceber que ele era uma pessoa que possuía um grande senso de humor e a risada rouca
dele era tão cativante que ela se sentia cada vez mais com vontade de fazê-lo rir. Ainda descobriu
que ele também era um homem de família.
E vejam se isso não dizia muito sobre ele.
Depois que Guilherme a deixou em frente ao restaurante, prometendo voltar ainda naquela semana
para jantar, seguiu para o seu apartamento.
Diante do portão de entrada do seu prédio, ele foi surpreendido por aquela figura loira e esguia,
que além de bem conhecida, ainda estava se tornando cada vez mais constantes em seus “casuais
encontros”. Os olhos dela estavam avermelhados e sua maquiagem, que geralmente era impecável,
estava totalmente borrada.
Guilherme parou o carro e abriu a porta enquanto ela vinha correndo em sua direção.
— O que aconteceu com você, Laura?
— Estou tentando falar com você o dia inteiro. — ela choramingou — Recebi uma ameaça hoje,
no meu hotel.
— Você?!
— Pelo que ouvi dizer... — ela respirou fundo, tentando se acalmar — todos que estavam lá no
dia do julgamento, receberam, inclusive os jurados.
— E como você sabe disso? — ele perguntou desconfiado.
— Ora, Guilherme, sou uma aspirante a jornalista! — ela esbravejou, sentindo-se ofendida —
Mesmo que seja de uma revista pouco conhecida, sei fazer meu trabalho muito bem.
— E por que eu não recebi ameaça nenhuma? — ele questionou, apenas para saber até onde ela
tinha realmente conhecimento das coisas.
Na verdade, a ameaça a ele, tinha sido feita junto com a da juíza.
— Eu não sei Guilherme. — ela alterou o tom da voz — Eu só sei que recebi e agora estou
apavorada e só conheço você nessa cidade. As pessoas que eu conheci na época que morei aqui, se
mudaram, ou não falam comigo por causa do seu irmão.
Guilherme esfregou o cabelo rapidamente, o bagunçando e voltou a encarar Laura, ignorando o
comentário dela sobre Gabriel.
— A primeira coisa que precisamos fazer é trocar você de hotel.
— Eu pensei, que... — ela olhou para cima fitando as janelas dos apartamentos.
— Não, Laura. — ele disse categórico a guiando até o lado do passageiro e abriu a porta pra ela
— Vamos que vou te ajudar com a mudança.
Capítulo Seis

Enquanto Guilherme dirigia ele conseguiu perceber, pela sua visão periférica Laura esfregando as
mãos e olhando para trás o tempo todo, demostrando seu nervosismo.
Apesar de toda diferença entre eles, e todo ressentimento de Guilherme em relação a Laura, ele
não a deixaria desamparada e o comportamento dela começava a deixá-lo preocupado.
Ela estava apavorada de verdade!
— Me conte o que realmente aconteceu? — Guilherme perguntou sem tirar os olhos da rua.
— Eu cheguei e parei na recepção, para verificar os recados, como não havia nenhum, subi para
minha suíte. Quando abri a porta havia um envelope no chão, estranhei, mas peguei e quando abri
havia uma ameaça, dizendo que eu devia esquecer essa reportagem sobre o caso Montenegro.
— E onde está o tal bilhete?
— Na suíte. — ela apertou as mãos novamente — Fiquei tão nervosa que tudo que eu consegui
fazer foi soltar aquela porcaria, fechar a porta e sair correndo.
— Então tem que estar lá.
O resto do caminho até o hotel seguiu em um confortável silêncio, apesar de que, Laura
permanecer olhando para trás o tempo todo, estava deixando Guilherme nervoso.
Quando ele estacionou diante do hotel, desceu rapidamente do carro e os dois seguiram
imediatamente para a suíte de Laura. Assim que ela abriu a porta ele avistou o papel caído no chão.
— Você tem um saco plástico, pote de vidro, envelope, qualquer coisa que possamos guardar isso?
Laura assentiu e tirou da bolsa um saquinho reutilizável, daqueles com fecho, que ela carregava
para alguma eventualidade. Depois esticou o plástico para Guilherme, mas ele balançou a cabeça
negativamente.
— Não vou tocar no bilhete, Laura, mas suas impressões digitais já estão lá, então coloque dentro
do saco e só então me entregue.
Depois que ela fez o que ele pediu, Guilherme colocou o saco no bolso, ajudou a arrumar sua mala
e em seguida fechar a conta naquele hotel.
Já dentro do carro novamente, Guilherme se certificou que não estavam sendo seguidos, apesar de
não acreditar que estivessem antes e seguiu para um hotel, distante daquele.
Quando estacionou em frente ao Palaces Place Hotel, ele se sentiu aliviado por aquela “jornada”
estar acabando. Quando entraram ele sugeriu a Laura que fizessem o check-in no nome dele, e assim
o fizeram.
Depois de deixar ela na porta do seu novo quarto, sem nenhuma piadinha de Laura, por incrível
que pareça, Guilherme se despediu e voltou para seu apartamento.
Durante todo caminho ele se perguntava por que uma simples jornalista seria ameaçada? Quanto a
ele, a juíza e até os jurados, ele entendia... mas ela?
Ele colocou a chave na fechadura e ao abrir a porta o sensor de presença fez com que as luzes se
acendessem, e rapidamente ele notou o pequeno papel de cor amarelada no chão, provavelmente
colocado por debaixo da porta. Já imaginando do que se tratava, foi até o pequeno bar, pegou o
pegador de gelo e usou para manusear o papel. Não queria tocar nele para não deixar impressões
digitais.

ABANDONE A CAUSA. ESQUEÇA MONTENEGRO E VIVA.

Guilherme observou atentamente o papel, tentou ver alguma semelhança que pudesse ter entre os
bilhetes da juíza, o de Laura e o dele. Mas até isso estava estranho. As ameaças não tinham um
padrão.
Depois de guardar os dois bilhetes dentro de um dos seus livros de direito, ele jogou-se no sofá e
ligou para Gabriel.
— Está tudo bem, Guilherme? — Gabriel já atendeu perguntando.
— Preciso de um favor.
— O que houve?
Depois de Guilherme explicar minuciosamente sobre tudo que estava acontecendo, Gabriel
respondeu:
— Vou voltar. Pegarei o primeiro voo de volta e...
— Não precisa encurtar sua lua de mel, eu só preciso que você ligue para delegacia e peça ao
Dantas para me informar sobre tudo que está acontecendo em primeira mão, e mandar uma equipe
especializada para pegar comigo os bilhetes.
— Eu mesmo vou cuidar disso, Guilherme.
— Gabriel...
— Sem essa de “Gabriel”, — ele disse rispidamente do outro lado da linha — eu ajudei a
prender esse cara e eu não vou ficar aqui enquanto isso tudo está acontecendo. Tenho certeza que
Monique vai entender. — Gabriel jamais admitiria, mas saber que Guilherme estava sendo
ameaçado o deixava nervoso, muito nervoso. E nem fodendo ele ficaria longe, enquanto seu irmão
corria risco de vida — Volto amanhã, ou mais tardar depois de amanhã.
— Se eu bem te conheço, não há nada que eu possa dizer que vá fazer você mudar de ideia.
— Não, Guilherme, não há. Vou mandar Dantas até seu apartamento pegar as provas. Até mais
e Guilherme... — Gabriel respirou profundamente — Se cuida.
— Não se preocupe.
Gabriel desligou e Guilherme ficou olhando para tela do telefone incrédulo. Imediatamente se
arrependeu de ter ligado para ele.
Eles encurtariam sua lua de mel em quase dez dias e a bem da verdade era que Guilherme ainda
não estava preparado para rever Monique. Ele sabia que teria que conviver com ela, sabia que mais
cedo ou mais tarde eles iriam se encontrar, mas naquele momento estava feliz por ficar quase um mês
sem vê-la, a distância seria boa para esquecê-la de vez.
Respirando profundamente Guilherme se levantou e foi tomar um longo e demorado banho antes de
deitar em sua cama.
Dois dias depois, Guilherme, após se prontificar a fazer tal favor, foi até o aeroporto buscar seu
irmão e sua cunhada. Como ele previu, ver Monique com o rosto corado, o brilho nos olhos e a
felicidade estampada em seu semblante, foi um golpe duro para ele. Até Gabriel, que habitualmente
vivia carrancudo, estava com uma expressão mais suave.
Quando avistaram Guilherme, caminharam até ele e depois de dar dois beijos no rosto de
Monique, apertou a mão de Gabriel de forma firme.
Exceto pela semelhança entre os dois, quem os visse podia pensar que eram totais estranhos e não
irmãos.
Há muito a cumplicidade deles havia sido comprometida, graças à Laura, e apesar de o
relacionamento entre os dois, hoje, estar muito melhor que há alguns meses, estava longe de ser o
ideal, longe de ser como era quando eram crianças, quando eram adolescentes. Como eram antes de
Laura se colocar entre os dois.
Depois que deixaram Monique no apartamento dela e de Gabriel, Guilherme e ele saíram
novamente. O investigador queria ir até a delegacia, verificar pessoalmente como estava o
andamento das investigações sobre o caso.
Estavam no carro de Guilherme, a caminho da delegacia quando Gabriel começou a enchê-lo de
perguntas. E quando o promotor mencionou novamente que Laura estava na cidade, o maxilar de
Gabriel ficou visivelmente tenso. Sua mão até então relaxada sobre o colo, se fechou. Gabriel virou-
se para o irmão que ainda dirigia e estudou suas feições.
— E ela achou você assim? Por pura coincidência? — Gabriel apertou os olhos e continuou
fitando Guilherme.
— Sim. — Guilherme deu de ombros e respondeu com indiferença, sem tirar os olhos do trânsito.
Gabriel o estudou mais algum tempo e logo em seguida questionou novamente.
— E agora vocês estão sempre se encontrando?
Qualquer um que visse aquela situação poderia interpretar errado e acreditar, que naquele
momento, Gabriel estivesse com ciúmes ou algo do gênero.
Mas não era o caso.
Ele estava realmente analisando a situação e o motivo de Laura ter aparecido depois de tantos
anos. Agora que ele casou, agora que ele e seu irmão “trabalhavam juntos” em um caso.
— Olha, Gabriel... — Guilherme começou respirando fundo, sabendo o temperamento de seu
irmão, principalmente quando o assunto em questão era Laura — Ela está trabalhando para uma
revista, e esse caso está sendo falado por todo país, é normal que ela esteja aqui. O que eu não
entendo é por que uma simples repórter está sofrendo ameaças.
— Nada no caso Montenegro é normal, mas nós vamos descobrir.
Depois de dizer isso, Gabriel voltou a olhar para frente e o restante do caminho se seguiu em um
confortável silêncio, que era quebrado apenas pela música antiga que saía pelo alto-falante do carro.
E enquanto o vocalista Morten Harket, da banda A-ha, cantava o último refrão de Hunting High
and Low, Guilherme estacionou o carro no pátio da delegacia.
Quando ele e Gabriel passaram pela porta dupla de vidro da delegacia, muitos olhos se viraram
para eles. Altos, morenos, incríveis olhos azuis, com o jeito imponente, chamavam atenção. Tanto
dos que já os conheciam, como os demais.
Após cumprimentarem alguns policiais, seguiram diretamente para a sala de Gabriel. Enquanto ele
ligava o computador, Guilherme desabotoou o blazer do terno e se sentou, cruzando a perna sobre o
outro joelho, focando em seu celular, respondendo alguns e-mails e falando com sua secretária.
— O julgamento foi remarcado para a próxima, sexta-feira. — ele informou a Gabriel sem tirar os
olhos do telefone.
— Pelo menos foi rápido.
— A juíza Márcia está ansiosa por isso. Com certeza ela mexeu uns pauzinhos para que isso
acontecesse.
— Gosto daquela juíza, ela tem pulso firme, tem fibra.
Enquanto Gabriel a elogiava, Guilherme não conseguiu conter uma careta.
Não que ele discordasse da opinião do irmão, pelo contrário, mas ela e Guilherme raramente
conseguiam se entender. Mas não o espantava que seu irmão tecesse tantos elogios a ela, o gênio dos
dois era extremamente parecido.
Guilherme sorriu internamente.
Quando Gabriel socou a mesa, Guilherme não se assustou, já estava acostumado com o
temperamento do irmão, mas ergueu seus olhos e o encarou.
— Eu saio por quinze dias e a delegacia vira uma zona. Onde está a porra do arquivo atualizado
sobre o caso? — Gabriel convidou o irmão a olhar para a tela do computador — A última vez que
essa merda foi atualizada, fui eu quem o fez.
Guilherme franziu o cenho e leu as informações ali contidas. E realmente, não havia nada.
Nem sobre a explosão.
Nem sobre a ameaça a juíza.
Nada!
Xingando, visivelmente exasperado, Gabriel se levantou e foi até a porta e quando gritou pelo seu
suplente, Guilherme se levantou e fechou seu blazer enquanto caminhava para trás da mesa do irmão.
Ele sabia que agora viriam os gritos, os xingamentos e o policial tremeria diante da ira de Gabriel.
Era sempre assim, seu irmão era duro, quase cruel e quem não o conhecesse poderia achar até que
no lugar do seu coração havia um bloco de pedra. Mas Guilherme o conhecia bem e sabia que aquilo
não era totalmente verdade, e sabia também o real motivo de Gabriel ter encurtado sua lua de mel.
Ele poderia realmente estar inteirado dos acontecimentos, mesmo de longe, mas no momento em que
ele, Guilherme, havia sido ameaçado diretamente, Gabriel não hesitou em voltar. Por mais
que ele nunca fosse assumir, o promotor sabia que era isto que movia seu irmão. Proteger a quem ele
amava, sempre. Fazer a justiça se cumprir.
Quando o policial entrou, Guilherme se compadeceu do cara. Seu rosto já estava lívido e o olhar
que ele lançou ao promotor já demonstrava o quanto seu irmão o deixava nervoso. O promotor o
reconheceu como o policial que foi até o escritório da juíza pegar o bilhete ameaçador que ela havia
recebido.
— Por que o arquivo do caso Montenegro não está atualizado? — Gabriel disparou, e apesar de
não gritar sua voz demonstrava toda sua exasperação — Será que estou rodeado de incompetentes,
que não sabem incluir a porra de um relatório no arquivo, uma mísera informação no computador?
— Está atualizado, eu mesmo o fiz e...
— Então você fez merda, porque a última atualização do arquivo foi feita por mim.
Gabriel virou a tela para que o policial pudesse ver e quando o cara viu que realmente não estava
atualizado, seus olhos se arregalaram.
— Mas eu... — ele começou, mas Gabriel o interrompeu.
— “Mas”, nada. Se tivesse feito com atenção, o relatório estaria atualizado. Mas veja só, não está.
Sinal que sua incompetência...
— Pode nos dar licença, por favor? — Guilherme interrompeu Gabriel, que lançou ao promotor
um olhar furioso.
Claro que Guilherme não se intimidou com o olhar de seu irmão. Entretanto percebeu que o
policial ficou indeciso, sem saber o que fazer, então ele reforçou o pedido.
— Você pode esperar aí fora, mas eu preciso ter uma palavra com meu irmão. — Guilherme
encarou Gabriel com a expressão calma — E tem que ser em particular.
O policial, ainda receoso, assentiu e lentamente se retirou da sala. Guilherme o acompanhou e
assim que ele atravessou a porta, tratou de trancá-la.
— Mas que diabos pensa que está fazendo? — Gabriel questionou ainda exasperado.
— Primeiro, deixe de ser idiota pelo menos um instante. — Guilherme caminhou até a cadeira
diante da mesa do investigador e se sentou novamente — Segundo, não tenho medo dos seus
rosnados.
Gabriel o encarou ainda mais sério, mas Guilherme apenas sustentou o olhar do irmão com a
expressão mais calma do mundo e indicou a cadeira do investigador com o queixo.
— Vai sentar para conversarmos ou vai ficar aí igual um cão de guarda? — Guilherme provocou e
mesmo irritado, Gabriel caminhou até a cadeira e sentou.
Eles se encararam por um momento e então Guilherme voltou a falar.
— Esse policial, reconheci ele. Foi o que você mandou buscar as provas da juíza. Ele me pareceu
muito competente, e se eu bem te conheço, acho que você não daria tal função a um imbecil.
— Parece que eu me enganei.
— Se você deixar de ser idiota por um minuto vai enxergar as coisas com mais clareza.
Gabriel apertou os olhos, mas não respondeu ao irmão.
— E se ele fez o que devia, trabalhou com competência e alguém, daqui de dentro, desfez o
trabalho dele?
— Impossível.
— Nada é impossível, Gabriel. Seja racional. Montenegro é um cara influente, tem dinheiro, muito
dinheiro. Não é difícil imaginar que tenha gente trabalhando pra ele em todos os lugares. Nós dois
sabemos o quanto foi difícil reunir provas suficientes contra ele, para prendê-lo.
— Verdade.
— Então, quem garante que não há alguém aqui dentro com a única função de atrapalhar as
investigações?
Por um momento Gabriel ficou em silêncio e fitou Guilherme que exibia sua expressão
profissional. Calmo e cheio de razão.
— Se você tiver razão, vamos precisar dos serviços de Wagner.
— O que nosso primo tem a ver com isso?
Gabriel deu um sorriso torto antes de dizer.
— Agora é o senhor engravatadinho que não está pensando. — ele pegou o celular e ligou para o
primo.
Capítulo Sete
Ele deu uma piscadinha, acompanhada de um sorriso torto e sedutor, para o grupo de amigas que
estavam deitadas sobre cangas, enquanto fincava sua prancha na areia. Em seguida sacudiu o cabelo
e colocou os óculos escuros, que estavam presos na sua bermuda. Não foi surpresa o suspiro em coro
que elas soltaram.
O corpo musculoso e levemente dourado de Wagner era alvo de admiração e desejo pelas
mulheres. Seus ombros largos, abdômen e peitoral definidos, cabelos loiros queimados do sol e
olhos incrivelmente azuis só serviam pra acrescentar perfeição àquele visual.
E ele sabia disso, não hesitava em usar seus atributos a seu favor.
Wagner se sentou recuperando o fôlego, enquanto tomava sua água de coco, recém-adquirida de um
ambulante. Quando terminou, voltou para o mar para uma despedida, uma última onda. Afinal ele
estava ali desde cedo e era hora de voltar para casa.
Quando saiu da água mais uma vez, cumprimentou outros dois surfistas que estavam na areia e foi
até o quiosque de um amigo onde deixava sua sacola de pano com seus pertences e sua prancha
quando não estava usando.
— Valeu cara. — ele agradeceu batendo a mão na do amigo seguido de um soco, depois caminhou
para sua moto.
Antes de montar na sua fiel companheira, pegou o celular e se assustou ao ver que haviam muitas
chamadas perdidas de Gabriel. Imediatamente ele retornou a ligação.
— E aí Gabe, o que manda?
Gabriel ao ouvir a saudação de Wagner não pôde deixar de rir. Não importava que o primo
estivesse beirando os trinta anos, sempre tinha esse jeito moleque de falar.
— Está fazendo algo importante? — Gabriel perguntou — Eu e Guilherme precisamos dos seus
serviços.
— E mesmo que eu estivesse, família em primeiro lugar, sempre.
— Ótimo, em quanto tempo consegue vir para cá?
— Em três horas no máximo, vou só tomar um banho colocar umas tralhas na mochila e sigo pra
Curitiba.
— Perfeito. Nos encontre no apartamento do Guilherme. Te mando o endereço por mensagem.
— Beleza, Gabe, até logo.
Wagner montou e ligou sua moto hyper sport, preta e acelerou fazendo o ronco do motor chamar
atenção de quem estava próximo. Após colocar a sua sacola nas costas e o capacete, ele saiu.
O primo dos irmãos Goulart morava em Matinhos, que ficava a aproximadamente 113 km de
Curitiba, cidade onde os irmãos viviam.
Depois de passar em seu apartamento e jogar algumas coisas na mochila, incluindo seu tablet e seu
notebook, Wagner seguiu para o endereço de Guilherme.

***
Guilherme estava ansioso por aquele encontro. Depois que Gabriel lhe explicou o que passava em
sua mente, ele concordou que trazer Wagner para junto deles era uma excelente opção.
Seu primo era um investigador particular, tão bom e tão profissional quanto Gabriel. A diferença
era que Wagner resolveu trabalhar por contra própria e pelo que ele sabia era um cara muito
eficiente. Claro que trabalhar na “surdina”, facilitava as coisas. Ao contrário de Gabriel, que onde
chegava era reconhecido como o investigador Goulart, Wagner passava despercebido, muitos
achavam que ele era só um playboy que tivera a sorte de herdar uma herança de um pai que ele nem
sabia que tinha.
O que não era totalmente mentira. Wagner realmente tinha herdado uma bela herança de um pai que
ele não sabia que tinha até completar dezoito anos, mas a verdade era que de playboy seu primo não
tinha nada. Desde sempre ele teve faro investigativo e com o dinheiro que possuía, resolveu seguir
carreira de investigador particular.
Enquanto Guilherme verificava a temperatura das cervejas que tinha colocado para gelar, a
campainha tocou e ele foi atender.
Gabriel estava parado diante da porta com um embrulho nas mãos, e assim que a porta abriu ele
empurrou para cima de Guilherme.
— Cortesia da Monique. — ele caminhou até o sofá e se jogou sobre o móvel enquanto Guilherme
abria o embrulho e verificava o que ela havia mandado.
— Agradeça a ela por mim. — Guilherme pediu quando viu a vasilha cheia, com a famosa costela
suína que ela fazia.
Claro que ela havia enviado porque sabia que eles beberiam enquanto estavam conversando.
— Claro. — Gabriel deu de ombros.
Depois de colocar a vasilha sobre a mesa, Guilherme deixou Gabriel na sala e foi tomar um banho
rápido, pois sabia que não ia demorar pra Wagner chegar.
Quando ele saiu do banho alguns minutos depois, seu primo já estava sentado ao lado de Gabriel,
com uma long neck na mão, conversando animadamente.
Mais uma vez Guilherme sorriu internamente. Apesar de serem totalmente diferentes, Wagner e
Gabriel se davam bem. Isso dentro do possível, porque, Guilherme sabia que o primo só chamava
seu irmão de Gabe, pois sabia que o investigador detestava.
Wagner era assim
O tipo de cara que adorava levar as pessoas ao limite, era divertido, alegre, nem parecia que tinha
passado uma infância de merda.
— Fala ae, Gui. — Wagner se levantou pra cumprimentar o primo e depois de apertarem as mãos,
todos se sentaram em volta da mesa e começaram a conversar.
De repente os três adotaram um semblante muito sério e a conversa que antes estava descontraída
se tornou extremamente profissional.
— Em que eu posso ajudar as moças? — Wagner disse e apesar da brincadeira, estava totalmente
sério.
Depois que Guilherme e Gabriel explicaram tudo a Wagner, ele respondeu antes mesmo que os
primos pudessem detalhar o que queriam dele.
— Vamos descobrir quem são os envolvidos com esse tal Montenegro e assim, vamos poder
deixar esse imbecil apodrecer atrás das grades.
— Exatamente. — Concordou Guilherme e depois os três ergueram as garrafas de cerveja e
brindaram.
A conversa sobre o caso Montenegro seguiu noite adentro e quando Gabriel se despediu, dizendo
que tinha uma linda esposa o aguardando, Guilherme se conteve para não fazer uma careta.
Apesar de ter insistido para que seu primo ficasse em seu apartamento, Wagner preferiu ir para um
hotel, e assim ele teria mais “privacidade”. Além do mais eles tinham combinado que quanto menos
os vissem juntos, melhor as chances de Wagner conseguir rapidamente seu objetivo.
Capítulo Oito

Márcia lia e relia o processo, os autos, e tudo pertinente ao caso Montenegro mais uma vez. Ela já
havia perdido as contas de quantas vezes ela havia lido toda aquela documentação.
O julgamento estava marcado para o dia seguinte. E ela, mais que ninguém, queria aquele
desgraçado atrás das grades, mas não podia fazer isso sozinha. Ela precisava de Guilherme. E por
sorte ele era muito competente, sua fama o precedia e agora como promotor havia sido designado
para trabalhar diretamente com ela. Não importava quanto dinheiro Montenegro tinha, quantos
advogados realmente bons ele podia pagar. Guilherme faria seu trabalho de forma espetacular. Ou,
pelo menos, assim ela acreditava, até porque independente de qualquer coisa, a palavra final era
dela. Sendo que o doutor Goulart tinha que fazer um bom trabalho para que, na hora em que ela
decretasse a sentença, fosse definitivamente o fim.
A pequena Márcia, aquela que, na sua inocência precisou crescer, testemunhou coisas que nenhuma
criança deveria presenciar. Coisas que a tornaram o que era hoje. Além da personalidade forte, havia
a gana de defender mulheres indefesas. Aquelas que não eram como ela. E infelizmente, com seu
trabalho, ela acabou descobrindo que isso era muito mais comum do que poderia sequer um dia
imaginar.
E Márcia não se importava de ser como era. Quando o assunto em questão era o abuso de
mulheres, ela não se preocupava com ética se o acusado fosse comprovadamente culpado.
Enquanto lia os papéis, a mente de Márcia a transportou para lembranças distantes. Memórias de
muito tempo atrás, quando ela rezava para que os dias fossem intermináveis e as noites nunca
chegassem. Mas elas chegavam... Elas sempre chegavam.
Os olhos dela já estavam ardendo e ela precisava estar bem para o dia seguinte. Não que ela fosse
do tipo de pessoa que dormia oito horas por dia, ou perto disso.
Para Márcia três ou quatro horas eram o suficiente, mas depois de olhar no relógio, percebeu que
dormiria pouco mais de duas horas, então era realmente hora de guardar os papéis e descansar um
pouco antes de cumprir seu dever.

***
Sentado na sua confortável poltrona, com seu terno caro, diante da sua TV de LED, de nada mais
nada menos que 60 polegadas, Charles Castellano Montenegro assistia ao noticiário que falava dele.
Ele não se importava realmente com o que diziam. Na verdade, achava graça. Ser o centro das
atenções sempre inflou seu ego e mesmo estando preso, não era diferente.
Montenegro não se preocupava com o fato de estar atrás das grades. Aliás, aquilo ali mais parecia
um hotel de luxo. Mais uma das muitas coisas que seu dinheiro conseguia comprar. E não era só o
luxo. Ele também compraria sua liberdade. Estava certo disso.
Quando o noticiário acabou, ele pegou o controle remoto e começou a trocar de canal, procurando
algo interessante para assistir quando um policial foi até a cela levar seu jantar.
Ao contrário dos demais presos, que desciam até o refeitório para comer aquela comida horrível
da prisão, Charles recebia sua refeição na própria cela. Com direito a vinho caro como
acompanhamento e sobremesa.
Enquanto o policial deixava o carrinho com a janta de Charles o celular dele tocou. O policial o
encarou, mas bastou um aceno de cabeça de Montenegro para que o policial se retirasse dando a ele
a privacidade que queria.
— Montenegro. — ele disse suavemente enquanto abria a tampa da bandeja que continha seu
jantar.
Enquanto a pessoa do outro lado da linha falava, a expressão de Montenegro não mudou. Ele
apenas respondia com uma sessão de “certo” e “sim” enquanto se servia do seu jantar.
— Não falhe, desta vez. — Charles disse antes de desligar o telefone.
Enquanto ele sentou em sua mesa para começar a se deleitar com seu jantar, o policial voltou.
— Precisa de alguma coisa, senhor Montenegro?
— Não, meu filho. — ele sorriu genuinamente — Agradeço seus préstimos. Não vou esquecer tudo
que fez por mim durante minha estadia aqui.
O policial apenas sorriu largamente, antes de agradecer e se retirar.

***
Apesar de o dia seguinte prometer ser tenso, Guilherme estava calmo. Desta vez eles haviam
reforçado a segurança do local onde aconteceria o julgamento. O esquadrão antibombas já havia
verificado o local mais de uma vez naquele dia e seria impossível alguém entrar no prédio para
colocar qualquer coisa, antes da hora do julgamento.
Além disso, Gabriel havia usado sua influência para aumentar o policiamento nos arredores do
prédio, o que dificultaria as coisas.
Mas apesar da tranquilidade de Guilherme, ele não queria ficar em casa, trancado esperando até o
dia seguinte, então depois de ligar para Wagner e o convidar, eles foram para o restaurante de
Camila.
Guilherme poderia assim descobrir como as coisas estavam andando com as investigações de
Wagner.
Já sentados em sua mesa, Guilherme perguntou.
— Como andam as investigações?
— Lentas. — ele tomou um gole do seu saquê — Esse cara parece intocável. Tudo sobre ele é
minuciosamente cercado, protegido. Me surpreendo como Gabe conseguiu colocar ele atrás das
grades.
— Até parece que não conhece Gabriel. Quando ele cisma com uma coisa não há quem tire da
cabeça dele.
— Mesmo assim, isso só mostra o quão competente ele é.
— Sim, muito. — foi a vez de Guilherme beber seu saquê.
— E por falar em competência, conheci Monique. — Wagner deu um sorriso safado — Preciso
dizer que Gabe ganhou na loteria. Que gata!
Guilherme se remexeu desconfortavelmente na cadeira, e desviou o olhar. Não queria falar de
Monique com seu primo, aliás não queria falar dela com ninguém.
— Ei. — Wagner ergueu o queixo e o observou — Por que você ficou estranho quando falei da
Monique? O que há de estranho nisso que eu não estou sabendo?
— Longa história. — Guilherme respondeu secamente — Apenas esquece.
— Não esqueço e se você não me contar, vou perguntar a Gabe.
Guilherme fuzilou o primo com o olhar, mas antes que pudesse responder, Camila apareceu.
— Não acredito que você veio aqui e não mandou me chamar doutor gatão. — ela sorria
largamente, e ao mesmo tempo tentava fingir que estava brava com Guilherme.
— Não quis incomodá-la. — ele se levantou para cumprimentá-la.
— Eu a incomodaria, quantas vezes ela quisesse. — Wagner disse sorrindo e já se levantando —
Prazer, sou Wagner.
Ele se apresentou antes mesmo que Guilherme tivesse a oportunidade de fazê-lo.
Os olhos de Camila percorreram Wagner de cima a baixo e claro que ela não ficou alheia a sua
beleza. Isso era impossível, mas definitivamente, o jeito atirado dele não agradou.
— Camila, esse é meu primo Wagner. — Guilherme finalmente disse — E não repare os maus
modos dele.
— Tudo bem, eu já tive um cãozinho assim. Ele era difícil de controlar, mas com muito esforço eu
consegui.
Wagner deu uma risada rouca e tão genuína que fizeram os pelos de Camila se arrepiarem.
— Eu adoraria ver você tentar me domar. — ele disse puxando a mão dela e levando aos lábios
para beijar.
— Vai sonhando, gato. — ela disse puxando a mão abruptamente e depois virou-se para Guilherme
— Bom, eu preciso voltar para cozinha. — ela deu dois beijos, um em cada face de Guilherme antes
de se afastar — Me liga para gente marcar alguma coisa, doutor gatão. — ela piscou e saiu.
— Puta que pariu. — Wagner disse, voltando a se sentar mas olhando a bunda dela, enquanto
Camila se afastava — Você precisa me dar o telefone dela. Estou apaixonado.
— Primeiro, não preciso te dar nada. — Guilherme sorriu — Segundo, você não está apaixonado
merda nenhuma.
— Mas ela tem uma bunda linda. — diante da expressão de reprovação de Guilherme, seu primo
sorriu — Qual é? Vai negar que não reparou na bunda dela? — Wagner reclamou — A menos que
você esteja interessado, aí eu tiro meu time de campo, mas não me pareceu estar.
— E não estou mesmo. Somos apenas amigos.
— Perfeito. Porque eu estou querendo muito me tornar amigo dela também. — Wagner voltou a
sorrir, mas antes que pudesse falar mais alguma gracinha o garçom trouxe o pedido deles.
***
O terno de Montenegro estava impecável e enquanto o policial o acompanhava até o veículo que
iria transportá-lo até o fórum, ele caminhava tranquilamente. Mesmo com as mãos presas para trás
nas algemas, ele era imponente e mantinha sua cabeça erguida. Os óculos escuros caríssimos
ajudavam a dar um ar ainda mais majestoso.
Depois que ele entrou no veículo blindado que o transportaria, acenou para o policial e sorriu.
Quem visse Montenegro não achava que ele era um preso indo a julgamento, prestes a ser condenado
a muitos anos de cadeia.
Assim que as portas do veículo se fecharam, ele recostou a cabeça e fechou os olhos, apenas
aguardando enquanto o mesmo parasse.
Durante o caminho, o comboio não era muito grande, mas estava relativamente bem protegido.
Além de dois policiais de moto, protegendo a retaguarda, haviam duas patrulhas com dois policiais
em cada. Um policial dentro do carro de frente para Montenegro, o motorista e mais um policial
sentado no carona.
De repente Montenegro começou a contar. A voz dele era quase um sussurro, mas, mesmo assim,
aquilo começou a incomodar o policial diante ele.
— Contando quanto tempo falta para você nunca mais sentir o gosto da liberdade?
Montenegro apenas ignorou e continuou contando, o que só deixou o policial ainda mais irritado.
— Cale a porra da boca. — o policial bradou, mas Montenegro apenas deu uma risadinha baixa,
rouca e continuou seu ritual.
O policial levou a mão ao seu cassetete para acertá-lo, mas antes que realmente pudesse tocar a
coisa, Montenegro levantou as mãos e segurou na barra de ferro acima da sua cabeça. Antes que o
policial pudesse entender o que estava acontecendo, disparos de metralhadora foram ouvidos e de
repente uma intensa troca de tiro acontecia do lado de fora.
Os barulhos das balas acertando a lateral do carro fizeram o policial arregalar os olhos.
— Isso é coisa sua, não é, seu idiota?
— Não sei do que você está falando.
O policial acertou Montenegro na costela, mas mesmo com a dor, ele continuou se segurando
enquanto os disparos continuavam, até que uma explosão foi ouvida e o carro em que eles estavam
perdeu o controle e começou a rodar, até que capotou.
Apesar de Montenegro estar se segurando, enquanto o carro girava ele podia sentir seu corpo
batendo contra o chassi e seus ossos reclamando a cada impacto, mas não se comparava ao policial
que estava completamente solto e parecia uma bola de pingue-pongue chacoalhando dentro do
camburão.
Quando o veículo finalmente parou, Montenegro demorou um tempo para soltar a barra de ferro, e
alguns segundos depois a porta de trás se abria.
Dois homens armados e encapuzados, estenderam a mão para ele e o ajudaram a sair, enquanto um
deles atirava no policial deitado dentro do veículo, mesmo que esse estivesse desmaiado.
— Vocês deveriam me libertar e não tentar me matar.
Mas antes que os homens pudessem responder, ouviu-se disparos vindos de cima, de um
helicóptero, até que acertaram os homens. Eles caíram diante de Montenegro, mas ele apenas olhou
para cima com uma expressão furiosa e não correu.
Não adiantava correr. A arma estava apontada para sua cabeça.
Irritado e frustrado, ele apenas se afastou um pouco do veículo e aguardou para que viessem
buscá-lo.
Capítulo Nove

Montenegro andava de um lado para outro em sua cela. Irritado, com dor, impaciente, furioso
como um animal enjaulado.
Incompetentes! Estou cercado de incompetentes. — ele rangeu entre os dentes e lançou uma
travessa de prata contra a grade enquanto continuava esbravejando e xingando.
Seu celular tocou e evitando o impulso de arremessar a coisa contra a parede, respirou
profundamente, antes de atender.
— Qual o problema de vocês em executar um simples plano?... Sim, isso é incompetência... Os
irmãos Goulart não são deuses. Eles são homens comuns que executam suas tarefas com eficiência...
Não me interessa. Se vocês tivessem a metade da eficiência deles, essa hora eu estaria livre.
Montenegro gritou e esbravejou mais um pouco. Ele era um homem de negócios, além do que
estava sendo acusado. Não chegou aonde chegou cometendo falhas, erros. Não! Ele era
minuciosamente calculista e eficiente, e exigia que as pessoas que o rodeavam fossem assim, mas
pelo visto tinha cometido um erro. Já que suas tentativas de fuga, estavam sendo frustradas.
— Não quero saber. Se livre deles então. Dos irmãos, da juíza e de quem mais for necessário,
mas me tire daqui... — ele ouviu atentamente a pessoa do outro lado antes de completar — E desta
vez, não me decepcione.

***
Depois que Guilherme recebeu a ligação de Gabriel informando do ocorrido, ele por pouco não
atirou o celular contra a parede. Montenegro estava passando dos limites. Era indiscutível que ele
estava tentando fugir, mas, ao mesmo tempo, eles não tinham como provar. Pelo menos não por
enquanto. Não quando os envolvidos estavam foragidos, ou mortos.
Guilherme respirou algumas vezes antes de batidas na porta chamarem sua atenção.
— Quem é?
O meirinho abriu a porta e colocou a cabeça para dentro, de forma cautelosa. Apesar de Guilherme
não ser um cara ranzinza, nem mal-educado, definitivamente essa situação com Montenegro estava
tirando todos dos eixos, e o promotor não estava alheio.
— A juíza pediu para vê-lo. — o meirinho informou.
— Já estou indo. — ele respondeu simplesmente e depois que a porta se fechou, começou a
guardar seus papéis em sua pasta antes de se dirigir à sala da juíza.
Nos corredores do fórum não se falava em outra coisa. Era incrível como esse tipo de notícia se
espalhava rapidamente. O julgamento de Montenegro era um dos mais aguardados. Todos queriam
vê-lo atrás das grades, apesar de ter aqueles que simplesmente não acreditavam que isso fosse
acontecer.
Quando Guilherme entrou na sala da juíza, depois de ser devidamente anunciado, a viu andando de
um lado pro outro, tensa.
— Eu queria poder enfiar minhas unhas no pescoço desse idiota. — ela bradou, assim que
Guilherme fechou a porta.
— Ele merece mais que isso.
— Merece. — ela respondeu de forma seca, e respirou algumas vezes, enquanto tomava um grande
copo de água gelada — Vou pedir adiamento do julgamento dele.
Guilherme arregalou os olhos, incrédulo.
— Você está brincando? — ele se aproximou dela, e a encarou com os olhos fervendo. A única
coisa que separava os dois era a mesa da juíza — Temos que marcar o mais rápido possível. Use sua
influência para isso. Marque para amanhã se possível, assim ele não teria tempo para arquitetar nada.
— Não concordo. Acho que ele tem muitas cartas na manga. Melhor deixar as coisas esfriarem, e
quando formos finalmente marcar, ele não será informado da data.
— Ele não precisa ser informado se remarcar para amanhã.
— Doutor Goulart, estamos no Brasil. Mesmo que eu quisesse, e eu não quero, seria impossível
marcar para amanhã, ele provavelmente está esperando isso. Certamente tem informantes e eu quero
ter tempo de organizar tudo, para que o mínimo de pessoas possíveis saiba da nova data desse
julgamento. As pessoas só tomarão conhecimento quando ele já estiver com a bunda sentada no
banco dos réus.
— Eu não acho que isso seja uma boa ideia...
— Doutor Goulart eu não estou pedindo sua opinião. — ela o interrompeu — Te chamei apenas
para lhe informar da minha decisão. O senhor será avisado quando o julgamento for remarcado.
Guilherme a encarou, furioso. Ele não respondeu. Não podia, pois naquele momento eles estavam
a serviço do seu dever e se ele a desacatasse terminaria preso e teria que pagar fiança.
Ele continuou encarando a juíza durante um tempo e depois, virou-se e saiu, sem dizer nenhuma
palavra e batendo a porta com força ao fechá-la.

Guilherme saiu do fórum completamente irritado. Por conta da audiência ele não tinha mais
compromissos durante aquele dia, então pegou seu sedã e dirigiu até a delegacia onde Gabriel
trabalhava.
Sem se preocupar em ser anunciado, ele seguiu para a sala do investigador e depois de bater duas
vezes e não obter resposta, forçou a maçaneta. Como a porta estava destrancada Guilherme abriu
lentamente, apenas para se certificar que Gabriel não estava lá. Ele não pensou duas vezes, empurrou
a porta e entrou, se acomodando logo em seguida na cadeira diante da mesa do irmão. O promotor
tirou seu telefone do bolso e começou a ler e responder alguns e-mails, até que, sem perceber quanto
tempo tinha passado, ele ouviu a porta abrir.
— O que faz aqui? — Gabriel perguntou enquanto caminhava até sua cadeira.
— Vim falar sobre Montenegro.
— Não se preocupe, aquele imbecil está atrás das grades e no que depender de mim, vai ficar lá
muito tempo.
— Concordo. O problema é que a juíza quer adiar por tempo indeterminado o julgamento dele.
— O que? — o tom de voz de Gabriel soou mais duro — Por que? O que ela quer com isso?
— Segundo ela, evitar uma nova tentativa de fuga.
— Ela devia deixar que eu me preocupasse com isso, e agilizar as coisas para colocar aquele
desgraçado definitivamente atrás das grades.
— E alguém consegue mudar a cabeça daquela lá? Ela é mais turrona que você. Aliás, —
Guilherme sorriu — ela é você de saias.
— Primeiro, não sou turrão. — ele apertou os olhos na direção de Guilherme quando o promotor
deu uma risada. Depois cruzou os braços diante do corpo e recostou na cadeira antes de continuar —
Segundo, turrona ou não, ela não pode controlar isso. Trabalhei meses nesse caso, não vou deixar que
ela jogue tudo por água abaixo. Ela pode ser influente, mas não é nenhuma deusa e a vontade dela não
vai prevalecer, não enquanto eu estiver envolvido nesse caso. — ele disse com autoridade e com um
olhar determinado, expressão que Guilherme conhecia bem.
— O que me lembra... como soube da tentativa de fuga?
Gabriel deu um sorriso torto, cheio de arrogância. Típico dele.
— Não soube. — ele deu de ombros — Depois do incidente das explosões eu sabia que ele
aprontaria mais uma vez. Então me antecipei e comecei a seguir o comboio de helicóptero, à
distância. Depois não foi muito difícil mostrar àquele imbecil que não seria tão fácil assim.
Guilherme se levantou e sorriu.
— Por isso que te consideram o melhor.
— Eu sou o melhor. — novamente Gabriel sorriu e Guilherme apenas balançou a cabeça, já
conformado com a arrogância do irmão e saiu.

***
Depois da segunda tentativa de fuga de Montenegro, Wagner resolveu priorizar ainda mais suas
investigações. E ele não ser conhecido, andar sempre como um playboy, com roupas casuais,
facilitava muito seu trabalho.
E não era só isso.
Havia também sua beleza. Não muito diferente dos primos, Wagner chamava atenção por onde
passava. Alto, forte, musculoso, de uma beleza máscula e arrebatadora.
Ciente disso tudo, Wagner usava seus atributos para conseguir informações, se aproximar das
pessoas, principalmente das mulheres. Diante dele, elas sempre lhe diziam tudo que ele queria saber.
E naquela noite não havia sido diferente. Depois de visitar alguns lugares, ele sorriu satisfeito ao
guardar seu telefone no bolso e montar na sua moto.
A noite estava clara, a temperatura estava agradável, apesar de que, qualquer pessoa que não
estivesse acostumada, poderia considerar frio.
Wagner ligou sua moto e deu a partida, disposto a ir para seu hotel, mas no meio do caminho
mudou de ideia e depois de fazer o retorno, ele seguiu para o restaurante de Camila.
Quando estacionou diante do estabelecimento, ele tirou o capacete e bagunçou propositalmente seu
cabelo, antes de se dirigir à porta.
Como estava tarde e era dia de semana, o restaurante estava relativamente vazio. Wagner se
acomodou em uma das mesas e pegou o cardápio, passou o olhar rapidamente por ele e fez seu
pedido.
Alguns minutos depois o garçom trazia seu pedido. Wagner conteve um sorriso antes de pegar o
hashi e começar a comer. Porém, mal o garçom havia se afastado e ele o chamou novamente.
— Minha comida não está boa. — ele jogou os palitos no prato — Quero falar com a chef.
— Senhor, se não lhe agrada, podemos pedir para que a chef faça outro prato ou o senhor pode
escolher outra coisa do cardápio. — o garçom disse educadamente — Pedimos desculpas pelo
incômodo.
— Não quero outra coisa. — Wagner disse firmemente, mas manteve a voz baixa. Ele não queria
chamar atenção dos outros clientes — Eu quero falar diretamente com a chef.
— Tem certeza que não prefere escolher outra coisa?
— Meu amigo, se eu quisesse já teria pedido. Agora você pode, por gentileza, pedir a pessoa
responsável pelo meu prato para vir falar comigo?
— Só um minuto senhor.
Quando o garçom saiu, Wagner se certificou que ele havia se afastado, antes de pegar novamente o
hashi e comer mais um pedaço do seu sushi, que por sinal estava delicioso.
— Desculpe senhor, mas o que há de errado com seu sushi?
Ele sorriu ao ouvir a voz de Camila atrás dele e quando ele se virou e a encarou, ainda sorrindo,
ela parou e mudou seu semblante.
A princípio ela estava rindo educadamente, mas assim que viu o sorriso dele, sabia que não havia
nada de errado no seu pedido.
— O que há de errado? — ele disse — É que uma comida gostosa como essa, merece ser
degustada em uma companhia especial e quem melhor do que aquela que a preparou?
— Você é louco? — ela apoiou as duas mãos na mesa e o encarou furiosamente, se aproximando
para que os poucos clientes que estavam ali não a ouvissem — Eu estou trabalhando e você me tira
do meu serviço para ficar me cantando?
— Bem... — ele a encarou e sorriu sedutoramente — Você que se inclinou para se aproximar de
mim. Se quiser me beijar, só falar, gata. Será uma honra.
— Você é um imbecil.
— E você é linda. — ele deu um sorriso safado — Olhe em volta, o restaurante está vazio, tem
certeza que eu e meu sushi não podemos ter sua companhia? — ele segurou sua mão e apertou
levemente.
— A única coisa que você vai ter é minha mão na sua cara, se você não me soltar.
— Adoro mulher violenta. — ele deu uma risada quando ela puxou a mão com força — Se você
quiser, deixo você me bater. — ele piscou — Mas depois será minha vez. — Camila se irritou ainda
mais.
— Vá embora. — ela disse visivelmente irritada.
— Que isso gata? Expulsando um cliente? — ele colocou a mão sobre o peito — Assim me deixa
magoado.
— Tem razão. — ela sorriu debochadamente — Termine de comer, depois pague a conta e vá
embora.
Ela virou as costas e voltou para cozinha deixando Wagner sorrindo.
Claro que ele não era tão idiota assim. Geralmente ele usava de outros artifícios para conquistar as
mulheres, mas com Camila, desde que ele colocou os olhos sobre ela, sabia que ela era diferente, e
ele gostava de irritá-la. Era bom ver que ele causava esse tipo de reação nela, mas não era só isso.
Ela não ficava alheia a ele, era visível que ela lutava contra a forma como ele lhe afetava e isso o
deixava com mais vontade ainda de irritá-la.

Depois que atravessou a porta da cozinha do restaurante, Camila xingou um palavrão. Wagner a
deixava irritada. Ele era petulante, arrogante, idiota, presunçoso, lindo, gostoso.
Ela se socou mentalmente.
De onde vieram esses últimos adjetivos? — pensou.
Quando ela se aproximou da mesa e o viu se virando, com aquele sorriso idiota no rosto, sentiu
sua barriga se contrair e sua pulsação aumentar. Ela não ficava alheia a ele. Wagner era
incrivelmente lindo, mas era um canalha e isso era o suficiente para fazer Camila querer ficar a
quilômetros e quilômetros de distância dele.

***
Guilherme estava se sentindo sufocado em seu apartamento, por isso havia saído para caminhar.
Ele nunca se importou muito em morar sozinho, sempre gostou das suas coisas, da sua privacidade,
mas ultimamente o promotor sentia o peso da solidão.
Não era sempre.
Geralmente isso acontecia nos dias em que ele estava mais estressado. Sentia falta de alguém para
conversar, desabafar. E inevitavelmente sua mente o levava para Monique. Para o tempo em que eles
estavam juntos e mesmo que não morassem sobre o mesmo teto, se viam praticamente todos os dias.
Ela era não só a namorada dele, mas também amiga, companheira. Tudo que um cara como ele podia
desejar.
Ele sacudiu a cabeça, tentando afastar a esposa do irmão da sua mente e enquanto fazia isso
acabou chutando uma lata de refrigerante para a entrada de um beco.
Xingando baixo, ele caminhou até a lata e antes de abaixar para pegá-la, viu um homem sair
apressado do beco, carregando uma mochila, passou por ele tão rápido que esbarrou em seu ombro.
Quando o sujeito o encarou, Guilherme teve uma sensação estranha.
Ele pegou a lata e entrou no beco para jogar na caçamba de lixo, quando para sua surpresa, ele a
viu.
Apesar da precária iluminação do beco, a mulher parecia tensa e deu um passo para trás ao vê-lo.
Guilherme a encarou e depois de jogar a lata fora, deu mais alguns passos para dentro do beco, na
direção dela.
— Você está bem? Precisa de ajuda?
Ela relutou em responder, ficando em silêncio alguns segundos, até que por fim, correu em sua
direção enquanto respondia.
— Eu estou bem.
Guilherme arregalou os olhos ao ver que se tratava de Laura, correndo até ele com os olhos
arregalados.
— Graças a você. — ela completou, antes de abraçá-lo.
Capítulo Dez
Guilherme insistiu mais uma vez, com Laura, para que eles fossem até delegacia, a fim de fazer um
boletim de ocorrência, mas ela se negou. Primeiro disse que não queria encontrar com Gabriel, e que
segundo não aconteceu nada, pois o promotor chegou bem a tempo de salvá-la.
Depois de se dar por vencido, Guilherme caminhou com ela até uma praça no outro quarteirão e
após fazê-la se sentar em um banco, foi até uma carrocinha de cachorro quente, comprar água para
tentar acalmá-la.
Enquanto ele pagava pela água seu telefone tocou. Era seu primo, dizendo que precisava conversar
com ele e assim que ele informou onde estava, Wagner disse que estava indo ao encontro dele.
— Tem certeza que não quer ir até a delegacia? — Guilherme perguntou mais uma vez, enquanto
entregava a ela a garrafa.
— Tenho Guilherme, agradeço muito você ter chegado bem a tempo. Não sei o que seria de mim...
— ela parou e fechou os olhos antes de abri-los e continuar — Mas não foi nada, ir à delegacia não
vai prender aquele desgraçado.
— Tudo bem, Laura. — ele respondeu contrariado enquanto o barulho da moto de Wagner chamava
a atenção deles.
O primo de Guilherme estacionou e enquanto caminhava até eles, retirou o capacete e quando se
aproximou, cumprimentou o primo e logo em seguida, Laura.
— Acho que vocês só se viram uma ou duas vezes, mas já se conhecem. — Guilherme disse.
— Claro que sim. — Laura disse — Como vai...
Ela deixou a pergunta no ar, esperando que ele dissesse o nome, fingindo não lembrar.
— Você pode me chamar do que quiser, mas meu nome é Wagner, gata.
Guilherme revirou os olhos, enquanto os dois apertavam as mãos e Wagner segurava a mão de
Laura mais tempo que o necessário.
Uma risadinha no banco ao lado chamou atenção deles.
Três meninas, adolescentes, olhavam Wagner e Guilherme, sorrindo.
Wagner não se conteve e piscou para elas, fazendo com que as meninas dessem novas risadinhas.
— Você vai ser preso por pedofilia e Gabriel quem vai tratar de colocar você atrás das grades. —
Guilherme o advertiu.
— Que isso, primo, nem cheguei perto das meninas. — ele sorriu — Mas olha como elas ficaram
felizes. Que mal tem nisso? Além do mais... — ele olhou para Laura e exibiu seu sorriso mais
sedutor — prefiro as mais experientes.
Foi a vez de Laura revirar os olhos.
— Eu preciso ir. — ela disse — Vou aproveitar que tem um táxi ali. — ela apontou na direção do
carro e se levantou.
— Tem certeza que está bem?
— O que houve? — Wagner perguntou, genuinamente preocupado.
— Depois eu te conto. — Guilherme respondeu.
— Tenho, está tudo bem. — ela sorriu para Guilherme — Obrigado por ser meu anjo da guarda.
— Foi apenas coincidência.
— Se ela quiser, posso dar uma carona na minha moto. — ele sorriu maliciosamente — E aí quem
sabe ela mesma não me conta.
— Quem sabe um dia, bem distante... — Laura sorriu e respondeu enquanto os três caminhavam até
o táxi.
Apesar das suas palavras, seus olhos indicaram outra coisa, e Wagner podia apostar que, se
Guilherme não estivesse ali a resposta dela teria sido outra.
— Vou aguardar, gata.
— Tchau Guilherme e obrigada mais uma vez. — ela disse antes de entrar no táxi.
Depois que o veículo se afastou, Guilherme e Wagner caminharam até a moto.
— E então o que queria falar?
— Antes me explica o que você estava fazendo a essa hora, com a ex de Gabe? — Wagner adotou
uma expressão séria e preocupada.
Sabia muito bem que Laura havia sido responsável pelo desentendimento dos dois, e apesar de
Gabriel agora estar casado, muito bem casado, esse era um assunto inacabado entre eles.
— Apenas coincidência... — Guilherme contou a ele tudo o que havia acontecido naquela noite.

***
O dia havia sido terrivelmente estressante e Márcia só queria ir para sua casa e relaxar.
Depois de passar o resto do dia dando telefonemas e usando sua influência para alcançar seu
objetivo, ela estava frustrada. Nem todos haviam concordado com ela, assim como o doutor Goulart
também não, mas ela ainda tinha uma carta na manga, e não hesitaria em usá-la. Cobraria o favor que
seu amigo lhe devia sem cerimônia e ela trocaria seu nome se ela não conseguisse.
Quando chegou em casa, chutou longe seus saltos e deu um gemido baixo quando sentiu seu pé
tocando no piso de tábua corrida do seu apartamento.
Márcia foi até a geladeira e depois de se servir de uma taça de vinho branco, a única coisa
alcoólica que ela se permitia beber, voltou para sala e sentou-se no sofá antes de tomar um grande
gole do seu vinho.
Ela não era adepta à bebida, pelo contrário. Sabia bem o que a bebida em excesso podia fazer com
as pessoas. Mas nos dias mais estressantes como os de hoje, ela se permitia tomar uma taça ou duas,
seguido de um relaxante banho de banheira, antes de se entregar a sua grande e confortável cama.
Ela não se preocupava em ligar TV, nem som. Apenas degustava seu vinho, no silêncio dos seus
pensamentos, perdida na maioria das vezes em seu trabalho.
De repente as luzes piscaram, até apagarem de vez, fazendo Márcia resmungar. Claro que a falta de
luz não atrapalharia os planos dela de relaxar o resto da noite, já que o aquecedor do banheiro era a
gás.
Preguiçosamente ela se levantou e foi até a varanda, depois de perceber que uma iluminação
entrava pela porta de correr. Depositou a taça de vinho sobre o rack antes de abrir a porta.
Márcia franziu a testa ao constatar que havia luz em todos os prédios vizinhos, inclusive nos
andares abaixo ao dela.
Droga!
Decidida a ir falar com o zelador, ela entrou novamente na sala e quando fechou a porta ouviu um
barulho na maçaneta. Alguém estava forçando a porta do seu apartamento. Por um instante ela sentiu
seu corpo se arrepiar e o ar parecia ter ficado rarefeito, dificultando sua respiração.
Ela se aproximou do rack para pegar debaixo do móvel uma arma que ela deixava presa ali, e
enquanto se abaixava manteve seus olhos fixos na porta, mas antes que ela pudesse realmente
alcançar a pistola, esbarrou na taça de vinho, que caiu no chão se espatifando e fazendo um barulho
alto devido o silêncio.
Instantaneamente o barulho na maçaneta cessou e ela pegou sua arma, destravando a coisa e
apontando para porta, permanecendo assim durante alguns minutos.
Suas mãos eram firmes, enquanto seguravam a arma. O dedo pousado precisamente sobre o gatilho
enquanto ela tentava acalmar sua respiração.
Márcia não sabia quanto tempo havia permanecido assim, com a arma apontada para a entrada. Ela
se levantou lentamente, decidida a caminhar até a porta, ainda incerta se devia abri-la ou não.
A luz não tinha retornado e quem quer que estivesse tentando invadir seu apartamento, podia estar
ali fora ainda. Apenas esperando para que ela saísse e surpreendê-la.
Então antes de chegar até a porta ela pegou o celular e discou para o último número que havia
ligado naquele dia e mesmo que mais cedo ele não tivesse atendido, ela tinha esperança que ele
atendesse agora. Não tinha tempo de procurar outro número na sua extensa agenda.
O telefone tocou algumas vezes antes que ele finalmente atendesse.
— Tentaram invadir meu apartamento.
Guilherme demorou a reconhecer a voz, e apesar de não entender por que ela estava ligando para
ele, ficou tenso.
— Quem? Quando?
— Agora.
— E você está onde?
— Dentro do apartamento.
— Estou indo para aí agora.
Antes que Márcia pudesse protestar, Guilherme desligou e pediu a Wagner para levá-lo até lá. No
caminho ele ligou para Gabriel, informando o pouco que sabia.
Quando os irmãos Goulart, acompanhados de Wagner e mais dois policiais, chegaram ao
apartamento de Márcia a luz já havia sido reestabelecida.
Ela ainda segurava sua pistola quando abriu a porta para eles.
— Desculpa ligar para você, doutor Goulart, mas foi a última chamada do meu celular e na hora eu
não pensei muito...
— Não precisa se desculpar. — Guilherme a interrompeu — Como você está?
— Estou bem. — ela disse com convicção — Mas preciso saber como alguém entra no meu
prédio, desliga a luz de um andar inteiro e nenhuma câmera de segurança o registra?
— Isso é o que eu vou descobrir. — Gabriel se intrometeu — Agora preciso que me conte
exatamente como tudo aconteceu.
Enquanto ela contava para Gabriel o que havia acontecido, Wagner e Guilherme ouviam
atentamente.
O promotor observava o quanto Márcia parecia calma. Mesmo quando ela ligou para ele, sua voz
não estava tensa e isso o surpreendeu. Claro que ele sabia que ela não havia chegado aonde chegou,
sendo vulnerável, entretanto qualquer pessoa que passasse por tal situação estaria no mínimo
estressada, mas não Márcia. Ela demonstrava frieza.
Quando ela terminou de falar, Gabriel agradeceu, guardou seu bloco de anotações e seguiu para
falar com os policiais, com Wagner ao seu encalço.
Guilherme ainda observou Márcia por um instante antes de falar com ela.
— Não acha melhor, não passar a noite aqui?
— Por que?
— Podem voltar.
Ela o encarou uns minutos.
— Você podia ficar com Camila.
— Deixe ela fora disso. — ela disse um pouco mais ríspida que o necessário — Falarei com o
investigador e pedirei para que ele deixe uma equipe disponível.
— Não é necessário pedir, já ordenei que Dantas e Oliveira fiquem aqui.
— Agradeço, investigador. E agradeço a vocês terem vindo tão prontamente.
— Só estou fazendo meu trabalho. — Gabriel a cortou e acenou com a cabeça antes de se retirar
novamente.
Guilherme continuou parado, a encarando.
— Você vai dormir aqui? — Márcia perguntou séria, com as sobrancelhas arqueadas, quando só
sobraram os dois dentro do apartamento.
— Não. — Guilherme respirou fundo — Tem certeza que está tudo bem?
Diante da genuína preocupação de Guilherme, Márcia abaixou um pouco suas defesas e respondeu
de forma mais suave. Era incrível como ele sempre a deixava sem reação, principalmente quando
estavam fora do tribunal.
— Sim, doutor Goulart, obrigada de verdade, mas eu vou ficar bem.
— Tudo bem então, se precisar me ligue, boa noite. — disse e depois que ela o respondeu, ele se
virou e saiu.
Capítulo Onze
A noite de Guilherme foi inquieta, atrapalhada por sonhos e pensamentos. E quando seu celular
despertou na manhã seguinte, ele se sentiu indisposto pela primeira vez. Cansado na verdade. Mesmo
assim, se levantou e fez sua habitual rotina. Banho, vestir seu terno, seguir para cozinha e tomar um
café da manhã rápido antes de seguir para o escritório.
Guilherme entrou no seu sedã e ligou o carro, o som de Hole Hearted de Extreme, começou a sair
pelos alto-falantes antes que ele desse a partida com o carro.
O trânsito estava tranquilo, até aquele ponto, já que Guilherme tinha o costume de sair um pouco
mais cedo exatamente para que não fosse surpreendido por engarrafamentos. E geralmente conseguia,
mas naquela manhã ele avistou à frente uma pequena retenção de veículos. Aparentemente nada que
fosse lhe trazer grandes atrasos, já que ele estava bem adiantado.
No entanto, quando Guilherme pisou no freio o carro não parou, na verdade, o veículo sequer
diminuiu a velocidade. Ele pressionou o pedal mais algumas vezes, em vão, apenas para ter certeza
que não estava funcionando. Enquanto o carro se aproximava da traseira de um caminhão o desespero
tomava conta do promotor.
Seguindo seu instinto e reflexo, ele verificou o lado que não havia carro ao lado do seu e virou o
volante do veículo enquanto puxava o freio de mão.
O veículo derrapou e rodopiou, batendo a traseira do carro na carroceria no caminhão, fazendo
com que o corpo de Guilherme fosse arremessado para frente, enquanto o air-bag se abria evitando
que sua cabeça colidisse com o volante.
Ainda assim, com a violência da colisão e o susto, ele apagou e por alguns minutos, Guilherme
permaneceu desmaiado, com o rosto sobre o air-bag enquanto pessoas se aglomeravam em volta do
carro.
Quando os sentidos dele começaram a voltar, ele se sentiu um pouco desnorteado até que abriu os
olhos e se lembrou exatamente do que havia acontecido.
Antes que ele conseguisse sair do carro, ouviu um barulho de moto se aproximando e não demorou
muito para o rosto de Gabriel aparecer na janela do carro.
— Você está bem?
— Claro. Minha cabeça dói um pouco, mas estou ótimo. — Guilherme furou o air-bag e colocou a
mão na maçaneta da porta para abri-la, mas Gabriel o impediu.
— Aonde pensa que vai?
— Sair do carro.
— Pode ficando aí. A ambulância já está chegando.
— Estou bem Gabriel, não preciso de ambulância.
— Você estava apagado há alguns minutos, não está bem.
— Estou ótimo, de verdade.
— Guilherme...
— Sai da frente logo, Gabriel. — ele empurrou a porta com mais força — Não sou criança e já
disse que estou bem.
Gabriel resmungou um palavrão antes de se afastar e deixar que Guilherme saísse de dentro do
carro.
Quando ele saiu, observou o estado em que seu carro estava. A traseira havia afundado totalmente
debaixo do caminhão e ele agradeceu aos céus por ter sido a parte de trás do seu carro a bater ou
talvez agora ele estivesse conversando diretamente com os anjos.
— Que merda! — ele disse ainda observando o carro.
— Quer me contar que diabos aconteceu? — Gabriel não conseguia esconder seu nervosismo —
Você é sempre tão cauteloso.
E Guilherme não se importou com a voz ríspida dele. Sabia que apesar de tudo, Gabriel era
protetor, principalmente com ele. E o fato de ele ter sofrido um acidente que fizesse a traseira do seu
carro praticamente ser mastigada e engolida por um caminhão o deixou no mínimo, desesperado.
— O freio não funcionou.
— Como assim? — Gabriel parou diante de Guilherme para que ele o encarasse de frente — Você
não fez revisão?
Guilherme apenas encarou o irmão, com a sobrancelha arqueada.
Todos sabiam que o promotor era meticuloso demais, responsável demais, para deixar de fazer
uma simples revisão. Ao contrário do irmão, que sempre adiava e muitas vezes precisava de um
mecânico para consertar as coisas na sua moto, coisas essas que não estragariam se a revisão fosse
feita.
— Esquece o que eu perguntei, apenas me conte o que houve.
— Não sei, o freio apenas não funcionou. E antes que pergunte, eu estava dentro do limite
permitido e também a uma distância segura do carro da frente.
Gabriel não questionou isso, claro que do jeito que Guilherme era, aquilo, com certeza, se tratava
da verdade.
— Só que havia uma pequena retenção. — Guilherme continuou — E quando eu pisei no freio para
diminuir a velocidade ele falhou. Então girei o volante todo e puxei o freio de mão, mas como pode
ver, não evitou a colisão.
Gabriel olhou o irmão e depois o carro antes de pegar o celular.
— Meu irmão sofreu um acidente. Quero um reboque aqui agora e quero que seja feita perícia no
carro, passo o local por SMS.
Guilherme apenas observou enquanto Gabriel usava de toda sua autoridade, desligando o telefone
imediatamente depois de falar. Ele poderia apostar que o irmão sequer tinha esperado a resposta de
quem estava do outro lado da linha.
Ao longe barulhos de sirenes chamaram atenção dos dois e Guilherme respirou fundo.
— Ninguém se machucou, para que ambulância?
— Primeiro não me olhe assim, não fui eu quem chamou. — Gabriel disse — Segundo, você
reclamou de dor de cabeça. Não custa porra nenhuma você ir bater uma chapa ou algo do tipo.
Guilherme encarou o irmão um tempo, antes de respirar profundamente.
— Tudo bem, mas só vou porque está realmente doendo. — ele caminhou na direção da
ambulância que estava estacionando — Me mantenha informado.
Antes que a ambulância se aproximasse, Guilherme se virou para o irmão.
— Como você chegou aqui tão rápido.
— Eu estava passando, por coincidência.

***
Depois de falar com seus primos pelo celular, se certificando que Guilherme estava bem, Wagner
começou a fazer seu trabalho.
Primeiro ele foi até o prédio de Guilherme, mas ninguém tinha visto nada de estranho nas horas
anteriores. Como sempre!
Depois de verificar que a rua possuía câmeras de segurança, Wagner seguiu para a sede da
empresa responsável pelo monitoramento. Durante algumas horas ele observou as pessoas que
entravam e saíam, seus crachás até que ele deu um sorriso torto, quando encontrou a vítima perfeita.
Ela era alta com cabelos compridos e escuros, vestia uma roupa justa e o nariz empinado. Só de
olhar, ele pôde ver que era o tipo de garota que adorava atenção e para sorte dele, dar atenção era
algo que ele sabia fazer.
Wagner caminhou na direção dela despretensiosamente, como se ele nem a tivesse visto e esbarrou
nela propositalmente. A princípio ela virou furiosa pronta para xingá-lo, mas diante do sorriso
encantador e da beleza nada singela dele, ela sorriu.
— Me desculpe, — ele disse sorrindo largamente — te machuquei?
Wagner segurou na mão dela, demonstrando-se genuinamente preocupado.
— Não... não. — a morena respondeu hipnotizada.
— Tem certeza que está bem? Posso te levar até ali para você se sentar, tomar um suco talvez. —
ele apontou para a lanchonete do outro lado da rua.
Ela demorou um pouco a responder, antes de falar:
— Acho que um suco seria bom, para ajudar a passar o susto.
— Perfeito. — Wagner colocou a mão na cintura dela e a conduziu até a lanchonete.

***

Gabriel andava de um lado para outro, impaciente e sua irritação havia atingido um nível extremo.
Vontade de matar era pouco para o que ele estava sentindo e foda-se se ele estava ultrapassando o
limite do profissional, ou se ele, ainda, não tinha provas contra Montenegro. O investigador tinha
experiência suficiente para saber o que ele estava fazendo, ou tentando fazer.
Quando finalmente o agente penitenciário veio chamá-lo para o levar até a sala privada onde ele
poderia falar com Montenegro, ele respirou fundo na vã tentativa de se acalmar.
Assim que a porta foi fechada, Montenegro o encarou.
Ele vestia terno, diferente dos demais presos que usavam uniforme e sua aparência estava boa,
bem tratada.
— Pelo visto você está sendo muito bem tratado aqui. — Gabriel disse entre os dentes, enquanto
caminhava na direção da mesa que Charles estava sentado.
— Ah, investigador, nem de longe isso se parece com o que eu estou acostumado, mas a gente faz o
que pode.
Gabriel já estava com vontade de envolver o pescoço daquele idiota com as mãos e apertar até
que seus dedos se unissem, e o sorriso debochado que Montenegro exibia só fez esse desejo
aumentar.
— Eu vim te dar um aviso, Montenegro. Seja homem e arque com as consequências dos seus atos,
sem mexer com aqueles que importam para mim, ou sua sentença vai parecer um passeio ao parque
perto do que eu vou fazer com você. — ele rosnou, com os punhos cerrados na lateral do corpo.
— Está me ameaçando, investigador? — a voz dele era suave, propositalmente para irritar Gabriel
— Olhe ao redor. O que você acha que eu posso fazer trancafiado nesse muquifo?
— Não estou aqui para discutir com você, imbecil, só vim te dar um recado.
Montenegro sorriu largamente, deliberadamente irritando o investigador, que precisou respirar
algumas vezes antes de se virar e sair.
Se Gabriel ficasse mais cinco segundos trancado ali dentro com Montenegro iria matá-lo.
— Já vai? — Charles provocou — Dê lembranças a sua linda esposa por mim.
A reles menção de Monique fez Gabriel perder totalmente seu controle.
Ele se virou e caminhou com passos ameaçadores na direção de Montenegro, segurando em seu
colarinho ele ergueu o homem da cadeira e empurrou seu corpo contra o espelho que dividia as salas.
— Ameace minha mulher de novo. — Gabriel o encarava furiosamente, arremessando o corpo
dele com força mais uma vez contra o vidro, mas antes que Montenegro pudesse responder, dois
agentes penitenciários entraram e o seguraram enquanto o diretor da prisão entrava na sala.
— Por favor, Goulart, você não quer esse tipo de problema para você.
— Matá-lo seria um favor que eu estaria fazendo à sociedade.
— Ainda assim, você sofreria as consequências disso.
Os agentes conseguiram fazer Gabriel finalmente soltar Montenegro e o afastaram dele.
— Ele ameaçou minha mulher, porra! — Gabriel gritou.
— Eu? — Charles se fez surpreso — Apenas desejei a ele que fosse feliz com sua linda esposa.
— ele ajeitava sua roupa e sorria enquanto se sentava na cadeira novamente.
Mais uma vez Gabriel tentou investir contra ele, mas os homens que o seguravam conseguiram
impedi-lo.
— Vá daqui, Goulart e deixe que a justiça cuide dele. — o diretor disse e mais dois agentes
entraram para levar Montenegro de volta para sua cela.
Depois que ele estava longe, os agentes soltaram Gabriel que encarava o diretor furiosamente. Os
dois se enfrentaram silenciosamente, antes de Gabriel se retirar.
Capítulo Doze

Márcia acordou antes mesmo do despertador, que ficava em sua cabeceira, soar. Era sempre
assim, ela não entendia o motivo pelo qual ainda tinha aquela coisa, já que ela sempre acordava
primeiro.
Aliás, ela e sono eram praticamente inimigos íntimos.
Ela sempre esperando por ele, e esse por sua vez, quando vinha não demorava a abandoná-la.
Três, no máximo quatro horas por dia, era tudo que a juíza estava acostumada a dormir e não
importava há quanto tempo seus olhos haviam se fechado, ela simplesmente acordava antes do sol
nascer. Sempre!
Depois de se espreguiçar ela se arrastou até o banheiro e tomou uma ducha, quente e demorada
tentando aliviar a tensão que a acompanhava diariamente.
Assim que terminou o banho ela seguiu para cozinha em busca de uma grande e fumegante caneca
de café. Não que ela fosse amante da bebida nem nada, mas definitivamente o café ajudava ela a
despertar para um intenso dia de trabalho.
Depois de preparar seu café, Márcia voltou para a sala e sentou-se no sofá, sentando-se sobre as
pernas como de costume. Durante aquele breve momento de calmaria no seu dia ela pensava na sua
vida, de forma privada, sem pensar nos problemas e no trabalho.
Mas quando seu olhar focou a porta ela avistou um pequeno envelope pardo. Não precisou pensar
muito para deduzir sobre o que se tratava.
Márcia se levantou e foi ao banheiro, onde pegou na gaveta duas luvas de plástico e as calçou,
antes de voltar até o pequeno envelope.
Quando ela o abriu, viu o bilhete que se encontrava lá. E ao ler, seu corpo sentiu um leve arrepio.

Ainda tem medo de escuro?


Não terá tanta sorte da próxima vez.

***
Guilherme chegou à delegacia ao mesmo tempo que Márcia. Ela havia ligado para ele e seu irmão,
informando o acontecido e só então ela ficou sabendo sobre o atentado à vida do promotor.
Depois de periciado, foi constatado que o veículo dele havia sido sabotado e por isso o freio não
tinha funcionado.
Após o acidente Guilherme fez uma bateria de exames e assim que se certificou que estava tudo
certo, foi para casa e passou lá o resto do dia.
Na manhã seguinte ele acordou com a ligação de Márcia contando sobre o bilhete e juntos
decidiram que era melhor levarem a prova diretamente para a delegacia e entregar nas mãos de seu
irmão.
Quando Guilherme desceu do táxi, Márcia estava estacionando. Ele caminhou até o veículo e
quando ela desligou o motor, ele abriu a porta para que ela saísse.
A princípio Márcia apenas o encarou antes de entender o gesto de cavalheirismo dele, e terminar
de pegar suas coisas para sair do carro.
— Bom dia. — ele a cumprimentou.
— Doutor. — ela respondeu dando um aceno de cabeça e quando ele fechou a porta do carro ela
acionou o alarme.
— Você está bem?
— Anda me perguntando muito isso, ultimamente. — ela deu um sorriso que não alcançou os olhos
— Não se preocupe, doutor Goulart, estou bem.
Ele apenas assentiu.
— E você como está?
— Bem, não foi nada de mais, realmente.
— Não foi isso que eu soube.
A verdade é que quando soube o que tinha acontecido com Guilherme ela ficou preocupada, de
verdade. Como há muito tempo não se preocupava com ninguém do sexo masculino. Se é que um dia
ela tinha realmente se preocupado genuinamente com algum homem.
— Posso lhe assegurar que não foi nada de mais.
— Que bom.
Depois daquela conversa estranha eles caminharam em silêncio até a sala de Gabriel.
Algumas horas depois Márcia e Guilherme saíram. E apesar da insistência de Gabriel para que
eles tivessem algum tipo de escolta e segurança, os dois negaram veementemente.
— Você está sem carro? — Márcia perguntou — Está indo para o escritório?
— Estou sim, mas não se preocupe, eu pego um táxi.
— Pare de cerimônia doutor. Estou indo para o escritório e o seu fica no caminho.
Guilherme sorriu antes de responder.
— Tudo bem, aceito sua carona.
Durante o caminho os dois conversaram sobre o caso Montenegro e essas ameaças. E a menos que
eles conseguissem descobrir quem as estava fazendo, seria impossível associar a ele, mas era obvio
que ele estava envolvido. Era o mandante por trás delas.
Quando Márcia estacionou diante do prédio onde ficava o escritório de Guilherme ela não se
preocupou em desligar o carro.
— Obrigado, juíza.
— De nada doutor. E quando estivermos fora do trabalho, me chame de Márcia. — ela não sabia
por que havia dito aquilo, mas não tinha se arrependido.
— Claro, se você me chamar de Guilherme. — ele sorriu e pela primeira vez Márcia retribuiu o
sorriso genuinamente.
— Acordo aceito, doutor... quero dizer, Guilherme.
— Então, até mais, Márcia.
Guilherme saiu, ainda sorrindo, e seguiu para seu escritório.

***
Wagner nunca deixava de conseguir seu objetivo e depois de uma longa conversa com a
funcionária — que ele descobriu se chamar Aline — da empresa de monitoramento das câmeras de
segurança, eles haviam marcado novamente no dia seguinte, antes do horário de início do expediente,
para que ela lhe mostrasse as gravações.
Enquanto ele aguardava a moça na calçada, avistou Camila passando do outro lado da rua. Ela
estava linda, com um rabo de cavalo preso no alto da cabeça, óculos escuros, jeans e camiseta. Claro
que ela poderia estar vestida com trapos que ainda estaria perfeita, na opinião dele.
Quando ele percebeu que ela carregava várias bolsas, correu para ajudá-la, mas assim que ele
tocou nas bolsas ela gritou, com o susto que levou.
— Você ficou louco? Quer me matar do coração? — ela disse quando percebeu quem era ele.
— Só vim ajudar, gata.
— Não preciso da sua ajuda.
— Ah, não seja tão metida. — ele arrancou as sacolas da mão dela e sorriu largamente — Onde
está seu carro?
— Eu não tenho carro.
— Não? — ele perguntou surpreso.
— Não. — ela respondeu simplesmente, tentando pegar as bolsas de volta — Agora se você não
se importa eu quero minhas sacolas.
— Você ia caminhar até o restaurante com estas bolsas pesadas?
— Oh! Estão pesadas para você? — ela sorriu debochadamente — Eu posso levá-las para você.
— Não estão pesadas para mim, gata. — apesar do “gata” ele não conseguiu esconder sua
exasperação.
— Não ia andando. — ela disse vendo que ele ficou chateado com a brincadeira dela — Eu vou
pegar um táxi.
— Então nós vamos fazer assim. — ele voltou a sorrir sedutoramente —Vou levar suas bolsas até
o táxi, para me desculpar por ter sido um babaca aquele dia no restaurante.
— E quando você não é babaca?
Wagner estava pronto para responder, mas quando viu o sorriso que Camila exibia, ele sorriu de
volta.
— Raramente, mas esse é meu charme.
Camila revirou os olhos, mas não respondeu e deixou que ele carregasse suas compras até o ponto
de táxi.
Depois de colocar as sacolas dela na mala, ele abriu a porta do carro para ela entrar.
— Tão cavalheiro. — ela disse em tom de brincadeira.
— Não, não sou, mas estou fingindo para ver se você aceita sair comigo.
— Vai sonhando, gato. — ela disse gato de forma debochada.
— Sou paciente, gata, muito paciente. — ele beijou o rosto dela delicadamente, pegando-a de
surpresa, antes de se afastar.
Enquanto o motorista saía com o carro, Camila colocou a mão sobre o rosto, onde ele havia
beijado, e sorriu.

***
Márcia começou a ter dúvidas se sua ideia de adiar o julgamento de Montenegro era realmente
propícia. As ameaças estavam ficando mais claras e, pior ainda, por mais que ela tenha se feito de
forte e tentado esconder, ela ainda estava tensa com a pergunta do bilhete.
Quem quer que estivesse fazendo as ameaças conhecia a história dela, e para conhecer, teria que
ter muito dinheiro para ir atrás de algo que aconteceu há tanto tempo.
Ela havia se tornado uma mulher forte, decidida, mas algumas vezes, raras, o passado gostava de
assombrá-la, mesmo que não durasse muito.
Aquele dia, depois de tudo que aconteceu, era um desses momentos e sinceramente, voltar para seu
apartamento e ficar sozinha, não era algo que agradava a ela.
Ela pegou o celular e ligou para Camila.
— Ei, como você está?
— Bem, estou no restaurante.
— Está tudo bem por aí?
Camila não estranhou aquelas perguntas, já que Márcia tinha o hábito de se preocupar com ela
exageradamente.
— Sim, está. — Camila sorriu — Sabe quem encontrei hoje? Wagner. Ele me tira do sério.
— Acho que isso é mal dos Goulart. Eles sempre nos tiram do sério.
— Sim, verdade e... Espera! Alguém anda te tirando do sério? Já sei, é o gato do Guilherme.
— Camila...
— Ah me fala, me conta.
— Não tem nada para contar, mas você sabe que eu e ele nunca nos demos bem.
Claro que aquilo era verdade, mas não era só isso. Guilherme afetava Márcia de uma forma que
ela não estava acostumada. Na verdade, ela nem sabia o porquê, mas sempre que se lembrava do
toque dele seus pelos da nuca se arrepiavam.
— Ca, eu estava pensando em, quando sair do escritório, ir para o seu apartamento e passar a noite
lá. — ela mudou rapidamente de assunto — Tanto tempo que a gente não conversa. Eu espero você
sair do restaurante e...
— Ei, desde quando precisa de tanta explicação para ir para minha casa? — Camila
interrompeu a irmã — Você tem a chave, me espere acordada que eu levo o jantar.
— Camarão, por favor. — Márcia disse sorrindo e Camila concordou antes de desligar.
Camila era a única pessoa que Márcia se relacionava sem ser a imponente juíza Braga. Era
apenas... ela.
***
Depois que Márcia desligou, Camila ficou olhando um tempo para o celular. Sua irmã raramente
ficava na casa dela, a não ser quando tinha pesadelos, ou algo sério tivesse acontecido.
Ela suspirou e tentou focar no trabalho, mas era praticamente impossível não pensar em Márcia e
tudo que elas tinham passado, desde sempre.
E saber que naquele momento, sua irmã estava precisando dela, mas ela não tinha como abandonar
o restaurante, a deixava entristecida. Então ela deu seu melhor antes de fechar o estabelecimento e ir
para casa o mais rápido possível.
Quando entrou em casa, o som estava baixo, tocando Alanis Morissete, enquanto Márcia estava
sentada em uma cadeira, perto da janela olhando para fora.
— Ei, seu camarão chegou. — Camila disse colocando a sacola com a comida em cima da mesa
— Vamos comer que estou morrendo de fome.
— Você nunca sente fome. — Márcia se virou e sorriu.
— Verdade, mas hoje eu estou, venha.
Elas sentaram-se à mesa e começaram a desembrulhar o jantar.
Quando Márcia provou o primeiro camarão, fechou os olhos e deu um gemido baixo. A comida de
Camila era simplesmente perfeita. E pensar que quando a irmã quis fazer gastronomia ela foi contra,
queria que ela seguisse seus passos e fizesse direito.
Mas Camila nunca foi do tipo que fazia aquilo que outras pessoas queriam. De forma alguma.
Desde pequena ela batia o pé sempre que queria alguma coisa até conseguir.
Hoje, Márcia sentia-se feliz em ter cedido e ter pagado o curso de gastronomia para ela. Camila
era uma excelente chef, e gerenciava seu restaurante sem a ajuda de ninguém, de forma majestosa.
Era um orgulho para Márcia.
— Agora me conta. — Camila disse quando elas estavam quase terminando o jantar — O que
aconteceu para você vir para cá?
— Preciso de um motivo para querer passar um tempo com a minha irmã?
Camila arqueou a sobrancelha e depois sorriu apertando os olhos encarando Márcia.
— Para cima de mim, mana? — ela revirou os olhos — Desembucha logo.
— Camila... — Márcia colocou a mão sobre a dela — Só quero ficar um tempo com você. Às
vezes ficar sozinha é chato. Nem sei por que não moramos juntas.
— Porque a gente sempre tenta se matar, lembra? — Camila sorriu e colocou a mão em cima da de
Márcia — Mas tudo bem, quando quiser me contar, você vai.
Elas ficaram em silêncio um tempo. Depois que terminaram o jantar foram até a cozinha lavar a
pouca louça que haviam usado, e quando estavam quase terminando, Camila finalmente perguntou:
— Tem tido pesadelos?
Márcia a encarou e seu corpo ficou tenso. Há muito tempo ela não os tinha, mas aquele nunca era
um assunto do qual ela gostava de tocar.
— Não. — ela disse de forma mais seca — Nunca mais tive pesadelos.
— Isso é bom.
— Claro, agora podemos ir dormir? Estou com sono.
Camila sorriu e assentiu, antes de acompanhar Márcia até o quarto de hóspedes.
— Você ainda tem aquele abajur? — Márcia perguntou.
— Dentro do armário.
— Boa noite, Ca.
— Boa noite, mana. — ela deu um beijo em Márcia antes de se retirar para o próprio quarto.
Capítulo Treze

Wagner havia acabado de dispensar a morena, que ele soube agradecer muito bem o favor que ela
fez. Quando ligou para Guilherme, o telefone do promotor caiu na caixa postal. Então ele se dirigiu
para um bar ali perto, na tentativa de relaxar.
A filmagem da câmera não mostrou muita coisa e a única atitude suspeita foi um entregador, que
parecia estar estudando o prédio no dia anterior. Mas pelo pouco que Wagner entendia, ele não teria
tempo hábil para estudar o local, entrar sem ser notado e ainda sabotar o carro do seu primo, em
menos de vinte e quatro horas e tudo isso sem ser notado. Fora que quem fez, desativou a câmera de
segurança do estacionamento, o que exigiria também mais tempo. Mas apesar disso ele não tinha
descartado a possibilidade de ser o cara.
Assim que entrou no bar sentou-se no balcão e pediu um drink cuba libre e enquanto bebia
observava o local. Apesar de ser dia de semana, o lugar estava relativamente cheio e muitas pessoas
pareciam ter saído do trabalho e ido direto para lá.
Alguns minutos tomando sua bebida e percorrendo seu olhar pelo ambiente se passaram até que
uma mulher em questão chamou sua atenção. Ela conversava com um homem que a princípio, a
fisionomia não era estranha a Wagner, mas como ele não conseguiu se lembrar de onde poderia
conhecê-lo, apenas voltou sua atenção para a loira.
Quando ela o viu, seus olhos se prenderam por um instante. O homem que até então capturava sua
atenção segurou no queixo dela e a obrigou a encará-lo, mas a loira não se intimidou e bateu na mão
do cara antes de o encarar. Ela disse alguma coisa entre os dentes pegou sua bolsa e caminhou na
direção de Wagner.
Ele deu um sorriso torto antes de tomar mais um gole da sua bebida e depois recostou no balcão
esperando a aproximação dela.
— Odeio homens que não sabem tratar uma mulher. — Laura disse sentando-se ao lado dele.
— Posso te garantir que não é o meu caso. — Wagner pegou a mão dela e levou até os lábios.
— Convencido! Mal dos Goulart isso?
— Um cara sabe exatamente do que é capaz. — ele sorriu sedutoramente — Mas para você saber,
tem que me deixar mostrar. — ele permaneceu segurando a mão dela, e acariciou com o polegar antes
de encará-la.
— Não sei se é uma boa ideia.
Wagner se aproximou dela e apertou sua cintura enquanto sussurrava em seu ouvido com a voz
sensualmente rouca:
— Me deixe te mostrar o quão boa essa ideia pode ser.
Laura fechou os olhos e sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo, somente com aquele toque.
— Acho que você deveria me pagar uma bebida primeiro.
Ele deu uma risada rouca antes de erguer o dedo e chamar o garçom.

***
O dia estava normal, mas Guilherme se sentia estranhamente tenso. E então ele se deu conta que há
muito tempo não treinava e resolveu que estava mais do que na hora de voltar.
Desde que começou a estudar para ser promotor ele abandonou as aulas de Jiu-jitsu, isso há quase
um ano.
Como a sua profissão o deixava sempre tenso, a luta era uma forma de extravasar. Agora que ele
havia se tornado o mais novo promotor da cidade, estava na hora de voltar a praticar, aliviar a tensão
e colocar para fora todo estresse dos últimos dias, e nada como umas porradas no tatame para ajudar.
Antes de seguir para o escritório, ele parou na academia que frequentava e quando perguntou pelo
seu professor a recepcionista informou que ele não dava mais aula ali e depois de perguntar se ela
sabia onde ele estava dando aula, conseguiu o endereço de uma outra academia.
Aquela era perto do seu trabalho, diferente da antiga que era mais próximo da sua casa.
Entretanto ele não tinha mais tempo de ir lá cedo, então seguiu para o escritório.
O dia passou tão rápido que ele nem percebeu. Alguns casos novos surgiram e ele precisou estudar
todos minuciosamente antes que as audiências fossem marcadas.
Ele nunca entenderia por que, ao passar para a promotoria ele havia sido designado a trabalhar
com Márcia. Parecia uma piada de mau gosto. Todos sabiam que eles se desentendiam sempre que
trabalhavam juntos, apesar de a gana por justiça dos dois ser a mesma.
A primeira vez que ele a viu sentar-se atrás da mesa do tribunal, ficou admirado. Ela, apesar da
seriedade, parecia jovem e inexperiente. Sua beleza chamava muita atenção, mas seu olhar não
demonstrava nada. Mas bastaram alguns minutos de audiência para que ele percebesse que se tratava
de alguém com bastante experiência e que eles definitivamente nunca se dariam bem.
Ela foi autoritária, implacável e sabia exatamente o que estava fazendo. E assim como ele, fazia
aquilo por amor.
Guilherme sorriu com essas lembranças. Quem diria que hoje, depois de inúmeras brigas e
discussões, eles trabalhariam juntos?
Mas ele não podia negar que estava gostando. Além de trabalhar com a melhor juíza do estado, ele
ainda estava tendo oportunidade de conhecer um outro lado dela.
Vê-la com Camila era... estranho, na falta de palavra melhor. Quem podia imaginar que ela era
sorridente e carinhosa? Bem, pelo menos com a irmã.
Sorrindo, Guilherme voltou sua atenção para seus documentos e trabalhou noite adentro, sem se
dar conta disso. Quando levantou a cabeça para esticar a coluna e o pescoço, percebeu que já eram
quase nove horas da noite.
Guilherme guardou suas coisas, xingando mentalmente e seguiu para academia contando que
estivesse com sorte e conseguisse encontrar o professor ainda lá.
Quando ele entrou na academia foi informado onde ficava o local das lutas e também, que as
matrículas para jiu-jitsu eram direto com o professor porque ele quem fazia seus próprios horários.
Assim que Guilherme se aproximou, Jerson, o professor o reconheceu.
— Me achou doutor. — ele brincou enquanto caminhava para cumprimentar Guilherme. — Só uma
visita de amigo ou vamos retomar os treinos?
— Preciso retomar os treinos. Tenho estado muito tenso.
— Mulher ou trabalho?
Guilherme hesitou um pouco antes de responder.
— Trabalho. Não estou saindo com ninguém no momento.
— Que isso meu amigo, virou celibatário?
— Não. — Guilherme deu uma risada rouca — Só estou um pouco sem tempo para isso.
— Então, espero que tenha tempo para que eu possa te dar uma surra de vez em quando no tatame.
— Não conte com isso, Jerson.
— Veremos, doutor.
Eles caminharam até a lateral do tatame e depois de verificar na sua agenda, o mestre disse:
— Tenho horário amanhã à noite. Se não estiver com medo... — ele provocou.
— Estarei aqui.
Eles se cumprimentaram e Guilherme saiu.

***
Márcia estava dentro da cozinha do restaurante de sua irmã, com os braços cruzados, recostada na
bancada enquanto ela e Camila conversavam animadamente.
Ela tinha decidido passar uns dias na casa da irmã e claro que a princípio, Camila estranhou. Aliás
a própria Márcia não estava se reconhecendo, mas por mais que sua irmã tenha insistido, ela não
revelou o real motivo de ter tomado tal decisão.
— Tem certeza que está tudo bem? — Camila perguntou quando ficaram sozinhas na cozinha.
— Claro que sim.
— Sabe que para mim você não precisa fingir, não sabe?
— Não estou fingindo nada. — Márcia suspirou — Por que está insistindo nisso?
— Talvez porque você vem recebendo diversas ameaças e isso definitivamente, pode ter mexido
com você. — Márcia abriu a boca para falar, mas Camila ergueu a mão e a interrompeu — Eu ainda
não terminei. — ela caminhou até a irmã e segurou suas mãos — Eu sei quem você é, sei tudo que
você passou, que a gente passou e para mim, você não precisa ser sempre a juíza. Você sabe disso.
Para mim você pode ser só a Márcia, minha irmã mais velha e a pessoa que eu mais amo no mundo
todo.
Aquelas palavras fizeram Márcia sorrir e ela puxou Camila e a abraçou tão apertado, que a chef
achou que a irmã fosse quebrar seus ossos.
— Estou bem de verdade. — Márcia finalmente disse depois que a soltou — Mas neste momento,
não quero ficar sozinha no meu apartamento.
Camila sorriu quando a irmã confessou.
— Eu sei, gata. — Camila beijou o rosto da irmã, e virou-se para voltar ao fogão — Assim que
sairmos daqui passaremos no seu apartamento e pegaremos suas coisas. Você será minha hóspede por
tempo indeterminado.
— Não será tanto tempo. Afinal, não queremos começar a “quase nos matar.”
Márcia usou as palavras de Camila da noite anterior e as duas começaram a rir.
Capítulo Quatorze
Guilherme dispensou sua secretária e permaneceu no escritório uma vez que iria direto para
academia. Como ainda faltavam alguns minutos para o horário marcado, resolveu ficar ali estudando
sua papelada.
Quando a hora se aproximou, Guilherme guardou tudo, fechou o escritório e seguiu até seu carro,
recentemente devolvido pela seguradora e depois dirigiu até a academia. Quando estacionou, pegou
o saco que estava no banco traseiro com seu quimono, saiu e acionou o alarme.
Já dentro da academia e vestido devidamente, depois de se trocar no vestiário, Guilherme se
aproximou de Jerson.
— Bem-vindo de volta, doutor.
— Sabe que estou um pouco enferrujado.
— Está me pedindo para pegar leve? — o professor o provocou.
— Não mesmo. — Guilherme respondeu sorrindo.
Mas quando ele olhou por cima do ombro de Jerson seu sorriso se esvaiu. Ele não podia acreditar
que ela estava ali, ainda mais vestida com um quimono, assim como ele. E como naquele horário não
estavam acontecendo aulas de outras artes marciais, ela só podia estar ali para treinar com Jerson.
— Você!? — os dois falaram em um uníssono, quando ela estava próximo o suficiente para ser
ouvida.
— Vocês precisam de horário especial por causa do trabalho de vocês, e como já se conhecem,
achei que não teria problema em colocá-los no mesmo horário.
— Eu não sei se foi uma boa ideia... — Guilherme disse, mas antes que Jerson pudesse responder
ela o fez.
— Está com medo que eu machuque seu “belo” rosto, doutor Goulart? — ela pronunciou a palavra
belo de forma debochada.
— De forma alguma, juíza. — ele provocou — Só não quero machucá-la.
Márcia revirou os olhos.
— Não seja ridículo. Sou tão forte e capaz quanto você, doutor.
Jerson sorriu e ordenou que os dois fossem pro centro do tatame.
— Com a tensão que há entre vocês, isso vai ser muito divertido. — ele disse antes de ordenar que
os dois começassem a lutar.
Márcia e Guilherme investiram e rodearam sobre o tatame, com as mãos presas na lapela do
quimono adversário. Por várias vezes, Márcia tentou passar sua perna por trás da de Guilherme para
derrubá-lo, mas ele sempre se esquivava. Até que ele se cansou da brincadeira e fez o mesmo com
ela levando Márcia ao chão.
Ele usou o corpo para prendê-la, enquanto ela cruzou os braços diante do corpo em posição de
defesa. Quando as mãos dele seguraram a lapela dela novamente, Márcia usou um dos golpes que
estava acostumada, puxando a manga do quimono dele, e colocando sua perna sobre as costas dele,
fazendo o corpo de Guilherme cair para o lado e ficar imobilizado, obrigando-o a bater no tatame
para que ela o soltasse.
Depois eles se levantaram, e novamente voltaram à posição inicial.
Antes que eles investissem novamente um contra o outro, eles se encararam.
Márcia havia se irritado, afinal até na hora da luta o toque de Guilherme fazia o corpo dela reagir
de uma forma que ela não entendia. Mas apesar de não entender, isso a deixava exasperada...
Guilherme por sua vez não podia negar que a proximidade com ela, mexia com ele.
Novamente prenderam um o quimono do outro. E Jerson se divertia. O olhar que Márcia e
Guilherme lançavam um ao outro ia além da competição normal de luta.
Eles eram exímios rivais.
Quando Márcia passou a perna atrás da de Guilherme e os dois novamente foram parar no tatame,
ele colocou a perna por trás do pescoço dela e puxou, a imobilizando.
E eles continuaram lutando, se desafiando, competindo enquanto Jerson ia instruindo os dois.
No fim da noite, Guilherme não podia negar que estava menos tenso, apesar de estar precisando
colocar gelo no ombro, por conta de um golpe mais ríspido que Márcia deu nele.
Ela se despediu de Jerson com um aceno e um sorriso, mas a Guilherme ela apenas lançou um
olhar indecifrável antes de se virar e ir para o vestiário.
Enquanto tomava banho ela cogitou a possibilidade de trocar de horário, de professor ou até de
academia, mas definitivamente ficar lutando com Guilherme não era uma opção.
E que diabos era aquilo que ela sentia sempre que ele a tocava ou a encarava?
Afastando os pensamentos do promotor, ela terminou seu banho e quando saiu da academia usou a
porta dos fundos para não esbarrar com Guilherme novamente.
Depois que Márcia se retirou, Guilherme foi até o banco onde estavam suas coisas e secou o suor
com a toalha antes de pegar sua garrafa de água.
— Me diz o que foi isso? — Jerson perguntou sorrindo.
— Do que você está falando?
— Do clima entre vocês.
— Não há clima nenhum. — Guilherme deu de ombros e voltou a beber sua água.
— Para cima de mim, Guilherme?
— Nos conhecemos há algum tempo, já brigamos bastante diante dos tribunais, hoje trabalho com
ela e essa é toda a história.
— Se você diz. — Jerson deu de ombros — Mas o que eu vi ali foi bem além de rivalidade de
trabalho.
— Então você precisa enxergar melhor, meu amigo.
Guilherme bateu no ombro de Jerson, pegou suas coisas e saiu. Apesar de suado ele preferia tomar
banho em sua casa, já que dali ele não iria para lugar nenhum.
Já deitado em sua cama, Guilherme ficou pensando na luta entre ele e a juíza. Apesar de ter negado
para Jerson, ele sentiu-se estranhamente atraído por ela. O cheiro dela, o toque, estavam deixando
ele maluco e o desconcentrando durante o treino. Por isso ele acabou permitindo que ela o
machucasse. Talvez o fato de estar conhecendo ela fora dos tribunais, tivesse despertado isso.
E ainda com os pensamentos nos golpes e em toda luta, Guilherme adormeceu.

***
Quando Márcia chegou ao restaurante, ela deveria estar mais relaxada. A luta sempre a fazia se
sentir segura e calma. Mas naquele dia ela não estava. Ficar o tempo todo tocando em Guilherme e
sendo tocada por ele, deixaram-na ainda mais tensa.
E quando ela se aproximou de Camila, sua irmã percebeu sua tensão.
— Está tudo bem?
— Claro.
— Não parece. — Camila arqueou as sobrancelhas — Geralmente você fica mais relaxada quando
volta dos treinos.
— Estou bem, Ca. — ela desconversou.
Camila não questionou mais. Voltou para seus afazeres, enquanto Márcia seguiu para uma das
mesas do restaurante, e enquanto preparava um prato, ficou observando sua irmã. Apesar de ela estar
com alguns papéis na mão, seu olhar estava vago, ela definitivamente não estava prestando atenção
no que estava lendo e então a chef teve a certeza que algo diferente estava acontecendo com sua irmã.
Capítulo Quinze

Wagner acordou um pouco desnorteado, mas levou apenas alguns segundos para lembrar-se de
onde estava. Levantou-se da cama estranha e foi até a janela. Enquanto ele acendia um cigarro
observou o belo corpo da mulher sobre a cama, com o lençol cobrindo apenas algumas partes do seu
corpo.
Puta merda.
Ela era gostosa para caralho e o sexo com ela havia sido quente. Um dos melhores que ele já havia
tido, mas ela escondia alguma coisa, algo que deixou ele com a pulga atrás da orelha. E
imediatamente sua mente o transportou para noite anterior, e o rosto do homem que a acompanhava
antes de se juntar a ele veio à sua lembrança.
Entretanto ele não tinha tempo para descobrir o que era. Seu objetivo agora era outro. Era
descobrir quem eram as pessoas que trabalhavam com Montenegro e qual o próximo passo que elas
dariam.
— Você fuma? — a voz dela o tirou de seus pensamentos.
— De vez em quando. — ele respondeu apagando o cigarro contra o parapeito da janela — Espero
que não se importe por eu ter fumado aqui.
Enquanto ele caminhava até ela, Laura engoliu seco. Ele estava completamente nu e os músculos se
mexiam harmoniosamente enquanto ele andava. O caminho da perdição em seu quadril, apontando
para seu membro era um convite.
E por falar nisso...
Era até covardia como os Goulart eram bem-dotados, mas Wagner merecia destaque. Mesmo sem
estar excitado, seu membro era grande, tocando sua coxa, enquanto caminhava.
Ereto... Era algo de outro mundo.
— Não me importo. — ela disse sem tirar os olhos do corpo dele.
— Pelo seu olhar eu diria que você quer um bis do que tivemos a noite toda.
— Não seria nada mal. — ela se levantou, exibindo também suas curvas perfeitas — Mas eu
realmente tenho que tomar um banho e sair.
— Ótimo, um banho está bom para mim.
Antes que Laura pudesse responder, Wagner segurou seu cabelo pela nuca e a beijou, empurrando
seu corpo até o banheiro, enquanto sua mão livre apertava a bunda dela.

***
Guilherme acordou e sentiu seu corpo dolorido. Havia muito tempo que ele não treinava, além
disso sua oponente não pegou leve.
Ele sorriu.
Márcia era uma excelente oponente, não importava onde. Fosse nos tribunais ou fora deles, tudo
que ela fazia era com raça, com determinação.
Era incrível como ela invadia cada vez mais, seus pensamentos.
Como era sábado, e ele não tinha trabalho, resolveu ir correr. Depois de vestir camiseta, um short
e calçar seus tênis, Guilherme saiu com seu IPod tocando Use Somebody de Kings of Leon.
Enquanto corria, apesar da música soando em seus ouvidos, ele estava atento. Com os últimos
acontecimentos, ele havia redobrado sua atenção.
Guilherme continuou correndo até que sentiu seus músculos reclamarem, então fez a volta e
começou o caminho contrário, seguindo para casa.
Quando passou pela padaria mais famosa do bairro ele as avistou. Camila e Márcia estavam
sentadas, com algumas bolsas de mercado ao lado da mesa. E enquanto Camila tomava um suco,
Márcia bebia café, as duas tão absortas em sua conversa, que mal perceberam quando ele parou ao
lado da mesa.
— Bom dia. — ele ergueu os óculos escuros, colocando-os sobre o topo da cabeça.
— Bom dia dout... — Márcia respondeu, mas parou lembrando-se do que haviam combinado —
Guilherme.
— Bom dia doutor gatão. — Camila disse bem-humorada como sempre e se levantou para beijar
as duas faces dele, que retribuiu o carinho — Aceita tomar café com a gente?
— Camila, tenho certeza que ele já tem compromisso.
Camila encarou Márcia e franziu a testa.
— Na verdade, — ele disse puxando a cadeira e se sentando — não tenho e adoraria me juntar a
vocês.
— Ótimo. — Camila disse e sorriu largamente, enquanto Márcia se remexeu desconfortável na
cadeira.
Claro que ela não havia comentado, nem mesmo com Camila, mas sonhou a noite inteira com
Guilherme. Com seus braços musculosos em volta do seu corpo enquanto eles lutavam sobre o
tatame. Acordou suada e as imagens do sonho não saíram de sua cabeça, e quando ela finalmente
conseguiu se distrair, ele apareceu.
Agora a presença dele ali, o perfume dele misturado com o cheiro másculo de suor, a estavam
deixando desconfortável.
Guilherme se sentou entre as duas e pediu ao garçom que trouxesse um suco para ele. Precisava
repor líquido depois da corrida. Enquanto se sentava, seu joelho tocou na perna de Márcia e
instintivamente ela afastou, mas ele simplesmente ignorou aquele fato.
— Então gatão, mantendo a forma? — Camila perguntou, olhando diretamente para Guilherme.
— Fiquei muito tempo sem me exercitar por causa do trabalho e da promoção. Resolvi voltar.
Márcia o encarou, lembrando do treino do dia anterior e precisou se controlar para não soltar um
suspiro com as lembranças.
— Isso é maldade com pobres mortais como nós.
— Nós? — Márcia questionou — Eu me exercito.
Camila revirou os olhos antes de responder.
— Você luta. — ela encarou a irmã em uma mensagem silenciosa, que apesar de Guilherme não ter
a menor ideia disso, Márcia entendeu bem — E eu fui agraciada pela genética. Não preciso fazer
nada para ser gata. Concorda? — ela perguntou para Guilherme que sorriu timidamente.
— Você é realmente muito bonita.
— Viu? — Camila deu língua para Márcia que balançou a cabeça negativamente — Além do mais,
é maldade com pobres mortais, porque ele já é gato suficiente, se exercitando só vai ficar mais.
Guilherme sorriu e eles entraram em uma conversa descontraída, que Márcia pouco participava.
Ela estava decidida a apenas observar Guilherme, que estava despertando tanto interesse nela,
mesmo que ela relutasse contra isso e negasse para si mesma, ela não podia deixar de reparar em
cada detalhe do comportamento dele.
O problema é que além disso ela também estava reparando em como ele e Camila se davam bem.
A interação dos dois era... tão natural. Era como se eles se conhecessem a vida inteira. O sorriso
genuíno que os dois exibiam mostrava o quanto tinham em comum.
O quanto combinavam.
E aquele pensamento fez Márcia se sentir incomodada.
Quando um pouco do catchup que Camila estava colocando em seu salgado, sujou o canto da sua
boca, Guilherme imediatamente levou o dedo ao local para limpar.
Um gesto simples, porém íntimo.
E ao dar conta disso, Márcia se mexeu desconfortavelmente na cadeira. Claro que um homem
como Guilherme iria se identificar com alguém como Camila. Linda, espontânea, divertida.
Não que Márcia quisesse a atenção dele sobre ela.
De forma alguma.
Ela não queria nem a atenção dele nem de homem nenhum, mas claro que não deixou de se
perguntar como seria se ela não fosse tão... ferida pelo passado.
— Céus, pareço uma criança comendo. — Camila disse sorrindo depois que Guilherme limpou o
canto da sua boca — Vou ao banheiro cuidar disso... — ela apontou pro próprio vestido e se
levantou.
Guilherme sorriu para ela e recostou na cadeira, tomando mais um gole do seu suco, enquanto
Márcia segurava um saquinho de açúcar entre os dedos, com a sua atenção totalmente voltada ao
pequeno sachê, como se fosse a coisa mais interessante do mundo.
— Nunca imaginei que você praticasse jiu-jitsu. — Guilherme quebrou o silêncio.
— Não é nada de mais. — ela respondeu.
— Treina há muito tempo?
— Alguns anos.
— Por isso você é tão boa. — ele bebeu seu suco novamente — Você treina todos os dias?
— Segundas, quartas e sextas.
— Jerson me disponibilizou esses mesmos dias, o último horário.
— Então parece que treinaremos muito juntos, porque estou com o mesmo horário.
— Porra! — ele disse, mas apesar do palavrão sua voz saiu normal, tranquila.
— Que foi doutor? — ela finalmente o encarou, com um brilho audacioso no olhar — Preocupado
de levar uma surra de mim dia sim dia não?
— Não seja ridícula. Só não quero machucá-la. Acabo não dando tudo de mim, por conta disso.
— Agora é você quem está sendo ridículo e machista. — ela disse rispidamente.
— Não é nada disso...
Em poucos segundos o clima entre eles se tornou pesado. Márcia queria mais era que ele desse
tudo de si para que ela pudesse provar que podia derrubar, mesmo um homem com a estatura de
Guilherme.
Ele por sua vez, sabia que, apesar da técnica do jiu-jitsu não prevalecer sexo, ele era maior que
ela, mais musculoso, e Guilherme não se perdoaria se a machucasse, mesmo que sem querer.
Ferir uma mulher não era algo aceitável para ele, fosse como fosse.
— O que estão falando? — Camila os surpreendeu.
Os dois estavam tão absortos em sua própria batalha interna que nem perceberam quando ela se
aproximou.
— Nada.
— Jiu-jitsu.
Os dois responderam ao mesmo tempo, Márcia tentou mudar de assunto, mas ao ouvir Guilherme
pronunciar a luta que a irmã fazia, Camila franziu a sobrancelha.
— Jiu-jitsu? — ela questionou olhando de um para outro — Como assim?
— Eu e Guilherme nos esbarramos sem querer na academia ontem. — Márcia respondeu antes que
ele pudesse falar alguma coisa.
— Sim, coincidentemente temos o mesmo professor.
— Espera. — Camila abriu um largo sorriso — Vocês treinaram juntos ontem?
— Sim. — Guilherme respondeu indiferente, enquanto Márcia lançou um olhar furioso à irmã, que
a encarou com um brilho no olhar que a juíza conhecia bem.
— Agora está explicado.
— O que está explicado? — ele questionou.
— Camila! — Márcia advertiu a irmã, mas ela só sorriu ainda mais.
— Explicado por que minha irmãzinha chegou toda afetada ontem ao restaurante, depois do treino.
— Afetada? — Guilherme franziu a testa.
— Não seja ridícula. — Márcia se levantou e saiu rápido, sem se despedir indo em direção ao
carro e enquanto passou por Camila lançou a irmã o olhar: “está encrencada, menina” que ela
conhecia tão bem.
— Céus, acho que falei demais. — Camila disse se levantando, e colocando a mão sobre a boca,
mas sem deixar de sorrir, ignorando a expressão interrogativa de Guilherme — Desculpa, mas eu
tenho que ir.
Ela abriu a carteira, mas Guilherme negou e disse para que ela fosse atrás de Márcia. Apesar de
querer que ela explicasse seu comentário, sabia que ela não o faria.
Guilherme pagou a conta, colocou seus fones, os óculos sobre os olhos e voltou seu caminho até
seu apartamento, mas agora, em vez de correr, ele caminhava, sem conseguir parar de pensar sobre o
que realmente significava aquele comentário de Camila.
Capítulo Dezesseis

Quando Camila chegou no carro, Márcia já estava com o motor ligado. Mal sua irmã havia se
acomodado no banco do passageiro e batido a porta, ela deu a partida, não esperando nem que ela
colocasse o cinto de segurança.
— Ei, o que deu em você? — Camila perguntou encarando a irmã.
— Que brincadeira mais idiota a sua! Afetada, eu?
— Estava sim, assim como está agora. — Camila disse séria — Você poderia apenas ter
respondido que não tinha nada a ver com Guilherme. Que o problema era outro. Mas sua atitude só
confirmou o que eu disse. Ele.te.deixa.afetada!
— Não seja ridícula...
— Você pode negar à vontade, Márcia, mas é a realidade. Minta para si mesma se quiser, mas eu
estou vendo.
— Você sabe muito bem que eu não me deixo afetar por homem nenhum e...
— Não é questão de deixar, essas coisas acontecem.
— Não comigo. — Márcia disse mais rispidamente que o normal e Camila suspirou.
— Acho que isso é um sinal, mana. — Camila colocou a mão no ombro da irmã — Um sinal que
você deve deixar o passado onde ele está. — Márcia abriu a boca para falar, mas Camila deu um
leve aperto em seu ombro — Não precisa falar nada, não vou mais te perturbar com isso, mas acho
que você deve pensar na sua reação em relação ao Guilherme e em tudo que eu falei.
Márcia apenas encarou Camila, antes de voltar sua atenção para o trânsito, deixando que as
palavras da irmã povoassem sua mente. Mas realmente não era isso que preocupava ela.
O que deixava Márcia realmente incomodada era que tudo aquilo era verdade. Guilherme a
deixava de uma maneira que nenhum homem jamais deixou.
E de repente ela se deu conta, que isso não era de hoje. Todas as vezes que ela foi ríspida com ele,
todas as discussões e brigas, era justamente porque algo dentro dela acionava um alerta, sempre que
ele aparecia.
Sem se dar conta ela acelerou um pouco mais e Camila chamou sua atenção.
— Ei, o carro não vai voar.
Márcia a encarou e desacelerou um pouco.
Depois de deixar Camila no restaurante ela resolveu ir para casa, para o seu próprio apartamento,
e passar o dia lá, trancada, absorta em seus pensamentos.
Assim que Márcia saiu, Camila deixou as sacolas sobre o balcão da cozinha e, enquanto ela
separava e guardava as coisas que havia comprado, ficou pensando em tudo que ela tinha visto
naquele dia. Em como sua irmã estava diferente e relutante contra isso.
Claro que ela conhecia toda a história, ela tinha feito parte dela.
Márcia definitivamente precisava se dar uma chance. Ela já tinha feito tudo que podia para se
redimir com ela mesma. Agora precisava começar a viver, mesmo que aos trinta anos.
E Camila estava decidida a fazer isso, dar o empurrãozinho que a irmã precisava.
Sem pensar muito a respeito, ela pegou o celular e ligou para ele. Ele havia deixado anotado no
guardanapo na última vez que foi jantar lá. Claro que ela jamais assumiria que havia guardado, mas
foi providencial. Sabia que era arriscado, mas precisava de ajuda e sabia que ele, era a pessoa certa
para isso.
— Oi, é Camila.
— Oi gata, que bom que me ligou.
— Não se anima. Preciso conversar com você, mas não é sobre nós dois.
— Não importa o motivo, só de lembrar de mim já me deixa feliz. Passo no restaurante no fim da
noite.
— Tudo bem, obrigada Wagner.
— Te vejo mais tarde, gata.

***

O guarda penitenciário havia acabado de deixar Montenegro no pátio para seu banho de sol. Ele
quase não era levado até lá, por opção, mas quando decidia que queria, era disponibilizado a ele um
horário especial, diferente dos demais presos.
Montenegro caminhava calmamente pelo pátio até que parou ao lado de um guarda e começou a
conversar.
Quem visse a cena, não imaginaria que se tratava de um detento e um agente da lei. Não! Pareciam
dois amigos de velha data, rindo e conversando amenidades.
Mas assim era Montenegro.
Era isso que sua fama e fortuna lhe proporcionavam. Mesmo estando preso, ele tinha seus
benefícios, suas regalias e ainda era tratado com o respeito que não devia ser designado a ele, e que
de forma alguma era destinado aos demais.
Enquanto eles discutiam sobre futebol, um homem entrou no pátio, em uma cadeira de rodas, sendo
empurrado por outro guarda.
Era a primeira vez que Montenegro o via, mas diante da aparência do cara, sabia que não era um
novato ali. Pelo semblante e aparência, ele já estava ali há algum tempo.
— Quem é?
— Marcelo Mendonça.
— O da namorada na banheira? — ele ergueu a sobrancelha.
— Esse mesmo.
— Como ele foi parar na cadeira de rodas?
— Ele sequestrou uma moça, a polícia bateu no cativeiro e quando ele não se entregou, recebeu
um tiro nas costas.
— Foi o Goulart que o colocou aqui, certo?
— Ele, o senhor e muitos outros.
Montenegro deu um sorriso torto.
— Só preciso desse.
Ele deu dois tapinhas no ombro do guarda e seguiu na direção de Marcelo, sentando-se ao lado
dele.
A princípio Marcelo apenas o encarou, mas então reconheceu quem era.
— Não sabia que estava aqui.
— Não ficarei muito tempo. — ele disse à Marcelo — E se você me ajudar, também não ficará.
— Já fui julgado e condenado. Vou passar muito tempo aqui.
— Posso lhe assegurar que não.
Marcelo ergueu a cabeça e o encarou.
— E o que eu tenho que fazer em troca desse “favor”?
Montenegro deu uma risada rouca antes de responder.
— Gosto de pessoas inteligentes. — ele deu dois tapinhas no ombro de Marcelo — Só me diga
tudo que você sabe sobre o Goulart.
— O imbecil do Gabriel?
— Sobre ele e sobre o irmão dele.
— Bom, isso eu posso fazer...
Os dois sorriram e quando Marcelo começou a falar, Montenegro escutou atentamente.

***
O restaurante já estava quase fechando quando Wagner chegou. Poucos clientes se encontravam no
estabelecimento e alguns garçons já limpavam as mesas que estavam vazias.
Wagner sentou-se em uma dessas mesas e depois de explicar ao garçom que esperava por Camila,
pegou seu celular e começou a dedilhar.
Ele não percebeu quantos minutos se passaram, até que Camila finalmente apareceu. Ela não usava
mais sua touca nem avental e quando ela se sentou ao lado dele, Wagner abriu um imenso sorriso.
Camila retribuiu o sorriso e deu dois beijos no rosto dele, que foram retribuídos animadamente.
— Fiquei feliz quando me ligou.
— Não se anima, gato.
— Me animo, e não entenda errado. — ele recostou na cadeira e cruzou os braços — Fico feliz só
de estar aqui conversando com você.
— Quem é você e o que você fez com o Wagner idiota? — ela deu uma risada que foi
acompanhada pela gargalhada rouca dele.
— Coloquei ele para dormir, pelo menos quando eu estiver perto de você.
O telefone dele tocou e quando ele olhou a tela viu que era Laura, mas ele apenas colocou a coisa
no silencioso e olhou para Camila.
— Não vai atender?
— Não é ninguém importante. — ele sorriu — Não mais que você.
Ela sorriu, de um jeito que nunca havia sorrido para ele.
— Em que posso ser útil? — ele perguntou a ela.
— Quero falar sobre seu primo.
O sorriso no rosto de Wagner desapareceu no mesmo instante e seu maxilar ficou tenso.
— O Guilherme?
— Sim.
— Acho que você devia falar diretamente com ele então. — ele disse rispidamente, de uma forma
que Camila não entendeu.
— Não! — ela colocou a mão sobre o braço dele — Não posso falar com ele. Ainda não.
— Camila...
— Wagner, eu preciso saber tudo que eu puder sobre ele.
— Você está interessada nele e quer que eu te diga como chegar até ele? Como conquistá-lo? —
ele não conseguiu esconder sua frustração.
Camila deu uma risada.
— Não seja bobo.
Wagner a encarou ainda mais irritado com a risada dela. Ele estava se roendo de ciúme e não
sabia de onde estava vindo aquele sentimento. Mal a conhecia.
— Eu não estou a fim dele. — ela disse ainda sorrindo — Porém eu conheço alguém, que acredito
que esteja, mas precisa da minha ajuda para enxergar isso, só que antes eu preciso saber tudo que eu
puder sobre ele.
— E quem é esse alguém?
— Por enquanto vamos deixar isso em sigilo. — o garçom trouxe sushi e saquê para eles — Agora
me diga tudo que puder para me ajudar.
Capítulo Dezessete

Guilherme nunca foi um cara farrista, nem mesmo quando era adolescente. Pelo contrário, sempre
preferiu ficar em casa e as poucas vezes que havia saído para “farra”, ou foi por intervenção de
algum amigo, ou porque alguma mulher o tinha convidado.
Entretanto, ficar em casa naquele dia estava deixando-o nervoso. Aliás, desde o encontro com
Márcia e Camila no dia anterior e a saída abrupta delas, ele estava se sentindo assim.
Inquieto.
Conseguiu distrair sua mente por um tempo, estudando alguns processos. Entretanto, o domingo
ainda estava pela metade, ele já havia lido e relido tudo que precisava e não tinha mais com o que se
distrair.
O primeiro pensamento, foi ligar para Gabriel e convidá-lo para beber alguma coisa, já que eles
agora, estavam se dando bem novamente.
O problema era que ele tinha interrompido sua lua de mel e possivelmente em um domingo à tarde,
ele estava curtindo sua esposa.
Monique.
Ao lembrar de seu irmão, que Guilherme se deu conta de que há dias não pensava nela. Pelo menos
não tanto quanto antes e sorriu por isso. Claro que o sentimento ainda estava ali, mas o fato de não
ficar se martirizando pelo casamento do irmão, já era um puta alívio.
Guilherme pegou seu celular e após discar, aguardou.
— Vai fazer o que hoje? — ele perguntou.
— Ficar com alguma mulher, talvez duas. — Wagner respondeu sorrindo.
— Estou falando sério!
— Eu também. — Wagner deu uma risada antes de perguntar — Sério, o que manda?
— Achei que a gente podia sair pra beber alguma coisa, conversar.
— Você quer sair para beber? Porra, espera que vou verificar a previsão do tempo, porque, com
certeza, vai chover e muito. Curitiba vai ficar totalmente alagada.
— Não seja idiota, Wagner.
— Não seja chato. Conheço um bar ótimo, vou te mandar o endereço por SMS.
— Beleza.
— E Guilherme… — ele esperou o primo responder — Não esqueça o guarda-chuva.
Ele xingou Wagner, que desligou enquanto ainda gargalhava.

Algumas horas depois, Guilherme estacionava seu carro em frente ao bar que ficava no endereço
informado por Wagner. A princípio ele achou que era alguma piada de mau gosto. Seu primo, ou
estava brincando, ou tinha ficado maluco. Mas quando ele ouviu o barulho do ronco do motor da
moto de Wagner se aproximando, sabia que a segunda opção se aplicava melhor.
O bar não só parecia uma espelunca. Era!
Se Wagner não tivesse aparecido, ele o mataria, com as próprias mãos pela palhaçada.
Quando seu primo desceu da moto e retirou o capacete, Guilherme se aproximou.
— Você deve estar brincando, certo?
— Tem algo aqui que me interessa. Não reclame, estou fazendo o que me pediu.
— E por que não disse que iria trabalhar?
— Porque eu posso juntar o útil ao agradável.
— Agradável? Nessa espelunca?
— Venha, você vai se surpreender.
Depois que passaram pela porta, Guilherme realmente se surpreendeu e estava decidido a internar
o primo. O interior era ainda pior do que o lado de fora. Sujo, com cheiro desagradável e meia dúzia
de homens, que mais pareciam mendigos, tomavam suas bebidas, tão alterados pelo álcool que nem
perceberam a presença dos dois.
Mas Wagner não se intimidou. Ele seguiu até o balcão do bar e quando o barman se aproximou, ele
encarou o homem e disse:
— Se eu lhe pagar em dólar, você tem troco?
A princípio, Guilherme franziu a testa e estranhou. Aquele lugar definitivamente não teria troco
para dólar. Ele duvidava até mesmo que aceitasse alguma forma de pagamento, que não fosse
dinheiro em real. Mas quando o barman sorriu, ele entendeu que aquilo era algum tipo de código. O
que ele ainda não sabia, era para quê.
O barman fez sinal para que os dois o seguissem para trás do balcão e quando passaram por uma
cortina velha e suja, seguiram até uma porta, mas ao passar por ela, o ambiente modificou.
O corredor, apesar da pouca iluminação, tinha uma aparência muito melhor. As paredes eram em
tom de azul claro, pintadas com tinta óleo, os lustres em tom de bronze e as lâmpadas imitavam
velas. Réplicas de pinturas famosas decoravam todo o caminho. Ao final do corredor, havia uma
porta preta e quando eles a atravessaram havia um novo ambiente.
Um bar!
Totalmente diferente, onde tudo era limpo, claro e requintado. As bebidas organizadas em
prateleiras de vidro atrás do balcão eram caras e algumas até raras.
Mas ao olhar para seu lado esquerdo, Guilherme finalmente entendeu do que se tratava.
Um cassino clandestino!
Antes que Wagner se aproximasse do balcão, ele segurou em seu ombro e fez seu primo o encarar.
— Ficou louco? Como diabos você me traz para um lugar desses?
— Relaxa, Guilherme. Só finge que não é tão caxias.
— Não sou caxias, caralho, se alguém me reconhecer?
— Quem te reconheceria…
Mas antes que ele pudesse terminar de falar, dois homens se aproximaram deles.
Eles estavam vestidos com ternos pretos e em suas orelhas, havia um pequeno dispositivo, que
Guilherme reconheceu como fones Bluetooth.
— Algum problema aqui? — um deles perguntou encarando Guilherme.
— Nenhum, camarada. — Wagner respondeu — Só estava explicando pro meu primo aqui, como
as coisas funcionam.
Guilherme o encarou. Apesar de estar há pouco tempo na cidade, Wagner parecia ser cliente
assíduo do local, e claro que isso seria bem possível. Este definitivamente era o tipo de lugar que
seu primo frequentaria, se não fosse o fato de ele morar em outra cidade.
— Seu primo não nos trará problemas, certo?
— Não mesmo... certo, Gui? — Wagner perguntou o encarando.
— Nenhum, estou aqui apenas para me divertir.
— Quer diversão? Procure um parque de diversões. Aqui você veio para tentar a sorte e se não for
gay, foder com alguma das garotas.
Guilherme encarou o cara e ergueu o queixo.
— E isso por acaso não seria diversão?
O segurança encarou ele sério por alguns segundos, mas logo sorriu dando tapinhas em seu ombro.
— Seria sim, e como seria. Se quer uma dica, peça para “se divertir” com a Xana. Ela é a melhor.
— o sorriso que o homem deu demonstrou ao promotor que ele a conhecia bem.
— Dica aceita. — Guilherme estendeu a mão e depois que os caras se afastaram, voltou a encarar
Wagner.
— Você é maluco! Se alguém me reconhecer estamos mortos.
— Relaxa. Se você soubesse o tipo de pessoas que frequentam este local... — ele voltou a
caminhar até o balcão e depois de pedir uma dose de uísque virou-se para o primo — E você?
— Eu quero aquele vinho ali. — Guilherme apontou para a garrafa e o barman sorriu.
— Este é o melhor que temos. — o homem disse, orgulhoso pela escolha dele.
Depois que o homem os serviu e se afastou, Wagner explicou.
— Acredito que este lugar seja de Montenegro, e claro, que se eu conseguir confirmar isso, focarei
nos frequentadores. Geralmente são homens ricos ou influenciáveis.
— E como você vai descobrir se o lugar é dele? E quem desses frequentadores pode ou não estar
relacionado ao cara?
— Todo esquema tem furo, Guilherme, e eu tenho vindo aqui há alguns dias.
Quando Guilherme tomou o primeiro gole da sua bebida, reparou que o segurança que havia
abordado eles, o que ficou calado, o encarava sério de um canto, próximo às mesas de jogatina.
Ele o encarou por alguns instantes e em seguida desviou o olhar voltando sua atenção para Wagner.
— E o que você descobriu? — Guilherme perguntou.
— Não muita coisa. As pessoas que frequentam geralmente são pessoas que já fizeram negócios
com Montenegro. Senadores, policiais, deputados, CEOs, grandes empresários. Todos, em algum
momento, se ligam ao cara e...
— Melhor eu ir embora.
— Por quê?
— Aquele segurança está de olho em mim. Porra, Wagner, sou um homem da lei, vez ou outra
apareço nos telejornais e se você estiver certo, todos aqui sabem quem eu sou.
Wagner disfarçou, virou-se de costas para o balcão e apoiou os cotovelos nele enquanto observava
o local. Piscou e sorriu sedutoramente para uma das meninas que passou por eles e depois olhou na
direção do segurança, que realmente os encarava.
— Inferno! — ele resmungou antes de tomar um gole da sua bebida — Estou tão acostumado a ir a
qualquer lugar que esqueci completamente de quem você era. Na verdade, levando em conta as
pessoas que frequentam este lugar, não achei que seria problema.
— Acontece que nenhuma dessas pessoas quer trancafiar o suposto dono do lugar pro resto da vida
na cadeia.
— Merda!
Guilherme apenas o encarou.
— Já sei o que vou fazer.
Ele retirou o celular do bolso e programou para que a coisa tocasse sozinha em cinco minutos.
Disse a Guilherme, entre os dentes, que enquanto eles estivessem ali, ele se comportasse
normalmente e assim ele o fez.
Entretanto alguns minutos depois quando o celular de Wagner tocou, ele demorou algum tempo
para atender, mas quando o fez deu um grito, que fez Guilherme se assustar.
— Vai nascer? Agora? — ele virou para Guilherme e sorriu tão genuinamente, que por um instante
ele achou que seu primo realmente falava com alguém — Vou ser pai, porra!
Wagner virou seu copo todo na boca e deu um abraço em Guilherme.
— Finge que está feliz por mim, porra. — ele resmungou em seu ouvido enquanto dava tapas nas
costas do primo.
Guilherme retribuiu.
— Parabéns cara! — Guilherme disse.
— Vamos, precisamos ir para maternidade.
Ele abriu a carteira e jogou uma nota de cinquenta reais sobre o balcão antes de caminhar em
direção à porta. Diante daquele alvoroço, não foi necessário que perguntassem o motivo da saída
deles, sem antes jogar um pouco.
Quando estavam já na calçada, Guilherme finalmente respirou aliviado.
— Você é mais louco do que eu me lembrava.
— Sou. — ele sorriu — Mas agora, vamos.
Guilherme entrou em seu carro, mas seu primo encostou na janela e o encarou.
— Qual a maternidade mais próxima daqui?
— Fica a uns cinco quilômetros, por que?
— Porque se eu bem conheço os capangas de Montenegro, vão nos seguir.
— Cara, a próxima vez que me colocar numa furada dessa, eu mesmo matarei você.
Wagner sorriu e depois de colocar o capacete, montou em sua moto e seguiu Guilherme.

Já na sua cama, naquela noite, Guilherme não conseguia parar de rir e xingar o primo.
Depois de passarem algumas horas dentro de uma maternidade, à toa, eles finalmente saíram e
foram, cada um para sua casa.
Bom, uma coisa ele não podia negar. Seu primo conseguiu distraí-lo completamente.
Capítulo Dezoito

Márcia se sentia tensa. Graças aos céus, naquela manhã não tinha nenhuma audiência no tribunal,
mas depois de passar o domingo com Camila a questionando sobre seu comportamento no sábado,
ela pegou suas coisas e voltou definitivamente para seu apartamento.
Ela amava Camila, incondicionalmente, mas às vezes era muito difícil lidar com ela.
O dia estava quase terminando quando ela finalmente parou de ler alguns processos. Mexeu seu
pescoço e olhou para a janela, apenas para ver o sol se pondo no horizonte. Quase involuntariamente
ela sorriu.
Há muitos anos, esse foi o motivo que a fez escolher aquela sala específica, mas geralmente estava
tão absorta em seu trabalho que passava bastante tempo sem se dar ao prazer de admirar aquela cena.
Os dias eram tão corridos, tão atribulados que quando ela se dava conta, simplesmente já tinha
anoitecido.
Mas naquele dia, mesmo que sem querer, ela pôde se deleitar com aquele presente da natureza.
Depois que o sol se pôs, ela começou a arrumar sua mesa e desligar seu notebook, se perguntando
se era uma boa ideia ir para academia. Encontrar Guilherme e sentir os braços dele em volta do seu
corpo, mais uma vez...
Ela estremeceu só com a lembrança.
Deixe de ser estúpida, Márcia. — ela se recriminou mentalmente — Ele é só um cara.
E era mesmo! O problema era a quantidade de vezes que ela tinha pensado nele nos últimos dias. E
tudo por causa de uma porcaria de treino.
Mas ela ia provar, para si mesma, que ele não a afetava. Jamais! Iria à academia, lutaria com ele e
não pensaria mais a respeito.

***

Quando Guilherme acabou de trocar de roupa, no vestiário da academia, se perguntou se Márcia


estaria lá, para logo em seguida se recriminar por isso.
Uma parte dele, acreditava que ele estava fazendo tal questionamento apenas porque, para ele,
lutar com uma mulher e principalmente, aquela mulher, era o mesmo que limitar o potencial dele no
tatame.
Mas quando questionou isso a Jerson, o professor foi categórico em dizer que não teria como
mudar, pelo menos não até que entrasse outro aluno para aquele mesmo horário.
Quando ele saiu do vestiário e chegou ao tatame, Márcia conversava com o professor. Ela estava
de costas, vestindo seu quimono e mesmo assim, tudo que Guilherme conseguiu fazer foi reparar no
quanto seu corpo era bonito e mesmo com a roupa larga, podia ver suas curvas, além da sua altura,
seu pescoço fino... porra, ele se imaginou passando seus lábios naquele pescoço.
Caralho Guilherme, que diabos está acontecendo com você? — ele se questionou.
— Boa noite. — ele cumprimentou ao se aproximar.
— Boa noite. — Márcia respondeu, sem encará-lo.
Jerson também os cumprimentou e chamou os dois para o centro do tatame.
Por alguns minutos mostrou a eles um novo golpe, onde o objetivo era derrubar o adversário no
chão e ao mesmo tempo dominá-lo, não permitindo assim, que ele fizesse qualquer movimento para
se soltar.
Depois de repetir diversas vezes, treinou com os dois antes de dizer que era hora deles treinarem
entre si, usando não somente esse, mas também os demais golpes que sabiam.
Quando Jerson deu permissão para eles começarem, por um instante eles apenas se encararam, os
olhos presos um no outro até que o professor pigarreou para que eles começassem logo.
Eles começaram a se rodear e impaciente, Márcia foi a primeira a investir contra Guilherme, mas
ele conseguiu se desvencilhar e a derrubou, mas não prendeu seu corpo contra o chão, fazendo com
que Jerson gritasse com ele.
Depois que ela se levantou eles começaram novamente se rodeando, até que ela investiu
novamente e mais uma vez Guilherme a derrubou, mas dessa vez prendeu seu corpo no chão.
Instantaneamente Márcia ficou ofegante, sentindo o corpo dele tão perto e o perfume que já estava
gravado em seu sistema.
Merda!
Se dar conta disso a deixou furiosa, então sem perceber como, deu um golpe em Guilherme
fazendo com que a situação invertesse e ela ficasse por cima dele, com as mãos cruzadas segurando
seu quimono e mantendo ele no chão.
Quando Jerson ordenou, ela se levantou e Guilherme precisou de um tempo para se recompor,
respirou fundo e quando se levantou passou a mão no cabelo, tentando recuperar o controle.
Por mais uma hora eles permaneceram ali, lutando, se desafiando e principalmente, cada vez mais,
um com o pensamento no outro, sem entender bem aquilo que estava acontecendo.
Depois que a luta terminou, Guilherme seguiu para o vestiário e não se importou com a água
gelada sobre sua pele. Precisava muito daquilo nesse momento.
Márcia por sua vez, foi embora, se despedindo rapidamente do professor e saindo, como se
estivesse sendo perseguida.
Enquanto dirigia ela ainda sentia sua respiração ofegante e não tinha a ver com o fato de estar
cansada por causa da luta. Não! Na realidade sua respiração estava irregular por causa da
proximidade com Guilherme.

***
Dois dias depois, Guilherme saiu para resolver alguns problemas. Depois de tudo resolvido,
decidiu fazer uma visita à seu irmão na delegacia. Queria saber se havia alguma novidade sobre a
tentativa de invasão no apartamento de Márcia.
Gabriel, claro, estranhou o motivo de toda aquela preocupação, mas não questionou. Respondeu o
que sabia, que não era muito e depois eles mudaram de assunto e aproveitaram para almoçar juntos,
coisa que não faziam há tempos.
Após o almoço, eles retornaram ao trabalho de Gabriel e quando Guilherme estava saindo da
delegacia seu telefone tocou. Ao olhar na tela e ver o nome de Márcia ele franziu a testa.
— Pronto… Claro, mas precisa ser agora?… Tudo bem, chego aí em uma hora no máximo.

Ao desligar o carro no estacionamento do prédio onde ficava o escritório da juíza, ele respirou
fundo. O cheiro dela, a maciez da sua pele ainda estavam gravados em seu sistema, por causa da
última luta. Claro que ele a veria naquele dia, na academia, mas ela realmente o surpreendeu quando
ligou para ele e como a próxima audiência que eles presidiriam juntos, era somente dali a quinze
dias, não entendia o motivo da reunião.
Quando chegou ao escritório, notou que a secretária dela não se encontrava. Após entrar na
antessala ele pigarreou, mas ninguém atendeu. Então aguardou alguns instantes, antes de ir até a porta
da sala da juíza e bater.
— Entre. — ela pediu e Guilherme franziu o cenho.
Como ela podia ser tão imprudente e simplesmente mandar entrar, sem saber quem era?
— Como sabia que era eu? — ele disse ao entrar.
— Eu não sabia.
— E como manda entrar?
— Se fosse alguém querendo me matar, não bateria na porta doutor.
A voz dela era debochada e ela parecia mais ríspida que o normal, o que só o deixou ainda mais
confuso.
Se ela estava irritada, por que o chamou ali?
Guilherme cruzou os braços e a encarou.
— Qual assunto de tanta urgência?
— Sente-se.
— A conversa vai demorar?
Os dois, que por um tempo haviam dado uma trégua com aquela rivalidade deles, de repente,
tinham voltado a se enfrentar como se a rivalidade alimentasse os dois de alguma forma.
Márcia respirou fundo e fechou os olhos.
— Sim, doutor Goulart, vai demorar. Por favor, sente-se. — ela se obrigou a suavizar a voz, não
porque queria evitar o conflito, mas porque realmente o assunto era sério.
Guilherme se sentou na cadeira diante da mesa dela, desabotoou o terno e a encarou.
— Quero tratar dois assuntos com você. — ela começou abrindo uma pasta que estava diante dela
— O primeiro é sobre o caso do “Tarado do parque”.
— Esse caso vai ser fácil.
— Sim, a defesa quer alegar insanidade.
— Insanidade? — ele bufou — Ele estuprou quatro mulheres, usando sempre o mesmo artifício
para atraí-las. O cara é ardiloso, armou melindrosamente todos os seus passos e agora a defesa quer
alegar insanidade?
— Não vou permitir isso, para isso precisamos do melhor psicólogo da cidade trabalhando
conosco. Quero ele no banco das testemunhas e quero que você explore ao máximo o conhecimento
dele…
Guilherme estranhou o comportamento de Márcia. Juiz nenhum podia, por uma questão de ética, se
envolver daquela forma em um caso. Mas ele não a questionou.
A conversa entre eles seguiu, enquanto eles verificavam os pontos do processo onde podiam
aproveitar para condenar, em primeira instância, o cara. Guilherme não estava confortável com
aquilo, mas a gana no olhar de Márcia o mostrava que tinha algo por trás, e ele queria descobrir o
que era.
Quando o segundo assunto foi abordado, Guilherme se remexeu desconfortavelmente.
Sabia que no assunto Montenegro, eles divergiam as opiniões, definitivamente. E voltar a falar
sobre o adiamento indeterminado de uma nova audiência o deixava exasperado.
— Eu já disse o que penso a respeito disso.
— Eu sei, doutor Goulart, mas esta é a questão. Eu realmente não estou mais certa sobre o
adiamento.
— E o que a fez mudar de ideia?
O que você disse sobre ele planejar melhor uma nova tentativa de fuga. — ela pensou, apesar de
que, jamais assumiria.
— Apenas pensei melhor. — ela se levantou — Aceita um café?
— Onde está sua secretária?
— Pediu para sair mais cedo. Ela tinha médico ou algo assim.
Enquanto ela colocava a cafeteira para trabalhar, os dois ficaram em silêncio. E quando finalmente
o café estava pronto, Márcia serviu duas xícaras, antes de se sentar novamente.
— Bom, claro que os advogados dele terão que ser avisados da nova audiência, mas eu quero que
eles sejam avisados no prazo limite.
— Assim, talvez, Montenegro não tenha tempo hábil para arquitetar nada.
— Exato. — ela tomou um gole do seu café — Pensa comigo, se ele estiver contactando pessoas
aqui fora para armar suas coisas…
— Ele está, com certeza.
— Sim. Então ele precisaria de um tempo bom para isso.
— Se a gente avisa aos advogados “em cima da hora”...
— O que quer que ele esteja planejando, não vai funcionar.
Eles pensaram e trabalharam juntos, completando um a frase do outro e depois de avaliar os prós e
contras de tudo a conversa se estendeu.
Quando finalmente terminaram, se levantaram e depois de Márcia apagar todas as luzes, saíram
juntos.
Bem a tempo de irem para academia.
Estavam dentro do elevador, quando Guilherme pensou no quanto seria estranho chegarem juntos à
academia, mas a verdade era que eles não chegariam realmente juntos. Apenas na mesma hora,
porque ele iria no carro dele e ela no dela.
Assim que a porta do elevador se fechou, foi como se o lado profissional deles tivesse ficado do
lado de fora e novamente aquela atração entre eles se fizesse presente, deixando o ar pesado.
Márcia afastou um passo para o lado, como se isso fosse ajudar, mas a verdade é que estar
trancada com Guilherme naquele espaço apertado fez com que, instantaneamente, sua respiração
acelerasse.
E para piorar, o silêncio entre eles só deixava tudo ainda mais estranho.
— Eu… — ela começou a falar, mas antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, o elevador
parou e as luzes se apagaram.
Capítulo Dezenove

Wagner parecia um menino, deitado em sua cama no quarto de hotel, enquanto conversava com
Camila. Eles estavam tentando armar uma situação para unir Guilherme e a irmã dela.
Em um primeiro momento, quando ele acreditou que Camila estava com algum interesse em
Guilherme, chegou a tratá-la rispidamente, mas quando ela finalmente disse tudo que se passava na
cabecinha dela, sentiu-se aliviado.
E para melhorar, o “plano” deles estava os unindo cada vez mais. Na noite anterior ele tinha ido
até o restaurante e eles conversaram por tanto tempo que ele teve que ajudá-la a fechar o
estabelecimento e depois dar carona a ela em sua moto. Quase podia sentir a pressão dos braços dela
em volta do corpo dele ainda.
Não se lembrava da última vez que se sentiu feliz, apenas por falar com uma mulher ao telefone,
mas Camila provocava isso nele. Fazia com que ele voltasse a se sentir como um adolescente. E por
mais ridículo que isso pudesse parecer, ele gostava.
Quando desligou o celular, prometendo aos risos, que deixaria Camila trabalhar, ele colocou os
braços atrás da cabeça e fitou o teto pensando nela. Nunca precisou de justificativa para se
aproximar de uma mulher, ou dar em cima dela. Sempre conseguiu o que queria, mas Camila
definitivamente não se enquadrava nisso. E se, o interesse em juntar seu primo com a juíza, fosse a
ponte para ele se aproximar dela, ele não se envergonharia em usá-la.

***

Márcia precisou respirar fundo algumas vezes. Seu corpo todo ficou tenso, alerta. Sua respiração
acelerou e ficou entrecortada. Ela fechou os olhos, apesar de já estar tudo escuro, e tentou se
controlar, mas, de repente, ela sentiu algo encostar no seu braço e empurrou quase que com violência.
— Calma! — Guilherme disse preocupado, quando sentiu as mãos dela o empurrarem tão forte,
que ele cambaleou para trás — Estou querendo chegar ao telefone para chamar a emergência.
— Que telefone? — ela disse com a voz perceptivelmente aflita.
Guilherme se aproximou novamente e ao tocar nela percebeu que o corpo dela tremia.
— O que você tem?
— Não encosta em mim.
— Está tudo bem, não sabia que você tinha pânico…
— Não estou em pânico.
Cada afirmação que ela fazia, parecia ser mais para si mesma, do que para ele.
Uma luz de emergência acendeu dentro do elevador, mas era tão fraca, que era quase
insignificante.
Guilherme ignorou-a e quando ele a abraçou Márcia tremeu ainda mais.
Por um instante, tudo que ela conseguiu pensar foi em aplicar os golpes de jiu-jitsu que sabia, e
derrubá-lo no chão, mas apesar de seu cérebro ordenar, seus membros não obedeceram. Tudo que ela
conseguia sentir era o cheiro do perfume dele.
Cheiro que ela já conhecia bem.
Guilherme, por sua vez, precisou respirar fundo, quando sentiu-a relaxar em seus braços e seu
corpo parando de estremecer. Ele não sabia o que estava acontecendo com ela. Márcia era uma
mulher durona, sempre no controle da situação, mas dessa vez se mostrou frágil e isso fez com que
ele quisesse protegê-la.
Ele apertou ainda mais os braços em volta dela e fechou os olhos sentindo o cheiro do seu
perfume, misturado com o shampoo que ela usava. Inebriante!
Sentiu ela ainda mais entregue a ele e então ele fez o que há dias imaginava-se fazendo. A beijou.
Foi um beijo suave, que pede permissão. Ele usou a língua para passar sobre seus lábios e depois
invadir sua boca, buscando pela língua dela, mantendo seu corpo junto ao dele e por um breve
instante, Márcia correspondeu ao beijo, mas antes que ele pudesse intensificar mais, ela o mordeu.
— Merda! — ele gritou quando sentiu o gosto do próprio sangue em sua boca, então a soltou e se
afastou — Eu não devia ter te beijado, mas você não precisava…
Antes que Guilherme pudesse terminar de falar, sentiu as mãos de Márcia empurrá-lo contra a
parede do elevador e foi a vez dela de usar sua língua para beijá-lo, ardentemente.
Ele grunhiu contra a boca de Márcia e apertou sua cintura puxando ela contra si, e quando ela abriu
os botões da camisa dele com um puxão fazendo alguns pularem longe, ele parou um instante para
observá-la. A visão deles já havia se adaptado à precária iluminação e ele conseguia ver sua
silhueta.
Márcia ignorou o olhar dele e eles voltaram a se beijar com intensidade, suas línguas travando
uma deliciosa batalha enquanto seus corpos se uniam.
Guilherme a empurrou contra a outra parede do elevador e Márcia cravou as unhas no abdômen
dele, antes de girá-los e mais uma vez fazer as costas dele baterem contra o elevador.
Ele segurou o cabelo dela pela nuca e intensificou o beijo antes de sentir novamente as unhas dela
arrastarem em sua pele, deixando o caminho por onde passaram dolorido.
Enquanto as mãos dele corriam por debaixo da blusa dela, Márcia soltou o cinto e abriu a calça de
Guilherme, colocando sua mão por dentro da cueca e envolvendo seus dedos na ereção dele, que
pulsou com seu toque.
— Caralho! — ele disse contra os lábios dela ao sentir sua mão macia e quente envolvendo seu
membro.
Ele segurou as mãos dela nas costas, mas Márcia usou um dos golpes da luta para jogar Guilherme
contra o chão.
Quando ele caiu de costas, xingou, mas logo ela montou sobre ele, levantando a saia até a altura
dos quadris.
Guilherme enrolou o dedo na calcinha fio dental que ela usava e rasgou-a. Ela deu um grito e o
beijou antes de puxar seu membro, libertando-o da calça e montar sobre ele.
— Puta que pariu! — ele xingou ao sentir como ela era apertada e estava completamente molhada.
Ele precisou respirar algumas vezes para não gozar como um adolescente descontrolado enquanto
ela cavalgava sobre ele. Guilherme segurou em seu pescoço e a puxou, beijando-a novamente, com
tanta intensidade que ela sentiu seus lábios incharem.
Márcia gemeu alto. O membro de Guilherme era tão grande que parecia rasgá-la, mas isso só a
deixou ainda mais excitada. E quando ele apertou a coxa dela, ela aumentou o ritmo, cavalgando
sobre ele ainda mais rápido, apoiando as mãos no peito dele enquanto sentia uma dor gostosa a cada
vez que o membro dele a preenchia por completo.
Ela jogou a cabeça para trás, montando nele e rebolando, mais rápido enquanto ele abriu sua blusa
e prendeu seus mamilos entre os dedos, fazendo os gemidos de Márcia aumentarem. Guilherme se
sentou e envolveu um dos braços na cintura dela, enquanto com a outra mão ele puxou seu cabelo,
trazendo sua boca contra a dele e a beijando com intensidade.
Guilherme soltou sua cintura, levou a mão até seu sexo e começou a acariciar seu clitóris, fazendo
Márcia gemer contra sua boca enquanto ela rebolava sobre ele e quando o corpo dela estremeceu,
seu sexo apertou o membro dele, ficando ainda mais apertada e fazendo com que ele se perdesse
totalmente dentro dela, gozando, sentindo seu membro pulsar enquanto se liberava.
Quando terminaram o corpo dos dois estava suado, dolorido e a respiração de ambos ofegante. O
sexo entre eles mais pareceu uma luta no tatame de Jerson. E apesar de serem adultos e terem se
entregado ao desejo que os rondava há dias, ficaram silenciosos enquanto se levantavam e
arrumavam suas roupas.
Guilherme pegou a calcinha dela e colocou no bolso da calça. Ele nunca havia feito isso, mas sem
se preocupar muito com o motivo, quis guardá-la.
Márcia havia terminado de abotoar o último botão da sua blusa quando ouviram uma voz.
— Aquela vadia não saiu do prédio, ela só pode estar presa no elevador.
Os dois se encararam e ele pôde ver no olhar de Márcia o mesmo pânico que ele próprio sentia.
Guilherme retirou o celular do outro bolso e usou a lanterna para iluminar o local. Márcia o
encarou e ele fez sinal para que ela ficasse em silêncio, mas não ouviram mais nada do lado de fora,
até que o som de um ferro batendo contra o outro fez Márcia se assustar.
Ele apontou o celular para o teto do elevador procurando o alçapão e quando achou, pediu a
Márcia para que segurasse o celular enquanto ele abria a coisa.
Tentou ser o mais silencioso possível e por sorte, ou não, o elevador estava parado no terceiro
andar. Depois de deixar o alçapão aberto, ele desceu novamente.
— Você primeiro. — ele disse, quase que com um sussurro.
— Ficou louco? Não vou sair por ali.
— Prefere ficar aqui e descobrir quem está procurando você?
— Prefiro. — ela ergueu o queixo e o enfrentou, deixando Guilherme exasperado e excitado, na
mesma proporção.
— Pelo menos uma vez na vida, faça o que eu estou falando. — ele segurou o braço dela e a puxou
para perto, fazendo seus rostos ficarem a centímetros — Não sabemos quem são ou o que querem.
Não estamos armados e estamos no escuro, todas as chances são contra nós. Agora quer, por favor…
— ele disse entre os dentes — subir nessa merda para que a gente possa sair daqui?
Ela ainda o encarou alguns instantes antes de revirar os olhos e entregar o celular a ele.
Guilherme tentou ajudar, mas ela simplesmente o encarou furiosa.
— Não preciso da sua ajuda.
Ela disse sussurrando, o encarando com os olhos semicerrados e subiu. Claro que encontrou
dificuldade e Guilherme, mesmo contra a vontade dela, a ajudou.
Depois que estavam, os dois, em pé sobre a caixa de aço, ele apontou na direção de uma estreita
escada que permitiu que eles chegassem à porta de saída do elevador, no andar superior ao que eles
estavam.

Alguns minutos depois, após serem totalmente cautelosos durante o caminho, os dois entravam no
carro de Guilherme e ele saiu. Preferiram deixar o carro de Márcia lá para que, quem quer que
estivesse atrás dela, achasse que ela ainda estava lá.
Guilherme saiu rapidamente e ligou para Gabriel. Depois do irmão lhe informar que mandaria uma
viatura ao prédio, ele seguiu dirigindo na direção do apartamento de Márcia e enquanto estava com
sua atenção ao volante, os dois permaneceram em silêncio. Não pelo perigo, mas porque cada um
estava absorto em seus próprios pensamentos com o que haviam feito.
Ele sempre viu em Márcia uma mulher atraente, entretanto ter algo com ela era algo que nunca
havia cogitado, até conhecer Camila e com isso, ver uma Márcia totalmente diferente do que ele
conhecia. E depois das aulas com Jerson então, essa atração por ela só aumentou. Mas o que ele
nunca poderia imaginar, era que ela fosse retribuir.
Por sua vez, Márcia estava ainda mais confusa. Em qualquer outra situação, com qualquer outra
pessoa, ficar trancafiada em uma caixa de aço no escuro, seria motivo de a pessoa, no mínimo, se
preocupar com a sua integridade física. Mas com Guilherme foi diferente.
No momento em que ele a tocou, a abraçou e o perfume dele invadiu o sistema dela mais uma vez,
ela sentiu-se segura. Mas isso não foi tudo. O pior foi quando ele a beijou e em vez de sentir vontade
de repeli-lo ela se sentiu ainda mais atraída por ele. Mais do que já estava, desde que andou tendo
alguns sonhos com ele.
— Você está bem? — ele perguntou a tirando de seus pensamentos.
A princípio ela pensou em ignorar, mas não o fez.
— Sim. — ela respondeu secamente e voltou sua atenção para fora da janela, mais uma vez se
perdendo em seus pensamentos, tentando entender o que estava acontecendo com ela.
Capítulo Vinte

Alguns minutos depois Guilherme estacionava diante do prédio de Márcia. O silêncio entre eles
durante todo caminho foi tão desconfortável, que ele ficou um pouco desconcertado. Ainda assim,
rapidamente deu a volta para abrir a porta do carro para ela, mas antes que pudesse alcançar a
maçaneta, ela abriu a porta e saiu.
— Boa noite. — Márcia disse simplesmente enquanto caminhava para o portão do prédio.
— Espera. — Guilherme pediu e a alcançou, deixando uma distância não muito grande entre eles.
Ela se virou e o encarou, por um instante ele achou que ela iria pular no pescoço dele e o beijar,
mas então ela apertou os olhos, séria, com aquela expressão fria e indiferente que ele conhecia bem.
— O quê? — ela deu um passo na direção dele e baixou mais o tom da voz — Não vamos
conversar sobre o que aconteceu, porque não devia ter acontecido e não vai voltar a acontecer. Não
significou nada e você não precisa ser um cavalheiro comigo, porque eu sinceramente não preciso
disso.
Enquanto falava, Guilherme começou a ficar irritado. Claro que ela estava certa, não devia ter
acontecido e não voltaria a acontecer, mas não era realmente esse o assunto que ele queria falar com
ela.
Não!
— Você é muito prepotente mesmo. — ele disse quando Márcia terminou — Por que você acha
que era sobre isso que eu queria falar? Por que você sequer imagina que eu queria repetir? Tudo que
eu queria saber era por que você estava estremecendo quando ficamos presos e por que me empurrou
daquela forma… Eu… eu só fiquei preocupado.
Por um instante o semblante de Márcia mudou e Guilherme conseguiu ver aquele mesmo olhar que
por diversas vezes ele a viu dispensar em Camila, mas depois de duas ou três piscadas rápidas,
novamente estava lá aquela fria e distante juíza.
— Obrigada, mas há muito tempo que eu sei me cuidar sozinha, então doutor, não precisa se
preocupar, obrigada pela carona e tenha uma boa noite.
Depois disso Márcia se virou e saiu, sem dar à Guilherme a chance de sequer responder.
Ele ficou lá, parado, observando enquanto ela se afastava.
Guilherme passou as mãos no cabelo, exasperado.
Mas que mulher dos infernos! — ele pensou.
Enquanto dirigia para casa, Guilherme ficou pensando no que havia acontecido. Apesar de tudo
que ele sabia sobre a juíza, ela nada mais era que uma mulher, como outra qualquer, que também
tinha seus momentos de fragilidade e, justamente ele, poder presenciar isso, deve tê-la deixado
desconfortável.
E o sexo depois?
Foi ainda mais estranho, no bom sentido. Intenso sim, bom para caralho, mas, ao mesmo tempo,
rápido. Guilherme não estava acostumado com isso. Ele gostava de se deleitar do corpo da parceira,
provar, sentir o perfume e saborear cada centímetro de pele, até que finalmente ele a levasse ao
ápice.
Mas no momento em que Márcia o mordeu, ele recuou se criticando por tê-la beijado em um
momento de fragilidade, apenas para ser praticamente atacado por ela.
E se isso não o tinha deixado duro como pedra, mudaria seu nome.
Mas ainda assim, mesmo não sendo o tipo de sexo que ele estava acostumado e gostava, ele
acabou se imaginando, tendo mais uma vez, sexo bom e bruto com Márcia.
Esquece isso, porra. — ele se repreendeu.
Aquele dia havia sido estranho.

***
Wagner estava do outro lado da rua apenas observando a mulher, que sequer havia se dado conta
que ele estava ali. Se tinha algo que ele era bom, era em se camuflar e havia aprendido bem.
Ela andava de um lado para outro, demonstrando toda sua impaciência.
Parecia não querer estar ali, ou que seu encontro era com alguém muito desagradável, mas quando
um carro parou e a janela se abriu, ela sorriu tão genuinamente que ele soube definitivamente que
estava errado.
O carro ficou parado alguns minutos e enquanto a mulher estava debruçada conversando com o
motorista, Wagner retirou seu celular do bolso e começou a fazer algumas anotações.
Hora, dia, marca do carro, modelo, a placa, apesar de ele ter absoluta certeza que era fria, ele
registrou todas as informações possíveis.
Enquanto fazia as anotações ele sorria.
As pessoas se equivocavam quando achavam que poderiam fazer algo sem que ninguém
descobrisse. Mais cedo ou mais tarde, elas cometiam um erro e aí, era nessa hora, que ele descobria
o que precisava.
Ou, pelo menos, começava a descobrir.
Quando o carro se afastou, Wagner percebeu que ela guardou um envelope na bolsa e achou que
era hora de agir.
Ele guardou seu celular e começou a caminhar na direção dela.
A princípio a mulher se assustou, mas quando ele sorriu tudo que ela pôde fazer, foi sorrir de
volta.
— Desculpa, não queria te assustar.
— Tudo bem, eu só estava distraída.
— Bem, eu sou novo e não conheço muito a cidade. Sabe como eu chego ao Museu de Arte
Contemporânea?
— Não está um pouco tarde para visitar o museu? — ela disse olhando o relógio.
— Na verdade eu só marquei com um amigo lá.
— Claro. — ela sorriu — Eu estou indo pegar o ônibus que passa lá perto, se quiser me
acompanhar.
— Será uma honra. — Wagner disse lançando seu melhor sorriso e mesmo com a fraca iluminação,
percebeu as bochechas dela enrubescerem.

***
Definitivamente essa história de treinar com Márcia estava sendo uma péssima ideia.
Não tinha notícias dela há dois dias. Eles não se falaram mais depois do elevador e Guilherme
tinha quase certeza que ela não apareceria na academia aquele dia, mas para sua surpresa e espanto,
quando chegou ao centro de treinamento, Márcia já estava lá sobre o tatame, se aquecendo enquanto
Jerson falava ao celular.
Depois de ir até o vestiário e colocar seu quimono, ele respirou profundamente e voltou para o
tatame.
Guilherme cumprimentou Jerson e Márcia com um aceno de cabeça e esperou até que o professor
começasse a aula do dia.
Como de costume o professor lutou com os dois, um de cada vez e depois colocou Márcia e
Guilherme para lutarem juntos e apesar de Jerson ser um excelente professor, naquele dia, parecia um
pouco distraído.
Guilherme e Márcia começaram a se rodear antes de investirem um contra o outro. Dessa vez o
promotor não estava tão condescendente e começou a levar a sério a luta. Claro que tomou essa
decisão depois de Márcia machucar seu braço, sem piedade. Jerson por sua vez, estava tão distraído
em seu celular que não a repreendeu por isso, então Guilherme tinha que se defender.
Quando ele a prendeu sob seu corpo e seus rostos ficaram tão perto que podiam sentir a respiração
um do outro, Guilherme ficou imediatamente duro e Márcia percebeu, pois a respiração dela
acelerou ainda mais e seu rosto corou. Ela se remexeu debaixo dele, roçando seu corpo na sua
ereção, parando de fazer força para tirá-lo de cima dela e Guilherme ao perceber aproximou ainda
mais seu rosto, mas antes que pudesse beijá-la, Jerson os interrompeu.
— Desculpem, aconteceu um imprevisto e eu preciso sair mais cedo. Se vocês puderem trancar a
sala, apagar tudo e deixar a chave na recepção, eu agradeço.
Imediatamente, eles se afastaram e enquanto Jerson falava, se levantaram e se distanciaram ainda
mais, mas o professor parecia totalmente alheio ao que faziam segundos antes.
Depois que o professor saiu apressado, Márcia sequer olhou na direção de Guilherme. Ela se
virou e diferentemente dos outros dias em que ela ia direto para a saída, foi na direção dos
vestiários.
Guilherme respirou fundo algumas vezes, tentando controlar o impulso de ir atrás dela, mas ainda
podia sentir seu membro ereto sob o quimono.
Foda-se. — ele resmungou e em vez de pegar o caminho para o vestiário masculino, seguiu atrás
dela.
Por um instante ele hesitou, com a mão sobre a maçaneta, mas quando o barulho do chuveiro
capturou sua atenção e ele imaginou o corpo dela molhado e escorregadio, seu membro latejou.
Ele entrou no banheiro e depois de se certificar que eram os únicos lá dentro, trancou a porta antes
de retirar seu quimono e quando ele empurrou a porta do box Márcia o encarou com aquele olhar
furioso.
— Que diabos voc…
Antes que ela pudesse terminar de falar, Guilherme pressionou o corpo dela contra a parede e a
beijou. Ela o mordeu, mas ele já estava esperando por isso, então a mordeu de volta fazendo com que
ela gritasse contra sua boca.
Márcia desceu a mão até o membro dele, envolveu-o nos dedos e apertou mais que o necessário.
Guilherme afastou sua boca um pouco e a encarou, mas quando ela começou a masturbá-lo ele sorriu
malicioso e voltou a beijá-la. Mas ela o empurrou fazendo o corpo dele se chocar contra a parede e
depois colocou o pé atrás dos dele e puxou, fazendo Guilherme cair sentado no chão.
Ele a encarou furioso e já ia xingar quando ela colocou as pernas ao lado do corpo dele e abaixou
segurando o membro dele, o direcionando para dentro dela.
Ele urrou ao senti-la tão apertada e já pronta para ele.
Puta que pariu, ele nunca ia se cansar da sensação de sentir seu membro sendo engolido pelo sexo
dela. Ela era tão apertada!
Márcia começou a cavalgar arranhando os ombros dele, enquanto Guilherme segurava seu cabelo e
puxava, fazendo o corpo dela arquear enquanto ele abocanhava e provava seus mamilos
intumescidos. Seus seios de tamanho perfeito estavam empinados enquanto ela rebolava e cavalgava
sobre ele.
Rápido.
Intenso.
Gostoso.
Os gemidos de Márcia ecoavam por todo vestiário, enquanto Guilherme desceu a mão pela sua
barriga e começou a acariciar seu clitóris. Ele pressionou e rodeou fazendo o corpo dela esquentar
com o toque e voltou a sugar seus mamilos, com a palma da mão apoiada nas costas dela, mantendo-a
no lugar enquanto ela subia e descia sobre sua ereção.
Quando ele segurou sua nuca e a beijou, Márcia gemeu e seu corpo estremeceu sentindo seu sexo
se contrair, apertando a ereção dele, enquanto ela gozava gemendo ainda mais alto.
Sentir o sexo dela se contrair em volta dele, era sua perdição. Guilherme gozou sentindo suas
pernas estremecerem enquanto se liberava.
Depois que gozaram, Márcia deitou a cabeça sobre o ombro de Guilherme respirando fundo
algumas vezes. Ele a abraçou, mas quando Márcia sentiu os braços dele, de forma carinhosa, em
torno de seu corpo ela levantou abruptamente, sem dizer nada.
Guilherme ficou observando sem entender e quando finalmente saiu do box, ela já havia vestido
sua saia e blusa, mas mal havia se secado.
— Você não precisa sair correndo.
— Não temos nada para conversar.
— Márcia...
— Até mais, doutor.
Ela recolheu suas coisas rapidamente e saiu, deixando Guilherme extremamente irritado.
Capítulo Vinte e Um

Márcia não podia acreditar que tinha deixado aquilo acontecer novamente. Mas que diabos! Ela já
havia reparado em Guilherme. Conhecê-lo mais de perto, a fez ver o quanto ele também era um
homem bom. Coisa rara. Mas com a luta e todos os sonhos tudo ficou mais intenso e depois que o
conheceu intimamente, passou a ter sonhos eróticos tão intensos quanto o sexo, a ponto de ela acordar
e precisar se aliviar sozinha.
Que merda!
Ter o corpo dele, sobre o dela na luta já era difícil, agora sentir que ele tinha ficado duro, por
causa dela, só com um simples contato, fez com que ela também o desejasse… mais uma vez.
E ela deu graças aos céus quando Jerson os interrompeu, ou ela teria montado sobre ele ali no
tatame mesmo.
Então depois que o professor os deixou, decidiu ir tomar um banho frio para ver se conseguia tirar
aquele calor que ainda queimava em seu corpo, só que quando ela o viu, nu diante dela e totalmente
duro, tudo que ela pensou em fazer foi estar sobre ele novamente. E ela fez. Sem pensar duas vezes.
Márcia sorriu.
Guilherme era tão grande, tão intenso que conseguia fazê-la gozar rapidamente. E ela adorava isso.
O problema era que quando terminavam, ela não conseguia encará-lo. Não sabia por quê. Era
apenas sexo! Mas nada em relação à Guilherme e ela era normal, então ela simplesmente fugia.
Sim, fugia como uma covarde que ela nunca foi.
Mas em relação à Guilherme, ela descobriu que era.
Depois que entrou em casa, Márcia se serviu de uma taça de vinho branco e foi até a sacada
observar a noite, enquanto tomava sua bebida.
Não conseguia parar de pensar em Guilherme.
O que está acontecendo com você, Márcia? — ela se perguntou enquanto tomava outro gole de
vinho.
E foi então que ela tomou uma decisão. Tirou seu celular do bolso e ligou para Camila.
— Ca, me indica alguma casa noturna, boate, qualquer coisa que eu possa ir sem que alguém me
reconheça. Mas que seja boa.
— Você quer ir a uma balada?
— Que seja, você me entendeu.
— Espera. Quem é você e o que fez com a minha mana?
— Sem bobeira, Camila. Ou você me indica uma ou vou procurar sozinha.
— Calma, não precisa ficar estressada. Quando você quer ir?
— Hoje, mais tardar amanhã.
— Amanhã, por favor. — Márcia soube que a irmã sorria só pelo tom dela — Assim eu me
programo para fechar o restaurante mais cedo e vou com você.
— Você, ir comigo?
— Por quê? Algum problema?
— Não, problema nenhum. — na verdade ela não queria que sua irmã a visse com um cara, mas
mudou logo esse pensamento. Camila era adulta e ela não tinha nada a esconder dela — Tudo bem,
vamos amanhã então.
— Eba! — Camila dava gritinhos e sorria — Vamos arrasar. Vou te levar na melhor casa
noturna de Curitiba, e é muito VIP. Você vai adorar.
— Ótimo... Boa noite, Ca.
Márcia mandou um beijo para irmã e desligou.
Ela não se importava em que casa noturna fosse, ela só queria arrumar um cara gostoso para
transar e tirar Guilherme definitivamente da sua cabeça. Se Cléber estivesse na cidade seria tão mais
fácil...
Tinha certeza que só estava pensando no promotor e impressionada porque havia muito tempo que
não transava com ninguém. Mas na noite seguinte, ela resolveria isso e apagaria Guilherme de uma
vez por todas do seu sistema.

***
A campainha de Guilherme tocou e ele estranhou, pois ninguém havia sido anunciado pelo
porteiro.
Só podia ser Gabriel!
Ele era o único que tinha acesso irrestrito ao prédio e subia sem ser anunciado. O que ele não
entendia era o que o irmão estava fazendo em seu apartamento, em pleno sábado.
Quando Guilherme abriu a porta, não se preocupou em verificar pelo olho mágico, quem era.
— O que você faz aqui, pleno sáb…
Mas antes que ele pudesse terminar a frase, parou. Não era Gabriel parado diante da porta dele.
Era seu primo e pela roupa que ele usava, parecia estar indo a um casamento ou festa de debutante.
— Como você subiu sem ser avisado?
— Acha mesmo que eu seria tão bom no que faço se precisasse de permissão para entrar nos
lugares? — Wagner sorriu e empurrou a porta entrando antes mesmo que Guilherme tivesse a chance
de convidá-lo — O que está fazendo?
— Estou assistindo TV e lendo alguns documentos…
— Porra é sábado à noite. — Wagner disse animado — Vá se trocar que vou te levar a um lugar
maneiríssimo.
— Igual ao último? — Guilherme arqueou as sobrancelhas.
— Relaxa, cara. Não vamos a trabalho. Vamos nos divertir.
— Acho que prefiro ficar em casa e…
— Porra cara, deixe de ser maricas e vamos logo.
Guilherme o encarou sério, visivelmente irritado e Wagner soube que esse não era o caminho para
convencê-lo. Mas ele tinha uma missão e não deixaria de cumpri-la.
— Cara é sério! Sábado. Vamos sair, nos divertir um pouco. Prometo que não vou te colocar em
furada.
Guilherme apenas o observou um tempo. A bem da verdade ele não prestava atenção nos
documentos, muito menos na TV. Tudo que ele conseguia fazer era pensar em Márcia e em como ela
estava mexendo com ele.
— Certo! — Guilherme concordou. Era a oportunidade de tirar Márcia da cabeça. Quem sabe
conhecer alguém que combinasse mais com ele.

Alguns minutos depois eles chegavam em uma boate, a mais badalada e cara da cidade. Aquela
que precisava de uma alta recomendação para conseguir entrar.
— Como conseguiu colocar o nome na lista deste lugar? — Guilherme questionou.
— É tudo uma questão de conhecer a pessoa certa, primo. — Wagner sorriu e se aproximou do
segurança.
Depois de dar o nome dele e de Guilherme, o homem falou em seu rádio e poucos minutos depois,
autorizou a entrada deles.
A boate era enorme, escura e somente as luzes da pista de dança iluminavam o local. O bar ficava
ao fundo e luz neon iluminava a parte de baixo do balcão, de uma ponta a outra.
O lugar já estava cheio e todos estavam muito bem arrumados. Se não fosse a música pulsante e a
iluminação poderia dizer que seria realizado um casamento ali.
Enquanto caminhavam até o bar, a música Payphone do Maroon Five tocava em um compasso
pulsante, fazendo o corpo se impulsionar no mesmo ritmo. E apesar de o local estar cheio e ser
badalado, eles conseguiram encostar no balcão e pedir suas bebidas.
— Lugar legal, não é? — Wagner perguntou e Guilherme concordou enquanto tomava seu chopp de
vinho.
— Parece que sim. — ele respondeu ainda observando o lugar.
Eles tomaram mais algumas bebidas enquanto o DJ mesclava as músicas, uma melhor que a outra,
na opinião de Guilherme. Entretanto ele começava a ficar um pouco impaciente já que seu primo não
tirava os olhos do celular.
— Cara, larga essa porcaria.
— Foi mal. — Wagner respondeu colocando o celular no bolso e enquanto terminava seu Dry
Martine, não conseguiu esconder um sorriso. — Venha, vamos dar uma volta.
— Pode ir, te espero aqui.
— Porra cara, vamos dar uma volta…
Mas antes que Wagner pudesse terminar de falar, Guilherme as avistou.
Camila e Márcia!
A princípio achou que a bebida estava fazendo efeito e seus olhos estivessem enganando-o. Mas
ele reconheceria aquelas curvas em qualquer lugar. Podia ver o corpo de Márcia torneado por um
vestido curto e preto, enquanto ela se mexia no ritmo da música e sentiu instantaneamente seu
membro corresponder.
Guilherme xingou-se mentalmente, mas pior mesmo foi o sentimento que veio depois, quando ele
viu uma mão grande e masculina envolver a cintura de Márcia. Ele tomou um grande gole da sua
bebida enquanto observava, esperando ela empurrar o cara, dar um tapa na cara do homem, ou chutar
suas bolas, mas ela não fez. Pelo contrário. Apoiou suas mãos nos braços do homem e sorriu. Um
sorriso frio, que não alcançou os olhos, mas o idiota sequer percebeu. Não a conhecia como ele.
Você também não a conhece tão bem assim. — pensou, enquanto sentia algo ruim corroendo seu
peito. Um sentimento que ele conhecia bem, pois conviveu com ele bastante tempo.
Ciúme.
Guilherme podia sentir cada célula do seu corpo estremecer com a vontade iminente de socar a
cara do desgraçado que estava colocando as mãos, a boca, os olhos sobre Márcia.
Não que ele tivesse algum direito sobre ela, mas naquele instante isso era a menor das suas
preocupações. Não. Ele só queria ir até lá e fazer o imbecil tirar suas mãos de cima dela.
E quando o homem beijou Márcia, Guilherme tornou-se irracional e foi, caminhando a passos
duros e rápidos, até onde ela estava. Quando chegou perto o suficiente ele a puxou, fazendo as mãos
do cara escorregarem e ela se virar para xingá-lo, mas quando Márcia deu de cara com Guilherme,
com os olhos furiosos, ela apenas o encarou.
— Tire suas mãos dela ou eu quebro cada dedo seu. — ele grunhiu para o outro cara que olhava
atônito sem entender nada.
Antes que o homem pudesse responder, Guilherme puxou Márcia com tanta força que ela não
conseguiu evitar, e mesmo quando ela conseguiu equilíbrio para mostrar a ele que não queria ser
levada, o olhar que ele lançou a ela a fez andar novamente e o acompanhar.
Ele a arrastou até o banheiro e depois de se certificar que não havia ninguém mais lá dentro além
deles, trancou a porta.
— Você ficou louco? — ela perguntou irritada.
Ele a encarou firme, foi na direção dela e quando se aproximou, segurou-a pela nuca.
— Fiquei, no momento em que vi aquele imbecil com as mãos sobre você.
Márcia arregalou os olhos e antes que pudesse esbravejar ele a beijou. Um beijo duro, possessivo,
sua língua explorando sua boca enquanto ele a suspendeu pelas coxas e a colocou sentada sobre a
bancada da pia.
Como todas as vezes que eles estiveram juntos, Márcia o mordeu, mas ele se afastou apenas para
encará-la. O que ele viu no olhar dela foi o suficiente para continuar.
Guilherme ergueu o vestido dela e a beijou novamente enquanto afastava sua calcinha para o lado
e a penetrava com o dedo. Márcia gemeu contra sua boca e ele colocou mais um dedo dentro dela,
sentindo-a ficar ainda mais molhada.
— Você está sempre tão pronta pra mim. — ele disse contra os lábios dela e intensificou o beijo.
As mãos de Márcia correram pelos músculos de Guilherme, por cima da camisa até que ela a
levantou e começou a arranhar sua pele, com a mesma intensidade que ele movia seus dedos dentro
dela.
Os gemidos dela foram ficando cada vez mais altos e quando ela desceu a mão e desabotoou a
calça dele, pouco antes de libertar sua ereção, ele a puxou pela bunda e a penetrou.
Márcia gritou contra seus lábios mas ele não afastou e continuou a beijá-la, enquanto movia o
quadril entrando e saindo do seu sexo molhado.
A cada estocada Guilherme sentia como se quisesse mostrar a ela que pertencia a ele, mas, no
fundo, ele sabia que isso não era a realidade. Entretanto isso não o parou. E ele continuou, bombeou
ainda mais forte dentro dela, mais possessivo, enquanto os gemidos dela ecoavam pelo banheiro.
Ele continuou a tomando, mostrando o quanto a desejava e o quanto havia ficado irritado em vê-la
com outro homem. A cada estocada, firme, ele sentia ela se entregar, e sabia que ela estava gostando
daquilo tanto quanto ele.
Guilherme a tomava rápido, afinal, logo alguém bateria na porta para atrapalhá-los, então ele
intensificou as estocadas e quando o sexo dela se contraiu, foi a perdição de Guilherme. Ele grunhiu
enquanto a preenchia com seu próprio orgasmo.
Depois que gozaram ele começou a diminuir as estocadas, movendo-se lentamente até que parou e
se retirou dela.
Primeiro ele ajudou Márcia a descer e ajeitar a roupa, antes de se olhar no espelho e perceber o
quanto ele havia agido feito um babaca.
Arrastando ela daquela maneira, trancando ela no banheiro.
— Márcia, eu…
O olhar frio que ela lançou a ele, demonstrou que, apesar de ter se entregado a ele sexualmente,
não gostou nem um pouco da sua atitude.
— Me desculpe.
— Que diabos você acha que somos? Eu fico com quem eu quiser, transo com quem eu quiser e as
vezes que fizemos sexo não lhe dão o direito de me arrastar desse jeito.
Ela tinha razão, e Guilherme não discutiu. Não tinha argumentos.
— Se eu quiser, — ela continuou — saio agora e transo com o primeiro que aparecer.
Guilherme estava calmo até então, mas foi só ela mencionar que transaria com outro cara, para o
ciúme corroê-lo novamente, mas dessa vez ele apenas a encarou furioso.
Que diabos estava acontecendo com ele? — se perguntou.
— Você não é esse tipo de mulher. — ele disse, mas ela sorriu debochadamente.
— Como sabe? Você não me conhece, não sabe que tipo de mulher eu sou.
Márcia se virou e destrancou a porta saindo rapidamente, com Guilherme ao seu encalço.
A princípio ele se preocupou que ela fosse mesmo fazer o que tinha falado, e que se foda seu jeito
tranquilo e controlado, ele iria arrastá-la novamente se ela se jogasse nos braços de outro homem,
mas ela não o fez. Caminhou e quando avistou a irmã, caminhou na direção dela.
Camila estava dançando com Wagner, enquanto ele a beijava, mas antes que os dois pudessem se
aproximar, eles se separaram.
— Eu quero ir embora. — Márcia disse a sua irmã, que a olhou interrogativamente.
— Eu também. — Guilherme falou atrás dela, enquanto Wagner e Camila se entreolharam e depois
olharam para os dois sem entender nada.
— Tudo bem. — Wagner disse — Levamos vocês.
— Vamos de táxi. — Márcia rebateu, mas Camila retrucou.
— Não tem nada de mais pegarmos carona com eles.
— E eu não vou permitir que vocês saiam daqui, essa hora, para ficar dependendo de táxi. —
Wagner completou e Márcia, apesar de contrariada, viu que a batalha estava ganha.
E também ela não estava com vontade de discutir, porque no momento ela só conseguia pensar no
contato de Guilherme em sua pele, e em como seu corpo se entregou a ele no momento em que ele a
tocou. Na verdade, no momento em que ele a encarou sério depois de puxá-la dos braços do cara que
ela estava dançando.
Guilherme também não se pronunciou. Estava confuso demais, não estava se reconhecendo. Nunca
havia agido daquela maneira. Tão bruto, tão cru. Tão idiota! Mas no momento em que ele viu as mãos
do cara sobre Márcia ele sentiu uma fúria desconhecida tomar conta dele.
Ciúmes?
Ele já estava acostumado, afinal sempre sentia isso ao ver Monique com seu irmão, mas nunca
havia sido tomado por uma fúria tão intensa. Muito menos essa necessidade de estar com ela
novamente, como se quisesse provar para ela e para si mesmo que ela era dele, quando na verdade,
não era.
Enquanto caminhavam até o carro de Guilherme, os dois permaneceram em silêncio, mas Wagner e
Camila mantinham uma conversa animada, o que deixava o ar um pouco menos carregado.
Quando entraram no carro, Wagner fez questão de ir atrás com Camila o que obrigou Márcia a
sentar-se na frente, ao lado de Guilherme.
Enquanto ele dirigia e os acordes de Born to be My Baby do Bon Jovi saíam pelos alto-falantes,
ele só conseguia pensar em uma maneira de se desculpar com ela por ter agido feito um imbecil.
Guilherme mal conseguia prestar atenção na música ou na conversa entre Camila e Wagner.
Márcia por sua vez mantinha seus pensamentos naquela noite. Como ela, que havia decidido sair
para tirar Guilherme dos seus pensamentos, havia terminado justamente nos braços dele, agora com
seu cheiro e seu toque ainda mais gravados nela.
Os dois estavam perdidos em seus pensamentos, quando o grito de Camila os tirou do transe. Foi
apenas uma fração de segundos até a pickup se chocar contra a lateral do carro de Guilherme,
acertando em cheio o lado do carona.
O veículo atingiu seu carro de forma tão violenta que o carro capotou diversas vezes, antes de
parar de cabeça para baixo e Guilherme observar Márcia, desmaiada e com a cabeça ensanguentada,
até que a escuridão o levasse também.
Capítulo Vinte e Dois

Montenegro atendeu de forma impaciente seu celular, mas não pôde evitar um sorriso quando a
pessoa do outro lado começou a falar.
— Como assim dois coelhos com uma cajadada só? — ele perguntou sem tentar esconder seu
contentamento. E enquanto a pessoa do outro lado da linha explicava, ele sorriu ainda mais.
— Pela primeira vez você fez algo que preste, apesar de ter tido sorte. Parece que o acaso está do
seu lado. Agora preciso falar com meu advogado. Avise àquele imbecil para vir aqui… Tudo bem…
Claro que levariam para o hospital… Vá até lá e certifique-se que o trabalho foi bem feito.
Ele desligou e chamou o guarda e quando este se aproximou, ele sorriu.
— Peça a cozinheira para fazer um almoço especial amanhã, quero comemorar.
— Sim, senhor.
— E me arrume uma garrafa de champanhe.
— Claro, senhor.
O guarda se retirou e Montenegro continuou sentado, apenas sorrindo da própria sorte.
Quando ele soube que a juíza queria ir à sua boate, providenciou para que a entrada dela fosse
prontamente autorizada. E claro que depois, ficar sabendo a hora que ela sairia e providenciar um
acidente, foi ainda mais fácil. Ele só não esperava, com isso, pegar o promotor também.
Se tudo corresse como o planejado, um Goulart já tinha ido, só faltava o outro.
***
A cabeça de Wagner doía e tirando um corte na testa e algumas dores no corpo ele não podia
reclamar realmente. Havia saído do acidente sem maiores problemas. Já não podia dizer o mesmo de
Márcia e Guilherme.
Por sorte, Camila estava como ele, pouco machucada, e quando ele procurou saber, a enfermeira
lhe informou que ela estava ao lado da irmã e que apesar de necessitar de cuidados também, foi
categórica ao dizer que não arredaria o pé do lado do leito de Márcia.
Wagner sorriu.
Claro que Camila não sairia. Ele a conhecia bem o suficiente para saber que tipo de relação ela e
a irmã tinham e que sim, não importava o restaurante ou o tempo que fosse, a doce chef ficaria com
ela.
Uma saudade grande apertou em seu peito.
Ele não tinha mais ninguém assim. Ele e sua mãe eram muito amigos, ela sempre cuidou muito bem
dele, mas quando cresceu e herdou o dinheiro do seu idiota e imbecil pai, resolveu criar asas.
Ficava meses sem ver sua mãe e isso acabou afastando eles.
Mas claro que ele se arrependeu. Quando sua mãe veio a falecer ele não estava ao lado dela, e
jamais se perdoaria por isso.
Antes que ele pudesse se deixar levar por tais pensamentos a porta do quarto abriu e Laura entrou.
Ela estava com uma roupa mais simples do que as que costumava vestir e usava óculos escuros.
— Você está bem? — ela perguntou correndo até ele e o abraçando.
— Estou ótimo. — ele não pôde evitar sorrir. — Como soube que eu estava aqui?
— Sou uma repórter, lembra? Tenho meus informantes. — ela sentou-se ao lado dele na cama e
ergueu os óculos sobre a cabeça — O que houve?
— Apenas um acidente.
— Estão falando nos jornais. Acham que pode não ter sido um “acidente”.
— Sempre fazem especulações. — Wagner se recostou na cama e cruzou os braços diante do corpo
— Para saber mesmo se foi ou não, teriam que fazer investigação e…
Mas antes que ele terminasse de falar, Gabriel irrompeu pela porta.
— Já estou cuidando disso.
— E o que descobriu?
— Por enquanto? — ele encarou o primo e ignorou totalmente Laura — Nada, mas não se
preocupe. Se tiver caroço nesse angu, eu descubro.
— Oi Gabriel.
— Nos dê licença. — ele disse rispidamente, sem sequer olhar na direção dela.
— Grosso! — ela disse e se levantou — Quando o troglodita sair, eu volto Wagner.
Os dois ficaram em silêncio até que a porta se fechou.
— Não precisava ser grosso. — Wagner disse, mas apesar da advertência, demonstrou
indiferença.
— Vocês estão juntos? — Gabriel perguntou sem rodeios.
— Um lance. — ele disse, dando de ombros, mais uma vez sem demonstrar muita coisa —
Ciúmes? — ele provocou.
— Não seja ridículo, essa fase ficou em um passado longínquo. Só acho estranho ela estar sempre
rodeando um de nós.
— Estranho? — Wagner sorriu de forma debochada — Qual é, primo? Nós somos os Goulart, não
há um homem no Paraná melhor que nós. O casamento te castrou mesmo.
Gabriel ficou o encarando, mas não respondeu à provocação até que começou a falar, mudando
totalmente de assunto e focando no que realmente interessava.
— Me conte tudo sobre o que houve.
— Bom, Camila me ligou alguns dias antes e fez um interrogatório sobre Guilherme. Cismou que
ele e a irmã devem ficar juntos.
— A juíza? — Gabriel perguntou incrédulo e quando Wagner confirmou ele deu uma risada rouca
— Isso seria divertido de se ver.
— Foi o que eu disse, mas Camila é tão teimosa. — ele sorriu ao lembrar-se dela — Bem,
combinamos de marcar algo onde os dois se encontrariam “casualmente” e na sexta-feira ela me
ligou, dizendo que iríamos a uma boate, que eu desse um jeito de arrastar Guilherme e foi o que eu
fiz.
— E a noite estava tranquila? Nada de estranho?
— Tirando o ataque de ciúme de Guilherme e ele avançando contra um homem que dançava com
Márcia? — ele disse, como se fosse a notícia do ano — Nada de estranho.
— Guilherme avançou contra alguém?
— Você precisava ver...
Wagner começou a contar e enquanto prestava atenção, Gabriel ficou pensativo. A única vez que
ele via seu irmão perder um pouco do controle, era quando estava diante dos tribunais, mesmo assim
era raríssimo de se ver. Guilherme era o tipo de cara que tinha um temperamento calmo e mesmo
quando estava irritado fazia de tudo para não transpassar. E aquilo que Wagner estava falando, era
realmente um “acontecimento”.
— E mais alguém sabia que vocês iam lá? Você falou para alguém?
— Não conheço ninguém na cidade além de vocês.
— Laura!
Wagner ergueu a sobrancelha.
— Estamos tendo um lance, eu não diria a ela: Olha, fique me esperando que eu vou ali me
encontrar com outra mulher.
Gabriel o encarou durante alguns minutos e depois assentiu.
— Tudo bem, vou ver Guilherme agora.
— Como ele está?
— Desacordado ainda. — ele respirou profundamente antes de se virar e sair.

Alguns minutos depois que Gabriel saiu, Laura voltou. Ela estava ao telefone quando entrou no
quarto.
— Já estou fazendo isso... Claro... Até mais. — ela desligou e foi até ele novamente — Que susto
você deve ter levado.
— Sim, mas veja só, ainda estou aqui, para a felicidade da mulherada.
Laura sorriu e deu um tapa em seu braço.
— Não tem vergonha de falar isso assim, na minha cara?
— Ciúmes?
— Nunca!
Ele sorriu e segurou ela pela nuca antes de puxá-la até ele e beijá-la intensamente. Quando eles se
afastaram, ele a encarou.
— Eu quero te falar uma coisa.
— Diz. — ela respondeu sorrindo e diante do semblante sério dele, o sorriso sumiu de seu rosto.
— Tenho uma proposta para te fazer...

***

Camila não podia se conformar em ver sua irmã daquele jeito. Ela era a única família que tinha e
perdê-la estava fora de questão.
Márcia sempre foi tudo em sua vida. Sua irmã, seu porto seguro, sua protetora. Agora estava ali,
deitada naquela cama de hospital, sedada, praticamente inconsciente, enquanto seu corpo todo
machucado se recuperava.
Ela sabia o quanto a irmã era forte, ainda assim, vê-la naquele estado era... doloroso.
E não importava o quanto as enfermeiras dissessem que não havia necessidade de ela ficar ali no
quarto, ao lado da irmã, nada a faria deixar Márcia sozinha.
Camila ficou velando Márcia alguns minutos até que resolveu ir ver como estava Wagner, já que
estava ciente do estado de Guilherme, pois o investigador, irmão dele, havia saído há poucos minutos
do quarto e depois de enchê-la de perguntas, ele informou que o estado do irmão, não estava muito
melhor que o de Márcia.
Enquanto caminhava na direção do quarto de Wagner, viu uma mulher saindo de lá. Estranhou, pois
eles estavam ali há pouco tempo, entretanto continuou e antes de entrar bateu à porta.
Sabia que ele, assim como ela, havia tido sorte e não tinha se machucado muito.
— Oi. — ela disse quando entrou.
Wagner estava pensativo e quando viu Camila, por alguns segundos seu olhar se iluminou, mas
logo depois ele respirou profundamente.
— Oi. — ele respondeu.
— Como você está?
— Bem.
As respostas dele, eram curtas, secas. O tom que ele usava com Camila era distante e Wagner
nunca a encarava.
Um silêncio estranho estacionou sobre eles e ela não o reconheceu.
Nem de longe ele parecia aquele Wagner divertido, galanteador e muitas vezes inconvenientemente
brincalhão que ele sempre foi.
— Você não parece bem.
— Mas estou.
— Minha irmã, ela está sedada, muito machucada, assim como Guilherme.
— Gabriel me disse.
Camila abraçou o próprio corpo e o encarou, mas mais uma vez Wagner não retribuiu o olhar.
— É melhor você ir. — ele disse virando totalmente para a janela.
— O que aconteceu com você?
— Nada, eu já disse que estou bem.
Camila abriu a boca para falar, mas desistiu. Não havia motivo para ela ficar ali. Realmente era
melhor ela sair.
— Adeus Wagner. — sem saber exatamente o porquê, sabia que aquilo era uma despedida.
Por um instante ela se lembrou de como eles haviam se aproximado por causa do plano dela de
unir sua irmã e Guilherme. Ela conheceu um lado dele que a encantou e quando ele a beijou na boate,
ela sentiu-se como se borboletas voassem em sua barriga, mas agora estava arrependida de ter
permitido se sentir assim em relação a ele.
Wagner não respondeu, continuou fitando o teto e quando ela saiu, ele apertou os punhos e respirou
profundamente. Odiava ter que fazer aquilo, mas era para o bem dela.

***

Três dias depois, Guilherme abriu os olhos. Demorou alguns segundos para perceber onde estava e
então lembrar do acidente. Se levantou abruptamente, sem se importar com a dor que assolou todos
os ossos do seu corpo. “Márcia”! Foi o primeiro som que saiu de sua boca antes de se dar conta de
quem estava ao seu lado.
— Calma. — ele sentiu o toque da mão dela e sua voz suave, antes de finalmente a encarar.
— Monique? — ele franziu a testa — O que você está fazendo aqui?
— Ela está comigo. — Gabriel entrou bem na hora e caminhou rápido até o irmão, olhando-o de
cima a baixo — Como se sente?
— Ótimo. — ele disse, sem realmente se preocupar em como se sentia — Márcia? Wagner e
Camila?
— Wagner e Camila estão bem.
Ouvir aquilo fez um misto de pavor e alívio se misturarem dentro de Guilherme, uma vez que seu
irmão havia ocultado o nome de Márcia era sinal que algo estava errado.
— A juíza?
— Ela está desacordada.
— Como assim desacordada? — Guilherme não conseguiu conter a angústia na voz.
— Eles a sedaram. A juíza estava com muita dor e muitos ferimentos, assim eles acham que ela
tem mais chance de recuperação.
— Eu preciso vê-la.
Guilherme assumiu sem pensar muito e ao se ouvir dizer aquilo, ficou tenso. Claro que era normal
que ele se preocupasse com ela, mas não da forma como estava realmente se sentindo.
— Você precisa se deitar novamente e esperar até que uma médica venha avaliar você.
— Estou ótimo.
— Ótimo? — Gabriel esbravejou — Você esteve apagado por três dias.
— Três dias?!
— Sim, três longos dias. — Monique afirmou e só então ele se lembrou que ela estava ali.
— Exatamente, então volte com essa porra dessa bunda para a cama antes que eu faça isso à força.
— Gabriel disse rispidamente — Vou chamar um médico e já volto.
Enquanto Gabriel saía, Guilherme se jogou na cama novamente.
Três dias? — ele pensou fechando os olhos e imaginando se realmente Márcia estava bem.
Capítulo Vinte e Três

Guilherme aguardou, o que pareceu uma eternidade, até todos os check-ups e exames terminarem e
quando o médico disse que ele aparentava estar bem, mas que deveria ficar mais 48 horas, pelo
menos, no hospital em observação, ele esbravejou. Sentia-se bem, não precisava ficar ali, e apesar
do olhar crítico de Gabriel, ele não era mais uma criança. Podia tomar suas próprias decisões e a
cara feia do irmão nunca o incomodou, não era agora que iria começar.
Depois que o médico saiu, Gabriel o seguiu para conversar com ele e Guilherme se viu novamente
sozinho com Monique.
— Você se sente bem mesmo? — ela perguntou e ele a encarou alguns segundos antes de
responder.
— Sim, de verdade. — ele sorriu e ela retribuiu o sorriso.
Monique era como ele se lembrava. Linda, com o mesmo olhar puro e encantador de menina. Mas
só então ele se deu conta, que aquele aperto no peito que ele sentia cada vez que a via, cada vez que
lembrava que ela agora, era esposa de seu irmão, havia magicamente desaparecido.
O carinho, não. Isso seria para sempre. Afinal ele queria muito bem a ela, mas a dor passou e foi
então que ele se deu conta da verdade...
— Eu preciso me levantar. — ele disse, e Monique caminhou até ele.
— Aonde você vai? — ela segurou em seu braço enquanto ele colocava os pés no chão e buscava
equilíbrio — Você não pode sair, o médico não deu alta.
— Não vou embora... só preciso...
Ele a encarou antes de responder. Eles eram amigos, acima de tudo e há tanto tempo, que
Guilherme se sentiu à vontade para falar com ela.
— Preciso ver Márcia. Ter certeza que ela está bem.
Monique o encarou por um instante e logo depois sorriu. O brilho que ela viu nos olhos de
Guilherme, conhecia bem. O viu, durante muito tempo e estava feliz por ele estar novamente
apaixonado.
— Você está apaixonado.
— Não fale besteira, Monique. — ele ficou sério e a encarou — Eu só me preocupo com ela...
com o estado dela, além do mais, estávamos todos no meu carro.
— Guilherme... — ela sorriu — conheço esse seu olhar.
Ele a encarou e não respondeu nada. Não porque não quisesse responder, mas porque não sabia
como.
Não estava apaixonado por Márcia. Claro que não!
Estava?
Eles só transaram algumas vezes e ele quase quebrou a cara do idiota que tocava nela na boate.
Merda! O que tinha sido aquilo? Ele nunca foi violento, nunca perdia o controle.
— Eu preciso ir vê-la.
— Vamos... — Monique sorriu — eu vou te ajudar a ir até ela.

Quando eles chegaram à porta do quarto de Márcia, Monique bateu e alguns segundos depois
Camila abriu a porta. Quando ela viu Guilherme, em pé, diante dela, o abraçou antes de começar a
chorar.
Guilherme retribuiu o abraço, apertado, beijou o topo da sua cabeça e acariciou seu cabelo,
confortando-a enquanto observava Márcia deitada sobre a cama.
Eles ficaram durante um tempo assim abraçados, em silêncio antes de Camila se afastar.
— Desculpa...
— Não se desculpe. — ele passou o polegar em seu rosto, secando suas lágrimas — Como ela
está?
— Os médicos dizem que estável, mas eu não suporto mais vê-la assim. Já fazem três dias.
Guilherme caminhou até a cama e tocou a mão de Márcia enquanto a observava. Camila e Monique
ficaram um pouco mais distantes, apenas observando enquanto ele acariciava a mão dela com o
polegar.
Monique tocou no braço de Camila.
— Quer tomar um café comigo?
Camila olhou para ela, depois olhou novamente na direção da irmã antes de assentir e seguir com
Monique.
Quando Guilherme ouviu o clique da porta se fechando atrás dele, olhou sobre o ombro para ter
certeza que estava sozinho, antes de sentar na ponta da cama e segurar ainda mais forte a mão de
Márcia.
Durante um tempo ele ficou observando enquanto ela apenas respirava.
Linda!
Foi o primeiro pensamento que teve. Incrível como desta forma, tão frágil, ela nada se parecia com
a Márcia que ele conhecia. Assim ela parecia doce, quase um anjo. Mas ele sabia bem quem ela era.
Seu temperamento forte, sua independência, seu nariz empinado eram as qualidades que tornavam-na,
única.
Por um longo tempo ele ficou ali, apenas acariciando a mão dela enquanto a observava. E foi então
que ele se deu conta de que talvez, Monique estivesse certa. A angústia que ele sentia naquele
momento não era de um amigo, ou colega de trabalho, que estava simplesmente preocupado. Não! A
aflição que ele sentia, era tão intensa, quanto a raiva que sentiu ao vê-la com outro cara na boate.
Guilherme aumentou um pouco o aperto na mão de Márcia, mas ela permaneceu imóvel.
Quando Camila e Monique voltaram ele já estava de pé, ao lado da cama e conversava com o
médico. O mesmo havia acabado de informar que eles iam começar a diminuir os sedativos.
— E quando minha irmã vai acordar? — Camila perguntou, assim que entrou no quarto.
— Pode ser em algumas horas, ou mais, vai depender do tempo que o organismo dela vai eliminar
o sedativo.
— Pelo menos ela estará acordada.
— Acredito que isso aconteça logo. — o médico se despediu de todos antes de sair.
Assim que ele saiu, Guilherme se aproximou de Camila e a abraçou.
— Ela vai ficar bem. — ele beijou o topo da cabeça dela — Agora vou voltar para meu quarto e
tentar convencer o médico a me dar alta.
— Se fosse médica, tenho certeza que você não teria dificuldade com isso. — Camila disse
sorrindo e piscou para Monique — Concorda?
— Com certeza. — Monique respondeu, sorrindo.
Enquanto os três riam, Gabriel entrou e encarou Guilherme, e logo o promotor percebeu que seu
irmão estava irritado. Ele já estava prestes a pedir que ele se acalmasse, quando o investigador
olhou para Camila.
— Você falou com Wagner?
— Não. — ela disse e desviou o olhar — A última vez que falei com ele, praticamente fui expulsa,
então não voltei mais ao quarto dele.
— E isso foi quando? — Guilherme perguntou.
— Foi antes de ontem.
— O que está acontecendo? — ele perguntou ao irmão.
— Wagner simplesmente desapareceu.

***
Depois de fechar a conta nos dois hotéis, tanto o dele quanto o de Laura, Wagner seguiu com ela
para uma pousada, um pouco mais simples e no limite da cidade. Nunca imaginou que seria tão fácil
convencê-la.
— Este lugar é uma espelunca. — ela reclamou.
— É temporário.
— Me explica de novo por que tivemos que vir para cá?
— Claro. — ele sorriu e deu um beijo casto nela — Mas primeiro vamos tomar um banho e comer
alguma coisa. — ele deu um tapa na bunda dela — Depois podemos conversar sobre o que você
quiser.
Laura sorriu e depois que pegaram as chaves, seguiram para o quarto. Enquanto caminhavam, o
celular de Wagner tocou insistentemente. Ao pegar o celular do bolso e verificar o nome na tela,
respirou profundamente, antes de desligar. Depois que entraram no quarto, Wagner pegou o celular, o
colocou dentro da pia e abriu a torneira, deixando o aparelho imerso na água.
— Não era só tirar o chip?
— Gabriel é mais esperto que isso, além do mais tenho como comprar outro. — ele retirou a
camisa e jogou sobre a cama — Venha, vamos tomar um banho.

***

Depois de muito custo, Guilherme conseguiu convencer Camila a ir em casa, tomar um banho, se
alimentar direito e claro, passar no restaurante para ver como estavam as coisas. Ele sabia que ela
não dormiria longe dali, mas garantiu a ela que não deixaria Márcia sozinha nem por um segundo até
que ela voltasse e que assim que ela abrisse os olhos, ele avisaria.
Quando Camila saiu, Guilherme sentou-se no sofá e ficou observando a juíza. Ele estava tornando
isso um hábito, mas algo dentro dele estava diferente em relação a ela e por mais que tentasse
entender, não conseguia.
Ele ficou ali, apenas a observá-la, até que um gemido escapou dos lábios de Márcia. Era quase um
sussurro e se o quarto não estivesse em total silêncio, provavelmente ele não teria ouvido.
Em um impulso, Guilherme se levantou e foi até a cama, sentou-se na beirada antes de segurar a
mão de Márcia entre as suas, observando atentamente seu rosto esperando que ela emitisse
novamente algum som, ou que ela abrisse os olhos, mas ela não o fez. Márcia permaneceu imóvel
como antes, apenas o subir e descer do seu tórax contrastando com seu corpo imóvel. Ainda assim,
Guilherme não saiu dali, permaneceu sentado ao seu lado, segurando sua mão.
Guilherme não soube dizer quanto tempo se passou desde que ele havia se sentado ao lado de
Márcia, mas quando ele sentiu a mão dela mover-se contra a sua, seu coração acelerou.
Márcia abriu os olhos e assim que se cruzaram com os dele, ela sorriu fracamente. Mas apesar
disso, um sorriso sincero. Guilherme sorriu largamente e apertou ainda mais sua mão, mas de repente
o sorriso dela sumiu e ela puxou a mão abruptamente, olhando ao redor.
— Como você se sente?
Ela abriu a boca para falar, mas sua garganta estava seca e ela só conseguiu tossir. Imediatamente,
Guilherme se levantou e foi pegar água pra ela. Quando voltou hesitou, não sabia se ela podia beber
ou ingerir alguma coisa.
— Eu... eu acho melhor chamar uma enfermeira.
Ele colocou o copo de água sobre a mesinha e saiu apressado, voltando alguns minutos depois,
acompanhado de uma enfermeira e um médico.
— Eu não sabia se podia dar água a ela... — ele disse enquanto os três entravam no quarto.
— Vou examiná-la primeiro.
O médico se aproximou e começou a fazer um check-up em Márcia, enquanto Guilherme apenas
observava.
— Aparentemente ela está bem. Vou pedir alguns exames e provavelmente em poucos minutos
virão buscá-la para os procedimentos. Pode dar um pouco de água a ela, mas doses pequenas e
devagar. Há dias ela está com o estômago vazio.
A enfermeira pegou o copo que Guilherme tinha trazido alguns minutos antes, mas antes que ela
pudesse dar a Márcia, ele a interrompeu.
— Eu faço isso, por favor. — antes que a enfermeira pudesse responder, ele pegou o copo de
forma educada da mão dela e caminhou até Márcia.
Guilherme apoiou a cabeça dela, enquanto lentamente virou o copo para que ela tomasse um
pequeno gole. Márcia o encarou enquanto bebia a água, sem entender muito a atitude dele. Entretanto,
ele sabia bem o motivo de fazer aquilo. Ele queria cuidar dela, e como não tinha conhecimentos
médicos para fazer qualquer outra coisa, dar água era algo que ele podia.
— Quer mais? — ele perguntou e quando ela balançou a cabeça afirmativamente, ele repetiu o
processo.
Ele continuou dando água a ela pacientemente, até que ela recusou. Então cuidadosamente ele
pousou a cabeça dela sobre o travesseiro e em seguida secou um pouco de água que havia escorrido
pelo canto de sua boca.
— Sente-se melhor?
— Sim. — ela disse, baixo, ainda o encarando.
— Ótimo, me dê uns minutos que vou ligar para Camila.
A simples menção do nome da irmã, fez Márcia sorrir, mas assim que Guilherme terminou a
ligação, duas enfermeiras entraram para levá-la para os exames.
— Você não deveria estar no seu quarto? — uma delas, que reconheceu Guilherme, disse.
— Estou bem. — ele respondeu simplesmente.
— Vamos trazê-la de volta em uma hora mais ou menos, enquanto isso você pode ir para lá
descansar.
— Obrigado, mas eu vou aguardar aqui mesmo. — ele caminhou até o sofá e se sentou.
Márcia revirou os olhos, mas não disse nada. Ela ainda se sentia fraca demais para entrar em uma
discussão com ele.

Guilherme andava de um lado para o outro, impaciente, quando Camila entrou no quarto
sorridente, mas ao perceber que Márcia não se encontrava ali, o sorriso se esvaiu de seu rosto.
Depois que ele explicou, por que sua irmã não estava ali, Camila relaxou, mesmo assim Guilherme
continuou tenso, mas não disse nada. Já haviam se passado duas horas desde que levaram Márcia e
não uma hora como haviam dito.
Mais longos minutos se passaram até que as mesmas enfermeiras que haviam levado Márcia a
trouxeram de volta. Depois que elas a colocaram na cama e ajeitaram-na, saíram.
Camila correu até sua irmã e a abraçou antes de começar a chorar.
— Eu estou bem. — Márcia disse retribuindo o abraço.
Guilherme observou a cena, antes de se aproximar das duas.
— Vou deixá-las um pouco, mas mais tarde eu volto pra saber se está tudo bem.
— Não precisa. — Márcia disse, mas diante do olhar de Camila a repreendendo, ela sorriu e
completou — Estou bem de verdade.
— Sei que não precisa e que está bem, mas venho assim mesmo.
Ele beijou o topo da cabeça de Camila e saiu.
Assim que a porta se fechou em um clique silencioso, Camila olhou a irmã.
— Você tem ideia de que a primeira coisa que ele fez quando acordou, depois do acidente, foi
chamar por você?
— E eu deveria ser grata? — Márcia fingiu que aquilo não tinha importância — Afinal, estamos
aqui por causa dele.
— Ei, sou eu, Ca, lembra? Não precisa fingir ser a fria e durona juíza Márcia Braga comigo. E nós
não estamos aqui por causa dele e sim por causa da pickup que avançou o sinal.
— Não estou fingindo nada. — ela suspirou — Tudo bem, não é culpa dele, mas ele também não
tinha obrigação de vir aqui me ver.
— Não foi por obrigação, acredite. Pude ver isso nos olhos dele.
— O que quer dizer com isso?
— Você sabe.
— Não, não sei.
— Preste mais atenção então, mana. — Camila beijou a testa de Márcia e se levantou. Enquanto
caminhava até o bebedouro, disse: — O doutor gatão está apaixonado por você.
Márcia não respondeu. Não conseguiu. No momento em que ouviu aquilo, sentiu algo dentro dela
mudar, como se uma chama tivesse ganhado vida. E aquilo a fez ficar feliz e apavorada na mesma
intensidade.
Capítulo Vinte e Quatro

Cinco dias depois da sua alta, Guilherme estacionava em frente ao hospital, com o carro que a
seguradora emprestou a ele provisoriamente. Tinha ido buscar Márcia e Camila. Apesar de a juíza
ter sido terminantemente contra e dito que iriam de táxi, Camila aceitou a carona e pela primeira vez
entrou em conflito com a irmã. E ele definitivamente não estava se importando em contrariá-la.
Encostado no carro, com os braços cruzados sobre o peito, de óculos escuros e o esboço do que
seria um sorriso, Guilherme esperava pelas duas. Quando elas ultrapassaram a porta do hospital, ele
ergueu os óculos, colocando-os acima da cabeça.
E como ele ficava sexy assim. — Pensou Márcia, ao se aproximar.
Ele abriu a porta do carro para que elas entrassem e depois sentou atrás do volante.
— Sua casa, Camila? — ele perguntou.
— Sim.
— Não.
Camila e Márcia responderam ao mesmo tempo.
— Vou para minha casa! — Márcia disse categórica.
— Mas o médico disse...
— Eu sei o que ele disse, Ca, mas eu prefiro ficar no meu apartamento. — pelo retrovisor ela
encarou Guilherme — Para o meu endereço, por favor.
Apesar da palavra educada, seu tom era autoritário, como sempre.
— Meu apartamento é perto do restaurante, seria mais fácil eu ir até você, caso precisasse.
— Não se preocupe comigo.
— Não há essa opção, mana, vou sempre me preocupar com você. — Camila segurou a mão de
Márcia e deu um leve aperto.
Márcia retribuiu o gesto de carinho e sorriu fracamente para a irmã. Mas ao olhar para frente, os
olhos dela e de Guilherme se cruzaram e se prenderam até que ele voltou sua atenção para o trânsito.
Durante um tempo, a única coisa que quebrava o silêncio dentro do carro era a música Still Loving
You da banda Scorpions.
Quando o telefone de Camila tocou, ela atendeu e logo ficou tensa. Seu semblante mudou e ela
suspirou antes de responder a pessoa do outro lado. Assim que encerrou a ligação, virou-se para
Márcia.
— Você devia ficar no meu apartamento e...
— Não vamos voltar a discutir isso, Ca.
— Eu vou deixar você em casa e vou para o restaurante. Tem um problema em um dos
fornecimentos e...
— Não precisa me deixar em casa. — ela olhou para o retrovisor — Guilherme segue pro
restaurante, por favor.
— Não! — Camila protestou — Eu te deixo lá e …
— Eu cuido disso, Camila. — Guilherme disse — Deixo você no restaurante e levo sua irmã. Fico
lá com ela até que você volte.
Márcia não gostou da ideia, mas não questionou. Se ela negasse, Camila nunca aceitaria ir resolver
seu problema.
Depois que Guilherme prometeu que ficaria com Márcia, a chef concordou. Ele seguiu para o
restaurante e depois de deixar Camila, dirigiu até o apartamento de Márcia.
Mais uma vez só a música que saía pelo alto-falante, quebrava o silêncio.
Quando Guilherme estacionou, desceu do carro e deu a volta para abrir a porta para Márcia e
depois de pegar a pequena bolsa que estava com ela, ele a seguiu, mas ela parou enquanto ele
acionava o alarme do carro e virou-se para ele.
— Eu não preciso de babá.
— Ótimo, porque eu não sou um.
— É sério, Guilherme, agradeço, mas não precisa subir comigo e...
Guilherme a encarou sério e deu um passo na direção dela, diminuindo a distância entre eles.
— Eu prometi a Camila e nada, absolutamente nada do que disser, vai me fazer ir embora, então se
você não quer uma cena aqui, diante da entrada do seu prédio, acho melhor seguirmos até seu
apartamento.
Márcia o encarou, pronta para confrontá-lo, mas diante do olhar sério de Guilherme ela recuou.
Percebeu que aquela era uma luta perdida. Ele realmente não a deixaria sozinha, então, mesmo
contrariada, seguiu para seu apartamento, com Guilherme ao seu encalço.
Assim que entraram no apartamento, Márcia foi direto para seu quarto e deitou-se. Apesar de dizer
que se sentia bem, ela na verdade, sentia-se fraca. Seu corpo ainda estava dolorido assim como sua
cabeça, mas graças aos céus seus exames deram todos normais. Ela não aguentaria passar nem mais
um dia naquele hospital.
Guilherme abriu a bolsa que continham suas roupas e colocou-a em cima da cama.
— Posso arrumar pra você.
— Não se preocupe, farei isso mais tarde.
Ele a encarou por um instante, antes de responder.
— Tudo bem. — ele caminhou até a janela e abriu a cortina para que entrasse alguma claridade —
Está com fome? Posso preparar alguma coisa...
— Estou bem, Guilherme. Você pode ir se quiser e...
— Eu sei que posso, mas eu não quero e antes que reclame, acostume-se com isso. Não vou sair
daqui até Camila voltar.
Márcia revirou os olhos.
— Vou preparar algo para comermos. Se precisar de alguma coisa, me chama.
Márcia não respondeu, apenas o encarou e assentiu quase imperceptivelmente. Depois que
Guilherme saiu, ela fechou os olhos, colocando o braço sobre a cabeça e suspirou. Naquele momento
não era bom que ele estivesse ali. Não com sua cabeça confusa, como estava. As palavras de Camila
afirmando que ele estava apaixonado, o olhar carinhoso e aliviado que ela viu quando acordou no
hospital, todo esse cuidado e preocupação dele em relação a ela, estavam deixando-na tensa.
Ela nunca havia se apaixonado por ninguém, apesar de já ter se relacionado com alguns homens.
Mas ela já havia percebido que Guilherme mexia com ela, de uma forma diferente e saber que
provavelmente ele estava apaixonado por ela, fez algo dentro de si mudar. E enquanto não
conseguisse entender o que estava acontecendo, ficar perto do promotor era uma péssima ideia.
Perdida em seus pensamentos e exausta, Márcia adormeceu.

***

Guilherme vasculhou os armários à procura de algo que ele pudesse cozinhar rápido. Encontrou
vários pacotes de sopas prontas, macarrão instantâneo e muito chá, leite em pó. Nada com os
nutrientes que ela precisava, principalmente depois do acidente que eles sofreram. Entretanto ele
também não tinha tempo de ir comprar, então resolveu pegar alguns daqueles pacotes de macarrão e
incrementar.
Quando o almoço ficou pronto, ele colocou o macarrão em tigelas, as colocou sobre uma bandeja e
levou até Márcia, mas quando abriu a porta do quarto, ela estava dormindo.
Ele depositou a bandeja sobre um aparador que havia no corredor e encostou no batente, cruzando
os braços sobre o peito, enquanto observava Márcia. Ultimamente ele havia adquirido esse hábito.
Gostava de olhá-la enquanto ela dormia. Perdeu as contas de quantas vezes se pegou fazendo isso no
hospital. E Guilherme não se deu conta de quanto tempo ficou ali, a admirando, mas quando ela abriu
os olhos e perguntou o que ele estava fazendo, ele piscou algumas vezes antes de respondê-la.
— Acabei de chegar. — ele mentiu — Vim trazer o almoço, mas você estava dormindo e eu ainda
estava decidindo se te acordava ou não.
Márcia se sentou, recostando na cabeceira sem parar de encará-lo.
— Bom, agora já acordei e gostaria de comer, estou com fome.
— Tudo bem. — ele se afastou e quando pegou a bandeja percebeu que a comida havia esfriado.
Então ele seguiu para a cozinha e esquentou rapidamente no microondas, mas antes de levar de
volta para ela foi surpreendido por Márcia, que vinha ao seu encontro.
— Já estava levando para você.
— Tudo bem... — ela observou a bandeja e notou as duas tigelas de sopa — Podemos comer aqui
mesmo.
Guilherme assentiu e os dois se sentaram na mesa de jantar. Enquanto comiam só o barulho dos
talheres batendo delicadamente nas tigelas podiam ser ouvidos. Cada um estava absorto em seus
próprios pensamentos a respeito do outro, mas apesar daquele incômodo silêncio, uma coisa ele
tinha certeza. Não a deixaria sozinha.
Quando eles estavam quase terminando de comer, o telefone de Guilherme tocou. Ele pediu
licença, se levantou e atendeu.
— Pronto... Oi... Sim, ela está almoçando agora, acabou de acordar... Sem problemas... Camila,
sério, sem problemas... Tudo bem, vou passar o telefone pra ela.
Guilherme estendeu o celular e Márcia o pegou. Enquanto Camila explicava que iria demorar e
que não podia deixar o restaurante, Márcia conteve um suspiro. Não que ela estivesse chateada que
sua irmã não estivesse ali, mas porque quanto mais tempo ela demorasse a voltar, mais ela teria que
estar ali, perto de Guilherme. E isso estava ficando cada vez mais difícil.
Droga! E como estava.
O simples fato de vê-lo mastigar já a deixou excitada.
— Tudo bem, Ca... — ela finalmente disse — Resolva tudo, eu estou bem...
Camila pediu para falar novamente com Guilherme e depois que ele garantiu que não sairia dali,
ela desligou.
O resto do dia pareceu se arrastar.
Depois que Guilherme recolheu as coisas do almoço, começou a dar alguns telefonemas, enquanto
Márcia foi para o quarto tomar banho.
Enquanto Guilherme falava com seu irmão, observava pelo lado de fora da janela. Definitivamente
o sumiço de Wagner começava a ser suspeito, uma vez que ninguém ligou para pedir resgate e o
desaparecimento já havia sido denunciado, e claro que, com a ajuda e influência de Gabriel, a
atenção era redobrada. Mas era como se simplesmente o primo deles tivesse sumido do mapa.
— E Laura? Ainda está no hotel que eu reservei para ela? — Guilherme perguntou e se arrependeu
imediatamente. Tocar no nome da ex-noiva de seu irmão com ele, era sempre voltar a um passado do
qual nenhum dos dois gostava. — Quero dizer, eles...
— Sim, eles estavam juntos, eu sei. — Gabriel respondeu do outro lado — Aparentemente ela
está. Apesar de não ficar muito tempo por lá, o recepcionista tem visto ela.
— E se nós fossemos até lá?
— Acha mesmo que já não fiz isso? — Gabriel disse impaciente — Não consegui encontrá-la.
Havia um recado dela informando que havia viajado para a cidade vizinha e que só voltava no dia
seguinte.
— E lógico que você voltou no dia seguinte.
— Claro. E consegui falar com ela. Ela disse que desde o dia que eu esbarrei com ela no
hospital, não via Wagner.
— Então eles não estão juntos.
— Cedo demais para afirmar isso.
— Você acha...
— Eu ainda não acho nada, mas qualquer novidade te informo.
Eles ainda conversaram mais um tempo antes que Guilherme desligasse e quando ele se virou, viu
Márcia vindo em sua direção. Ele sorriu e depois os dois sentaram em sofás opostos enquanto ele
começava a contar sobre o desaparecimento estranho do primo.
Engraçado que, quando o assunto entre eles entrava no âmbito profissional, a conversa fluía
naturalmente. Eles podiam falar por horas e horas.
Assim como Gabriel, Márcia achava que ainda era cedo para qualquer conclusão e disse que no
dia seguinte também faria algumas ligações na tentativa de agilizar a “caçada” à Wagner. Depois eles
falaram sobre o acidente e ele disse que não haviam maiores novidades. A pickup que bateu neles
estava toda ilegal. Documento falso e atrasado, chassi raspado e o motorista, claro, fugiu do local do
crime.
Depois de algum tempo conversando, Márcia começou a bocejar e deixou seu telefone sobre a
mesinha de centro antes de se despedir de Guilherme e voltar para seu quarto.
Mal ela havia saído o celular dela vibrou. A foto de um homem moreno, de cabeça raspada,
apareceu no visor. Guilherme ficou observando enquanto o nome Cléber piscava na tela. De repente
a tela ficou preta antes de voltar a aparecer a chamada novamente, só que dessa vez quando encerrou,
logo em seguida chegou uma mensagem de texto.
Puta que pariu!
Guilherme sempre foi um cara pacífico, ético, mas desde que começou a se envolver com Márcia
ele estava ultrapassando seus próprios limites, seus próprios ideais. Primeiro, ele quase agrediu um
homem na boate porque ele tocava nela. A levou para o banheiro e transou com ela, sem se importar
com o local. E agora estava prestes a invadir a privacidade dela, mexendo em seu celular, apenas pra
descobrir quem era o tal Cléber que ligou àquela hora, tão insistentemente.
Foda-se.
Ele pegou o celular e agradeceu quando viu que o mesmo não tinha senha de bloqueio e depois de
deslizar o dedo pela tela foi direto para a caixa de mensagens.

“Oi, Márcia. Estou de volta à cidade, achei que podíamos nos encontrar, marcar um jantar
como sempre.
Aguardo sua resposta, abraços, Cléber.”

Se Guilherme fosse um animal a essa altura rosnaria, porque todo seu corpo ficou tenso e seu
maxilar rígido. Releu a mensagem diversas vezes, antes de memorizar o número do telefone. Em
seguida ele apagou a mensagem. Depois foi até o registro de ligações e apagou as duas últimas
chamadas perdidas.
Quando ele colocou o telefone novamente sobre a mesinha, sua consciência pesou, ao mesmo
tempo, ele não podia negar, um lado dele gostou daquilo.
Ainda dividido por sua atitude, ele sentou-se no sofá e ficou olhando para a TV sem realmente
prestar atenção até que adormeceu.

***

Márcia não sabia quanto tempo havia dormido, mas acordou com a boca seca e se levantou para
pegar água. Quando chegou à sala, viu Guilherme deitado no sofá dormindo e ficou o observando.
Seus braços musculosos estavam jogados para trás, por cima do braço do sofá, as pernas esticadas, e
aquela posição fazia a camisa dele subir um pouco, mostrando o V do seu quadril.
A boca de Márcia ressecou ainda mais. Ela só conseguia pensar em se aproximar, abrir o zíper
dele e tomá-lo em sua boca, mas antes que ela pudesse ceder ao impulso, a porta do apartamento se
abriu e Camila entrou, pegando-a em flagrante.
— Oi. — Camila disse sussurrando e sorrindo para ela.
— Oi.
As duas caminharam até a cozinha e enquanto Márcia pegava um copo d'água, Camila ainda sorria
para ela.
— Que foi?
— Estava admirando o doutor gatão?
— Não seja ridícula.
— Por que está corada então?
Márcia não respondeu, mas passou as mãos no rosto.
— Você devia ter mandado ele usar o quarto de hóspedes. — Camila disse.
— Ele se virou bem no apartamento o dia todo, está se sentindo em casa, poderia ter ido para o
quarto de hóspedes se quisesse.
— Você já foi mais educada, maninha.
Márcia apertou os olhos e encarou Camila antes de virar-se e seguir de volta para seu quarto.
Claro que quando ela passou pela sala, deu uma boa olhada em Guilherme mais uma vez.
Capítulo Vinte e Cinco

Camila se aproximou de Guilherme e o observou. Apesar do porte dele, de todos os músculos, ele
parecia um menino dormindo. Seu semblante estava sereno, como sempre. A única vez que ela o viu
mudar sua expressão, foi há alguns dias na boate e quando ele estava preocupado com Márcia no
hospital.
— Vai ter pesadelos se continuar me olhando assim. — Guilherme disse, sem abrir totalmente os
olhos, erguendo uma sobrancelha enquanto escondia um sorriso.
— Droga! — Camila disse sorrindo colocando a mão sobre o peito — Que susto, Guilherme!
— Eu disse! — ele se sentou — Pesadelos.
— Não seja bobo, doutor gatão.
Guilherme sorriu de novo e apontou para a xícara que ela segurava.
— Chá. — ela respondeu a pergunta não feita — Quer?
— Claro, mas pode deixar que eu mesmo pego.
— Não seja bobo, não me custa nada.
Camila se levantou e foi até a cozinha, voltando rapidamente com duas xícaras de chá. Encontrou-o
sentado e depois de entregar uma a Guilherme, ela sentou-se ao lado dele.
— Gostaria de agradecer... Por tudo.
— Não precisa, eu faria tudo novamente.
— Eu sei.
— Sabe? — ele a encarou.
— Eu sei. — ela tomou outro gole do seu chá, antes de virar para encará-lo — Eu vi a forma como
olha para minha irmã, e acredite, poucos homens olharam para ela dessa maneira.
Guilherme não respondeu. Ele não assumiria, não antes de ter realmente certeza do que estava
acontecendo com ele. Apenas tomou mais do seu chá enquanto um confortável silêncio pairava sobre
eles.
— De nada. — ele finalmente disse, colocando sua mão sobre a de Camila e sorriu, enquanto
apertava carinhosamente sua mão.
Camila o encarou e sorriu, retribuindo o aperto, colocando sua outra mão sobre a dele e o
encarando. Um olhar cheio de ternura e amizade, que era retribuído pelo de Guilherme. Enquanto
eles se olhavam não perceberam a presença de Márcia, que havia acabado de chegar.
— Interrompo alguma coisa? — ela disse com a voz mais ríspida do que gostaria.
— Claro que não! — Guilherme respondeu enquanto puxava sua mão.
— Não seja boba! — Camila se levantou, deu um beijo no rosto de Guilherme e virou-se para ir
até a cozinha, mas parou abruptamente quando Márcia continuou a falar.
— Boba é realmente algo que não sou. — ela olhou de um para outro antes de continuar — Agora
se vocês querem continuar com a troca de olhares e seja lá o que mais pretendem, podem ir para o
apartamento da Camila.
— Márcia! — Camila a advertiu, encarando a irmã, mas antes que ela pudesse falar alguma coisa,
Márcia se virou e saiu com passos firmes e rápidos.
Camila fez menção de ir atrás dela, mas Guilherme a alcançou e segurou em seus ombros.
— Deixa que eu falo com ela.
— Tem certeza? — Camila perguntou receosa.
— Claro. — ele sorriu — Já estou acostumado a lidar com a sua irmã.
— Não tanto quanto eu.
— Mas eu acredito que nesse caso, é melhor que eu vá.
— Tudo bem então, boa sorte. — Camila sorriu e caminhou em direção oposta à de Guilherme,
indo para a cozinha.

Depois de deixar a sala, Guilherme caminhou até o quarto onde Márcia estava e como a porta não
estava trancada, ele abriu e entrou.
Ela andava de um lado para outro, com os braços cruzados sobre o peito, tentando controlar sua
respiração. Márcia não conseguia se reconhecer. Era como se algo tivesse tomado seu corpo. E sim,
algo havia a tomado. O ciúme! Quando ela se virou e viu Guilherme fechando a porta atrás dele, um
misto de raiva e alívio cresceram dentro dela.
— O que diabos você está fazendo aqui?
— Vim falar com você.
— Já falou, agora pode ir embora.
Ela apontou para a porta o encarando furiosa, contendo seu impulso de ir até ele, porque ela ainda
não havia decidido se batia nele ou o agarrava.
— Não!
— Não? — ela ergueu seu queixo, visivelmente enfrentando-o.
— Isso mesmo que você ouviu. — Guilherme deu alguns passos na direção dela — Não! —
repetiu com convicção antes de parar diante dela — Impressão minha, ou você ficou com ciúme? —
ele perguntou sem conseguir conter um sorriso, o que fez Márcia ficar ainda mais irritada.
— Ficou louco?! — ela se afastou, dando um passo para trás, mas ele deu mais um a frente, não
deixando que a distância entre eles aumentasse — Claro que não fiquei com ciúmes. — ela mentiu.
E apesar do seu tom firme, a proximidade com Guilherme e a intensidade do olhar dele fizeram sua
respiração acelerar e quando ela entreabriu os lábios para respirar melhor, Guilherme segurou-a pela
cintura e puxou seu corpo contra o dele, antes de colar sua boca à dela, beijando-a intensamente.
Quando Márcia o mordeu, ele mordeu de volta e segurou-a pela nuca fazendo com que ela o
encarasse.
— Sem mordidas hoje.
— Não é você quem decide isso. — ela investiu contra a boca de Guilherme, com a intenção de
mordê-lo, mas ele a segurou pelo cabelo e deu um sorriso torto.
— Hoje sou eu quem decide, sim.
Ele envolveu seu braço livre na cintura dela e suspendeu seu corpo, levando-a até a cama enquanto
voltava a beijá-la intensamente. Quando ele se deitou sobre ela, o coração de Márcia acelerou acima
do normal. O peso de Guilherme sobre o seu fazia seu corpo lutar internamente, em um misto de
sentimentos que a faziam ficar paralisada, mas, ao mesmo tempo, retribuindo o beijo tão apaixonado
que ele lhe dava.
Guilherme começou a percorrer as mãos pelo corpo dela, abrindo o roupão que escondia apenas
um conjunto de lingerie vermelho.
Márcia ainda tinha alguns hematomas do acidente, e por isso o toque de Guilherme era suave,
apesar de todo desejo que ele sentia. Ele se afastou rapidamente para encará-la mas Márcia estava
com os olhos fechados.
— Está tudo bem? — ele perguntou e ela finalmente o encarou.
Durante um tempo, ela permaneceu em silêncio apenas encarando-o.
Estava tudo bem?
Nem ela sabia responder exatamente àquela pergunta. A vontade de empurrá-lo e montar sobre ele
era grande, mas ela também desejava deixar que ele conduzisse a transa. Pela primeira vez, ela
desejava se entregar completamente a um homem. Porém apesar de a sua vontade ser intensa, havia
outro sentimento dentro dela completamente intenso também, e no momento, era este que estava
ganhando a batalha.
— Márcia?
— Sim...
Ela disse e o encarou, e o que Guilherme viu em seus olhos foi o suficiente para que ele
continuasse.
Guilherme segurou sua nuca e a beijou intensamente, antes de começar a percorrer sua boca por
seu queixo, sua clavícula, descendo lentamente e quando ele afastou o sutiã, liberando seus seios,
seus mamilos intumescidos se arrepiaram convidativos.
Ele abocanhou um, depois o outro antes de continuar descendo sua boca pelo corpo de Márcia,
tomando seu tempo, livrando-se das suas roupas ao mesmo tempo que ia provando a pele macia dela,
até chegar entre suas coxas. Enquanto ele retirava a calcinha dela, dava leve mordidas em suas coxas
fazendo-a fechar as mãos sobre o lençol e gemer, quando finalmente ele provou seu sexo, Márcia
gemeu alto e tentou fechar as pernas, mas ele segurou firme em suas coxas, afastando suas pernas
enquanto continuava a saboreá-la.
O corpo de Márcia estava tenso e cheio de tesão. Ao mesmo tempo que ela estava extasiada pela
sensação de ter Guilherme entre suas pernas, saboreando-a como se fosse uma fruta doce e madura.
Ela nunca havia permitido que nenhum homem fizesse isso. Seus gemidos eram baixos e contidos,
mas seu corpo fervia. Por outro lado, o fato de estar entregue totalmente a um homem a fazia se sentir
vulnerável, e essa definitivamente era uma sensação que ela não gostava nem um pouco.
Mas como tudo em relação à Guilherme era diferente, ela se entregou. Quando ela atingiu o
orgasmo fechou os olhos e apertou ainda mais o lençol, puxando com força, enquanto seu corpo não
parava de estremecer.
Tão intenso!
Guilherme ainda a provou por um tempo, prolongando seu orgasmo, antes de começar a percorrer
o corpo dela com sua boca, dando leves mordidas e beijando até chegar à sua boca. Quando ele a
beijou, Márcia pôde sentir seu próprio gosto antes de seu corpo ser invadido pelo membro de
Guilherme, duro e pronto para ela, preenchendo-a por completo.
Naquele instante ela tensionou novamente e tentou empurrá-lo, mas Guilherme segurou suas mãos e
as ergueu acima da cabeça antes de encará-la.
— Olhe para mim. — ele disse ao notar que ela ainda estava de olhos fechados, tentando sair de
baixo dele.
E quando Márcia abriu os olhos e o encarou, ela relaxou. Guilherme começou a se mover dentro
dela, sem pressa, aproveitando a sensação de ter seu membro sendo engolido pelo sexo dela, a cada
centímetro. E assim permaneceram, por muito tempo. Guilherme aumentava o ritmo e diminuía
sempre que ela demonstrava algum desconforto. Os olhos deles sempre presos um no outro, só
perdendo o contato quando ele se aproximava para beijá-la apaixonadamente enquanto a tomava.
Quando os dois gozaram, Guilherme a beijou apaixonada e carinhosamente, mostrando a ela outro
tipo de sexo, outro tipo de relacionamento. Algo que envolvia mais que apenas o ato, mas também
carinho.
Antes de se retirar dela, ele a beijou mais uma vez e quando se deitou ao seu lado, puxou Márcia
para os seus braços musculosos, envolvendo-a antes de beijar o topo da cabeça dela.
Naquele instante Márcia voltou a ficar tensa, mas dessa vez não tentou fugir. Apenas se virou para
ele e manteve os olhos abertos encarando o belo e másculo rosto do homem ao seu lado, como se
quisesse gravar ele em sua mente, ou se certificar de que era ele que estava ali ao seu lado.

O toque do celular fez com que Guilherme despertasse. Márcia estava adormecida, com um sono
tranquilo e ele não sabia quanto tempo havia dormido, mas colocou rapidamente o telefone no
silencioso para que o barulho insistente não a acordasse.
Lentamente ele desvencilhou do corpo dela, antes de se levantar beijou seus lábios castamente e
acariciou seu rosto. Ele ajeitou sua roupa e saiu do quarto. Quando verificou quem estava ligando,
viu que tinha sido Gabriel.
— Bom dia. — ele disse assim que o irmão atendeu do outro lado.
— Temos o retrato falado do homem que dirigia a pickup que colidiu com seu carro. — Gabriel
disse sem responder a saudação do irmão.
— E já descobriu quem é?
— Não, mas quero que venha aqui para verificar, talvez você o conheça...
— Tudo bem, chego aí em alguns minutos.
Guilherme desligou e depois de deixar um bilhete sobre a mesa da sala, saiu.
***
Quando Márcia despertou, seu corpo reclamou de uma forma gostosa e então, ela começou a se
lembrar daquela noite. Enquanto a lembrança do toque de Guilherme no seu corpo, na sua pele,
tomavam conta da sua mente, ela não pôde evitar um sorriso. Mas logo ela ficou séria novamente.
Guilherme a estava levando para um lado que desconhecia e o conflito dentro dela só aumentava.
De repente, seu celular soou com a chegada de um e-mail, a tirando de seus pensamentos.

“Estou tentando falar com você desde ontem. Mudou de número? Estou na cidade e gostaria
de vê-la. Beijos, Cléber. ”

Márcia saiu da tela do e-mail e verificou chamadas não atendidas e mensagens. Não havia nada!
Imediatamente ela retornou a ligação e quando Cléber atendeu, a voz rouca dele fez sua pele se
arrepiar, mas diferente das outras vezes, ela não sentiu aquela vontade de se arrumar e ir ao encontro
dele onde quer que ele estivesse. Ainda assim, depois de ele insistir algumas vezes, ela marcou um
jantar para aquele mesmo dia.
Quando desligou o celular, sentiu uma pontada de culpa, mas logo tratou de afastá-la, afinal, ela
ainda era livre e desimpedida.
Ainda? — pensou ela sorrindo debochadamente.
Ela seria livre e desimpedida para sempre. A palavra relacionamento não fazia parte do seu
vocabulário.

***

Assim que Guilherme entrou na sala do seu irmão, sentiu o peso da tensão no ar. Gabriel tinha uma
aparência ainda mais carrancuda que o normal e seus olhos e seu semblante entregavam que ele tinha
voltado a ter problemas de insônia.
— Há quantos dias não dorme?
— Alguns. — ele respondeu indiferente.
— Achei que depois de Monique, esse problema havia terminado.
— Havia. — ele disse seco, antes de finalmente tirar os olhos da tela do computador e encarar o
irmão — Mas meu sono não é o maior de nossos problemas, então vamos direto ao que interessa.
Gabriel virou a tela do computador para o irmão e a imagem do retrato falado do homem estava
estampado na tela, e Guilherme não precisou de muito tempo para lembrar de onde conhecia aquele
rosto.
— Eu vi esse homem há alguns dias.
O sorriso triunfante de Gabriel com aquela resposta fez Guilherme sorrir também.

***
A noite já havia escurecido o horizonte quando Wagner terminou de fechar o último botão da
camisa de linho preta que vestia. Laura estava deitada, extasiada, ainda com a respiração ofegante
pelo sexo que haviam acabado de fazer.
— Aonde você vai?
— Preciso resolver umas coisas.
— Posso saber que coisas são essas?
Wagner sorriu torto e se aproximou dela, segurou seu cabelo pela nuca e beijou sua boca de forma
intensa antes de se afastar abruptamente.
— Claro que não pode.
— Isso não é justo. Nos últimos dias contei tudo a meu respeito para você.
— E quem disse que a vida é justa, gata? — ele pegou seu capacete e a chave da moto — Na hora
certa você saberá de tudo, mas por enquanto, é melhor que fique fora de alguns assuntos. Melhor para
mim e melhor para você também.
— Tudo bem, eu sou paciente.
Wagner deu uma risada rouca.
— Não, não é, mas não tem escolha.
— Não tenho.
Ele se aproximou novamente e mordeu os lábios dela antes de sair, de forma tão apressada, que
depois que a porta se fechou atrás dele, ele praticamente correu pelos corredores da pousada, até
chegar em sua moto.
Precisava ser rápido, o tempo estava contra ele.
Capítulo Vinte e Seis

Quando Márcia desceu do táxi, em frente ao restaurante que ela costumava frequentar, por causa
da discrição do lugar, Cléber já aguardava por ela. Alto, com a pele escura e o corpo musculoso, ele
não passava despercebido. Seu cabelo negro rente à cabeça, barba cerrada e os olhos tão negros
quanto o cabelo, o deixavam ainda mais atraente.
Ele abriu seu largo e grande sorriso quando a viu, e tudo que ela pôde fazer foi sorrir de volta,
antes de se aproximar e sentir as suas mãos grandes puxá-la pelos ombros, de forma delicada
enquanto ele beijava seu rosto de forma demorada.
— Que bom que pudemos nos encontrar.
— Não sei por que achou que não iríamos.
— Talvez porque você não respondeu minha mensagem, nem retornou minha ligação?
— Não há mensagens suas, nem chamadas perdidas.
— Mas eu enviei. — Cléber pegou o celular do bolso e mostrou para ela, tanto a mensagem quanto
as duas ligações que havia feito.
Márcia olhou rapidamente a tela do celular dele e não demorou muito a imaginar o que havia
acontecido, apesar de não poder afirmar. Ainda não!
Depois que o maître levou-os até a mesa que estava reservada, Márcia pediu mais uma vez para
ver o horário das ligações e da mensagem, apenas por curiosidade, alegou ela.
A noite seguiu agradável como sempre. A companhia de Cléber sempre foi muito boa e há muito
tempo eles eram amigos com benefícios, e como ele morava em outra cidade, os encontros deles se
davam quando ele vinha à cidade a trabalho.
Ele era o típico cara que Márcia gostava. Não a questionava, não entrava em conflito e sempre
deixava ela conduzir as coisas, fosse o que fosse. Como a escolha do restaurante, o vinho que
tomariam, o motel para qual iriam e até como fariam sexo.
Totalmente diferente de Guilherme.
E enquanto jantava com Cléber, se pegou várias vezes pensando no promotor. Claro que ela tratava
de afastar tais pensamentos e focar na companhia agradável que estava desfrutando, mas era logo
traída por seus pensamentos.
No final da noite, enquanto esperavam o manobrista trazer o carro alugado de Cléber, ele segurou
Márcia pela cintura e a puxou, beijando-a de forma intensa e Márcia correspondeu, claro. Se tinha
algo que ela adorava nele era a forma como ele a beijava, entre outras coisas.
Mas dessa vez foi diferente.
Enquanto ela se entregava ao beijo, que até então, adorava, a única coisa que conseguia pensar era
em Guilherme, mas antes que ela pudesse interromper o beijo e dar uma desculpa esfarrapada, seu
celular tocou.
Márcia sorriu antes de se afastar e pegar o celular na bolsa, mas logo seu sorriso sumiu quando
percebeu que o número vinha de seu escritório.
— Algo errado? — Cléber perguntou.
Antes de responder, Márcia atendeu a ligação, mas o silêncio se fez presente do outro lado da
linha. Nenhum som, nenhum ruido, nem mesmo respiração.
— Ligação do escritório. — ela olhou para a tela e retornou a ligação, mas o sinal de linha
ocupada foi a única coisa que ela ouviu — Não era para ninguém estar lá essa hora, preciso ir ver o
que está acontecendo.
— Eu levo você. — ele disse no instante em que o manobrista estacionou o carro diante deles.
***

Guilherme não precisou se identificar para entrar no edifício onde ficava o apartamento de Márcia,
afinal ele já estava se tornando figura conhecida e o porteiro não o abordava.
Quando ele tocou a campainha da porta estranhou que ninguém o atendesse. Tentou o celular de
Márcia e nada, depois tentou o de Camila que também não atendeu. Quando ele insistiu, a voz de
Camila do outro lado da linha foi um alívio.
— Onde está sua irmã? — ele perguntou sem rodeios depois de dar boa noite à chef — O que?
Ele sentiu-se novamente como no dia da boate, quando ouviu a irmã dizer que ela havia saído com
o tal Cléber. Podia perceber na voz de Camila a resistência em dar aquelas informações e
principalmente em como ela estava desconfortável. Mas não a culpava.
— Onde fica o restaurante, sabe? — ele perguntou e quando ela respondeu que não sabia ele
agradeceu e desligou, discando outros números até que seu irmão atendeu — Preciso de um favor...
Guilherme era terminantemente contra usar certos recursos para uso pessoal, entretanto quando se
tratava da Márcia seu comportamento o estava surpreendendo ultimamente. Enquanto ele entrava no
carro, recebeu um SMS de Gabriel informando o que ele queria. Rapidamente ele seguiu para o
endereço fornecido e estranhou quando reconheceu o mesmo. Ali não era um restaurante.

Depois de dirigir alguns minutos ele estacionou diante do prédio onde ficava o escritório de
Márcia. A rua estava deserta e o tempo frio cooperava ainda mais para a falta de movimentação na
rua. Guilherme saiu do carro e discou mais uma vez o número dela, mas agora caía direto na caixa
postal. Quando ele ligou para o número do escritório, soou ocupado.
E Guilherme não sabia explicar o porquê, mas tinha certeza que havia algo errado, então ele ligou
para Gabriel e informou o que estava achando e, apesar do seu irmão ser categórico em dizer que ele
não devia entrar lá até que ele chegasse, o promotor desligou o telefone e entrou no prédio.
A porta do edifício destrancada era mais um indício de que algo estava errado. Havia um completo
silêncio e o cheiro fraco que se fazia presente era inconfundível, com isso em mente, ele decidiu
subir pelas escadas. Assim que ele atravessou a porta corta fogo, da escadaria, seu coração acelerou
e um pavor tomou conta dele.
O lugar fedia a gás, agora com o cheiro bem mais acentuado e apesar de saber que aquilo era uma
péssima ideia, ele continuou seu caminho, subindo rapidamente em direção ao andar de Márcia. Se
ela estivesse desmaiada lá, ou ferida...
Só de imaginar isso, o corpo de Guilherme estremeceu e ele começou a subir os degraus, pulando
de dois em dois, enquanto seu coração acelerava ainda mais. Quando ele chegou a porta do andar
ante ao dela, a porta se abriu abruptamente e Márcia atravessou, tropeçando em seus próprios pés
enquanto tossia.
Guilherme voltou-se e a segurou, fazendo ela se debater antes que ele falasse em seu ouvido para
ela se acalmar e só quando ela reconheceu a voz, o abraçou apertado e relaxou, mas suas pernas
fraquejaram e ele soube que tinha que tirá-la de lá, rápido.
Quando ele começou a descer as escadas com ela, Márcia relutou.
— Cléber.
— Quem?
— Ele estava comigo, deve estar lá dentro...
— Ele já deve ter saído.
— Não saiu. — ela forçou novamente o corpo, na tentativa de voltar, mas Guilherme suspendeu
seu corpo e começou a carregá-la no colo.
— Eu a tiro daqui, depois volto para procurá-lo. Vamos. — ele disse, contrariado, sentindo
novamente o ciúme corroê-lo por dentro.
Rapidamente ele desceu as escadas, tentando respirar o mínimo possível enquanto carregava
Márcia no colo. Parecia que o andar térreo não chegava nunca e ele sabia que se não fosse rápido o
suficiente seria tarde demais, uma vez que o cheiro ficava cada vez mais forte.
Quando ele atravessou a porta do prédio a sensação de alívio tomou conta dele apenas por uma
fração de segundos. Depois disso, foi tudo muito rápido. Do outro lado da rua ele vislumbrou
rapidamente o rosto desesperado de Gabriel gritando alguma coisa que ele não conseguia entender e
enquanto ele corria com todas suas forças, o som da explosão ensurdeceu seus ouvidos segundos
antes de ele ser engolido pela escuridão, mas antes de perder totalmente a consciência, ele abraçou
Márcia ainda mais apertado e tentou protegê-la com seu próprio corpo.

***

Wagner se protegeu da explosão enquanto tentava se esconder de Gabriel. Porra! Tudo que ele não
precisava era que seu primo o visse ali, justo naquele momento. O pior é que sua moto estava
estacionada do lado oposto ao qual ele se encontrava, e para chegar até ela, ou ele passaria diante
dos primos, o que estava fora de cogitação, ou ele daria a volta no quarteirão e, mesmo assim, para
fazer isso, ele se arriscaria, saindo do seu atual esconderijo, que ele começava a achar que tinha sido
uma péssima ideia, afinal era um dos poucos carros estacionados na rua.
Quando ele viu Guilherme ser arremessado pela explosão, ele quase correu, em um impulso, para
tentar ajudar, mas se conteve ao ver Gabriel fazer exatamente o que ele queria. Logo em seguida ele
precisou se esconder ainda mais, quando as sirenes dos bombeiros e da polícia se aproximavam. O
fogo começava a tomar conta do prédio, se alastrando pelos demais andares.
Mais uma vez ele voltou sua atenção para onde Guilherme estava e quando viu o primo ser
levantado do chão, apenas colocando a mão na cabeça, sorriu.
Esses Goulart eram mesmo sortudos!

***

Sentado na porta da ambulância enquanto um paramédico media sua pressão e outro o examinava,
Guilherme só conseguia pensar em Márcia e em como ela estava. As palavras de Gabriel reclamando
pelo irmão não ter esperado conforme ele havia dito, o deixaram um pouco irritado, mas Guilherme
não se importava. Já estava acostumado com o irmão e apesar de estarem em público e o
investigador como sempre, expor seu temperamento explosivo, o promotor se mantinha calmo e
questionando ao paramédico que o atendia, o estado de Márcia, mas quando ela mesma respondeu,
de dentro da ambulância, que estava bem, ele se virou para encará-la.
Um misto de alívio e preocupação tomaram conta dele. Afinal ela estava ali, estava bem,
interagindo, entretanto, haviam claramente tentado matá-la.
Contrariando as advertências dos paramédicos e do irmão, Guilherme se levantou e foi até ela.
— Você está bem?
— Sim. — ela disse passando a mão na nuca — Sabe se acharam Cléber, se ele está bem?
Ouvi-la perguntar sobre o outro homem fez o maxilar dele se retesar, mas ele respirou fundo antes
de responder.
— Eu ia voltar para buscá-lo, mas...
— Ainda bem que você não voltou. — ela disse antes que ele terminasse de falar.
— Sério?
— Claro. — ela o encarou — Eu quero te agradecer, porque senão eu também estaria...
— Não precisa agradecer.
— Só não entendo como você sabia onde eu estava.
— Longa história, depois eu te conto.
— Certo. — ela sorriu fracamente e olhou para Gabriel, repetindo silenciosamente a pergunta que
ela já havia feito. Se acharam Cléber, mas o investigador apenas balançou a cabeça negativamente.
Guilherme respirou profundamente antes de se afastar e ir até o irmão. Quando ele desceu da
ambulância e parou ao lado de Gabriel, um policial chamou o investigador e os dois caminharam até
o homem.
— Boa noite investigador, reconhece aquela moto?
Os dois olharam para moto e não levaram mais do que alguns segundos para reconhecê-la.
— Sim.
— Já estava estacionada ali, quando chegamos. Está em nome de...
— Wagner Goulart. — os irmãos disseram em um uníssono, antes de olhar ao redor, mesmo
sabendo que, aquela altura, o primo deles já estaria bem longe dali.
Capítulo Vinte e Sete

A primeira reação de Guilherme foi caminhar até a moto, enquanto Gabriel olhava ao redor.
Quando ele chegou perto, aproximou cautelosamente sua mão do cano de descarga até que tocou a
coisa. Apesar do frio, o mesmo ainda estava morno, o que significava que a moto havia sido
estacionada ali há pouco tempo.
Quando olhou para trás, seu irmão estava ao telefone e ao mesmo tempo dava ordens aos policiais
para procurarem Wagner nos arredores.
Os bombeiros não demoraram muito para apagar o incêndio. Por sorte todo prédio era composto
por portas corta chamas, e os prédios vizinhos não eram geminados. Claro que todas as pessoas que
tinham seus “negócios” ali, acabariam prejudicadas.
Gabriel acompanhou tudo de perto e depois de ligar para Monique e lhe assegurar que estava tudo
bem, informou que só arredaria os pés dali, depois que a perícia inspecionasse o local, sob a
supervisão dele, claro.

***
Com os anos de profissão, Wagner estava acostumado a andar por diversos lugares. Uns piores que
os outros e muitas vezes, lugares sujos e fedidos, mas nenhum se comparava ao local que ele se
encontrava. Definitivamente ele estava no pior de todos: o esgoto. Mas apesar disso, estar ali, ainda
era melhor do que ter que encarar seus primos.
Ele sabia que eles nunca o perdoariam e ver a decepção nos olhos deles, não era algo com o qual
ele poderia lidar. Pelo menos não naquele momento. E quem sabe um dia, eles entenderiam suas
atitudes.
Quando achou que já estava longe o suficiente, subiu por uma escada de ferro e com certa
dificuldade, conseguiu sair daquele lugar imundo. Céus, ele precisava urgente de um banho e roupas
limpas.
Ele fez sinal para um táxi que passava na hora, por sorte. O taxista parou e enquanto ele entrava, o
homem reclamou.
— Céus, você está fedendo como o esgoto, vai empestear meu carro.
— Eu pago o dobro da corrida e a lavagem do seu estofado, mas tem que me deixar onde eu
preciso em menos de meia hora.
O dobro da corrida era algo que agradava muito ao taxista e ainda por cima, o cara fedido ia arcar
com os custos da limpeza do estofado. E aquela era sua primeira corrida. Seu dia de sorte!
***

Depois de uma discussão, quase acalorada, Guilherme e Márcia resolveram deixar o local da
explosão juntos. O carro que estava com ele não havia sofrido nada, o que eles não podiam dizer do
carro alugado pelo amigo dela.
Ele queria que ela fosse até o hospital, afinal havia poucos dias que eles tinham sofrido um
acidente, mas ela se recusou e depois de deixar os paramédicos a examinarem, disse que aquilo era o
máximo de cuidado que receberia, pois estava ótima.
Durante todo caminho ela seguiu em silêncio. Mesmo quando Guilherme tentou puxar assunto, ela
respondeu monossilábica e voltou a olhar para o lado de fora da janela.
Guilherme tentava conter sua frustração, mas a verdade é que ele percebeu o quão chateada ela
estava e isso, com certeza, era por causa do tal “amigo”. Ele podia até disfarçar, mas a verdade, era
que vê-la assim por causa de outro cara, estava destruindo ele.
Será que esta seria sua sina?
Se apaixonar por mulheres que, no fim, acabavam escolhendo “outro cara”.
Foi assim com Monique, estava sendo assim com Márcia.
Inferno!
O caminho seguiu em silêncio e quando ele estacionou diante do prédio de Márcia, tentava achar
uma desculpa para subir, mas no fim, desistiu.
Ela saiu do carro, sem se preocupar em esperar que ele abrisse a porta, como sempre, e quando o
viu fora do carro, virou-se e o encarou.
— Você mexeu no meu celular?
A pergunta pegou Guilherme de surpresa, e mais uma vez o arrependimento o atropelou, mas
apesar de saber que havia agido errado, ele não mentiria. Ainda tinha escrúpulos.
— Sim, sinto muito por isso e...
— Não faça isso. — ela disse empinando o nariz e o encarando séria — Não se desculpe e não
finja que está arrependido, porque eu sei que não está. E nunca mais, nunca, volte a mexer nas minhas
coisas.
— Sinto muito, realmente.
Ela se virou e começou a se afastar quando ele continuou.
— Por ele também. Pude sentir o quanto você gostava dele.
Márcia franziu a testa antes de virar-se e encarar Guilherme. E depois de dar um longo
suspiro, ele continuou.
— Percebi que você não está bem. — ele deu de ombros.
E então ela entendeu e sentiu-se muito culpada. A verdade é que ela não estava pensando em
Cléber.
Durante todo caminho, ela só conseguia pensar no quanto Guilherme se arriscou para salvá-la. As
palavras de Camila afirmando que ele estava apaixonado por ela, começaram a fazer ainda mais
sentido e isso só fez Márcia se sentir mais próxima dele.
E pro inferno se aquilo não a assustava pra cacete.
Ela não era uma mulher comum. Tudo que ela passou a fizeram ser como era e graças ao amor de
Camila, ela superou, não totalmente, mas boa parte. Só que ela tinha o controle da sua vida, dos seus
sentimentos, dos seus atos, de tudo.
Até que Guilherme se aproximou e entrou em sua vida.
Agora ela estava confusa. Ele era o primeiro, em muitos sentidos. E isso só fazia todos seus
pesadelos voltarem a assombrá-la. Claro que ela lutava contra eles. Sabia que Guilherme não era
ELE. Mas isso não impedia que seus medos insistissem em voltar.
E ela precisava acabar com aquilo.
Não porque não correspondesse aos sentimentos de Guilherme, mas porque simplesmente não
podia lidar com os dois sentimentos ao mesmo tempo.
— Não estou. — ela afirmou — Ele era muito especial pra mim, e o que aconteceu a ele foi por
minha culpa. Nunca vou me perdoar por isso.
Ela foi sincera, se ela não tivesse ido encontrar com ele, não tivesse aceitado que ele fosse até lá e
subisse junto com ela, a essa hora Cléber estaria vivo. Mas a parte de ser muito especial, ela
exagerou.
— Você o amava? — ele se arrependeu no momento em que perguntou.
E ela viu ali a oportunidade que precisava.
— Muito. — ela mentiu.
Queria afastar Guilherme. Não, queria não. Precisava afastá-lo. Para o bem dos dois.
— Obrigada. — ela disse antes de se virar — Por tudo.
Guilherme não respondeu, apenas observou enquanto ela entrava em seu condomínio e sumia de
suas vistas.
Ele respirou fundo, antes de voltar para o carro e dirigir até seu apartamento.
Quando finalmente deitou em sua cama, pôde sentir todo seu corpo dolorido e não só porque havia
sido arremessado por conta da explosão, mas porque aquela dor, já bem conhecida por ele, boa e
velha companheira, estava de volta.
***
Quando o celular de Montenegro tocou, ele franziu o cenho. Já sabia que algo estava errado...
— O que houve?… Mas que inferno! O que esses irmãos são? Batman e Robin?... Não importa,
pegue mais pesado, ataque a família, entes queridos, amigos, mate as pessoas próximas, eles
precisam saber que não estou brincando.
Assim que desligou o telefone ele xingou. Precisava fazer alguma coisa e precisava de alguém
mais competente, já que quem ele havia deixado designado para resolver tudo não estava sendo
eficiente.
Então ele pensou bastante antes de finalmente decidir o que deveria fazer.
— Guarda... — ele gritou e não precisou chamar novamente. Prontamente ele foi atendido — Você
conhece muitas pessoas na polícia, certo?
— Sim, senhor.
— Preciso de um policial, que trabalhe na delegacia do Goulart, e esteja precisando de muito
dinheiro em troca de alguns favores.
— Pois eu conheço alguém que está passando por um problema seríssimo. Acho que apesar dos
pesares, ele vai topar.
— Ótimo, providencie meu encontro com ele.
Capítulo Vinte e Oito

Guilherme acordou sentindo o peso do dia anterior. Então vestiu seu short, pegou seu iPod e foi
correr. Ele precisava espairecer e apesar de ainda estar com o corpo dolorido, necessitava daquilo.

Já havia corrido dois quilômetros quando seu celular vibrou. Ele diminuiu a velocidade antes de
começar a andar mais rápido até que finalmente parou e atendeu a coisa.
— Camila, Márcia está bem? — ele disse depois de olhar no identificador de chamadas quem era.
— Ela está sim. — ele pôde ouvir o risinho dela do outro lado.
— Que bom.
— Eu queria me encontrar com você, precisamos conversar, longe da Márcia e como não
consigo falar mais com o Wagner...
— O que meu primo tem a ver com isso?
— Longa história, que eu te conto mais tarde. Você pode passar no restaurante no fim da noite.
Sei que fecha tarde, mas...
— Não se preocupe com isso, estarei lá.
Guilherme desligou e mesmo sem saber exatamente o porquê, estava sorrindo.
A noite nunca demorou tanto a chegar, quanto naquele dia. Guilherme já estava mais que
impaciente, então depois de tomar banho e se arrumar ele saiu, mesmo sabendo que ainda estava
cedo.
Quando estacionou em frente ao restaurante de Camila, sabia que ela estaria ocupada, mas ele
aproveitaria para comer alguma coisa enquanto esperava por ela.
Assim que ele se sentou em uma das mesas, foi prontamente atendido e claro, não tardou para
Camila avistá-lo e ir até ele.
— Ansioso, doutor gatão? — ela perguntou, sorrindo enquanto o cumprimentava com dois beijos.
— Apenas unindo o útil ao agradável. Eu precisava jantar e já que teria que vir... Aqui estou.
— Sinal que gosta da comida.
— Gosto muito.
— A chef fica feliz em saber. — ela sorriu e Guilherme retribuiu o sorriso — Se conseguir ajeitar
as coisas na cozinha mais cedo, venho falar com você antes e...
— Por favor, não se apresse, não tenho nada pra fazer.
— Certo, entendi, você está à minha disposição, gato.
— Estou. — ele sorriu e ela apertou a mão dele de leve antes de se despedir e se afastar.
Ir para o restaurante foi a melhor ideia que Guilherme tivera. Depois de jantar, ele ficou ali, mas
apesar de ter que esperar até que o último cliente fosse embora e um dos garçons fechasse a porta do
restaurante, o movimento do lugar o distraiu e assim as horas passaram como minutos e quando ele
viu Camila caminhando em sua direção, ele sorriu.
Ela trazia uma bandeja com alguns rolinhos primavera para comerem, refrigerante, saquê, sushi e
mais algumas coisas. Ele não deixou de perceber que, se ela tinha trazido coisas para comerem,
possivelmente a conversa demoraria.
— Sei que você não está com fome, mas eu estou. — ela disse enquanto se sentava.
— Realmente não estou. — ele sorriu, mas pegou uma lata de refrigerante.
— Minha irmã diz que sou magra, de ruim. Eu como feito um homem, não faço exercícios e
continuo gata. Já ela, se não se exercitar e cuidar do que come, está ferrada.
A simples menção de Márcia fez o semblante de Guilherme mudar e apesar de tentar disfarçar,
Camila percebeu.
— Bom que você não ficou indiferente quando falei da Márcia.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Pois é, doutor gatão, é sobre minha irmã que eu quero falar.
— E sobre o que exatamente você quer falar?
— Vocês tiveram ou estão tendo alguma coisa?
A pergunta pegou Guilherme completamente de surpresa. Ele sabia que tipo de relação Márcia e
Camila tinham. Com o pouco de convívio que viu entre as duas, sabia que eram mais que apenas
irmãs. Eram amigas. E se a própria juíza não tinha dito nada a ela, ele não se sentia confortável em
fazê-lo.
Ele se mexeu desconfortavelmente na cadeira e abaixou o olhar. Não sabia sequer como responder
aquilo.
— Sabe, — ela continuou — eu e Márcia passamos por muita coisa, mas, apesar disso, eu sequer
posso começar a imaginar como ela superou tudo que passou, porque o que aconteceu comigo, não
chega nem aos pés do que aconteceu com ela. E acredite, não vou te contar do que exatamente estou
falando. — ela o encarou e tomou um gole do seu refrigerante antes de continuar — Ela precisa estar
confortável para te contar, mas isso pode nunca acontecer. Então eu entendo sua reticência em
responder, mas eu quero ajudar vocês.
— Nos ajudar?
— Bem, você está apaixonado por ela e ela está apaixonada por você, mas parece que nenhum dos
dois quer admitir ou se entregar a isso, então...
— Sua irmã não está apaixonada por mim.
— Eu conheço Márcia melhor que ninguém, e se eu digo que ela está, é porque está.
— Ela disse que amava o Cléber.
Camila começou a rir, e Guilherme não gostou muito da reação dela. Sabia que ela não era uma
pessoa debochada nem nada, mas ele ainda estava digerindo as palavras de Márcia e tudo que não
precisava era de alguém rindo disso.
— Qual a graça?
— O Cléber? — ela se esforçou para parar de rir — Acredite, minha irmã não o amava. Nunca
amou. Eu o conhecia. Eles estudaram juntos e ele correu atrás dela durante toda faculdade. Se
declarou inúmeras vezes, e tudo que conseguiu, foi ter um rolo esporadicamente quando vinha aqui
em Curitiba.
— Mas ela disse...
— Gui, não importa o que ela disse. Minha irmã nunca o amou e definitivamente ela está
apaixonada por você, então seja lá o que você estiver fazendo, não pare.
— Acho que ela já me dispensou, quando disse que amava o outro cara.
— Sim, provavelmente ela quis mesmo afastar você, mas isso é porque ela não sabe lidar com o
que está sentindo. Ela nunca foi apaixonada por ninguém. Você é o primeiro.
Ouvir aquilo fez um sorriso brincar no rosto de Guilherme, mas, ainda assim, ele não nutriu muitas
esperanças. Conhecia Márcia o suficiente pra saber que se ela havia tentado afastar ele, tinha algo a
mais.
— E como pode ter tanta certeza que ela está apaixonada por mim?
— O comportamento dela. Muita coisa mudou depois que vocês começaram a trabalhar juntos e de
uns dias pra cá mudou ainda mais. Por isso perguntei se tiveram algo, porque isso explicaria ainda
mais a mudança dela ultimamente. — ela comeu um pouco e o encarou — Ontem depois que você a
deixou em casa, eu estava lá, mas ela não sabia. Então quando ela entrou em casa, eu vi, pela
primeira vez, em muitos anos, minha irmã com lágrimas nos olhos. Quando corri até ela, e a abracei
preocupada, comecei a perguntar o que ela tinha. Achei que era por causa das constantes ameaças, ou
por causa do Cléber, mas tudo que ela respondeu foi: “Ele arriscou a própria vida pra me salvar”.

Guilherme arregalou os olhos e a encarou. Ele havia realmente se arriscado para salvá-la, mas ele
não entendia por que Márcia entrou em seu apartamento, chorando.
— Eu não entendo... Ela tentou me afastar, diversas vezes. Mesmo quando eu tentei ajudá-la, no
dia do elevador e... — ele encarou ainda mais sério Camila — Há alguns dias, ficamos presos no
elevador, ela parecia tensa e quando tentei me aproximar ela estava tremendo, como se estivesse com
medo. — enquanto ele falava, foi a vez de Camila se mexer desconfortável e desviar o olhar — Tem
a ver com o que você disse, sobre o passado?
Ela não verbalizou a resposta, apenas balançou a cabeça, quase imperceptivelmente, confirmando.
Merda!
Aquilo só fez com que ele se preocupasse ainda mais.
— Camila...
— Não me peça pra falar, Gui, porque eu não vou, mas eu rezo pra que um dia ela mesma te conte.
Acho que vai ajudar muito. Agora, já que você não negou quando eu disse que estava apaixonado
pela minha irmã, eu deduzo que eu tenha razão. E sendo esse o caso, peço que não desista dela. Por
várias vezes a vi com um sorriso bobo no rosto, aparentemente sem motivos, mas eu sei que esse
motivo tem nome e sobrenome: doutor gatão.
Eles riram antes de Guilherme continuar:
— Obrigado. — ele não conseguiu evitar sorrir largamente — Isso era tudo que eu precisava
saber, para não desistir da Márcia.
Ela deu uma risada.
— Boa sorte com isso, você vai precisar.
Os dois riram mais e continuaram a conversa.
***
Márcia estava impaciente. Já tinha ligado para o celular de sua irmã duas vezes e ela não atendeu.
Medo e desespero tomaram conta dela.
Ela estava na casa da Camila, esperando por ela, porque precisava conversar, desabafar e tirar
aquele peso que estava sentindo de dentro dela, mas quando ela começou a demorar e não atendeu os
telefonemas, ela ligou para o restaurante.
O garçom que ajudava na limpeza atendeu e quando ele informou que ela estava conversando com
alguém e deu a descrição de Guilherme, ela precisou respirar algumas vezes.
Primeiro sentiu seu corpo estremecer, tomado pelo ciúme e então depois ficou preocupada que
Camila estivesse fazendo coisa ainda pior. Estivesse tentando juntar os dois. Conhecia bem sua irmã
para saber que ela seria capaz disso, então, sem pensar duas vezes ela saiu e decidiu ir até o
restaurante.
Quando o taxista parou no semáforo, a uma quadra de distância do restaurante, Márcia os avistou.
Claro que estavam longe, mas pela altura deles e silhueta ela os reconheceu. Ficou observando, mas
antes que a luz ficasse verde e o carro pudesse sair, o peito de Márcia se apertou.
Eles estavam se beijando!
Apesar de não querer que sua irmã desse uma de “cupido”, o que ela estava presenciando era
imensuravelmente pior.
— Mudei de ideia — ela disse ao taxista enquanto ele acelerava o carro — Me leve para outro
endereço.
Ela forneceu o endereço da sua casa e quando passou por eles, Guilherme já estava entrando em
seu carro.
Capítulo Vinte e Nove

A casa onde Wagner estava era simples, até demais. Uma das coisas que ele fez quando herdou a
herança do seu desconhecido pai, foi comprar vários imóveis, principalmente em cidades como
Curitiba, que eram foco de turismo. Algumas eram para passeio, férias, mas não era o caso daquela
casa.
Aquela ele adquiriu e a reservou, para ser um tipo de “covil”. Ali ele tirava o tempo para pensar,
guardava suas coisas, anotações e tudo que ele precisava pra todos os casos que ele trabalhava.
Claro que ele fez algumas mudanças, embutiu alguns cofres nas paredes e no chão. E ele não
escolheu aquela casa por acaso, não mesmo. Mas porque era uma das poucas casas que tinha porão,
coisa rara no Brasil. E depois de camuflar tudo, inclusive a passagem para o andar inferior da casa,
ele transformou-a em seu quartel-general.
Nem seus primos sabiam da existência daquele lugar.
Depois de tomar um banho demorado e trocar de roupa, Wagner sentou-se em sua poltrona e
começou a digitar o dossiê Montenegro.
Tudo que ele havia descoberto, até aquele momento, era surpreendente, mas uma peça ainda não se
encaixava. E essa era a peça principal. Ele só não entendia ainda os motivos, o porquê, mas sabia
que não demoraria muito a descobrir.
Quando terminou de digitar, ele mandou imprimir e pegou uma long neck na geladeira. Enquanto
esperava a impressora terminar seu trabalho, ficou tomando sua cerveja e então ele lembrou de
Camila e sorriu.
Sentia falta dela e do seu jeito de fingir que não gostava dele, quando na verdade seus olhos
diziam outra coisa. Ficou tentado a ligar para ela, mas não o fez. Sabia que se ele entrasse em contato
ela contaria à irmã e aquilo chegaria aos ouvidos dos primos.
Esse trabalho era mesmo um saco. — pensou ele.
Na maioria das vezes, te afastava das pessoas que você mais amava, mas era um mal necessário.
Além do mais, dinheiro nunca era demais.
Quando a impressora finalmente terminou, ele grampeou as folhas, as colocou dentro de uma pasta
de cor parda e escreveu Montenegro do lado de fora, depois desceu até o porão e guardou em um dos
cofres que tinha escondido lá.
Depois ele desligou tudo, trancou a casa e saiu. Antes de entrar no táxi ligou para Laura e pediu
que ela o encontrasse na pousada. Sabia que ela não ficaria lá esperando por ele.

***
Camila estava cansada, e aos domingos ela não ia ao restaurante. Deixava ele sob
responsabilidade do su-chef, afinal até ela precisava de folga de vez em quando.
Ela insistiu para que Márcia a acompanhasse em um passeio no shopping, talvez fizessem umas
compras, mas naquele dia sua irmã estava mais estranha que o normal. Até um pouco seca. Camila já
estava acostumada com aquilo e pediu aos céus para que Guilherme não demorasse muito para
dobrar sua irmã.
Pensar naquilo a fez sorrir.
Depois de passear bastante resolveu ir até uma praça, não muito longe do shopping, para tomar um
sorvete. E quando viu que estava tendo música ao vivo juntamente com alguma festividade, sentou-se
em um dos bancos de madeira, mesmo que um pouco distante de onde a banda tocava e resolveu
aproveitar.
Estava cantando, envolvida pela música, quando ela o viu. Ele não sorria como sempre, e apesar
da distância, ela quase poderia afirmar que ele não estava feliz. Mas antes que ela pudesse pensar em
qualquer coisa, a viu.
Wagner não estava sozinho. A mulher que ela viu saindo do quarto de hospital dele, há algumas
semanas, estava com ele. Os dois pareciam discutir, mas quando ele segurou ela pela nuca e a beijou,
Camila não pôde deixar de se sentir triste. Como se algo dentro dela se quebrasse.
Antes que eles sumissem do seu campo de visão, ela pegou o celular no bolso e tirou uma foto
deles, depois enviou para Guilherme.

“Seu primo está bem, acho que vocês podem parar de procurar”
Quando Guilherme recebeu a mensagem de Camila com a foto, imediatamente retornou a ligação e
perguntou onde ela estava e quando aquela foto tinha sido tirada. Depois que respondeu, ele pediu
para que ela não tirasse os olhos deles, e desligou.
Imediatamente ele mandou a foto para Gabriel, ligando para ele logo em seguida. Enquanto se
falavam ele informou que estava indo para a praça. O investigador não hesitou e disse que o
encontraria lá.
Os dois chegaram praticamente no mesmo instante à praça e quando Guilherme ligou para Camila
para saber onde ela estava, os dois correram até ela, mas quando chegaram ela parecia um pouco
perplexa.
— Onde ele está? — Guilherme perguntou.
— Desculpa, Gui, eu tentei te avisar mas você não me deixou falar. — ela olhou como quem se
desculpava — Assim que eu olhei novamente para onde estavam, eles já haviam sumido.
— Quanto tempo, mais ou menos, tem que você os viu? — Gabriel perguntou, impaciente.
— Vinte minutos, no máximo.
— Obrigado. — ele agradeceu se afastando e retirando o celular do bolso, pedindo que outros
policiais procurassem nos arredores e depois informou a Guilherme que iria para a concessionária
de trânsito, verificar as câmeras do lugar.
Depois que Gabriel saiu, Guilherme continuou com Camila e explicou superficialmente a situação.
Disse que desde o hospital que ninguém o via e que ele parecia ter desaparecido. Também explicou
sobre a moto a alguns metros do local da explosão do prédio.
Camila não podia acreditar no que ouvia, muito menos na suspeita deles, de que Wagner tivesse
alguma ligação com a explosão, mas ela guardou sua opinião para si. Eles conheciam Wagner melhor
que ela.
— Como vai sua irmã? — ele perguntou quando o assunto sobre Wagner acabou.
— Estranha.
— Como assim?
— Ontem, enquanto conversávamos, ela me ligou duas vezes, mas quando eu retornei ela não
atendeu. Eu não insisti muito porque achei que ela pudesse estar dormindo. Mas hoje quando eu a
convidei para sair ela foi seca demais, mais que o normal, apesar de que, comigo ela é diferente.
— Será que aconteceu algo?
— Não sei, mas eu tirei o dia para descansar e relaxar, mais tarde eu tento conversar com ela
novamente.
Eles ainda conversaram um tempo, mas depois de tudo que ela disse, Guilherme só conseguia
pensar em Márcia e quando eles se despediram, ele estava decidido. Iria até ela.
***
Márcia se sentia como um animal preso em uma jaula. De repente, seu confortável e aconchegante
apartamento parecia sufocá-la, mas a verdade é que não era exatamente o lugar que a estava deixando
com essa sensação de sufocamento. Eram suas memórias.
A imagem de Guilherme e sua irmã... aquele beijo... Céus, aquilo estava a matando.
Márcia pegou a chave do carro, sua bolsa e seguiu em direção à porta, decidida a ir para algum
lugar, qualquer lugar, tentar esquecer aquilo, mas quando ela girou a maçaneta e abriu a coisa de
madeira, deu de cara com ele.
Guilherme estava parado diante da sua porta com a mão esticada como quem pretendia tocar a
campainha. Por um instante os olhares deles se cruzaram e eles ficaram em silêncio pelo que pareceu
uma eternidade, até que ele falou:
— Gostaria de falar com você.
— Estou de saída. — ela respondeu e deu um passo na direção da porta, mas Guilherme não se
intimidou.
— É rápido.
Guilherme não deu a ela a chance de recusar. Ele deu um passo na direção de Márcia, o que a fez
instintivamente recuar, depois ele continuou, até que já havia passado da porta, e após fechá-la,
apontou para o sofá.
Márcia o encarou, com os olhos apertados mas não disse nada. A cena de Guilherme beijando
Camila parecia mais vívida agora que ele estava ali, e apesar de a presença dele mexer com ela,
definitivamente colocaria um ponto final nisso. De uma vez por todas.
Capítulo Trinta

Porra!
Wagner andava de um lado para o outro, nervoso, impaciente. O cigarro, que até então era por pura
diversão, estava se tornando um vício na sua inútil tentativa de se acalmar. Ele precisava resolver
aquilo, mas como?
Da última vez seus planos não deram muito certo. E ele acabou encurralado, entre seus primos e
sua moto. Merda! Ele ainda podia sentir o cheiro do esgoto.
Agora?
Agora era muito pior. Ele definitivamente não poderia falhar, ou tudo estaria perdido. Montenegro
era um cara esperto e não era do tipo que perdoava ou aceitava falhas. E se ele dissesse que aquilo
não o deixava dividido, estaria mentindo, mas ele havia escolhido um lado e agora deveria arcar com
as consequências disso, mesmo que a culpa começasse a lhe corroer como uma traça.
— Está nervoso? — Laura perguntou.
— Não. — ele mentiu e sorriu, caminhou até ela e depois de deitar ao seu lado a puxou contra seu
corpo — Apenas pensando...
— Sobre o que, exatamente?
— Laura, — ele respirou fundo — sei que eu prometi te falar tudo, sei que você se abriu
totalmente a mim, mas acredite, tem coisas que eu prefiro não te falar.
— E até quando será assim, Wagner? — ela parecia ofendida.
— Até quando eu quiser. — ele segurou o cabelo dela pela nuca e a beijou intensamente, fazendo
ela esquecer aquela conversa, mesmo que momentaneamente.
Era sempre assim. Todas as vezes que ela começava com as perguntas, ele a beijava e a jogava na
cama, dando a ela a coisa que ela mais gostava.
Uma foda, bem dura.
Depois de fazê-la esquecer, Laura dormiu e ele ficou ali, fitando o teto tentando descobrir como
fazer para resolver seu problema.
Não imaginava que sua escolha fosse colocá-lo naquela situação.
Merda!
Ele nem sabia por que estava pensando tanto. Ele já sabia o que tinha que fazer e não hesitaria em
fazê-lo. Sabia que as consequências disso eram grandes, mas estava pronto para arcar com elas,
independente de quais fossem.
E que os céus o ajudassem.

***
Gabriel não podia acreditar no que seus olhos viam. Ele já tinha perdido a conta de quantas vezes
tinha assistido aquele vídeo, como se, por causa da repetição as imagens pudessem mudar, mas não
mudaram.
Não mudaram quando ele viu a moto estacionar a alguns metros do prédio e o cara descer dela.
Não mudaram quando ele caminhou até a porta do edifício, olhando para os lados se certificando
que ninguém o observava.
Não mudaram quando ele saiu, alguns minutos depois, olhando novamente para os lados e colocou
o cigarro na boca, sem acender.
Não mudaram também quando o cara esperou, ali, diante da porta do prédio, andando de um lado
para o outro, impaciente.
Nem quando ele correu para se esconder atrás de um carro que estava estacionado a alguns metros,
quando outro veículo parou diante do edifício e a juíza e seu amigo desceram.
E Gabriel até podia ter confundido o cara. Até poderia não ser ele, se não fosse a enorme tatuagem
no braço.
Não, não existiam duas pessoas com tatuagens idênticas, o que só confirmava o que seus olhos
assistiram repetidas vezes.
Era Wagner. No local do crime.

***

Márcia não se sentou, assim como Guilherme também não. Eles permaneceram alguns minutos em
silêncio, antes que ela o quebrasse.
— Bom, se você tem alguma coisa pra falar, comece logo, eu tenho mais o que fazer e...
— Estou apaixonado por você. — Guilherme disparou antes que ela terminasse de falar.
Márcia arregalou os olhos e deu um passo para trás se apoiando nas costas do sofá, como se
aquelas palavras a tivessem atingido.
Ela não podia ter ouvido direito. Claro que não. Não depois do que ela viu. Ele e Camila juntos.
— O que você disse?
— Isso que você ouviu. — ele deu um passo na direção dela e a encarou — Eu tentei negar, fingir
que não podia ser verdade, mas é. Estou apaixonado por você.
Ela deu uma risada debochada que pegou Guilherme de surpresa. Ele esperava qualquer reação
dela, até um tapa na cara, menos aquilo.
— Por que está rindo? — ele perguntou sem conseguir esconder a irritação na voz.
— Porque você deve me achar uma idiota, se acha que vou acreditar nisso.
— Estou sendo sincero...
— Sim, então você costuma beijar as irmãs das mulheres por quem você se apaixona, doutor?
Guilherme franziu a testa e a encarou, sem saber do que ela estava falando.
— Porque se essa é sua forma de mostrar que está apaixonado...
— Eu não beijei ninguém. Do que você está falando?
— Não minta pra mim, eu mesma vi. — Márcia não se preocupava em esconder a raiva e
frustração em sua voz.
Estar ali diante dele, a fez perder totalmente o controle e toda aquela angústia que ela sentiu, desde
a noite anterior, estava saindo como vespeiros de sua boca.
— Você viu errado então, eu e Camila somos apenas amigos.
— Amigos que se beijam...
Guilherme não pôde evitar sorrir. Apesar de ainda estar com o nariz empinado, Márcia
demonstrava todo seu sentimento e rancor. Ele não havia beijado Camila. Bom, pelo menos não da
forma como ela estava colocando.
Quando se despediram na noite anterior, Guilherme beijou o rosto de Camila, mais demorado que
o normal, porque se sentia agradecido pelas palavras dela, e principalmente pela ajuda com a irmã.
Com Camila ao seu lado, ele tinha reacendido a esperança de poder ficar com Márcia.
Agora o ciúme dela era outro ponto a seu favor. O problema, é que o sorriso dele foi mal
interpretado, e Márcia gritou:
— Você ainda sorri? — ela disse furiosa.
Guilherme arriscou.
Caminhou com passos firmes e rápidos até Márcia, e quando chegou perto suficiente envolveu sua
cintura e a puxou, segurando sua nuca com a outra mão.
Quando suas bocas se juntaram, ela o mordeu, mas Guilherme não se afastou. Já estava se
acostumando com aquilo e para falar a verdade estava começando a gostar.
Ele intensificou o beijo, demonstrando a ela o quanto ele a desejava, demonstrando que era ela que
ele queria e claro que Márcia retribuiu. Toda vez que ele a tocava, era como se ela se perdesse um
pouco. Mas isso não era ruim, pelo menos não totalmente.
A mão de Guilherme que estava em sua cintura, desceu e segurou a coxa de Márcia fazendo ela se
erguer e a perna dela envolver o quadril dele enquanto suas línguas duelavam sensualmente.
Ela o empurrou, com força fazendo Guilherme cair sentado sobre o sofá, mas ele já esperava por
isso e a puxou, fazendo Márcia cair sentada sobre seu colo. Ele segurou sua nuca e a puxou,
beijando-a novamente, enquanto sua mão livre percorria o corpo dela.
Guilherme ergueu sua saia e apertou sua bunda, puxando o corpo dela contra o dele, fazendo-a
sentir sua ereção. Márcia gemeu contra sua boca enquanto começava a se mexer sobre o colo dele,
mas, mais uma vez, Guilherme assumiu o controle e se levantou com ela em seu colo, a levando até
seu quarto, seguindo direto para o banheiro. Livrando-se das roupas dela durante o caminho.
Márcia já estava praticamente nua e Guilherme ainda se livrava das calças e da cueca quando a
colocou sentada sobre a bancada da pia. Sem hesitar ele puxou a calcinha dela e a jogou no chão
antes de segurar sua bunda e puxar seu corpo para frente. Ela colocou os pés em torno do corpo dele
e o puxou, mas ele não se deixou levar e percorreu sua boca pelo corpo dela, passando por seu
pescoço, clavícula, até chegar finalmente em seus seios. Ele segurou eles com as mãos e se deliciou
com a pele macia e quente dela enquanto ela gemia e arqueava seu corpo, como se oferecesse a ele
seus seios.
Márcia nunca foi uma mulher de deixar que os caras fizessem o que queriam com seu corpo. Pelo
contrário, sempre tomou as rédeas da situação. Sempre. Mas desde que tinha experimentado a
sensação da boca de Guilherme em sua pele, não pensava em outra coisa, senão em senti-lo
novamente, exatamente como agora.
Guilherme provou seus mamilos, mordendo e sugando, deixando-os levemente avermelhados, antes
de continuar descendo até o sexo dela. As pernas de Márcia ficaram apoiadas nos ombros de
Guilherme, enquanto ele se deleitava com o sabor dela, passando sua língua em todo seu sexo,
Márcia gemia e se remexia contra sua boca, de certa forma, ditando a velocidade que ele a provava.
E ele não se importou, continuou ali se deleitando com o sabor dela.
Quando as pernas dela estremeceram, ele a segurou no lugar, impedindo que ela se afastasse e
continuou sem pressa, prolongando aquela deliciosa sensação, ouvindo os gemidos dela ecoarem no
banheiro.
Até que Márcia relaxou.
Ao sentir o corpo dela relaxar, Guilherme subiu sua boca pelo seu corpo, beijando e lambendo sua
pele, parando sobre seus seios, antes de beijar sua boca apaixonadamente.
Enquanto eles sem beijavam, Guilherme puxou o quadril de Márcia para ponta da bancada e a
penetrou. Uma de suas mãos erguia a perna dela, deixando-a exposta para ele, e com a outra segurava
sua nuca, intensificando o beijo cada vez mais, enquanto ele a tomava.
Os gemidos dela eram abafados pelo beijo apaixonado que ele lhe dava, como se quisesse mostrar
a ela, não com palavras, mas com gestos, que ele a queria. Que ela era a única a qual ele desejava.
Guilherme não se deu conta de quanto tempo ficou ali, perdido dentro dela, fazendo seu membro
sair e entrar tão fundo quanto possível, mas quando ela gemeu seu nome alto e o sexo dela se contraiu
apertando sua pulsante ereção, ele se liberou.
Independente dos outros relacionamentos que ele tivera, com Márcia era diferente. Sempre que ele
estava com ela, sempre que se perdia dentro dela, ele se sentia diferente, como se só com ela, ele
fosse... completo.
Quando acabou, os dois estavam ofegantes. Guilherme voltou a beijar Márcia e se retirou dela
relutantemente. Depois a ajudou a descer da bancada, e quando ela tentou se afastar ele simplesmente
a segurou.
— Nossa conversa não acabou. — ele a puxou para o box, e depois de verificar a temperatura da
água, abraçou Márcia, que até aquele momento, se manteve em silêncio, apenas o encarando e entrou
debaixo do jato quente, junto com ela.
Enquanto a água fazia seu trabalho, ele a beijou, depois pegou o sabonete e lavou o corpo dela
aproveitando o toque em cada centímetro do seu corpo. Depois se ensaboou rapidamente e saíram.
Enquanto se enxugavam, ele não tirava os olhos dela, como se as palavras estivessem presas em
sua garganta.
— Está com fome? — ele perguntou.
— Não... Quer dizer, um pouco. — ela continuou suavizando a voz.
— Ótimo, vou preparar algo pra nós. A conversa vai ser longa. — Ele vestiu apenas a cueca e a
calça e seguiu para cozinha, deixando Márcia perdida com seus pensamentos.
Capítulo Trinta e Um

Camila estava animada. Depois que conheceu Monique no hospital e elas trocaram número do
celular, não pararam mais de se falar.
As duas tinham algo em comum: o amor pela gastronomia.
Monique há muito tinha sonhado em ser, assim como Camila, uma chef, mas o destino lhe pregou
uma peça e ela acabou tendo que abandonar a faculdade. Graças aos céus tudo se resolveu e desde
então, pensava em retomar os estudos, mas sempre que pisava dentro de uma faculdade, parecia que
ela começava a reviver tudo de novo, todo medo, toda angústia e acabava desistindo.
Seguindo o conselho de Gabriel, ela resolveu dar um tempo, e conhecer Camila foi a melhor coisa
que podia ter lhe acontecido.
As duas se tornaram amigas rapidamente e Camila havia lhe oferecido um emprego em seu
restaurante. Prometeu lhe ensinar tudo que sabia sobre comida e temperos.
Agora Camila estava diante do restaurante e quando Monique virou a esquina, ela sorriu animada.
Era o primeiro dia das duas juntas e ela tinha certeza que ajudar a amiga lhe faria bem.
Quando as duas se encontraram, se abraçaram apertado.
— Já disse que não tenho palavras para te agradecer, não é mesmo?
— E eu já disse que não precisa, gata. — Camila piscou — Se você amar tanto cozinhar, como eu,
será um prazer.
As duas se abraçaram mais uma vez e antes que pudessem entrar no restaurante, ouviram o barulho
de uma moto acelerar na direção delas.
Monique arregalou os olhos, e Camila apertou sua mão, mas quando o motoqueiro, todo de preto
com a viseira do capacete espelhado, parou diante delas e um carro se aproximou cantando pneu, as
duas se abraçaram.
O motoqueiro apontou uma arma para o veículo do outro lado da rua e só então que Monique
percebeu que o vidro fumê estava aberto, apenas o suficiente para que um cano escuro saísse do
carro.
O cara da moto disparou inúmeras vezes contra o carro, que devolveu o tiro, antes do motorista
acelerar e sair cantando pneu, virando a esquina em alta velocidade, sem respeitar o sinal de trânsito.
Enquanto tiros eram trocados, elas gritavam e Camila puxou as duas, jogando-as no chão. Quando
o carro desapareceu, o motoqueiro apenas virou-se para se certificar que as duas estavam bem e
saiu, deixando o local.
Por um instante tudo pareceu ficar em câmera lenta. A voz de Camila enquanto perguntava a
Monique se ela estava bem, não passava de um zumbido.
A sua cabeça doía e ela podia sentir o líquido quente escorrendo por sua testa, suas mãos ainda
tremiam quando ela pegou o celular do bolso e ligou para única pessoa que queria ali naquele
momento.
— Gabriel... — foi tudo que ela conseguiu dizer antes de ser engolida pela escuridão.

***

Laura andava de um lado para outro impaciente. As chaves e documentos do seu carro haviam
sumido e ela precisava sair. Sabia exatamente com quem estava seu carro alugado, mas começava a
ficar irritada com a quantidade de segredos entre ela e Wagner.
Na verdade, ela ainda se surpreendia com a proposta que ele fez a ela.
Pelo que ela conhecia dos Goulart, eles, por mais que tivessem suas diferenças, se protegiam.
Matavam e morriam, um pelo outro. Mas Wagner não. Ele os traíra, sem hesitar. E claro que ele não
era irmão de Guilherme e Gabriel, mas, ainda assim, até onde ela sabia, sempre foram amigos.
Parceiros até.
Quando a porta do quarto se abriu ela o encarou furiosa, pronta para reclamar, mas pela expressão
frustrada dele, ela apenas respirou profundamente.
— Ainda bem que chegou, preciso do carro.
— Claro. — ele jogou as chaves para ela e se virou caminhando em direção ao banheiro, sem
dizer mais nada.
Ela nunca o vira tão irritado. Nem de longe parecia o cara que ela conheceu há algumas semanas.
Mas sem dar muita importância para isso, ela saiu.

Depois que ouviu o barulho da porta batendo, Wagner desabou. Ele não ia aguentar aquilo por
muito mais tempo, sabia que não.
Diante do espelho ele se encarou e nem de longe parecia o mesmo. A tensão estava toda estampada
em seus olhos e seu semblante, a raiva visível na sua respiração enquanto seu peito subia e descia.
— Merda! — ele gritou enquanto socava o espelho fazendo a coisa se estilhaçar e o sangue quente
escorrer por seus dedos.
Ainda mais irritado por causa da dor, ele colocou a mão debaixo da torneira e deixou a água
elevar sua dor. Poderia jogar álcool naquele momento se tivesse um vidro por perto, mas ele não
tinha. Merecia aquilo. Aliás, aquela dor era pouco, perto de tudo que ele merecia.
Era um crápula.

***

Enquanto dirigia, Laura pensava na decisão que tinha tomado. Ninguém sabia sobre seus
pensamentos, ninguém sabia o que ela ia fazer. Nem mesmo Wagner. Se ele podia manter segredos
dela, ela não se sentia culpada em retribuir. Além do mais, se ele soubesse o que ela pretendia,
provavelmente tentaria impedi-la.
Que ironia.
Ele tentaria por um pouco de juízo na cabeça dela, e se tem uma coisa que ela nunca teve, foi juízo.

***

Márcia terminou de se secar e colocou um vestido leve. Sentou na cama e olhou para o banheiro se
lembrando de tudo que tinha acontecido alguns minutos atrás. Não conseguia entender por que, mais
uma vez, bastou que Guilherme a tocasse para ela se entregar. Nunca tinha sido assim, mas ele tinha
algo... E até poderia dar certo. Droga, ela já tinha começado a cogitar a possibilidade de continuar
com aquilo, até vê-lo beijar Camila.
Ela precisava por um fim nisso, e desta vez, não deixaria que ele a tocasse.
Decidida, ela se levantou e foi até a cozinha.
Ele batia ovos em uma tigela e enquanto fazia isso, seus músculos se moviam e Márcia precisou se
concentrar para não perder seu propósito.
— Eu sinceramente não sei o que você tem para me falar, mas definitivamente, eu não quero ouvir.
Não depois do que eu vi.
— Se você vai voltar ao beijo imaginário entre sua irmã e eu...
— Não foi imaginário, eu vi.
— Você se enganou.
— Impossível. — ela alterou a voz, e Guilherme depositou a tigela sobre a pia antes de virar-se
para ela e a encarar.
Márcia respirou fundo quando viu o semblante dele. Nem nas mais terríveis audiências, das quais
ela presidiu com ele, o viu tão sério. Talvez até, irritado.
— Eu já entendi o quanto você é teimosa. Conheço bem sua personalidade, porque meu irmão é
igualzinho. — ele cruzou os braços diante do peito e continuou a encará-la sério — Vou resumir uma
história pra você, porque já vi que continuar negando o que você viu, não vai adiantar. — ele deu
dois passos duros na direção dela, mas manteve certa distância — Há muito tempo, eu e meu irmão
fomos assim, como você e Camila. Apesar das nossas diferenças na personalidade e em praticamente
tudo, éramos amigos, inseparáveis. E então Laura, ex-noiva dele, armou um falso flagrante. Eu
estudava muito, até tarde e naquela época eu tinha o sono pesado. Ou ela fez algo a mais para que eu
não acordasse, não importa. Acontece que Gabriel nos pegou juntos e nunca acreditou que eu não
tinha tido nada com ela. Deixei que ele me batesse, sem revidar, sabia que naquele momento ele
precisava daquilo, mesmo que eu não tivesse culpa, achava que depois que ele se acalmasse me
ouviria e nossos laços de sangue, nossa amizade falariam mais alto, mas ele nunca me perdoou.
Nossa amizade ruiu de forma irreparável, a ponto de, até hoje, não ser mais a mesma coisa.
— Eu não sabia... — ela disse diante da visível dor de Guilherme.
— Claro que não. Mas não para por aí. — ele caminhou em direção a sala e Márcia o seguiu.
Quando ele percebeu que ela estava atrás dele, soube que tinha conseguido capturar sua atenção.
Começou a vestir sua camisa enquanto falava e quando terminou, parou diante da porta da sacada do
apartamento e fitou o lado de fora, sem olhar realmente para lugar nenhum — Eu e Gabriel ficamos
anos sem nos falarmos. Eu sentia falta dele, porra, sentia pra caralho, da nossa amizade, de como
éramos, mas toda vez que eu tentava me explicar, ele era o idiota de sempre, me xingava, não me
ouvia, até que um dia eu desisti e segui com a minha vida. Muitos anos depois conheci Monique. —
Márcia arregalou os olhos e ele continuou — Nós começamos a namorar e eu me apaixonei
perdidamente por ela. E durante alguns meses, eu fui o cara mais feliz do mundo, mas o que ninguém
sabia é que todo dia quando eu deitava minha cabeça na porra do travesseiro, eu pensava no Gabriel
e me perguntava se um dia ele seria feliz novamente, feliz como eu estava. E eu torcia e pedia aos
céus que sim. Só que minha felicidade não durou muito. Por causa da faculdade, Monique e eu
terminamos, mas eu era tão apaixonado, que decidi esperar. Eu estava sempre por perto, como amigo,
ajudando ela quando precisava, esperando que minha vez chegasse novamente, até que toda aquela
confusão aconteceu na vida dela. Eu estava em um seminário, na Europa, mas não hesitei em voltar
para defendê-la, mesmo sabendo que quem havia colocado ela atrás das grades tinha sido meu irmão.
Sabia que ia entrar em uma batalha, da qual eu não queria, com Gabriel e isso afastaria ainda mais
meu irmão e eu, mas eu não podia deixá-la levar a culpa. Droga, eu a amava e sabia que ela jamais
faria o que estava sendo acusada. E eu estava preparado para tudo, para as consequências disso, eu
só não estava preparado para ver a mulher que eu amava, por qual eu parei minha vida para ajudar,
se apaixonar pelo meu irmão, com toda idiotice dele. Estava menos preparado ainda para ver meu
irmão, retribuir esse sentimento. — Guilherme respirou fundo e voltou a encarar Márcia — E sabe o
que eu fiz? Recuei. Deixei meu irmão ter a felicidade que eu, indiretamente, havia tirado dele quando
Laura armou aquele circo todo. Abri mão da minha própria felicidade, para que Gabriel pudesse ser
feliz novamente. Sofri durante doze miseráveis meses, vendo os dois sendo o casal mais feliz do
mundo, enquanto cuidavam dos preparativos para o casamento deles. E vi meu irmão ser feliz,
enquanto eu afundava na minha autopiedade. E pra fechar a tampa do caixão, ainda fui padrinho do
casamento dos dois. Então, Márcia — ele se aproximou novamente, mas ainda a encarava sério — se
você acha que, por um segundo, eu brincaria com a sua amizade e da Camila, melhor pensar
novamente. Sou um homem, não um moleque. Mesmo que nós dois não tenhamos nenhum tipo de
“compromisso”, isso que estamos tendo — ele apontou para os dois — já é o suficiente para me
fazer respeitar sua irmã e você acima de tudo.
Márcia estava atônita. Tudo que ele havia contado para ela, era como um balde de água fria e claro
que naquele momento ela começava a duvidar do que realmente havia visto.
— Eu vim até aqui — ele disse, já com a mão na maçaneta — para ter outro tipo de conversa,
queria dizer outras palavras, mas diante da sua reação e sua teimosia em não acreditar em mim, eu
vou recuar. Mas pense em tudo que eu disse, e se mudar de ideia, bem... você sabe onde eu moro.
Quando Guilherme passou pela porta e a fechou, seu celular tocou ao mesmo tempo que o de
Márcia tocou dentro do apartamento.
Capítulo Trinta e Dois

Guilherme não conseguia tirar as palavras de Gabriel da cabeça. Nem de longe parecia seu irmão.
Ele estava além de irritado, mas não era só isso. Gabriel estava sofrendo, quebrado, e isso ficou
perceptível na sua voz.
Monique estava no hospital e apesar de ter chegado ao local desacordada, já estava consciente,
mas não era só isso que havia deixado seu irmão ensandecido.
O problema era mais grave.
Ela estava grávida.
E depois do susto e da queda, estava sangrando, correndo o risco de perder o bebê.
Que os céus livrassem seu irmão de passar por isso e não só ele, mas o próprio Guilherme, pois
ele sofreria tanto quanto.
Quando ele estacionou no hospital, não se preocupou em procurar uma vaga, apenas abandonou o
carro e entrou, pegando o celular e perguntando ao irmão onde ele estava.
Assim que chegou ao andar que ele se encontrava, Monique estava deitada na cama de hospital,
aparentemente dormindo, enquanto Gabriel estava sentado em uma cadeira, com a mão sobre barriga
dela, alisando, enquanto mantinha a cabeça baixa.
— Gabriel... — Guilherme chamou e quando o irmão o viu, seus olhos escureceram, mas não de
raiva.
Pela primeira vez, em muitos anos, Guilherme viu novamente aquele olhar em seu irmão. O mesmo
olhar que ele viu quando presenciaram a morte de seu pai.
Guilherme caminhou até ele e Gabriel se levantou, e assim sem dizer nenhuma palavra os dois se
abraçaram, tão forte, tão apertado que foi quase sufocante.
— Monique é forte, e o bebê de vocês não seria diferente. Vai ficar tudo bem. — Guilherme disse.
— Ela está tendo que tomar remédio para segurar, ou... ou pode... ainda assim, pode...
— O remédio vai funcionar. Eu sei que vai.
Finalmente os dois se afastaram e apesar de toda tristeza quase palpável no ar, os dois puderam
sentir aquela velha conexão de volta.
— Isso é coisa dele, Gui. — Gabriel falou, agora com seu velho semblante carrancudo de volta —
Eu vou matar aquele desgraçado com as minhas próprias mãos.
— O que precisamos e condená-lo de uma vez, esperar ele apodrecer atrás das grades.
— Ele não vai sossegar enquanto não pegar um de nós.
— Montenegro é poderoso, mas não é Deus.
Os dois ficaram em silêncio quando Monique deu um leve gemido, mas permaneceu dormindo.
Gabriel fitou a mulher por alguns minutos em silêncio, antes de falar:
— Falávamos outro dia em ter filhos. — Gabriel mudou de assunto, com um pesar na voz que
chegava a ser comovente — Íamos esperar pelo menos uns dois anos. Eu ia pedir para ficar em
serviço interno e então teríamos nosso filho. Tínhamos planejado dois. Agora...
Ele voltou a se calar e Guilherme colocou a mão sobre seu ombro.
— Agora seus planos foram alterados, meu irmão. Você vai ser pai e quer saber? — Gabriel o
encarou — Vai ser um excelente pai.
— E você um excelente tio. — Gabriel sorriu repetindo as palavras e o gesto do irmão, colocando
a mão sobre o ombro dele.
— Vou, e vou mimar muito seu filho.
Os dois sorriram e quando Gabriel ficou sério novamente, Guilherme repetiu o gesto esperando ele
falar.
— Desculpe.
— Pelo que?
— Eu sei o que você sentia por ela, eu percebia toda vez que estávamos juntos, via como você a
olhava e... Bem, eu não fiz por mal, você sabe... o lance de padrinho. Eu só queria participar você da
minha felicidade.
— Não se desculpe por isso, Gabriel. Apesar de tudo, eu estava feliz pela sua felicidade, pelo
menos um pouco.
— Você é um cara muito melhor que eu Guilherme. A mulher que ganhar seu amor, vai ser muito
feliz.
Guilherme deu um sorriso fraco.
— É, infelizmente, acho que ela não pensa igual.
— Estamos falando da juíza?
— Está tão perceptível assim?
— Você sempre foi um cara muito transparente, Guilherme. Acho que todos que te conhecem, pelo
menos um pouco, perceberam que está rolando algo.
— Lamentavelmente só ela não nota isso.
— Talvez ela só precise de um tempo. — Gabriel deu dois tapas no ombro do irmão e antes que
qualquer um dos dois pudesse falar alguma coisa o celular de Gabriel tocou.
Enquanto falava, ele se afastou de Monique e quando finalmente desligou, encarou o irmão.
— Eu preciso ir à delegacia.
— Está tudo bem?
— Conseguiram uma filmagem da hora do incidente. Eu preciso ver com meus próprios olhos.
— Tudo bem.
— Fique aqui com ela.
— Ficarei.
— Gui... — ele encarou o irmão ainda mais sério — Não arrede os pés daqui até eu voltar. Não a
deixe sozinha.
— Não vou.
— Nem por um segundo. — Guilherme podia perceber o medo na voz do irmão.
— Eu prometo, Gabriel, não vou tirar os olhos dela nem por um segundo.

***

Márcia dirigia desesperadamente até o restaurante. Tinha tentado falar com Guilherme, mas o
celular dele estava caindo direto na porcaria da caixa postal.
Não podia acreditar que sua irmã tinha corrido tal risco, por culpa dela, do trabalho dela. Ela
precisou apertar o volante para que suas mãos parassem de tremer.
Quando ela chegou, a rua do restaurante estava interditada. Então ela estacionou de qualquer jeito
e quando ultrapassou a fita amarela da polícia, ninguém tentou impedi-la.
Uma das vantagens de ser quem era.
Todos a conheciam, não era necessário se apresentar, e óbvio que a essa altura, já sabiam que o
restaurante era da sua irmã e isso sim, era uma coisa ruim.
Apesar de estar sempre frequentando ali, poucas pessoas sabiam que a dona era irmã da juíza
Braga, mas agora, com toda essa repercussão e confusão no caso Montenegro, provavelmente muitas
pessoas estavam sabendo. Ainda assim, ela não precisava pensar muito para saber que, o que quer
que tivesse sido esse atentado, era coisa dele. Ver sua irmã sentada, perto do vidro estilhaçado na
calçada, fez seu coração se apertar.
Aquele desgraçado. — pensou ela.
Ela gostaria de matá-lo com as próprias mãos.
Quando avistou Camila ela caminhou rapidamente até a irmã, que conversava com um policial e
parecia frustrada.
— Ca, como você está? — ela perguntou e rapidamente Camila se levantou e a abraçou.
— Bem, eu acho. — ela suspirou — Estou preocupada com Monique, alguma notícia?
Márcia apenas balançou a cabeça negativamente.
— Ainda não terminamos. — o policial disse e Márcia o encarou, antes de olhar seu nome no
uniforme.
— Dantas? — ela disse e ele balançou a cabeça afirmativamente — O que falta?
— Eu já disse a ele em detalhes tudo que aconteceu.
— Preciso de mais detalhes sobre o motoqueiro.
— Ca, me conta o que houve.
Camila suspirou e falou para irmã tudo que já havia dito ao policial mais de uma vez, e quando
terminou, suspirou frustrada.
— E eu já disse isso a ele duas vezes, mas ele continua me fazendo perguntas.
— É porque o motoqueiro...
— Me permite? — Márcia apontou para o bloco do policial que hesitou, mas como ela era uma
autoridade, ele lhe entregou.
Depois de ler tudo que ele havia anotado, ela devolveu o bloco a ele e o encarou.
— Deixa eu ver se entendi. — Márcia o interrompeu — Um carro que estava, aparentemente,
parado a alguns metros do restaurante, canta pneu, para diante de um estabelecimento, aponta uma
arma para duas mulheres indefesas na calçada. Hipoteticamente falando. — ela debochou — E um
motoqueiro que surge do nada, atira na direção do carro, se preocupando em não acertar ninguém que
passava na calçada do outro lado, já que mais de uma testemunha disse que ele atirou praticamente
no chão, embaixo do carro, assustando o motorista e fazendo ele sair correndo.
— Sim.
— E você só está preocupado em descobrir quem era o motoqueiro? E o cara no carro?
— Porque pode ser um justiceiro e nós não podemos permitir...
— Justiceiro? — Márcia ergueu a sobrancelha — Até onde eu sei, a briga podia ser apenas dos
dois. Elas podiam estar apenas no lugar errado na hora errada. Por que acha que é um justiceiro?
— Foi apenas um termo. — ele recuou.
— Bom, então Dantas, acho que minha irmã já disse mais de uma vez o que aconteceu, ela deve
estar assustada e cansada, e se você não tem perguntas novas a fazer, vou levá-la comigo.
Dantas a encarou e Márcia pôde sentir que ele não havia gostado da atitude dela, mas ela não
estava preocupada. Quando ele assentiu, ela agradeceu e puxou Camila até seu carro.
Já dentro do carro, ela colocou a mão sobre a mão da irmã e apertou.
— Eu não sei o que faria se algo tivesse acontecido com você por minha causa.
— Não foi por sua causa, você mesma disse que pode ter sido hora e local errado.
— Eu só disse isso porque achei o comentário do policial suspeito, mas não acredito nisso. Isso
foi coisa do Montenegro, tenho certeza.
Camila não disse nada, apenas segurou a mão da irmã e apertou com carinho.
— Vou te levar pra minha casa e... — Márcia começou, mas Camila a interrompeu.
— Depois. — ela encarou a irmã — Primeiro preciso ver Monique.
Márcia penas assentiu e saiu com o carro.

Quando chegaram ao hospital, depois de Camila ter conseguido falar com Gabriel, foram direto
para o quarto onde Monique estava.
Ela bateu à porta devagar, mas ninguém respondeu, então ela abriu silenciosamente e quando as
duas entraram Márcia sentiu seu peito se apertar.
Guilherme estava sentado na beira da cama, com a mão sobre a de Monique acariciando a mão
dela, mas isso não foi o que a deixou angustiada, e sim o olhar que ele lançava a ela... um olhar
intenso, cheio de carinho, cheio de... amor.
— Oi, como ela está? — Camila disse, sem cerimônia chamando atenção dele.
— Oi. — ele se virou e seu olhar se cruzou com o de Márcia brevemente, antes de ele ir até
Camila e a abraçar — Ela está bem, e você? — ele perguntou genuinamente preocupado.
— Estou ótima, pronta para outra.
— Não diga besteira. — Márcia a repreendeu.
— Concordo com a juíza. Não diga bobeira.
— Ah não, doutor gatão, não seja chato como minha irmã, somos do mesmo time, lembra?
Ele sorriu genuinamente.
— Lembro sim.
Márcia revirou os olhos, e foi em direção à porta.
— Camila vou esperar você do lado de fora.
O olhar dela e de Guilherme se prenderam mais uma vez antes de ela se virar e sair.
Guilherme e Camila ainda conversaram alguns minutos antes de ele resolver sair e verificar se
Márcia estava mesmo do lado de fora. E assim que ele abriu a porta, a viu.
Eles se encararam e ela se levantou caminhando até ele.
— Sabe, eu fiquei pensando nas palavras que você me disse mais cedo e eu até estava acreditando
em você.
— Estava?
— Sim, não sobre o lance do seu beijo com a minha irmã. Eu estava longe, dentro do táxi, era
noite. Posso ter me enganado, mas você está mentindo pra si mesmo.
— Sobre o quê?
— Você ainda ama essa moça, e devia se afastar. — ela não conseguia conter o rancor na voz. O
ciúme estava a corroendo.
— Você está errada.
— Eu vi a forma como você olha para ela.
— Monique foi e é alguém importante na minha vida. Isso não significa que eu ainda a ame, não do
jeito que eu amava.
— Pode mentir pra si mesmo, mas não pode mentir para mim.
Guilherme olhou para os lados se certificando que o corredor estava vazio e a puxou, fazendo o
corpo de Márcia ficar preso entre ele e a parede.
— Você é a única que está mentindo pra si mesma aqui. — ele se aproximou ainda mais deixando
seus rostos tão próximos que ele podia sentir o calor da respiração dela — Eu sei por quem estou
apaixonado, e não é pela Monique.
A respiração de Márcia acelerou consideravelmente e ela o encarou.
— E por quem está apaixonado então, doutor?
Guilherme não respondeu. Ele segurou o rosto dela entre as mãos e a beijou apaixonadamente e
quando as bocas deles se afastaram, os dois estavam ofegantes. Ele colocou a testa dele sobre a dela
e respirou profundamente.
— É por você Márcia, é por você que eu estou apaixonado. É você que me deixa louco da vida.
De tesão, de ciúme. Só você.
Márcia não conseguiu evitar sorrir, mas antes que ela pudesse responder uma voz tirou a atenção
dos dois.
— Você e a juíza? Juntos! — ela estava quase gritando — Eu não acredito!
— Laura? — Guilherme se afastou um pouco, enquanto Márcia tentava se recompor — O que faz
aqui? Aliás, como sabia onde me encontrar?
— Eu... — ela sorriu com escárnio — Quer saber, não importa. Eu não acredito que eu sequer
cogitei a possibilidade de você ser diferente, das coisas entre nós serem diferentes.
— Não existe nós, Laura. — ele disse irritado, mas mantendo o controle na voz — Nunca existiu e
nunca vai existir.
— Agora eu vejo isso. — ela confirmou sentindo seus olhos arderem — E você merece...
— O que eu mereço?
— Tudo. — ela secou as lágrimas que rolaram involuntáriamente por seu rosto — Tudo de ruim.
Antes que Guilherme pudesse responder ou falar qualquer coisa, ela se virou e correu apressada
pelo corredor, sumindo das vistas dos dois.
Guilherme se virou para Márcia, tenso, sabendo que depois de vê-la ceder um pouco, aquela cena
poderia fazê-la recuar, mas não.
— Agora eu entendo toda aquela história. Essa mulher é obcecada por você.
— Não acho que seja.
— Acredite, doutor, uma mulher conhece outra, e essa daí, precisa de tratamento, porque ela tem
uma obsessão doentia por você. E isso é claramente perceptível. Do tipo que faria qualquer coisa,
apenas para se sentir próxima de você. Até se relacionar com seu irmão.
— Como assim? Você está querendo dizer que ela sempre... Que ela só ficou com Gabriel...
— Exatamente isso. Posso estar enganada, mas duvido que esteja. Ela já gostava de você quando
começou a se relacionar com seu irmão.
— Mas eles eram noivos.
— E daí? Ela provavelmente nunca pretendeu se casar realmente com ele, por isso armou tudo
aquilo.
— E você descobriu tudo isso apenas a vendo por cinco minutos?
— Acredite, eu sei.
— Parece que é psicanalista em vez de juíza.
— Quando se tem encontros frequentes com esse tipo de médico, você acaba aprendendo alguma
coisa.
Guilherme a encarou e ela se arrependeu imediatamente de ter dito aquilo. E quando Camila abriu
a porta dizendo que Monique havia acordado e estava chamando Guilherme, Márcia agradeceu aos
céus, por que assim ele não poderia continuar o assunto.
Capítulo Trinta e Três

Laura estava furiosa!


Como ele podia estar com a juíza? Aquela mulher sem graça, que mais parecia um sargento, e não
com ela? Ela era linda, feminina, sensual, uma leoa na cama e ele sequer lhe deu uma oportunidade.
Nunca deu.
Todos seus esforços foram em vão. Todas suas tentativas. E quantas vezes Guilherme a rejeitara?
Não foram poucas.
E ela tentou seguir em frente, saiu do país, se casou... Ok, o marido dela era bem parecido com
Guilherme. Alto, moreno, olhos azuis, cabelos negros. Ela só se interessou por ele pela semelhança.
Mas não era ele. E então ela o abandonou e voltou para o Brasil. A essa altura ela já sabia os
segredos de sua família, mas isso não importava. Só o que importava era seu amor. Seu único amor.
Mas, mais uma vez, ele a tratou como nada.
Chega! — ela gritou consigo mesma, socando o volante enquanto acelerava ainda mais.
Há muito que ela havia ultrapassado o limite de velocidade, mas ela não se importava. Estava com
tanta raiva, tão furiosa. Tudo que ela queria naquele momento era vingança. E ela trocaria seu nome,
se não o fizesse.
Se Guilherme não fosse dela, não seria de mais ninguém.

***

Quando Gabriel voltou ao hospital, informou que não conseguiram muita informação sobre o
motoqueiro. Apenas que a moto tinha sido roubada poucos minutos antes do incidente e que logo
depois, havia sido deixada no estacionamento de um shopping perto do local.
Eles ainda conversaram um tempo e essa história deixou os dois ainda mais intrigados, pois depois
que Gabriel, pessoalmente, interrogou o dono da moto, tudo ficou mais complicado já que o cara
informou que não podia fazer um retrato falado do assaltante, pois o cara já chegou até ele vestido
com roupa de couro e capacete. Tudo que ele pôde fazer, diante da arma apontada para ele, foi
entregar sua moto.
Aquela altura, Márcia e Camila já haviam ido embora, apesar da insistência dele para que
esperassem o irmão voltar e solicitarem que uma patrulha as escoltasse, a juíza como sempre negou e
foi embora.
Após o episódio com Laura, eles mal trocaram duas palavras.
Guilherme se certificou que estava tudo bem com o irmão e sua cunhada, antes de se despedir e ir
para seu apartamento.
O cerco estava se fechando e ele queria condenar logo Montenegro para que ele parasse com as
tentativas de fuga, para que ele parasse de tentar ferir as pessoas envolvidas no caso e seus entes
queridos.

Quando Guilherme chegou em seu apartamento estava exausto, mas não conseguia parar de pensar
em Márcia. Ele não sabia se a conversa deles havia mudado alguma coisa dentro dela. Não sabia o
que ela estava pensando sobre Laura. E o que ela havia dito? Era absurdo demais. Entretanto, se
fosse verdade, Gabriel precisava saber daquilo. Mas como contar? Como dizer para seu irmão:
“Olha ela nunca te amou e só ficou com você para se aproximar de mim.”? Ainda mais sem saber se
aquilo era verdade.
Droga!
E mesmo que fosse verdade ele nem sabia se devia realmente mencionar isso. Seu irmão estava
casado, feliz. Isso não mudaria em nada sua vida.
Guilherme tirou sua camisa, dobrou e colocou sobre as costas do sofá antes de se servir de uma
taça de vinho. Depois retirou os sapatos deixando eles alinhados em um canto da sala e se jogou em
seu sofá.
Sua cabeça estava fervilhando, ele não conseguia relaxar. Era muita coisa em sua mente.
Quando Guilherme levantou para se servir de uma segunda taça, sua campainha tocou. Ele franziu a
testa irritado. O porteiro tinha ordens restritas para não permitir a subida de ninguém. Ainda mais
àquela hora.
Por um segundo, ele se arrependeu de não ter uma arma. Perdeu as contas de quantas vezes discutiu
com seu irmão, que insistia que ele tivesse uma, mas ele sempre se recusava. Dizendo que se
quisesse andar armado, teria virado policial e que sua forma de fazer justiça era outra.
Afastando esses pensamentos, ele caminhou silenciosamente até a porta e quando olhou pelo olho
mágico, não acreditou no que seus olhos viram.
Márcia!
Sem pensar duas vezes ele abriu a porta e ela o encarou. E, apesar de perceber sua apreensão nos
olhos, ela tentou não transparecer.
— Espero que você goste de vinho tanto quanto eu. — ela ergueu um vinho branco que
imediatamente Guilherme reconheceu ser de boa safra.
Ele ergueu a taça para ela mostrando que estava bebendo, e ela deu um leve sorriso.
— Entre. — ele se afastou para que ela passasse e depois que fechou a porta ela se virou para ele.
— E seu porteiro, não queira matá-lo. Ele foi bem resistente, mas eu sei ser bem persuasiva.
— Não duvido disso. — ele disse sorrindo enquanto pegava uma taça para ela.
Depois que eles estavam com as taças cheias, ela virou a sua de uma só vez, se servindo
novamente logo em seguida.
— Vai com calma. — ele disse tomando um gole da sua taça.
— Sabe, eu nunca fiquei bêbada. — ela disse, virando novamente de uma vez o líquido da taça —
Nunca mesmo, nem levemente bêbada, jamais ultrapassei o limite, nem uma vez, mas hoje... — ela se
serviu novamente — Eu sinto que preciso disso.
— E por que precisa disso? — ele perguntou se aproximando dela.
— Epa, doutor, pode ficando longe. — ela deu alguns passos para trás, para manter a distância
entre eles.
Guilherme ergueu as sobrancelhas, sem entender, mas ela logo explicou.
— Preciso falar algo e se você chegar perto ou me tocar, vou perder meu bom senso e vamos
acabar ali — ela apontou para o sofá — e talvez eu perca a coragem de contar o que vim contar.
— Tudo bem, mas quando você terminar de falar o que precisa, ainda quero que terminemos ali...
— ele apontou para o mesmo sofá que ela e os dois riram.
— Podemos sentar? — ela perguntou e quando olharam para o sofá ela indicou a mesa — Aqui.
— Claro. — ele rapidamente se aproximou e puxou a cadeira para que ela se sentasse. Márcia
revirou os olhos, mas não disse nada, apenas se sentou e fitou a taça entre suas mãos.
Guilherme se afastou e sentou-se em outra cadeira, bebendo seu vinho e se servindo de mais um
pouco, enquanto dava a ela o tempo que ela precisava para começar a falar.
— Depois que eu saí do hospital, suas palavras não saíam da minha cabeça. Claro que eu já tive
outros caras apaixonados por mim e eu não estou sendo convencida, nem nada disso, mas o
sentimento nunca foi recíproco. Até você. — Guilherme não conseguiu evitar um sorriso, mas não a
interrompeu. Apenas observou ela tomar outro gole de vinho antes de continuar — E isso me
assustou muito. Mas minha irmã — ela sorriu — sempre foi aquela voz que me trazia pro lado
sentimental, e ela me disse que se eu estava sentindo isso por você, devia tentar, devia experimentar,
nos dar uma chance. E eu concordei. — ela encarou Guilherme antes de continuar — Mas eu não
posso fazer isso, antes de te contar algumas coisas.
— Você não precisa...
— Sim, eu preciso, ou eu nunca conseguirei ter um relacionamento nos meus termos.
— Seus termos? — ele ergueu as sobrancelhas.
— Eu nunca permiti que um cara me tocasse como você me toca. Nunca deixei que ele ditasse o
que fazer com meu corpo. Era meio... mecânica a coisa e eu estava satisfeita assim, mas aí você veio
e mudou isso. E pro inferno meu controle, mas eu gostei.
— Fico feliz de ter agradado. — ele tentou esconder um sorriso, mas como ela não retribuiu, ele
se calou e prestou atenção.
— Só que ao mesmo tempo, isso me apavorou, como o escuro.
— O escuro?
— Já teve medo de escuro, Guilherme?
Ela ficou em silêncio esperando a resposta dele.
— Um tempo depois que eu e Gabriel vimos nosso pai ser assassinado a sangue frio, diante de
nós, olhando nos nossos olhos, eu não conseguia dormir com a luz apagada. Achava que aqueles
caras viriam atrás de nós, mas com o tempo o medo passou.
— O meu nunca passou. — ela disse voltando a olhar a taça em suas mãos — Até hoje ele me
apavora, e na maioria das vezes eu encaro ele, enfrento meu medo, mas às vezes isso simplesmente
não é possível. E eu entro em pânico, como no elevador.
Ele esticou a mão para tocá-la, mas ela puxou e balançou a cabeça negativamente.
— Minha mãe morreu quando Camila nasceu. Ela teve um problema no parto. Eu estava ao lado
dela quando ela se foi e ela pediu a mim, que cuidasse da minha irmã, que ajudasse meu pai a cuidar
dela, mesmo eu só tendo oito anos, ela jogou essa responsabilidade em cima de mim. E eu fiz. Eu fui
uma boa irmã e filha, mas depois que minha mãe morreu, ele mudou. Começou a beber, gritava,
chorava. Eu era pequena, mas tentei ser boa, então cuidava da casa, dele e da minha irmã. — os
olhos dela se encheram de lágrimas, mas ela as secou e continuou — Só que as coisas pioraram e
quando eu tinha dez anos, uma noite, estava tudo escuro e ele chegou bêbado, tropeçando nas
próprias pernas e foi até meu quarto. A princípio eu não estranhei, ele fazia isso todos os dias, mas
quando ele se aproximou e começou a me tocar, eu estremeci e tentei me afastar, mas ele me segurou.
Eu lembro até hoje da voz dele dizendo para que eu não fizesse barulho ou acordaria Camila e então
eu me calei...
— Chega! — Guilherme gritou fazendo Márcia se assustar, mas logo ele se arrependeu e baixou o
tom da voz — Desculpe, não quis te assustar, eu só não consigo ouvir isso sem querer matá-lo.
— Ele já está morto. — ela suspirou.
Quando ela ergueu a cabeça, o olhar de Guilherme a irritou.
— Não me olhe assim. — ela se levantou — Não quero sua pena, nem sua piedade, nem nada
dessa porcaria.
— Eu não posso ficar indiferente a isso.
— Ninguém de bom caráter pode. Mas eu realmente não quero que me olhe assim. Sou a mesma de
antes, independente do que eu esteja te contando. Merda!
Guilherme então se lembrou da personalidade dela, do quão forte ela se tornou apesar de tudo, e
que definitivamente, ela não era mais aquela menina indefesa de dez anos.
— Tudo bem. — ele respirou fundo e fechou os olhos, e mesmo ainda irritado, voltou a olhar para
ela como antes, ou pelo menos, tentou. — Podemos sentar novamente? — ela hesitou e ele pediu —
Por favor?
Márcia se sentou, antes de encher novamente sua taça e virar todo o líquido de uma vez.
— Por quatro anos, eu sofri, tive medo. Eu rezava para as noites não chegarem, para não
escurecer. Mas é claro que elas chegaram e as visitas dele ao meu quarto ficaram cada vez mais
frequentes. Mas minha maior preocupação era Camila. Eu tentava mantê-la longe dele o máximo
possível e sempre escondia dela o que ele fazia. Nós estudávamos sempre no mesmo horário e eu
sempre a buscava na escola. Eu nunca, jamais a deixava em casa sozinha. Comecei a trabalhar na
casa das vizinhas fazendo faxina e sempre levava ela comigo. Mas um dia eu precisei sair, ela estava
doente, queimando em febre e eu precisei ir em uma farmácia 24 horas para comprar remédio pra
ela. Dez minutos, eu pensei, vai ser rápido, eu pensei. E levei exatamente isso, mas quando eu
cheguei aquele monstro estava no quarto, olhando Camila enquanto dormia, acariciando a perna dela,
e isso pra mim foi a gota d'água. Eu jamais permitiria que ele tocasse nela, então escondi meu pavor
e fingi que não estranhei ele no quarto e disse que ela estava doente. Ele se afastou e sentou no sofá
com uma garrafa de vodca na mão. Eu peguei uma faca de cozinha, escondi embaixo do travesseiro e
fechei os olhos, mas não dormi. Esperei que a noite viesse e ela veio, mas naquele dia eu não senti
medo, não podia sentir, precisava me controlar, afinal eu precisava manter ele longe da Ca. — os
olhos dela encheram de lágrimas novamente — Quando aquele monstro percebeu que eu não estava
com medo, disse que eu estava começando a gostar e que era melhor assim, porque ele me amava e ia
ficar comigo pra sempre. Estremeci com aquelas palavras. E então quando ele se distraiu, eu peguei
a faca e cortei seu pescoço. Eu não chorei quando o sangue dele começou a espirrar, nem me
arrependi, eu sequer tive medo, então empurrei o corpo dele o tirando de cima de mim e liguei para a
polícia. — ela se levantou e abraçou o próprio corpo enquanto caminhava até a porta de vidro que
dava para varanda — Eu sabia exatamente o que estava fazendo, já tinha lido alguns livros de direito
que estavam na biblioteca de uma das vizinhas que eu faxinava a casa. Eu era menor, estava sofrendo
abuso, era legítima defesa. Depois de passar por exame de corpo de delito e passar por todo
processo, prometi pra mim mesma que faria isso. Defenderia mulheres que não podem se defender,
nem que fosse colocando esses monstros atrás das grades, monstros como Montenegro.
— Você foi muito corajosa. — Guilherme se aproximou devagar e quando ele abraçou Márcia por
trás ele sentiu o corpo dela ficar tenso, mas ela colocou os próprios braços por cima dos dele e
recostou sua cabeça em seu ombro.
Ele estava com ódio, queria que o idiota estivesse vivo só para poder matá-lo com as próprias
mãos, mas saber disso tudo, só fazia com que ele admirasse ainda mais Márcia. Ela não era só forte,
mas também corajosa e isso definitivamente o fez se apaixonar mais.
— Eu sei. — ela respondeu e eles ficaram abraçados em silêncio, por muito tempo.
Capítulo Trinta e Quatro

Quando Laura entrou no quarto da pousada, ela parecia fora de si. Wagner apenas observava,
enquanto ela andava de um lado para outro, recolhendo suas coisas.
— Vamos a algum lugar? — ele perguntou sem sair da cama, apenas largando o celular de lado.
— Eu vou.
— Como assim, você?
— Eu... — ela finalmente parou e o encarou — eu preciso fazer algo.
— E eu não posso ajudar?
— Eu não quero sua ajuda. Não quero nada de você, não quero sequer ficar no mesmo ambiente
que você, ainda mais se for este lugar sujo, cheio de pulga e fedorento. — ela gritou e Wagner
apertou os olhos a encarando.
— Que bicho te mordeu?
— Olha... — ela jogou a mochila nas costas — foi muito legal isso entre nós, toda essa confusão e
tudo mais, mas agora é cada um por si. Eu vou fazer o que eu preciso fazer e você... Bem, o que você
vai fazer não é da minha conta. Adeus Wagner.
Quando ela saiu pela porta batendo a coisa, Wagner se levantou rapidamente e recolheu suas
coisas, depois ele desceu correndo e pagou a pensão, antes de ir até sua moto nova e pegar a pequena
rua que levava à estrada, a fim de seguir Laura.
Seja o que for que ela tivesse em mente, boa coisa não era. Ainda mais transtornada daquele jeito.
E claro que ele ficaria de olho nela. Depois de todo esse tempo, não permitiria que ela colocasse
tudo a perder. Não depois de tudo que ele havia colocado em risco.

Quando ela parou diante do hotel onde estava hospedada, antes que ele a tirasse de lá, Wagner
respirou aliviado. Laura não era assim tão esperta e se ela havia ido direto para lá, significava que
ela ainda não tinha um plano a pôr em prática e isso daria a ele algum tempo para resolver o que
fosse preciso, antes de finalizar com tudo aquilo.
Laura tinha virado um empecilho e ela sofreria as consequências disso, mais cedo do que ele
imaginava.
Rapidamente ele guiou até sua casa secreta, e depois de digitar tudo que precisava apressadamente
e reimprimir o dossiê intitulado Montenegro, ele colocou a pasta de papelão em um lugar seguro e
saiu.
Após estacionar sua moto do outro lado do hotel, ele foi até a recepcionista e depois de se
certificar que Laura não havia saído, jogou seu charme para cima dela antes de ela permitir que ele
subisse.
Quando chegou ao andar do quarto de Laura, precisava arrumar um jeito de entrar. Ou pelo menos,
de ouvir o que ela falava e o que pretendia.
Como se o mundo conspirasse a seu favor, a camareira saiu do quarto e quando o viu enrubesceu.
Ótimo! Era tudo que ele precisava.
— Oi. — ele disse exibindo seu melhor sorriso — Queria fazer uma surpresa pra minha garota.
Será que você pode me ajudar?
— Isso vai me colocar em encrenca?
— De forma alguma. Jamais permitiria que isso acontecesse, é apenas uma surpresa.
— Ela disse que ia deitar e descansar, que não queria ser incomodada pelas próximas duas horas e
que quando...
— Quando?
— Bom, ela disse que receberia um amigo, que quando ele chegasse era pra acordarem ela.
— Ah claro, um amigo nosso. — ele deu um sorriso malicioso — Tem algum lugar pelo qual eu
possa entrar para surpreendê-la antes de ele chegar? — Wagner segurou sua mão e acariciou os nós
dos seus dedos com o polegar enquanto sorria.
— Venha comigo.
Ela o levou até a passagem de funcionários e depois até uma porta. Quando ela abriu havia um
grande corredor com várias portas espaçadas.
— Essa é a entrada dos funcionários para as suítes. Depois que os clientes saem, usamos essa
porta para trocar os lençóis e itens para um novo hóspede, e assim não precisamos ficar transitando
nos corredores.
— E está aberta.
— Tome. — ela deu a chave a ele — Depois é só deixar debaixo do tapete que eu pego.
— Muito obrigado. — ele deu um beijo no rosto dela, colocou uma nota em seu avental e a viu
enrubescer novamente, antes de se afastar.
Ele seguiu na direção da porta e silenciosamente abriu. Quando olhou para trás a camareira já
havia saído e isso foi ótimo. Ele entrou e fechou a porta com um clique inaudível. Depois caminhou
até a porta que dava acesso ao interior do quarto.
Passar algum tempo com Laura foi bom, pois ele aprendeu a conhecê-la um pouco, sabia que além
de colocar a máscara nos olhos, ela tinha o sono pesado. Então ele esperou alguns minutos até ouvir
seus primeiros roncos. Foi até o celular dela e retirou o chip, depois ele leu as mensagens dela e os
e-mails. Tudo que ele precisava saber estava ali. Depois, da mesma forma que ele entrou, saiu.
Assim que montou em sua moto, ele acelerou. O relógio estava contra ele e os ponteiros não lhe
dariam trégua.

***

Guilherme não terminou a noite como havia planejado, mas foi muito melhor.
Depois de toda aquela revelação de Márcia, ele pediu para que ela passasse a noite com ele e ela
o encarou, mas ele garantiu a ela que só queria que ficassem juntos e que ele pudesse cuidar dela.
Que entendia que ela não precisava, mas ela devia entender também o lado dele e que ele tinha essa
necessidade de cuidar.
Ela sorriu e depois dos dois prometerem se adaptar um ao outro, foram para o quarto de Guilherme
e dormiram, abraçados. Ele contou mais um pouco da vida dele, de como ele e Gabriel eram na
infância, como eram amigos e como tudo mudou depois de Laura. Falou sobre a mãe deles, sobre a
tia, mãe de Wagner e a família.
Tocar no nome de seu primo o deixou desconfortável. O cara havia sumido e nem toda influência
de Gabriel havia conseguido uma pista sequer do que havia acontecido a ele.
Lentamente ele se desvencilhou do corpo de Márcia e levantou, a observou um tempo enquanto ela
ainda dormia e depois foi até a cozinha para preparar o café da manhã para ela.
Depois de separar alguns bolos, frutas, torrada, geleia, suco, iogurte e café, ele colocou tudo sobre
a bandeja e seguiu para o quarto. Havia exagerado, mas não sabia do que ela gostava, então resolveu
levar um pouco de tudo que tinha para que ela mesma escolhesse. Mas seus planos de acordá-la
foram por água abaixo quando ele entrou no quarto e a viu sentada falando ao celular.
Ao vê-lo ela sorriu e pela primeira vez, o sorriso que ela deu a ele era o mesmo que dava a sua
irmã e aquilo fez o peito de Guilherme se aquecer.
Quando ela desligou, se ajeitou na cama e chamou ele com o dedo indicador.
— Posso me acostumar com isso. — ela disse e o beijou quando ele se sentou diante dela e
colocou a bandeja entre os dois — Café na cama.
— Acostume-se, vou cuidar de você. Gosto de cuidar, disse isso ontem a você.
— Disse. — ela pegou uma torrada e mordeu antes de colocar um pouco de café na xícara —
Tenho uma novidade.
— Sou “todo ouvidos”. — ele pegou um copo de suco e um pedaço de bolo.
— O novo julgamento foi marcado.
— Porra, finalmente.
— Sim, mas eu mexi uns pauzinhos e pedi que os advogados de Montenegro não fossem avisados,
pelo menos não até o último segundo possível.
— Vai ser bom, assim ele não vai poder tentar uma nova fuga.
— Vai ser sim, agora vamos terminar nosso café que eu estou faminta.

***

Montenegro estava ficando cada vez mais impaciente e irritado. Ele estava, definitivamente,
cercado de incompetentes. Tudo que ele havia planejado ao longo dos anos havia dado certo, porque
ele se certificava de cobrir todos os pontos, todos os furos, e claro que ele nunca havia lidado com
os irmãos Goulart, mas agora parecia que tudo relacionado a eles, dava magicamente errado.
Se ele acreditasse em anjo da guarda, poderia até achar que alguém lá em cima gostava muito
deles, mas ele já tinha vivido o suficiente para saber que isso tudo não passava de baboseira. As
pessoas estavam largadas a mercê delas mesmas. As pessoas eram aproveitadoras, e ele sabia que
era uma delas, claro que ele não iria parar. O tráfico de mulheres era apenas uma das muitas coisas
ilegais das quais ele tirava proveito, mas sempre focando em um público mais requintado. Tudo que
ele fazia, lícito ou não, era para a alta sociedade. Pessoas de alto escalão.
Quando seu telefone tocou, ele encarou a tela e deu um longo suspiro. Sabia que viria mais alguma
desculpa esfarrapada pela última falha e que alguém inexistente levaria a culpa e ele estava cansado
disso.
Então assim que atendeu, já esbravejou.
— Não me venha com desculpas esfarrapadas... me ouça... cala a porra da boca e me ouça. — ele
esperou a pessoa do outro lado se calar — Eu tenho um plano e preciso de todas as pessoas que
estão trabalhando para mim atentas. Esse julgamento está demorando muito para ser remarcado e eu
mudo meu nome se eles não estão fazendo tudo na encolha. Tenho alguém de dentro da delegacia do
Goulart trabalhando para mim, preciso que ele venha aqui imediatamente. Vou passar o plano para
ele e todos vocês vão parar o que estiverem fazendo para focar apenas nas minhas ordens, porque
eles querem nos pegar desprevenidos, mas eles que serão surpreendidos... Sim, mando o nome dele
por SMS... Você quer me pedir algo? Só pode estar brincando! Depois de todas suas falhas ainda
quer me pedir algo? — Montenegro praticamente gritava dentro da cela — Ok, fale, e eu vou pensar
se permito ou não... — ele ouviu atentamente a pessoa com quem falava, e conforme ele prestava
atenção, um sorriso se alargava em seu rosto — Isso? Mas será um prazer permitir... Fique à vontade,
aliás, eu tenho um plano ainda melhor... Mas você não poderá voltar atrás... Ótimo, faça o policial
vir aqui ainda hoje, ou melhor, agora.
Capítulo Trinta e Cinco

Quando Márcia e Guilherme terminaram de tomar café, ele pegou a bandeja e levou para a
cozinha, quando voltou parou na porta do quarto com a visão que teve.
Márcia estava totalmente nua, deitada em sua cama. Ela escorregava as mãos pelo próprio corpo
enquanto sorria lascivamente para Guilherme.
— Eu disse que estava faminta.
Ele deu um sorriso ainda maior e quando se livrou das suas roupas, caminhou até ela acariciando a
própria ereção, que já estava grande e aumentava mais.
— Pois eu vou matar sua fome.
Guilherme se colocou entre as pernas dela e segurou sua nuca enquanto a puxava contra ele,
fazendo-a sentar e a beijou apaixonadamente.
Márcia segurou o membro de Guilherme e começou a subir e descer masturbando, enquanto ele
intensificava o beijo. As mãos dele foram até seus seios e ele brincava com seus mamilos, enquanto
ela movia suas mãos ainda mais rápido. Mas antes que ele pudesse deitar-se sobre ela e tomá-la,
Márcia o surpreendeu afastando suas bocas e empurrando ele sobre a cama. Guilherme sorriu e ela
retribuiu o sorriso antes de se ajoelhar entre as pernas dele e levar seu membro à boca.
Ao sentir a boca macia e quente dela em seu membro, Guilherme soltou um som rouco de prazer
enquanto empurrava seu quadril para cima querendo que ela o tomasse por inteiro.
Entendendo seu silencioso pedido, Márcia assim o fez e levou seu membro tão fundo quanto
possível em sua boca, masturbando ele, ao mesmo tempo em que o chupava. Enquanto ela o tomava,
ele precisou se segurar para não gozar feito um adolescente. Porra! Ela era boa com a boca, muito
boa na verdade, e os urros e os gemidos dela se misturavam ecoando pelo quarto. E Guilherme não
se deu conta de quanto tempo demorou, até que ele chegasse ao limite.
— Márcia eu vou gozar, se você não quiser...
Mas antes que ele pudesse terminar ela o chupou ainda com mais fome, fazendo ele perder o pouco
de controle que lhe restava e se liberar. Márcia tomou tudo dele e depois de deixá-lo limpo ela
montou sobre ele.
Guilherme se ergueu ainda dentro dela e sentou, se recostando na cabeceira. Ele levou a mão até a
nuca dela e a beijou enquanto sua outra mão desceu até a bunda dela. Ele apertou e começou a puxá-
la contra ele, enquanto Márcia rebolava fazendo o membro dele entrar e sair do seu sexo molhado.
A sintonia dos dois havia se tornado ainda melhor depois de toda aquela conversa. Márcia ainda
queria o controle, precisava, mas não se importava em ceder um pouco. Não quando quem a tomava
era Guilherme. O primeiro homem que havia possuído não só seu corpo, mas também seu coração e
sua alma.
Enquanto ele sentia seu membro ir cada vez mais fundo dentro dela, a preenchendo por completo e
sua boca abafava os gemidos de Márcia, ele levou a mão que segurava sua bunda até o sexo dela e
começou a acariciar seu clítoris no mesmo ritmo que ela comandava o vai e vem.
Márcia jogou seu corpo para trás e Guilherme desceu a boca até seus seios sugando e provando
seus mamilos, enquanto ela se perdia nas mãos dele.
Quando ela atingiu ao orgasmo foi o suficiente para levá-lo junto, mais uma vez.
Depois que gozaram, a respiração dos dois estava ofegante, mas Guilherme a beijou
apaixonadamente, antes de colar sua testa à dela e fechar os olhos.
— Porra, eu amo você.
Aquelas palavras pegaram Márcia de surpresa. Ela respirou fundo algumas vezes, mas a verdade
era que ela também o amava. Ele era tão importante para ela quanto sua irmã e isso definitivamente
era o amor que ela conhecia.
— Eu também te amo. — ela disse e beijou Guilherme demonstrando que aquilo não eram só
palavras.
Depois eles se abraçaram e permaneceram assim por tanto tempo que nenhum dos dois soube dizer
o quanto, mas quando o celular de Márcia tocou e o toque especial de Camila soou ela disse que
precisava atender.
— Oi, Ca...
— Onde está?
— Estou com um certo “doutor gatão”. — ela brincou e piscou para ele usando as mesmas
palavras que sua irmã usava para se referir a Guilherme.
Ele beijou o topo da cabeça dela e indicou o banheiro dizendo que iria tomar banho, e ela
respondeu que se juntava a ele em alguns minutos.
Quando Márcia desligou e foi até o banheiro, debaixo do chuveiro, eles se amaram mais uma vez.
Depois que saíram, voltaram para cama e enquanto ele acariciava o cabelo e as costas dela, ele
disse:
— Eu sei que você quer sigilo sobre o julgamento do Montenegro, e eu também quero, mas eu
preciso avisar Gabriel, ele tem o direito de saber.
— Tudo bem, concordo, ele tem o direito.
Eles ficaram em um confortável silêncio por mais alguns minutos até que ela o quebrou.
— Eu adoraria ficar o dia todo aqui, usando você... — ela brincou com ele — mas eu preciso
resolver alguns problemas.
— Eu também adoraria continuar lhe usando, mas preciso ir ver como Monique está e conversar
com Gabriel.
Márcia desviou o olhar quando o viu tocar no nome de Monique e Guilherme percebeu.
— Olhe para mim. — ele segurou o queixo dela e a fez encará-lo — Não precisa ficar
desconfortável toda vez que eu tocar no nome dela. Ela é minha cunhada e nós vamos todos conviver
pacificamente. Eu não sinto mais nada por ela, a não ser carinho, porque temos uma história e
principalmente porque ela é minha cunhada, mãe do meu futuro sobrinho ou sobrinha. E eu confesso
que nunca imaginei que pudesse amar novamente, como eu a amava, mas você fez isso ser possível e
mesmo que você não tivesse vindo aqui, pode acreditar que eu não desistiria de você, porque eu
sabia que você traria a felicidade de volta pra mim. Você seria a minha felicidade. E hoje, eu posso
afirmar com toda certeza que eu nunca amei ninguém, como amo você, Márcia.
Ela sorriu sinceramente e o beijou.
— Você sabe que vamos, eventualmente, bater de frente. E que no tribunal nada vai mudar.
— Pois eu vou adorar brigar com você e depois fazer sexo para fazer as pazes todas as vezes.
— Gostei dessa parte. — ela sorriu e o beijou.
— Quanto ao tribunal... — ele continuou depois de retribuir o beijo — eu não esperava nada
diferente disso.
— Ótimo então. — ela o beijou novamente e se levantou — Podíamos jantar no restaurante da Ca
hoje. Na verdade, isso foi ideia dela. O que acha?
— Uma ótima ideia.
— Eu pego você no seu apartamento às 19.
— Nos encontramos na porta do restaurante.
— Não vamos fazer disso uma guerra. — ele se aproximou dela e a beijou — Eu pego você. Sei
que combinamos que não mudaria nada e todas aquelas regras que conversamos, que você
continuaria no seu apartamento e eu no meu, mas eu gostaria de poder pegá-la e deixá-la em casa
quando sairmos juntos.
— Tudo bem. — ela suspirou — Me pegue às 19 horas.
Ele sorriu e a beijou antes de ir até seu armário escolher uma roupa para vestir.

***

Quando o policial chegou ao presídio, ele não foi para a ala de visitas. Não! No caso de
Montenegro, ele recebia as pessoas onde queria e bem entendia, e nesse caso ele preferiu receber na
sua cela, pois ali ele tinha mais privacidade.
Assim que a porta da cela foi destrancada para que o policial entrasse, Charles percebeu que ele
não estava totalmente à vontade com aquilo. Um homem fazendo a coisa errada pelo motivo certo.
Esse era o tipo que ele mais gostava, afinal, eram esses que “precisavam”, os que mais davam sangue
por um trabalho.
— Você está bem, filho? Parece pálido. — Montenegro disse, apontando uma confortável poltrona
para que o policial se sentasse.
— Sim senhor, estou bem. — o policial olhou ao redor observando toda mordomia que ele tinha
ali.
— Admirado...? — Montenegro o encarou — Qual seu nome mesmo?
— Cristiano. — ele respirou fundo — Cristiano Dantas e sim, um pouco admirado.
— Isso é o que o dinheiro pode fazer por nós, Cristiano. — Montenegro se serviu de uma taça de
vinho e ofereceu a Dantas que negou — Como vai seu filho?
— Não muito bem. — ele abaixou a cabeça — E é só por ele que eu estou fazendo isso e...
— Você não precisa se explicar para mim, filho.
Montenegro pegou o telefone e discou um número. Esperou até que a pessoa do outro lado da linha
atendesse.
— Carlos, é Montenegro... Sim, estou ótimo... Ah, isso é uma situação passageira, sou inocente e
no fim a justiça será feita... Claro, tudo bem. Escute Carlos, preciso de um favor de amigo... Certo, eu
tenho um amigo aqui comigo, Cristiano Dantas, cujo filho está com um problema que acredito que
você possa resolver... Sim, exatamente... Só um minuto. — ele tirou o telefone do ouvido e olhou
para Dantas — Qual o nome e idade do seu menino?
— Cristian Dantas, ele tem quatro anos e meio.
— Ouviu, Carlos? Quatro anos e meio, crianças não deviam ter que passar por isso e eu não vejo
médico melhor para cuidar dele do que você... Sim, vou mandar que ele te procure... Espere... — ele
se virou para Dantas novamente — Qual nome da sua esposa filho?
— Joice Dantas.
— Anote aí Carlos, Joice Dantas o nome da mãe... Sim, naquele nosso esquema, tudo por minha
conta e Carlos, não meça esforços para que o menino fique curado. Isso é um favor pessoal... Claro,
claro, vamos combinar alguma coisa, deixa só essa confusão passar e vamos jogar novamente. Vou
arrancar suas calças dessa vez. — ele deu uma risada antes de se despedir.
Depois guardou o celular e foi até a cama. Ergueu o colchão e pegou dois envelopes pardos. Um
deles estava totalmente esticado e o outro dobrado duas vezes.
— Carlos é um amigo e o melhor oncologista pediátrico da cidade. Seu filho estará em ótimas
mãos, eu garanto a você que ele ficará bom.
— Eu... eu agradeço.
— Não me agradeça ainda, filho. — ele entregou o envelope dobrado a ele — Isso é pra ajudar
nas despesas de locomoção da sua casa até o consultório, remédios e o que mais você precisar.
Também um agrado.
Dantas abriu o envelope e a quantidade de notas de cem reais que havia ali, dava para muito mais
do que Montenegro falava. Claro.
— Quando seu menino estiver curado, aí você me agradece. — Montenegro sentou na outra
poltrona e retirou algumas folhas de dentro do outro envelope — Eu sei ajudar quem me ajuda filho,
mas agora, preciso que preste muita atenção no que eu vou falar, pois você precisa entender meu
plano minuciosamente para que tudo dê certo.
Dantas assentiu e guardou o dinheiro antes de o encarar com toda sua atenção voltada a Charles.
Capítulo Trinta e Seis

Quando Guilherme chegou ao quarto de hospital onde Monique estava, ela dormia e Gabriel, como
sempre, estava ao lado dela, segurando sua mão, a observando e acariciando sua barriga.
— Ei. — Guilherme disse, chamando a atenção de Gabriel que se levantou e foi cumprimentá-lo
— Como ela está?
— Melhor. O médico disse que o bebê está bem, mas que ainda há risco, que ela deve ficar aqui
mais uma ou duas semanas.
— Pelo menos está tudo bem.
— Sim. Estou confiante. — Gabriel forçou um sorriso.
— Podemos conversar?
— Vamos para perto da janela.
Guilherme assentiu e os dois foram para o outro lado do quarto. Assim enquanto conversavam
baixo, evitando que ela acordasse, ele continuava de olho nela.
— O novo julgamento de Montenegro foi marcado.
— Porra finalmente. Quando?
— Daqui alguns dias. — Guilherme informou a data precisa e explicou que Márcia só avisaria os
advogados de Montenegro no último minuto. Que ela exigiu que a audiência fosse fechada, estariam
presentes apenas os advogados do réu, ele, que era o promotor, e ela, que presidiria, claro.
— Isso é ótimo, ainda assim, devemos ficar atentos.
— Concordo.
— Não preciso assistir, mas quero que você coloque esse desgraçado atrás das grades e eu farei
questão de conduzi-lo.
— Considere feito.
Os dois sorriram e apertaram as mãos.
Guilherme fitou Monique e então virou-se para o irmão.
— Eu e Márcia nos acertamos.
— Porra, finalmente!
— Sim. — Guilherme sorriu — E eu estou feliz, como há muito não me sentia.
— Isso sim é uma coisa boa de se ouvir. — Gabriel bateu nas costas de Guilherme e o irmão
sorriu para ele — Finalmente a vida dos Goulart's está entrando nos eixos.
— Verdade. — ele olhou para o irmão e sorriu — Foram muitos altos e baixos.
— Mais baixos que altos, mas tudo bem. Eu sei ser babaca quando quero.
— E quando não quer também.
Gabriel deu um soco de brincadeira nele e os dois riram.
— Mas é sério, Gui, sei que posso ter sido injusto com você algumas vezes, mas...
— Esquece isso Gabriel. — ele disse genuinamente — Faz parte do passado. Você está feliz com a
Monique e eu tenho certeza que serei feliz com a Márcia, mais do que já me sinto. Não tem por que
voltarmos ao passado.
— Tudo bem. — ele concordou e os dois sorriram antes de se abraçarem, selando a paz que há
tanto os havia abandonado.
Guilherme ainda ficou um tempo no hospital conversando com Gabriel e quando Monique acordou,
ele permaneceu um pouco com os dois, antes de se despedir para encontrar Márcia.

Quando ele estacionou diante do prédio de Márcia, ela não demorou a descer. Assim que a viu, ele
saiu rapidamente do carro e deu a volta para abrir a porta para ela.
Márcia revirou os olhos e sorriu enquanto passava pelo portão do prédio.
— Você nunca vai parar com isso? — ela disse se referindo ao ato de ele abrir a porta do carro.
— E você nunca vai parar de reclamar? — ele sorriu e os dois se beijaram antes de ele se afastar
dando passagem a ela — A propósito, você está linda.
— Obrigada. — ela respondeu enquanto se ajeitava no banco do carona.

Assim que chegaram ao restaurante, ele até tentou, mas antes que pudesse dar a volta para abrir a
porta, Márcia saiu do carro. Se antes essa independência dela irritava ele, agora o divertia.
Ao passarem pela porta, de mãos dadas, logo avistaram Camila que cumprimentava um cliente.
Quando ela os viu, se despediu da pessoa e correu na direção deles.
— Ai.Meu.Deus. Alguém me belisca, por favor. — ela disse enquanto abraçava os dois ao mesmo
tempo.
Márcia beliscou a irmã, enquanto retribuía o abraço.
— Ai. — ela reclamou, esfregando o braço. — Eu estava brincando, não era pra beliscar de
verdade.
Guilherme apenas sorria.
— Nem acredito que finalmente estão juntos. Achei que eu teria que colocar vocês amarrados um
ao outro até se entenderem.
— Não exagera. — Márcia disse.
— Até que eu gostei da ideia. — Guilherme piscou para Camila e Márcia o repreendeu.
Ele e Camila começaram a rir e em seguida a chef os encaminhou até uma mesa. Depois tirou o
avental e se sentou com eles.
Ela apoiou os cotovelos na mesa e colocou o rosto sobre as mãos observando os dois, sorrindo e
piscando os olhos.
— Camila, pare já com isso. — Márcia disse séria, o que só fez com que a irmã caísse na
gargalhada de novo.
— Doutor gatão e a chata da minha doce mana. Quem diria.
— Os opostos se atraem. — Guilherme brincou.
— Sim, verdade.
— Eu disse a você que não desistiria dela.
— Ei, isso foi então uma conspiração. — Márcia fingiu estar aborrecida, mas logo sorriu e os três
embarcaram em uma conversa divertida e descontraída.
Claro que Camila não fez companhia a eles por muito tempo, afinal ela precisava tomar conta da
cozinha, mas prometeu voltar no final da noite para mais conversa boa com eles.
Guilherme não podia acreditar no quão feliz ele estava. Depois de um ano no inferno, do qual ele
achou que não sairia tão cedo, agora ele estava plenamente feliz e mesmo sabendo que o
relacionamento deles seria turbulento, ele estava disposto a enfrentar isso, se esse fosse o pequeno
preço a pagar, para a felicidade que estava sentindo.
Enquanto jantavam ele segurava e tocava a mão de Márcia, acariciando os nós dos dedos dela. E
ela definitivamente estava mais relaxada. Ainda era a mesma, a que ele admirava e respeitava. A
temida juíza Braga, mas era também a sua Márcia, e ele estava descobrindo um lado dela que só o
deixava mais apaixonado.
Quando a noite terminou, eles deixaram Camila em casa e depois seguiram para o apartamento de
Márcia.
— O que você acha de subirmos? Tenho uma garrafa de vinho esperando por nós.
— Não precisa convidar duas vezes. — ele sorriu e a beijou.

***

Wagner olhava atentamente para o celular. Tinha acabado de receber um e-mail e se tudo que
estava ali desse certo, em poucos dias Montenegro estaria em algum lugar do planeta gozando de seu
dinheiro, enquanto outras pessoas pagariam por serem tão confiantes.
Ele?
Bom, não fazia a menor ideia onde estaria, mas ele sabia exatamente o que fazer, como sempre.
Wagner era o tipo de cara que não agia por impulso, não dava ponto sem nó, como diriam os mais
antigos. E não seria agora que ele começaria.
Depois de reler o e-mail e gravar passo a passo tudo que seria feito, ele foi até seu quartel-
general e pegou o dossiê, imprimiu o e-mail e anexou ao documento, guardando a pasta consigo.
Aquilo era o seu seguro de vida.
Assim que saiu, trancou a porta e desligou a chave geral de energia da casa. Sabia que nem tão
cedo ele voltaria ali.
Já montado em sua moto, ele pegou o celular e discou um número.
— E aí cara, beleza? — ele disse para a pessoa do outro lado — Então, o cerco está se fechando,
se eu não entrar em contato com você todo dia, a partir de hoje, faça os documentos que eu te enviei
chegarem a quem é de direito... Sim, aquele mesmo esquema, eu entrarei em contato com você no
final da tarde... Claro, só precaução não se preocupe... Eu sei que sim, mas você me conhece... Claro,
e Diego... se cuide... Vou me cuidar... até.
Ele respirou fundo e desligou.
Hora de começar a agir.
Capítulo Trinta e Sete

Márcia e Guilherme passaram o fim de semana juntos. Era inacreditável como eles estavam se
dando bem, e ele estava feliz pela forma como ela estava se mostrando disposta a ceder pelo
relacionamento dos dois.
Depois do almoço eles conversaram sobre o caso Montenegro.
— Acho que podemos manter isso... — ela apontou para os dois enquanto conversavam, sentados
no sofá — em sigilo, pelo menos até o fim do caso Montenegro.
— Não acho que seja necessário.
— Acredite, é melhor. Depois podemos assumir publicamente, mas eles podem alegar conflito de
interesses, não quero dar nenhuma brecha para a não condenação dele.
— Não vou contrariar, apesar de não concordar.
— Ótimo. — ela sorriu vitoriosa.
— Você sempre consegue o que quer, não é? — ele brincou mordendo de leve o ombro dela.
— Sempre.
— Que bom, porque eu também. — ele virou o rosto dela para que ela pudesse encará-lo — Saiba
que depois que aquele crápula for condenado, nada me fará não assumir que estamos juntos. Não
somos crianças e não estamos fazendo nada de errado. Me recuso a ficarmos escondidos, como se
fossemos criminosos...
— Ok, já entendi. — ela fez uma careta e voltou a prestar atenção na TV, pegando um pouco de
pipoca.
Nem em seus mais remotos sonhos ela poderia se imaginar nessa situação. Sentada no sofá da sua
casa, assistindo TV, comendo pipoca com seu namorado.
Aquilo não era só novo, como também era surreal demais. Mas nem de longe isso era uma coisa
ruim, pelo contrário. Apesar de ainda estar assustada, ela estava adorando essa novidade.
Mas é claro que isso só estava acontecendo, porque era Guilherme. Nenhum outro cara a faria
tentar um relacionamento. Não mesmo. Ela estava ótima como estava, mas com Guilherme, tudo era
diferente.
Ela sorriu antes de pegar mais um pouco de pipoca.

***

Wagner estava de prontidão em frente ao hotel de Laura, mas não havia nada de suspeito. O tal
cara que ela estava esperando, ou ele nunca tinha visto e não o conhecia, ou nunca apareceu, porque
ele ficou ali e não viu ninguém suspeito.
Quando o celular dele tocou, ele respirou fundo antes de atender.
— Fala... Sei... Claro que sei... Tudo bem... Estarei lá.
Ele confirmou, mas é claro que ele não iria. Não precisava de mais detalhes para entender como
tudo funcionaria. Não mesmo. Ele já havia entendido, gravado em sua memória tudo que aconteceria.
Tudo que ele precisava, era arrumar uma maneira de não falhar, afinal ele tinha seus próprios planos.
Tudo dependia disso.

***

Mesmo contrariado, Guilherme aceitou não ver Márcia até o julgamento de Montenegro. Eram
apenas alguns dias, só que ainda estavam no segundo e ele já sentia uma puta falta dela.
Claro que eles se falavam por mensageiros e por telefone todo dia antes de dormir, ainda assim,
ele queria estar com ela, tocá-la.
Naquela noite enquanto estava em seu escritório, seu telefone tocou. Era seu irmão, dizendo que os
corpos que foram encontrados carbonizados no prédio do antigo escritório de Márcia, eram de
Cléber e da secretária dela. O que só o fizeram crer que a carta de demissão enviada por e-mail para
a juíza em nome da moça, era falsa. Ou algo havia dado errado e ela estava no lugar errado, na hora
errada, ou tinha algo muito pior por trás disso. E o cara ele ainda investigaria, mas a princípio,
estava livre de suspeitas.
Isso fez Guilherme se sentir um pouco desconfortável. Ele sabia que no fundo nunca voltaria para
buscá-lo naquele prédio, mesmo que não tivesse explodido.
Ainda, segundo seu irmão, o gás foi liberado por alguém de dentro, a explosão não foi acidental.
Foi provocada por explosivos que haviam sido acionados a distância, por alguém que assistia a tudo.
E isso só fez os dois se lembrarem da moto de Wagner que estava estacionada a alguns metros.
Guilherme não queria pensar as coisas que estavam em sua mente, mas a verdade era que tanto o
sumiço do primo, como a moto dele no local do crime e as gravações que Gabriel havia assistido,
falavam por si só.
Aquilo tudo estava deixando sua cabeça fervendo, mas logo ele se recompôs colocando as ideias
no lugar.
Precisava se concentrar, em poucos dias, trancafiaria de vez Charles Castellano Montenegro e iria
adorar vê-lo apodrecer atrás das grades.
Capítulo Trinta e Oito

Finalmente o dia da audiência havia chegado. Guilherme estava confiante e acordou cedo como de
costume, tomou seu banho tranquilamente, se arrumou colocando seu melhor terno, pegou sua pasta
com os documentos necessários e saiu.
Claro que ele estava doido para fazer justiça e colocar Montenegro atrás das grades, mas ele não
podia negar que estava ansioso para vê-la.
Ficaram até tarde falando ao celular na noite anterior, mas não era a mesma coisa.
Ele queria beijá-la, tocá-la, sentir seu perfume, o gosto dos seus lábios. Guilherme queria estar
dentro dela. E estava contando os minutos para isso.

Quando ele chegou ao fórum, foi direto para sua sala e lá começou a pensar nas coisas que ele
falaria. Ele não poderia deixar furos.
Montenegro iria para a cadeia naquele dia e nada mudaria isso.

***

Wagner acelerava sua moto em direção ao seu destino. Ele sabia que corria contra o tempo e o
medo de não conseguir fazer o que era preciso o consumia.
Diabos!
O que ele tinha na cabeça? Porque achou que poderia, sozinho, resolver tudo? Agora ele precisaria
estar no mínimo em dois lugares ao mesmo tempo para conseguir.
Quando estacionou, quase deixou a moto cair. Ele começou a correr, mal desviando das pessoas,
esbarrando e se desculpando, sem realmente se importar. Como ele iria achá-la no meio de tanta
gente?
Não sabia, mas ele precisava.

***

Camila sorria enquanto conversava com o vendedor de tomates. Ela era sempre assim, simpática,
sorridente, feliz. E agora estava ainda mais radiante, sabendo que sua irmã finalmente havia aberto
seu coração e estava com um cara incrivelmente legal. E se isso não era motivo suficiente para ela
estar feliz, não sabia o que era.
Depois de comprar os tomates, ela seguiu para a barraquinha de verduras e temperos.
Esta era a parte que ela mais gostava. O cheiro das ervas finas, a mistura, o aroma e o sabor que
podiam dar à comida eram quase mágicos.
Ela se abaixou para pegar um ramo de salsa e cebolinha quando ouviu uma gritaria. Ao erguer a
cabeça ela o viu.
Ele corria na direção dela, com os olhos arregalados e a expressão apavorada enquanto gritava
para ela se abaixar, mas por instinto ela fez o contrário e se levantou.
Quando ficou de pé ele correu ainda mais e ela só conseguiu sentir seu corpo se chocando contra o
dela enquanto um estampido ensurdecia a todos.
Enquanto as pessoas gritavam e corriam apavoradas, Camila sentiu suas costas se chocando,
contra o chão enquanto o corpo pesado de Wagner caía sobre o dela.
Por um instante ela se sentiu tonta, não conseguia ouvir nada, mas via as pessoas correndo de um
lado para outro. Sua mão sentiu algo molhado e quando ela ergueu havia muito sangue. Wagner estava
desacordado e o pavor tomou conta dela.
Obrigando-se a voltar a si, ela saiu debaixo dele e ligou para a emergência, depois que desligou. A
quantidade de sangue que surgia debaixo dele a deixava ainda mais desesperada.
Ele havia tomado um tiro, por ela!
Camila não podia acreditar no que estava acontecendo. O sangue continuava a se espalhar em volta
do corpo de Wagner e as lágrimas dela insistiam em rolar pelo seu rosto. Droga!
— Por que você fez isso? — ela perguntava em meio a soluços como se ele pudesse ouvi-la —
Por quê?

Quando a ambulância chegou, a polícia já estava no local. Eles faziam perguntas a ela, mas Camila
não sabia muita coisa. Ela deixou seu número de telefone com eles e seguiu dentro da ambulância
junto com Wagner. Ela não o deixaria, não sairia de perto dele, pelo menos não até ter certeza que ele
estava bem.

Assim que chegaram ao hospital ele foi levado para o centro cirúrgico. Dentro da ambulância ela
ouviu enquanto os paramédicos conversavam entre si, e diziam que dependendo de onde o tiro havia
acertado, ele poderia ficar paraplégico.

***

Antes de sair de sua cela, Montenegro fez duas ligações. A primeira para a pessoa que esteve ao
lado dele durante todo esse tempo, aquela que não mediu esforços para conseguir tudo que ele queria
e apesar de todos os fracassos, ele não podia negar que a pessoa havia, pelo menos, tentado.
— Está tudo certo?... Ótimo... Excelente... Sim... Não se preocupe, apesar da sua incompetência,
será seu presente por seus esforços. O que você quer será seu, te dou minha palavra... Certo, nos
vemos mais tarde.
Ele desligou antes de discar o outro número.
— Oi Cristiano, como vai seu filho? — aquela pergunta soava mais como uma ameaça do que uma
genuína preocupação — Que bom... ótimo... Bom, está tudo preparado?... Perfeito... Perfeito... Até
mais então, filho.
Ao encerrar a ligação, ele entregou o celular ao guarda penitenciário que o estava escoltando,
acompanhado de um envelope pardo contendo algumas notas.
— Um agrado por ter sido tão prestativo comigo, filho.
— Obrigado, senhor.
— Me faça um favor, avise ao Marcelo que o que ele me fez não vou esquecer, que em breve ele
terá notícias minhas.
— Dou o recado. — o guarda confirmou e o levou ao veículo que iria conduzi-lo até o fórum, onde
seria o julgamento.

Assim que chegou, Montenegro foi levado para a sala de audiência. Quando entrou, olhou para
Guilherme, que estava sentado em sua mesa e piscou sorrindo, o provocando.

Guilherme o ignorou. Não iria cair na provocação dele e alguns minutos depois, quando a juíza foi
anunciada, o promotor precisou se controlar para não sorrir largamente para ela.
Ele se concentrou e quando a palavra lhe foi dada, começou a falar.
Guilherme apresentou provas por quase uma hora e quando terminou, os advogados de defesa
começaram a fazer seu trabalho.
Apesar de o cerco estar se fechando para Montenegro, ele não parecia minimamente preocupado.
Ele não esbravejou quando seu advogado se enrolou enquanto fazia perguntas, sequer alterou seu
semblante ou sua postura.
O julgamento continuou pelo que pareceram intermináveis horas, mas quando a juíza Braga bateu o
martelo, foi a vez de Guilherme sorrir e piscar para Montenegro.
— Eu o condeno, por formação de quadrilha, estelionato, tráfico de mulheres e corrupção de
menores, a trinta anos de prisão, que deverão ser cumpridos em regime fechado, podendo ser
solicitado condicional quando 75% da pena estiver cumprida.

Depois que a sentença foi anunciada, o réu foi retirado e levado para uma área segura. Enquanto os
policiais vinham para levar Montenegro, Guilherme guardava seus papéis e anotações. Quando
passou por ele, Charles sorriu, mas o promotor o ignorou. Assim que só permaneceram Márcia e
Guilherme no local da audiência, ele foi até ela e rapidamente lhe deu um beijo apaixonado.
— Finalmente, conseguimos. — ele disse.
Apesar de retribuir o beijo, ela chamou sua atenção.
— Comporte-se, doutor Goulart. — ela até tentou manter sua voz dura, mas seu sorriso dizia a ele
que ela queria aquele beijo tanto quanto ele.
Capítulo Trinta e Nove

Assim que Márcia se retirou de sua mesa, Guilherme foi até o lado de fora da sala contar a
novidade para Gabriel. Seu irmão passou a audiência do lado de fora, depois que testemunhou contra
o réu, aguardando a sentença.
Quando ele contou, os dois se abraçaram e comemoraram.
— E agora? — Guilherme perguntou.
— Agora eu vou escoltar o desgraçado, até que ele esteja trancafiado onde vai apodrecer.
— Acha que ele pode tentar fugir?
— Vindo dele, sempre acho, mas ele também deve saber que não há muitas chances nesse
momento.
Antes que ele pudesse terminar de falar, seu celular tocou.
— Goulart... o que?... Onde?... Qual hospital?... Certo, mande alguém para lá que eu irei assim que
puder.
Quando ele desligou encarou Guilherme.
— Wagner deu entrada no hospital aqui perto esta manhã.
Mas antes que ele pudesse terminar de falar, seu celular tocou novamente.

***

Os olhos de Wagner começaram a abrir e sua cabeça doía. A princípio ele não reconheceu o lugar
onde estava, mas quando ele a viu, sua memória voltou imediatamente e então ele imaginou estar em
um hospital.
— Você está bem? — ele perguntou a Camila tentando se levantar, mas ela não permitiu.
— Graças a você, estou ótima. — ela disse mantendo a mão sobre o peito dele — Você não pode
se levantar. Teve muita sorte de não ficar paraplégico, mas o médico disse que se você acordasse eu
deveria chamá-lo e que você não pode forçar a coluna ainda.
— Eu não preciso de médico, preciso falar com Guilherme e Gabriel.
— Você pode falar com eles depois.
— Camila, é urgente, preciso falar com eles, imediatamente.
Ela revirou os olhos e tirou o celular do bolso entregando a ele. Quando a voz de Gabriel atendeu
do outro lado da linha e ele se identificou, seu primo só faltou rosnar, mas ele informou que não diria
nada por telefone, e que eles precisavam ir até lá, imediatamente.
Assim que seus primos chegaram, Gabriel caminhou furioso até ele.
— Seu desgraçado...
Mas Camila se manteve entre eles.
— Ele não pode levantar, levou um tiro nas costas.
— Isso é pouco para o que esse idiota merece.
— Vocês podem brigar comigo depois, mas agora preciso que me ouçam atentamente, porque não
tenho tempo para explicações.

***

Assim que Márcia chegou ao seu gabinete, ela não conseguiu evitar um sorriso. Claro que não
perdeu a compostura, mas colocar Montenegro atrás das grades, com todas as provas sendo
irrevogáveis, a deixaram imensamente feliz.
E o beijo que Guilherme havia lhe dado completou sua felicidade. Ela estava morrendo de saudade
e não via a hora de estar nos braços dele à noite.
Mal ela havia sentado em sua mesa, e duas batidas na porta lhe chamaram atenção.
— Entre.
O meirinho sorriu, colocando a cabeça para dentro e trazendo o café dela.
Já era de praxe, toda vez que terminava uma audiência, ele levava o café dela e logo em seguida se
retirava.
Márcia agradeceu, e depois que ele saiu, tomou um grande gole antes de começar a mexer em uma
papelada sobre o próximo caso que ela iria presidir.
Logo em seguida pegou seu celular e viu que havia uma mensagem de Guilherme. Ele dizia que
aguardaria ela no apartamento dele esta noite, que cozinharia para ela.
Márcia não pôde evitar sorrir.
Ela deixou o telefone de lado e voltou a olhar os papéis. Mas apenas alguns segundos depois, as
letras começaram a embaralhar e ela se sentiu sonolenta.
Quando pegou o celular para ligar e pedir ajuda, a coisa caiu da sua mão. Ela tentou se levantar
para ir até a porta, mas mal seus pés se afastaram da cadeira, ela sentiu seu corpo se chocando contra
o chão, antes de ser envolvida pela escuridão.

***

Guilherme e Gabriel se entreolharam e o investigador deu mais dois passos ameaçadores na


direção de Wagner, antes de Guilherme puxar Camila a tirando da frente de seu irmão.
Ele sabia que Gabriel jamais a machucaria, mas dava razão ao irmão quando dizia que Wagner
merecia.
— E por que eu deveria acreditar em você? — Gabriel perguntou segurando o colarinho da roupa
de hospital e erguendo o primo.
Ele urrou de dor e segurou os pulsos de Gabriel enquanto o encarava furioso.
— Pare, está machucando ele. — Camila gritou, choramingando e Guilherme a levou para fora.
— Espere aqui. — ele disse sério.
— Ele salvou minha vida, não machuquem ele. — ela pediu e Guilherme a encarou — Por favor.
— Tudo bem, ele vai ficar vivo, mas não posso prometer que Gabriel não vá deixá-lo com o olho
roxo.
— Se vocês forçarem a coluna dele, ele pode ficar sem andar, droga!
Guilherme não respondeu, apenas assentiu antes de fechar a porta e se aproximar da cama de
hospital onde seu primo estava.
— Vocês podem ficar aqui me xingando e me batendo ou podem ir atrás de Montenegro, que a essa
altura já está colocando o plano dele em prática para fugir.
— O idiota foi condenado, não vai fugir. — Gabriel disse rispidamente.
— Ele vai. — Wagner olhou para Guilherme, sabendo que ele era o mais sensato — Tem um jato
particular esperando ele em um hangar próximo à saída da cidade. Laura está esperando ele lá e...
— Que diabos a Laura tem com isso? — Guilherme perguntou.
— Ela é filha dele!
— Como assim? — foi a vez de Gabriel perguntar.
— Porra eu fiz um dossiê, explicando tudo, e vocês terão acesso a tudo, todas as pessoas
envolvidas, foi por isso que eu sumi. Precisei me aproximar da Laura, fingir que estava no time
deles. Foi assim que descobri cada nome, cada pessoa trabalhando para Montenegro, mas no
momento, vocês precisam ir atrás dele, ou então ele vai conseguir fugir e nunca mais vocês colocarão
as mãos nele.
— Onde fica esse hangar? — Gabriel perguntou e quando Wagner deu o endereço ele o largou, se
virando e indo em direção à porta com Guilherme em seu encalço.
Assim que passaram da porta, Camila entrou e foi ficar com Wagner. Estava preocupada, queria
saber se eles tinham o machucado, mas ele afirmou estar bem.

Antes de alcançarem as escadarias, Guilherme segurou no ombro do irmão.


— Acreditou nele?
— Sim e não. Acho que ele pode estar mentindo, mas prefiro acreditar que não, e nesse caso
preciso ir até a porra do hangar e impedir Montenegro de fugir. — ele pegou o celular — Fique aqui
e vigie Wagner, tente ter acesso ao dossiê, precisamos de mais detalhes.
— Claro. E Gabriel, tome cuidado.
— Vou tomar. Até mais, Gui.
Guilherme sorriu ao ver que ele o chamava novamente como quando eram crianças.
Assim que Gabriel se afastou, ligou para o piloto do helicóptero da polícia para que o buscasse ali
no hospital, depois ligou para central e pediu para que mandassem viaturas para o tal hangar.
Ele pegaria Montenegro em flagrante.

Enquanto voltava para o quarto, o celular de Guilherme tocou. Ele tirou a coisa do bolso e antes de
atender, viu que era uma chamada sem identificação. Assim que a pessoa falou do outro lado, ele
reconheceu a voz.
— Laura? O que você quer?
— Preste atenção Guilherme, você receberá uma mensagem com uma imagem e um endereço. Se
quiser sua juíza viva, vá até lá, não avise a ninguém e venha sozinho, ou ela sofrerá as
consequências.
Quando a ligação encerrou, um sinal de mensagem chegou.
Márcia estava desacordada e amordaçada, com um homem segurando em seu cabelo e uma arma
apontada para a cabeça dela, embaixo havia uma mensagem de texto com o endereço.
Seu coração falhou uma batida e ele sentiu como se seu sangue tivesse sido drenado de seu corpo.
Ele rapidamente correu, saindo do hospital em direção ao estacionamento do fórum, onde havia
deixado o carro que estava usando.
Não ia perdê-la. Não depois de encontrar a felicidade, não permitiria que ninguém a tirasse dele.
Capítulo Quarenta

Do alto do helicóptero, Gabriel podia avistar o hangar. A princípio o lugar não parecia
movimentado e nada suspeito, a não ser por dois brutamontes que andavam de um lado para outro.
Quando ele viu a mulher loira de óculos escuros falando ao celular, ele não precisava estar perto
para saber de quem se tratava. Wagner estava falando a verdade.

Laura estava esperando Montenegro e quando recebeu uma ligação, ela sorriu.
— Como está nossa convidada? Acordando? Ótimo, dê na cara dela para ela acordar mais rápido,
nosso amigo já está se aproximando. Acabei de receber uma mensagem. — ela aguardou enquanto o
homem do outro lado gritava palavras como: “acorda vagabunda” e “abre logo a porra dos olhos”.
Enquanto ela ouvia os tapas que ele desferia nela. Laura sentiu uma enorme satisfação com aquilo —
Ela acordou? Ótimo, coloque no viva voz.
Ela respirou fundo e colocou um sorriso debochado antes de começar a falar.
— Achou mesmo que você iria ser feliz? Que a vida seria um mar de rosas? Então olhe de novo,
vagabunda, se Guilherme não for meu, não vai ser de mais ninguém.
Mal ela terminou de falar e desligar quando ouviu a voz rouca de Gabriel atrás dela.
— Laura, você está presa! Você tem direito a um advogado, mas eu acredito que nem o melhor do
mundo vá livrar sua cara. — ela se virou e o encarou, antes de ele fazer ela virar-se de costas
novamente e algemar suas mãos — Agora me diga, onde está o idiota do Montenegro.
— Se você está aqui, provavelmente ele está a quilômetros de distância. — ela sorriu debochada e
não parecia minimamente preocupada.
— Vamos ver esse sorriso, quando eu colocar você atrás das grades.
— Quem ri por último, ri melhor, Gabriel.
— Cala a porra da boca. — ele a empurrou para outro policial — Coloque essa vadia na viatura e
os outros dois no camburão. Não acho que devemos ficar perdendo tempo aqui.
Ele sabia que no fundo, ela tinha razão. Montenegro não apareceria.

***

Seus olhos arderam com a claridade e Márcia demorou um pouco a perceber onde estava. Quando
o cara bateu nela novamente, ela tentou se desvencilhar, mas ele forçou a pistola na sua cabeça e ela
sabia que se continuasse ele a mataria, sem pensar duas vezes. Então respirou fundo e se concentrou,
mas quando a voz no celular soou alta, ela sentiu seu peito se apertar.
— Achou mesmo que você iria ser feliz? Que a vida seria um mar de rosas? Então olhe de novo,
vagabunda, se Guilherme não for meu, não vai ser de mais ninguém.
O cara que estava apontando a arma para ela a fez olhar para estrada e quando ela viu o carro o
reconheceu imediatamente, assim como o motorista, apesar de a sua visão ainda estar um pouco
turva. Ela não gritou por Guilherme, sabia que ele não a ouviria daquela distância.
Antes que ela pudesse assimilar o que estava acontecendo, o carro explodiu.
— Nãoooooooooo! — Márcia gritou abafado por causa do pano em sua boca, mas o cara forçou a
cabeça dela para que ela olhasse, enquanto as chamas lambiam rapidamente o veículo. Ela nunca
tinha presenciado uma cena daquela. Era como se o carro fosse de papel e não de ferro.
E quando o cara jogou o celular no chão e pisou, estilhaçando a coisa, ela sabia que ele iria matá-
la.
Então ela aproveitou a distração dele com o celular para usar os golpes que aprendeu no jiu-jitsu e
o atacou, fazendo primeiramente a arma sair da direção da sua cabeça.
Ela se jogou para trás fazendo ele cambalear e antes que ele pudesse recuperar seu equilíbrio, ela
investiu contra ele, mas o cara não era idiota e quando sentiu o corpo dela se chocando ao dele,
disparou a arma. Mesmo Márcia segurando o braço dele para baixo, o tiro a acertou, causando uma
dor lancinante que fez a bile do seu estômago subir, mas ela não podia se entregar e continuou a luta
corporal com ele, ela não sabia se conseguiria vencer, mas não deixaria de lutar. Estava sendo
movida pela dor e pelo desespero. Quando finalmente conseguiu desarmar o idiota, não pensou duas
vezes. Pegou a arma e deu dois tiros na cabeça dele, acabando de vez com aquele desgraçado.
Assim que ela se viu livre dele arrancou o pano que cobria sua boca. A dor voltou a castigá-la,
mas não era a dor do tiro e sim do seu coração.
Mesmo mancando, ela tentou ignorar a dor em sua perna e começou a descer a ribanceira e
correr... em vão.
Márcia deixou seu corpo desabar no chão, assistindo os restos do carro incinerando, gritando de
dor e desespero, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto e a dor a consumia.

***

Quem os visse naquele momento poderia não reconhecê-los. Gabriel estava visivelmente mais
magro, abatido, com olheiras fundas e Wagner não estava diferente. A barba dele havia crescido e o
cabelo estava bagunçado. Eram apenas a sombra dos homens que foram há alguns dias... Antes
daquela merda toda acontecer.
Ele tinha sido terminantemente contra o primo sair do hospital, mas ele assinou um termo de
responsabilidade e exigiu ir até lá com o investigador, apesar de precisar da ajuda de muletas para
não forçar tanto a coluna, não abriria mão disso.
Se Gabriel estava dilacerado, Wagner não estava diferente e para piorar, sentia-se culpado pelo
que havia acontecido à Guilherme.
Os se's eram infinitos, e apesar de Gabriel sempre tentar dar apoio, seu olhar concordava com a
culpa que Wagner sentia. Podia ver isso. Ele também o culpava!
Quando eles atravessaram a porta da penitenciária, e foram levados até uma sala reservada, os
dois permaneceram de pé, esperando até que Laura fosse trazida.
Assim que ela entrou, encarou os dois e deu um sorriso debochado e doentio.
— Visita dos Goulart's. — ela se sentou praticamente se jogando sobre a cadeira — Não está
faltando um aí não?
Wagner ameaçou ir na direção dela, mas Gabriel o segurou.
— Não entre no joguinho dela.
— Sempre tão chato, tão racional. — ela disse e revirou os olhos — De tudo que eu já fiz na vida,
meu maior sacrifício foi namorar com você. E pra que? Pra ficar perto do Guilherme, que nunca me
notou. Nunca sequer olhou para mim como eu queria.
— Sinal que ele tinha juízo.
— Tinha, agora onde ele está, não precisa de nada.
— Graças a você. — Wagner gritou e ela o encarou sorrindo.
— A mim e a você, querido, ou esqueceu que sabia de tudo? Se você não tivesse bancado o herói
daquela garota sem sal, talvez Guilherme estivesse aqui. Ou não.
— Não fale da Camila. — ele foi na direção dela novamente, mas antes que a tocasse ela sorriu e
virou-se para Gabriel.
— Segure seu cãozinho.
— Wagner, controle-se ou vou ter que pedir que saia.
— Eu não preciso ouvir o que essa vagabunda vai falar, eu só queria olhar nos olhos dela e dar um
recado. — ele colocou as duas mãos sobre a mesa e a encarou — O que você fez, não ficará impune.
E se você acha que porque está na prisão, está livre da minha sede de vingança, você está muito
enganada.
Antes que ela pudesse responder, Wagner saiu, batendo a porta. Gabriel sentou-se na outra cadeira
diante dela e a encarou. Antes de começar a falar.
— Você sabe que está muito encrencada, não sabe?
— Eu pareço preocupada?
— Deveria.
— Sabe, a justiça no Brasil é lenta, falha. Não estou minimamente preocupada.
— Eu vim lhe dizer...
— Deixa eu adivinhar. — ela sorriu novamente debochando — Veio me propor um acordo. Se eu
disser onde meu pai está, você vai providenciar para que minha pena seja reduzida.
Ele apenas a encarou.
— Nem gaste sua saliva, Gabriel. Eu não sei onde ele está, isso foi a única coisa que ele não
compartilhou comigo. E mesmo que eu soubesse, eu não diria. Estou cansada de você. De vocês
todos.
— Por isso você matou Guilherme?
— Eu amo o Guilherme e...
— Quem ama não faz o que você fez. — ele socou a mesa irritado.
— Você não sabe de nada, não sabe tudo que eu fiz para estar com ele. — ela agora demonstrava
todo rancor em sua voz — Eu aturei você, meses e meses, fingindo ser a boa namorada, só porque eu
queria ficar perto dele. Mas ele nunca me olhou. Quando eu armei aquela situação na faculdade,
achei que ele iria finalmente entender o que eu queria, o que eu sentia, mas ele me repeliu ainda mais.
E não pense você que eu desisti, eu ainda tentei inúmeras vezes, mas quando vi que não ia adiantar,
eu parei. Então minha mãe adoeceu e eu saí do Brasil, fui ficar com ela, queria cuidar dela e então eu
conheci meu ex-marido. Tudo nele me lembrava o Guilherme. E ele era quase perfeito. Mesma
estatura, corpo forte e musculoso, olhos azuis, cabelos negros, uma cópia perfeita, mas ainda havia
um problema...
— Ele não era o Guilherme. — Gabriel respondeu a encarando com os olhos apertados.
— Não era. Mas eu continuei casada, ele era bom pra mim, pra minha mãe, mas então o estado de
saúde dela piorou e não havia nada que pudéssemos fazer. Então no leito de morte ela me contou sua
história. A verdadeira. Que ela conheceu Montenegro quando trabalhava na casa dele. Que ele era um
homem charmoso, sedutor, mas que não respeitava as mulheres, que as usava, vendia. E que quando
ela engravidou de mim, ele ficou feliz, mas ela tinha tanto medo... não queria que eu crescesse no
meio daquilo tudo, então ela fugiu comigo ainda na barriga. Ele tentou encontrá-la, mas ela conseguiu
se esconder bem. Minha mãe me disse que se eu quisesse procurá-lo, ela me liberava para isso, mas
para eu tomar cuidado. Não permitir que ele me ludibriasse a fazer coisa errada. — ela sorriu —
Coitada da minha mãe, mal sabia ela que era tudo que eu queria. Então fui pesquisar sobre ele e
descobri que você estava ao seu encalço, logo em seguida o prendeu. Quando fui visitá-lo ele me
acolheu como filha, sem sequer duvidar de mim, da minha história e eu fiquei tão feliz. Queria ter um
pai, queria ter ele como pai e então ele disse para que eu fosse paciente, que ele sairia da cadeia e
nós viveríamos juntos. Eu me propus a ajudar, desde que no final eu ficasse com o Guilherme, de um
jeito ou de outro. Mas ele começou a ficar com aquela juíza e no início eu achei que era só um caso,
mas quando eu ouvi ele dizendo para ela, no hospital, que estava apaixonado... eu fiquei com tanto
ódio, tanta raiva que eu quis matar todos vocês. Mas principalmente ele. Se Guilherme não fosse
meu, não seria de mais ninguém. E foi então que eu quis me vingar, de você, do Wagner, de todos
vocês. Você havia tirado meu pai de mim e eu não teria Guilherme.
Gabriel estava furioso, se remexeu na cadeira enquanto os nós dos dedos ficavam brancos de tanto
que ele mantinha os punhos cerrados. A dor da perda do irmão o consumindo, o medo que sua mulher
perdesse seu filho, seu primeiro filho e tudo por causa de uma maluca. Tudo por causa daquela
mulher diante dele.
— No início eu fiquei desesperada, quando Guilherme sofreu o acidente, mas depois eu queria que
ele tivesse morrido ali. E o idiota do Wagner achando que eu acreditava que ele estava do meu lado.
Sei como vocês Goulart são. Parecem os Mosqueteiros. Um por todos e todos por um. Deixei ele
saber apenas o que eu queria que ele soubesse, mas ele não é idiota, não mesmo, então descobriu
mais do que eu queria e eu tive que me livrar dele. Ou tentar. Eu sabia que quando ele soubesse que a
azeda da cozinheira corria perigo, ele ia dar uma de super-herói e foi nessa hora que eu me
aproveitei para o resto. E o plano do meu pai foi perfeito.
— Só que você não está como imaginou. Vai passar muitos anos atrás das grades.
— Era um risco que eu sabia que corria, mas meu pai está livre e se não fosse pelo dinheiro dele,
pelos capangas dele e por todos que trabalham pra ele, eu não teria os melhores advogados. E
Guilherme estaria desfrutando da sua paixonite com aquela juíza. Mas veja só, ele não está.
— Você é louca. — ele se levantou irritado.
— Sua opinião a meu respeito, não importa.
Ele se virou respirando profundamente para não perder o controle, como Wagner havia perdido há
alguns minutos, mas antes de sair ele colocou a mão na porta e virou-se para ela.
— Você está enganada. Eu não vim aqui para lhe propor um acordo. Vim para conhecer a
verdadeira Laura e te avisar que nem que Montenegro se esconda no inferno, eu vou fazer a justiça
ser cumprida.
Ele saiu batendo a porta, disposto a cumprir mais uma promessa.

Fim
Epílogo

Alguns dias depois...

Márcia não reconhecia a própria imagem diante do espelho. Céus. Ela tinha emagrecido
consideravelmente, olheiras fundas não se ocultavam nem com a ajuda de maquiagem. Seu cabelo
estava opaco e preso em um coque bagunçado, no alto da cabeça e ela vestia um terninho preto.
Aliás, as últimas roupas que se lembrava de ter vestido, eram todas pretas.
Cor que refletiam seu humor, seu coração.
Ela nunca imaginou que poderia sentir tamanha dor. Durante os minutos que ficou ajoelhada no
chão, precisou conter o impulso de se jogar contra as chamas, não para morrer junto a ele, mas para
tentar salvá-lo.
Ou talvez, fosse sim, para morrer também. Agora ela desejava ter feito isso, pois naquele
momento, tinha certeza que não conseguiria conviver com aquela dor por muito mais tempo.
Quando ela colocou os óculos escuros e saiu, o carro preto já a aguardava. Assim que o motorista
abriu a porta, ela avistou Camila dentro do veículo. Márcia entrou e sentou-se sem cumprimentar a
irmã.
Camila estava sendo seu para-raios, em todos os sentidos e definitivamente não era justo com ela,
mas não conseguia evitar, e quando sua irmã tocou sua mão, Márcia puxou, afastando-se dela.
Não queria pena, não queria carinho, não queria nada.
Queria apenas se entregar a sua dor, e se possível, aprender a conviver com ela.
Perder Guilherme daquela maneira hedionda, depois de finalmente ter descoberto, com ele, o que
era o amor, o que era estar apaixonada, era o mesmo que morrer também.
E era assim que Márcia se sentia.
Morta!

***
Enquanto o homem religioso proferia sua oração, o peito de Gabriel se comprimia. Ele ainda não
se conformava com o fato de os bombeiros terem demorado tanto a chegar, com o fato do corpo ter
sido incinerado, impedindo assim um reconhecimento. Se não fosse pelo carro, se Márcia não tivesse
visto com seus próprios olhos... Diabos! Nem coragem para contar a Monique, que ainda estava no
hospital, ele havia tido. E o médico também havia aconselhado Gabriel para esperar um pouco antes
de contar. Uma dor dessa, o choque de uma notícia como essa, poderia colocar o tratamento em risco
e ela poderia perder o bebê. Então ele mentiu. Dez dias mentindo para própria esposa. Disse que
Guilherme estava viajando e tirou qualquer meio de comunicação de perto dela. Camila estava sendo
um anjo, sempre a visitando, conversando sobre comida, sobre o restaurante.
Mas agora, diante daquele caixão de madeira, enquanto eles esperavam para se despedir
definitivamente de Guilherme, ele podia ver o quanto todos estavam sofrendo.
Márcia não estava diferente. Ela estava toda de preto e nem sua maquiagem conseguia esconder as
olheiras fundas, enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto, silenciosamente.
Mais alguns amigos de profissão de Guilherme também estavam ali, para dar seu último adeus.
Wagner também não deixou de perceber a tristeza de Camila. Na verdade enquanto a dor e a culpa
o corroíam, ele prestou atenção nela, mas não se aproximou, manteve-se distante. Apesar de ser
indiscutivelmente apaixonado por ela, tinha coisas para fazer e não podia deixar um relacionamento
colocar tudo a perder. Iria fazer muitos inimigos, e colocar a vida dela em risco, era algo que ele não
estava disposto a fazer. Então desde que saíra do hospital, ele a ignorou completamente.
Wagner só tinha cabeça para uma coisa naquele momento: Vingança.
Depois que a oração terminou, os homens começaram a descer o caixão fechado e aquilo estava
levando um pedaço do coração, do sorriso, da vida de cada um deles: Gabriel, Wagner, Camila e
Márcia.
Antes que eles começassem a jogar terra, Wagner se aproximou do caixão.
— Todos serão punidos, cada um deles, e isso é uma promessa que eu faço.

Fim
Leia o próximo volume da Série Goulart

Você não vai se arrepender!


Desejo
de Punição

V. Totta

Rio de Janeiro
2016
Copyright © 2016

Revisão - Sabryne M atos


Arte Capa - Valéria Rodrigues
Diagramação - Valéria Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Ficha Catalográfica feita pela Autora.)
Totta, V.
Desejo de Punição/ V. Totta | 1a ed.- Rio de Janeiro: V. Totta - 2016
p.
ISBN 978-85-5832-041-2
1. Literatura Brasileira 2.Romance I
Índice Catálogo Sistemático
1.Romance Brasileiro B869.3
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo
ainda o uso da internet, sem permissão expressa da Autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).

Todos os direitos desta edição reservados pela.

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Sinopse
Wagner sempre foi um cara extrovertido, galanteador, e isso só se intensificou quando aos dezoito anos, se viu herdeiro de uma
fortuna imensurável. Com isso, resolveu ganhar o mundo, aproveitar a vida. Só que além da curtição, ele se especializou em investigação
particular, tornando-se muito bom no que fazia.
Porém, depois de um grande trabalho, alguém próximo é assassinado e Wagner não pôde deixar de se sentir culpado. Diante do
túmulo, prometeu que todos os envolvidos naquele crime seriam punidos. Mas a culpa o corroeu de tal maneira que ele se transformou
em alguém que nem ele mesmo reconhecia.
E em meio a toda escuridão que ele se tornou, existia uma luz: Camila! A chef cheia de vida e alegria, dona de uma personalidade
forte e cativante, o encantou desde a primeira vez em que se viram.
Era impossível resistir e lutar contra o amor que ele sentia por ela. Ficar longe de Camila estava cada dia mais insuportável. Só que
Wagner precisava se manter distante, afinal era perigoso demais que eles ficassem juntos. Como manter sua promessa de punição sem
envolvê-la nessa lama toda em que se afundou? Como protegê-la de seu inimigo?
Angústia, ameaça, medo, surpresa, desejo, vingança e punição são alguns dos sentimentos que envolvem a trama deste último livro
da Série Goulart.
Prólogo

— Eu não sei de nada! Por favor. — o rapaz amarrado na cadeira daquele lugar escuro e frio
choramingava e implorava feito uma garota, antes do picador de gelo sair e voltar a penetrar sua
carne e músculos.
— Me diga, quem te contratou? — o picador de gelo rodou em sua perna fazendo seus músculos
romperem como se não passassem de fitas de papel — Nós temos a noite toda e você pode gritar à
vontade, ninguém irá te ouvir.
E quando o picador de gelo afastou mais uma vez da sua pele e o cara se afastou, ele se sentiu
exausto. Não tinha ideia de quanto tempo estava ali, sendo torturado.
Ele não aguentava mais sentir dor. Se arrependimento matasse, ele estaria morto. Aliás, ele estava
morto, estando arrependido ou não.
Quando ele topou fazer o que havia feito, nunca imaginou a proporção que aquilo iria tomar. Mas
ele tinha feito por um bom motivo. Sua namorada estava grávida, eles eram novos, não eram casados.
Ele precisava de dinheiro, precisava dar uma vida melhor para ela e para seu filho que iria nascer.
Não pensou duas vezes.
Agora estava ali, sendo torturado e interrogado, por aquele homem que ele mal sabia quem era. E
também não sabia responder as perguntas que ele fazia. Se soubesse já teria dito. Não gostava de
sentir dor, odiava sangue, e naquele momento as duas coisas estavam ali, junto a ele como se fossem
seus fiéis companheiros.
E ele até poderia achar que em algum momento o cara o libertaria, se não fosse pelo fato de ele
ser completamente maluco.
Ele tinha parado de torturá-lo e estava olhando para frente, segurando aquele picador de gelo, que
havia enfiado em sua perna alguns minutos antes, apenas para falar com a parede.
Ele sabe, claro que ele sabe. Foi tudo graças a ele.
— Ele não sabe, se soubesse já teria dito.
Você é tão fraco, tão estúpido. Não consegue enxergar um palmo diante do nariz. Se continuar
assim, será novamente enganado. Quem vai morrer desta vez? Quem você vai permitir que sofra
pelo seu erro?
— Não vou permitir que ninguém morra.
Então faça o que tem que ser feito. Mesmo que isso o leve a óbito.
Quando ele voltou a encarar o rapaz ensanguentado e com a cabeça baixa, ele se transformou.
Toda aquela dúvida de segundos atrás havia desaparecido. Ele não permitiria que mais ninguém
sofresse ou morresse por causa dele, e se para isso, ele precisasse torturá-lo até a morte, não
hesitaria em fazê-lo.
Capítulo Um

Naquela manhã, Wagner havia saído cedo e Diego sentiu falta dele no café. Os dois sempre
aproveitavam esse horário para conversar, aconselhar. Ele tinha Wagner como um irmão mais velho,
protetor, amigo, apesar da pouca diferença de idade.
A princípio achou que ele pudesse ter ido surfar, mas a prancha dele estava no armário.
Há um tempo, ele a deixava em um quiosque, na praia, mas desde que havia voltado de Curitiba,
estava diferente, e pouco surfava.
Quando a porta se abriu, ele se virou rapidamente, apenas para ver Wagner passar correndo para a
escadaria que levava ao seu quarto.
Sequer olhou na direção dele.
Bom dia, então, nem pensar.
E Diego se sentia impotente. Já tinha tentado conversar com Wagner, mas ele estava arredio.
Sempre se esquivando, mudando a conversa.
Claro que ele sabia sobre a história do primo dele, que havia morrido, mas nem quando sua mãe
morreu, ele viu seu brother tão desolado.
Ele deixou o café na mesa e foi até o quarto de Wagner. Como era de costume entre os dois, ele
entrou sem bater no quarto. Os dois já conviviam há cinco anos, já tinham suas manias, regras. Se
houvesse uma peça de roupa pendurada na porta, a entrada estava proibida. Fora isso, eles não
tinham cerimônia um com o outro.
Mas quando ele entrou, parou abruptamente, admirado com a imagem que estava vendo.
Wagner estava sentado na cama, fitando a parede, enquanto suas mãos abriam e fechavam
repetidamente. Ele parecia... distante.
— Hey, brother? Está tudo bem? — ele perguntou, mas Wagner olhou para ele lentamente, e
franziu a testa — Você tá passando mal?
Só então ele esfregou os olhos e sorriu.
E lá estava ele novamente. O cara que Diego conheceu e aprendeu a admirar.
— E aí, Dig, beleza? Estou ótimo, só fui... pegar umas ondas.
— Sério? Porque sua Funboard está no armário.
— Eu não saí na intenção de surfar, mas você sabe como é. Quando passei em frente ao mar, não
resisti. Aluguei uma na loja do Peixe.
Peixe era um senhor, de quase sessenta anos, que passou sua vida pegando onda e ensinando
crianças a surfar. Depois quando a idade começou chegar, ele abriu uma lojinha à beira da praia,
onde ele alugava equipamentos de mergulho e surf.
— Podia ter me acordado, eu iria junto.
— Cara, eu disse que resolvi na hora. — ele soou ríspido, mas Diego não se intimidou.
— Tudo bem brother, mas eu não falei nada de mais. Não precisa ficar todo nervosinho.
Wagner se arrependeu imediatamente, nunca foi um cara nervoso ou estressado. Sempre gozou da
vida com diversão, sempre foi feliz e sorridente. Mas antes que pudesse pedir desculpas, o garoto se
virou e saiu do quarto.
Merda!
Virou-se e foi em direção ao banheiro e depois de tomar um banho rápido, ele se arrumou e saiu,
decidido a ir até o quarto de Diego. Além de pedir desculpas iria convidá-lo para uma viagem.
Ele precisava ir à Curitiba e iria aproveitar e levá-lo.
Mas ao passar pela sala viu o garoto jogando video game.
— Dig, foi mal brou. Eu estava nervoso a acabei descontando em você.
Diego o encarou antes de jogar o controle de lado.
— Quer conversar? Me dizer por que está nervoso?
— Claro, mas no caminho.
— Caminho para onde?
— Preciso ir à Curitiba e vou levá-lo comigo.
— Mas estou tendo aulas e...
— Só vai perder aula amanhã. Domingo à noite estaremos de volta. Vamos, vai ser legal.
— Tudo bem. — Diego sorriu animado e depois virou-se indo para seu quarto arrumar uma
mochila rapidamente.
Wagner fez o mesmo, mas sua mochila continha, além de suas roupas, várias pastas.

Assim que entraram no carro esporte de Wagner, Diego ligou o MP3 player e Lose Yourself do
Eminem começou a tocar e os dois se balançaram no ritmo da música, enquanto Wagner aumentava o
volume e dava partida com o carro.
Mas apesar daquela viagem parecer algo relaxante, estava longe disso. Durante todo o caminho
Wagner se manteve silencioso, quase distante, perdido em seus pensamentos. E Diego não conseguiu
imaginar como em poucos dias, uma pessoa podia mudar tão drasticamente.
— Onde exatamente estamos indo?
— Curitiba.
— Sim, eu sei, mas pra quê?
— Eu quero ver alguém e preciso falar com Gabriel.
— Você disse que não era a trabalho.
— E não é, mas eu posso unir o útil ao agradável.
Antes que Diego pudesse falar qualquer coisa, Wagner aumentou ainda mais o volume do som,
fazendo com que um diálogo fosse praticamente impossível.

Quando eles chegaram à cidade, Wagner estacionou o carro em uma rua movimentada, mas apesar
de desligar o motor, não saiu do carro. Ele ficou parado com os vidros ainda erguidos, evitando
assim que qualquer pessoa do lado de fora visse que havia pessoas dentro do carro e permaneceu
parado olhando para o outro lado da rua.
— O que estamos fazendo?
Diego questionou, mas antes que Wagner pudesse responder, um sorriso iluminou seu rosto. Seus
olhos brilharam e sua feição suavizou. Por um instante, ele estava lá novamente. O mesmo cara que
Diego havia conhecido. Sua visão fixada do outro lado da rua.
Camila caminhava carregando algumas sacolas. Seu cabelo solto brilhava com o reflexo do sol,
sua pele clara e sua expressão jovial fizeram o peito de Wagner se aquecer.
Ela era simplesmente a mulher mais linda do mundo.
Ele queria sair do carro, ir até ela e envolver sua cintura fina em seus braços, erguendo seu corpo
enquanto a beijava intensamente, como se a vida dele dependesse disso. Mas Wagner não o fez.
Apertou o volante com tanta força para conter seu impulso, que os nós dos seus dedos ficaram
brancos.
— Quem é ela? — Diego perguntou.
— A mulher mais incrível que eu já conheci.
— E por que está olhando ela de longe? — ele perguntou enquanto observava Camila entrar em
seu restaurante — Por que não vai falar com ela?
Claro que Wagner não estranhou as perguntas do seu brother. Ele estava acostumado a vê-lo ir até
as mulheres e sempre conseguir o que queria. Não que Diego conhecesse sua história com Camila,
mas definitivamente sabia que aquele comportamento não era normal.
— Por que ela é boa demais pra mim e por que ela merece um cara que a faça feliz.
— E você não é esse cara?
— Há algumas semanas eu diria que poderia ser, hoje? — o rosto de Wagner voltou a assumir um
semblante sério, irritadiço e cansado — Definitivamente não!
Diego não questionou mais e ficou observando o restaurante, enquanto Wagner dava a partida no
carro.

Mais alguns poucos minutos dirigindo, eles estacionaram diante de um hotel luxuoso. Os dois
desceram do carro e depois que Wagner entregou a chave ao manobrista, eles seguiram para o lobby.
Wagner pediu uma suíte dupla e foi prontamente atendido. Não havia feito reserva nem nada, mas
o seu dinheiro somado ao seu charme abria-lhe muitas portas.
A suíte era enorme. Uma sala ampla com dois sofás, uma mesa de centro e um bar dividiam os
dois quartos com banheiros privativos.
— Eu fico com o da esquerda. — Wagner disse seguindo para a porta. Diego apenas sorriu e
seguiu para seu próprio espaço.
Wagner jogou a mochila sobre a cama, retirou de dentro um envelope pardo, guardou-o dentro da
calça escondendo a coisa com a própria camisa e contou alguns minutos até que ouviu o barulho do
chuveiro no quarto de Diego.
Então ele pegou sua carteira e saiu.
— Eu já volto, preciso resolver uma coisa.
Antes que Diego pudesse responder ele saiu.
Mas em vez de pedir ao manobrista que trouxesse seu carro ele pegou um táxi.

Alguns minutos depois o motorista o deixava em frente a uma enorme delegacia. O local parecia
ter sido reforçado há pouco tempo e alguns policiais estavam encostados em viaturas conversando.
Quando ele desceu do táxi caminhou até um grupo.
— Boa tarde, sabem me dizer se o investigador Goulart se encontra.
— Sim, quem quer saber? — um dos policiais respondeu erguendo seu corpo, se comportando
como um cão de guarda, e Wagner não evitou sorrir internamente.
Era um idiota!
Do que adiantava ficar na defensiva, se a informação que queria, ele já havia dado. — pensou ele.
— Não se preocupe, ele vai querer me receber. — Wagner respondeu tranquilamente e caminhou
para dentro da delegacia com o policial ao seu encalço.
Aquilo o irritou, mas ele não falou nada. Apesar de saber que se sentiria aliviado se desse umas
porradas naquele cara, ele era autoridade ali e mesmo ele sendo quem era, não o desrespeitaria.
— Você pode avisá-lo que Wagner Goulart está aqui? — ele disse, virando-se para o policial.
— Goulart?
— Sim, somos primos.
O policial assentiu e foi até a sala do investigador para avisá-lo da visita.
Após bater à porta ele esperou, mas não obteve resposta, então bateu novamente até que um grito
quase em forma de rosnado ecoou lá de dentro.
— Estou ocupado.
— Você ouviu. — o policial disse, mas Wagner apenas o empurrou para o lado, colocou a mão na
maçaneta e abriu a coisa de madeira.
— Está ocupado para mim também? — Wagner perguntou colocando a cabeça para dentro da sala.
Gabriel Goulart ergueu a cabeça e encarou o primo. Seu olhar frio e distante era exatamente como
Wagner se lembrava.
Quando o primo se levantou, Wagner percebeu que ele havia perdido peso, mas nem isso fez com
que ele parecesse menos ameaçador. Essa era a genética deles, apesar de Gabriel ter a pele mais
morena e o cabelo escuro, ao contrário de Wagner que era loiro e sua pele só era morena por causa
da grande quantidade de sol que pegava por causa do surf.
— O que te traz à Curitiba? — Gabriel finalmente disse enquanto apertava a mão do primo.
— Beleza? — Wagner retribuiu o aperto e virou-se para o policial — Eu disse que ele iria me
receber.
— Pode ir. — Gabriel dispensou o policial de forma ríspida, sem motivo.
— Então, está muito ocupado ou estava jogando paciência fingindo que trabalha?
Gabriel ergueu uma sobrancelha o encarando sério.
— Porra, vai me dizer que você já conhece Cand Crush?
— O que? — Gabriel franziu a testa — Porra, você não cresce não é?
— Tenho 1,83. Se eu crescer mais que isso vou virar jogador de basquete.
Gabriel sorriu. Conhecia bem o primo para saber que ele adorava uma brincadeira.
— Sempre o mesmo.
Wagner agora parou de sorrir e respirou profundamente.
— Nem tanto. — ele se sentou enquanto Gabriel caminhava até sua cadeira — Me diga como
andam as coisas.
— Estranhas. — o investigador respondeu, sabendo exatamente do que o primo estava falando.
Há algumas semanas, eles estavam reunidos conversando sobre um caso importantíssimo que
estava sendo falado por toda cidade. O caso Montenegro.
Gabriel prendeu o cara e Guilherme, seu irmão e promotor da cidade, seria responsável por
ajudar a condená-lo. Wagner, que era primo dos dois e investigador particular, havia sido chamado
por eles para que ajudasse a descobrir, na surdina, quem eram as pessoas envolvidas com
Montenegro.
E o plano deles parecia ótimo.
Se tudo não tivesse dado errado.
Apesar de todos os seus esforços, Montenegro conseguiu arquitetar um plano de fuga e saiu
vitorioso. Guilherme havia sofrido as consequências disso pagando pelo erro deles com a própria
vida.
Agora Wagner e Gabriel estavam empenhados, cada um a sua maneira, em punir os envolvidos no
caso, achar Montenegro e fazê-lo pagar pela morte de Guilherme.
— Estranhas como?
— Depois de ler e reler seu dossiê, comecei a chamar os envolvidos para indiciá-los, mas alguns
simplesmente sumiram do mapa.
— Devem ter fugido.
— Alguns, sim, mas outros... é mais complicado que isso.
— Complicado como?
— Mário, o meirinho, por exemplo. Respondeu ao chamado e disse que viria depor ontem, mas
ele simplesmente sumiu do mapa.
Wagner remexeu desconfortavelmente na cadeira e encarou Gabriel.
Capítulo Dois

Camila olhou o rapaz que a encarava sentado na mesa e se sentiu um pouco desconfortável. Não
por ele em si, mas pela forma insistente com a qual ele a olhava. E quando ela foi falar com um de
seus clientes, sentiu o olhar dele a acompanhar.
A chef tinha seu próprio restaurante há pouco mais de dois anos. Com a ajuda da sua irmã,
Márcia, ela o inaugurou assim que terminou a faculdade de gastronomia.
Essa era a parte boa de se ter uma irmã influente como ela. Não demorou muito para as coisas
serem agilizadas. Ser irmã de uma juíza renomada tinha suas vantagens e desvantagens.
Camila suspirou.
Havia um tempo que ela não via Márcia. Depois da tragédia que se abateu sobre elas, sua irmã
resolveu tirar “férias”. E a princípio Camila achou a ideia maravilhosa, pois sabia que com a morte
do seu cunhado, o promotor Guilherme Goulart, continuar trabalhando era uma prova e uma tortura
diária. Mas quando Márcia disse que iria ficar meses longe, Camila se espantou, foi terminantemente
contra e tentou convencer sua irmã a voltar atrás em sua decisão, mas claro, não conseguiu.
Lógico que havia os celulares para se comunicarem, mas Márcia parecia querer se isolar, então a
última vez que Camila tinha conseguido falar com ela, já fazia cinco dias. E não a via há mais de um
mês.
O olhar insistente do rapaz, que agora comia um dos pratos sugeridos do dia, a fez parar de pensar
na irmã.
Camila limpou as mãos e sustentou o olhar do rapaz enquanto caminhava até ele.
— Boa tarde. — ela disse com seu melhor sorriso quando se aproximou da mesa dele — Posso
ajudá-lo em alguma coisa?
Ela percebeu o quão sem graça o rapaz ficou, mas logo em seguida ele sorriu e ela percebeu que
ele estava nervoso.
— Você é a dona do restaurante?
— Sim, e a chef, tem alguma coisa errada com seu prato?
— Não… não. — ele sorriu mais uma vez e dessa vez pareceu sincero — A comida está
deliciosa.
Camila se sentou.
— Ótimo, então eu vou direto ao ponto. — ela o encarava enquanto falava — Você quer falar
comigo? Porque definitivamente não tentou disfarçar enquanto me encarava.
Ele baixou o olhar e suspirou, visivelmente envergonhado.
— Desculpa. Eu não quis ser… indiscreto. Eu só queria saber quem era a mulher que mudou meu
brother.
Camila franziu a testa.
— Seu brother?
— É! Depois que ele conheceu você, ele mudou muito, mas infelizmente não foi só isso que o
mudou.
— De quem você está falando?
— Wagner.
A mera menção do nome dele fez o coração de Camila se apertar.
Desde o enterro de Guilherme, há pouco mais de dois meses, que ela não o vira. Nem mesmo
havia tido notícias. O pouco que soube foi através de Monique, a quem ela visitava com frequência,
mas a amiga sabia pouco, pois Gabriel também não tinha tanto contato com o primo.
— Você o conhece?
— Somos irmãos. — ele deu de ombros — Prazer, meu nome é Diego.
— Eu não sabia que ele tinha irmão…
— Na verdade, eu só moro com ele… longa história.
— E como ele está? — ela não conseguiu conter o entusiasmo na voz.
— Diferente! Depois do que aconteceu, bem… você sabe, ao primo dele, mas não sei exatamente
o porquê. Ele não conversa mais comigo, não se abre e está cada vez mais estranho.
— Eu imagino. — ela respondeu, olhando para o guardanapo entre os dedos.
— Eu não sei seu nome. — ele disse e só então ela se deu conta de que não havia dito o nome
para ele.
— Desculpa. — ela forçou um sorriso — Me chamo Camila.
Diego esticou a mão para ela e apertou. O silêncio entre eles se estendeu, até que Camila se
levantou e sorriu fracamente.
— Cuide dele. Ele é muito especial.
— Por que você mesma não cuida?
Ela o encarou e não escondeu a tristeza na voz.
— Porque ele não me quer por perto, se quisesse não teria sumido sem dar notícias.
Antes que Diego pudesse falar qualquer coisa, Camila se despediu e voltou para a cozinha, mas
não conseguiu mais se concentrar, então deixou o restaurante nas mãos do su-chef e foi para casa.

Já em seu apartamento ela não conseguia deixar de se sentir triste. Camila nunca foi do tipo que
deixava as coisas a abaterem, não com a infância e adolescência difícil que ela e Márcia tiveram.
Primeiro sua irmã teve que aguentar os abusos de seu pai, que entrou em colapso depois da morte da
mãe delas. E para protegê-la, Márcia o matou com as próprias mãos, tendo que passar todo
constrangimento do corpo de delito, da qual ela encarou com muita maturidade, apesar da pouca
idade, ao assumir o que tinha feito. Quando o pesadelo delas finalmente acabou, ela e sua irmã
tiveram que se sustentar e cuidar sozinhas, ainda assim, Márcia se tornou uma juíza respeitada e
também conseguiu pagar a faculdade de Camila, permitindo assim que ela se tornasse uma chef
conhecida no meio gastronômico.
O peso sobre os ombros de Márcia sempre foi maior que o de Camila e ela seria eternamente
grata por isso.
E elas foram felizes durante um tempo, como se aquela infância ruim tivesse acontecido com
outras pessoas. Pelo menos ela foi. Sentia-se protegida ao lado de sua irmã, mesmo que as duas
morassem em seus próprios apartamentos, pois tinham temperamentos diferentes, elas estavam
sempre juntas, sempre unidas. Uma pela outra.
Agora sua irmã estava distante, não só fisicamente, mas também emocionalmente depois do que
havia acontecido com seu namorado.
Se não bastasse isso, Camila havia conhecido Wagner há alguns meses, graças a Guilherme. Ela
definitivamente tinha o odiado e adorado na mesma intensidade. Ele era tão idiota, tão irritante e ao
mesmo tempo tão divertido e cativante. Além disso, ele havia salvado sua vida, não só uma, mas
duas vezes. Entretanto da noite para o dia, ele mudou com ela, se afastou e depois que seu primo
tinha sido assassinado, por uma vingança mesquinha e egoísta de uma mulher louca, sem escrúpulos,
Wagner desapareceu.
Ela queria ajudá-lo a superar, tentou entrar em contato com ele diversas vezes, ligou, mandou
mensagem, mas ele simplesmente a ignorava.
Agora um rapaz havia aparecido e dito que Wagner havia mudado por causa dela. Mas de que tipo
de mudança ele estaria falando?
Se arrependeu imediatamente de ter deixado o rapaz e saído do restaurante. Agora ela queria
saber mais.
Pegou o celular e ligou para ele, aguardando ansiosamente, torcendo para que desta vez ele
atendesse.

***

Depois que Gabriel conversou com Wagner sobre o desaparecimento do meirinho, ele pegou o
dossiê que o próprio primo havia entregado a ele e jogou sobre a mesa.
— Tem algumas coisas que eu fiquei em dúvida.
Wagner cruzou os braços sobre o peito, como se quisesse se proteger e encarou o primo.
— Pergunte.
— Acho que seria melhor se você fizesse um resumo.
Wagner suspirou e começou a falar:
— Quando vim pra cidade a seu pedido, vocês me deram poucas informações, então eu tive que
trabalhar com o pouco que eu sabia. Tinha certeza que Montenegro tinha muito mais gente
trabalhando para ele do que você ou Guilherme… — os dois ficaram tensos com a menção do nome
do promotor, mas Wagner continuou — supunham, então eu simplesmente comecei pelo tribunal
focando nas pessoas próximas à juíza e os seguranças. Descobri então que um dos seguranças havia
comprado um carro novo há pouco tempo, mas acabou morrendo nas explosões, e descobri que o
meirinho tinha engravidado a namorada, que a princípio eles iam morar com os pais dela, mas de
repente ele resolveu comprar um apartamento, casar, essas coisas. Porra, da noite para o dia? Então
eu comecei a segui-lo. O vi com um cara que logo em seguida, vi em um bar com Laura. A princípio
achei que ele estivesse apenas dando em cima dela e que fosse coincidência, mas então ela olhou
para ele de uma forma que me deixou desconfiado e eu sabia que ela estava escondendo alguma
coisa. Foi quando eu decidi me aproximar. Mas ela era esperta, apesar disso não demorei a
descobrir o que ela estava fazendo, eu só não sabia o motivo. Então decidi fingir que estava do lado
dela e por um lado foi bom, pois eu estava descobrindo cada detalhe, as pessoas envolvidas, as
coisas que iam acontecer antes de acontecer, mas eu precisava me afastar de vocês. Tinha que
parecer que realmente eu tinha mudado de lado, pois eles tinham pessoas trabalhando para eles em
todos os lugares. Quando eles explodiram o prédio, eu tentei chegar antes para impedir que a
secretária que estava trabalhando para o Montenegro entrasse e ligasse pra Márcia, mas cheguei
tarde demais. Estava prestes a ligar para vocês e avisar quando vi Márcia chegando com um cara e
logo em seguida Guilherme. — ele passou a mão no cabelo bagunçando-o completamente — Depois
disso foi tudo tão rápido. Mas eu me senti aliviado depois que Guilherme saiu do prédio com ela.
Então Laura começou a ficar estranha e eu precisei fingir ainda mais. Fiquei na cola dela, o tempo
todo, descobrindo cada passo, cada ação, até que descobri que ela era filha de Montenegro, então eu
sabia que não era só por dinheiro. Foi quando eu decidi que iria abrir o jogo com vocês, mas aí ela
foi mais esperta e colocou a vida de Camila em jogo. Porra, eu nunca soube dos planos dela em
relação a Guilherme, nunca imaginei que ela quisesse matá-lo e eu nunca vou me perdoar por isso,
nunca!
O silêncio que pairou sobre eles foi estranho e desconfortável. Wagner apertou o braço da cadeira
com tanta força que os nós dos seus dedos ficaram brancos, então ele precisou respirar algumas
vezes antes de encarar Gabriel.
— Eu ainda tive esperanças, afinal, não conseguiram reconhecer o corpo, mas…
— Não conseguiram porque qualquer que tenha sido o combustível para queimar o carro, foi algo
preparado. Só consigo pensar na mistura que os bandidos usam no chamado “forno micro-ondas”.
Como a estrada era deserta, pouco movimentada, Márcia estava ferida e sem celular… enfim, foi
tudo planejado minuciosamente. O corpo dele carbonizou até não ser possível reconhecimento.
Os dois voltaram a ficar em silêncio até que Wagner se levantou.
— Bom, eu fiz um dossiê da vida de Laura. — ele pegou o envelope e jogou sobre a mesa — Se
você achar que serve pra alguma coisa…
— Ela vai apodrecer na prisão, não é mais um problema, não onde está.
— Mas existem os outros.
— Vou pegar um por um e fazer justiça.
O corpo de Wagner se retesou. Não que ele questionasse a gana do primo em pegar os culpados
pela morte do irmão, mas pela forma como ele fazia as coisas.
— Sei que vai. — ele apertou a mão do primo, se virou e saiu.
Capítulo Três

Laura estava deitada em sua cela exclusiva, pois ela não a dividia com nenhuma outra detenta,
lendo um livro, quando a guarda veio chamá-la.
— Visita pra você, princesa.
O apelido, ela ganhou quando seu advogado começou a não poupar esforços e dinheiro para
facilitar a vida dela lá dentro. E claro que não demorou a encontrar pessoas corruptas e interesseiras
para ajudar Laura naquele lugar.
Quando a disseram que tinha visita, ela nem se espantou. Estava acostumada a receber a visita do
engravatado, com notícias do seu pai.
Mas assim que a guarda abriu a porta da sala, onde ela costumava conversar com o advogado,
Laura se espantou.
Não era o engravatadinho quem estava ali.
— Ora, ora, ora… sentiu saudades?
— Claro, não vê como estou rindo de felicidade ao vê-la? — Wagner se manteve sério e a
encarou.
— Vai fazer beicinho também? — ela deu uma risada. — Ah, vamos, você precisa superar sua
incompetência.
— Não me provoque Laura…
— Ou o quê? — ela sentou na cadeira e colocou os pés sobre a mesa, enquanto encarava as
próprias unhas — O que você pode fazer? Eu já estou na prisão querido e apesar de não ter do que
reclamar, isto aqui não é exatamente um hotel cinco estrelas.
— Acredite, eu posso fazer ficar bem pior.
— Você?! — ela deu uma risada debochada — Não pode fazer nada, querido.
— Seu pai não é o único que tem dinheiro.
Ela apenas o encarou. Sabia muito pouco sobre Wagner e apesar de saber superficialmente que ele
tinha herdado uma grana, não sabia quanto.
— Facilite nossas vidas. Me diga onde está Montenegro e eu te deixo em paz.
Mais uma vez ela sorriu.
— E por que acha que, mesmo que eu soubesse, eu diria pra você?
— Porque eu posso fazer suas “férias” virarem um pesadelo.
— Boa sorte com isso. — ela se levantou e bateu na porta chamando a guarda e quando a mulher
abriu, ela virou-se para Wagner e piscou — Manda um beijo pro Gabriel.

Wagner não perdeu tempo, saiu apressado, voltando para o hotel. Estava exasperado, estar frente a
frente com Laura era o mesmo que estar diante do seu erro.
Erro esse que custou a vida do seu primo.
Mas ele também não iria descansar, até que a última pessoa envolvida com Montenegro tivesse
sido punida. Inclusive o próprio, e então, talvez, ele conseguisse deitar a cabeça no travesseiro e
dormir uma noite inteira.
Quando estacionou diante do hotel, jogou a chave para o manobrista e seguiu para sua suíte, mas
quando entrou percebeu que estava sozinho.
— Diego? — ele chamou, mas não obteve resposta e já estava prestes a pegar o celular e ligar
para ele, quando a porta se abriu.
Wagner se virou e o encarou. Até então não estava preocupado, mas então seu brother abaixou o
olhar antes de voltar a encará-lo e ele conhecia bem esse gesto.
— Onde você estava?
— Eu… hum, lugar nenhum, só fui dar uma volta por aqui por perto. Você estava demorando.
— Tem certeza?
— Claro.
Wagner o encarou um momento. Sabia que ele estava mentindo, mas estava exausto demais para
começar o interrogatório, então ele apenas suspirou e seguiu para seu banheiro.
— Vou tomar um banho rápido, trocar de roupa e vamos sair para comer.
— Beleza. — Diego se jogou no sofá e ligou a TV — Podemos ir naquele restaurante que você
parou em frente e…
Antes que ele terminasse de falar, Wagner apareceu diante dele o encarando com o olhar sério e
escuro.
— Nós não vamos lá e eu não quero que fique perguntando o motivo nem nada disso. Esqueça
aquele lugar e esqueça que paramos lá, sacou?
Diego ergueu as mãos.
— Ei, calma, não está mais aqui quem falou.
— Beleza.
Wagner se virou e seguiu para o banheiro.
Enquanto tomava banho, não conseguia tirar a imagem de Camila da sua cabeça. Ele odiou o fato
de ter ignorado todas as ligações dela. Teria que trocar de número mais uma vez. Sabia que era
Monique que convencia Gabriel a dar-lhe o número e repassava à amiga, mas ele não tinha coragem
de dizer para que não o fizessem, então ele simplesmente jogava o chip fora e adquiria outro.
Quando terminou o banho, entrou em contato com seu informante e depois de confirmar que a
pessoa que ele queria ver, estaria no restaurante que ele havia reservado uma mesa, ele se arrumou e
seguiu para a sala.
— Vamos.
— Cara, meu estômago tá roncando. — Diego mentiu, afinal ele já havia comido no restaurante de
Camila.
— Então pare de reclamar e levanta a bunda do sofá. — ele respondeu com a mão já na maçaneta
da porta.
Diego sorriu e jogou uma almofada nas costas de Wagner antes de correr e o alcançar.
Quando Wagner sentiu a almofada bater em suas costas, pensou em se virar para reclamar, mas se
conteve. Andava tão chato que às vezes ele mesmo não se reconhecia.
Assim que entraram no carro, Diego ligou o som e começou a cantar batucando nas próprias
pernas. Apesar do humor sempre comprometido, Wagner entrou na onda e começou a cantar junto
com ele.
O caminho até o restaurante foi curto e apesar de estarem se divertindo, assim que entrou pela
porta, Wagner adotou um ar mais sério e avistou a pessoa da qual precisava se aproximar. Ele havia
olhado a foto dela inúmeras vezes e a vigiado outras tantas. A reconheceria mesmo com uma
multidão em volta. Ali, naquele estabelecimento relativamente vazio, ele simplesmente a viu
instantaneamente.
Os dois se sentaram à mesa que estava reservada, a uma mesa de distância do seu alvo, e,
enquanto olhavam o cardápio, o celular de Diego tocou.
Após olhar o visor, ele se remexeu desconfortável na carteira e rejeitou a chamada.
— Não vai atender?
— Não é ninguém importante. — ele mentiu.
— Mas pode ser um assunto importante.
— Duvido.
Wagner estranhou e quando o celular tocou novamente, ele encarou Diego.
— Se não vai atender essa porcaria, então desligue.
— Porra cara, você anda tão chato! — Diego disse desligando a coisa e colocando no bolso.
Wagner arregalou os olhos e o encarou antes de respirar profundamente.
— Olha, eu sei que estou diferente…
— Muito diferente.
— Eu sei. Mas seja paciente, eu preciso resolver uns assuntos e assim que tudo estiver
solucionado, as coisas vão voltar a ser como antes, eu prometo.
— Me deixa te ajudar.
— Nem pensar. Tá louco?
— Por quê?
— Perigoso demais.
— Mas não é perigoso pra você?
— Claro que é, mas…
— Então eu devo me preocupar, assim como você se preocuparia comigo. Além do mais, eu não
sou mais criança.
— É diferente, Dig, eu preciso…
— Precisa? Alguém está te obrigando?
Wagner começou a ficar cansado daquela conversa.
Diego era novo demais para entender o que ele estava pretendendo, e além do mais, incluí-lo em
seus planos estava fora de cogitação. Não podia sequer imaginar colocá-lo em perigo.
— Chega! — Wagner disse alterando um pouco a voz — Escolha sua comida, eu já volto.
Ele se levantou e se virou seguindo em direção ao banheiro. Não podia se desviar do seu real
objetivo ali.
Quando chegou ao lavabo, lavou suas mãos e rosto. Quando se olhou no espelho não se
reconheceu. Nem de longe parecia aquele cara divertido de antes. O sorriso raramente aparecia em
seu semblante e como iria precisar dele, começou a treinar. Forçou o primeiro sorriso e se achou
ridículo. Ninguém acreditaria naquele sorriso, nem ele mesmo. Então ele tentou novamente, de novo
e de novo até que conseguiu avistar seu velho eu no reflexo.
Decidido que estava pronto, ele voltou na direção de Diego, mas quando passou pela mesa de uma
morena de cabelos longos, esbarrou em seu braço, fazendo-a derrubar sua bebida na sua blusa branca
e sua saia alinhadas.
— Me perdoe. — ele se aproximou, solícito, a ajudando.
O olhar dela, que até então exibia fúria relaxou quando encarou o belo rosto de Wagner, atônita.
— Que idiota eu sou. — ele pegou o guardanapo de pano e a ajudou a se limpar. Quando
terminaram, ele retirou um cartão do bolso — Olha, me deixe me redimir disso. Estou nesse hotel,
mande sua roupa para lá que a lavanderia cuidará de tudo. Ficará como nova.
— Não é necessário. — a voz doce dela soou baixa. Ela ainda estava boquiaberta com a beleza
de Wagner.
E então ele sorriu.
O sorriso que antes saía naturalmente e que agora ele precisou ensaiar, ainda era arrebatador,
exatamente como ele queria que fosse.
— Eu insisto. — ele pegou outro cartão e retirou uma caneta do bolso — E eu ficaria
imensamente feliz se você me desse seu número para que eu cuidasse pessoalmente de tudo.
Não resistindo ao sorriso dele, ela cedeu e anotou seu celular no verso daquele pequeno pedaço
de papel.
— Mais uma vez, desculpe. — ele segurou a mão dela e beijou, antes de se retirar e voltar para
sua mesa.
Seu trabalho ali estava feito.

***
Camila estava sentada no sofá de couro marrom-escuro enquanto esperava sua amiga, Monique,
trazer o café. Havia insistido para ela ficar sentada, afinal ela tinha passado quase um mês no
hospital porque corria risco de perder o bebê, mas teimosa como era, disse que estava bem, pelo
menos para preparar um café para as duas.
Quando voltou da cozinha, Camila reparou que já conseguia perceber uma bolinha na barriga da
amiga. Não que quem não soubesse da gravidez de quatro meses fosse perceber, mas Monique era
uma magra cheia de curvas, e sua barriga chapada já não estava tão lisinha assim.
— Viu? Preparei um café sem maiores danos. — Monique sorriu quando apareceu pelo corredor
com duas xícaras na mão.
— Ei, eu sei que fazer café não requer lá grandes esforços, mas sabe como é, se você desse um
gemido o Gabriel ia cair matando em cima de mim.
Monique tomou um gole do seu líquido fumegante, antes de responder:
— O Gabriel só tem aquela casca de “homem mau”. Na verdade ele é um doce.
— Sei, só se for rapadura.
As duas caíram na gargalhada, antes de Monique voltar a falar:
— É sério, Ca, ele é bom demais pra mim.
— Eu sei amiga. Mas você tem que concordar que ele é assustador às vezes.
— Ele é. — ela deu de ombros sorrindo antes de tomar outro gole — Mas não comigo, pelo
menos não mais. — ela se lembrou de um passado não muito distante, onde ela também o achava
assustador.
Camila sorriu e então seu olhar vagou até um canto vazio da sala. Seu sorriso sumiu de seu rosto e
a mão que segurava a xícara caiu sobre eu colo enquanto seus pensamentos a levavam até Wagner.
Ela ainda não podia acreditar no quanto pensava nele. Droga! Como poderia? Eles sequer haviam se
beijado, como ele poderia estar tão entranhado assim dentro dela…
— Ei, — Monique a chamou, colocando a mão delicadamente sobre sua perna — está tudo bem?
Camila suspirou e encarou a amiga.
— Wagner está na cidade.
— Que ótimo! Vocês conversaram?
— Ele não me procurou, Monique.
— Não?!
Camila balançou a cabeça negativamente.
— E como você sabe que ele está aqui?
— Um rapaz foi ao restaurante hoje, um tal de Diego, veio com uma conversa estranha que eu
havia mudado o “brother” dele e que ele queria saber quem eu era, até então eu nem sabia de quem
ele estava falando, mas quando ele mencionou o nome do Wagner, meu coração disparou. Eu liguei
para ele, mas para variar, ele não me atendeu e agora eu estou aqui, me sentindo irritada e triste ao
mesmo tempo. Por que ele veio aqui e não me procurou? O que aconteceu com ele?
— Olha, eu não sei. O Gabriel também não está “normal”. Ele até tenta disfarçar, mas o que
aconteceu ao Gui…
— Afetou todos nós, eu sei. — ela tomou um gole de café — Fico dias sem falar com a Márcia.
Mas poxa, isso não impede a gente de se falar, pelo menos de vez em quando. Acho que no fundo ele
me culpa.
— Quem te culpa? Pelo quê?
— Wagner. Ele me culpa pela morte de Guilherme. Ele me salvou e não conseguiu salvar o primo.
— Mas Gabriel disse que ele não sabia o que aquela louca pretendia.
— Eu sei, mas não tem outra explicação para o afastamento dele.
Imediatamente Monique levantou e pegou seu celular, mas antes que pudesse ligar para seu
marido, ele atravessou a porta com uma expressão nada amigável, mas que suavizou quando viu as
duas mulheres na sala.
Gabriel caminhou até Monique e envolveu um dos braços em sua cintura antes de beijá-la
rapidamente enquanto acariciava de leve sua barriga e virar-se para Camila.
— Oi Camila. Tudo bem?
— Olá, Gabriel, tchau Gabriel.
— Não precisa sair correndo, eu não mordo.
— Eu já estava de saída.
— Não estava nada. — Monique disse olhando para a amiga — Gabriel, tem notícias do Wagner?
Gabriel encarou Camila rapidamente antes de responder.
— Ele está na cidade. Veio saber como andam as investigações. — ele respondeu de forma seca.
Não gostava de tocar no assunto e Monique na maioria das vezes, respeitava. Ela se lembrava
bem de como foi difícil para ele contar a ela sobre o que tinha acontecido. Eles quase discutiram,
pois ela não achou justo ficar sabendo depois de tanto tempo que havia acontecido, mas por outro
lado entendeu o conflito do marido. Além do sofrimento pela morte do irmão, ele temia pela vida do
filho. Aquele bebê que ela estava carregando e que já quase havia perdido.
— Camila, — ele se virou para ela e tentou suavizar a voz — se vale um conselho, esqueça o
Wagner. Nem de longe ele é o homem que você conheceu. E acho que nem eu sou, mas eu tenho que
me manter forte pela Monique e pelo nosso filho.
— Eu sei, é só que… Bem, eu só queria mesmo saber se ele estava bem.
— Ele está bem, dentro do possível.
Ela assentiu e Gabriel beijou mais uma vez a esposa antes de se despedir de Camila dizendo que
iria tomar um banho e descansar um pouco.
Alguns minutos depois Camila se despedia de Monique.
As palavras de Gabriel ainda rondavam sua mente. Ele estava certo! Ela devia seguir em frente e
esquecer Wagner, afinal ele certamente já havia se esquecido dela, independente do que Diego havia
dito.
Decidida, ela pegou o celular e ligou para um amigo. Já que havia tirado o resto do dia de folga,
iria tentar se divertir.
Capítulo Quatro

Wagner não dava ponto sem nó. Ele era um cara esperto, treinado, astuto. Tudo que sua profissão
exigia. Anos de cursos, aperfeiçoamento e treinamento só serviam para garantir que ele fosse o
melhor, ou pelo menos, um dos melhores naquilo que ele fazia. Era um excelente investigador
particular. Mas não era só isso. Havia também sua beleza. Seus 1,85m bem distribuídos em um corpo
musculoso, seus cabelos loiros e pele levemente dourada, só o ajudavam a alcançar seus objetivos.
Não foi nem um pouco trabalhoso, com seus anos de experiência, descobrir onde a mulher com
quem ele esbarrou no restaurante morava. Aliás, ele já sabia antes mesmo de encontrá-la
“casualmente”. Wagner sabia que precisava de uma abordagem muito persuasiva para bater assim na
porta dela, sem fazer a mulher sair correndo como se ele fosse um maníaco perseguidor.
Assim que ele tocou a campainha, adotou seu melhor sorriso convincente e aguardou. Quando ela
abriu a porta arregalou os olhos.
— Como… O que você faz aqui? Como sabe onde eu moro?
Ela manteve a porta entreaberta, com uma clara intenção de fechá-la a qualquer momento.
Wagner sorriu e tentou passar tranquilidade.
— Espere, juro que não sou um maníaco. Fiquei realmente me sentindo mal pelo estrago que fiz
em sua roupa, então, depois, conversando com um garçom, perguntei sobre você. Como tem o
costume de frequentar o lugar e não é longe daqui…
— Quero saber o nome dele. — ela disse claramente irritada — Eles não podem dar meu
endereço a um desconhecido.
— Eu digo o que você quiser, se me permitir consertar o estrago que fiz.
— É só uma blusa. — ela disse sinceramente.
— Então me deixe levá-la para um jantar. — ele entregou a sacola a ela que continha uma blusa
bem parecida com a dela e um cartão com pedido de desculpas — Eu preciso me redimir.
— Acho que o presente é o suficiente.
Ele respirou derrotado.
— Não quero que pense que sou maluco, vou deixá-la em paz. Obrigado pela atenção. — ele
sorriu antes de segurar sua mão e levá-la aos lábios, beijando leve e demoradamente.
Enquanto Wagner se afastava ela o observou e antes que ele pudesse alcançar sua moto a morena
correu até ele.
— Desculpa. — ela disse sorrindo — Eu ando tão tensa ultimamente, tão desconfiada de tudo.
Wagner se virou e a encarou com um sorriso ainda mais largo.
— Aquele jantar ainda está de pé?
— Já que você anda tensa, tenho uma ideia melhor. — ele montou em sua moto e a encarou com
seus incríveis olhos azuis — Passo aqui para te pegar às nove.
— Aonde vamos? — ela perguntou sorrindo.
— Vou te levar pra relaxar.
Wagner colocou o capacete e piscou antes de abaixar a viseira e sair com sua moto reverberando
o ronco do motor antes de virar a esquina.
Ele não podia acreditar no quão sortudo era. Precisava de informações e arrancaria dela, custasse
o que custasse.

Wagner guiou até seu “covil”, uma casa no limite da cidade que ele usava como um tipo de base, e
substituiu a moto pelo carro antes de voltar ao hotel.
Assim que entrou encontrou Diego ao telefone.
— Foi você que quis assim, não tente jogar a culpa pra cima de mim… Droga, claro que não…
Isso é outra conversa… Não vou discutir com você por telefone… Não estou na cidade, estou
viajando com meu brother… Beleza, quando eu voltar te ligo… até.
Quando ele se virou e viu Wagner parado perto da porta, rodando as chaves do carro no dedo,
seus olhos se arregalaram e ele engoliu seco. Diego o observou por um tempo antes de falar.
— E aí?
— Eu que pergunto. — Wagner o encarou sério e Diego odiou aquilo. Sabia bem que não
conseguia mentir para seu brother, mas tentava assim mesmo — Tudo bem? Quem era?
— Tudo ótimo. — ele forçou um sorriso — Não era ninguém importante.
— Por que será que não acredito nisso?
— Porque você está sempre desconfiando de tudo e de todos ultimamente.
Wagner respirou fundo e encarou o garoto. Sabia que ele estava escondendo algo, mas não podia
forçá-lo a falar. Não enquanto ele próprio não estava sendo totalmente sincero, não quando ele
mantinha seus segredos mais tórridos.
— Beleza, à noite vamos sair. Esteja pronto às oito.
— Aonde vamos?
— Nos divertir. — Wagner sorriu, e apesar de parecer genuíno, o sorriso não alcançou os olhos e
Diego não ficou indiferente a isso.
— Porra, é disso que eu estava falando! — ainda assim, ele respondeu com animação.

***
A noite já havia caído há algumas horas, mas Camila mal vira a hora passar. Já que tinha passado
o resto do dia cuidando de si. Massagem, depilação, unha, cabelo. Tudo que uma garota tinha direito
e precisava. Depois que estava diante do espelho, mal podia se reconhecer. Não se lembrava de há
quanto tempo não se sentia assim. Tão gata, como ela mesma gostava de dizer. Apesar de toda
tristeza que tinha invadido seu coração ao longo daquele dia, ela estava decidida. E quando enfiava
uma coisa na cabeça, não tinha ninguém quem tirasse. E se isso não a fazia igualzinha a sua irmã, ela
trocaria seu nome.
Depois de dar mais uma olhada no seu vestido vermelho e justo, que a deixava com o quadril mais
largo do que era na verdade e suas coxas bem à mostra, em seus longos saltos pretos brilhantes, que
ajudavam a alongar suas pernas, ela jogou o cabelo para trás e piscou para seu reflexo no espelho
antes de pegar o celular e chamar um Uber.
Assim que ela chegou à porta da casa noturna, Gerard, o segurança e seu amigo de longa data,
veio na direção dela.
— Que isso, Ca! — ele se aproximou e a cumprimentou com dois beijos — Assim vou precisar
dar porrada em uns caras esta noite.
— Não exagera, Gê. — ela piscou — Mentira. Exagera sim que meu ego agradece e eu também.
Os dois riram enquanto ele a guiava em direção ao cordão de isolamento, fazendo com que
Camila não precisasse enfrentar a enorme fila que já estava formada na frente da boate.
Depois que eles passaram pela porta vai e vem, ela se virou para Gerard e beijou seu rosto.
— Me encontra no bar pra uma bebida quando tiver um tempinho?
— Claro, como posso resistir a um pedido seu? — ele sorriu e beijou seu rosto — Nos vemos
mais tarde.
Camila sorriu e jogou seu cabelo novamente enquanto caminhava até o bar. Mal ela se aproximou
e a bartender sorriu para ela. Havia alguns meses que Camila não ia ali, mas já tinha sido
frequentadora assídua na época da faculdade. Depois que abriu seu restaurante, tudo ficou um pouco
mais complicado, mas ela de vez em quando aparecia. Entretanto com os últimos acontecimentos, ela
estava realmente sumida, mas isso não a deixava menos confortável de estar ali. Tinha feito amigos
naquele lugar e apesar de o contato com eles ser menos frequente, não diminuía o carinho que ela
tinha.
— Quem é viva sempre aparece. — a bartender cumprimentou Camila depois de servir um
cliente.
— Até eu preciso de uma folguinha de vez em quando, né Sara? — ela respondeu.
— O de sempre?
— Por favor. — Camila respondeu animada.
— O primeiro é por conta da casa.
— Maravilha!
Enquanto esperava Sara preparar sua Piña Colada, Camila se remexia no banco no ritmo da
batida da música. Enquanto Moment 4 Life da Nick Minaj tocava, ela observava a movimentação ao
redor. O lugar estava ficando cada vez mais cheio e corpos suados e brilhantes já podiam ser vistos
na pista de dança.
Camila adorava aquilo.
Até então não tinha se dado conta do quanto sentia falta daquele lugar, daquelas pessoas. Gerard e
Sara foram companheiros dela por muito tempo. Ela conheceu Sara na faculdade, mas por conta de
problemas pessoais a amiga não conseguiu terminar os estudos e quando começou a trabalhar na casa
noturna, fazia questão que Camila estivesse sempre por perto e foi então que ela conheceu Gerard.
Eles acabaram tendo um breve relacionamento, mas tanto para a chef quanto para ele, não passou de
sexo e claro que eles continuaram a amizade quando decidiram não serem mais “amigos com
benefícios”.
Quando Sara lhe entregou a bebida segurou na mão de Camila e sorriu.
— É bom te ver de novo.
— É ótimo ver você. — ela jogou um beijo para a amiga e sorriu antes de colocar o canudo na
boca e tomar um gole da sua Piña.
Depois da terceira dose, um rapaz alto de pele morena, com cabelos escuros ondulados, e os
olhos verdes mais incríveis que ela já tinha visto, e um sorriso encantador se aproximou dela. Ela
nunca o tinha visto, mas também estava tão enfiada no seu restaurante e nos seus próprios problemas
que não reconhecia a maioria dos frequentadores dali.
Quando ele encostou no balcão ao seu lado, Sara o cumprimentou. O nome Lucas soou no ouvido
de Camila e ela o observou um pouco mais.
Gato. — foi tudo que ela conseguiu pensar, enquanto ele pedia uma dose dupla de Dry Martini.
— Dia difícil? — ela ouviu Sara perguntar a ele.
— Você nem imagina o quanto, mas acho que pode melhorar. — ele lançou um olhar para Camila
que estava alheia àquele gesto.
— Ei, Ca… — Sara chamou Camila — Este é meu amigo Lucas.
— Oi Lucas. — Camila disse sorrindo — Sou a Camila.
— Prazer em conhecê-la, Camila. — ele a cumprimentou dando um beijo em seu rosto e ela
retribuiu no mesmo instante, enquanto fazia uma careta divertida de advertência à amiga.
— Quê? — Sara perguntou silenciosamente apenas mexendo os lábios.
Quando Lucas se afastou de Camila, Sara sorriu.
— Agora enquanto eu trabalho vocês podem conversar, mas já vou logo avisando. Sou muito
ciumenta e o cargo de melhor amiga ainda é meu.
Os três riram e quando Sara se afastou para atender outros clientes, Lucas e Camila entraram em
uma conversa animadíssima. Ele era um cara inteligente, carismático, tinha bom papo e ainda era
galanteador.
Camila não ficava atrás. Esperta, inteligente, tinha resposta para tudo e ainda tinha o sorriso mais
encantador que Lucas já tinha visto. Ele poderia ficar horas e horas ali, conversando com ela e não
veria o tempo passar.

***
Quando Wagner chegou acompanhado da morena e de Diego na boate, uma enorme fila se formava
ainda do lado de fora, mas ele nunca havia se preocupado em entrar em uma. Foi direto ao segurança
e quando apertou a mão do cara passou para ele uma nota de cem reais, de forma imperceptível.
Ninguém teria percebido que naquele simples gesto ele estava assegurando a entrada dos três sem o
transtorno daquela fila enorme, exceto Diego que já conhecia bem as artimanhas de Wagner.
Depois que entraram, Wagner colocou as mãos na cintura da moça e seguiu para o piso superior
onde ficava a área vip. De lá eles tinham uma visão privilegiada de toda boate. Quando se
acomodaram na mesa, uma garçonete veio atendê-los e depois que todos pediram suas bebidas,
Wagner voltou sua atenção para a morena.
Diego, que já estava acostumado, se afastou e foi até a grade para observar a pista de dança,
dando certa privacidade ao casal que ele acompanhava. Ele retirou o celular do bolso e observou
algumas mensagens no Whatsapp e por mais que ele quisesse responder, não o fez. Sentia-se mal
pela situação amorosa na qual se encontrava, mas não sabia como mudar.
Enquanto ele olhava a pista de dança se balançando ao som da música Heroes de Alesso, ele a
avistou. Ela não estava exatamente na pista de dança, mas o contraste do seu vestido vermelho com
sua pele clara chamava atenção. Ela estava linda e quando ele observou o cara que dançava com ela
entendeu por que ela sorria tão genuinamente.
Isso não era bom. Ele sabia que não. Wagner estava acompanhado, claro, mas se visse Camila ali,
sabia que o brother perderia aquele sorriso que ele tinha visto durante a noite. Mesmo que fosse um
sorriso forçado era muito mais que Diego tinha visto nas últimas semanas.
E como se a tensão nos ombros dele fosse um ímã, Wagner apareceu ao lado de Diego. Segurava
seu copo de uísque e tomou um gole antes de dizer:
— Ela foi ao banheiro. Não sei o que as mulheres têm que sempre precisam ir ao banhe…
Antes que ele terminasse de falar a visão dele foi capturada por Camila.
Todo seu corpo ficou tenso quando ele a viu acompanhada de um cara que, definitivamente, estava
encantado por ela. A forma como o cara olhava para ela e sorria era a mesma forma que um dia ele
também tinha olhado.
Wagner apertou o copo com tanta força que os nós dos seus dedos ficaram brancos.
— Puta que pariu! — ele rosnou e mesmo com volume da música, seu palavrão e sua irritação
foram bem audíveis.
— Calma cara. — Diego disse.
— Não posso fazer isso. — ele disse respirando profundamente não escondendo sua frustração —
Não com ela aqui. Não vou conseguir me concentrar, mesmo que eu não volte a vê-la, só de saber
que ela está aqui, com ele…
Wagner parou de falar, sabia que estava parecendo um louco, mas não se importava. Tudo que ele
sentia por Camila e que estava sufocando todos esses meses vieram à tona como um vulcão que entra
em erupção depois de muito tempo adormecido. Feroz e implacável.
Nem fodendo ele ia deixar aquele cara ter uma noite com ela e depois descartá-la como se ela
fosse uma qualquer. Não, Camila não era e ele não permitiria que ninguém a tratasse como tal.
— Cara, você precisa me ajudar. — ele pegou as chaves do carro do bolso e entregou a Diego —
Diga a ela que eu tive um imprevisto e a leve pra casa. Eu te encontro no hotel.
— Aonde você vai? — Diego segurou o braço dele antes que Wagner pudesse se afastar.
— Acabar com aquela palhaçada lá embaixo. — ele apontou na direção de Camila e saiu.

Wagner não demorou nem um segundo para avistá-la. Apesar de Camila não estar mais no lugar
que ele havia visto e estar agora sentada em um banco alto próximo ao balcão do bar, ele a teria visto
de qualquer forma.
Ela se destacava diante das demais. Camila tinha seu brilho próprio.
Ele caminhou na direção dela com passos firmes, sem hesitar, com seu porte alto e musculoso e
seu sorriso, ele se destacava dos demais e não demorou para ela avistá-lo.
A princípio o sorriso que exibia se esvaiu de seu rosto e ela remexeu desconfortavelmente no
banco. Imediatamente a atenção de Lucas foi desviada para a direção que Camila olhava e quando
ele viu Wagner se aproximando estufou o peito e ergueu o queixo.
— Calma aí, galo de briga. — Wagner disse assim que chegou perto o suficiente para ser ouvido
— A gata me conhece. Somos amigos de longa data.
— Amigos?! — ela não conseguiu esconder a irritação e mágoa em sua voz — Amigos não
ignoram uns aos outros.
— Eu discordo. — Sara se intrometeu — Quanto tempo não nos falamos mesmo?
— Cala a boca, Sara! — Camila a advertiu.
— Ok, ok, mas se você não quiser seu amigo, pode jogar pra mim. — ela mandou um beijo para
Wagner antes de se afastar.
O sorriso que ele exibiu para Sara, só serviu para deixar Camila ainda mais irritada.
— Eu andei ocupado e meu telefone foi roubado, mas assim que te vi aqui, vim até você, gata, não
precisa me arranhar. — ele disse se aproximando mais dela, mas quando Lucas se colocou entre os
dois, os olhos de Wagner se estreitaram e ele encarou o cara.
Ambos tinham a mesma altura o que só piorava aquele clima de tensão, pois eles se encaravam
furiosamente.
— Quer que eu chute a bunda dele lá pra fora, Camila? — Lucas perguntou de forma presunçosa,
o que fez Wagner dar outro passo na direção dele, dessa vez de forma ameaçadora.
— Tenta a sorte galinho de briga, só não vai chamar a mamãe quando eu deixar você todo
arrebentado na calçada.
— Parem com isso! Os dois. — Camila gritou e se levantou.
Ela queria mandar Wagner embora, para o quinto dos infernos com a mesma intensidade que
queria abraçá-lo. E estava muito propensa à primeira opção quando avistou Diego a alguns metros
deles. De repente as palavras dele no restaurante e mais tarde as de Gabriel começaram a rondar sua
mente e então ela se deu conta que precisava conversar com Wagner, e agora que ele estava ali diante
dela não ia perder a oportunidade.
Camila se levantou e colocou a mão sobre o braço de Lucas.
— Tudo bem, Lucas, eu quero mesmo falar com ele. — ela sorriu para seu novo amigo se
desculpando.
— Claro, mas saiba que estarei por perto.
— Vaza. — Wagner provocou e sorriu genuinamente, puxando Camila para perto dele.
De longe Diego observava a cena. Há muito tempo ele não via Wagner sorrir daquela forma e
então ele teve certeza de que estava certo. Camila era realmente a chave para que, independente do
que estivesse acontecendo com Wagner, ele pudesse voltar a ser o que sempre fora.
Quando Lucas se afastou, Wagner segurou na mão de Camila e a puxou para a área vip. Lá em
cima era mais vazio, mais reservado e eles poderiam conversar melhor.
Assim que se acomodaram na mesa, ele se aproximou mais dela e colocou uma mecha do seu
cabelo atrás da orelha.
— Eu nunca vou cansar de me surpreender com a sua beleza.
— Sem gracinhas, Wagner. — ela o encarou, ainda ressentida — Você some, me ignora, ignora
todas as minhas tentativas de entrar em contato e agora aparece assim, do nada, marcando território.
Ficou louco? Não somos nada, não somos nem amigos e você tem muita explicação pra dar.
Qualquer outro ficaria furioso por aquela cobrança. Porra, ele tinha perdido seu primo, a culpa
lhe corroía como um ácido comendo o ferro lentamente, diariamente. Mas ele simplesmente não
conseguia se irritar com ela.
Camila povoava seus pensamentos desde a primeira vez que ele colocou os olhos sobre ela. Ter
que se afastar dela foi a coisa mais difícil que ele teve que fazer em toda sua vida e olha que ele já
havia feito muita merda.
— Sentiu tanto minha falta assim, gata? — ele sorriu novamente, mas logo seu sorriso
desapareceu — Estou no furo com você, eu sei. E eu poderia passar a noite toda tentando me
desculpar, explicando meus motivos, mas eu apenas pirei. Você não pode dizer que não entende. —
ele deu de ombros — Sua irmã.
— Ela pirou, mas não me abandonou. Eu também gostava do Guilherme droga! Por que ninguém
entende isso? — os olhos dela se encheram de lágrimas e isso acabou com ele.
Imediatamente Wagner passou os braços em volta dela e a puxou para seu colo. A princípio ela
ficou reticente, mas logo relaxou e deitou a cabeça em seu ombro enquanto lágrimas escorriam pelo
seu rosto em um choro silencioso.
Se fazer de forte o tempo todo era um saco. Ela precisava ser forte pela Monique, pelo bebê que
ela esperava, e claro, pela sua irmã, mas a ligação dela com Guilherme era muito forte. Ela o amava,
amava pelo que ele era, por serem amigos, pelo que ele tinha feito a sua irmã, por tê-la feito feliz,
mesmo que por pouco tempo e ninguém se importou em ampará-la. E ela esperava isso de Wagner só
que ele simplesmente a abandonou.
Mas naquele momento, sentindo seus braços musculosos e aconchegantes em torno dela, foi o
suficiente para que ela desabasse e colocasse para fora tudo que ela reprimiu desde o dia do enterro
de Guilherme.

Vê-la tão frágil em seus braços era o suficiente para fazer Wagner se odiar. Como ele podia tê-la
abandonado assim? Como ele não se deu conta de que ela precisava de alguém. Que precisava dele.
— Me perdoa, gata, fui um fraco. — ele ergueu o rosto dela e quando seus olhos se cruzaram, ele
não resistiu e aproximou sua boca da de Camila.
Enquanto o fazia, lentamente, não desviou o olhar. Queria dar a ela a chance de se afastar, de
recuar, mas pedia silenciosamente que ela não o fizesse. Esperou tanto tempo por aquilo.
E quando suas bocas se tocaram, a maciez e o calor dos lábios de Camila quase o fizeram grunhir
como um animal. Ele fantasiou aquilo muitas vezes e nem de longe chegou perto da real sensação de
sentir sua boca macia contra a dele.
Lentamente ele passou a língua em seus lábios, como se pedisse permissão para continuar, e
quando Camila entreabriu os lábios, ele colocou a mão em sua nuca e a puxou, intensificando o beijo
de forma tão calorosa, que ela gemeu contra sua boca.
Wagner enlouqueceu.
A puxou ainda mais contra si, a beijando com tanta ferocidade, com tanta paixão que sentiu seu
peito queimar enquanto o fazia. O pensamento de tomá-la o invadiu, mas então se lembrou que
estavam em público. Relutante e ofegante ele afastou suas bocas, mas não permitiu que ela se
afastasse colando sua testa na dela enquanto permanecia de olhos fechados.
— Sou louco por você.
Ela não respondeu. Não sabia o que dizer. Se ele era louco por ela, por que havia a abandonado?
Por que a ignorou em todas as tentativas que ela fez de entrar em contato?
Sim, ela havia se permitido aninhar em seus braços, havia se entregado ao seu beijo que a tirou do
prumo por alguns segundos, mas o ressentimento não havia sumido.
Como poderia sumir?
Como ela não respondeu, Wagner a encarou.
— Eu não sou um cara bom no momento pra você, Camila. Porra, eu te quis desde a primeira vez
que te vi e ainda te quero pra caralho, mas muita coisa mudou.
— Não é culpa sua, não é culpa de ninguém.
Ouvir aquilo fez todo aquele sentimento bom que estava com ele até então, se esvair como se a
tampa de um ralo tivesse sido aberta e a coisa boa escoasse por um cano, permanecendo somente o
vazio.
Claro que a culpa era dele! Apenas dele e de mais ninguém.
Imediatamente ele ficou tenso e Camila percebeu. O brilho nos olhos dele havia sumido, assim
como seu sorriso encantador.
Ela se remexeu para sair do colo dele e Wagner não tentou impedi-la. Como poderia?
— Você vai embora de novo não é? E vai voltar a me ignorar, fingir que eu não existo.
— Impossível fingir que você não existe. — ele se levantou e ficou diante dela. Camila precisou
olhar para cima, para encará-lo — Você já está sob minha pele, impregnada em mim. Se antes era
impossível te esquecer, agora depois desse beijo…
— Não precisa ser assim. — ela deu um passo na direção dele e o encarou, mas ele deu um passo
para trás fazendo o coração de Camila se apertar.
— Precisa. — ele disse com tristeza — Não sou bom pra você, não sei se um dia serei. Não
posso pedir que me espere.
— Não posso esperar.
Aquilo foi como uma punhalada no coração. Não que ele esperasse outra resposta. Mas ouvir as
palavras saindo da boca de Camila, dos lábios que há alguns minutos estavam contra os seus, era
mais doloroso do que ele podia suportar.
— Foi bom ver você. — ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha e beijou sua testa
demoradamente — Fique bem, gata.
Antes que ela pudesse responder, Wagner se afastou e saiu apressado.
Camila se envolveu nos próprios braços e sentou-se novamente, permitindo-se chorar mais uma
vez, até que os braços musculosos de Gerard a envolvessem.
— Preciso ir atrás dele e matá-lo?
— Você estava vendo?
— Vi a cena que os dois fizeram lá embaixo e quando o vi te puxando aqui para cima não poda
simplesmente não ficar de olho.
— Obrigada por isso, Gê.
— Não precisa agradecer, Ca. — ele acariciou seu cabelo.

***
Assim que chegou à calçada, era como se o ar faltasse ao pulmão de Wagner. Ele estava
sufocando, o barulho e as pessoas ao redor pareciam estar em câmera lenta. Ele colocou as mãos
sobre os joelhos, se inclinando para frente enquanto tentava fazer o ar encher seus pulmões.
Quando uma mão pesada pousou em seu ombro, ele estava pronto para o combate, apesar de ter
certeza que na sua atual situação ele levaria uma surra. Mas assim que esquivou se armando todo, viu
Diego atrás dele.
— Você tá bem? — ele perguntou.
— O que faz aqui? — Wagner olhou para os lados — Pedi que a levasse e…
— Ela não aceitou a carona. Disse que pegaria um táxi.
— E você deixou?
Diego deu de ombros.
Wagner o encarou, mas não quis brigar. Àquela altura da noite, a morena era a menor das suas
preocupações. Ele só conseguia pensar em Camila, em voltar lá dentro e arrastá-la com ele, mas ele
não podia. Não podia ser nada para ela.
Tinha uma promessa a cumprir.
— Vamos, quero ir pra casa. — ele disse puxando Diego.
— Para o hotel você quer dizer?
— Não. — ele encarou o brother furioso — Vamos voltar para Matinhos hoje.
— Mas está tarde e…
— Eu estou bem, consigo dirigir. Vamos.
Capítulo Cinco

Laura caminhava pelos corredores da penitenciária de forma presunçosa. As demais detentas já


estavam em suas celas e ela era acompanhada por uma guarda, enquanto outras prisioneiras a
provocavam.
“Olha só a princesa, indo para seu banho de sais.”
“Quer ajuda, querida? Posso esfregar suas costas.”
“Que nada, ela deve ter quem faça isso pra ela já.”
“Ei princesa, será que seu pai não me adota?”
Não era mais segredo para ninguém de quem ela era filha. Mas isso não incomodava Laura, pelo
contrário. Só a fazia se sentir ainda mais importante, como se o fato de ela ser filha de Montenegro a
transformasse realmente em algum tipo de realeza. Mesmo que sua situação atual não fosse das
melhores, ela não tinha muito do que reclamar. E sabia, apesar de tudo, que era uma situação
temporária.
Ela ainda aguardava julgamento e sabia que estando Gabriel e Márcia cuidando pessoalmente do
caso dela, eles não iriam acelerar as coisas, afinal ela já estava presa. Entretanto, outra certeza que
ela tinha era que seu pai não permitiria que ela passasse o resto dos seus dias presa. Com certeza
não!
Quando ela entrou no vestiário, exclusivamente preparado para ela, a guarda que a acompanhava
ficou do lado de fora aguardando.
Laura sorriu ao ver tantos produtos importados à sua disposição. Toalhas incrivelmente brancas e
felpudas. Quando ela abriu a ducha, que havia sido trocada recentemente apenas para ela, a água
quente acariciou sua pele. Os demais boxes tinham chuveiros de ferro, alguns eram apenas um cano,
onde a água saía gelada e de forma nada agradável. Mas as outras presas não reclamavam. Não
tinham esse direito.
Com ela as coisas eram diferentes.
Laura tinha toda regalia e se não fosse pelas grades em sua cela, quase não notaria que estava em
uma penitenciária.
Ela espalhou o sabonete líquido caríssimo na esponja e começou a passá-la pelo seu corpo,
ensaboando lentamente sentindo o perfume cravar em sua pele, deixando-a cheirosa e macia. Depois
alcançou o shampoo e após colocar um pouco sobre a palma da mão, ela fechou os olhos e
massageou os cabelos, mas antes que ela pudesse colocar sua cabeça debaixo da água para retirar a
espuma, sentiu algo envolver seu rosto. Quando ela colocou as mãos, elas escorregaram e o plástico
que agora envolvia sua cabeça estava ainda mais colado em sua face. O ar parou de entrar em seus
pulmões e ela continuava tentando soltar aquela coisa, se debatendo inutilmente.
Quem quer que estivesse sufocando-a, não parecia precisar fazer muito esforço para tal e se
manteve em absoluto silêncio. Quando Laura tentou se virar para descobrir quem era, a pessoa jogou
sua cabeça contra a parede do box fazendo com que a escuridão engolisse Laura e a levasse para
longe dali.

***
O sol já começava a nascer no horizonte quando Wagner estacionou o carro na garagem da casa
onde ele e Diego moravam.
Assim que Diego desceu do carro, Wagner deu ré e saiu, sem dar maiores explicações.
O garoto observou o carro se afastar e deu um longo suspiro. Achava que estar com Camila fosse
fazer bem para Wagner, mas parecia que ele estava ainda pior. A viagem toda foi feita em silêncio e
ele simplesmente ignorou todas as tentativas de Diego em manter alguma conversa.
Cansado e sem saber mais como agir, ele resolveu fazer a única coisa que sabia que poderia
aliviar sua tensão. Foi até seu quarto, jogou a mochila sobre a cama, trocou de roupa colocando uma
bermuda de tactel e pegou sua prancha. Depois seguiu até a praia com o único intuito de pegar onda.
Havia aprendido com Wagner como surfar, como respeitar o mar, como usar aquele tempo para
colocar as ideias em ordem. Ele precisava ajudá-lo, mas ainda não sabia como. Talvez o mar o
ajudasse.
Quando ele sentiu a água gelada contra sua pele, assim que deu as primeiras braçadas sobre sua
prancha, foi um contato bem-vindo, apesar da temperatura baixa. Alguns minutos depois ele estava
em pé sobre sua prancha deslizando nas ondas que vinham ao seu encontro.
Diego não percebeu quanto tempo ficou ali, apenas aproveitando aquele momento que ele tinha
aprendido a amar, graças a seu brother, mas quando sua batata da perna reclamou, ele nadou até a
beira da praia e depois de dar alguns passos, fincou sua prancha no chão e sentou-se ao lado dela,
observando o mar enquanto recuperava o fôlego.
Pensativo, ele mal se deu conta quando uma sombra o cobriu antes que a areia afundasse
sutilmente do seu lado.
— Oi. — Diego disse.
— Oi, Diego. Achei que ia me ligar quando chegasse.
— Desculpa, acabei de chegar.
— Achei que só voltaria amanhã.
— O Wagner mudou de ideia.
— Tá tudo bem?
— Comigo sim... com ele… — Diego balançou a cabeça negativamente.
— Por isso você não falou pra ele sobre nós?
Diego se virou e encarou Leandro. Desde que ele havia se sentado ao seu lado era a primeira vez
que ele o fitava. Seus olhos cor de mel, pareciam brilhar à luz do sol e os cabelos da mesma cor
davam a ele um ar quase angelical.
— Você sabe que não.
Leandro suspirou.
— Você nunca vai contar, não é mesmo?
— Eu vou… só preciso de um tempo.
— Não faço outra coisa a não ser te dar tempo, Diego.
— E também me cobrar por eu não contar sobre nós.
— Eu não quero ficar me escondendo. Minha família me aceita, você sempre disse que Wagner
era um cara legal…
— E ele é. O melhor de todos.
— Odeio quando você fala dele assim. — Leandro olhou para frente.
— Não seja ciumento. — Diego colocou sua mão sobre a de Leandro e apertou.
— Me diz por que você não quer falar.
— Quem disse que eu não quero?
— Por que está enrolando tanto, então?
— Não estou. Só não é um bom momento. Wagner está… diferente. Não sei como ele reagiria a
isso.
— Isso?
— A nós.
— E se ele não reagir bem? E se ele não aceitar?
— Não quero pensar sobre isso agora.
— E vai pensar quando?
— Que droga, Leandro! Eu já tenho um montão de coisa na cabeça, sem você ficar me
pressionando?
— É isso que eu estou fazendo? — ele levantou com raiva — Achei que eu estava querendo ficar
numa boa com meu namorado, sem ficar me escondendo como se fosse um criminoso.
Aquelas palavras feriram Diego, mas a verdade é que nem ele mesmo sabia por que estava
protelando tanto para contar para Wagner. Algo dentro dele tinha certeza que seu brother não se
importaria, ainda assim, ele não conseguia contar. Não achava as palavras e não por falta de
tentativas.
Diante do silêncio do namorado, Leandro virou-se e começou a se afastar, mas antes que ele
conseguisse, Diego se levantou e segurou sua mão puxando Leandro contra ele. Ele o encarou e
colocou a mão em sua nuca, puxando o rosto do rapaz contra o seu e colando suas testas.
— Não quero brigar. — ele o beijou castamente — Apenas seja paciente.
Leandro colocou as mãos na lateral do corpo de Diego e suspirou.
— Isso é tudo que eu faço, Diego, ser paciente.
Diego apertou sua nuca e puxou ainda mais seu rosto antes de beijá-lo, com todo carinho e amor
que ele sentia pelo namorado, mas Leandro não se iludiu. Sabia que Diego só estava fazendo aquilo,
ali, porque àquela hora a praia era vazia. Inúmeras foram as vezes que um simples gesto, como dar as
mãos, lhe fora negado porque havia gente demais por perto.
Apesar de sentir nos lábios do namorado todo amor dele, Leandro sabia que não conseguiria viver
daquele jeito por muito tempo. Já estavam juntos há quase um ano e ainda assim, Diego não tinha
contado nada a Wagner, sempre com uma desculpa atrás da outra.
— Eu tenho que ir. — Diego disse se afastando e pegando sua prancha — Te ligo mais tarde.
— Vou ficar esperando. — Leandro respondeu sem conseguir esconder a tristeza em sua voz.

***
Montenegro estava sentado em uma varanda ampla, com seu habitual terno, apesar de estar de
chinelos de dedo. O vento soprava lentamente uma brisa agradável em seu rosto e enquanto ele
passava o dedo pelo seu tablet, tomava uma fumegante xícara de café.
Fazia alguns meses que ele estava ali, em sua ilha particular. Sabia que era um ótimo esconderijo
quando decidiu comprá-la.
Depois de ter sido indiciado por tráfico de mulheres e prostituição entre outras coisas, ele sabia
que mais cedo ou mais tarde iria necessitar daquele lugar. Porque se tinha uma coisa que ele tinha
certeza, era que não ficaria preso por muito tempo.
Claro que a compra não havia sido feita em seu nome, mas isso era o de menos. A ilha ficava em
um lugar afastado no meio do nada e ele tinha certeza que não lhe incomodariam ali. Entretanto, ele
gostava de ficar de olho nas notícias, principalmente no que dizia respeito ao Brasil. Mais
especificamente uma cidade chamada Curitiba, onde alguém muito importante para ele se encontrava.
Sua filha Laura.
Ele já tinha tudo esquematizado. E não seria nada difícil pôr seu plano em prática. Em breve sua
filha se juntaria a ele e assim tudo estaria perfeito.
Charles não pôde evitar um sorriso debochado enquanto pensava nisso, mas seu sorriso logo
sumiu quando seu celular tocou e o número do advogado de Laura apareceu.
— Que foi?… — o rosto dele ficou lívido, enquanto o homem do outro lado da linha falava, logo
foi tomado por uma fúria e um semblante quase assassino. Ele se levantou e começou a andar de um
lado para o outro — Que porra você está me falando?… Como ela está?… Inferno! — Montenegro
socou a mesa e depois respirou fundo — Já descobriu quem fez isso?… Eu te pago pra isso porra,
pra proteger ela… Descubra quem fez isso imediatamente e mate o culpado… Não me interessa,
quem quer que seja, homem ou mulher, o papa, não importa. Quero o responsável morto, AGORA!
Ele gritou e jogou o telefone longe, não se importando quando a coisa se espatifou contra a
parede.
Depois debruçou sobre a grade de proteção da varanda e encarou ao longe o galpão que ficava do
outro lado da ilha. Foi tomado por uma fúria ainda maior.
— Tudo bem senhor? — a voz do seu fiel escudeiro e segurança Lino, quase cão de guarda soou
atrás dele.
— Não! — ele disse ainda furioso — Eu preciso fazer alguma coisa.
— Do que o senhor está falando?
Montenegro não lhe deu explicação. Nunca o faria.
— Como está nossa visita? — ele olhou novamente para o galpão e quando se virou para seu
segurança seu olhar estava sombrio.
— Confortável, como o senhor ordenou que ficasse.
— Ótimo. — ele deu um sorriso torto, sabendo exatamente o que aquilo significava. — Amanhã
vou querer vê-la. Por hora, preciso apenas que fique em constante contato com o advogado de Laura.
— Sim, senhor. — o segurança acenou e se afastou, deixando Montenegro mais uma vez sozinho.
Capítulo Seis

Você é um fraco. Nunca vais cumprir tua promessa, se continuares deste jeito.
— Não sou fraco.
Ela te deixa fraco, inválido, inútil.
— Eu fiz o que tinha que ser feito.
Fizeste? Tens certeza.
Ele respirou fundo e olhou para a mulher deitada sobre a desconfortável mesa de aço, com o
corpo imobilizado e os cabelos e rosto molhados. A toalha que ele estava usando para cobrir seu
rosto enquanto jogava água ainda estava tampando a visão dela, e apesar da coisa úmida não estar
mais sobre sua boca e nariz, a respiração dela estava fraca. Mais um pouco e ela não resistiria.
Ela ainda respira e nenhuma informação foi obtida. E nós sabemos o motivo disso.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Sabes muito bem que tem. Não paras de pensar nela.
— Mentira! — ele gritou.
Então vás lá e termine o serviço.
Ele apertou as mãos na lateral do corpo e pegou novamente o caneco de plástico. Encheu o mesmo
com água e voltou a cobrir completamente o rosto da mulher com a toalha.
— Anda logo, diz quem te contratou porra. — ele disse enquanto jogava água sobre a toalha,
fazendo a mulher se afogar novamente.
Quando a respiração dela estava quase parando, ele afastou o pano e fez massagem cardíaca
seguida de respiração boca a boca, fazendo-a cuspir toda água que estava presa em seus pulmões e
finalmente respirar.
O peito dela subia e descia lentamente e quando estabilizou, ele a obrigou a encará-la.
— Vai responder o que eu quero saber?
— Eu… eu n... não… posso… — ela balbuciou.
Mas para azar dela, ele não acreditou e voltou a torturá-la com a toalha e a água.
Por que diabos ela simplesmente não abria a porra da boca? — ele pensou.
Ele odiava aquilo, odiava ter que maltratá-la daquele jeito, mas não tinha outra escolha. Não
mesmo! Ele havia feito uma promessa e não deixaria de cumprir só porque os sons de dor e agonia
das pessoas o torturavam durante o sono.
Não falharia novamente só porque se sentia um monstro fazendo aquilo. Afinal, todas elas eram
pessoas corruptas, bandidos envolvidos com Montenegro e a bem da verdade, era que ele estava
fazendo um bem para a humanidade.
Ele ficou tanto tempo perdido em seus pensamentos que não se deu conta quando o peito dela
parou de se mexer e dessa vez, apesar dos seus esforços, a massagem cardíaca e o boca a boca não
adiantaram, e ela não voltou a respirar.
Fraco, incompetente. Nunca irás se vingar, nunca te livrarás da culpa.
— Cala a porra da boca. — ele atirou um pé de cabra, mas a coisa acertou a parede e caiu no
chão fazendo um eco invadir todo o lugar.

***
Camila olhava para a tela do celular ainda sem entender exatamente o que estava acontecendo. Há
dois dias não conseguia falar com Márcia. Claro, elas trocaram mensagens pelo Whatsapp, mas
nunca conseguiam se falar de imediato, e das vezes que a chef tentou ligar, todas caíram na caixa
postal. Logo em seguida ela recebeu uma mensagem, explicando por que a juíza não tinha atendido, e,
a princípio, Camila não estranhou, mas estava se tornando rotina. E definitivamente isso não era algo
normal.
Ela pensou em ligar para Monique, ver com a amiga se tinha como seu marido descobrir alguma
coisa, rastrear sua irmã. Sim, era absurdo, mas ela estava ficando realmente preocupada. Entretanto,
antes que ela pudesse processar melhor a ideia, duas figuras que entravam no restaurante chamaram
sua atenção e ela não pôde evitar sorrir.
Sara era alta, magra, com os cabelos curtos e incrivelmente vermelhos. Chamava atenção por
onde passava, e a calça de couro justíssima com a blusa decotada nada tinham a ver com isso.
Mesmo que ela estivesse vestindo um saco de batatas, chamaria atenção. E Lucas não ficava atrás.
Várias mulheres se viraram para vê-lo entrar. Diferentemente do dia em que Camila o conheceu, ele
agora estava de terno, gravata e os óculos escuros sobre o topo da cabeça só davam àquela aparência
profissional um toque descontraído.
Quando ela saiu da cozinha e foi em direção a eles, o sorriso que Lucas lhe lançou a fez retribuir
o gesto imediatamente.
— Estava faminta. — Sara disse, se colocando entre os dois e abraçando Camila — E trouxe esta
mala sem alça pra me acompanhar.
— Ei, Sara! — Lucas reclamou antes de voltar sua atenção para Camila e beijar seu rosto —
Como vai, Camila?
— Ótima. Feliz em ver vocês.
— Mentira. — Sara fez uma careta — Ela diz isso pra todos.
— Digo mesmo… — Camila baixou o tom da voz — mas pra alguns é verdade.
Ela piscou e Lucas sorriu.
Após preparar o prato dos amigos, Camila deixou a cozinha aos cuidados do su-chef e foi se
juntar a eles. Ela nem podia acreditar em como seu humor havia melhorado. Ela gostava muito de
Sara e em pouco tempo acabou descobrindo que gostava demais de Lucas também. Ele era um cara
mais comedido, porém tinha seu senso de humor. A fazia rir, mas o que ela gostava mesmo era de
fazê-lo rir, o que não era difícil. Camila era brincalhona por natureza. Os últimos acontecimentos
haviam tirado um pouco isso dela. Mas ela não podia mudar totalmente seu jeito, nem que quisesse,
então logo a noite havia se tornado maravilhosa. Quando Sara recebeu um telefonema, precisou
deixá-los, mas Lucas permaneceu e se recusou a ir, mesmo quando Camila disse que tinha que
começar a fechar o restaurante.
— Ficarei aqui e depois te dou uma carona.
— Não precisa, Lucas, é sério. Essa é a minha rotina.
— Pois não tem nada de rotineiro nisso pra mim e por isso faço questão. É bom fazer coisas
diferentes às vezes.
Ele sorriu animado e Camila não teve como recusar a oferta.
Depois de apagar a última luz, ela se dirigiu para porta com o su-chef e Lucas. Eles a ajudaram a
fechar a porta e depois que o seu amigo e cozinheiro se despediu, ela seguiu com Lucas até o
estacionamento ali perto.
A noite estava agradável e uma leve brisa soprava entre eles enquanto caminhavam. Quando
chegaram ao carro de Lucas, ele abriu a porta para que Camila entrasse antes de dar a volta e se
acomodar atrás do volante.
— Sei que está tarde e que talvez você acorde tão cedo quanto eu amanhã, mas eu tenho que fazer
uma coisa e gostaria que você fosse comigo.
Camila o fitou em silêncio, considerando a oferta antes de dizer:
— Se prometer que não vamos demorar, tudo bem.
Ela respondeu sorrindo. Sabia que não o conhecia tão bem assim para aceitar sua carona, menos
ainda um convite rumo ao desconhecido, mas algo no olhar dele lhe passava confiança. E seus
instintos nunca estavam errados.
Lucas dirigiu alguns minutos até chegar em uma estrada de terra. Depois que ele pegou o caminho,
ainda dirigiu um pouco, antes de se aproximar de um enorme portão de madeira. Acima do mesmo
havia um letreiro, que àquela hora, ficava difícil ler, pois não tinha iluminação, mas assim que o
carro dele parou diante do portão, as luzes se acenderam e ela pôde ler “Haras Winged Horse”.
Ele saiu do carro e abriu o portão manualmente, antes de voltar a se colocar atrás do volante e
seguir para dentro do haras.
— Não vamos ter problemas? — ela perguntou, observando o local totalmente vazio e logo em
seguida um segurança se aproximando com uma lanterna.
— Não vamos, pode acreditar. — Lucas estacionou e saiu rapidamente do carro, dando a volta
para abrir a porta para ela.
Assim que Camila chegou, o segurança se aproximou.
— Boa noite, senhor Lamartine.
— Boa noite, João. E me chame de Lucas, por favor.
— Desculpe senhor… digo, Lucas. É o costume.
— Tudo bem. — ele fechou a porta do carro e apresentou Camila — João, esta é a Camila, uma
amiga.
— Prazer senhorita.
— Olá, João. — ela respondeu com seu sorriso mais simpático.
— Como ela está, João? — Lucas perguntou segurando a mão de Camila e a puxando ainda mais
para dentro do haras.
— Melhor senhor, os veterinários estão esperançosos.
Camila ouvia a conversa sem entender bem, mas quando Lucas apertou levemente a mão que
segurava, ela compreendeu que se tratava de algum animal do qual ele tinha apreço.
— Obrigado, João. Eu vou vê-la agora.
Lucas levou Camila até um grande galpão fechado, com telhas altas e o chão coberto de terra e
grama. Um estábulo. Vários animais estavam dormindo, apesar de um ou outro estarem acordados.
Ela nunca tinha visto cavalos tão lindos e bem tratados na vida. Os pelos e as crinas brilhavam tanto,
que ela ficou impressionada. Apesar de o lugar ter pelo menos uns vinte animais, não tinha cheiro
ruim.
Enquanto ela observava, Lucas começou a falar:
— Este haras é da minha família há pelo menos cinco décadas. Meu avô era apaixonado por
cavalos e decidiu que queria ter vários, estudou e investiu neles. Mas eu nunca quis saber daqui,
mesmo quando meu pai morreu e pediu pra que eu ajudasse meu avô a cuidar do lugar eu recusei,
tinha meus próprios planos e o haras definitivamente não se encaixava neles.
Enquanto ele falava, Camila conseguiu sentir o pesar em sua voz.
— Mas há dois anos, — ele continuou — quando meu avô morreu e pediu pra que eu cuidasse do
lugar ou pelo menos ajudasse a tomar conta, eu não tive como recusar. Meu elo com meu avô sempre
foi muito grande. — ele sorriu — Bom, então comecei a vir aqui com mais frequência, me inteirar
sobre o funcionamento e os assuntos do haras. Mas foi ela… — ele abriu uma das cercas, que estava
distante das demais, quase isolada — que me fez amar este lugar como eu deveria.
Quando a porta se abriu, Camila avistou um cavalo totalmente branco com uma única mancha
marrom-clara na parte traseira seguindo até o rabo.
— Esta é a Guerreira. — ele se abaixou perto da égua e acariciou sua crina — Ela está doente, se
machucou e contraiu tétano, mas já estamos cuidando e logo ela vai ficar boa… não vai? — ele disse
perguntando diretamente à égua, e o animal relinchou baixo como se tivesse entendido e querendo
responder.
— Ela é linda! — Camila disse, encantada não só com o animal, mas também com o carinho que
Lucas dispensava ao mesmo. Era um amor visível e compreensível. O olhar da égua para ele não foi
diferente. Era como se o animal o reconhecesse.
— Sim, ela é, e é mais que isso, Guerreira está aqui há tanto tempo quanto eu me lembro. Foi o
primeiro animal que eu tive coragem de montar. Eu a abandonei quando quis seguir minha própria
vida. — ele continuou acariciando ela — Depois que voltei, ela me aceitou de braços abertos. Já me
perdoou e agora eu estarei com ela, sempre.
A égua relinchou e Lucas a acariciou ainda mais.
— É aqui que você trabalha então?
— Sim. — ele sorriu — Eu era diretor de uma multinacional quando meu avô pediu para que eu
tomasse conta do haras. A princípio eu tentei conciliar as duas coisas, mas ficou praticamente
impossível e eu tive que fazer uma escolha. O problema é que quanto mais tempo eu passava aqui,
mais eu me apaixonava por este lugar. Como eu já tinha feito faculdade de administração, eu resolvi
me aprofundar mais. Hoje faço zootecnia, quero poder ajudar ainda mais quando acontecer o que
aconteceu com a Guerreira.
— Caramba, isso é muito legal. É tão bom a gente amar o que faz.
— É maravilhoso! — ele olhou para Camila e sorriu — Eu realmente aprendi a amar este lugar.
Camila observou, enquanto Lucas cuidava da égua e não demorou muito para uma mulher
aparecer. Ela entrou no estábulo vestindo um jaleco branco por cima de um jeans e botas de
montaria. Os cabelos incrivelmente negros presos em um rabo de cavalo e seus olhos amendoados
escondidos por trás de óculos retangulares que a deixavam com aparência intelectual e sexy.
— Boa noite, Lucas. — ela o cumprimentou, depois de sorrir amigavelmente para Camila —
Achei que não vinha hoje.
— Oi, Cléo. — ele se levantou e a cumprimentou, apertando sua mão — Resolvi vir ver a
Guerreira e aproveitei para trazer uma amiga pra conhecer o lugar. — ele se virou para Camila —
Camila esta é Cléo, nossa melhor veterinária.
— O melhor, fica por conta dele. — ela sorriu novamente para Camila e apertou sua mão — É um
prazer conhecê-la.
— O prazer é meu. — Camila disse sorrindo.
— Também é apaixonada por cavalos? — Cléo perguntou.
— Ah, eu gosto, mas não. É minha primeira vez em um lugar como este.
— Jura? — Cléo arregalou os olhos.
— Camila é proprietária e chef de um restaurante japonês.
— Hum, adoro comida japonesa e nada tem a ver com a minha descendência oriental. — Cléo
disse sorrindo —Você bem que podia me levar lá um dia desses, Lucas.
Camila escondeu um sorriso com aquele comentário. Ela não precisava de mais dois minutos
perto deles para saber que Cléo estava totalmente apaixonada por Lucas, e que ele, estava
completamente alheio a isso.
— Claro, qualquer dia a levo lá. — ele disse simplesmente, voltando sua atenção para a égua.
— Serão meus convidados. — Camila disse, e Cléo sorriu novamente para ela.
Eles ficaram mais alguns minutos no haras e depois que se despediram da Guerreira e de Cléo,
eles seguiram em direção ao carro de Lucas.

Durante o caminho, cada um falou sobre seu amor por suas profissões. Era incrível como a
conversa entre eles fluía normalmente. Quando ele estacionou diante do prédio de Camila, ela sorriu.
— Obrigada pelo passeio, fiquei realmente encantada com o lugar.
— Ótimo, espero então que você aceite meu convite.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Quero que passe um dia lá no haras. Podemos montar, dar uma volta. Temos um restaurante
muito bom lá também.
— Mas eu nunca montei.
— Eu te ensino. Seria divertido.
— Claro, seria mesmo. Prometo que vou pensar a respeito, tudo bem?
— Vou aguardar. — ele se aproximou e beijou o rosto de Camila de forma demorada, antes de
tirar um cartão do bolso e anotar um número — Esse é meu telefone pessoal. Fico esperando sua
resposta.
Camila sorriu e agradeceu pela noite antes de sair do carro.

***
Mal havia amanhecido quando Montenegro chamou seu segurança e o motorista. A ilha onde ele
estava era grande o suficiente para que ele precisasse de um veículo para se locomover de uma ponta
a outra.
Quando seu motorista estacionou diante do galpão, ele desceu e virou-se para o segurança.
— Tudo preparado?
— Como o senhor ordenou.
Ele assentiu e caminhou na direção da porta do lugar. Quando entrou, um dos seguranças do lugar
se levantou, e Charles apenas acenou com a cabeça antes de seguir mais para dentro do galpão.
Depois que atravessava a parede que separava a guarita do segurança com o restante do interior
do lugar, nem parecia que, por fora, aquilo era uma estrutura de metal feia e mal conservada.
Por dentro parecia um hotel 5 estrelas. As paredes eram pintadas e conservadas. Móveis, quadros
e plantas ornamentavam o lugar dando impressão de uma casa. Fora o conforto de um ar-
condicionado.
Mas ainda que parecesse um bom lugar, não ficava oculto que aquilo era uma prisão.
Câmeras por todos os lugares, grades no teto e claro, segurança e funcionários por todos os lados.
— Como a nossa visita está se comportando? — ele perguntou quando se aproximou do que
parecia uma janela de vidro.
Na verdade era um espelho falso, à prova de balas, como aqueles que se viam nas salas de
interrogatórios das delegacias. Quem estava do outro lado, apenas via o reflexo do cômodo, mas
quem estava na posição de Montenegro, via tudo do outro lado.
— Deu um pouco de trabalho essa noite, mas como o senhor mesmo pode ver, demos um jeito.
— Não peguem tão pesado, não queremos ser péssimos anfitriões.
— Não se preocupe, senhor, não fizemos nada que o senhor não faria.
Diante daquelas palavras, Montenegro sorriu debochadamente. Seus funcionários sabiam
exatamente quem ele era, como ele agia e como gostava de resolver certos problemas. Claro que não
fariam nada diferente dele e isso definitivamente pode não ser uma coisa boa.
— Alguma notícia da Laura?
— Ainda não senhor, mas estamos cuidando disso e…
— Estão sendo incompetentes. — ele olhou furioso para Lino — Vou entrar para ter uma conversa
com a nossa visita. Quando sair, quero notícias sobre minha filha.
— Claro, senhor.
Montenegro olhou para a câmera e logo um barulho de estalo foi ouvido antes que a porta pudesse
ser aberta. Ele empurrou a coisa de madeira e entrou exibindo um sorriso enorme, mas que quem o
conhecia sabia o quanto esse gesto era repleto de pura maldade.
Capítulo Sete

Lentamente Laura foi abrindo os olhos, ouvindo o bip da máquina de monitoramento cardíaco. As
lembranças começaram a voltar à sua mente e quando tudo veio à tona, ela levantou-se abruptamente.
Por um instante pensou que estava fora da prisão e que aquilo podia ter sido algum plano do seu pai
para lhe tirar da cadeia, mas quando viu as grades na janela de vidro e seu braço algemado à cama
de hospital, soube imediatamente que ainda estava naquele inferno.
Quando a guarda que estava diante da porta a viu acordada, falou algo no rádio, e logo uma
mulher vestindo um jaleco entrou. A médica da penitenciária.
— Oi Laura, como se sente?
— Bem. — ela disse e era verdade.
— Que bom. Você deve ficar aqui em observação até amanhã e depois te levarão de volta à sua
cela. Se precisar de alguma coisa, é só chamar.
— Certo.
Laura não discutiu ou questionou. Sabia que não adiantaria, mas uma coisa a intrigou. Se aquilo
não havia sido uma tentativa do seu pai para libertá-la, então quem havia tentado matá-la? E por quê?
Até onde sabia, todos ali temiam e respeitavam Montenegro e a fama que ele tinha. Ela não entendia
quem iria querer se colocar diante da ira de um dos homens mais temidos da atualidade. Além disso,
a fuga dele ainda estava sendo noticiada, ou seja, ele não era notícia velha.
Quando uma das guardas entrou para acompanhar a mulher que trazia o jantar de Laura, ela
questionou:
— Quem fez isso comigo?
A guarda não respondeu. Apenas a encarou e depois olhou para a mulher que colocava a bandeja
ao lado da cama dela. Depois que ela saiu, a guarda disse:
— Não sabemos. Encontraram você jogada no banheiro, achamos que tinha morrido princesa, mas
teu anjo da guarda é bom pra caralho.
— Ninguém viu nada?
— Você sabe como é princesa, aqui são todas cegas e surdas, e quando querem, são mudas
também.
Ela não conseguia acreditar naquilo, se nem o dinheiro de seu pai a mantinha segura, o que a
manteria? Como era possível?
Dois dias se passaram antes que Laura retornasse à sua cela. Como era de se esperar tudo estava
intacto. Após se jogar em sua cama, ainda ficou pensativa, tentando juntar o quebra-cabeça de quem
poderia estar tentando matá-la, mas logo uma guarda veio chamá-la.
— Visita pra você, princesa.
— Já não era sem tempo. — resmungou, achando que o advogado do seu pai tinha demorado
demais a aparecer, já que era o terceiro dia após o atentado.
Quando ela chegou à sala privativa de visitas, estranhou que não tivesse nenhuma guarda do lado
de fora como de costume, e assim que ela passou da porta, estranhou ainda mais o lugar estar vazio,
mas quando se virou para argumentar, a guarda que a acompanhava fechou a porta e trancou a coisa
antes de piscar e dar tchau.
Laura virou-se e observou e só então percebeu que estava em uma sala diferente. Aquela não tinha
câmeras nem o espelho falso que dava possibilidade de alguém ver a conversa do outro lado.
Também achou estranho a atitude da guarda em trancá-la ali sozinha.
Antes que seus pensamentos pudessem dar um nó, a porta destrancou e quando a maçaneta girou e
a coisa de madeira abriu, a silhueta de um homem, alto, musculoso e com o semblante debochado
apareceu, trancando novamente a porta, logo em seguida.
— Surpresa em me ver?
— Wagner? — Laura olhou novamente ao redor da sala — O que faz aqui?
Ela deu alguns passos para trás até esbarrar na mesa que estava atrás dela.
— Assustada, gata? Que isso! Achei que a gente tinha um lance legal… — Ele deu um sorriso tão
sinistro que Laura deu a volta na mesa, mas logo assumiu sua pose e empinou o queixo encarando-o e
cruzando os braços diante de si.
— Acha que me assusta? Ah, fala sério! Te enganei uma vez, posso enganar de novo. Quem será
que você vai perder agora?
Ela percebeu o maxilar de Wagner ficar tenso, mas em vez da reação habitual de fúria que ela
esperava, ele apenas sorriu. Um sorriso cheio de escárnio e intimidação.
— Você não acha que está muito cheia de si para uma pessoa que foi sufocada até perder os
sentidos há pouco mais de dois dias?
Aquelas palavras foram como um soco na boca do estômago de Laura. Não tinha como ele saber
disso e se estava sabendo, obviamente tinha algo a ver com o atentado, o que só a deixava mais
assustada.
— Como você sabe? — ela disse, querendo ver até onde ele iria, mas a resposta dele a pegou
ainda mais de surpresa.
— Ah, fácil. Eu sei, porque fui eu quem mandou te darem um susto.
— Mentira! — ela disse, mas sabia que ele não estava mentindo — Você não tem esse poder.
— Será que não? — ele sorriu sobriamente — Então acho que eu vou ter que te provar que eu não
estou brincando, Laura. — antes que ela pudesse falar qualquer coisa, Wagner se virou na direção da
porta e antes de sair disse: — Nos vemos em alguns dias. Tente não morrer até lá.
Ele saiu pela porta trancando a coisa, deixando Laura lá, ainda mais tensa. Sabia que ele não
estava brincando e isso era muito, muito perigoso.
Quando a guarda veio buscá-la para levá-la até a cela, ela pediu para telefonar para seu
advogado, mas o pedido lhe foi negado uma vez que, segundo informações, o cara já estava com
visita agendada para aquele dia à noite.
Mais uma das regalias que ela tinha.
A visita do seu advogado acontecia quando ele bem entendia. Diferentemente das demais. Sabia
que apesar da demora, o advogado devia estar mexendo alguns “pauzinhos” para poder melhorar a
situação dela ali dentro. Pelo menos era o que ela esperava que fosse feito.
Já de volta a sua cela, descobriu que as cosias para ela começariam a ficar difíceis a partir de
então.

Duas horas depois da última refeição, Laura estava mais uma vez sendo conduzida até uma das
salas de encontro com advogados. Lógico que aquilo não era uma situação comum. A maioria das
presas recebia suas visitas em um local específico, com várias mesas de cimento onde a privacidade
não era um benefício concedido.
No caso de Laura, ela sempre falava com ele em um lugar reservado, onde seus assuntos não
precisavam ser codificados. Eles podiam conversar abertamente.
Quando ela entrou na sala o advogado já a esperava.
Dante era um homem alto, por volta dos seus quarenta anos, cabelos grisalhos e um óculos que o
deixava com aparência intelectual. Ele não parecia ser adepto à academia, ou seja, não era
musculoso nem nada, mas tinha um corpo magro. Era muito atraente, na verdade.
Assim que ele viu Laura, sorriu amigavelmente, mas era um sorriso que não alcançava os olhos.
Entretanto isso não a surpreendia. Ele era um profissional e só estava ali porque Montenegro o
pagava muito bem.
— Boa noite, Laura.
— Oi Dante. Novidades pra mim?
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Como você está?
— Viva, mas não sei se por muito tempo.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que aquele idiota do Wagner Goulart veio aqui hoje e me ameaçou. Disse que
estava por trás do atentado e que iria se repetir.
— Como ele ousa?! — Dante apertou as costas da cadeira, na qual ele estava apoiando,
visivelmente irritado.
Não! Ela não se enganou. Obviamente ele não estava preocupado com a segurança dela. O
problema seria o que aconteceria com ele se algo acontecesse a ela, e claro, a mordomia e a grana
que ele perderia sem ser advogado de Montenegro.
— Preciso falar com meu pai, Dante. Agora!
O advogado colocou a mão no bolso e retirou um celular, completamente arcaico. Apenas teclas e
um pequeno visor na coisa retangular e minúscula.
Aquilo não devia mandar nem SMS — pensou Laura.
Mas isso não importava. Se fizesse ligação, servia.
Laura aguardou enquanto Dante discava os números, e quando a pessoa do outro lado atendeu, ela
não esperou que o cara explicasse. Foi até ele e tomou o celular da sua mão, colocando a coisa no
ouvido rapidamente.
— Pai… Oi… Estou bem… Juro, estou bem… Eu sei que você vai fazer de tudo pra que o
culpado pague… Eu sei pai, acredito em você… Pai, pai, me escuta… Eu sei quem é o culpado…
Foi o Wagner Goulart… — Montenegro começou a gritar do outro lado da linha, tão furioso que
Laura afastou o telefone do ouvido por um instante, e quando ela voltou com a coisa até a orelha, ele
estava perguntando como ela sabia — Ele veio até aqui hoje e disse que ia fazer novamente. Ele me
ameaçou!
Laura ficou em silêncio ouvindo mais um pouco o rompante de ira de seu pai até que ele pediu
para que ela passasse o telefone para o advogado. Quando Laura o fez e o cara atendeu, pelo seu
semblante, Montenegro não estava sendo agradável. Aliás, ele nunca era.

***
Depois que falou com o advogado, Montenegro por pouco, não jogou o celular longe mais uma
vez. Como aquele Goulart idiota ousava atentar contra sua filha? O que ele estava pensando, o que
ele queria com isso? Saber onde ele estava, era óbvio. Não era possível que ele fosse tão ingênuo a
ponto de querer se vingar!
As perguntas eram muitas, mas Charles estava pouco se fodendo para as respostas. Se aquele
Goulart queria brincar de gato e rato, ele iria jogar. Mas iria mostrar ao tal Wagner, quem era o
ratinho da história. Ninguém mexia com ele e ficava por isso mesmo.
Sim, com ele.
Porque Laura era a única coisa boa que ele tinha feito na vida.
Montenegro desde novo levou uma vida desregrada, ilícita e a única vez que se apaixonou foi por
uma mulher que não era da sua classe social. E quando ela disse que estava grávida dele, Charles
achou que sua vida finalmente teria algum sentido. Que ele, a escória da sociedade, teria feito algo
de bom. Um filho! E desde o primeiro momento ele desejou que fosse uma menina. Ele iria mimá-la e
amá-la, protegê-la e fazer dela uma princesa em terras tupiniquins.
Mas sua amada lhe traiu, assim que descobriu o que exatamente ele fazia, o abandonou. Charles
nunca iria esquecer o medo e o desprezo no olhar dela, mas, ainda assim, isso não importava. Mesmo
que ela não quisesse mais nada com ele, nunca correu atrás de mulher, ela não seria a primeira.
Poderia viver sem o amor dela, mas não sem sua filha e quando ela fugiu com Laura na barriga, ele
moveu céus e terra para procurar por ela, mas nem todo dinheiro do mundo foi capaz de encontrá-la.
Ele sorriu ao lembrar-se dela.
Aquela mulher era a única que o enfrentava. Sempre nariz empinado, petulante e se ele não amava
isso nela, mudaria seu nome. Além disso, era muito esperta, conseguiu afastar Laura dele a vida
inteira.
Ele já tinha desistido, quando Laura apareceu na prisão para visitá-lo. Ele não precisou de teste
de DNA para acreditar na história dela. Ela era a cara da mãe, mais bem tratada, é verdade, e mais
alta também, mas as feições eram as mesmas. Olhos azuis intensos e grandes, rosto delicado, lábios
cheios. Ele a recebeu de braços abertos. Era sua filha, sua filhinha que tinha voltado para ele. E pela
primeira vez, Montenegro quis se livrar da cadeia. Queria dar a Laura tudo que não pôde durante os
26 anos que ela viveu longe dele. Mas então ele estava preso e ela não. Mesmo assim ele chamou seu
braço direito e informou que Laura teria tudo que quisesse. Entretanto, surpreso mesmo ele ficou
quando ela se ofereceu para ajudar a tirá-lo da cadeia, dizendo que conhecia os Goulart e que se
aproximar deles não seria difícil.
Ela podia ser linda como a mãe, mas o gênio era igual ao dele e Montenegro não poderia se sentir
mais orgulhoso!
Agora ela estava presa e a culpa era dele. Toda dele. A filha que ele devia mimar e proteger
estava na porra da cadeia por sua culpa e nem que tivesse que fazer o inferno congelar, mas ele a
tiraria de lá. O problema é que ela não estava mais segura. Não com aquele imbecil atentando contra
a vida dela.
Montenegro socou a porta, fazendo sua mão latejar, mas ele não se importou. Ninguém tocaria na
sua filha. Não enquanto ele respirasse.
Ainda irritado, ele chegou até a varanda do seu quarto e apoiou no parapeito olhando para o
galpão do outro lado da ilha. Ele tinha uma carta na manga e seria a última que ele usaria, mas ele
não hesitaria.
Capítulo Oito

O sol ainda estava fraco e apesar disso, Wagner já podia sentir a ação dos raios solares em sua
pele, apesar de o corpo estar completamente molhado. Ele deu um trago em seu cigarro, ainda
encarando o mar, enquanto sua prancha estava fincada na areia ao seu lado.
Há quanto tempo mesmo que ele não surfava?
Ele não se lembrava, mas naquele dia sentiu vontade. Cada vez que entrava no mar, cada mergulho
que dava, cada onda que ele dropava, era como se toda aquela merda fosse lavada do seu sistema.
Mesmo quando ele tomava um caldo, ele não ficava irritado como os outros. Não, ele gostava do
mar. Aprendeu a gostar dele desde criança, e isso era uma das poucas coisas na sua vida que não
tinha mudado.
O leash ainda estava preso em seu tornozelo, quando ele deu mais uma tragada e jogou a fumaça
para o alto, antes de sentir a areia afundando ao seu lado. Quando virou para olhar quem era, sorriu
ao ver Diego sentado ao seu lado, deixando a prancha deitada na areia.
— E aí brother? — Wagner disse — Acordou mais cedo que o normal.
— Não dormi. — ele respondeu olhando para o mar.
— Por que não?
— Você sumiu por mais de vinte e quatro horas, fiquei preocupado.
— Dig… — Wagner respirou fundo — Não precisa se preocupar comigo.
— Não tem como não me preocupar. — Diego olhou para o cigarro — Me dá um?
— Claro que não, ficou louco? — Wagner apagou o cigarro — Essa merda faz mal.
— E por que você fuma então? Tem fumado ainda mais…
— Porque eu sou um idiota. — ele se levantou — Agora para de conversa fiada e vamos surfar.
Diego o encarou e Wagner estava sorrindo. Ele retribuiu o sorriso, se levantou antes de pegar sua
prancha e os dois correrem até a água.
Enquanto eles brincavam e surfavam, era como se aquela ida a Curitiba, há alguns meses, nunca
tivesse acontecido. E quando eles cansaram, fincaram novamente suas pranchas na areia e sentaram
próximo a elas.
Wagner retirou o maço de um saco impermeável e acendeu outro cigarro enquanto sorria feito um
menino, Diego reclamava que ele o havia derrubado da prancha.
— Ah, Dig, para de chorar feito uma menina. — ele empurrou seu brother com o ombro.
— Não estou chorando. — ele reclamou, mas acabou sorrindo.
Logo outros surfistas se juntaram a eles, amigos de praia, que eles já estavam acostumados a
ficarem conversando enquanto descansavam ou esperavam a onda perfeita.
Wagner estava distraído, brincando e se divertindo. Parecia o mesmo que havia tirado Diego das
ruas há pouco mais de oito anos. Ele ainda era um moleque, mas se lembrava bem de como ele foi se
aproximando aos poucos. Conquistando sua confiança, e isso levou quase um ano. Quando Wagner
finalmente o chamou para morar com ele, Diego quase não acreditou. A essa altura já tinha ido na
casa dele algumas vezes, conhecia os empregados. Uma exceção, já que apesar de ser morador do
lugar, Wagner nunca levava ninguém em sua casa e nem correspondência recebia lá. Privacidade e
segurança, alegava ele. Mas Diego nunca se imaginou morando em uma casa daquele tamanho. Aliás,
nunca se imaginou morando em uma casa. O barraco em que vivia com seus oito irmãos era
minúsculo e quando ele decidiu não voltar mais, porque seus pais colocavam todos eles para
trabalhar e entregar todo o dinheiro, ganhou a estrada, ficou pegando carona, dependendo da boa
vontade de estranhos até para comer, até chegar em Matinhos. Ele mal se lembrava da cidade onde
morava quando mais novo, como se seu cérebro tivesse feito questão de apagar aquelas memórias.
Wagner foi um amigo, um irmão e um pai, vê-lo daquela forma, ali, como ele sempre foi antes dos
últimos acontecimentos, fez Diego tomar uma decisão: ele ajudaria Wagner a voltar a ser o que era,
não importava o que tivesse que fazer.

Quando, muitas ondas e muitas horas depois, os dois chegaram em casa, Wagner foi direto para o
quarto, mas havia chamado Diego para sair, o que só deixou os dois animados.
Depois de tomarem um banho e se arrumarem, os dois pareciam galãs de filmes. Chamariam
atenção por onde passassem.
Wagner com seu cabelo loiro, agora um pouco maior do que o normal, estava vestindo uma
camiseta branca, jaqueta preta de couro jogada por cima e jeans surrado. Diego, poucos centímetros
menor que Wagner, estava com uma camisa de manga, jeans escuro e coturnos. Sua pele ainda mais
chocolate devido à grande quantidade de sol que pegava.
Assim que passaram pela porta do pub, atraíram vários olhares femininos e muitas moças,
inclusive acompanhadas, viraram a cabeça para olharem para eles. Assim que encostaram no balcão
o barman veio servi-los. Como de costume, Diego precisava mostrar a habilitação. Claro que ele era
maior de idade, dezoito anos, mas sua aparência jovial fazia com que ele tivesse que apresentar
documentação na maioria das vezes.
Wagner pegou seu uísque duplo, rodou o banco ficando de costas para o balcão, e enquanto
tomava sua bebida, observava o local. Várias meninas o encaravam. Ele gostava disso, mas desde
Camila aquela brincadeira tinha perdido um pouco a graça. Ela estava longe, a quilômetros de
distância e, ainda assim, ele não conseguia parar de pensar nela. E, ainda assim, a possibilidade de
ficar com qualquer uma daquelas mulheres, o fazia se sentir sujo.
Merda! Estava se tornando a porra de uma moça? — pensou.
Ele e Camila nunca assumiram compromisso, nunca tiveram nada além de um único beijo, mas ela
estava sob seu sistema. Se ele fechasse os olhos e pensasse muito nela, quase podia sentir seu
perfume.
Wagner virou o copo todo de uma vez, deixando o líquido âmbar descer pela sua garganta. Depois
pediu um Dry Martini e começou a tomar enquanto conversava com Diego quando um rapaz se
aproximou, sentiu seu brother apertar o copo com mais força que o normal, chamando a atenção dele,
mas eles começaram a conversar de forma tranquila o que fez Wagner relaxar.
Já o tinha visto algumas vezes na praia, sabia que ele era amigo de Diego, mas não entendeu o
porquê da tensão dele e nem por que ele nunca havia o apresentado.
Enquanto os dois conversavam, Wagner continuou bebendo seus drinques e observando o local.
Quando Diego se afastou com o rapaz, ele pediu mais uma dose e não demorou para uma garota, por
volta dos seus vinte anos, com longos cabelos ruivos e encaracolados se aproximar dele. Os olhos
dela eram incrivelmente azuis e nem a maquiagem conseguia esconder totalmente suas sardas.
— Oi. — ela disse timidamente enquanto sentava no banco que Diego havia deixado vago e pedia
ao barman um Bloody Mary.
— Por minha conta. — Wagner disse quando o cara entregou a ela a bebida.
— Obrigada, mas eu posso pagar minha própria bebida.
— Você não estaria em um bar se não pudesse, querida.
Ela arregalou os olhos com a resposta dele e ele deu um sorriso torto, fazendo-a se remexer
desconfortavelmente sobre o banco. Wagner era lindo e quando sorria isso ficava ainda mais
evidente.
— Desculpa. — ela disse finalmente, depois de um tempo de silêncio — Eu não estou mais
acostumada com cavalheirismo.
— Tudo bem, não sou cavalheiro. Estou mais para o cara safado que vai levar a garota pra cama e
não vai ligar no dia seguinte.
— Uau! Você é sempre tão direto assim?
— Claro! — ele fez o banco girar e ficou de frente para ela — As pessoas perdem tempo demais
com rodeios. Vivemos em uma sociedade hipócrita e falso-moralista. A maioria não faz o que tem
vontade com medo de julgamentos. Já me livrei desse tipo de preocupação há muito tempo.
— E como é? — ela disse, com os olhos brilhando, enquanto tomava um gole da sua bebida.
— Libertador. — ele sorriu novamente e tudo que ela conseguiu fazer foi sorrir também.
A conversa entre eles se estendeu por tempo suficiente para que Wagner tomasse pelo menos mais
quatro drinques e sua nova amiga, mais cinco. Ela contou que tinha tido um dia difícil e estava ali
para esquecer. Que conhecer Wagner, com seu jeito direto e divertido, foi o ponto alto do seu dia.
Não demorou muito para que ela estivesse saindo com ele do bar, direto para um motel.

***
Quando Diego viu Leandro se aproximar do bar ficou tenso, mas Wagner parecia alheio aos dois o
que o fez relaxar. Depois de alguns minutos de conversa com seu namorado, eles decidiram se
afastar. Talvez movido pelo álcool, Diego simplesmente não hesitou em ir para os fundos do bar e
pegar uma mesa para eles.
Era arriscado, claro.
Wagner poderia procurá-lo e então ver os dois juntos, mas ele não se importou. Talvez isso
facilitasse sua vida e toda aquela angústia passasse. Ele estava cansado, de se esconder, de mentir.
Mas isso não aconteceu. Ele continuou com Leandro no fundo do bar, conversando e namorando.
Diego definitivamente era apaixonado por Leandro. Não conseguia imaginar sua vida sem ele,
mas como podia fazer seu namorado feliz, se nem coragem de contar para seu brother sobre o
relacionamento deles ele tinha?
Mas a quantidade de álcool que bebiam não deixou que ele pensasse muito no assunto. E quando
seu celular apitou com um SMS de Wagner dizendo que estava saindo do pub com uma mulher, ele
franziu a testa. Há muito tempo que ele não fazia isso, se ele se envolvia com alguém, Diego não via.
E depois que conheceu Camila entendeu o porquê.
— Algum problema? — Leandro perguntou ao ver a testa dele franzida.
— Não. — ele sorriu — Nenhum.
— Que bom, porque tive uma ideia.
— Que ideia?
— Confia em mim?
— Claro.
— Então vem comigo. — Leandro se levantou, pegando a mão do namorado e quando passaram
pelo balcão do bar, ele comprou uma garrafa de vinho antes de saírem.

Alguns minutos depois, Diego e Leandro andavam de mãos dadas pela praia. Dividiam a garrafa
de vinho e sorriam enquanto conversavam animadamente. Assim, sozinhos e sem ninguém para
observá-los, o clima entre eles era o melhor possível. Em determinado momento, durante uma
brincadeira, Diego derrubou o namorado, caindo por cima dele. Leandro o xingou sorrindo e quando
se encararam o sorriso dos dois diminuiu, enquanto o clima se tornava mais intenso. Diego acariciou
o rosto e o cabelo de Leandro antes de passar o nariz no maxilar dele, depois morder sua boca
lentamente. Leandro impulsionou o quadril para cima antes de passar seus braços em volta do
pescoço dele. Diego sorriu maliciosamente e olhou ao redor. Eles haviam caminhado até um lugar
deserto, atrás de umas pedras e pelo horário não passaria ninguém ali. Quando ele abaixou a cabeça
novamente, beijou o namorado com intensidade fazendo sua língua explorar sua boca, enquanto sua
mão segurava seu cabelo curto, puxando e mantendo ele no lugar.
Um beijo apaixonado, intenso, cheio de promessas e desejos que fez Leandro gemer contra sua
boca.
Era madrugada, mas a noite para eles estava só começando.

***
Não importava a aparência, nem mesmo a porra da cor do cabelo ou o perfume. Qualquer mulher
que Wagner se envolvia, mesmo que fosse por uma única noite, o fazia pensar em Camila. Mas quem
diabos achava que ele estava se importando? Não mesmo.
Se essa era a única maneira de “estar com ela”, foda-se, assim seria. — ele pensou.
Enquanto se enterrava na ruiva, não a encarava. Mantinha suas bocas coladas, os olhos fechados e
deixava sua mente traiçoeira o levar para onde ela quisesse, ou melhor, para quem ele queria.
Quando ele deu a ela seu terceiro orgasmo, deixou o corpo cair sobre o dela, ofegante, antes de se
retirar de dentro da ruiva e deitar ao seu lado. Depois de se livrar da camisinha ele respirou fundo.
— Uau. Você é incrível! — ela disse ofegante.
— Um cara faz o que pode. — ele respondeu sorrindo e em seguida colocou o braço sobre os
olhos, mas logo foi obrigado a retirar quando sentiu a cama ficar vazia ao seu lado.
A ruiva estava se levantando e catando suas roupas, antes de começar a vesti-las.
— Já está indo? — ele perguntou.
— Claro. — ela sorriu — A noite foi maravilhosa, mas você é o cafa que não liga no dia seguinte,
lembra? Nós dois matamos nossa vontade e agora eu vou para minha casa.
— Mas está tarde, eu levo você.
— Ei, lindo, já ouviu falar em Uber? — ela sorriu — Não precisa e obrigada. Acho que passei a
ver o mundo de outra maneira depois da nossa conversa.
— Fico feliz em ter ajudado. — ele sorriu.
Depois que a ruiva se vestiu e saiu, Wagner virou para o lado e tentou dormir, mas não conseguiu.
Aquilo estava virando a porra de uma rotina. Seus dias de sono tranquilos não existiam mais e
mesmo depois de bebida e sexo, ele ainda não estava pronto para dormir.
Cansado de rolar na cama de um lado para o outro, ele se levantou, tomou um banho rápido e foi
para casa.
Quando chegou à mansão, o céu ainda estava escuro, mas ele não tinha sono. Decidiu então ir para
o computador. Abriu o dossiê Montenegro e escolheu sua próxima “testemunha”. Não que ele fosse
advogado nem nada. Era apenas um playboy, investigador particular, que fazia excepcionalmente bem
seu trabalho. E agora era também a porra de um justiceiro. Quase um “The Punisher”. E o
cumprimento da sua promessa dependia de pegar aquelas pessoas corruptas que trabalhavam para
Montenegro, ou trabalharam, aceitaram seu dinheiro sujo de tráfico de mulheres, e fazer perguntas
incansavelmente até que pudesse juntar o quebra-cabeça e descobrir onde o desgraçado se escondia.
Ele não descansaria enquanto Montenegro não estivesse morto!
Capítulo Nove

Camila era um misto de emoções.


Estava nervosa. Não conseguia falar com Márcia há dias. Apenas trocavam mensagens e já não
aguentava mais cobrar a irmã para ouvir a voz dela e a juíza sempre arrumando desculpas. Estava
sendo exageradamente neurótica. Sabia disso! Das duas ela sempre foi a divertida, relaxada, de bem
com a vida. Mas desde que Márcia havia viajado, ela sentia algo estranho dentro de si. Um medo que
a consumia.
Ridículo!
Sua irmã era adulta, maior de idade, lutava Jiu-jitsu, sabia se defender, mas isso de não falar com
ela, nem de longe se parecia com a controladora e superprotetora Márcia que ela conheceu a vida
toda.
Definitivamente não.
Em contrapartida, estava animada: o passeio que ela faria aquele dia com Lucas, no haras dele
tinha a deixado com grandes expectativas. Sempre quis andar a cavalo.
Mas ela não conseguiria relaxar se não fizesse algo antes.
Camila se arrumou rapidamente, colocando um jeans escuro, uma camisa preta em cetim, de
modelo oriental que se ajustava as suas curvas e uma bota de cano curto na cor caramelo, toda de
couro. Arrumou seu cabelo em um rabo de cavalo alto, colocou óculos escuros e chamou o Uber.
Estava cedo e ainda tinha algum tempo antes do seu passeio.

Quando o motorista a deixou em frente ao prédio de Monique, ela agradeceu e seguiu em direção
à portaria. O porteiro, apesar de novo ali, não precisava que ela se identificasse. Ele já a conhecia
bem. Depois de cumprimentá-lo, seguiu para o elevador.
Já no andar da amiga, antes que Camila pudesse tocar a campainha do apartamento, Gabriel abriu
a porta.
— Ai! — ela disse colocando a mão sobre o peito — Que susto!
— Sei que estou acabado, Camila, mas não exagere. — ele disse com um ar divertido apesar de
se manter sério.
Não que ela se importasse. Convivia com Monique tempo suficiente para saber que sorrir era
coisa que Gabriel pouco fazia.
— Não seja bobo. — ele fez menção de passar por ela, deixando a porta aberta para que ela
entrasse, sem sequer avisar Monique. Não era necessário. Camila já era de casa. Mas antes que ele
pudesse se afastar ela o chamou. — Gabriel… é… na verdade, eu vim visitar Monique, mas
precisava falar com você.
Ele olhou para o relógio e depois para Camila, parada no batente da porta. A expressão dela o
preocupou.
— Foda-se, eu preciso ir à delegacia, mas é domingo. Eu nem deveria ir lá hoje. — ele fez um
gesto para ela entrar— Tenho alguns minutos para falarmos.
Camila agradeceu e entrou.
— Querida, a Camila está aqui.
— Já vou. — Monique gritou da cozinha, enquanto Gabriel e Camila se sentavam nas cadeiras que
rodeavam a mesa redonda de madeira da sala do casal.
— Então, Camila, o que aconteceu? — o investigador perguntou, adotando sua postura ainda mais
séria.
Antes que ela pudesse responder, Monique veio da cozinha trazendo uma bandeja com café e
biscoitos.
— Oi. — ela disse antes de dar dois beijos no rosto de Camila e se sentar ao lado de Gabriel —
Aqui tão cedo. Aconteceu alguma coisa?
Camila suspirou.
— Me digam se eu estou pirando… — ela começou a falar sobre a viagem de Márcia e como nos
últimos dias ela não conseguia falar com a irmã. Explicou sobre o lado superprotetor de Márcia e
como ela não deixava nada fora do seu controle.
Claro que eles nem precisaram de maiores explicações para entender. Gabriel e Márcia eram
muito parecidos.
Irmãos mais velhos, com certa carga de responsabilidade da qual eles aceitavam com prazer…
Lembrar-se disso fez Gabriel remexer desconfortavelmente na cadeira. Claro que já eram homens
feitos quando Guilherme foi covardemente assassinado, mas ele nunca deixou de vê-lo como irmão
mais novo. Nem mesmo quando estavam brigados. Ele dava sempre um jeito de cuidar dele, mesmo
que fosse através de sua mãe. Agora não podia evitar a sensação de que tinha falhado
miseravelmente.
Quando Camila terminou de falar, Gabriel a encarou antes de começar a fazer algumas perguntas,
como por exemplo, qual tinha sido a última vez que ela falou realmente com Márcia, como estava o
tom de voz dela, se ela disse exatamente para onde viajaria. Todas as informações pertinentes que ele
precisaria. Por último perguntou o número do celular da juíza e depois de anotar na agenda do
celular, tentou ligar para ela.
— Está caindo direto na caixa postal.
— Das primeiras vezes que eu liguei, chamava e depois ia pra caixa postal. Ela respondia com
mensagem alguns minutos, às vezes, horas depois. Agora está assim.
— Talvez demore um pouco, mas eu vou pedir para quebrarmos o sigilo do celular dela. E
também ver se tem alguma forma de rastreá-la com o número ou IMEI do aparelho. Consigo isso com
a operadora.
— Obrigada. Eu sei que não devia pirar, ela fez essa viagem para espairecer, pra tentar
suportar… — ela parou antes de tocar no nome de Guilherme, pois era sempre uma situação
desconfortável — Mas eu não consigo deixar de me preocupar.
— Seria estranho se você não se preocupasse. — Monique colocou a mão sobre a de Camila e
apertou carinhosamente.
— Obrigada. — ela sorriu genuinamente para a amiga.
— Bom, me deem licença. — Gabriel se levantou e beijou rapidamente os lábios de Monique —
Agora eu preciso ir. — ele olhou para a esposa de forma carinhosa — Volto o mais rápido possível.
— Está levando o celular? — Monique perguntou.
Gabriel tirou a coisa do bolso e mostrou a ela, antes de virar-se e sair.

***
Após receber uma mensagem de Camila informando que iria se atrasar um pouco, Lucas ficou
apreensivo. Ele a conhecia há pouco tempo, mas o humor, a alegria e o alto astral dela eram tão
contagiantes que ele se sentia como se fosse atraído por um ímã.
Nunca imaginou, na noite em que ele a levou no haras a primeira vez, que ela fosse aceitar. Era a
segunda vez que eles se viam. Mas Camila tinha um coração bom e confiou nele, o que só o fez se
encantar ainda mais.
Depois disso passaram a se falar todos os dias por mensageiros e, mesmo quando eles estavam
ocupados com seus trabalhos, sempre arrumavam um tempo nem que fosse um simples “oi” ou um
emoji.
Agora ele parecia um adolescente nervoso para o primeiro encontro. E claro que isso não teria
nada de mais, se ele não fosse a porra de um adulto de trinta anos.
E se ela não aparecesse? — ele se perguntava.
Lucas se levantou de sua cadeira, em seu escritório no haras, tratando de afastar aqueles
pensamentos e foi até as cocheiras onde ficavam os animais.
Primeiro foi até a baia, onde estava Guerreira e começou a conversar com ela acariciando sua
crina. Depois de passar um tempo ali, tentando distrair – inutilmente – sua mente de Camila, fechou a
baia e enquanto caminhava pelo estábulo chamou um dos casqueadores e pediu para preparar dois
cavalos, especificando exatamente quais ele queria. Quando se virou, viu Flávio, seu melhor
treinador.
— Preparando o Soneca? Ninguém me avisou que teríamos um novato hoje. — ele disse puxando
seu celular do bolso e olhando sua agenda, uma vez que ele era o treinador de plantão naquele dia.
— Fique tranquilo, Flávio. É uma amiga que vem aqui, eu mesmo vou ensiná-la.
— Amiga? — Flávio ergueu uma sobrancelha antes de sorrir de forma provocativa.
— Não se meta nisso. — Lucas disse em tom de brincadeira e empurrou Flávio com o ombro
enquanto passava por ele.
— Se precisar de ajuda…
— Vai à merda, Flávio. — ele respondeu enquanto se afastava.
Lucas conhecia Flávio desde… sempre. Ele praticamente cresceu ali no haras. Inclusive ele
morava ali. A casa construída pelo seu avô há alguns anos tinha sido oferecida para o pai de Flávio,
na época, muito amigo do velho Clóvis. Quando o pai de Flávio morreu, ele assumiu o posto e estava
lá desde então.
Na verdade, Lucas sempre acreditou que, quando seu avô Clóvis morresse deixaria o lugar para
Flávio cuidar e não para ele. Claro que quando resolveu administrar o lugar, foi muito bem recebido
por todos, inclusive pelo seu amigo.
Seu celular tocou com uma mensagem de Camila, avisando que estava no haras e procurava por
ele.
Ele caminhou mais rápido, ainda olhando para a tela do celular, rindo dos emojis que ela havia
mandado por não estar o encontrando, quando esbarrou em Cléo, fazendo a prancheta que ela
carregava cair.
— Merda! — ele disse enquanto abaixava para pegar — Desculpa, Cléo.
— Vai aonde com tanta pressa? Tirar o pai da forca? — ela se arrependeu logo da piada, uma vez
que o pai de Lucas havia falecido.
— Não…
— Não importa. — ela o interrompeu — Eu estava mesmo te procurando. Queria ver se podíamos
almoçar juntos. Tem umas coisas sobre a Guerreira que eu queria falar…
Ele estava prestes a negar, mas ouvir o nome da sua égua o fez arregalar os olhos.
— Tem algo errado com ela? Você disse que ela estava melhorando e…
— Calma, Lucas. — ela colocou a mão sobre o braço dele e acariciou para confortá-lo — Ela
está ótima. É justamente sobre isso que quero falar.
— Lucas! — Camila chamou, acenando, do outro lado da cocheira, fazendo Cléo tirar a mão do
braço de Lucas instantaneamente.
Lucas abriu um largo e genuíno sorriso.
— Podemos almoçar amanhã? Eu já tenho compromisso hoje. — ele disse, sorrindo para Cléo
que retribuiu o sorriso.
— Claro.
Nesse momento, Camila se juntou a eles ainda sorrindo e se desculpando pelo atraso.
— Desculpa, Lucas. — ela deu um beijo no rosto dele — Oi, Cléo. — ela caminhou até a
veterinária e a cumprimentou da mesma forma animada e simpática, com um beijo em sua face.
Cléo se espantou que Camila se lembrasse do seu nome e depois de cumprimentá-la, se despediu
dos dois e se afastou.

Quando os dois se viram sozinhos, Camila ergueu os óculos até o topo da cabeça e sorriu.
— Desculpa mesmo, precisei resolver um problema antes.
— E conseguiu? — Lucas perguntou, sem pedir detalhes dos problemas. Não porque ele não
quisesse saber, mas porque consideraria um ato invasivo.
— Vai ficar tudo bem.
Quando ela respondeu, Lucas percebeu algo triste passar em seus olhos, como se nem ela mesmo
acreditasse naquilo. Sentiu vontade de abraçá-la, mas se conteve.
— Então venha, quero que conheça alguém.
Ele segurou em sua mão e a levou mais para dentro da cocheira.

O cavalo que estava esperando por ela, era caramelo com a crina e o rabo marrons, os olhos eram
negros e brilhantes, assim como seu pelo. Camila não precisava conhecer os animais ou nada da
rotina do haras, para saber que aquele animal era muito bem tratado. O bicho já estava selado e
Lucas acariciava a crina dele enquanto falava com ela.
— Este é o Soneca. É nosso cavalo mais manso, geralmente o deixamos pra iniciantes.
— E crianças. — Flávio apareceu, surpreendendo os dois — O que definitivamente não é o seu
caso. — ele sorriu — Oi, sou o Flávio. — ele piscou e ofereceu a mão a Camila.
Ela observou o homem diante dela. Alto, com olhos mel e cabelos espetados, queixo quadrado e
apesar do cabelo grisalho, ele era musculoso e provavelmente tinha mais idade do que aparentava.
— Camila. — ela aceitou a mão, sorrindo.
— Camila, esse é meu melhor tratador, meu amigo e um homem morto se não sair daqui agora.
— Ei, calma. — Flávio sorriu ainda mais — Eu só vim conhecer sua amiga.
— Já conheceu, agora pode ir.
Camila não podia evitar rir da situação. Os dois obviamente estavam competindo, mas não era
nada preocupante. O clima era leve e o sorriso dos dois era genuíno apesar da implicância.
— Ok, chefe, estou indo, mas minha proposta ainda está de pé. — ele provocou Lucas e depois de
pegar a mão de Camila e beijar, piscando para ela mais uma vez, se afastou.
— Não repare no Flávio, ele é inconveniente por natureza.
— Tudo bem, ele não foi inconveniente.
Na verdade o jeito de Flávio a fez lembrar de um outro inconveniente e esse sim, a incomodava,
afinal ele não saía de sua mente dia e noite. E mesmo ali, em um ambiente que não tinha nada a ver
com ela ou sua rotina, nada que tivesse ligação com ele, Wagner ainda povoava seus pensamentos.
— Venha, vou te ajudar a subir. — Lucas disse e depois que a ajudou, ele segurou as rédeas de
Soneca — Coloque seu pé no estribo de forma que você consiga apoiar seu calcanhar nele. — ele
ajudou e Camila fez como ele dizia — Agora mantenha seu pé reto e encoste seus joelhos na sela.
Camila não hesitou em fazer como ele mandava, e Lucas ficou um tempo puxando Soneca pelas
rédeas, enquanto instruía Camila sobre o que podia e o que não podia fazer.
Quando ela já estava segura, foi a vez de Lucas montar no cavalo.
Ao contrário de Soneca, o cavalo que ele montou era todo negro, tão negro que os pelos pareciam
refletir o sol.
— Este é o Falcão. — ele acariciou o animal e depois deu dois tapas leves, no pescoço do
animal, o que fez ele relinchar, como se estivesse cumprimentando Lucas — Ele é um garanhão, o
nosso melhor.
— Garanhão?
— Reprodutor. — Lucas sorriu.
— Ah! — ela respondeu e sorriu.
— Vamos dar uma volta pelo haras. Lembre-se de manter as mãos nas rédeas, e mantê-las baixas.
— Tudo bem.
— Está nervosa?
— Um pouco.
— Estarei do seu lado, não se preocupe. — ele sorriu a confortando e logo os dois começaram a
cavalgar lentamente com os cavalos.
Camila e Lucas passearam por vários lugares do haras. Ela ficou encantada com o lugar. Era
lindo, calmo e enorme, tão grande que havia um lago no meio do terreno. Além de claro, ela estar em
ótima companhia.
Quando finalmente desceram dos animais, após muitos minutos cavalgando, Lucas os entregou
para que fossem cuidados e convidou Camila para almoçarem no restaurante que havia no haras.
Quando eles entraram no local, Cléo estava logo atrás deles.
— Ei. — Camila disse sorrindo.
— Gostando do passeio? — Cléo perguntou sorrindo.
— Amando, este lugar é incrível!
— É sim, mas temos um bom administrador. — Cléo sorriu.
— E uma ótima veterinária. — ele retribuiu o elogio.
Os três riram e quando Cléo começou a se afastar, Camila a chamou.
— Por que não fica com a gente?
Cléo olhou para Lucas, achou que ele faria algum gesto em negação, mas ele apenas sorria para
Camila.
— Melhor não, não quero atrapalhar.
— Ah, não seja boba. — Camila a segurou pelo braço e depois a puxou até a mesa.
Cléo até queria não gostar de Camila, mas isso era impossível e ela se viu virando amiga dela,
mesmo com o claro interesse de Lucas nela.
O almoço não foi bem o que Lucas esperava, mas ele não teve do que reclamar. Cléo realmente
começou a falar de Guerreira e como a melhora dela era significativa e pediu permissão para que ela
contasse sobre o processo no seu blog. Ele, claro, não se opôs.
Depois que Cléo se despediu voltando para o trabalho, eles ainda ficaram um tempo ali, perdidos
em uma deliciosa conversa e risadas, antes de Lucas oferecer carona a Camila para casa, que não
recusou.

Quando Lucas estacionou diante do prédio de Camila, desligou o carro.


— Obrigado por aceitar meu convite.
— Você está brincando? — ela se virou para ele — Pode me convidar quando quiser. Vou aceitar
sempre. Acha que vou recusar ir para aquele lugar lindo, cheio de gente adorável e animais
maravilhosos? Não mesmo.
— Cheio de gente adorável? — ele sorriu.
— Sim, todos muito adoráveis.
— Até o administrador do lugar? Dizem que o cara é meio caxias.
— Jura? — ela fingiu cara de espanto, como o emoji que eles viviam trocando, colocando as
mãos ao lado do rosto e abrindo a boca, em um O exagerado — Porque eu diria que ele é o mais
adorável de todos.
Lucas deu uma gargalhada, que foi acompanhada por Camila. O som mais gostoso que ele já tinha
ouvido em toda sua vida, era a risada dela.
Contrariando todos os seus princípios, ele se deixou levar por um impulso e segurou o rosto de
Camila entre as mãos enquanto eles ainda sorriam e a beijou.
A risada de Camila desapareceu instantaneamente, assim como a dele, mas ela não se afastou.
Apenas o encarou, parada no lugar. Em uma fração de segundos, o clima passou de leve e
descontraído para carregado, mas não de uma forma ruim. E sim com uma tensão boa, sensual. E
Lucas avançou mais uma vez. Agora fechando os olhos e beijando Camila como ele quis fazer desde
a noite em que a conheceu. Saboreando, fazendo sua língua explorar todos os cantos da sua boca em
um beijo lento e sensual. Quando eles se afastaram, Camila segurou as mãos dele, acariciou com o
polegar e afastou lentamente, com os olhos fechados, respirando antes de encará-lo com os olhos
brilhando.
— Desculpa, Camila, eu não queria…
— Não Lucas. — ela colocou o dedo sobre os lábios dele — Por favor, não se desculpe. Eu
gostei. Adorei na verdade. Uau, que beijo! — ela se abanou, sorrindo, tentando deixar o ar
novamente mais leve e descontraído, mas sua voz a entregava — A verdade é que eu não sei se posso
fazer isso.
— Você tem alguém?
— Sim… Não. Ai, droga! É complicado.
— Eu fui estúpido. A gente trocou mensagens todo esse tempo, e eu não fui capaz de perguntar de
você tinha namorado. — ele se recriminou.
— Não, calma. Eu não tenho namorado, é outra coisa…
— O que então?
— Eu amo alguém. — ela finalmente disse — Ele é um idiota, não merece, mas é a verdade. E eu
não estaria sendo legal nem honesta se ficasse com você pensando em outro.
— É o cara loiro daquele dia?
Ela apenas balançou a cabeça afirmativamente.
— E por que vocês não estão juntos?
Ela deu de ombros.
— Porque ele não me quer. — uma lágrima solitária rolou pelo rosto de Camila, mas ela
rapidamente secou e sorriu — Eu sou patética.
Lucas odiou Wagner instantaneamente. Como alguém podia não querer Camila? E pior ainda, fazê-
la se sentir daquela maneira. Ele não gostou do cara a primeira vez que o viu, mas agora ele
definitivamente o odiava.
— Primeiro. — ele segurou o queixo dela e a fez encará-lo — Você não tem nada de patética.
Segundo, esse cara não te merece, Camila. É impossível não gostar de você. — ela sorriu e Lucas
continuou — E terceiro, obrigado por ser sincera comigo, isso é muito importante, mas eu quero que
saiba que eu não me importo. Aliás, sua sinceridade só me faz querer ainda mais você. Mas eu vou
devagar, você só precisa me prometer que vai me dar uma chance.
— Lucas…
Foi a vez de ele colocar o dedo sobre os lábios dela.
— Não precisa responder agora. Apenas me prometa que vai pensar e deixar que eu me aproxime.
Aceitar mais convites para o haras. — ela o encarou — Apenas isso.
Camila o olhou nos olhos, vendo sinceridade em todas as suas palavras, antes de finalmente
responder:
— Prometo.
Capítulo Dez

Wagner apertou as mãos no guidom da moto.


Naquela manhã, quando escolheu aquela entre suas três motos, ele estava animado. Determinado
na verdade. Não que ele gostasse de ir a Curitiba. Pelo contrário. Todas as vezes que era necessário,
ele acordava e enquanto preparava tudo que precisaria para sua “missão”, repetia diversas vezes que
não iria procurá-la. Quase um mantra. E enquanto escolhia que moto iria usar, estava tudo ótimo.
Decidido. E era bom, porque de moto ele levava quase a metade do tempo que levaria se fosse de
carro de Matinhos a Curitiba. Durante o caminho, ele focava apenas na sua missão, nas coisas que
tinha que fazer, planejava tudo minuciosamente. Mas bastava entrar na cidade para que sua decisão e
determinação fossem por ralo abaixo.
Agora ele estava ali, a alguns metros de distância, vendo aquele imbecil colocar as mãos e boca
sobre Camila.
Foi por pouco, por muito pouco, que ele não foi até lá e a retirou do carro. Mas ele não podia
fazer isso. Já estava errado só de estar ali, mas ele não conseguiu resistir. Ele só queria vê-la mais
uma vez, pôr seus olhos sobre ela e se tivesse sorte, vê-la sorrir.
Aquele sorriso que o encantou desde a primeira vez que ele a viu. Que mexeu fodidamente com
ele. Na época, seu primo Guilherme não tinha acreditado quando ele disse que havia se apaixonado.
Nem ele mesmo teria acreditado, mas a verdade é que ele realmente tinha se apaixonado assim que
pôs seus olhos sobre ela.
Mas ele não podia! Ela não era dele e da última vez que se encontraram, ele a deixou novamente.
Camila estava tentando seguir em frente e que o diabo congelasse no inferno se ele não estivesse com
uma fúria assassina. Entretanto, devia deixar que ela seguisse seu caminho. Mesmo que esse caminho
fosse longe dele.
Bem feito. — ele pensou.
Não devia ter ido até ela. Seu objetivo ali naquela cidade era outro. Agora que tinha mudado todo
seu planejamento, que arcasse com a dor que esmagava seu peito.
Wagner acelerou a moto e saiu, fazendo a curva, evitando passar pelo casal enquanto seguia para
seu destino.

A casa ficava em uma rua fechada, de um bairro residencial pouco visitado. Não era uma mansão,
mas nem de longe era uma casa simples. Wagner tinha aproveitado a distração de uma moradora com
a sua beleza e passou pelo portão de ferro, enquanto ela saía com seu carro. Agora estava ali apenas
observando e esperando o momento propício.
Enquanto observava a casa, percebeu as luzes da frente se acenderem antes de a mulher sair.
Boa noite, querido. – Ela disse, antes de entrar no carro estacionado diante da casa.
Wagner já tinha feito sua lição de casa. Ela era enfermeira e estava indo para mais um dia de
trabalho em um plantão de 24 horas. Eles não tinham filhos e não eram amigos dos vizinhos.
Ele aguardou alguns minutos até que a esposa passasse pelo portão do condomínio e se afastasse.
Tirou seu boné de dentro do casaco e colocou-o praticamente cobrindo seus olhos e pegou o
embrulho que estava no chão ao seu lado, depois caminhou até a porta do homem e tocou a
campainha.
— Esqueceu alguma coisa, queri… — o homem disse já abrindo a porta, achando que era sua
esposa que havia voltado — Ah, oi. — ele disse ao dar de cara com Wagner — Eu conheço... você?
O homem disse franzindo a testa.
Wagner tirou a mão da caixa, exibindo já em punho uma pistola semiautomática com um
silenciador na ponta.
— Ninguém pode acusar você de ter uma memória ruim. — ele fez sinal com a pistola para que
eles entrassem e depois que passaram pela porta, Wagner fechou a coisa com um chute — Isso vai
ser muito útil.
O homem estava visivelmente nervoso. Nunca foi um cara medroso, mas ter uma arma apontada
para sua cabeça não era nada agradável, além do mais, havia algo no olhar de Wagner que dizia que
ele não hesitaria em puxar o gatilho. Algo escuro e perverso.
— Sente naquela cadeira. — Wagner apontou com a arma para uma cadeira e o homem caminhou
até lá.
— Diga logo o que você quer. — o homem disse impaciente enquanto caminhava até onde Wagner
havia apontado.
— Sem preliminares? — ele sorriu debochadamente — Assim você me magoa.
— É dinheiro que você quer? — ele perguntou.
— Dinheiro… Dinheiro… Dinheiro. — ele disse irritado — Vocês só pensam nessa porra de
dinheiro. — ele forçou a arma nas costas do cara — Cala a merda da sua boca e senta logo o cu na
cadeira.
Depois que o homem sentou, Wagner retirou uma algema do bolso e ordenou que ele colocasse as
mãos para trás, forçando o cano da pistola na nuca do cara, que imediatamente obedeceu.
Wagner algemou as mãos dele nas costas da cadeira, depois foi até a caixa e pegou um rolo de fita
silver tape e arrancou um pedaço antes de colocar sobre os lábios do cara.
— Assim a gente evita que você grite feito uma menina e tenhamos que sujar esse seu tapete
vagabundo com seu sangue nojento.
Ele olhou ao redor e começou a caminhar pelo cômodo, fechando as cortinas sem desviar a mira
da arma do cara. Depois ele mexeu no dimer e diminuiu a intensidade da luz, deixando a sala na
penumbra. Não queria que nenhum curioso que estivesse passando pela rua observasse a silhueta
deles lá dentro. Depois ele puxou uma cadeira e sentou diante do homem.
Por um instante ele apenas o encarou e antes de começar a falar, respirou fundo e coçou sua
têmpora com a pistola.
— Eu tampei sua boca e agora vai ser complicado você me responder. — ele sorriu debilmente e
o homem revirou os olhos — Vamos fazer assim, para sim, você pisca uma vez e para não, duas, ok?
O homem piscou uma vez.
— Porra você aprende rápido, ou não. — ele apontou a arma novamente para o cara — Vamos lá.
Você trabalha para o Montenegro? — o cara piscou duas vezes e isso irritou Wagner de uma maneira
imensurável — Não dificulte as coisas. — ele disse não escondendo sua desaprovação — Você sabe
quem é Montenegro? — o cara piscou uma vez — E não trabalha pra ele? — o cara piscou duas
vezes.
Wagner olhou ao redor enquanto esfregava o cano da arma na cabeça, como se usasse a coisa para
coçar o couro cabeludo.
— Você morava em uma casa infinitamente menor que esta e de repente sua vida mudou. Sem
promoção, sem ganhar na loteria, sem nada. Sua esposa também não teve nenhuma mudança
significativa no salário para que vocês conseguissem vir morar numa casa dessas. Não ganharam
herança, não herdaram esta casa. Apenas compraram, pagando em dinheiro vivo. À vista. E o fato de
você trabalhar na penitenciária que aquele desgraçado ficou, não tem absolutamente nada a ver com
isso, certo?
O homem piscou uma vez e Wagner perdeu a paciência. Puxou o gatilho e deu um tiro no joelho do
homem que gritou, ficando com olho vermelho enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto.
A dor lancinante fez a bile do estômago dele subir, mas como sua boca estava tampada ele teve de
engoli-la novamente.
— Dizem que isso dói. — Wagner disse — Sabe o que eu faço, no que eu sou bom? — o cara não
piscou e ele pressionou o cano da arma no joelho ferido dele — Responde! — o cara piscou duas
vezes — Não sabe mesmo. Eu sou um bom surfista. O mar é minha segunda casa, eu adoro surfar, é
como se enquanto estivesse no mar a água lavasse meu corpo, minha alma. É, eu sou bom mesmo,
mas tem uma coisa que eu sou melhor. E é em fuçar a vida das pessoas, descobrir seus segredos mais
obscuros, e nisso, meu amigo, eu não sou bom. Eu sou foda! Então antes de você vir com essa merda
pra cima de mim, não se esqueça que eu sei exatamente com que dinheiro você comprou esta casa.
Então eu vou perguntar novamente: você trabalha para o Montenegro?
O homem hesitou. Se respondesse que sim, tinha quase certeza que Wagner o mataria ali mesmo. E
se ele dissesse não, aquele desgraçado iria atirar nele de novo. Era uma situação sem saída.
Então ele piscou uma vez e aguardou Wagner dar o tiro que tiraria sua vida, mas ele não o fez.
— Olha só, estamos nos entendendo. Que bom. — ele sorriu — Você sabe onde ele está? — o
homem piscou duas vezes — É, eu não achei que um merdinha como você soubesse mesmo. —
Wagner se levantou — Você sabe como entrar em contato com ele? — o homem hesitou e piscou duas
vezes — Ele tem entrado em contato com você? —o homem abaixou o olhar e então repetiu o gesto
anterior deixando Wagner ainda mais irritado — Você acha que sou idiota? — ele levantou,
colocando a cadeira no lugar.
Wagner foi até a caixa de papelão e deixou perto deles. Retirou um bilhete e colocou sobre a
mesa.
— Sua esposa vai ficar triste por você estar deixando ela para fugir com outra mulher, mas saiba
que é melhor assim. Ela é uma pessoa boa, honesta, diferentemente de você que é um crápula. Logo
ela encontra um homem decente pra substituir você.
O homem arregalou os olhos e antes mesmo que pudesse fazer ou tentar fazer qualquer coisa,
Wagner deu a volta e chutou o tapete para o lado, tirando do caminho antes de colocar a mão nas
costas da cadeira e inclinar a coisa. Ele arrastou o homem sentado até a garagem e pegou a chave do
carro que estava ao lado da porta. Apertou o chaveiro de alarme e depois de dois bip’s, ele abriu a
mala. Retirou a chave da algema do bolso e soltou um dos pulsos do cara, livrando a algema da
cadeira antes de prender novamente o braço do homem.
— Dentro da mala, amigão. — ele disse e o homem não obedeceu.
Primeiro porque seu joelho doía e ele duvidava que fosse conseguir levantar, segundo porque
sabia que se entrasse ali, morreria. E já que era para morrer não tinha por que obedecer.
— Caralho, você está brincando comigo? — Wagner parou na frente dele — Se você não entrar
nessa porra agora, vamos ficar aqui até sua querida esposa voltar e aí, em vez de ela achar que você
a abandonou, vamos incluir ela na nossa brincadeira.
O olhar dele era tão frio, que o cara se forçou a levantar e gemeu quando seu joelho falhou, antes
de cair sentado na cadeira novamente.
— Deixa de ser frouxo, porra! — Wagner o segurou por um braço fazendo ele se levantar e depois
o empurrou contra a mala.
Quando o cara estava totalmente dentro do carro, ele olhou novamente para ele, com aquela
expressão fria e débil, que fazia os ossos do homem gelarem.
— Eu não queria ter que fazer isso. — ele começou a abaixar a mala, mas parou e o encarou —
Mentira, eu queria sim. — ele sorriu de forma doentia — Eu sou como um gato que gosta de brincar
com a presa antes de devorá-la. — ele deu de ombros e fechou o porta-malas com um baque só.
Wagner voltou para dentro da casa levando a cadeira consigo, colocou-a no lugar, limpou o
vestígio de sangue que escorreu da perna do cara e arrumou o tapete. Voltou a iluminação para o
normal, trancou a porta da sala. Subiu até o quarto do casal e pegou algumas roupas do idiota,
documentos dele, pertences – o que não era difícil saber quais eram dele – e em seguida voltou para
a garagem. Jogou a mala com as coisas do imbecil no banco de trás, ligou o carro e saiu.
A viagem seria longa.

***
Gabriel estava sentado na sala do delegado e quando seu amigo, Ricardo, entrou, ele franziu a
testa. Que porra ele estava fazendo ali? — ele pensou. Ricardo era um excelente investigador, tão
bom quanto o próprio Gabriel, mas desde que tinha levado um tiro na perna e isso havia debilitado
sua locomoção, ele foi aposentado. Na época ele era amigo pessoal, parceiro e quase um tutor de
Gabriel, e há muito que ele não colocava os pés na delegacia. Pelo menos não para uma reunião
séria, conforme o investigador tinha sido informado que seria. Ainda mais em pleno domingo.
— Gabriel. — o amigo o cumprimentou e ele levantou para falar com ele.
— Ricardo. — eles apertaram as mãos antes de sentarem-se nas cadeiras diante da mesa do
delegado. — Você por aqui?
— Eu o chamei. — Eduardo informou.
O delegado Eduardo Campos era amigo de Gabriel, mas também era seu chefe. Há muito tempo o
afastou de um caso importante, que na época envolvia sua atual esposa, quando achou que ele estava
muito envolvido. E, infelizmente, a história se repetia.
Gabriel era o melhor, havia aprendido bem sua função. O nome dele era reconhecido e temido,
respeitado. Mas a morte do promotor Guilherme Goulart, havia balançado suas estruturas. Agora
diversas pessoas citadas no dossiê Montenegro estavam desaparecendo, e Eduardo tinha quase
certeza que Gabriel tinha algo a ver com aquilo. Estava envolvido demais!
— Precisamos conversar com você. — Ricardo disse — O assunto é sério, Gabriel, e não se
esqueça que você está entre amigos.
— Pro inferno com esse papo furado, Ricardo, fala logo o que porra vocês querem. — ele disse
impaciente.
Além do seu inegável talento e eficiência, Gabriel era reconhecido também por ter pavio curto e
ser extremamente grosseiro.
— Fica calmo, Gabriel. — Eduardo disse, antes de respirar fundo e começar a falar — Sumiu
mais uma testemunha citada no dossiê Montenegro.
— Quem?
— A secretária do seu irmão. — Ricardo respondeu.
— E por que ninguém me avisou, porra? — ele disse ainda mais irritado.
— Gabriel, — Eduardo o encarou — você ficou muito abalado com a morte do seu irmão, todos
nós entendemos isso. Além do mais tem a gravidez de Monique que começou complicada, vocês
quase perderam o bebê. Agora você liga para ela a cada hora, extremamente preocupado. Você está
sob pressão. Ninguém o culparia se você pirasse, mas você tem que entender que…
— Espera! — ele se levantou, quase gritando — Vocês estão achando que eu tenho alguma coisa a
ver com essa merda toda?
— Você precisa ser…
— Eu não preciso ser porra nenhuma, nem entender nada. — ele encarou Eduardo com o olhar
frio — Da última vez que você me afastou de um caso, eu reclamei, mas não me opus, porque no
fundo eu sabia que você estava certo. Eu tinha me envolvido demais e da forma errada. Mas desta
vez não Eduardo. Não vou permitir que você me afaste e me impeça de fazer justiça, de vingar a
morte do meu irmão. Eu não estou envolvido nessa porra e vou trazer pra você o culpado disso ou eu
mesmo entrego meu distintivo.
Cada palavra que ele dizia, mostrava sua irritação, mas também mostrava sinceridade. Eduardo o
conhecia há tempo suficiente para saber que ele estava falando sério, então, quando Ricardo fez
menção de falar, o delegado apenas ergueu a mão e balançou a cabeça negativamente.
— Tudo bem Gabriel, vou te dar um voto de confiança. Faça o seu melhor.
— Farei. — ele se virou e caminhou na direção da porta. Ainda estava muito irritado, mas antes
que ele pudesse sair, Ricardo o chamou.
Ele poderia deixar o amigo falando sozinho ou apenas andar mais rápido, pois sabia que ele não o
alcançaria, mas não era tão babaca assim, então apenas respirou fundo e esperou.
— Vamos tomar um café? — Ricardo disse colocando a mão sobre o ombro de Gabriel
— Eu não bebo café. — ele disse, com a voz um pouco mais suave.
— Eu sei, eu sei… — Ricardo sorriu — Vamos.
Capítulo Onze

Wagner olhava para as próprias mãos sujas se sangue, enquanto arfava como se tivesse corrido
pelo menos dois quilômetros.
O homem estava deitado sobre a mesa. Pés e mãos amarrados e sua roupa estava completamente
ensanguentada.
Ele não sabia dizer há quanto tempo estava ali, torturando aquele homem. Já havia arrancado
todas as suas unhas. Pelo menos cinco dentes. Os olhos do homem estavam furados e havia cortes
profundos em todos os seus membros, sem contar com o tiro que ele havia tomado anteriormente.
Tu precisas ser mais cruel.
— Mais cruel do que estou sendo, impossível.
Isso é inconcebível. Já é a terceira pessoa e tu não obtiveste todas as informações.
— Obtive algumas. Eles não podem falar o que não sabem! — ele gritou.
Tua irritação nada vais resolver. Sejas mais eficiente.
— Vou levá-lo a um hospital. Ele não sabe de nada.
Deixarás que ele viva? Perdeste a noção?
— Ele sabe do que sou capaz, não irá me entregar.
Não sejas tão inocente. Obviamente ele lhe entregaria e então você não cumpriria sua
promessa.
— E se eu me certificar…
Inocência ou burrice. Não sei qual dos dois se encaixa mais em tua descrição. Termines logo
para que possas seguir para o próximo.
Wagner respirou fundo, pegou um picador de gelo que já havia usado para furar os olhos do
homem e se aproximou forçando a coisa contra a têmpora dele, matando-o imediatamente.
Quando o corpo jazia sem vida, ele se deixou cair no chão e esfregou os olhos, enquanto seu
corpo estremecia, como se ele estivesse preso em uma câmara frigorífica.

***
Camila estava sentada em seu sofá com as pernas dobradas em cima do móvel, com uma enorme
bacia de pipoca na mão. Sua cabeça estava apoiada no ombro de Lucas, enquanto ele acariciava seu
cabelo e os dois olhavam a TV.
Desde o dia em que ele propôs que ela desse uma chance a ele, os dois estavam se vendo,
tentando conciliar o horário deles, mas infelizmente, nem sempre era possível. Apesar de Camila
confiar cegamente em seu su-chef, ela não podia e não queria deixar o restaurante nas mãos dele o
tempo todo. Porém apesar da incompatibilidade de horário, eles estavam conseguindo se ver com
bastante frequência.
Só naquela semana era o segundo encontro deles.
A princípio, Lucas sugeriu que eles fossem ao cinema, mas como Camila não dispôs de horário,
ele havia passado em uma Blockbuster e alugado diversos filmes de gêneros diferentes e comprou
um vinho, quando bateu na porta dela, tarde da noite, tudo que ela conseguiu fazer foi deixá-lo entrar.
E não havia se arrependido. Apesar de perceber que ele estava cochilando na maior parte do filme,
só ficar ali, sentada, apoiada em seu ombro já a confortava.
Eles haviam optado por uma comédia romântica, um pouco antiga, mas que Camila amava. Como
perder um homem em dez dias. Ela já havia assistido algumas vezes e nunca se cansava, porém para
Lucas, era a primeira vez.
— Eu adoro essa parte. — ela comentou enquanto a personagem do filme espalhava seus
pertences e bichos de pelúcia por todo apartamento do cara.
— Ela está forçando morar com ele?
— Morar não. É quase marcar território. — ela respondeu rindo.
— Você não vai fazer isso no meu apartamento, vai? — ele respondeu em tom divertido.
— Talvez. — ela o encarou séria — Ou talvez eu use sua escova de dente. — assim que terminou
de falar ela fez uma careta.
Ele repetiu a careta e os dois começaram a rir.
— Não sei o que é pior. — ele disse — Eles se conhecem há que? Dois dias?
— Sim, essa é a ideia do filme. Eles querem mostrar o quanto uma mulher carente pode ser
pegajosa logo nos primeiros encontros.
— Eu tive uma namorada assim.
— Sério? — ela parou de prestar atenção no filme e o encarou — E como você se livrou dela?
Não me diga que foi em dez dias.
— Claro que não. — ele riu — Levou um pouco mais de tempo, mas o problema foi depois que
terminamos. Ela ficou me perseguindo. Foi um pouco assustador, mas hoje ela já está em outra.
— Sorte sua.
— Concordo. — ele sorriu e a beijou nos lábios levemente.
Os dois continuaram assistindo ao filme e conversando, brincando, e quando terminou já passava
das três da manhã.
— Caramba! Está tarde. — ela disse.
— Sim, e eu preciso ir. — Lucas segurou seu rosto e a beijou — Vou dormir pouco mais de quatro
horas.
— Ai, desculpa por isso. — ela disse fazendo uma careta.
— Não se desculpe, Camila, cada segundo que eu passo com você é muito melhor do que
qualquer noite de sono. — ele disse sinceramente e sorriu — Não precisa me levar até o carro.
— Faço questão.
Ela vestiu um moletom e depois seguiu com Lucas pelas dependências do prédio, até chegar à
calçada, onde o carro dele estava estacionado.
Lucas recostou no carro e a puxou contra si, envolvendo seus braços na cintura dela antes de
beijá-la com intensidade. Camila colocou seus braços em volta do pescoço dele e retribuiu o beijo
antes de se despedirem e ele entrar no veículo.
Enquanto o carro se afastava, Camila se virou e caminhou até o portão e foi então que ela
percebeu um homem se aproximando.
Ele estava com as mãos dentro do bolso do casaco, usava boné e capuz, como se tentasse se
esconder.
Camila abraçou o próprio corpo e andou mais rápido e enquanto ela abria o portão ele se
aproximou. O coração dela estava acelerado e ela se arrependeu de não ter ouvido Lucas e ficado em
seu apartamento, mas quando ouviu sua voz ela parou e se virou.
— Aquele babaca não devia deixar você sozinha na rua essa hora.
Ele retirou o capuz e foi então que ela teve certeza.
— Wagner? — ela olhou para os lados — O que você faz aqui essa hora?
Ele respirou fundo. Podia mentir, podia inventar uma desculpa, qualquer coisa. Sabia que Camila
não questionaria, não depois do último encontro deles. Mas ele não podia. Não queria.
— Eu precisava te ver.
— Me ver? — ela abraçou o próprio corpo novamente — Por quê?
Wagner não respondeu, apenas se aproximou tirando as mãos do bolso e a abraçou.
A princípio ela pensou em afastá-lo, em empurrá-lo, mas quando sentiu o corpo dele estremecer
ela o abraçou de volta. Ele era pelo menos uma cabeça mais alto que ela, e quando Camila retribuiu
o abraço, Wagner respirou fundo e fechou os olhos enquanto encostava sua boca no cabelo de
Camila. Ele apenas ficou ali, sentindo-a em seus braços, sentindo seu perfume, o calor do seu corpo,
e isso foi o suficiente para tirar toda merda dele. Todo peso que ele estava carregando nos últimos
dias… desde aquele cara.
— Você quer entrar? Conversar? — ela perguntou, percebendo que ele não estava bem.
Queria? Devia? — ele pensou.
Era tudo que ele mais queria, ficar com ela, se entregar ao que sentia por ela e esquecer toda
aquela merda de promessa. Mas se ele fizesse isso, conseguiria conviver consigo mesmo?
— Eu não posso.
— Por que não? — ela afastou sua cabeça do peito dele, apenas para encará-lo — Vem.
Camila o puxou, sorrindo, segurando sua mão e ele não teve forças para negar. Apenas a
acompanhou e quando estavam dentro do apartamento, ele observou, enquanto ela fechava a porta e
tirava o casaco de moletom, ficando apenas de short e camiseta.
— Me espera fazer um chá? — ela disse sorrindo e Wagner apenas assentiu.
O lugar era exatamente como Camila. Alegre, cheio de vida e parecia o envolver e tomar conta
do seu ser, assim como ela. Wagner se virou e colocou a mão na porta, pronto para ir embora. Não
devia estar ali.
Que diabos ele estava pensando?
Mas antes que pudesse girar a maçaneta, a voz de Camila capturou sua atenção.
— Quer que coloque açúcar? — ela gritou da cozinha.
Wagner seguiu o som da voz dela e parou, recostando no batente da porta.
— Não precisa.
— Ai! — ela disse, se virando para ele e sorrindo — Não ouvi você.
Ela colocou o líquido fumegante em uma xícara e entregou a ele, depois pegou uma para ela.
— Podemos sentar aqui ou na sala, o que prefere?
— Que tal no quarto? — ela arregalou os olhos e ele deu um sorriso torto antes de tomar um gole
do chá — Calma gata, só estou brincando. Podemos ficar aqui.
— Céus, você muda de humor rápido demais.
— Você que faz isso comigo. — ele disse a encarando com os olhos brilhando e havia tanta
sinceridade, que tudo que Camila fez foi assentir e tomar outro gole do seu chá.
— Você está bem?
— Podemos falar de outra coisa?
— Achei que queria conversar.
— Quero. Vamos falar do tempo, da vida, da TekPix. — ele sorriu.
— “A filmadora mais vendida do Brasil”, mas que eu nunca conheci alguém que tivesse.
— Nem eu. — os dois deram uma risada e Wagner se espantou com o som do próprio riso.
Havia muito tempo que ele não dava uma risada tão sincera como aquela. E isso foi o suficiente.
Ele queria rir com ela, ficar ali e se esquecer de todo o resto.
— Vem, gata, vamos para a sala. Me conte algo engraçado.
Camila estranhou, mas não questionou.
A verdade é que ela estava feliz em vê-lo. Depois de todas as tentativas que ela havia feito para
entrar em contato, para estar perto e depois do último encontro deles, quando ela achou que era um
adeus definitivo, ver que ele tinha a procurado fez algo dentro dela se acender.
Eles se sentaram no tapete da sala, perto da mesinha de centro e começaram a conversar. Os
primeiros minutos foram um pouco tensos, como se os dois precisassem encontrar o próprio ritmo,
mas algum tempo depois estavam rindo como dois adolescentes, como se nunca tivessem se afastado.
— Ah para, você só pode estar brincando. — ele disse entre uma risada e outra — O cara
realmente achou que saquê fosse um chá?
— E o pior… — ela disse colocando a mão na barriga, rindo — ele era de uma religião que não
permitia a ingestão de bebida alcoólica. Quis me processar e tudo. Disse que eu era uma agente do
mal e queria desviar ele dos caminhos dos céus.
— Gata, eu pagava pra ver a cena.
— Você precisava ver, na hora eu fiquei com raiva, nervosa, mas depois comecei a rir e não parei
mais.
Wagner observava cada detalhe dela. A forma como seus lábios se mexiam enquanto ela falava. A
maneira que ela mexia no cabelo, toda hora enrolando ele até que os fios se soltavam novamente e
ela repetia o processo. Como seus ombros se mexiam delicadamente a cada risada que ela dava e
como ela jogava a cabeça para trás, deixando aquele som ainda mais sensual.
Ele poderia passar horas assim, apenas conversando com ela e ouvindo o som da sua risada.
Podia se sentir mais leve, relaxado. Podia se sentir renovado.
Em determinado momento, ela deitou no sofá enquanto conversavam e foi a vez dele de contar
algo divertido. E enquanto contava como ele uma vez, foi atropelado por uma bola de vôlei enquanto
surfava, percebeu que Camila tinha adormecido.
Ele se aproximou e ficou a observando dormir. Velando seu sono.
Ela era perfeita! — ele pensou enquanto acariciava o rosto dela suavemente para não acordá-la.
Tudo que ela tinha de bom, contrastava com o que ele era. Com o que ele tinha se tornado, na
verdade. Mas estar assim perto dela, era como se seu corpo fosse limpo, purificado. Ela era seu
Yang: clara, luminosa, quente. Já ele era o Yin: escuro, frio… completamente opostos, mas totalmente
atraídos. Estar perto dela, mesmo sem realmente estar com ela, era o suficiente para trazer a paz para
dentro dele, mesmo depois de tudo que ele já tinha feito.
Wagner não se deu conta de quanto tempo ficou ali, observando-a dormir, mas quando o dia
começou a clarear ele a pegou no colo e a levou para cama. Depois de cobri-la, ele beijou seus
lábios suavemente.
— Obrigado, eu estava precisando disso. Você não faz a menor ideia do quanto é importante pra
mim, gata. — ele acariciou novamente o rosto dela — Mas eu não posso mais vê-la. Minha escuridão
não pode dominar sua luz... Adeus, Camila.
Ele se afastou e saiu, sem olhar para trás, sabendo que apesar de tudo, apesar de ela ser o que ele
precisava, apesar de saber que ela havia o ajudado, mesmo sem saber, a superar um pouco toda lama
que o cobria, deveria se afastar. Pelo bem dela.
Depois que saiu do apartamento de Camila, ele acendeu um cigarro e deu uma longa tragada antes
de seguir para outro endereço. Precisava observar e conhecer os passos da sua próxima vítima.

***
Quando Camila abriu os olhos, ela se levantou rapidamente. Não sabia como tinha ido parar em
seu quarto. A última coisa que lembrava era de Wagner contando algo sobre um acidente enquanto ele
surfava.
— Wagner? — ela chamou, mas não obteve resposta.
Rapidamente ela jogou o lençol para o lado e saiu do quarto, seguindo para a sala, depois a
cozinha e enquanto se certificava de que ele não estava ali, seu coração se apertou e um bolo se
formou em sua garganta.
Alguma coisa dentro dela sabia que aquilo havia sido uma despedida, um adeus e não conseguiu
evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas. E quando seu celular apitou, ela foi até ele e sorriu,
secando as lágrimas, enquanto lia uma mensagem de Lucas.
“Da próxima vez, podemos ver filmes de zumbis? Acho que estou parecendo um nesse momento,
mas não trocaria isso por nada. Tenha um bom dia, Camila”
Como ela podia estar ali sofrendo por Wagner, por um cara confuso que não a valorizava,
enquanto Lucas era encantador e totalmente disponível para ela?
E naquele momento Camila tomou sua decisão.
Wagner faria parte do seu passado e Lucas do seu futuro, definitivamente.
Capítulo Doze

Wagner corria pela areia, ainda com a água do mar escorrendo pelo seu corpo. Dessa vez sua
companheira, sua prancha, estava no quiosque do seu amigo Zé. Ele apenas sentiu vontade de nadar
um pouco. E enquanto seguia para o quiosque, os avistou. Imediatamente parou de correr e olhou
para os lados, procurando outros policiais e certamente ele os reconheceria mesmo que estivessem
vestidos à paisana.
Ele esfregou o cabelo de forma bagunçada, fazendo a água respingar enquanto se aproximava dos
homens.
— Gabriel, Ricardo. — ele os cumprimentou, apertando a mão deles — A que devo a visita?
— Precisamos conversar. — Gabriel disse — Tem algum lugar mais reservado que possamos
fazer isso?
— Claro, podemos ir para minha casa.
— Tem alguém lá? — Ricardo perguntou.
Wagner o encarou alguns segundos antes de finalmente responder:
— Provavelmente a empregada. Diego essa hora está na faculdade.
— Como ele está? — Gabriel perguntou e só então Wagner se deu conta que seu primo, apesar de
saber da existência de Diego, nunca o tinha visto.
— Bem.
— Quem é Diego? — Ricardo perguntou.
— Um amigo. Ele mora comigo desde os dez anos dele. Longa história.
— Amigo? — perguntou curioso e Wagner lhe lançou um olhar de advertência.
— Sim, amigo, irmão, filho. Chame da merda que você quiser. O que é isso? Estou em uma
inquisição e ninguém me avisou?
— Não tem inquisição nenhuma. — Gabriel disse.
— Beleza, porque não estou mesmo a fim de fazer parte de uma.

Os três seguiram e alguns minutos depois entravam na casa de Wagner. Ele estava abrindo uma
exceção a Ricardo, porque em Gabriel ele confiava cegamente, mas naquele cara não.
Ricardo deu um assobio longo quando passou pela porta da sala. Sim, era uma enorme mansão,
daquelas que vemos nos filmes hollywoodianos com direito a escada dupla de mármore aquecido, o
que deixava a coisa brilhando refletindo a luz do teto, e corrimão cor de bronze. O sofá em couro e
os móveis mesclando entre claro e escuro, davam sofisticação ao lugar.
— Legal, né? — Wagner perguntou vendo como Ricardo admirava o lugar — Tenha um pai
babaca, rico e que fica com a consciência pesada no fim da vida, e voilà. Teremos uma mansão.
— Que bela herança.
— Sim, tento fazer algo de útil com isso. Ajudo orfanatos, asilos, instituições de caridade,
crianças com câncer, adotei informalmente Diego. — ele encolheu os ombros, como se tudo aquilo
não fosse nada de mais — É muito dinheiro. Dá pra eu aproveitar, e ainda ajudar as pessoas sem ver
o fim dele.
Eles seguiram para a sala de jantar.
— E o que mais você faz com essa fortuna toda? — Ricardo perguntou enquanto ele e Gabriel
sentavam à mesa que havia na outra sala.
Wagner não respondeu. Não gostava do tom que Ricardo usava com ele e gostava menos ainda do
silêncio de Gabriel. Conhecia bem seu primo para saber que aquilo não era bom sinal.
Quando ele se aproximou deles, colocou sobre a mesa uma garrafa de uísque e três copos.
— Sem rodeios. Vocês não vieram de Curitiba a Matinhos para ver minha casa ou saber sobre
meus feitos de caridade. — ele se sentou na cabeceira da mesa e encheu seu copo antes de tomar um
grande gole e logo em seguida acender um cigarro sem se importar se incomodava os outros dois.
— Wagner… — Gabriel finalmente quebrou o silêncio — você sabe que estamos trabalhando em
cima daquele dossiê que você me entregou. Quero, mais que ninguém, pegar e punir todos os
envolvidos com Montenegro, até chegar nele e colocar aquele desgraçado atrás das grades, por tudo
que ele fez e também por Guilherme. Principalmente pelo meu irmão. Mas é como se estivessem
sempre a um passo de nós. Cada pessoa que consta naquele dossiê está sumindo, como se ETs
estivessem abduzindo um a um. Em um dia eles estão lá, no outro simplesmente sumiram,
desapareceram sem dar muitas explicações.
— Você já tinha comentado qualquer coisa. — ele disse fingindo indiferença.
— Vamos direto ao ponto. — Ricardo disse impaciente — Onde você estava no sábado passado?
— Não é da sua conta. — Wagner rebateu com um sorriso debochado do rosto — Sou suspeito de
alguma coisa? Preciso dos muitos advogados que posso pagar?
— Wagner! — Gabriel chamou sua atenção, mas antes que ele pudesse falar alguma coisa, o
primo o interrompeu.
— Nada de Wagner, Gabe. — ele apontou para Ricardo — Esse babaca vem na minha casa e quer
falar assim comigo, como se tivesse autoridade?
— Você fez o dossiê, as pessoas do seu dossiê estão sumindo. — Ricardo enfatizou.
— Pode ser o próprio Montenegro?
— Então ele teve acesso aos seus papéis? — Gabriel perguntou.
— Claro que não, a menos que alguém na sua delegacia tenha feito isso.
— Impossível.
— Nós dois sabemos que para Montenegro nada é impossível.
— Tudo bem, — Ricardo disse — se você não tem nada a esconder, responda a simples pergunta:
onde você estava sábado?
— Em casa.
— E alguém pode confirmar isso?
— Eu posso. — Diego apareceu fazendo os três homens olharem para ele — Olá, sou o Diego.
Moro aqui e Wagner passou o sábado e domingo todo aqui.
— Todo? — Ricardo questionou.
— Sim. — ele encolheu os ombros — Todo! Assistimos TV, jogamos videogame, comemos
porcarias… essas coisas.
Gabriel encarou Diego por alguns segundos e Ricardo fez o mesmo. Após um momento de silêncio
quase constrangedor, os dois se levantaram e Gabriel virou-se para Wagner.
— Precisamos descobrir quem está sumindo com essas pessoas. Posso contar com você?
— Claro. — Wagner encarou Ricardo com ar audacioso — Você pode, ele não.
— Wagner.
— Tudo bem, Gabriel. — Ricardo o interrompeu — Só estava fazendo meu trabalho, Wagner. Mas
parece que me enganei. — ele olhou para Diego e apesar das suas palavras ele não parecia acreditar
nele minimamente.
— Isso é um pedido de desculpas? — Wagner provocou.
— Considere como um.
— Beleza. — Wagner estendeu a mão para ele e quando Ricardo aceitou, ele apertou com mais
força que o necessário, fazendo o homem encarar Wagner com os olhos apertados.
— Eu te ligo. — Gabriel disse se despedindo do primo e Wagner assentiu, depois observou os
dois caminharem até a porta e saírem.
Diego que até então, estava em um canto da sala em silêncio, virou-se para se retirar para seu
quarto, mas antes que ele se afastasse muito, Wagner o chamou.
— Por que você fez isso, Dig?
Diego parou e virou-se lentamente até que seus olhos se cruzaram com os de Wagner.
— Porque um dia você vai confiar em mim, e ao contrário deles, eu quero poder te ajudar de
verdade.
Wagner apenas assentiu antes de Diego se retirar.
Quando se viu sozinho, Wagner retirou o celular do bolso e discou um número.
— Segunda etapa do meu plano… Sim… Tudo bem, eu espero, mas que seja esta semana ainda…
Beleza.
Ele desligou a coisa e colocou no bolso novamente antes de dar uma longa tragada em seu cigarro.

***
Camila havia tirado folga aquela noite e estava animada. A cozinha era seu paraíso particular e
não importava quanto tempo ela passasse cozinhando, ela amava aquilo. Mas aquele jantar era
diferente, era especial. Ela tinha convidado Lucas para jantar com ela e estava decidida a dar um
passo adiante no “quase relacionamento” deles. Sim, quase. Ela nunca tinha dito sim, e ele nunca
mais havia perguntado se ela daria uma chance a ele, mas se viam com cada vez mais frequência,
estavam sempre se tocando e se beijando.
Mas ainda havia um problema.
Alto, loiro, com a pele bronzeada e incríveis olhos azuis penetrantes.
O único momento em que Wagner ficava fora da sua mente, era quando estava com Lucas. Ele era
tão atencioso, carinhoso, protetor, que ela não pensava em mais ninguém. Mas bastava que eles
estivessem longe ou a mente dela ociosa para Wagner voltar às suas lembranças.
Ela tinha mandado várias mensagens a sua irmã, falando superficialmente sobre Lucas. Ainda não
conseguia falar com ela exatamente, mas sua irmã passava a responder as mensagens mais
rapidamente, o que a fez relaxar, pelo menos um pouco. Fora que, sempre que ela questionava o
porquê de nenhuma ligação, elas brigavam. Além do mais, Gabriel estava cuidando disso e logo ela
saberia exatamente onde Márcia estava. E sinceramente, ela não estava se importando do quão
irritada sua irmã ficaria quando soubesse daquilo.
Assim que ela colocou a carne no forno e a sobremesa no freezer, foi tomar um banho quente e
relaxante. Ainda tinha alguns minutos até Lucas chegar.
Quando terminou, prendeu seu cabelo em um coque frouxo, maquiou-se levemente, e apesar de
estar frio, ela colocou um vestido larguinho na altura das coxas e um casaquinho de cashmere azul.
De volta à cozinha, ela desligou o forno, preparou a mesa colocando o vinho no aparador, pratos e
talheres sobre a toalha de renda, depois foi até a sala, ligou o som e aguardou.
Quando a campainha tocou, Here I Go Again de Whitesnake estava tocando e enchendo o
apartamento.
Assim que abriu a porta o viu. Lucas era simplesmente lindo! Rosto másculo, nariz afilado,
cabelos negros ondulados sempre arrumados e seus olhos eram de um verde-claro, totalmente
diferente, com uns raios dourados, como se tivesse luz própria. Seu sorriso largo e olhar penetrante
só faziam com que ela se sentisse acolhida ao olhar para ele.
— Boa noite. — ele a beijou suavemente e lhe entregou um arranjo de flores copos-de-leite,
brancas, amarradas com fitas douradas e vermelhas — Espero que goste.
Camila retribuiu o beijo antes de sorrir largamente.
— Adorei, são lindas! — ela ficou na ponta dos pés e beijou a boca de Lucas suavemente —
Entra. Quer vinho?
— Aceito. — ele piscou e a acompanhou até a cozinha.
Depois que Camila colocou as flores em um jarro, ela foi até a mesa e pegou o vinho, mas Lucas
se adiantou e abriu a garrafa, antes de servir as duas taças. Os dois pegaram as taças, brindaram e
enquanto tomavam o primeiro gole não desviaram seus olhares. Lentamente, Lucas colocou a taça
novamente sobre a mesa e caminhou na direção de Camila. Seu olhar não se desviou do dela e
quando ele estava perto o suficiente, colocou uma pequena mecha de cabelo atrás da orelha dela e
enquanto sua mão baixava, ele acariciou seu rosto, antes de beijá-la. Camila colocou a mão livre na
lateral do corpo de Lucas e segurou sua camisa, puxando ele ainda mais pra perto dela, enquanto ele
segurava o rosto dela entre as mãos e aprofundava o beijo.
Os dois estavam perdidos um nos lábios do outro quando o celular dela tocou. A princípio ela
ignorou, mas quando a música cessou e começou novamente, ela afastou-se de Lucas e com os olhos
pediu desculpas, antes de pegar a coisa e atender.
Era o su-chef e enquanto falava com ele, encarava Lucas. Assim que desligou abaixou a cabeça e
suspirou.
— Eu… Droga! — ela colocou o celular de lado — Desculpa, Lucas, mas teve um problema no
restaurante e… Bem, eu não posso deixar pra lá… Sinto muito…
— Camila… — ele se aproximou dela novamente e a beijou — eu jamais pediria pra você não ir.
Vamos ao restaurante, resolvemos o problema e depois voltamos e jantamos. Estamos acostumados a
comer tarde mesmo. O que acha?
O sorriso que Camila deu fez o peito de Lucas se aquecer. Ela o abraçou pelo pescoço e o beijou.
— Acho uma ótima ideia.
— Então vamos. — Lucas a segurou pela mão e a puxou.

Duas horas depois os dois entravam novamente no apartamento de Camila. Foram direto para a
cozinha e enquanto ela acendia o forno para aquecer a carne, Lucas serviu o vinho novamente.
Depois do incidente no restaurante, que atrapalhou de certa forma a noite deles, os dois estavam
bem relaxados. Riam e bebiam, se divertiam e conversavam, e quando a carne esquentou, Camila
colocou a bandeja sobre a mesa, junto com arroz à piamontese e salada que ela havia preparado.
O jantar transcorreu maravilhosamente bem.
Quando terminaram, Lucas ajudou Camila com a louça e depois eles abriram outra garrafa de
vinho, antes de irem para a sala.
Camila acendeu a lareira antes de se sentar no tapete ao lado de Lucas, que, depois de servir as
taças de vinho, puxou-a para seu colo e a beijou. Camila colocou a taça na mesinha de centro e se
entregou ao beijo, abraçando Lucas enquanto ele a abraçava pela cintura.
O beijo entre os dois foi se intensificando e Camila desceu as mãos colocando na borda da camisa
dele, subindo e retirando por cima, enquanto Lucas erguia os braços para ajudá-la. Assim que a
camisa dele estava jogada do outro lado do tapete, ele retirou o casaco de Camila e beijou o ombro
dela enquanto afastava uma alça, depois afastou a outra e beijou o outro lado antes de começar a
beijar seu pescoço, seguindo ao encontro da sua boca.
Camila virou a cabeça dando a Lucas acesso à sua pele e gemeu baixinho quando ele beijou perto
de sua orelha.
Lucas arrastou suas mãos até as coxas de Camila e começou a erguer o vestido, até que ela
estivesse apenas de calcinha.
— Linda! — ele sussurrou contra os lábios dela antes de beijá-la.
Enquanto se beijavam Lucas reclinou o corpo e deitou, logo em seguida girou os dois, deitando
por cima de Camila, sem desgrudar suas bocas.
Alguns minutos depois os dois estavam sem roupas, perdidos um nos braços do outro.

***
Laura estava deitada na cama, em sua cela enquanto o burburinho das detentas tirava o silêncio
daquela ala. Era dia de vistoria e sempre que esse dia chegava era a mesma coisa. Presas
desesperadas tentando esconder coisas que não deveriam estar ali, mas estavam. Escondendo coisas
que chegavam a elas, em sua maioria, pelas mãos das mesmas mulheres que agora estavam caçando.
Ela achava isso uma puta injustiça.
As guardas recebiam dinheiro ou outras formas de pagamento para fazer aquelas coisas –
cigarros, fotos de familiares, celulares, crédito para celulares, e até dinheiro – chegarem às mãos das
detentas. E depois vinham e levavam tudo embora. E por isso o caos generalizado. As detentas eram
criativas e ela já tinha escutado cada história sobre lugares onde se escondiam as coisas, que era
difícil até de acreditar.
Mas tudo aquilo era indiferente para Laura. As coisas dela que estavam ali, não eram tocadas.
Ninguém a revistava. Na verdade, ninguém nem entrava em sua cela sem que ela permitisse. Por isso
ela continuava deitada ali, lendo uma revista de duas semanas atrás como se não estivesse em uma
penitenciária.
Ela estava perdida na leitura de uma matéria sobre a Kim Kardashian, quando sua cela abriu.
Imediatamente ela se sentou para mandar que a guarda fosse embora, mas não era apenas uma.
Laura franziu a testa e encarou as mulheres.
— Que merda vocês acham que estão fazendo?
— Vamos revistar sua cela, princesa.
— Você só pode estar brincando. Sabe quem eu sou? Minha cela nunca é revistada.
A guarda, conhecida como Hilda Furacão, – que apesar de ter o mesmo nome da minissérie, não
tinha relação. Hilda parecia um rinoceronte de tão grande. E o apelido furacão ela ganhou por ser a
principal apartadora das brigas da penitenciária. Quando ela aparecia ninguém ficava no seu caminho
– se aproximou de Laura e a encostou na parede com mais violência que o necessário.
— Mas hoje, sua cela vai ser revistada, princesa, e você vai ficar calada por bem ou serei
obrigada a te ensinar bons modos. — Hilda deu um tapa forte na bunda de Laura antes de empurrá-la
para as outras guardas que a colocaram para fora da cela e a mantiveram lá antes de Hilda começar a
revistar.
Laura cruzou os braços e aguardou impaciente. Aquilo não ia ficar assim! Quando seu advogado
viesse visitá-la, ela se queixaria e ele daria um jeito. Seu pai gastava uma grana preta para que ela
tivesse o conforto que tinha, e ninguém ali tinha do que reclamar.
Essa rinoceronte me paga. — ela pensou.
Mas antes que seus pensamentos fossem muito longe, Hilda fez um barulho de satisfação.
— A-ha! Eu sabia que a princesa não era só um rostinho bonito com um pai rico. Todas nós temos
um lado podre, não é querida?
— Do que você está falando? — Laura perguntou e antes que se desse conta, as duas guardas
estavam do seu lado segurando seus braços com força.
Hilda levantou um saquinho com um pó branco dentro.
Cocaína!
— Isso não é meu. Juro!
— Eu sei, princesa. Somos todas inocentes. — uma presa gritou do outro lado e Laura a xingou
antes de virar-se para Hilda novamente.
— Não é meu.
— Esta cela é sua?
— Sim, mas…
— Essas coisas aqui dentro são suas? — Hilda a interrompeu.
— Você sabe que sim…
— Então, princesa, se as coisas aqui dentro são suas. — ela olhou para as outras guardas —
Quinze dias na solitária.
— QUINZE DIAS?! — Laura gritou e começou a se debater e chutar.
— E se reclamar aumento pra um mês.
— Você não pode fazer isso!
— Aí que você se engana, princesa. Eu posso e já fiz. — ela olhou para as outras guardas —
Levem logo essa coisa pra solitária. Isso vai ensinar a ela que nem tudo o dinheiro pode comprar.
Gritando e se debatendo, Laura foi arrastada até a solitária.
Depois que as guardas a jogaram lá dentro e fecharam a porta, um calafrio percorreu o sua
espinha. O lugar era escuro, tinha um cheiro horrível e era frio, muito frio.
Eu vou morrer se passar quinze dias aqui. — ela pensou, deixando seu corpo se arrastar pela
parede e sentando no chão, abraçando os próprios joelhos e escondendo o rosto nas pernas enquanto
sentia o pavor tomar conta dela.
Capítulo Treze

Dante era um misto de irritação e pavor. Sim, pavor! Quando ele aceitou aquele caso sabia
exatamente onde estava se metendo. Sabia dos riscos, mas sabia também dos benefícios e essas
vantagens foram o que o impulsionaram a aceitar.
Agora estava diante da agente penitenciária que se recusava a levá-lo ao diretor. Ele precisava
falar com Laura, saber o que tinha acontecido e ninguém lhe dava nenhuma informação pertinente.
— Vocês não podem me impedir de ver minha cliente.
— Querido, sua cliente está na solitária. E uma das regras daqui, é que quem vai pra caixinha, não
recebe visitas, nem sol nem nada. Se o senhor não gosta da nossa conduta… Bom, não posso fazer
nada.
— Quero falar com o diretor! Não pode me impedir.
— Longe de mim. — ela sorriu debochadamente — Mas ele está muitíssimo ocupado agora. Se o
senhor puder esperar… — a guarda apontou com o queixo um sofá encardido que ficava do outro
lado da sala.
Contrariado, Dante andou até a coisa com cheiro de mofo e se sentou. Desabotoou o paletó e
colocou uma perna sobre o joelho enquanto tirava seu celular do bolso.
Inferno!
Nem de longe ele queria fazer aquilo. Aliás, se pudesse seria o último homem na face da Terra a
dar aquela notícia, mas se não fizesse seria pior, então ele aguardou que o cara atendesse do outro
lado da linha.
— Lino, é Dante… Sim, eu estou aqui… Temos um problema… Sim o chefe vai ficar puto…
Visita? Que visita?… Tudo bem, não importa, mas eu preciso falar com ele… Eu sei que é você que
paga meu salário, mas nós dois sabemos bem o motivo… — Dante respirou fundo — É o seguinte...
Ele começou a explicar que havia ido visitar Laura e ver como ela estava, mas então descobriu
que ela estava na solitária há cinco dias e que não o deixavam vê-la, muito menos permitiam que ele
falasse com o diretor.
— Tudo bem, eu aguardo aqui. — ele respondeu para Lino quando ele disse que ia resolver isso e
que ele não arredasse os pés do presídio.
Poucos minutos se passaram até que a guarda voltou, emburrada e visivelmente contrariada. Ela
mediu Dante de cima a baixo antes de fazer sinal com o dedo para ele a acompanhar.
Durante todo o caminho até a sala do diretor, ela permaneceu em silêncio, mas quando Dante
colocou a mão na maçaneta da antessala do mandachuva, ela colocou a mão por cima da dele e o
encarou com o olhar enfurecido.
— O dinheiro pode mesmo comprar muitas coisas, não é? Ele só não pode comprar vidas.
— Não sei do que você está falando.
— Claro que não sabe. — ela apertou a mão dele com força, fazendo a maçaneta da porta deixar
uma marca funda e avermelhada na palma da mão de Dante e se afastou.
Dante franziu a testa e encarou aquela mulher que já estava no fim do corredor e ficou pensando
em suas palavras. Balançou a cabeça negativamente e girou a maçaneta antes de entrar na antessala.
A secretária sorriu ao vê-lo e se levantou para anunciar a chegada de Dante ao diretor.
Roberto, o diretor do presídio, era um homem alto e corpulento, com cabelos brancos apenas na
lateral da cabeça e o topo da cabeça careca e brilhante. Estava sempre com um terno barato, cinza e
desbotado, camisa branca e gravata com as mais variadas estampas toscas.
— Bem-vindo doutor, em que posso te ajudar? — Roberto perguntou.
— Achei que o senhor estava ocupado. — Dante apertou a mão do homem.
— Ocupado para um amigo? Nunca! — ele apontou a cadeira diante da mesa, antes de se sentar
em sua própria — Apenas um erro de comunicação. Mas me diga, o que podemos fazer para o
senhor?
Bajulador! — Dante pensou com desgosto.
Sabia muito bem o motivo de ter sido rapidamente atendido e sabia melhor ainda o motivo da
bajulação. E claro, que ele não perderia a chance de se aproveitar disso.
— Laura. Vocês a colocaram na solitária.
— Eu só soube disso ontem. — o diretor desabotoou seu terno barato e colocou as mãos cruzadas
sobre a mesa enquanto encarava o advogado — O senhor sabe, o que minhas garotas fazem nem
sempre são com ordens minhas, mas elas tem regras a cumprir. Uma infinidade delas e apesar de
abrirmos mão de umas ou outras para certos… amigos, como o senhor, há de concordar que nem tudo
pode ser ignorado.
— E que droga ela fez para merecer a solitária?
— Drogas.
— Drogas?! Do que você está falando?
— No início da semana, tivemos as revistas das celas e devido a uma denúncia, de uma das
detentas, tivemos que revistar a de Laura. Eu não gostei disso tanto quanto as garotas, mas o senhor
entende… drogas!
— Isso é impossível, ela não é viciada.
Roberto abriu a gaveta e pegou um pacotinho com a cocaína.
— Esta é a prova.
— Isso só pode ter sido implantado lá?
— Por quem? — Roberto questionou — Laura não arruma confusão com ninguém, não mexe com
ninguém, pouco convive com as demais presas. Quem iria querer fazer isso apenas para vê-la na
solitária? Provavelmente ela está sucumbindo por estar aqui dentro. Acontece muito.
— E como essa merda foi parar nas mãos dela?
— Ah, isso já está sendo investigado, está sim. — Roberto jogou novamente o saquinho com a
droga na gaveta. — Mas depois da ligação do nosso amigo, eu ordenei que a tirassem da solitária,
isso com muitos dias de antecedência. Isso nunca aconteceu, uma ordem das minhas garotas nunca foi
revogada, mas em nome da nossa amizade, eu o fiz.
Dante quis socar a cara dele. Ele estava ali por dinheiro e não escondia de ninguém isso. Não
tentava fazer papel de bom moço nem porra nenhuma. Mas o diretor tentava, precisava alimentar o
próprio ego, agindo como se tivesse feito aquilo por algum outro motivo que não o dinheiro.
— Estamos felizes com isso, mas agora eu posso vê-la?
— Olha doutor, ela deve estar cansada, precisando de um banho. Por que o senhor não volta
amanhã? Eu mesmo me certificarei que ela tenha uma noite de rainha hoje e amanhã na primeira hora
da manhã libero a visita, tudo bem?
Dante pensou em recusar. Montenegro obviamente iria querer notícias da filha, mas ele sabia
como o psicológico dela devia estar afetado e com isso ela estaria histérica e irritada.
Definitivamente ele não estava com saco nem paciência para aturar isso, então resolveu desligar o
celular e voltar para vê-la no dia seguinte.
— Tudo bem, amanhã na primeira hora da manhã.
— Combinado, doutor.
— E que ela esteja ótima, porque nosso amigo vai ficar muito feliz com isso.
— Ela estará. — Roberto sorriu e Dante retribuiu apenas por educação.

***
Montenegro lia as notícias em seu iPad, quando Lino pigarreou. Ele odiava ser interrompido e seu
braço direito sabia bem disso. Então se ele o estava fazendo é porque era algo sério.
— Desculpa incomodar, senhor, mas a visita… bem, ela anda dando trabalho.
Charles ergueu a sobrancelha.
— Que tipo de trabalho?
— Se recusa a comer, tentou atacar a empregada que foi levar o almoço…
— Deixa a visita com fome então.
— Assim ela vai morrer, senhor. Já tem três dias que não come nem bebe água.
— Me leve até lá.

Alguns minutos depois, Lino estacionava o carro diante do galpão. O mesmo processo de
reconhecimento foi feito antes que a porta se abrisse e Montenegro entrasse. Quando entrou, ergueu
os óculos escuros e caminhou em direção ao quarto onde a visita estava, seus homens o observaram.
— Como está a temperatura lá dentro?
— Agradável senhor, sendo mantida a vinte e três graus.
— Desligue.
— Mas senhor…
— Não me questione Lino, apenas desligue a merda do ar-condicionado.
— Tudo bem.
— Vamos ver se assim, nossa visita não vai beber água.
Montenegro deu um sorriso torto e debochado antes de digitar a senha e entrar no quarto. A
temperatura do lugar estava agradável, o lugar com o cheiro de limpeza e frescor, e a visita sentada
na cama, com os braços cruzados o encarando com os olhos apertados.
— Ora, ora, não me olhe assim. Isso aqui é melhor que hotel cinco estrelas. Hotel nenhum mantém
o quarto tão asseado.
— Que merda você quer? Vai me matar ou me soltar?
— Eu? — Charles arregalou os olhos — Eu não quero nada. Apenas que você se comporte, se
alimente e não dê trabalho aos meus homens.
— Se queria um cãozinho por que não comprou um.
Montenegro deu uma gargalhada.
— Pelo menos você não perdeu seu senso de humor.
— Se quer me matar, estou facilitando pra você.
— Acha que se eu quisesse matar você, já não teria feito?
Fez-se um momento de silêncio que foi quebrado por batidas na porta.
— Senhor, desculpa incomodar, mas é importante.
— Estou indo, Lino. — Montenegro disse antes de se virar para a visita — Já volto para
terminarmos essa emocionante conversa.
Charles saiu do quarto e quando encarou Lino, percebeu que algo estava muito errado.
— O que houve?
— É Dante, Laura está encrencada… — ele repassou a Montenegro tudo que o advogado tinha
falado e quando ele acabou de falar o olhar dele queimava.
Ele pegou o celular e discou um número particular e não demorou muito até que a pessoa do outro
lado atendesse.
— Roberto, é Montenegro. Que merda está acontecendo, como você permitiu que minha filha
fosse para a solitária?… Porra, seis dias! Você só pode estar brincando… Drogas?! Isso é ridículo…
Tire-a de lá imediatamente… Eu estou pouco me fodendo para suas regras, diretrizes e o cacete a
quatro, tire minha filha da solitária, não se esqueça com quem está falando… Ótimo, e Roberto… se
eu não tiver notícias da minha filha e notícias boas em até 24 horas, vou mandar meus rapazes darem
um alô àquela gracinha da sua filha… Não me venha com choradeira, é uma filha pela outra…
Certo… O advogado dela está aí, atenda-o e faça o que ele disser.
Antes que o homem pudesse responder, Montenegro desligou e encarou Lino.
— Que merda está acontecendo? Drogas?
— Também achei estranho, senhor, acredito que tenha sido implantado lá.
— Aquele Goulart, o primo, ele está por trás disso e eu já dei folga demais a ele. Vá descobrir o
que puder sobre ele, Lino, e não me volte aqui sem respostas.
— Tudo bem, senhor.
— Preciso descobrir se ele tem algum ponto fraco.
— Já averiguei algumas coisas, senhor. A única família são os primos. A mãe já faleceu e ele mal
tem contato com o investigador.
— Alguém que ele goste?
— Achamos que ele e a chef pudessem ter alguma coisa...
Montenegro se aproximou de Lino e o encarou com os olhos carregados de ira.
— Não te pago para me trazer informações inúteis. Se a árvore não tem frutos para esmagarmos,
arranque ela pela raiz.
— Sim, senhor.
Montenegro apenas assentiu e se afastou, voltando para dentro do quarto. Sua visita estava no
mesmo lugar, na mesma posição e com o mesmo olhar desafiador, o que só serviu para deixá-lo ainda
mais irritado.
— Vou falar apenas uma vez, — ele disse, sem a falsa educação de antes — se alimente e se
comporte. Talvez você vá sair daqui antes do que esperávamos.
— O que mudou?
— Não é da porra da sua conta. — Montenegro se virou e saiu batendo a porta.

***
Quantos dias haviam se passado?
Laura não sabia dizer. Não sabia se era dia ou noite. Se estava frio ou calor. Se os dias estavam
chuvosos como ela gostava, ou ensolarados. Tudo que ela sabia era que a cada segundo que ela
passava trancafiada naquele lugar, era como se sua sanidade se esvaísse. Ela já não sentia fome, nem
medo. Seus olhos haviam se acostumado com o escuro e ela tinha a impressão de vez ou outra ver
alguém ali com ela, mas quando ela chamava, quem quer que fosse, desaparecia. Sua mente já estava
lhe pregando peças.
Quando a porta da solitária se abriu, seus olhos se fecharam. A claridade a incomodou e fez suas
retinas doerem.
— Vamos princesa, papai mais uma vez livrou sua cara. — a guarda bateu com o cassetete na
porta de ferro — Vamos ver até quando isso vai durar.
Laura teve dificuldade de levantar, sentia-se fraca. Suas pernas estavam bambas, mas sair dali era
tudo que ela mais queria, então ela reuniu suas últimas forças e se levantou.
Cambaleando, ela caminhou até a porta, mas em vez de seguirem para o conjunto de celas, foram a
caminho dos vestiários.
Assim que ela entrou, viu que seus produtos de higiene estavam colocados em um banquinho de
cimento diante do único box com chuveiro quente do lugar. Ao lado dos produtos havia também uma
muda de roupa limpa, pente e escova de dentes.
Laura ficou tempo demais debaixo da água, como se pudesse lavar aquele cheiro fétido da
solitária, agora impregnado na sua pele e cabelo. Depois de se esfregar algumas vezes e lavar o
cabelo outras tantas, ela finalmente se sentia limpa. Escovou os dentes tantas vezes quanto necessário
até sentir sua gengiva doer de tanto esfregar, e quando terminou, se secou e vestiu a roupa limpa.
— Venha, princesa, você ainda não vai para sua cela.
— Não?
— Não, hoje você vai jantar em área vip. Tem um banquete esperando por você na sala do diretor.

Alguns minutos depois, Laura entrava na sala do diretor da penitenciária.


Roberto estava de pé diante da mesa improvisada de jantar, sem o blazer do terno, com as mangas
da camisa dobradas e com um sorriso que ela não conseguia decidir se sentia medo ou nojo. Ou os
dois. Ele parecia um tubarão prestes a atacar a presa, que nesse caso era ela.
Laura estremeceu, mas colocou seu melhor sorriso no rosto e caminhou na direção dele.
— Sente-se, por favor. — ele puxou a cadeira para que ela se acomodasse. — Está melhor?
— Sim, obrigada. — Laura não tinha nascido ontem, sabia que ser cordial com aquele homem
asqueroso lhe traria benefícios. — Um bom banho é revigorante.
— Concordo. — ele se sentou na outra extremidade da mesa e esticou o guardanapo antes de
colocá-lo preso no colarinho, como um bebê que precisava de um babador.
Laura sentiu vontade de sair correndo, mas sorriu e pegou seu guardanapo, colocando sobre seu
colo antes de pegar o copo de água diante dela e dar um grande gole.
— Sabe, eu quero que saiba que não tive nada a ver com a sua ida para a solitária… — Roberto
começou a falar enquanto se servia — eu não teria permitido.
— Mesmo depois de encontrarem a droga na minha cela? — ela olhava a comida sem saber
exatamente o que comer.
Na verdade ela não queria comer nada dali, mas sabia que era necessário, então pegou um pouco
de salada, legumes e um pedaço de frango.
— Seu pai me garantiu que você não tinha nada com isso. Ele e eu, você sabe, somos bem
próximos, quase amigos.
Bingo!
Laura disfarçou uma careta. Chegaram no ponto da conversa que ele queria e que ela já esperava.
Todo aquele circo montado apenas para isso. Tocar no nome de Montenegro e com isso obter
benefícios, financeiros, claro.
— E você, como é um cara mega esperto, acreditou nele, certo? — ela forçou outro sorriso.
— Lógico que sim, seu pai é um homem de fibra, de caráter. Eu jamais colocaria a palavra dele
em dúvida.
— É claro. — ela olhou para seu prato e começou a comer.
Durante todo o jantar, o homem a bajulou nunca deixando de tocar no nome do seu pai, e ela já
estava ficando realmente irritada. Mas como sempre, manteve sua pose e aguentou até que no final do
jantar, antes de chamar a guarda que a conduziria até a cela, Roberto se aproximou. Ele parou de pé
diante dela e Laura sentiu vontade de vomitar.
Quando foi a última vez que esse porco tomou banho? — ela pensou enquanto sorria para ele.
— Nós agora também somos amigos. — ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da sua
orelha e sorriu. Tinha um pedaço de alface preso no dente e Laura sentiu vontade de gargalhar — Se
precisar de alguma coisa, qualquer coisa, é só me chamar.
— Obrigada, Roberto. — ela colocou a mão no braço suado dele e acariciou — Fico feliz que eu
possa contar com você e meu pai também vai ficar feliz de saber.
Quando a guarda bateu na porta, Laura revirou os olhos e agradeceu aos céus, porque assim ela
pôde se afastar daquele homem asqueroso e voltar para sua cela.
Capítulo Quatorze

Wagner colocou sua mochila nas costas, seguiu para a garagem e pegou sua moto de 600
cilindradas, montando na máquina antes de sair. O dia ainda estava escuro e ele sabia que o sol
demoraria a nascer, o que lhe daria um bom tempo. Precisava começar a estudar a próxima pessoa
que ele iria interrogar. Estava ficando cansado daquilo. Laura tinha conseguido se livrar da solitária
antes do tempo. Ele contava com a insanidade dela para tentar obter informações sobre Montenegro.
Por mais que ela realmente pudesse não saber onde ele estava, alguma informação pertinente ela
deveria ter.
Ele já tinha tentado o advogado também, mas o cara era esperto. Comprava chip pré-pago toda
semana, depois os descartava queimando a coisa. No celular pessoal dele não tinha nada que pudesse
ligá-lo a Montenegro. O pagamento dos honorários dele eram feitos por um tal Natalino da Silva.
Wagner riu.
Era quase maldade um nome desses. — ele pensou, enquanto acelerava sua moto.
A madrugada estava fria, mas sua roupa de couro preta e seu capacete não permitiam que ele
sentisse muito o ar gélido e quanto mais ele acelerasse, mais rápido chegaria a Curitiba.
Ele tinha sorte também do dossiê não ter vazado. Claro que ele contava com isso, sempre contou,
mas sabia que seu primo Gabriel faria o possível e o impossível para manter aquelas informações em
sigilo. O fato de ele ter insinuado que isso poderia estar acontecendo, era apenas para tirar ele do
foco de suspeita, e assim, continuar seu trabalho.
Sua promessa!
Em determinado momento enquanto fazia uma curva fechada, percebeu que um carro se
aproximava dele, rápido demais. O carro nunca seria capaz de alcançá-lo se ele acelerasse mais. Sua
moto era praticamente um “avião”.
Wagner acelerou e seguiu pela estrada alguns minutos, percebendo pelo retrovisor o carro sempre
ao seu encalço.
Quando ele se aproximou do túnel, acelerou ainda mais. Se pudesse atravessar rapidamente,
depois que passasse da saída, poderia despistar o carro. Mas quando chegou na metade do túnel,
percebeu que um carro vinha na contramão. Ele freou a moto e parou de lado, pensando em fazer o
retorno, mas o outro carro havia fechado a entrada do túnel. Wagner se viu encurralado entre os dois
carros. O que estava seguindo ele nos últimos minutos estava parado com os faróis acesos e fazendo
o ronco do motor ecoar por toda galeria, enquanto o outro se aproximava cada vez mais rápido.
Estou ferrado! — ele pensou.
Sabia que seria foda sair dali, mas não podia ficar esperando. Então seguiu na direção do carro
que estava parado, mas assim que a moto começou a andar o carro veio em sua direção. O carro que
estava atrás da moto de Wagner se aproximando cada vez mais.
Ele ia seguir no centro do túnel e quando se aproximasse do carro, desviaria e os dois
provavelmente se chocariam.
Mas para o azar de Wagner, não foi isso o que aconteceu.
Quando ele se aproximou o suficiente, o carro deu um cavalo de pau, virando de lado e fechando
o túnel. Antes que ele pudesse fazer a volta, o carro que o perseguia bateu em sua moto, fazendo a
coisa empinar e rodopiar antes de jogar Wagner a cinco metros de distância, fazendo seu corpo se
arrastar por mais um metro e sua cabeça se chocar contra a parede do túnel.
Antes mesmo do impacto contra a parede, a dor lancinante já o tinha feito perder os sentidos e se
entregar a escuridão.
O homem do carro que havia dado um cavalo de pau saiu do banco do motorista e foi até o corpo
de Wagner. Ele chutou sua perna em carne viva e como ele sequer gemeu ou se mexeu, o homem
pegou o celular no bolso.
— Serviço feito. — antes da resposta do outro lado ele desligou e colocou o celular no bolso,
depois entrou no seu veículo e foi embora, assim como o outro motorista.

Os olhos de Wagner estavam pesados e ele não conseguia abri-los. A dor em sua perna fazia a bile
em seu estômago revirar. Sua cabeça latejava como se martelos batessem nela ritmadamente.
“Pressão caindo, vamos perdê-lo” ouviu alguém dizer.
Ele estava em um hospital? Como tinha ido parar ali? — ele pensou antes de sentir a escuridão
engoli-lo novamente.

***
Diego andava de um lado para o outro na sala de espera. Desespero era pouco para o que ele
estava sentindo. Ninguém sabia dizer exatamente quanto tempo Wagner ficou desacordado naquele
túnel sem socorro. Duas, três horas até que um carro passou e chamou a ambulância? Não tinha como
saber. E agora, já passavam de cinco horas que ele havia entrado para o centro cirúrgico e ainda
assim, nenhuma notícia.
Quando o hospital ligou para seu celular, para avisar, ele mal acreditou. Pegou a chave do carro e
sequer se lembrava de como tinha ido parar lá. Estava tão desnorteado que só depois que já estava
no hospital, que percebeu que havia esquecido o celular em casa.
Por sorte a recepcionista tinha permitido que ele fizesse uma ligação, e ele conseguiu falar com
Leandro, que àquela altura já estava a caminho do hospital.
Diego se sentou e colocou os cotovelos apoiados nas pernas, a cabeça sobre as mãos e desabou.
Não aguentava mais aquela espera.
E se Wagner morresse? — ele se perguntava.
Ele não sabia o que iria fazer da sua vida. Não queria e não podia sequer considerar aquela
possibilidade. Estar sozinho no mundo novamente, sem ninguém que gostasse dele realmente. E os
fantasmas da sua infância de merda começaram a assombrá-lo, mas rapidamente ele tratou de afastá-
los. Não podia perder a esperança. Wagner era forte, determinado. Não era um acidente que ia
acabar com ele. Além do mais, além do seu brother, ele tinha Leandro.
Quando Diego sentiu uma mão sobre seu ombro, respirou fundo. Só pelo perfume sabia que era
seu namorado e sem levantar a cabeça segurou na mão dele enquanto ele se sentava ao seu lado.
— Alguma notícia?
— Nada ainda.
— Que droga!
— Mais de cinco horas.
— Vai dar tudo certo. — ele apertou a mão de Diego e puxou a cabeça do namorado para seu
ombro, antes de começar a acariciar.
— Se Deus quiser.
Os dois voltaram a ficar em silêncio enquanto esperavam.

***
Camila estava em casa preparando seu café da manhã, quando uma sensação de calafrio fez seu
estômago revirar. Foi algo tão cru, tão intenso que ela deixou a caneca de chá que estava em sua mão
cair. Não era do tipo supersticiosa, mas definitivamente aquilo era um aviso.
Mas um aviso de quê?
Depois de colocar as fatias de pão na torradeira, virou-se para ir em direção à sala pegar seu
celular, mas quando estava no corredor, a campainha tocou fazendo Camila dar um pulo de susto.
Droga! — ela resmungou.
Camila caminhou até a porta e quando olhou pelo espelho mágico, viu Lucas parado diante da sua
porta com uma sacola de papel nas mãos e ela não pôde evitar sorrir.
O sorriso que ele exibiu ao vê-la fez Camila esquecer momentaneamente a sensação ruim que
tinha tomado conta dela momentos antes.
Assim que Lucas passou pela porta, Camila a fechou e ele a puxou segurando sua cintura.
— Bom dia. — ele a beijou — Trouxe café da manhã.
— Me diz que você trouxe algo doce. — ela sorriu esperançosa.
— Claro que trouxe. — ele tirou um saco de rosquinhas do saco maior e entregou a ela — Bastou
que você dissesse uma vez o quanto gostava, pra eu não esquecer mais.
— Onde você se escondeu esse tempo todo e como está solteiro? — ela o beijou — Você é uma
raridade.
— Sou um cara exigente e estava à espera da pessoa certa. — ele a acompanhou até a cozinha —
Além do mais estou tentando mudar isso de ser solteiro e…
Antes que ele terminasse de falar, viu os cacos da caneca no chão. Camila estava parada perto
dele, olhando para o mesmo ponto.
— Eu já volto. — ela disse colocando o pequeno saco de rosquinhas sobre a mesa e se afastando.
Lucas assentiu e a observou sair.
Camila pegou o celular na sala e caminhou até o quarto. Primeiro discou o número da irmã, mas já
sabia o que ia acontecer. Ela não atenderia. Apenas responderia algum tempo depois, mas
sinceramente, naquele momento ela esperava que ela atendesse. Estava preocupada e aquela
sensação ruim só servia para deixá-la ainda mais estressada.
Depois que Márcia não atendeu, ela enviou uma mensagem pedindo que ela retornasse o mais
rápido possível, explicou brevemente o que estava acontecendo e depois discou outro número.
— Oi, Nique. — ela disse quando Monique atendeu do outro lado da linha e colocou a coisa no
viva-voz. Sua mão estava suando muito.
— Oi, Ca, tudo bem?
— Sim e com você e o bebê?
— Estamos bem. Ele tá mexendo cada vez mais. Estou doida pra saber o sexo.
— Estou ansiosa também. — Camila sorriu fracamente enquanto caminhava até a janela —
Gabriel está em casa?
— Não. Aconteceu alguma coisa?
— Só uma sensação estranha. Eu queria saber se ele conseguiu o que eu pedi.
— Acho que não, ou ele teria te ligado, mas Ca… Ele vai conseguir, se ele disse que vai, pode
confiar.
— Eu confio, amiga, eu confio. — ela respirou fundo — Eu tenho que ir, Lucas está me esperando.
Nos falamos mais tarde, tá bem?
— Tudo bem, beijos.
— Beijinhos.
Quando Camila chegou na cozinha, Lucas estava abaixado catando os cacos de cerâmica da
caneca. Ele já havia tirado as torradas da torradeira e preenchido o utensílio com mais duas fatias de
pão. Ela sorriu! Lucas era muito atencioso, carinhoso, e a cada momento que ela passava com ele, se
sentia mais compelida a realmente assumir um relacionamento.
— Ei, podia deixar que eu ia catar isso, mas obrigada. — ela disse enquanto pegava uma vassoura
e uma pá.
— Não me custava ajudar e — ele a encarou e sorriu — de nada.
Quando terminaram de limpar o chão, finalmente se sentaram para tomar café. Camila e Lucas
entraram em uma conversa descontraída o que a fez, mais uma vez, esquecer a sensação ruim.
Depois que terminaram o café, ele ofereceu carona a ela até o hortifrúti da cidade, antes de seguir
para o haras.

***
Algumas horas depois, o bip das máquinas de monitoramento despertaram Wagner. Sua perna
latejou assim como sua cabeça. Pareciam que as duas estavam pulsando em sintonia o que o fez dar
um gemido de dor.
Quando ele abriu os olhos, se deparou com Diego, que estava com um semblante preocupado e
visivelmente cansado.
— O que você está fazendo aqui?
— Oi pra você também. — Diego disse sorrindo fracamente.
— Você está horrível, devia estar em casa descansando.
— Eu estou horrível? — ele agora sorriu largamente — Devia ver você. Parece que foi
atropelado por um caminhão.
— Foi um carro, na verdade.
— Como se sente?
— No paraíso. — Wagner fez uma careta — Com dor pra cacete, lógico.
— Bem feito. — Diego disse e Wagner arregalou os olhos — Cansei de falar pra não correr tanto.
— Ok, “papai”, sermão essa hora não adianta muito. Além do mais, eu não estava correndo, eu…
— ele parou de falar. Do que adiantaria explicar? Ele não poderia falar sem entrar em maiores
detalhes então ele apenas encolheu os ombros — Me diz que tem uma enfermeira muito gostosa
cuidando de mim.
— Sinto muito. — Diego sorriu — É enfermeiro.
— Quê? Por quê? — ele realmente parecia decepcionado.
— Bom, resumindo, as enfermeiras começaram a discutir porque todas queriam vir cuidar do
paciente do quarto 201, então para acabar com a briga, a direção do hospital decidiu que apenas
enfermeiros cuidariam de você.
Wagner revirou os olhos.
— Isso só pode ser castigo.
— Vamos, não reclame. O que você faria com a perna desse jeito.
Só então Wagner puxou o lençol e olhou as próprias pernas.
Apesar de estar enfaixada, ele podia ver a mancha avermelhada por baixo do tecido da atadura. A
dor voltou a incomodá-lo intensamente, fazendo com que ele se remexesse desconfortavelmente.
— O médico deve vir falar com você. Tiveram que colocar uma placa de titânio na sua perna,
houve múltiplas faturas e também você estava com um coágulo na cabeça. Por sorte estava de
capacete ou teria morrido.
— E o que exatamente isso significa?
— Que você vai ficar no mínimo dois meses de molho.
— Não mesmo! Não posso ficar tanto tempo preso em casa.
— Wagner.
— Sem essa de “Wagner”. Eu tenho um serviço pra continuar, algo que não pode esperar tanto
tempo.
— E como vai fazer? Não pode andar.
— Vou dar um jeito.
Os dois permaneceram em silêncio durante um tempo.
— Vá para casa. — Wagner disse — Estou bem, Dig, coma alguma coisa, tome um banho e durma
um pouco. Sei que está aqui desde que te avisaram.
— Não estou cansado.
— Dig, por favor. — Wagner disse impaciente — Valeu por ter ficado aqui até agora, mas eu
estou bem. Você sabe disso.
— Certo, mas eu vou voltar amanhã.
— Eu sei que vai. — ele sorriu — Meu celular?
— Não me entregaram. Só me deram seus documentos e a chave da moto.
— Então antes de você vir amanhã, localiza minha moto e me arruma um celular novo.
— Pode deixar.
— Obrigado, Dig.
Os dois apertaram as mãos e Diego saiu. Logo em seguida a porta abriu e um homem de jaleco
entrou. Depois de se apresentar como médico, ele começou a explicar a Wagner o que tinha
acontecido com ele, como a perna dele havia arrastado pelo asfalto e queimado, como havia
quebrado e o que eles fizeram, mas a verdade era que ele não estava nem um pouco interessado
naquilo. Ele só conseguia pensar no quanto ele estava ferrado com toda aquela situação. Aquele
acidente, nada acidental, iria atrapalhar seus planos. Ficar em casa impossibilitado de andar estava
fora de cogitação, mas o que ele podia fazer?
— Então se tudo der certo, você recebe alta em quarenta e oito horas e poderá ir para casa.
— Beleza. — ele respondeu automaticamente, mas sequer encarou o médico.
— Se sentir muita dor, aperte esse botão e o enfermeiro virá te dar remédio.
— Ok.
Se sentir dor? — ele pensou — A porra parecia que estava arrastando no asfalto de novo.
Mas ele não ia dar o braço a torcer nem se entregar àquilo. Precisava arquitetar um plano para
agir, mesmo sem poder fazer muita coisa.
Pelo menos tempo ele tinha de sobra. Então fechou os olhos e começou a pensar no próximo
passo.
Capítulo Quinze

Wagner estava com um péssimo humor. Nem ele mesmo estava se aguentando. Primeiro porque
demorou mais a sair do hospital do que o esperado. Segundo porque ele ia definitivamente depender
dos outros e isso não era algo que ele aceitava. Só a ideia já o deixava nervoso e agora ele estava
entrando em casa, sentado em uma cadeira de rodas que era empurrada por Diego.
Esse por sinal estava se mostrando mais amigo do que Wagner poderia sequer imaginar. Ele o
visitou no hospital todos os dias, fez tudo que Wagner pediu sem sequer questionar. Agia como um
verdadeiro irmão. E enquanto estava com ele no hospital, conversavam amenidades e,
principalmente, estava sempre preocupado em saber como Wagner se sentia. E naquele dia da sua
alta, fez questão de ir buscá-lo.
Assim que entraram no quarto, Diego ajudou Wagner a se deitar na cama e depois de colocar o
frigobar ao alcance das mãos dele, se despediu.
— Tenho que ir pra faculdade, mas se precisar de alguma coisa, pode me ligar que eu venho.
— Obrigado brother, mas vou ficar bem. Tenho tudo que preciso aqui. — ele apontou para o
notebook, para o celular e a cadeira de rodas que o levaria até o banheiro caso ele precisasse. Além,
é claro, do frigobar recheado de comidas e bebidas.
— Tem certeza que não quer contratar uma enfermeira? Acho que você deveria repensar sobre
isso e…
— Não! — ele disse encarando Diego seriamente — Não quero ninguém estranho aqui dentro.
— Mas…
— Eu disse não, Diego!
— Tudo bem. — ele disse, se dando por vencido.

Assim que Diego saiu, Wagner pegou o celular e começou a digitar rapidamente. Depois virou-se
para o notebook e acessou um programa de rastreamento, diante da tela ele teclou alguns números.
Não demorou muito para aparecer a imagem de uma casa. Uma nova senha foi digitada em seguida e
ele começou a controlar a câmera.
Era de última geração, bem posicionada. Ele podia praticamente ver dentro da casa do homem,
através das janelas.
Um menino com pouco mais de cinco anos estava brincando com alguns carrinhos, enquanto o
homem assistia ao noticiário local.
Digitando mais alguns códigos, a imagem na tela mudou e apareceu uma mulher magra e com os
cabelos presos enquanto preparava a refeição.
Wagner passou o dia observando aquela casa, anotando os horários de entrada e saída de cada
morador. Ele gostava de fazer isso pessoalmente, assim verificava aonde eles iam, onde almoçavam,
que lojas frequentavam. Cada passo, cada detalhe era importante. Mas naquele momento ele teria que
se contentar com as câmeras da residência. Por sorte ele foi esperto suficiente para instalá-las
semanas atrás.
Ele não se deu conta quando anoiteceu e Diego entrou no quarto, trazendo um saco de papel com o
logo do fastfood.
— Prometo que amanhã vou providenciar uma comida decente, mas hoje só deu pra arrumar isso.
— ele entregou o saco a Wagner.
— Isso está perfeito. — ele pegou a sacola e colocou de lado.
— Não está com fome?
— Não.
Wagner respondia sem tirar os olhos da tela do computador.
— Wagner… — Diego chamou e quando ele não desviou o olhar da tela, chamou novamente —
Wagner.
— Que? — ele finalmente o encarou, e só então percebeu que ele tinha um corte na boca — Que
diabos aconteceu com você?
— Um homem me abordou hoje no intervalo da faculdade, quando fui almoçar, me fez algumas
perguntas estranhas e quando eu não respondi, ele ficou nervoso, agressivo.
— Porra! — Wagner segurou a mão de Diego e o puxou mais para perto examinando-o,
procurando por mais ferimentos.
— Calma, eu estou bem, precisava ver o outro cara… — ele riu.
— Isso não é engraçado.
— Na hora não foi, mas agora até que é.
— E que perguntas exatamente ele fez?
Diego o encarou e se levantou, enquanto coçava atrás do pescoço. Ele fazia isso toda vez que
estava nervoso ou ansioso.
— Wagner, eu não sou burro. Venho prestando atenção em você há algum tempo. Vi como você
mudou nesses últimos meses, desde que seu primo morreu, e eu sei que apesar de ficar triste por isso,
não foi a morte dele que causou isso em você, ou pelo menos, não foi só a morte dele. Eu te dei
espaço, não fiz perguntas, não pressionei, mesmo quando ouvi você falando sozinho. Falando coisas
assustadoras às vezes, mas agora chega.
Wagner arregalou os olhos e abriu a boca para falar, mas Diego apenas levantou a mão.
— Espere eu terminar, por favor. — Wagner assentiu e ele continuou — Sei que você não vai me
contar tudo e nem precisa, sério, mas você sofreu um acidente suspeito, não quer estranhos aqui,
mesmo precisando de ajuda, e esse homem hoje me fazendo perguntas, sei que tem algo errado. Então
se você quiser saber exatamente que perguntas ele me fez, vai ter que me contar alguma coisa.
Qualquer coisa, mas eu não posso ficar no escuro. Se você não tivesse me ensinado a lutar, talvez o
cara não tivesse levado a pior. Mas ele ainda podia estar armado. Não quero correr risco porque
você tá me deixando no escuro, bro.
Wagner ouviu atentamente enquanto Diego falava. Ele estava certo. Uma coisa era não dizer o que
ele pretendia fazer, mas outra coisa era deixá-lo totalmente no escuro. Isso era perigoso,
principalmente agora.
— Guilherme morreu por minha causa. — ele disparou e Diego arregalou os olhos antes de sentar
na beirada da cama, como se tivesse levado um soco no estômago.
— Como assim por sua causa?
— Indiretamente. — Wagner fechou a tela do notebook e respirou fundo — Ele e Gabriel me
pediram pra fazer uma investigação e eu estava trabalhando nisso. Era minha obrigação saber o que
estavam armando para ele. Era minha obrigação! — ele alterou a voz e socou a cama.
Diego entendeu agora a mudança brusca no comportamento dele. Não via a coisa da mesma forma.
— Mas se esconderam de você…
— Não importa. Que merda de investigador sou eu que permiti que me ocultassem algo?
— Você é bom, mas não é perfeito.
— Não sou e isso custou a vida do meu primo.
— Agora eu entendo por que você ficou tão… diferente.
Eles ficaram alguns segundos em silêncio, antes de Wagner falar:
— Eu fiz uma promessa diante do caixão dele, que ia punir todos os envolvidos. E venho
trabalhando nisso, quero o chefão deles. Mas parece que ele me achou, e agora você corre perigo. —
ele encarou Diego que pôde ver naqueles olhos azuis, toda sinceridade daquelas palavras — Não
posso permitir que algo aconteça a você.
— Nada vai me acontecer. — Diego disse com convicção — Na verdade o cara mais parecia um
repórter que estava atrás de algum furo. Ele não sabia que eu conhecia você, ou pelo menos não tinha
certeza, só disse que me via no hospital todos os dias e que me viu entrando no seu quarto uma ou
duas vezes.
— Mas que perguntas ele fez?
— Se eu conhecia você, qual era a relação que tínhamos, por que eu te visitei, se eu sabia que
você era o cara mais rico de Matinhos. Perguntas aleatórias, mas estranhas. O cara parece saber um
pouco de você e nada ao mesmo tempo.
Wagner assentiu e permaneceu quieto um tempo, antes de pegar o saco de papel e tirar o
hambúrguer e o pacote de batatas lá de dentro.
Enquanto comia, Diego falou mais algumas coisas e os dois começaram a conversar, mas no meio
do assunto ele percebeu que a cadeira estava exatamente no mesmo lugar que ele havia deixado.
— Você não levantou da cama pra nada?
— Só pra ir ao banheiro. — Wagner disse antes de dar uma mordida no hambúrguer.
— E como você foi, sem a cadeira?
— Eu usei a cadeira.
— Ela está no mesmo lugar
— É, eu que coloquei aí.
— Impossível.
— Ok, eu fui pulando, tá? Isso de cadeira me dá nos nervos, não fiquei inválido.
— Temporariamente, você precisa. Ouviu o que o médico disse, se você colocar o pé no chão…
— Relaxa, Dig, não coloquei o pé no chão, até porque essa merda ainda está doendo pra cacete.
— Não tenta, até o médico disser que pode.
— Ok, papai.
— Para com essa porra. — Diego pegou uma batata e jogou nele.
— Obrigado. — Wagner pegou a batata e comeu — Joga mais e fica sem nenhuma, otário.
Os dois começaram a rir e depois que terminaram de comer, Diego recolheu as coisas e seguiu
para seu próprio quarto.
Assim que ele saiu, Wagner ligou para um amigo de longa data, que lhe devia alguns favores.
— E aí, mano… Sim, é, sofri sim, mas logo, logo vou estar pronto para outra… Escuta, preciso de
um favor… preciso de homens qualificados, os melhores, para segurança… no mínimo cinco…
amanhã cedo na minha casa… valeu cara… te passo o endereço por SMS.
Ele desligou.
Não permitiria que ninguém mais se machucasse por sua causa.
A conversa que teve com Diego sobre o tal “repórter” não levantou muitas suspeitas. Não era a
primeira vez que seu nome aparecia em um jornal e claro que aquele acidente deve ter chamado
atenção de algum jornalista, ainda assim, era melhor ele tomar as devidas precauções,
principalmente agora que ele estava impossibilitado de agir com as próprias mãos. Além do mais
havia a questão de como o cara tinha chegado até Diego.

Na manhã seguinte, Diego bateu na porta do quarto, acordando Wagner.


— Oi… — ele respondeu sonolento — Aconteceu alguma coisa?
Diego colocou a cabeça para dentro do quarto.
— Tem um tal de Raul, com mais quatro armários lá no portão, dizendo que tem uma reunião com
você.
— Certo, peça para entrarem. Eu só vou ao banheiro lavar a cara.
— Está acontecendo alguma coisa?
— São só uns amigos, Dig, não esquenta.
— Certo.
Diego saiu e Wagner se levantou, mais uma vez ignorando a cadeira de rodas. Foi pulando até o
banheiro totalmente indiferente a dor que latejava na sua perna a cada pulo. Quando retornou ao
quarto, sentou-se na cama e cobriu a perna com um lençol e abriu a tela no notebook. Observou no e-
mail que seu amigo havia mandado o nome e antecedentes de cada homem que ele tinha enviado para
sua casa e poucos minutos depois ligou para Diego e pediu para que ele levasse os homens até lá.
O primeiro a entrar foi o tal Raul. O cara quase precisou abaixar a cabeça para passar pela porta.
Mais parecia um armário de tão alto e musculoso. Wagner não era um cara baixo, mas se estivesse
em pé, precisaria levantar a cabeça para encarar o cara. Ele era ex-fuzileiro, mas pela postura, corte
de cabelo e olhar, não parecia ter abandonado o posto nunca.
— Bom dia, Raul, sou Wagner. — ele estendeu a mão e o homem caminhou até ele para
cumprimentá-lo.
— Bom dia, senhor.
— Primeiro, sem essa de senhor. Me chame pelo meu nome.
— Copiado.
— Segundo, de acordo com o César, você conhece os demais homens aí fora, estão acostumados a
trabalhar juntos, certo?
— Positivo, sen… Wagner. Somos uma equipe.
— Perfeito, assim eles estarão acostumados com a sua ordem. A situação é a seguinte. Preciso que
você e seus homens ajam discretamente. Um de vocês vai seguir esse rapaz. — ele pegou uma pasta e
entregou ao homem — Ele mora aqui e é como um irmão pra mim, mas eu não quero que ele saiba
que está sendo seguido.
— Isso é perfeitamente possível.
— Excelente. — ele pegou outra pasta — A segunda pessoa a seguir é essa moça. Ela tem um
restaurante e é imprescindível que ela esteja segura o tempo todo, mesmo que para isso vocês
precisem dar suas próprias vidas.
— Copiado.
— A terceira pessoa é essa senhora. — ele entregou uma pasta com informações sobre a mãe de
Gabriel, que apesar de ele não falar há muito tempo, era como uma segunda mãe para ele — Ela deve
ser a que menos dará trabalho, em todo caso, a quero segura.
— Você e o outro segurança ficarão aqui na casa, e quando eu puder sair, um de vocês irá me
acompanhar.
— Entendido.
— Eles se reportam a você e você a mim, sempre assim. A cada dois dias quero um relatório
sobre as pessoas que estarão protegendo e qualquer coisa diferente que aconteça, quero ser
informado imediatamente.
— Tudo bem, mais alguma coisa?
— César já me passou os dados de vocês, informações e o salário. Eu vou pagar trinta por cento a
mais do que vocês pedem, além de um seguro, caso aconteça algo a vocês.
— Isso vai deixar meus homens motivados, senh… Wagner.
— Beleza, era isso mesmo que eu queria, e qualquer coisa que precisarem, você pode me falar.
Dinheiro não é problema.
— Certo. Mais alguma coisa, senhor?
— Não, pode ir e quero seus homens começando o trabalho imediatamente.
— Claro. Vou só instruí-los.
— Beleza, Raul, pode ir.
— Senhor. — ele acenou com a cabeça e saiu.
Wagner pensou em adverti-lo, mas ele já tinha fechado a porta e ele precisava voltar a vigiar as
câmeras na casa da sua próxima “testemunha”.
Capítulo Dezesseis

Camila estava sentada com as pernas encolhidas sobre o sofá, apoiando nos joelhos uma xícara
de chá enquanto o celular ainda com a tela acesa descansava ao seu lado. A chuva forte batia no
vidro da porta que dava acesso a sua pequena varanda e os raios deixavam a noite ainda mais
sombria. Mas ela não podia culpar o mau tempo pelo seu estado de tristeza. Desde que teve aquela
sensação ruim há alguns dias que estava assim. Sempre tentando se distrair, e Lucas, claro, era parte
importante nisso, mas bastava se encontrar sozinha, como naquele momento, para a angústia voltar a
dominá-la.
Sua irmã havia lhe assegurado que estava bem, mandando uma mensagem no aplicativo que elas
usavam com frequência. Monique estava bem e o bebê, idem.
Sobrava Wagner, e claro que ela tinha tentado ligar, não só uma vez, mas várias. Só que a ligação
caía direto na caixa postal e ela tinha certeza que ele, mais uma vez, havia trocado de número. Ela se
arrependeu de não ter pegado o número de Diego, assim, por mais que ela não falasse diretamente
com Wagner, saberia através do seu irmão que ele estava bem. Mas se nem Gabriel sabia notícias
dele, quem dirá ela.
Quando um raio mais forte fez seu corpo estremecer, Camila pegou o celular e mandou uma
mensagem para Lucas. Sabia que com aquele temporal ele não conseguiria chegar até a casa dela,
mas pelo menos ficar conversando com ele, mesmo tarde da noite, faria bem a ela.
Camila sorriu.
Lucas era mesmo um anjo na sua vida. Mesmo com o horário de trabalho deles completamente
incompatíveis, ele estava sempre disponível, sempre pronto a ajudá-la, a ser a companhia que ela
precisava.
Enquanto conversava com ele, Camila adormeceu. Estava cansada e angustiada, mas conseguiu se
distrair.
O som da campainha tocando a tirou do sono. Camila levantou e antes de ir até a porta, verificou a
hora no celular. Passava um pouco das três da manhã. Ela franziu a testa e caminhou até a porta para
espiar no olho mágico quem era e se espantou ao ver Lucas parado ali do lado de fora.
Quando ela abriu a porta, ele sorriu.
— O que faz aqui essa hora?
— Percebi que você não estava bem e estava precisando de um ombro amigo.
— Mas o céu está desabando em águas. Como você conseguiu chegar aqui?
— Acredite, não foi fácil, mas o que importa é que eu cheguei. — ele olhou por cima do ombro
dela e depois a encarou — Estava dormindo no sofá?
— Como sabe?
— Bem, a xícara de chá ainda está ali e você atendeu a porta rápido demais.
— Acabei adormecendo enquanto conversávamos.
Lucas beijou a testa dela e fechou a porta atrás de si.
— Venha, vou te colocar na cama. — ele segurou a mão dela e a levou para o quarto.
Depois de ajeitar os travesseiros, ele fez Camila deitar. Depois livrou-se dos sapatos e da calça,
antes de deitar ao lado dela, envolvendo seu braço nela de forma que a cabeça de Camila ficou
apoiada em seu ombro, enquanto ele acariciava seu cabelo.
— Você não existe, sabia? — ela disse sorrindo, levantando o rosto para beijar Lucas.
— Existo sim e estou bem aqui.
Camila sorriu e fechou os olhos, pensando em como seria bom se ela fosse apaixonada por ele.
***
Wagner não aguentava mais aquela cadeira de rodas. Era demais para ele e naquela madrugada
quando ele sentiu vontade de aliviar a bexiga, se levantou ignorando totalmente as recomendações
médicas.
Fazia apenas três dias que ele tinha recebido alta e já estava saturado de ficar deitado entrevado
na cama. Então ele se levantou e quando apoiou a perna, mesmo que de leve, no chão, urrou de dor.
Era como se sua carne estivesse sendo queimada com água fervente. A fisgada que ele sentiu em seu
osso era como se agulhas estivessem sendo fincadas nele e imediatamente seu corpo caiu sobre a
cama, fazendo sua perna machucada bater sobre o colchão levando mais uma onda de dor tão intensa
percorrer seu corpo, que ele apagou.
Na manhã seguinte ele se sentia dolorido. Não sabia quanto tempo havia dormido, mas a dor ainda
estava ali, latejando na sua perna. E sem contar a vontade de ir ao banheiro que a essa altura havia
triplicado.
Sem hesitar ele puxou a cadeira de rodas e foi ao banheiro, mas aquela sensação de corpo moído
não diminuiu. Então quando voltou se jogou na cama, tomou um analgésico e fechou os olhos
voltando a adormecer alguns minutos depois.

***
Diego estranhou, que àquela hora, Wagner ainda não tivesse mandado uma mensagem. Tinha se
tornado um ritual manterem contato por mensageiros, uma vez que ele estava impossibilitado de ir e
vir. Quando ele ligou para Wagner e ele não atendeu, nem retornou, sabia que algo estava errado, mas
antes de deixar a faculdade e ir para casa, ligou para Raul. O cara disse que a casa estava tranquila e
silenciosa e que o patrão ainda não tinha chamado, nem mandado mensagem.
Aquilo estava muito errado.
Imediatamente, Diego recolheu suas coisas e saiu, indo direto para casa. Quando chegou viu que
Wagner ainda dormia, por um instante ficou aliviado, mas então verificou que a atadura que envolvia
sua perna estava manchada de sangue.
Diego se aproximou para acordá-lo. Precisavam trocar o curativo, mas quando ele colocou a mão
sobre o braço de Wagner, percebeu que ele estava fervendo. Imediatamente ele chamou Raul,
precisavam ir ao hospital. Ele ainda não tinha se acostumado com a ideia de ter um segurança, mas
naquele momento até que veio a calhar.
Quando eles mexeram em Wagner, ele gemeu e acordou.
— O que diabos vocês estão fazendo?
— Temos que te levar ao hospital, você está com febre.
— Me dê um antitérmico e está tudo certo.
— Ficou maluco? Você está com febre, não pode só tomar um remedinho. E se estiver dando
algum problema na placa na sua perna?
— Não quero saber. — ele grunhiu sentindo sua perna latejar de dor — Mas vocês estão
proibidos de me tirar da casa.
Ninguém sabia, mas entrar e sair daquela casa estava se tornando perigoso e isso poderia colocar
a vida de Diego em risco e isso ele não iria admitir. Depois de conversar com Diego e ele dar uma
descrição do cara que o abordou, percebeu que combinava com a descrição de um dos caras que
trabalhava para Montenegro.
Ele encarou Raul sério.
— Raul, entendeu? Ninguém me tira desta casa, ninguém, nem o Diego, estamos entendidos?
— Sim, senhor.
— Isso é um absurdo! — Diego jogou as mãos para o alto e reclamou, irritado — É a sua saúde
que está em jogo.
— É só uma febre, compre a merda do remédio e traga pra mim. — ele disse sentindo seu corpo
dolorido reclamar, então voltou a se jogar nos travesseiros e fechou os olhos.
Diego o encarou, furioso, mas não disse mais nada, virou as costas e saiu irritado.

Alguns minutos depois enquanto saía da farmácia, Diego encontrou com Leandro e o namorado
logo percebeu que ele não estava bem.
— O que houve?
— Wagner está queimando em febre, mas se recusa a ir ao hospital.
— Ele é adulto, Dig, se ele não quer, você não pode fazer nada.
— Ele é teimoso, cabeça dura, isso sim. Se eu pudesse arrastava ele à força.
— Mas você não pode. — Leandro disse impaciente.
Diego o puxou pelo ombro e fez com que ele o encarasse.
— Que foi isso? Por que está irritado?
— Não estou… é só que…
— Só o que?
— Você e o Wagner. — Leandro encolheu os ombros — Às vezes parece que você gosta dele mais
do que devia. Andei pensando até, que talvez, seja por isso que você nunca contou a ele sobre nós.
O que passou nos olhos de Diego, Leandro não sabia explicar, mas sabia que era algo ruim.
Diego respirou fundo e empurrou Leandro contra a parede o encarando seriamente.
— Presta atenção no que eu vou dizer, porque eu não quero que você repita uma sandice dessas.
— o olhar dele suavizou antes de continuar — Wagner é como um irmão mais velho. Ele me tirou das
ruas, me deu comida, estudo, educação, tudo que eu não tive nos primeiros anos da minha vida. Me
ensinou o que é o respeito, o que é ser um homem de bem. Ele pra mim é um pai. Você não ficaria
preocupado se seu pai ficasse doente?
— Claro que sim.
— Então não pense merda.
— Mas sobre nós…
— Pare de me pressionar com isso. Eu vou contar quando achar que devo. — Diego acariciou o
rosto do namorado e o beijou — Agora eu preciso ir. Ele precisa desses remédios e eu ainda quero
tentar convencê-lo a ir ao hospital.
— Tudo bem. — ele concordou, mas antes que Diego pudesse se afastar muito, o chamou de volta
— Espere. — Diego se virou e o encarou — Wagner tem dinheiro, por que você não vai ao hospital e
vê se o médico atende em casa? Assim ele seria examinado e claro, não sairia de casa.
Diego voltou andando rápido até ele e o beijou mais uma vez.
— Você é um gênio, por isso que eu te amo.
— Me ama? — ele perguntou com um sorriso bobo no rosto.
— Amo, achei que isso já tinha ficado claro. — os dois se encararam mais um minuto antes de
Diego se afastar — Agora eu vou, quero passar no hospital antes de ir para casa.

Quando Diego chegou em casa, Raul parou diante do portão o encarando e encarando o homem
que o acompanhava.
— Quem é ele? — o segurança perguntou sem cerimônia e Diego fez cara feia.
Estava tentando se acostumar com aquilo, mas ter que dar satisfação de quem ele levava em casa
ou deixava de levar, era demais até para ele que nunca foi um cara de se impor.
— Escuta aqui… — ele estufou o peito e encarou o segurança — esta casa também é minha e se
nem pro Wagner eu tenho que dar satisfação de quem eu convido ou deixo de convidar para vir aqui,
não é pra você que eu vou fazer.
— Mas eu tenho ordens…
— Tem ordens de proteger a casa, não de impedir que alguém entre. Se você trabalha para o dono
da casa, trabalha pra mim também e se eu digo que este homem vai entrar comigo, você vai sair da
porra da minha frente e ficar calado.
Raul bufou, mas sabia quem Diego era.
— Vou ficar de olho. — Raul disse antes de se afastar para dar passagem aos dois.
— Fique, porque esse é o seu trabalho. — Diego respondeu antes de entrar.
Quando passaram da porta da sala, ele virou para o médico e se desculpou pelo ocorrido.
Informou que o segurança era novo e que todos ainda estavam se adaptando.
Assim que entraram no quarto, Wagner continuava desacordado e dormindo. O médico estranhou e
se aproximou com sua maleta. Depois de medir a temperatura e verificar o ferimento, trocando o
curativo, ele colheu um pouco de sangue de Wagner.
— Ele forçou a perna?
— Não que eu tenha visto.
— Bom, eu precisaria levá-lo para tirar um raio-x e ver como está a placa, mas como você me
explicou que ele não quer sair daqui e aquele homem lá fora não vai permitir…
— Não vai.
— Então vou levar essa amostra de sangue junto comigo e volto amanhã para avaliar. Ele parece
estar com alguma inflamação, ou talvez seja o organismo dele rejeitando a placa, não é comum, mas
pode acontecer.
— E o que fazemos nesse caso?
— O ideal era que ele tivesse uma enfermeira 24 horas. Eu vou deixar a receita de um
medicamento para ele e um antitérmico. Caso seja necessário antibiótico, eu trago a receita amanhã
ou você pode pegar comigo no hospital.
— Certo, doutor. — Diego tirou um talão de cheques do bolso e preencheu com o valor que o
médico havia cobrado para atender Wagner em casa — Eu agradeço.
— Se ele piorar me avisa. — o médico entregou a Diego um cartão com o número dele.
— Tudo bem. Obrigado.
Depois que o médico saiu, Diego pediu os remédios na farmácia e fez Wagner beber. Ele estava
com quarenta graus de febre e isso foi o suficiente para fazê-lo delirar. Mais de uma vez ele repetiu o
nome de Camila e foi então que uma ideia lhe passou pela cabeça.
Ele tirou o celular do bolso e ligou para Leandro.
— Preciso de você. — ele disse quando o namorado atendeu.
Capítulo Dezessete

O prato que estava na mão de Camila espatifou no chão, mas ela sequer se moveu. Apenas
encarou, com o coração apertado, aquele rapaz parado no meio do restaurante falando com um de
seus garçons.
O barulho fez a atenção dos funcionários do restaurante se voltarem para ela. Por sorte o lugar
estava vazio, com um ou dois clientes apenas. Mas apesar disso, tudo que ela conseguiu fazer foi sair
da cozinha e caminhar em direção a Diego.
Ela já sabia que tinha algo errado, o semblante dele entregava isso e agora tinha certeza que a
sensação ruim que a acompanhou nos últimos dias tinha a ver com Wagner.
— Oi Camila. — Diego disse quando a viu se aproximando.
— O que aconteceu com Wagner? Ele está bem?
— Como você sabe?
— Por favor… — Camila deixou seu corpo recostar em uma das mesas sentindo uma vertigem
que a fez cambalear — me diga que ele não…
— Não! — ele disse antes que ela terminasse a frase — Ele está bem. Bom, não bem exatamente.
— Pare de rodeios Diego, por favor.
— Ele sofreu um acidente gravíssimo, mas sabe como ele é teimoso. Não aceita que contratemos
uma enfermeira. O problema é que a coisa se agravou…
Diego explicou a ela tudo que tinha acontecido e estava acontecendo. Como ele se recusava a ir
ao hospital, mas que necessitava dos cuidados, que ele tinha convencido o médico a ir examiná-lo lá,
mas isso definitivamente não era o suficiente.
Eles não se sentaram, permaneceram ali em pé no meio do restaurante conversando sobre Wagner
e todos os detalhes do acidente e as complicações da situação dele.
— Eu agradeço você ter vindo me contar. Eu estava há dias com uma sensação ruim, acho que no
fundo sabia que algo tinha acontecido.
— Não vim aqui só pra te contar, Camila.
— Não?!
Ele balançou a cabeça negativamente antes de respirar fundo e continuar a falar:
— Enquanto estava com febre, ele chamou seu nome várias vezes. — ele reparou na reação de
Camila e continuou — Inconscientemente ele deixa transparecer o que todo mundo já sabe.
— E o que todo mundo já sabe?
— Camila, isso é entre você e ele, mas eu gostaria de pedir que você fosse a Matinhos comigo e
tentasse convencer aquele cabeça-dura a ir ao hospital.
— E por que ele me ouviria?
— Não sei se ouviria, mas pelo bem dele não podemos descartar a possibilidade.
— Eu não posso largar tudo aqui e sair correndo só pra convencer o cabeça-dura do Wagner a ir
ao hospital, Diego. — apesar daquelas palavras, tudo que ela mais queria era vê-lo com seus
próprios olhos para ter certeza de que ele estava bem.
— Olha, eu sei que estou te pedindo muito, mas se você gosta do Wagner, como eu acho que gosta,
você quer o bem dele, mesmo que ele tenha sido um idiota com você.
— Quero.
— Eu trago você amanhã sem falta. Vamos comigo hoje, e depois que conversar com ele, se ele
continuar se negando eu te trago de volta e deixo você em paz. Por favor?
Camila apenas o encarou alguns minutos considerando aquela possibilidade.
— Me traz de volta amanhã.
— Sem falta.
— Tudo bem então. — ela concordou e Diego respirou aliviado — Vou apenas acertar alguns
detalhes com meu su-chef, passamos no meu apartamento pra eu pegar uma muda de roupa e vamos.
— Ótimo, quanto antes formos, chegamos cedo e não pegamos estrada à noite.
Camila assentiu e foi para a cozinha conversar com o seu amigo, deixando mais uma vez a
responsabilidade do restaurante nas mãos dele.

***
O sol estava quente, e quando batia no cabelo loiro de Camila, parecia que ele se iluminava
transformando ela no próprio sol. No seu sol particular.
Ela corria pela areia, com um cachorrinho, um filhote que ele tinha dado de presente a ela no
aniversário dela.
— Vem Duke. — ela chamava enquanto jogava a bola para o pequeno Cocker Spaniel marrom
que latia de volta, como se a respondesse.
Wagner sorria como há muito tempo não fazia. Quando Camila se juntou a ele, sentou entre
suas pernas e imediatamente os seus braços a envolveram enquanto ele beijou seu pescoço.
— Já está cansada? — ele implicou — Preciso fazer você se exercitar mais, sua resistência
está baixa. — ele mordeu de leve o lóbulo da orelha dela.
— Ei, olha quem fala, o cara que está sentado aqui a manhã inteira.
— Estou apenas apreciando a paisagem.
— Este lugar é lindo mesmo.
— Eu estava falando de você. — Wagner segurou o cabelo de Camila fazendo com que ela
virasse o rosto para o lado e a beijou apaixonadamente, mas logo o beijo foi interrompido quando
Duke apoiou as patinhas na perna dele e latiu. — Que foi pulguinha?
— Não fala assim dele, ele é limpinho. — Camila deu um tapa no braço de Wagner, que sorriu.
— Não defenda o pulguinha, ou vou ficar com ciúme dele.
— Só porque ele é mais bonito que você.
— Quê?!
— Mais bonito, mais cheiroso e mais limpinho… — ela provocou e Wagner fez uma cara séria,
fingindo estar bravo, e virou o corpo dela fazendo com que Camila deitasse na areia e o corpo
dele ficasse por cima.
— Vou te mostrar quem é fedorento. — ele sorriu e se aproximou, mas antes de beijá-la, Camila
virou areia e dissolveu debaixo dele, no mesmo instante que sua perna latejou.
Imediatamente aquele lugar paradisíaco se transformou em um túnel escuro e frio, do qual ele
era perseguido por cães ferozes, mas ele não podia correr, não com sua perna como estava. E
enquanto se encolhia apenas esperando os cães estraçalharem ele, chamou a única pessoa que ele
desejava.
“— Camila!”

***
Camila estava ao lado de Wagner com uma bacia de água gelada enquanto molhava uma toalha e
torcia antes de colocar na testa dele, quando o nome dela saiu de sua boca, o coração dela se
apertou.
— O remédio não está baixando a febre e ele está delirando.
— Quando fui te buscar ele não estava assim. — Diego explicou, mas andava de um lado para
outro nervoso.
— Temos que levar ele ao médico.
— Quem? Você e eu? Porque aqueles brutamontes lá fora não vão permitir que a gente tire ele
daqui. Eles têm ordens específicas.
— E por que isso?
Diego não sabia muito e também não podia falar nada, então apenas balançou a cabeça
negativamente.
Camila permaneceu mais um tempo ao lado de Wagner, mas a pele dele fervia, seus lábios
estavam ressecados e até para fazê-lo tomar a medicação era complicado.
Irritada, ela se levantou e foi até a área de fora da casa, que por sinal era enorme. Ela achava que
se não prestasse bastante atenção enquanto caminhava pelos cômodos e corredores, poderia se
perder ali dentro. Ela sabia que Wagner tinha dinheiro, mas nunca imaginou que ele morasse
praticamente na “mansão Stark”.
Raul estava parado do lado da porta principal da casa, com os olhos atentos a tudo e as mãos nas
costas, quando viu Camila se aproximando.
— Escuta aqui, eu não sei quanto tempo você trabalha aqui, mas o Wagner precisa ir ao hospital.
— Tenho ordens estritas para não permitir que ele seja retirado da casa.
— E quem deu essa ordem?
— O próprio Wagner.
— Só que agora ele está impossibilitado de dar qualquer tipo de ordem então…
— Então eu vou seguir a ordem primária.
— Idiota, se ele morrer naquela cama a culpa é sua.
— Moça, estou apenas fazendo meu trabalho.
— Você está sendo babaca. — ela gritava sem se importar com o fato de que ele era, pelo menos,
duas cabeças mais alto que ela e que ela precisava levantar muito sua cabeça para encará-lo.
— Se eu permitir que ele saia e algo acontecer, meu emprego e minha reputação estarão em jogo.
Estarei desobedecendo uma ordem direta.
— Se acontecer alguma coisa a ele, além de perder seu emprego, eu vou processar você por
omissão de socorro.
Antes que Raul pudesse responder, Camila se virou deixando ele parado lá e entrou batendo a
porta, o que fez o barulho ecoar por toda a enorme sala. Quando ela entrou no quarto respirou fundo.
Aquilo não estava nada bom, ele ia acabar morrendo e seus olhos se encheram de lágrimas enquanto
ela molhava mais uma vez a toalha para colocar na testa dele.

***
Wagner estava deitado em sua cama, com Camila em seus braços, enquanto ela comia
morangos com chocolate. Ele estava apenas observando o movimento da sua boca enquanto ela
mastigava a fruta. Hipnotizado e apaixonado.
— Você vai ficar só olhando?
— E tem coisa melhor pra fazer?
Ela sorriu e mordeu a boca de Wagner, fazendo ele soltar um leve grunhido.
— Pra falar a verdade… — ele disse apertando a coxa dela — até tem coisa melhor pra fazer,
mas estou esperando você acabar de comer, para pôr meu plano em prática.
Camila deu uma risadinha.
— Você é muito safado.
— E gostoso, mas estou só querendo te ajudar. — ele sorriu largamente — Vou fazer você
queimar as calorias dessas frutas com chocolate.
Ele subiu sua mão e apertou a bunda de Camila enquanto mordia o pescoço dela.
— Você só pensa em sexo.
— Não, penso em… — ele olhou para o teto como se estivesse tentando encontrar alguma
outra coisa na qual ele pensava.
Os dois começaram a rir.
— Safado! — ela chamou novamente e Wagner segurou sua nuca enquanto a puxava para um
beijo intenso cheio de paixão e desejo, cheio de amor e benquerer, e quando suas bocas se
afastaram, Wagner colou sua testa na dela e sorriu, mas logo aquela dor na perna voltou a
incomodar e quando ele olhou sua perna, fez uma careta, era como se ela estivesse boa e do nada
feridas começassem a abrir deixando sua carne exposta novamente.
— Camila, se eu morrer… — ele disse a encarando.
— Não fale besteira.
— Escuta. — ele segurou o rosto dela obrigando ela a encará-lo — Quero que me prometa duas
coisas: a primeira que você vai encontrar um cara legal, que te respeite e te ame, e vai ser feliz.
— Wagner… — ela disse, mas ele a beijou interrompendo as palavras dela.
— A segunda coisa que eu quero que me prometa é que nunca, jamais, nem quando você estiver
velhinha de cabelo branco, vai esquecer que eu amo você, que eu nunca amei ninguém como amo
você e que ninguém nunca vai te amar como eu te amo. — ele parou e respirou fundo — Eu te amo,
Camila!
Mais uma vez ela se dissolveu nos braços dele, antes de ele ser novamente transportado para o
túnel e mais uma vez, sentir sua pele se arrastando no asfalto antes de a escuridão levá-lo.

***
— Eu te amo, Camila!
Aquelas palavras que ele pronunciou pareciam ecoar no quarto. Apesar das palavras soarem mais
como um sussurro, ela entendeu perfeitamente, e seus olhos se encheram de lágrimas, enquanto ela
trocava a água da toalha mais uma vez.
Como podia um cara como Wagner, cheio de vida, energia, com aquele jeito brincalhão dele, estar
assim, na cama, correndo risco de vida, enquanto ela não podia fazer nada para ajudá-lo? Ela odiava
aqueles seguranças e odiava também Wagner, por ter dado aquela ordem tão arbitrária.
Não!
Na verdade ela não o odiava, ela o amava e o medo que tomava conta dela naquele momento só
fazia com que ela o amasse ainda mais.
— Eu te amo, Wagner. — ela disse e encostou seus lábios nos dele, antes de colocar a toalha fria
de volta na testa dele e mesmo que ele não pudesse ouvir, aquela era a mais pura verdade.
Capítulo Dezoito

Montenegro começou a achar estranho, pois Lino não tinha entrado em contato nem havia voltado.
Ele pegou o celular e ligou mais uma vez, mas não obteve resposta. Imediatamente, ele ligou para
Dante. Precisava se certificar de que Laura estava bem. Mas antes que ele pudesse discar o número
do advogado, seu celular tocou e o nome do seu segurança apareceu na tela.
— Onde você estava, cacete? Estou tentando falar com você! — Charles esbravejou assim que
apertou a tecla verde.
— Fiquei sem bateria, desculpe. — Lino ficou em silêncio do outro lado esperando o esporro,
mas diante do silêncio de Montenegro, ele continuou — Tivemos um problema, chefe, estou tentando
resolver.
— Que problema?
— O surfista, ele não morreu.
— Você tinha garantido que ele havia morrido! — ele socou a mesa — O que aconteceu?
— Um carro passou e viu o corpo dele no túnel, chamou a emergência e o desgraçado ainda
estava vivo.
— E o que você está esperando para finalizar o serviço.
— Ninguém sabe onde o cara mora.
— Como assim?
— O cara se esconde. Suas correspondências são entregues em um trailer e já sondamos o
cara. Ele conhece Wagner dali mesmo. Disse que ele é uma ótima pessoa, mas que sempre foi
misterioso.
— Já procurou nos registros de IPTU da cidade?
— Claro, senhor. Nenhum registro encontrado no nome dele.
— Inferno!
— Vou ficar na cidade uns dias, observando a movimentação próxima ao trailer. Qualquer
novidade eu entro em contato.
— Não me faça esperar, Lino, me mantenha informado.
— Tudo bem, chefe.
Quando desligaram, Charles esfregou o cabelo irritado e discou o número de Dante. Apesar de o
advogado lhe assegurar que Laura estava bem, ele obrigou o homem a ir até lá e verificar, e pedir
que uma guarda a protegesse se fosse necessário. Que ele pagaria pelo serviço, afinal dinheiro não
era problema.
Montenegro estava ficando impaciente e de saco cheio. Tudo que ele mais queria era tirar sua
filha daquele lugar e ganhar o mundo. Claro que aquela ilha era uma espécie de refúgio e
provavelmente nunca o encontrariam lá, mas ele sabia que talvez, para Laura, aquilo não fosse o
suficiente e ele deveria estar preparado para isso. Planejar o próximo passo, se eles tivessem que
sair dali. Tudo devia ser minuciosamente calculado. Ele nunca foi um homem de agir sem planejar
todos os passos, calcular todos os possíveis contratempos e agora não seria diferente. Mas tinha que
confessar que, essa história de atentados a Laura estava deixando ele com os nervos à flor da pele.
Montenegro sorriu.
Não um sorriso genuíno, mas um sorriso maldoso, cheio de perversidade enquanto pensava a
respeito. Queriam tirar ele da toca e ele tinha total consciência disso, mas antes que eles pudessem
conseguir o seu objetivo, ele ainda tinha muito a mostrar, muitas ideias e, lógico, uma carta coringa
na manga, da qual ele não hesitaria em usar, se fosse extremamente necessário.
Laura era sua prioridade, mesmo que tivesse que ficar contra a vontade dela para isso. O bem-
estar dela era a única coisa que importava e ele não mediria esforços para mantê-la a salvo. Se ela
ficasse com raiva, ele saberia lidar com isso, mas não saberia lidar com a possibilidade da morte
dela.

***
Camila estava recostada na cabeceira da cama ao lado de Wagner enquanto olhava a tela do
celular apagada. A bateria da coisa tinha acabado e ninguém na casa tinha um celular compatível.
Diego tinha saído para comprar um carregador para ela e algumas outras coisa que ela tinha pedido.
Sabia que havia combinado de ir embora naquele dia, mas diante da gravidade da situação de
Wagner, ela simplesmente não podia abandoná-lo. Não conseguiria deitar a cabeça no travesseiro se
não cuidasse dele e se certificasse pessoalmente de que ele estava bem.
As últimas vezes que encontrou Wagner, percebeu que havia algo errado com ele, e depois que
ficou sabendo sobre os seguranças, a proibição dele de que o tirassem de dentro de casa, não querer
ninguém estranho ali, como o próprio Diego havia dito a ela, só confirmavam que Wagner estava
passando por alguma coisa, e ela queria ajudar, mas não sabia como.
A princípio, tudo que ela podia fazer era cuidar para que ele não piorasse, mas aquela febre que
não cedia estava deixando ela preocupada.
Entretanto, ela não podia negar, um dos motivos que a fizeram permanecer ali, até ter certeza que
ele estava fora de perigo, foi ouvi-lo dizer: “eu te amo, Camila” mesmo que inconscientemente.
Aquilo fez seu coração se aquecer, e saber que seu amor era correspondido fez uma chama que ela
tentava apagar, reascender dentro dela com força total.
Enquanto estava perdida em seus pensamentos, duas batidas na porta chamaram sua atenção.
Imediatamente ela se levantou e ajeitou sua blusa antes de ir até a porta para abri-la, uma vez que a
pessoa não o fez.
Quando Camila abriu a porta, se deparou com um homem alto de cabelos grisalhos e óculos
quadrados, vestindo camisa e calça social, acompanhado de Raul que não tinha uma expressão muito
amigável, mas como ela não gostava dele, não se importou.
— Este é o doutor que está examinando Wagner. — Raul explicou.
— Eu cuido disso, obrigada.
— Vou ficar aqui na porta. — Raul informou e Camila pensou em mandá-lo para o inferno, mas
apenas o encarou com os olhos apertados, antes de voltar sua atenção para o médico e pedir que ele
entrasse.
O homem se aproximou da cama de Wagner e retirou um termômetro da sua maleta, colocando a
coisa próximo ao ouvido dele. Imediatamente o termômetro apitou e o médico balançou a cabeça.
— Nada bom. — ele disse — Você é a namorada?
— Amiga. — ela respondeu.
— Onde está Diego?
— Saiu para comprar umas coisas, mas o senhor pode falar comigo.
O médico a encarou e avaliou antes de começar a falar:
— Ele está com uma infecção, tem que tomar antibióticos. Eu precisava que ele fosse ao hospital
fazer um raio-x, mas aquele brutamonte lá fora não vai deixar que nós o tiremos daqui, então.
Ele abriu a outra mala, a maior, e retirou um aparelhinho que tinha na ponta uma coisa cilíndrica
de plástico e um fio que ligava ele a um aparelho do tamanho de um tablet.
— É um ultrassom portátil. — o médico explicou — Não é o ideal, mas é melhor do que nada.
Camila assentiu e ficou ao lado de Wagner enquanto o médico fazia o trabalho dele. Depois que
ele cortou a atadura, passou um gel apenas onde foi colocada a placa de platina, que por sorte não
estava tão ferido quanto o resto da coxa, e ligou o aparelhinho.
Durante alguns minutos o médico apenas ficou avaliando a situação e quando desligou respirou
fundo. Limpou o machucado de Wagner antes de retirar da mala grande uma atadura e voltar a
enfaixar a perna dele.
— E então doutor? — Camila perguntou.
— A má notícia é que provavelmente ele forçou a perna, o que fez com que a placa deslocasse um
pouco. Talvez isso esteja causando a febre. A boa notícia é que o tanto que deslocou não afetou a
ponto de precisarmos operá-lo novamente. Mas qualquer que seja a força aplicada na perna, por
mínima que seja, vai complicar as coisas e ele vai precisar entrar em cirurgia.
— Ele não vai forçar, posso garantir. — a voz dela era tão determinada que o médico não teve
dúvidas.
— Aqui, compre esses remédios e dê a ele de oito em oito horas. Acredito que depois da terceira
ou quarta dose do antibiótico a febre comece a ceder. Continue dando o antitérmico a cada seis horas
e continue com a toalha. — ele sorriu a apontou para a bacia ao lado da cama — Quando Diego
chegar, peça a ele pra entrar em contato comigo e qualquer coisa… — ele tirou um cartão do bolso e
entregou a ela — me ligue.
— Obrigada doutor.
O cara assentiu, recolheu suas coisas e saiu.
Imediatamente, Camila chamou o outro segurança e pediu que ele fosse até a farmácia e
comprasse os remédios. Não sabia que horas Diego iria voltar e não poderia ficar esperando. Além
do mais, ela não conhecia nem o lugar, nem nenhuma farmácia para poder ligar e pedir que
entregassem os remédios.
Alguns minutos depois o segurança voltou com uma sacola e tudo que ela tinha pedido. Camila
agradeceu e foi preparar o remédio, socando os comprimidos antes de colocar um pouco de suco de
laranja para dar a ele.
Quando Camila colocou seu braço atrás da cabeça de Wagner para elevar um pouco e fazê-lo
tomar o remédio, ele abriu os olhos e a encarou. Por um instante eles ficaram se encarando e ele
sorriu. Camila aproveitou para colocar o copo nos lábios dele e virar, fazendo Wagner tomar tudo.
— Como se sente? — ela perguntou enquanto deitava a cabeça dele novamente e tirava o braço,
mas ele não respondeu. Apenas sorriu e voltou a fechar os olhos.

***
Enquanto Diego conversava com o dono do quiosque, explicando sobre o acidente de Wagner,
estava totalmente alheio ao homem que o observava de dentro do carro.
O homem estava seguindo seus passos desde que o tinha visto no shopping com outro rapaz e
havia mencionado o nome de Wagner. Era um tiro no escuro? Claro que era. Afinal, quantos
“Wagner’s” estariam precisando de cuidados médicos naquela cidade, naquele exato momento? E
ainda mais, quantas “Camila’s” teriam vindo de outra cidade para cuidar do doente? Coincidências
demais! Lino não era novato nesse ramo e seu sentido aguçou quando ouviu Diego. Desde então
estava seguindo o rapaz, que tinha outro ao seu lado.
Lino fez uma careta.
Não entendia essa “modernidade”, mas quem era ele para julgar. Sempre fora adepto a coisas não
convencionais, entretanto nunca se envolveu com outro homem. Mas essa não era a questão. Nada
disso importava.
Ali, ele só precisava focar no garoto e segui-lo. Descobrir mais informações.
Diego se despediu de Leandro com um abraço demorado, antes se seguir seu caminho.
Enquanto caminhava até o ponto de táxi, não conseguiu deixar de olhar para trás. Uma estranha
sensação de que estava sendo seguido o acompanhava. Era como se alguém olhasse para ele
insistentemente, mas quando se virava e procurava, não havia ninguém lá.
Ele continuou andando sentindo essa sensação aumentar. Percebeu que um carro andava devagar,
totalmente fora dos padrões da avenida, mesmo estando a certa distância, era como se o carro
estivesse o acompanhando.
Diego aumentou o ritmo dos passos e seguiu mais rápido na direção em que deveria ir e o carro,
como ele imaginou que aconteceria, acelerou.
Tenso, ele já estava prestes a ligar para Raul, quando ouviu o barulho de um carro cantando pneu,
e o que houve depois disso foi tudo tão rápido que ele mal teve tempo de assimilar.
Uma pick-up que ele desconhecia, acelerou contra o carro que ele achava que o seguia, arrastando
o carro por pelo menos dois metros quando a coisa de metal se chocou contra uma árvore, amassando
por completo a porta do motorista, que ficou desacordado com a cabeça apoiada no volante, que
soava sua buzina insistentemente, enquanto a pick-up dava ré e saía acelerando na contramão,
sumindo das vistas de Diego.
Ainda mais assustado, ele correu até o ponto de táxi e deu o endereço de casa.
Eles não pegavam qualquer táxi, tinham uma cooperativa específica, mas naquele momento ele
simplesmente ignorou aquilo e seguiu para casa. Quando chegou estava assustado e assim que viu
Raul caminhando na direção dele, teve a impressão que o cara sabia exatamente o que tinha
acontecido.
— Você está bem?
— Sim.
— Ótimo. Se você puder cooperar e não sair mais hoje, eu agradeceria.
— Vai me contar o que aconteceu?
Raul hesitou, mas sabia que aquela era a única forma de manter Diego dentro de casa.
— Assim que eu tiver informações concretas, te deixarei a par de tudo.
— Valeu. — Diego agradeceu e antes de parar na porta, parou um instante e olhou para trás.
Viu Raul conversando com outro segurança antes de seguir em direção ao portão. Provavelmente o
homem passava algumas instruções antes de sair para fazer o que quer que fosse.
Diego sorriu.
Não conseguia imaginar Raul em outra profissão. Ele era moreno, alto, musculoso, parecia um
armário. Podia de costas, facilmente ser confundido com o ator The Rock. Mas seu semblante era
ainda mais amedrontador.

Quando Diego entrou no quarto, encostou no batente da porta e ficou observando enquanto Camila
passava a toalha, carinhosamente, na testa de Wagner. Ele não pôde evitar sorrir.
— Como ele está? — ele disse fazendo Camila se assustar.
— Ai! — ela sorriu e colocou a mão sobre o peito — Me deu um susto.
Ela se levantou e ajeitou o cobertor de Wagner antes de ir até a cabeceira e pegar a receita que o
médico tinha deixado.
— O médico esteve aqui. — ela entregou a receita a ele — Eu já providenciei os remédios e ele
já tomou a primeira dose do antibiótico…
Camila começou a explicar toda conversa que teve com o médico, além de contar sobre o
ultrassom e enquanto conversavam, os dois sentaram no sofá que tinha perto da janela do quarto. E
quando o assunto terminou, os dois ficaram sentados olhando Wagner.
Camila não aguentava vê-lo daquela maneira. Seu coração se apertava e se ela pudesse, faria ele
ficar curado em um passe de mágicas, sendo safado e implicando com ela como sempre.
— Ele abriu os olhos hoje. — ela disse quebrando o silêncio — Achei que ele estava me vendo,
mas agora não tenho certeza.
— Ele disse alguma coisa?
— Não, apenas me olhou e sorriu.
Diego sorriu e olhou para Camila.
— Não me admira que ele tenha sorrido. — ele pegou uma sacola e entregou a ela — As coisas
que você pediu, mais uma camisola, algumas peças íntimas e duas mudas de roupa.
— Caramba! — ela começou a olhar as coisas que ele tinha comprado — Obrigada, mas você
sabe que não vou ficar tanto tempo.
— Fique o quanto puder. — ele se levantou — Você pode não acreditar, mas só de estar aqui vai
fazer muito bem a ele.
Camila apenas sorriu e Diego deixou o quarto.
Quando ela colocou o carregador na tomada e plugou no celular, não demorou muito para
mensagens e mais mensagens apitarem no aparelho.
Só de Lucas tinha umas dez e ela se xingou por ter esquecido de avisar a ele. A última mensagem
a magoou, mas ela não queria pensar nisso agora, ele devia estar chateado quando escreveu.

“Você não precisava fugir de mim. Soube que viajou pelo seu su-chefe. Seria pelo menos
educado da sua parte ter mandando uma mensagem avisando, mas eu entendi o recado. Não vou
procurá-la mais”

Ele estava sendo injusto, mas não sabia disso e Camila não podia culpá-lo, então pegou o celular
com a intenção de ligar para ele, mas o que ela poderia dizer? “Oi, vim cuidar do cara que amo, por
isso deixei tudo pra trás, me espere feito um capacho pra quando eu voltar poder limpar os pés em
você”? Não! Ela não era esse tipo de pessoa, mas também não podia deixar Lucas pensando o pior,
então digitou uma breve mensagem, dizendo que tinha viajado às pressas e ficado sem bateria, que só
agora tinha conseguido carregar o celular. Que assim que voltasse conversaria com ele e claro, pediu
desculpas por não ter entrado em contato antes.
Como era de se esperar, não obteve resposta.
Em seguida Camila mandou uma mensagem para Márcia, avisando que estava com Wagner, que
estava doente, mas não deu maiores detalhes. Logo em seguida ela trocou de roupa e se deitou ao
lado dele.
— Fique bom logo. — ela disse passando seus dedos pelos cabelos loiros dele, e fechando os
olhos.
Capítulo Dezenove

Wagner estava atrás do volante do seu esportivo X6 conversível na estrada totalmente vazia. Só
ele, a música I’m still in love with you do Sean Paul, o calor do verão e o vento, desfrutavam da
companhia de Camila.
O cabelo dela esvoaçava enquanto ela tentava inutilmente segurá-lo e a risada que ela dava
enquanto brigava com os fios, era música para os ouvidos dele.
— Aonde estamos indo? — ela perguntou.
— Vou te levar para a maior viagem da sua vida e nem estou falando de sexo. — ele apertou a
coxa dela e subiu a mão fazendo Camila dar um tapa na mão dele, o que só o fez dar uma risada.
— Será que você fala alguma coisa sem conotação sexual?
— Camila. — ele disse o nome dela como se fosse resposta.
— Meu nome não vale.
— Não mesmo, porque tudo que eu penso quando olho pra você é em sexo.
— Safado! — Camila disse, sorrindo.
— Safado e apaixonado… I’m still in love with you — ele cantou a letra da música olhando
para ela e Camila se aproximou, antes de beijá-lo para logo em seguida deitar a cabeça em seu
ombro.
Wagner beijou a testa dela e quando virou para frente o cenário mudou levando-os para o
túnel. Ele já sabia o que viria a seguir. Camila desapareceria e ele sentiria a dor na sua perna,
para lembrá-lo que aquilo era apenas delírio dele, mas não. Ele podia sentir a cabeça dela sobre
seu ombro e quando se virou para se certificar que ela estava ali, ouviu a buzina do caminhão.
Wagner só teve tempo de olhar para frente antes de sentir o impacto do caminhão contra a
lataria do carro. A escuridão o levou por alguns instantes e quando ele abriu os olhos novamente,
viu Camila deitada ao seu lado, no emaranhado de lataria e sangue. Os cabelos loiros dela
lavados de sangue e seus hematomas começando a ficar visíveis.
— Ca, acorda, gata, fala comigo… Ca. — o desespero começou a tomar conta dele, enquanto
ela simplesmente não se mexia, não respirava. — Não, não, não… — ele começou a gritar antes de
ouvir uma risada.
Não podes dizer que eu não avisei a ti.
— Cala a boca.
Camila morreu porque foste fraco, incompetente. Morreu por sua culpa assim como Guilherme.
— Nãooooo!

Wagner foi acordado por seu próprio grito e a dor lancinante em sua perna foi o suficiente para
lembrá-lo de que ali era a realidade. Ele olhou ao redor e viu Diego o encarando enquanto se
aproximava.
— Tudo bem? Está com dor? — seu brother perguntou, mas ele franziu a testa, apenas se
certificando que estava realmente em seu quarto.
— Não, nada além do normal, o que houve aqui? Por que parece que eu fui atropelado por um
caminhão?
— Talvez porque você ficou pouco mais de 24 horas apagado.
— Apagado?
— Você, bro, forçou a porra da perna e isso deu merda. — ele apontou para a mesa de cabeceira
para que ele visse que a quantidade de remédios tinha dobrado — Você teve uma febre incessante,
precisei trazer o médico para dar uma olhada em você, já que aquele brutamonte que você chama de
segurança não permitiu que levássemos você ao médico.
— Isso só mostra que ele é eficiente.
Diego revirou os olhos. Wagner sorriu por causa da reprovação dele, em seguida se apoiou nos
braços e se sentou recostando na cabeceira. Diego foi até ele e colocou alguns travesseiros nas
costas dele.
— E o que mais? Te conheço, sei que tem mais alguma coisa que você quer falar.
— Eu precisei chamar alguém pra tomar conta de você.
— Porra, Dig, eu disse que não queria gente estranha aqui dentro.
— Não é uma pessoa estranha.
— Não?! — Wagner perguntou e Diego apenas balançou a cabeça negando — E quem é então?
Antes que ele pudesse responder, Camila entrou no quarto.
— Eu. — ela respondeu antes de encará-lo e sorrir.
Wagner ficou mudo. Apenas olhando enquanto Camila caminhava até ele sorrindo. Ele ficou na
dúvida se aquilo era realmente realidade ou mais uma de suas ilusões. Ter Camila ali em seu quarto
era surreal demais para ser verdade.
Bom demais para ser verdade.
— E está na hora do seu remédio. — ela pegou um comprimido, o suco de laranja e depois de
colocar no copo entregou a ele — Como você se sente?
— Bem, eu acho. — ele disse meio atordoado antes de tomar o remédio. Quando engoliu o
comprimido, ele encarou Diego que estava com os braços cruzados e a mão fechada em frente sua
boca, claramente escondendo um sorriso.
Wagner o encarou com os olhos apertados, mas logo voltou sua atenção para Camila quando ela
pegou o termômetro e pediu para que ele levantasse o braço.
— Desde quando está aqui? — Wagner perguntou fazendo o que ela tinha pedido.
— Ih, gato, nem vem que não vai me expulsar. — ela piscou — Daqui eu só saio quando você
estiver surfando de novo. — ela apontou para a prancha pendurada na parede do quarto.
— Não ia te expulsar. Preciso de remédios e você é um, quem sabe assim fico bom mais rápido.
Talvez possamos… — ele deu um sorriso torto.
Camila sorriu antes de responder a pergunta que ele tinha feito.
— Estou aqui há pouco mais de um dia.
Wagner franziu a testa, não porque a presença dela era ruim, mas foi quando seus sonhos
começaram. Era como se inconscientemente ele soubesse que ela estava ali, junto dele, cuidando
dele.
Quando Camila tirou o termômetro do braço dele, Wagner ficou atordoado, a encarando.
— Que foi, gato, nunca me viu?
— Ah, pelo contrário. Vejo você sempre, nem que seja nos meus sonhos.
Camila sorriu e num impulso colou seus lábios aos dele, pegando-o de surpresa, mas antes que ela
pudesse se afastar Wagner segurou em sua nuca e a beijou apaixonadamente. Quando se afastaram,
estavam ofegantes e sozinhos no quarto. Diego tinha tido a decência de sair e deixá-los sozinhos.
— Nem acredito que você está aqui, me belisca. — ele disse colocando uma mecha do cabelo
dela atrás da orelha.
— Vou fazer melhor… — Camila se sentou sobre a perna boa dele e mordeu seus lábios puxando
enquanto olhava ele nos olhos.
— Porra. — Wagner sorriu e segurou-a novamente, beijando mais uma vez.
Parecia um sonho mesmo ter Camila ali, preocupada com ele. Quase desejou ter se acidentado
antes, apenas para poder estar assim com ela.
— Está com fome? — ela perguntou antes de se levantar.
— Estou e preciso de um banho.
— Acho que isso foi uma proposta indecente. — ela sorriu — Querendo que eu te dê banho?
— Seria perfeito, gata. Pode ser banho de língua. — ele sorriu e deu um tapa na bunda dela de
leve.
— Vou cuidar da sua comida e pedir para Diego cuidar da parte do banho.
— Você sabe como acabar com a fantasia de um cara.
Camila piscou e saiu.
Pouco tempo depois Diego entrou e caminhou até a cadeira de rodas. Depois enquanto ajudava
Wagner a se sentar nela, apertou de leve o ombro dele.
— Não está querendo me matar, está?
Wagner levantou a cabeça e o encarou sério e quando Diego estava prestes a falar ele colocou a
mão por cima da dele e sorriu.
— Eu quero te agradecer. Por tudo. Por cuidar de mim e por trazer ela.
Diego sorriu e apenas assentiu.
— Você faria o mesmo por mim.
— Claro que faria.
— Aliás, já fez, quando me tirou das ruas.
— Você não me deve nada por isso, bro, já te disse isso.
— Eu te devo tudo e uma vida toda não será possível para pagar. Agora chega desse papo e
vamos tomar banho que logo, logo vão ter moscas sobrevoando sua cabeça.
— Vai se ferrar, Dig. Deixa de ser exagerado. — Wagner levantou o braço e cheirou — Cacete,
pro chuveiro, agora.
Os dois começaram a rir e Diego empurrou a cadeira de rodas.

Alguns minutos depois, Wagner e Diego saíram do banheiro e viram Camila entrando no quarto
empurrando um carrinho, como aqueles que têm nos grandes hotéis, cheio de pães, bolos, doces,
sucos, café e as mais variadas comidas que poderiam ser servidas no café da manhã.
— Como eu não sabia do que você gostava, escolhi um monte de coisa.
— E onde está a Joana?
— Dei folga a ela hoje. — Diego explicou — Sua filhinha está com febre e eu não achei justo que
ela ficasse aqui preocupada como estava.
— Beleza. — Wagner respondeu, mas seus pensamentos foram longe.
— Se junte a nós, Diego. — Camila o convidou, enquanto ele ajudava Wagner a voltar para cama.
— Agradeço, mas eu tenho uma prova hoje e já estou atrasado.
— Não pode parar sua vida por minha causa, Dig, boa sorte. Estou em boas mãos. — ele deu um
sorriso torto e piscou para Camila.
— Como sabe que minhas mãos são boas? Nunca experimentou.
— Não seja por isso… — Wagner abriu os braços e os três riram.
— Eu vou pra faculdade, porque já vi que vocês dois vão ficar nessa o dia todo.
— Com certeza. — Wagner respondeu e sorriu.
Depois que Diego saiu, Camila puxou o carrinho para perto da cama e se sentou na beirada, ao
lado de Wagner.
— O que você vai querer?
— Você! — ele respondeu tão categórico que Camila parou o que estava fazendo e o encarou.
— Estou falando sério.
— E quem disse que eu estou brincando, gata? Quis você desde a primeira vez que te vi e…
Ele se lembrou daquela noite e inevitavelmente lembrou que estava com Guilherme, o que o fez
perder o sorriso que brincava em seu rosto.
Camila imediatamente percebeu e colocou sua mão sobre a dele, dando um leve aperto, o que fez
com que Wagner a encarasse.
— Vamos tomar café da manhã e se você for um bom menino, eu prometo que penso no seu caso
sobre “mim”.
— Ah, seja justa. — ele voltou a sorrir e levou a mão dela a boca, dando uma leve mordida,
depois beijando — Eu e “bom menino” não cabemos na mesma frase.
Os dois riram e Camila deu um beijo rápido nele antes de começar a se servir. Enquanto tomavam
café da manhã, Camila e Wagner riam e brincavam. Há muito tempo ele não se sentia leve assim, até
a dor se tornava mais suportável só por ela estar ali.
Mas será que ele era merecedor disso? Depois de tudo que ele tinha, indiretamente, provocado?
Ele não sabia dizer e não queria pensar nas respostas àquelas perguntas naquele momento. Tudo
que ele queria era desfrutar da companhia da mulher que ele amava, sim, amava, e muito. Mesmo que
ela não soubesse disso, mesmo que ele nunca fosse capaz de assumir, essa era a mais pura verdade e
nunca em toda sua vida, ele podia acreditar que aquilo que ele sonhou acordado tantas e tantas vezes,
estaria se realizando.
Sonhos não se realizavam.
Não para um cara como ele.
Não para quem ele havia se tornado.
Mas ela estava ali, com ele… Por ele.
Capítulo Vinte

Nos dias que se seguiram, Wagner teve uma melhora considerável e ele, claro, associava essa
melhora à sua enfermeira particular.
Ele e Camila estavam cada vez mais próximos, mas apesar das constantes investidas dele, ela se
mantinha resistente. Não que ela não o quisesse, mas o propósito dela ali era outro e ela não era
boba, sabia que assim que ele melhorasse, iria embora, e provavelmente eles voltariam a não se
falar. E isso entristecia Camila demais, mas ela tentava não pensar muito a respeito. O importante era
que Wagner estava melhorando.
— Queria fazer uma coisa hoje. — ela disse entre a mordida em um sonho e outra — Céus, isso
aqui está uma delícia.
— Deixa eu provar… — Wagner se aproximou, mas quando Camila ofereceu o sonho, ele desviou
e a beijou demoradamente e quando se afastou, sorriu — Realmente uma delícia.
— Você não tem jeito.
— Não! E você gosta. — ele pegou um pão de queijo e colocou todo na boca antes de beber um
gole de suco — Mas o que você tem em mente? Me deixaria muito feliz se fosse sexo.
Camila deu uma risada.
— Tem um filme passando no cinema, eu queria assistir. — Wagner ficou tenso e pegou outro pão
de queijo sem responder — Eu sei que você não pode se locomover muito… — Camila continuou —
mas eu não conheço a cidade e queria aproveitar sua melhora.
— Eu não posso andar ainda…
— Wagner… — Camila largou o sonho e se sentou sobre o quadril dele, tomando cuidado para
não esbarrar na sua perna e segurou o rosto dele entre as mãos, antes de dar um beijo rápido — você
quer mesmo passar, sei lá quantos dias, trancado aqui neste quarto? Sua cidade, pelo pouco que eu
vi, é linda, e eu quero aproveitar ela com você.
— Podemos aproveitar quando eu estiver bom.
— Você sabe que não posso ficar tanto tempo… tem o restaurante. Quero unir o útil ao agradável,
e pensei: já que estou aqui, por que não?
— Porque eu não posso andar. — ele repetiu, impaciente.
— Tudo bem, vou com Diego então.
— O quê?!
— Se você não quer ir, peço a ele para me mostrar a cidade.
— Ou você pode sossegar a bunda e ficar aqui comigo.
— Não vou ficar trancada aqui o tempo todo, por mais que a companhia seja agradável.
— Só agradável? — ele deu um sorriso torto — Preciso me esforçar mais.
— Vamos comigo e eu melhoro o elogio.
Wagner fechou os olhos e respirou fundo, mas quando Camila fez menção de sair do seu colo, ele
a segurou apertando sua cintura, mantendo ela exatamente onde estava.
— Tudo bem, mas com uma condição.
— Qual?
— Você para de dormir naquele sofá — ele apontou para o sofá — e passa a dormir aqui na cama
comigo.
— Wagner…
— O que você acha que pode acontecer, gata? — ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da
orelha — Nunca faria nada que você não queira.
— Ah, mas o problema é o que eu quero.
— Isso não é um problema. — ele segurou na nuca dela e a beijou tão intensamente que Camila
ficou ofegante.
— Tudo bem, gato, trato feito. — relutantemente, ela saiu do colo dele.

Quando Camila saiu do quarto para levar as coisas do café da manhã embora e ir tomar banho,
Wagner chamou Raul. Não levou nem cinco minutos para o cara aparecer no quarto. Desde que ele
tinha melhorado, não tinha tido oportunidade de conversar com ele. Precisava saber como estavam as
coisas ao redor da casa.
Assim que Raul fechou a porta, Wagner adotou um semblante sério, bem diferente daquele cara
divertido e relaxado que ele era ao lado de Camila.
— Então, quais as últimas novidades?
Raul estalou os dedos antes de responder.
— Tivemos um pequeno problema há alguns dias, mas foi facilmente resolvido.
— Que problema? — Wagner ficou com o maxilar visivelmente tenso.
— Bom, estavam seguindo Diego.
— Puta que pariu!
— Demos um jeito, mas quando fomos ao hospital, o cara já tinha sumido. Fiz o levantamento de
quem ele é. — ele explicou tudo o que tinha acontecido, como o outro segurança havia investido a
pick-up contra o carro do cara e depois explicou detalhadamente tudo que ele fez e, como se já
estivesse esperando aquela conversa, Raul tirou um envelope do bolso e entregou a Wagner, o que o
deixou muito satisfeito — Natalino da Silva, tem uma pequena fazenda em Mato Grosso. Ninguém
sabe de onde ele veio, de onde vem sua renda, mas além de ele mandar dinheiro vivo todo mês para
sua família em MT, ele ainda paga os honorários de um advogado chamado…
— Dante Couto.
— O senhor o conhece?
— É o advogado de Laura. Esse cara é o braço direito do Montenegro.
— Aquele dos noticiários?
— Esse mesmo… — Wagner explicou como se envolveu com Montenegro, como os traiu
colocando a filha dele atrás das grades. Lógico que ele omitiu seu plano de punir todos eles e as
torturas que ele vinha praticando, mas deu a entender que agora queriam se vingar dele — E acredito
que o meu “acidente” também tenha sido obra deles.
— E o que fazemos?
Wagner sorriu. Raul não tinha sido contratado para participar da sua vingança particular, mas de
acordo com o histórico dele, não esperava outra atitude.
— Hoje nada. — ele esticou o pescoço para se certificar que a porta ainda estava fechada —
Preciso de todos os seus homens a postos. Vamos sair. Camila cismou que quer ir ao shopping,
esqueça a casa, preciso de vocês de olho em nós.
— Mas e o Diego?
— Se eu bem conheço a Camila, ele vai junto.
— Certo. — Raul estava se virando para sair, quando parou — Senhor, no dia do acidente, o
senhor Diego se encontrou com um rapaz, fiquei imaginando se ele não estaria sendo informante e…
— É o Leandro. E não, ele não é informante, nem nada disso. Quando ele estiver com Diego, a
segurança dele é prioridade de vocês também.
— Se o senhor diz.
— Sim, digo, e você faz o que eu mando.
Raul assentiu e saiu.
Wagner puxou a cadeira e rodas e foi para o banheiro e depois de um banho rápido, voltou para o
quarto, apenas enrolado em uma toalha. Foi até seu closet, mas a cadeira não entrava. O local não
havia sido projetado para esse tipo de mobilidade.
— Posso ajudar? — a voz de Camila soou atrás dele, chamando sua atenção.
— Por favor, gata, a menos que você queria que eu vá pro cinema assim. — ele apontou para si
mesmo, mostrando que estava de toalha.
Camila não ficou alheia à visão do corpo dele. Os braços fortes e musculosos, abdômen definido
e um sorriso de derreter qualquer uma. Além de claro, o volume visível por baixo da toalha. Ela
concentrou sua visão mais tempo que o necessário ali e quando desviou o olhar, viu que Wagner
exibia um sorriso torto.
— Posso mostrar ao vivo e a cores se você quiser, gata.
— Sei que sim. — ela sorriu e puxou a cadeira de rodas para conseguir entrar no closet. Depois
de separar uma bermuda, com o tecido leve, que ela acreditou que não fosse incomodá-lo, e uma
camisa polo, saiu e entregou a roupa a ele.
— Sabe que vou precisar de ajuda.
Camila tentou não respirar fundo, mas em vão.
— Você não tem cueca? — ela perguntou voltando para o closet e procurando uma gaveta com as
peças.
— Não. Não uso.
Camila arregalou os olhos e depois voltou até o quarto. Já encontrou Wagner sentado na cama,
sem a toalha e a encarando.
— Isso não vai dar certo. — ela disse engolindo seco — Melhor você continuar se trocando
quando Diego estiver em casa.
— Ou você pode ser minha enfermeira integral… serviço completo. — ele sorriu brincando e
quando ela se aproximou o suficiente, ele a puxou para cima dele.
Camila caiu sobre seu quadril e antes que pudesse falar qualquer coisa ele segurou seu cabelo e a
beijou intensamente. Sob o fino tecido do seu vestido, ela sentiu a masculinidade dele despertar,
fazendo com que ela ficasse ofegante.
— Wagner… — ela se remexeu quando suas bocas se afastaram.
— Calma, gata, já disse que não faremos nada que você não queira. — ele percorreu a boca pelo
pescoço dela e deu uma leve mordida, enquanto seu polegar passeava entre o pescoço e a clavícula
dela.
— O problema não é o que eu não quero, e sim o que eu quero. — ela levantou a cabeça dando a
ele mais acesso ao seu pescoço e deixou que um gemido escapasse da sua boca.
— Então vamos fazer o que queremos, gata. Porque eu estou louco por você e isso há muito
tempo. — ele envolveu sua mão no cabelo dela e a puxou novamente para um beijo intenso, mas
dessa vez, Camila não hesitou e virou-se de frente para ele, colocando seus joelhos na lateral do
corpo dele, enquanto ela jogava os braços ao redor do seu pescoço e o beijava com a mesma
intensidade.
Wagner grunhiu contra a boca de Camila e envolveu seus braços na cintura dela, colando seus
corpos enquanto devorava a sua boca, sentindo-se embriagar pelo perfume do qual ele adorava tanto.
Quando Camila rebolou no colo dele, foi a perdição de Wagner. Ele sentiu o pré-sêmen sair do seu
membro e se xingou mentalmente por estar se comportando como um adolescente descontrolado.
Sem poder esperar mais, ele levantou o vestido dela e o arrancou por cima da cabeça, antes de
beijá-la novamente. Depois começou a descer sua boca pelo seu pescoço, clavícula até chegar em
seus seios. Ele segurou os dois e os juntou antes de começar a se deliciar com seus mamilos rosados,
mordendo e chupando um de cada vez, intercalando entre eles, deixando-os duros, enquanto Camila
rebolava e gemia no colo dele.
Wagner estava em êxtase. Desde que pôs seus olhos sobre ela, que ele a desejou. Quando se
aproximaram mais, ele descobriu que ela era inteligente, divertida, carinhosa, altruísta, e cada
qualidade dela foi o suficiente para fazer com que ele se apaixonasse perdidamente por ela.
Mas todos os acontecimentos que os cercaram foram o suficiente para afastá-los. Só que nada
disso importava mais. Naquele momento, ele só queria se entregar e se perder dentro dela, poder
provar cada centímetro da pele de Camila como ele se imaginou fazendo várias e várias vezes.
Quando ele se deu por satisfeito, ele desceu mais a boca pelo corpo dela enquanto ajudava
Camila a ficar em pé. Assim, diante dele, ela parecia uma sereia, com seus cabelos loiros e todas as
suas curvas expostas.
Wagner enrolou o dedo na calcinha dela e começou a descê-la pelas suas pernas, enquanto a boca
dele e língua acompanhavam. Camila apoiou suas mãos nos ombros de Wagner e jogou a cabeça para
trás enquanto a boca dele em sua pele levava arrepios por todo seu corpo.
Ela nunca se sentiu tão sexy em toda sua vida. Em pé, diante daquele homem enquanto ele se
deliciava apenas com a pele dela, a venerava como se ela fosse uma deusa e levava arrepios por
todo seu corpo.
Quando Wagner segurou na bunda dela e puxou seu quadril contra a sua boca, Camila gemeu. A
língua dele tocou exatamente onde ela queria e tudo que ela pôde fazer foi dar um gemido longo
enquanto abria mais suas pernas, dando a ele total acesso ao seu sexo. Ela já estava completamente
molhada, e o toque dele só serviu pra deixá-la ainda mais excitada.
Wagner tomou seu tempo, saboreando o sexo dela, deixando que o seu sabor ficasse gravado nele.
Para que ele nunca mais esquecesse o gosto dela ou o seu cheiro.
Quando as pernas de Camila estremeceram, Wagner a segurou ainda mais forte e continuou,
prolongando o orgasmo dela enquanto o gemido de Camila aumentava. Antes que o corpo dela
pudesse relaxar, ele a puxou para baixo fazendo seu membro ereto e pulsante a penetrar de uma vez,
escorregando dentro dela e a preenchendo por completo.
Camila deu um grito que foi abafado pela boca de Wagner contra a dela, a beijando intensamente.
Ela ficou um tempo parada, apenas se acostumando com o tamanho dele dentro dela, antes de
lentamente começar a rebolar.
— Porra, você faz ideia de quantas vezes eu imaginei isso? — Wagner disse olhando nos olhos
dela — Quantas vezes eu desejei você, que você fosse minha que estivesse aqui comigo.
— Estou aqui com você agora, gato.
— E eu não vou deixá-la ir, nunca mais. — ele a beijou mais uma vez e segurou na bunda de
Camila, apertando, antes de começar a puxar seu corpo contra o dele, fazendo seu membro entrar e
sair de dentro do sexo dela.
— Tão molhada… Só pra mim. — ele disse sem afastar suas bocas e voltou a beijá-la.
Wagner voltou a envolver seus braços na cintura de Camila e começou a ditar o ritmo da
penetração. Quanto mais ele a tomava, mais ele queria. E ainda assim sabia que nunca estaria
satisfeito. Ele queria possuí-la de todas as formas.
Quando o sexo de Camila se contraiu, apertando seu membro, Wagner grunhiu e gozou, sentindo
suas pernas estremecerem, enquanto ele se perdia ainda mais dentro dela. Depois que gozaram, o
corpo de Camila relaxou sobre o dele e ele a beijou mais uma vez, fazendo seu corpo escorregar
enquanto deitava, sem sair de dentro dela ou soltá-la.
— Nossa, isso foi…
— Incrível, eu sei. — ele completou sorrindo, mas apesar de parecer que ele estava se gabando,
na verdade ele estava falando de como ele realmente se sentia.
— Wagner… — Camila era um misto de emoções. Ela queria tanto dizer a ele que o amava, que
ele tinha dito que a amava enquanto estava com febre, mas não podia fazer isso. Precisava esperar
que ele se abrisse. Por outro lado a distância entre eles seria sempre um problema. Um dia ele iria
melhorar e ela voltaria para a vida dela, para seu restaurante. E tudo isso que eles estavam vivendo
intensamente durante esses dias, ia ficar na saudade, na lembrança.
— Não diga nada, gata. Vamos apenas curtir cada momento. — ele disse como se soubesse o que
ela estava pensando o que só a fez sorrir.
— Boa ideia. — ela o beijou e levantou — O que me lembra que temos que nos arrumar para sair.
— Tem certeza que não podemos ficar aqui, na cama, pelados, o dia todo?
— Não, ainda mais que eu marquei com Diego no shopping.
— Sabia. — ele sorriu se sentando e puxando a camisa que ela havia separado para vesti-la —
Ainda preciso de ajuda com a bermuda.
Camila sorriu e se aproximou.
— Mas desta vez, vamos realmente focar em vesti-la em você.
Wagner deu um sorriso torto e os dois começaram a rir.
Capítulo Vinte e Um

A tarde estava muito agradável, mas Wagner não conseguia relaxar. A sensação de que estavam
sendo vigiados o deixava nervoso, principalmente depois que Raul tinha lhe informado dos últimos
acontecimentos.
Eles já haviam passeado em algumas lojas e Camila tinha feito algumas compras. Ele, apesar de
estar na cadeira de rodas, não se incomodou de acompanhá-la.
Quando eles se encontraram com Diego, Leandro estava ao seu lado. Wagner cumprimentou os
dois e Diego começou a brincar, dizendo como Camila o tornava um cara melhor e sempre conseguia
o que queria.
— Até que não foi difícil conseguir tirar ele daquele quarto.
— Minha recompensa, valeu a pena.
— Wagner! — Camila deu um tapa no ombro dele e ele a puxou com força antes de beijá-la
intensamente.

Enquanto caminhavam para a fila do cinema, Wagner ficou para trás e encarou Raul o chamando.
O segurança se aproximou enquanto Diego, Leandro e Camila estavam na bomboniere comprando
pipoca.
— Dê um jeito de entrar antes na sala e se certifique que está vazia, quero você lá dentro durante
o filme
— Copiado. E eu pretendia mesmo ficar lá dentro. — ele mostrou o ingresso.
— Ótimo.
Raul encarou os três na fila, e Leandro o observava.
— Tem certeza que não quer que eu fique de olho no rapaz. — ele apontou Leandro com o queixo.
— Fique, para protegê-lo, já disse.
— Você o conhece bem?
— Diego conhece e pra mim isso basta.
Wagner se afastou irritado. Não entendia o porquê da implicância de Raul com Leandro e também
não gostava nada disso. Quando os três se juntaram a ele, Camila colocou a mão em seu ombro e ele
segurou a mão dela, antes de entrarem para a sala de cinema.
Depois de se colocarem no lugar reservado para cadeirantes, eles ficaram conversando
animadamente enquanto esperavam o filme começar. E só então Wagner se deu conta de que sequer
sabia que filme eles assistiriam.
— Que filme vamos ver?
— Como eu era antes de você. — Camila respondeu animada.
— Sério?
— Claro, gato, eu preciso ver esse filme.
— Me acorde quando o filme acabar, gata.
— Não seja bobo. — ela se inclinou e o beijou, mas antes que pudessem continuar a conversa, as
luzes diminuíram e os trailers começaram.
A atenção de todos se voltou para a tela, mas durante as horas que permaneceram ali, Wagner não
conseguiu relaxar, apesar de ter prestado atenção no filme. A sensação de estar sendo vigiado só
aumentava e isso o deixava louco.
Quando o filme terminou, ele percebeu que metade das pessoas ali estava, se não chorando, com
lágrimas nos olhos. Ele por sua vez estava tão tenso que só queria sair dali.
Assim que passaram pela porta da sala do cinema, ele avistou um dos seguranças à frente e Raul
logo atrás deles. Pelo menos ele tinha contratado os caras certos. Além de serem eficientes, Camila e
Diego ficavam alheios à presença deles. Eles só conheciam os dois que ficavam na casa, mas não os
que seguiam eles diariamente.
Os quatro seguiram para a praça de alimentação, mas antes que Camila pudesse sentar na cadeira,
Wagner a puxou fazendo ela se sentar em seu colo.
Cada minuto que ele passava junto a ela, tinha a certeza que a queria ao seu lado para sempre.
Não via a hora de a sua missão terminar e ele poder finalmente contar para ela tudo que ele sentia,
como ela era importante para ele, mas para que ele pudesse ser melhor para ela, precisava ter paz.
— Sua perna. — ela o advertiu.
— Senta só na que está boa. — ele beijou o ombro dela antes de começar a conversar com Diego
e Leandro.
Durante o tempo em que permaneceram ali, Wagner conseguiu relaxar. Ou ele estava se
acostumando com aquela sensação de vigília, ou simplesmente sua paranoia estava passando. Mas a
verdade é que ele estava doido para voltar para casa e ficar a sós com Camila. Estar com ela em seu
quarto virou seu momento favorito e claro, agora que ele conhecia cada centímetro do seu corpo e do
seu gosto, queria mais, sempre mais.

Quando finalmente chegaram em casa, Wagner foi direto para seu quarto. Como estava tarde,
Leandro ficou como hóspede.
Depois que estavam sozinhos no quarto e Wagner já deitado na cama, Camila foi até o frigobar
pegar um suco de laranja para dar a ele o antibiótico. Depois que ele tomou, ela se sentou no sofá.
— Acho que você está esquecendo uma coisa, gata. — ele bateu na cama ao lado dele, sorrindo
torto.
Camila deu uma risada e piscou para ele.
— Acho que você vai ter que vir me pegar.
— Quer mesmo que eu vá? Porque nada nesse mundo me faria não ir até aí.
Ela riu novamente.
— Não, gato, não esqueci nosso acordo. Mas eu preciso mandar uma mensagem para Márcia.
Wagner não disse nada e seu maxilar ficou rígido.
Por que diabos eles não podiam simplesmente viver em uma bolha, onde só existissem os dois?
— ele se perguntou sabendo que aquilo era impossível, mas cada vez que qualquer pessoa que tinha
ligação com Guilherme era mencionada, ele se lembrava que aqueles momentos com Camila estavam
cada vez mais perto de acabar.
Quando Camila se sentou ao lado dele, imediatamente afastou aqueles pensamentos e passou seu
braço em volta dela, a puxando contra ele, abraçando e cheirando seu cabelo antes de beijar.
— Obrigado, o dia foi divertido.
— Eu que agradeço. — ela se virou e o beijou.
— Está cansada?
— Um pouco, por quê?
— Achei que talvez a gente pudesse fazer alguma coisa antes de dormir. — ele deu um sorriso
torto e passou o polegar pela alça da camisola dela.
— Que coisa?
— Nada que você não queria.
— Você é muito safado.
— A culpa é sua!
— Minha?
— Claro, quem manda ser linda, gostosa, cheirosa… — ele a segurou pela nuca e a beijou
intensamente — Não consigo manter minhas mãos longe de você.
Camila o abraçou enquanto retribuía o beijo.
— E quem disse que precisa manter?
Aquilo era tudo que Wagner precisava ouvir. Imediatamente ele a puxou contra ele e começou a
beijá-la intensamente. A mão de Camila desceu pelo peito e abdômen dele, arranhando até alcançar
seu membro, que já estava duro, pronto para ela.
Wagner grunhiu contra a boca dela e a encarou, segurando seu cabelo.
— Eu preciso sentir seu gosto… — mas antes que ele pudesse fazer alguma coisa, Camila se
afastou, sorrindo maliciosamente — Vai querer brincar de pega-pega?
— Seja paciente gato, você vai gostar.
Ela pegou seu celular e colocou uma música para tocar. Quando os primeiros acordes de Edge of
the World do Faith no More começou a tocar, Camila começou a dançar no ritmo.
— Puta que pariu! — Wagner disse quando ela começou a arrastar a camisola pela sua coxa,
subindo e exibindo a ponta da calcinha para ele.
Ela levantou um pouco mais, mas deixou a camisola cair novamente e virou de costas para ele,
rebolando sensualmente, conforme a música tocava. Mais uma vez ela começou a subir a camisola,
dessa vez exibindo sua bunda.
Wagner alisou a própria ereção que já pulsava dolorida dentro do short, enquanto o showzinho de
Camila continuava. Quando ela arrancou a camisola pela cabeça e jogou sobre ele, Wagner sorriu
maliciosamente.
— Caralho, você é perfeita. — ele disse, quando ela se aproximou e ele conseguiu tocar a coxa
dela, acariciando sua pele, mas logo ela se afastou e começou a tirar a calcinha.
A música acabou e começou a repetir, enquanto Camila ainda estava se despindo e quando estava
completamente nua, se colocou entre as pernas de Wagner. Ainda no ritmo ela começou a abaixar e se
ajoelhou antes de libertar seu membro e segurá-lo entre as mãos. Ela começou a mover para cima e
para baixo enquanto seus olhos não desviavam dos dele. Wagner grunhiu mais uma vez e Camila
sorriu antes de se inclinar e passar sua língua em todo seu comprimento. O membro de Wagner pulsou
e antes que ele pudesse fazer alguma coisa ela o abocanhou, fazendo ele xingar com a voz rouca de
prazer.
Camila começou a sugá-lo sem parar, usando as mãos para masturbá-lo enquanto o engolia o
máximo que conseguia, mas Wagner não podia mais esperar. Ele queria sentir o gosto dela também,
então a puxou, fazendo com que ela ficasse por cima dele, com os joelhos ao lado do seu ombro,
deixando o sexo molhado dela exposto, bem diante do rosto dele.
Wagner apertou a sua bunda antes de começar a lamber e sugar a entrada dela. Camila gemeu
contra o membro dele, mas não parou de chupá-lo, cada vez com mais intensidade, enquanto Wagner
a saboreava.
Ele ficou na dúvida do que era mais gostoso: sentir a boca macia e quente dela tomando-o todo
para si, ou sentir o gosto do sexo úmido e inchado dela na sua boca. Quando ela começou a
massagear suas bolas, foi a perdição de Wagner e antes que ele perdesse o controle de vez, a
penetrou com o dedo enquanto continuava a saboreando.
Quando seu membro pulsou e ele gozou, Camila tomou tudo dele e logo as pernas dela
estremeceram quando ela gozou gemendo alto, jogando a cabeça para trás e rebolando na boca de
Wagner, mas ele não a soltou. Prendeu seu corpo contra o dele e continuou a devorando, fodendo ela
com seu dedo até que os gemidos de Camila viraram sussurros. Então Wagner beijou o sexo dela e a
soltou, fazendo ela girar novamente e deitar-se ao lado dele.
Camila estava ofegante, exausta e o sorriso de satisfação que Wagner exibia, só fazia com que ela
quisesse bater nele, mas nem para isso ela tinha forças. Ele prolongou o orgasmo dela até que ela não
tivesse mais forças. Ninguém nunca tinha levado ela ao limite daquele jeito.
Eles permaneceram abraçados por muito tempo, até que Wagner percebeu que Camila havia
adormecido, então com cuidado para não acordá-la, ele se esgueirou pela cama e puxou a cadeira de
rodas, antes de sentar-se nela e sair do quarto.
Assim que chegou à sala, pegou o celular que estava apoiado no assento da cadeira e ligou para
Raul. Imediatamente o cara apareceu na sala.
— Você não dorme? — ele brincou, mas ficou claramente satisfeito com o fato de o cara ter
respondido tão prontamente.
— Não preciso de muitas horas de sono.
— Me diga, alguma coisa fora do comum hoje?
— Não, senhor. Foi tudo tranquilo.
— Ótimo. — Wagner se certificou de que ninguém os ouvia antes de falar — Preciso de um favor.
— Claro.
— Preciso saber em que penitenciária Giovana Martinez está, quem é o diretor e todas as
informações pertinentes a uma possível transferência.
— Considere feito.
— Perfeito, e Raul, total sigilo sobre isso, não quero nem que seus homens fiquem sabendo desse
favor.
— Tudo bem senhor.
— Pode ir.
— Boa noite, Wagner.
— Boa noite, Raul.
Quando ele se viu sozinho, pegou novamente o celular e ligou para Hilda.
— Oi minha querida, como você está?… Aconteceram alguns contratempos, mas nada de mais, e a
sua mãe? A clínica tem surtido efeito positivo?… Você não precisa me agradecer, uma mão lava a
outra, lembra?… — ele deu uma risada — Você é demais… Hilda, preciso que você dê um recado a
nossa amiga. Diga a ela que os dias de paz dela estão contados, pra ela aproveitar bem esses últimos
dias… Claro, querida, assim que eu puder a visitarei pessoalmente.
Ele desligou o celular e deu um sorriso irônico. Mesmo que ele não pudesse agir imediatamente,
não ia deixar as coisas esfriarem.
Ele voltou para o quarto e antes de deitar-se novamente na cama ficou observando Camila
enquanto ela dormia.
Tão linda! — ele pensou.
Como ele queria que as coisas pudessem ser diferentes, que ele pudesse jogar sua promessa para
escanteio e passar o resto da vida assim, apenas se deleitando com a presença, com o sorriso, o
perfume e o corpo delicioso daquela que ele amava.
Wagner teve tantas mulheres, sempre viu o sexo como diversão, mas com ela era diferente. Ela
tinha algo que o magnetizava, e ele não conseguia se manter afastado. Mas, infelizmente, precisava,
pelo menos até essa merda toda acabar. Porque apesar de ser seu desejo, ele não podia falhar com a
memória do seu primo.
Promessa era dívida e ele iria pagar a sua.
Capítulo Vinte e Dois

Desde que havia sido implantada droga em sua cela, Laura não tinha mais paz. Por ela nem saía
de lá. Sabia que podia voltar a acontecer. Na verdade, ela contava com isso e por esse motivo se
afastar de sua cela estava ficando cada vez mais arriscado. O porco imundo do diretor não poderia
limpar a barra dela o tempo todo.
Ela estava encostada em uma parede isolada, observando as outras detentas. Elas estavam sempre
separadas por grupinhos, e Laura se questionou por que nunca se juntou a nenhuma delas. Na época
que foi presa não lhe pareceu boa ideia. Ela tinha regalias por causa de seu pai, mas naquele
momento, quando ela começava a perceber que isso não lhe assegurava cem por cento, pensou que
talvez, se tivesse se juntado a alguma daquelas tribos, tivesse alguém para protegê-la, defendê-la.
Mas ainda assim, mesmo naquela situação, ela não conseguia se imaginar em nenhum daqueles
grupos. Era como se ela não se encaixasse em lugar nenhum.
E a vida toda ela havia sido assim.
A única vez que Laura se lembrava de ter sido “popular” foi quando namorou Gabriel e claro,
logo em seguida quando armou para que ele a pegasse na cama de Guilherme. Mas a verdade é que
aquilo foi um tiro no pé. Ela precisou sair da faculdade logo em seguida, abandonando a ideia de ser
advogada. Além disso, sua mãe tinha adoecido e ela saiu do país para cuidar dela.
Laura balançou a cabeça afastando o passado, focando no que importava: seu presente e seu
futuro. Agora que as cartas estavam claras sobre a mesa, ela precisava ficar mais atenta que nunca.
Mas enquanto estava perdida em seus pensamentos não percebeu quando Hilda se aproximou e
parou ao seu lado.
— Distraída, princesa? — a mulher disse de forma assustadora, fazendo Laura pular de susto.
— Ai! Toma cuidado, sua feiura pode matar alguém. — ela respondeu encarando a guarda.
— Você é muito abusada. — ela empurrou Laura com força contra a parede e depois puxou e
empurrou de novo, fazendo as costas dela baterem com violência contra o concreto.
Laura fez uma careta e tossiu, arregalando os olhos, quando observou ao redor e ninguém parecia
ver ou se importar com a cena entre as duas.
— Sorte sua que eu só vim trazer um recado. — Hilda continuou, soltando Laura — O recado é:
abre aspas “sua paz está no fim, aproveite seus últimos dias de tranquilidade, porque logo você vai
ter uma amiguinha pra brincar” fecha aspas.
— E que merda isso quer dizer?
Hilda não respondeu, apenas deu um sorriso debochado e se afastou.
O coração de Laura acelerou. O que quer que fosse acontecer, ela precisava estar preparada,
apesar que, do jeito que as coisas estavam acontecendo, ela sabia que não ia adiantar, que se o
recado havia sido levado a ela, era porque não havia nada que ela pudesse fazer para evitar.
Ela começava a temer pela sua vida e precisava sair dali.

No fim daquele dia, como se tivessem ouvido suas preces, o advogado apareceu para uma visita
surpresa e fora do horário.
Enquanto ela era levada até a sala onde conversaria com ele, passou por Hilda e a brutamonte
mandou um beijo para ela e piscou, o que fez os ossos de Laura gelarem.
Seja o que for que a esperava, Hilda estava enfiada até o pescoço.
Quando ela entrou, Dante já estava lá.
O cara parecia distraído em seu tablet, a ponto de nem ter percebido que ela tinha entrado, então
Laura bateu a porta chamando a atenção dele.
— Tá nervosa?
— Você nem faz ideia. — ela caminhou até a mesa e se sentou — Você precisa me tirar daqui.
— Está brincando? — ele guardou o tablet — A única coisa que posso fazer é melhorar sua vida e
tentar diminuir sua pena, ninguém mandou você falar demais e abrir essa bocona pro investigador,
assumindo as merdas que você fez quando ele te prendeu.
— Escuta aqui… — ela socou a mesa, mas Dante apenas ergueu as sobrancelhas — eu fui
ameaçada hoje e pela forma que a ameaça foi feita, eu tô ferrada.
— Vou levar essa informação pra quem tem que saber, mas a princípio não posso fazer nada.
— Você não é pago pra não fazer nada.
— Só que milagre, eu não faço, princesa.
A resposta dele só serviu para deixar Laura ainda mais irritada.
— Bom, eu já fiz o que eu vim aqui fazer, agora tenho que ir.
— E o que você veio fazer?
— Ver se você estava bem.
— Mas eu acabei de te dizer que não estou bem, idiota.
— Não, Laura, você disse que te ameaçaram, mas como meus olhos podem comprovar, você está
sim, bem, então eu volto amanhã ou depois. Boa noite.
Dante saiu deixando Laura ainda mais irritada e apavorada. Ele era sua única ponte com seu pai.
Se ele não fizesse o que ela pediu, estaria perdida de vez. E pior, ela nem podia entrar em contato
com Montenegro. Ele nunca quis que ela soubesse o número dele.
Já de volta em sua cela, Laura deitou fitando o teto, pensando em como iria sair dessa situação.
Ela não podia continuar como estava, porque temia até fechar os olhos para dormir.

***
Vinte dias já haviam se passado desde que Wagner tinha sofrido o acidente. Graças aos cuidados
de Camila, sua perna já estava praticamente boa, se não fosse pela cirurgia, ele já poderia estar
desfrutando das ondas, sobre sua prancha. Mas aquela porcaria de chapa na sua perna ainda o
limitava. Entretanto, ele já havia abandonado a cadeira de rodas e agora se apoiava em muletas. Não
era o ideal, mas já era bem melhor, uma vez que até para se perder no corpo de Camila ele podia
aproveitar mais.
E ao pensar nisso, sentiu seu membro despertar quando ela saiu do seu banheiro, apenas enrolada
em uma toalha e secando seus lindos e longos cabelos loiros com a outra.
— Você me deixa maluco, assim.
— Mas eu nem fiz nada. — ela parou de secar o cabelo e o encarou.
— Só de você existir, já fico louco, gata.
Camila deu uma risada.
— Achei que você tinha me convidado pra jantar fora.
— E convidei, mas nem o melhor restaurante da cidade pode servir algo mais delicioso que você.
— Não sei se te beijo ou te bato. — ela se aproximou, sabendo exatamente o que aconteceria.
Wagner a puxou para cima da cama, e deitou sobre ela, beijando-a intensamente. Camila gemeu
contra sua boca e ele arrancou a toalha fora antes de afastar suas bocas e a encarar. Os pares de
olhos azuis se prenderam antes que ele enrolasse sua mão no cabelo dela e puxasse, fazendo a cabeça
dela se elevar, antes de ele começar a passar sua língua e sua boca pelo seu pescoço, dando leves
mordidas, sem parar de descer até chegar nos seus seios.
Quando ele mordeu seu mamilo, Camila gemeu alto e arqueou seu corpo abrindo suas pernas antes
de envolvê-las no quadril dele. Enquanto ele saboreava sua pele, deixando seus mamilos
intumescidos e arrepiados.
Ela não se cansava disso, de ter Wagner a desejando, venerando seu corpo. Ela se sentia cada vez
mais sexy ao lado dele e fora da cama, ele era o mesmo que ela se lembrava. Divertido, implicante,
provocador, inteligente, galanteador… Ir embora se tornava cada dia mais difícil.
Mas quando Wagner chegou ao centro das suas coxas e passou a língua em todo seu sexo,
mordendo seu clitóris de leve, ela afastou aqueles pensamentos e se entregou a ele.
Wagner a penetrou com a língua enquanto seu polegar rodeava seu clitóris, aumentando e
diminuindo a pressão cada vez que os gemidos dela aumentavam. Ele adorava fazer isso, levá-la à
borda e depois deixar seu corpo se acalmar, até que ele se cansasse da brincadeira.
Mas naquele dia, ele parecia incansável. Quando ele começou a lamber e sugar seu clitóris, as
pernas de Camila começaram a estremecer e então ele a penetrou com o dedo e antes que o corpo
dela pudesse se acalmar, ele a virou, colocando-a de joelhos e a penetrou de uma vez, fazendo
Camila gritar gemendo.
Wagner se inclinou e envolveu um dos braços na cintura dela, enquanto permaneceu dentro dela. A
sua boca ficou próximo da orelha de Camila e quando ele começou a se mover dentro dela,
sussurrava palavras sacanas no seu ouvido, deixando-a ainda mais excitada.
— Caralho, eu nunca vou me cansar de estar dentro de você. — ele disse, pronunciando cada
palavra acompanhada de uma estocada dura — Você é a mulher da minha vida, Camila. — ele disse
antes de segurar o cabelo dela e virar seu rosto para beijá-la apaixonadamente.
A cada estocada, Wagner se sentia mais ferrado. Ele não fazia a menor ideia de como afastar
Camila dele. Já nem sabia mais se queria, talvez ele abrisse o jogo com ela no final daquela noite,
explicasse tudo. O porquê se afastou, por que mudou, contaria tudo, ou quase tudo, que ele estava
fazendo, e assim ela não o odiaria quando ele tivesse que se afastar para voltar ao seu plano.
Droga, eles poderiam até se encontrar escondidos, para não comprometê-la e isso estava mais do
que bom. Ele só não conseguia se ver mais longe dela.
E enquanto ele a penetrava mais e mais, sentindo seu membro a preencher por completo, sabia que
sua vida não teria mais sentido sem Camila.
Quando Camila rebolou empurrando sua bunda de encontro ao seu corpo, Wagner afastou os
pensamentos e se concentrou no corpo daquela deusa diante dele. Ele levou suas mãos aos seus seios
e beliscou seus mamilos enquanto continuava a penetrando duramente, até que ele sentiu que ela
estava gozando e se liberou, sentindo seu membro pulsar enquanto se desmanchava dentro dela.
Depois que gozaram, o corpo de Wagner desabou sobre a cama e ele a puxou contra ele, sentindo-
se ofegante e a beijou apaixonadamente.
— Eu te amo.
— Eu também te amo, gato.
E só então, quando ela respondeu, que Wagner se deu conta de que havia confessado aquilo que
ele estava evitando falar desde que a tinha visto dentro do seu quarto. Mas apesar de ficar tenso, ele
não negou, apenas a abraçou mais enquanto seus corpos se acalmavam.

***
A noite com Camila não poderia ter sido melhor. Ele nem podia estar saindo tanto, mas não se
importava se isso significasse mais momentos assim com ela. Depois que chegaram ao restaurante,
eles se sentaram em uma mesa reservada e afastada. Tiveram uma noite muito agradável. A comida
do restaurante e o atendimento eram excelentes. E quando, no final da noite, Wagner foi apresentá-la
ao dono do restaurante, eles rapidamente pareceram amigos de longa data. O amor pela culinária
havia feito isso.
E quando eles foram embora, antes que pudesse se afastar, seu amigo o chamou e disse em seu
ouvido:
— Você tem um tesouro em suas mãos, não o desperdice.
— Não vou, bro, pode ter certeza.
Eles se despediram e Wagner seguiu seu caminho mais decidido que nunca.

Quando entraram em casa, Wagner pediu para que ela fosse para o quarto, porque precisava falar
com Raul, mas que ela o esperasse nua, que logo ele se juntaria a ela.
Camila sorriu, mas fez como ele pediu, sabia que a fome de Wagner por ela era insaciável.
Wagner esperou na sala, até que Raul se juntasse a ele. Eles ainda estavam no restaurante quando
ele disse que precisavam conversar. Imediatamente ele ficou tenso, mas Raul o assegurou que eles
podiam esperar.
Quando o homem chegou, Wagner já estava tenso.
— Demorou.
— Desculpe senhor, estava passando novas instruções aos meus homens.
— O que aconteceu?
— Algo nada bom. — ele tirou o bilhete do bolso — Já pedi para verificarem, não há impressões
digitais, então não tem como saber de quem veio, apesar de eu fazer alguma ideia. — ele entregou o
papel a Wagner — Foi deixado no vidro da pick-up. A princípio, achamos que fosse uma multa,
mas…
Wagner abriu o bilhete e gelou quando leu aquelas palavras.

“Nem todos os seguranças do mundo podem proteger quem você ama 24 horas por dia. Quando
você estava nascendo eu já dominava o mundo, rapaz. Me esqueça e esqueça minha filha ou eu
matarei todas as pessoas próximas a você, até quem te der ‘bom dia’”

O bilhete não estava assinado e nem precisava. Montenegro tinha tido a audácia de enfrentá-lo,
mas aquilo, claro, era por causa do último recado enviado a Laura. Certamente já tinha chegado aos
ouvidos dele.
— Raul, como chegaram à pick-up?
— Provavelmente Lino, depois que acertamos o carro dele.
— E como tem certeza que eles não se aproximaram da casa?
— Porque me certifiquei que a pick-up nunca se aproximasse daqui. Eles sempre entram em um
estacionamento rotativo e trocam de veículo.
— Certo. — Wagner releu o bilhete mais uma vez — Preciso daquilo que te pedi, esta semana
ainda.
— Giovana será transferida na próxima semana.
— Perfeito. — ele não se levantou para ir para o quarto — Preciso também de um curso para
Diego, mas um curso longe. Preciso tirá-lo de Matinhos.
— Vou providenciar.
— Dispensado.
— Obrigado, senhor, boa noite.
Wagner ainda sentia seus ossos gelados. Ele leu o bilhete mais uma vez e sentiu seu mundo ruir,
não podia permitir que Diego e Camila corressem risco. Ainda não sabiam onde eles dois moravam,
mas do jeito que as coisas caminhavam, ele sabia que não iam demorar muito para descobrir.
Olhou para o corredor que levava a seu quarto e imaginou Camila, deitada e nua na sua cama e
apesar de sentir sua masculinidade despertar só de pensar nela, não podia ir até lá e tornar as coisas
ainda piores.
Precisava dar um fim naquilo e o mais rápido possível.
Com um bolo na garganta e um aperto no peito, pegou seu celular e escolheu um nome aleatório na
agenda.
Capítulo Vinte e Três

Camila estava tão cansada que não conseguiu esperar Wagner e acabou adormecendo. Quando
acordou no meio da madrugada, não fazia ideia de que horas eram, mas ao se virar percebeu que ele
não estava ao seu lado. Ela franziu a testa e se levantou, colocando a camisola que estava no sofá e
vestindo um roupão por cima.
Quando saiu do quarto andou até a sala e estranhou, pois estava tudo escuro.
— Wagner? — ela chamou, mas não obteve resposta.
Ela voltou e seguiu pelo outro corredor, oposto ao quarto de Wagner e quando viu uma porta
entreaberta, percebeu que a luz estava acesa. Ela não tinha certeza se era outro quarto ou um
escritório e imaginou que talvez ele tivesse ficado distraído com alguma coisa e por isso ainda não
tinha ido se deitar, mas quando ela chegou perto o suficiente, ouviu uma risadinha feminina.
Seu coração falhou uma batida e sua garganta se apertou, um pouco antes de ouvir outra risada e
em seguida o nome de Wagner ser pronunciado.
Em um ímpeto de dor e raiva ela abriu a porta e a visão que teve fez seu coração doer.
Wagner estava deitado na cama, completamente nu, com duas mulheres, uma de cada lado.
Enquanto ele acariciava os seios delas, as mulheres o alisavam em todos os cantos e se beijavam.
Camila não ficou observando a cena, porque seu estômago embrulhou.
Ela saiu correndo enquanto lágrimas rolavam pelo seu rosto e entrou no quarto já arrancando a
camisola e trocando de roupa. Pegou apenas o que ela havia levado e enquanto se arrumava, viu uma
silhueta aparecer na porta. Ele já estava vestido, mas tudo que ela conseguia ver quando olhava para
ele, era a cena que tinha presenciado alguns minutos antes.
— Desculpe, não queria que você presenciasse aquilo.
Ela estava prestes a xingar e jogar alguma coisa sobre ele, mas quando ela se virou e o encarou, o
que Camila viu em seus olhos, foi dor. Não arrependimento, não vergonha. Apenas tristeza.
— Você é um idiota!
— Olha, nada do que eu disser, vai amenizar…
— Não mesmo! — ela gritou antes de jogar sua mochila nas costas e o encarar — Se você queria
que eu fosse embora, se não me queria mais aqui, era só falar, não precisava armar esse circo.
Wagner arregalou os olhos.
Quando ele ligou para as gêmeas e propôs aquilo, sabia que elas topariam. Afinal ele já tinha
transado com elas vezes suficientes para saber que elas não diriam não para ele. Mas quando ele
explicou que seria apenas teatro, elas se espantaram, ainda assim, não se negaram. Ele ficou a noite
toda vestido enquanto as meninas se divertiam sozinhas e quando ouviu Camila o chamar, ele
arrancou a calça que vestia e deitou na cama, apenas esperando a hora que ela abriria a porta.
O que ele não conseguia entender, era como Camila havia percebido. Mas não importava. Ele
nunca assumiria isso para ela.
— Não sei do que você está falando.
— Não importa. — ela disse se aproximando dele, encarando-o com toda raiva e ressentimento
— Você fez eu me sentir um lixo e isso eu não vou perdoar… Nunca! Fique longe de mim.
Ela passou por ele, se desviando para não encostar nele.
— Você não pode sair essa hora…
— Vai se foder! — ela continuou e saiu pela porta.
Quando o ar frio tocou sua pele era como se todo seu corpo congelasse, inclusive seu coração.
Ela não queria chorar, mas ainda assim, as lágrimas teimaram em escorrer pelo seu rosto.
Camila caminhou em direção ao portão, mas antes de atravessá-lo, Raul apareceu.
— Vou levá-la, senhorita Braga. — ele anunciou sem se preocupar em perguntar se ela aceitava
corona.
— Não precisa, Raul.
— Desculpa, mas precisa sim.
— Não quero nada do Wagner.
— Com todo respeito senhorita, não tem nada a ver com o patrão. Eu não conseguiria deitar a
cabeça no travesseiro e dormir se a deixasse sair essa hora sozinha.
Camila não respondeu, apenas o encarou e Raul fez sinal para que ela o seguisse até o carro.

***
Wagner observou pela janela Camila acompanhar Raul e sentiu alívio. Já tinha deixado instruções
para ele levá-la e garantir a ela que não tinha sido ordem dele ou ela jamais aceitaria. Quando eles
sumiram de suas vistas, ele foi até o bar, pegou uma garrafa de rum, sem se importar em pegar copo e
sentou no sofá antes de destampar a coisa e tomar o primeiro gole, que desceu queimando sua
garganta.
Ele fez uma careta e tomou outro gole e mal percebeu quando as meninas apareceram. Tuka e
Yumi eram japonesas e adoravam frequentar uma casa de swing que há muito Wagner não ia. Elas
eram tão parecidas que as apelidaram de Gêmeas, mesmo que na realidade elas não fossem irmãs.
Yumi se aproximou dele.
— Tem certeza que não quer deixar a farsa de lado e relaxar um pouco. Você sabe que podemos te
ajudar e muito.
Wagner sorriu.
— Tenho certeza linda, obrigado. Mas como pode perceber, eu não estou com cabeça para isso.
— ele mostrou a garrafa de rum.
— Ela estava certa. — Tuka disse, segurando a mão de Yumi e puxando ela em direção à porta —
Você podia apenas tê-la mandado embora.
— Tuka! — Yumi advertiu.
— Que foi? Fiquei com pena da menina. — ela explicou.
— Foi melhor assim. Agora ela está a salvo. — Wagner respondeu, mais como se quisesse se
convencer daquilo do que respondendo à menina.
Quando ele ouviu o clique da porta, sabia que elas tinham ido embora e recostou no sofá antes de
tomar outro gole do rum.
Nunca imaginou que magoar alguém que ele amava, daquela forma cruel, pudesse doer tanto em si
mesmo.
Finalmente mandaste ela embora. Temos trabalho a fazer.
— Ah não, você não. — ele respondeu.
Achaste que tinhas te livrado de mim?
— Até que não seria de todo ruim se você me deixasse em paz.
Sou teu maior aliado, nunca te esqueças disso.
— Certo, mas volta amanhã então. Por hoje, cala a porra da sua boca e me deixa em paz. — ele
gritou e tomou outro gole do rum, sem se importar agora com a queimação, bebendo até seu estômago
reclamar.
Quem sabe assim conseguiria calar aquela voz na sua cabeça.
***
— Wagner. — Diego deu um tapa no rosto dele para acordá-lo.
Já estava prestes a chamar a ambulância achando que ele estava em coma. Ele nunca o tinha visto
desmaiar de tanta bebida e quando viu o estado da garrafa de rum, teve certeza que algo muito grave
tinha acontecido, principalmente por não encontrar Camila em lugar nenhum e Raul não estar
rondando a casa como um urubu.
— Acorda porra. — ele bateu de novo e quando Wagner abriu os olhos, soube que o cara ainda
estava bêbado. — Vamos, vou te levar para o seu quarto. Depois conversamos.
Diego levou Wagner para o quarto e deixou o cara cair na cama, antes de apagar a luz e sair. O
silêncio daquela casa, apesar de não ser incomum, estava estranho, como se o ar estivesse pesado e
ele não sabia se conseguiria dormir sem saber o que tinha acontecido.
Ele pegou seu celular e ligou para Camila mais de uma vez, mas caiu na caixa postal.
Depois da noite maravilhosa que ele teve com Leandro, não queria que aquele peso da casa o
consumisse, mas era impossível não se deixar influenciar. Toda alegria e leveza que estiveram na
casa enquanto Camila esteve lá, parecia ter ido embora com ela, dando novamente lugar ao frio.

***
Depois que Raul a deixou em frente ao prédio, Camila foi até seu apartamento e mal tinha passado
da porta quando se encostou na coisa de madeira e deixou seu corpo escorregar, se entregando às
lagrimas que ela tinha conseguido segurar até então.
A dor que ela sentia era tão grande que se tornava quase insuportável. E apesar de ele não ter
assumido, ela sabia que estava certa. Se ele quisesse só farra, teria saído, se encontrado com quem
quer que fosse, em outro lugar, mas ele fez questão que ela o visse com elas. E independente do
motivo, aquilo a feriu mais do que se ele a enxotasse como um cachorro de rua.
Qualquer que fosse o motivo dele, o que ele fez foi imperdoável.
Camila era um misto de tristeza e raiva. Decidida, ela se levantou e vendo que o dia estava quase
amanhecendo, sabendo que não conseguiria dormir, jogou sua mochila em seu quarto e tomou um
banho rápido, trocou de roupa e saiu. Iria ocupar sua mente com a coisa que ela mais amava. Seu
restaurante.
Quando chegou ao mercado, se sentiu querida, já que todos os comerciantes em que ela parava,
diziam que haviam sentido falta dela. Foram anos comprando com os mesmos fornecedores, já viu
até uma geração mudar, e apesar daquela tristeza ainda estar ali, entranhada em seu coração, ela
conseguiu sorrir.

Assim que entrou no restaurante, no início da manhã, a recepção que teve a fez se sentir amada.
Mas o que ela precisava mesmo era colocar a mão na massa. E funcionou bem durante um tempo. Seu
su-chef havia mantido contato com ela durante todos os dias, mas nada como conversar pessoalmente
e enquanto ele passava os acontecimentos no restaurante, a distraiu, mas bastou que ela ficasse
concentrada cozinhando para lembranças desses dias com Wagner voltarem a sua mente, seguidos
pela penúltima visão que teve dele.
Ela começou a se perguntar se algum dia iria esquecer aquilo.
— Bruno, eu sei que andei super ausente, mas eu preciso dar uma espairecida hoje. Prometo que a
partir de amanhã eu paro de deixar tudo nas suas costas…
— Ca, para com isso. — o seu amigo a abraçou — Antes de patroa e empregado, somos amigos.
Se você tá precisando sair, faça. Eu jamais a questionaria, além do mais, o restaurante é minha vida,
vocês são minha família, sabe disso.
— Obrigada, amigo. — ela beijou o rosto dele — Prometo me redimir.
— Vou cobrar. — ele sorriu.
Apesar de estar de noite e o movimento no restaurante grande, Camila saiu. Foi para casa, tomou
um banho e depois de colocar um vestido azul justo e scarpins brancos, chamou o Uber e saiu. Já
sabia onde seria seu destino.
Quando chegou à casa noturna onde sua amiga trabalhava, foi direto até o balcão do bar e assim
que Sara a viu, abriu um largo sorriso.
— Ca, você de volta… — ela se inclinou sobre o balcão e as duas deram dois beijinhos — O
mesmo de sempre?
— Hoje preciso de algo mais forte.
— Ih, homem… não foi o Lucas, né? Porque eu arranco as bolas dele.
— Acho que o Lucas nem quer ouvir falar no meu nome. Não foi ele.
— Espera… — ela deu tequila a Camila e depois de mostrar a ela como se tomava, a chef tomou
de uma vez o líquido que desceu queimando.
— Outra.
— Vai com calma, garota, ou vou ter que mandar Gerard te levar pra casa.
— Cala a boca, Sara, e me dá outra.
Camila começou a beber uma dose atrás da outra. Quando chegou na sétima, já estava
completamente bêbada e ainda pediu mais uma.
Preocupada, Sara pegou o celular no avental que usava e ligou para Lucas.
— Ei, doc, está ocupado?… Credo a essa hora ainda no haras? Esquece… — ela não esperou a
resposta dele — Olha, eu não sei se você se importa, mas a Ca está aqui e não está nada bem, acho
que se ela for embora do jeito que ela está… Viajando? Eu nem sabia que ela tinha viajado… Olha,
ela mencionou qualquer coisa de você não querer olhar na cara dela, e eu entendo se isso for
verdade. Só me diz se vai vir ou não, que aí peço ao Gerard pra levar ela embora… Opa, calma
bonitão, tudo bem, eu seguro ela aqui pra você, mas não demora.
Camila ainda tomou mais três doses quando disse que ia embora. Sara segurou sua mão e encarou
a amiga.
— Ei, Ca, você tem certeza que está bem pra ir embora assim? Não quer tomar um copo de água e
esperar um pouquinho. Toma um refrigerante que é doce e vai ajudar.
— Eu tô muuuuuuuuuuito bem… — ela soluçou.
— Estou vendo. — Sara deu uma gargalhada e já estava prestes a pegar o celular novamente,
quando avistou Lucas.
Ele estava com olheiras fundas e pela roupa tinha vindo direto do haras. Quando viu Camila
levantar e tropeçar nos próprios pés, ele acelerou o passo, se aproximando bem a tempo de segurá-la
pela cintura.
— Peguei você. — ele disse e quando ela se virou e o encarou, abriu um largo sorriso.
— Luuuuucasssssss. — ela arrastou o S — Você tá aqui mesmo? — Camila começou a tocar no
rosto dele com a ponta dos dedos.
— Estou e já estamos indo. — ele envolveu seus braços na cintura de Camila e a suspendeu,
pegando-a no colo. Virou-se para Sara e pronunciou um “obrigado” inaudível antes de se virar e sair
com ela em seus braços.
Lucas a colocou sentada no banco do carona e colocou o cinto nela, enquanto ela voltava a tocar
seu rosto.
— Acho que estou sonhando com vocêêêê.
— Não está, sou real. — ele disse preocupado e impaciente.
E sua impaciência nada tinha a ver com o fato de ela tê-lo abandonado sem maiores explicações,
mas sim por ela estar sozinha e tão bêbada que se não fosse a amiga em comum dos dois, Sara, a essa
hora sabe-se lá o que poderia estar acontecendo com Camila e só de imaginar isso, era o suficiente
para deixá-lo louco.
Durante o caminho, Camila acabou adormecendo no banco do carona e Lucas ficou perdido em
seus pensamentos. Ele a levou para seu apartamento. Não sabia se o porteiro do prédio dela
permitiria que ele subisse com ela no estado em que se encontrava e deixá-la sozinha estava fora de
cogitação. Depois que ele a acomodou em sua cama, tirou os saltos dela, e acariciou seu rosto,
tirando o cabelo que estava grudado em sua pele.
Ele permaneceu ali durante um longo tempo apenas a observando. Não tinha passado tanto tempo
com ela e não a conhecia tão bem, mas o tempo que estiveram juntos, nunca a tinha visto bêbada, nem
mesmo no dia em que se conheceram. Alguma coisa tinha acontecido naquela viagem, alguém tinha
feito mal a ela e que os céus o ajudassem porque se fosse algo muito sério, ele mataria o desgraçado.
Lucas se levantou e pegou alguns comprimidos, uma garrafa de água mineral e colocou na mesa de
cabeceira, antes de seguir para o banheiro e tomar um banho rápido. Quando retornou ao quarto,
sentou-se na poltrona que tinha ali. Passaria a noite velando Camila esperando que ela acordasse
para cuidar dela.
Capítulo Vinte e Quatro

Quando Wagner acordou, sua cabeça latejou de forma intensa, como se sinos badalassem dentro
dela. Ele deu um gemido de dor e frustração. A primeira coisa que percebeu, depois da dor, foi o
perfume de Camila ainda entranhado nos lençóis, nos travesseiros… nele. Era como se o ar estivesse
tomado pelo cheiro dela e que nada pudesse fazer ele se livrar daquele aroma.
A questão era que ele não queria mesmo se livrar.
— Você está bem? — a voz vinda do sofá do quarto o fez abrir os olhos repentinamente e olhar na
naquela direção.
— Estou.
— Ótimo, porque agora você pode me contar que merda aconteceu?
Wagner não respondeu, relaxou novamente sobre o travesseiro e colocou um dos braços sobre os
olhos.
— Eu tenho o dia todo, afinal hoje é sábado.
— Você não tem nenhum lugar para ir? Encontrar Leandro, talvez.
— O que uma coisa tem a ver com a outra?
— Quando você pretende me falar sobre vocês?
Diego ficou tenso. Nunca achou que Wagner soubesse algo sobre esse assunto, ou talvez
simplesmente Leandro tivesse contado. Não! Ele jamais faria isso, sempre teve contato com Wagner
e nunca o fez, não seria agora.
Mas por que exatamente Wagner estava tocando nesse assunto? Era claramente uma tentativa de
fugir do foco da conversa, mas Diego não se deixaria levar.
— Quando eu quiser, agora responde o que eu perguntei.
— Respondo quando você me responder, Dig. — Wagner se sentou e o encarou, deixando Diego
desconfortável — Achei que nossa relação fosse de irmãos, amigos, respeito…
— E é!
— Então, Dig, qual o problema? Por que nunca conversou comigo?
— Nunca me sentir confortável para isso.
— Por quê?
Diego não respondeu, apenas deu de ombros.
— Achou por algum minuto que eu o criticaria, ou te reprovaria de alguma forma?
— Sinceramente? Nunca imaginei você fazendo esse tipo de coisa, mas vê o meu lado, bro. Não é
o tipo de assunto que se começa do nada: “oi bom dia, quer café ou suco? A propósito, sou
homossexual”. — ele suspirou — Olha, só não achei a oportunidade de tocar no assunto com você.
— Está tendo agora.
— Acho que não tem muito o que falar, gosto de caras, é isso.
— Caras? Achei que você e o Leandro…
— Sim! Não! — ele sorriu nervosamente — Não me entenda mal, o Leandro e eu estamos juntos.
Eu amo aquele cabeça-dura, mas ele não é o primeiro.
— Ele é o cabeça-dura? — Wagner sorriu — Tudo bem, Dig, você é livre para fazer suas
escolhas e ai de quem disser o contrário, vai ter que lidar comigo.
Diego abriu um largo sorriso, levantou e foi até Wagner, sentou-se na ponta da cama e o abraçou.
Ele retribuiu o abraço dando leves tapas nas costas do seu brother. Aquele menino que ele tirou das
ruas e tinha criado como se fosse um filho.
— Você é o melhor.
— Eu sei, sou foda mesmo. — Wagner respondeu e os dois riram, mas logo Diego ficou sério
novamente.
Apesar de sentir um alívio no peito por ter finalmente tido aquela conversa com Wagner, ainda
queria saber por que Camila tinha ido embora e o que tinha acontecido.
— Sua vez.
O sorriso de Wagner sumiu imediatamente e ele esfregou o cabelo, bagunçando ele.
— Eu vou te contar, porque envolve você em muitas maneiras. — ele respirou fundo antes de
continuar — Fui ameaçado. Na verdade as pessoas ao meu redor foram. Não posso colocar vocês em
risco e por isso acabei arrumando um jeito da Camila me odiar e ficar longe, porque no ponto em que
estávamos, qualquer coisa que eu dissesse, ela não aceitaria. Tentaria me convencer do contrário e
ela me deixa fraco, não no mau sentido. Mas eu não consigo resistir a ela. Precisei magoá-la pra que
ela fosse embora de vez.
— Como assim ameaçados?
— A vida de vocês está em jogo e eu não posso arcar com essa responsabilidade, porque se algo
sair errado, a culpa vai me matar.
— Você não tem que ser responsável por ninguém.
— Eu já fui responsabilizado. — ele se virou, pegou a muleta e se levantou — A propósito, você
vai fazer um curso nos EUA. Sua matrícula já está feita e seu voo parte na segunda-feira.
— Quê?! Você só pode estar maluco. Minha faculdade, Leandro…
— Os dois ainda estarão aqui quando essa situação se resolver e você voltar.
— Não! — ele se levantou também.
— Dig, já está decidido.
— Eu não vou viajar.
— Porra! — Wagner disse irritado — Isso não cabe a você decidir…
— Claro que cabe, é a minha vida…
— Só que quem ameaçou é poderoso, se algo te acontecer, nunca vou me perdoar. Isso está fora
de questão nem que eu tenha que te dopar e te enfiar naquele avião.
Ele se afastou e entrou no banheiro, batendo a porta com força. Sabia que estava pegando pesado,
mas esse era o único jeito. Não sabia conviver com a culpa da morte de Guilherme que era seu
primo, mas alguém com quem ele não convivia. Imagina como ele reagiria se fosse com pessoas que
ele amava incondicionalmente como Diego e Camila? Não! Não podia e não ia arriscar.
Enquanto ele lavava o rosto, com o corpo apoiado na pia para ajudá-lo a se equilibrar, sua mente
fervilhava. O que ele tinha dito a Diego era seu próprio fantasma. Quando ele voltasse, realmente
Leandro e a faculdade estariam lá para ele.
Já ele não teria tanta sorte.
Mesmo quando isso tudo acabasse, quando ele finalmente se vingasse de Montenegro e Laura,
sabia que não teria mais Camila. Ele tinha perdido ela de vez, definitivamente. E isso era o suficiente
para fazê-lo se questionar se ainda valia a pena…
És uma menina chorona.
Wagner ergueu a cabeça e o reflexo que viu diante de si, era diferente. Era ele, claro, mas as
feições estavam mais duras, os olhos azuis estavam escuros e não havia resquício de bondade
naquele semblante.
Fizeste o melhor para ambos, aquela guria merece algo melhor que tu.
— Eu sei. — ele concordou.
Então pares de chorar feito uma donzela e foques no que necessitas.
— O policial.
Exatamente. Pode ser que eu me engane, mas acredito que ele seja a peça chave.
Wagner assentiu e a imagem diante dele tremulou, voltando a ser… ele.

***

Diego não podia acreditar naquilo. Wagner queria forçá-lo a viajar, abandonar toda sua vida e ele
sabia que quanto mais discutisse, mais ele iria bater o pé e forçá-lo a embarcar naquela loucura.
Precisava pensar rápido e ser mais esperto, precisava de um argumento que fosse fazer Wagner
enxergar que mandá-lo para fora do país não era a melhor escolha. E enquanto pensava nisso teve
uma ideia genial, então ele permaneceu no quarto do seu brother, esperando ele voltar.
E foi então que ele ouviu, mais uma vez, Wagner falar sozinho.
Mas ele não falava sozinho como a maioria das pessoas que faz isso, como se estivesse pensando
alto. Não! Ele formava diálogos, discutia, e por muito tempo Diego apenas ignorou aquilo, mas agora
via que talvez, precisasse dar mais atenção àquela situação.
Mas antes que ele pudesse pensar muito a respeito, sua atenção foi capturada pela porta do
banheiro se abrindo, enquanto Wagner demorava a perceber que ele ainda estava ali.
— O que você ainda está fazendo aqui?
— Pensei sobre o que você falou.
— E chegou a conclusão que eu estava certo.
— Não! — Wagner o encarou erguendo a sobrancelha — Você está errado, porque se esse cara é
tão poderoso e influente como você disse, ele pode muito bem ir atrás de mim onde for. Se eu estiver
longe, como você vai saber o que está acontecendo? Se eu estiver por perto é mais fácil me proteger,
não acha?
Wagner apenas o observou considerando aquelas palavras e viu que, no fundo, Diego estava certo.
Se ele estivesse longe, não poderia vigiá-lo. Por outro lado, ele por perto era alvo fácil.
— Não sei…
— E tem mais, ficando por aqui ainda posso te ajudar.
— Isso nunca.
— Não sou mais criança, bro.
— Não quero você metido nisso. — Diego abriu a boca para responder, mas antes que pudesse
falar, Wagner o interrompeu — Mas vou pensar sobre o que disse, agora me deixe sozinho.
— Tem certeza?
— Vaza logo, Dig.
— Ok, tô indo. — Diego se virou e saiu.
Depois que seu brother se foi, Wagner trancou a porta do quarto e sentou-se na cama abrindo
novamente seu notebook e ligando o programa que ele precisava.
Não demorou muito e a imagem da casa daquele policial apareceu. Ele estava sentado no quintal
da frente, enquanto seu filho corria de um lado para outro brincando com uma bola, chutando contra a
parede enquanto gritava “gol”.
E então ele soube que o ponto fraco daquele homem era o garoto. Se ele quisesse fazer o cara
falar, o moleque era a chave.

***
Quando Camila abriu os olhos, a claridade a incomodou, mas imediatamente ela estranhou o lugar,
então esfregou os olhos enquanto se sentava. Quando tornou a abri-los viu Lucas, sentado na poltrona
do outro lado do quarto, dormindo.
Ela olhou ao redor e forçou sua mente a se lembrar do que tinha acontecido na noite anterior, mas
só tinha alguns flashes de memória. O rosto de Lucas aparecia e sumia no meio dessas lembranças, o
que não a ajudou a se recordar de como foi parar lá.
Nota mental: não beber mais tequila. — ela pensou, enquanto se levantava devagar.
Não queria acordar Lucas e precisava lavar o rosto, a boca e principalmente beber água. E foi
então que ela reparou que ao lado da cama, na mesa de cabeceira, havia uma garrafa de água mineral
e dois comprimidos. Imediatamente ela pegou os dois e tomou, mas antes que pudesse ir ao banheiro,
Lucas acordou.
— Bom dia.
— Oi. — ela disse envergonhada.
— Como se sente?
— Um lixo. — ela sorriu — Mas é bem feito pra eu aprender.
— Todo mundo já bebeu mais do que devia.
— É. — ela desviou o olhar — Obrigada, eu acho.
— Pelo quê?
— Por ter cuidado de mim. — ela apontou para a cama — Apesar de não ter nenhuma obrigação,
você…
— Eu jamais deixaria alguém que eu conheço bêbada e sozinha pela rua de madrugada.
Aquilo foi como um tapa em Camila. Ele a estava tratando com indiferença. Mas por que deveria
ser diferente? Afinal ela tinha viajado sem sequer dar satisfação ou avisar, passou quase um mês fora
sem entrar em contato. Ela merecia aquilo!
Camila apenas assentiu e perguntou onde era o banheiro, depois que Lucas informou, ela foi lavar
o rosto. Quando voltou ao quarto, ele estava no mesmo lugar, com as mãos juntas na frente do corpo
olhando fixamente para a janela.
— Bem, eu… vou pedir um Uber. Obrigada mais uma vez.
— Você não precisa sair correndo, Camila.
— Não quero dar mais trabalho do que já dei, apesar de você fazer isso por qualquer pessoa que
você conheça, não quero incomodar. — ela calçou os sapatos e procurou sua bolsa, quando ela
achou, pegou a coisa e abriu, tirando de lá seu celular, que estava completamente sem bateria.
— Droga! Está sem bateria. — ela suspirou — Pode me emprestar o seu?
— Se você parar de bobeira, eu posso tomar um banho rápido e te levar em casa.
— Já disse que não quero dar mais trabalho.
— Camila… — Lucas se levantou rápido e se aproximou dela, deixando apenas alguns
centímetros entre os dois — O que você quer que eu diga? Que fui correndo quando Sara me ligou?
Merda! Você me abandonou, foi sei lá pra onde, fazer não sei o quê, responde minha mensagem de
forma evasiva e some por longos vinte e quatro dias, quando volta não me avisa, aí eu recebo uma
ligação da Sara e você está bêbada, praticamente desmaia nos meus braços… Droga! Fico
imaginando o que poderia ter acontecido se você tivesse ido embora sozinha.
— Desculpe.
— Se quer mesmo se desculpar comece a me contar o que aconteceu com você.
Camila não estava certa sobre contar, mas sabia que Lucas merecia uma explicação à altura. Ela
nunca falou exatamente sobre Wagner para ele, mas definitivamente, por uma questão de respeito, ele
merecia saber toda a história.
— Tá certo, mas eu preciso de um café.
— Tenho bastante pó na minha despensa.
Camila sorriu e tirou novamente os sapatos enquanto acompanhava Lucas até a cozinha.

Enquanto ele preparava a cafeteira para coar o café, Camila se sentou no banco em torno da
bancada e observou. Logo em seguida, Lucas pegou algumas frutas e começou a cortar.
— Você pode falar enquanto eu corto isso aqui. — ele apontou com a faca para as frutas.
Camila suspirou.
— Eu disse a você que gostava de alguém. Wagner. Bem, há alguns meses, eu o conheci. Ele era
tudo que sempre me chamou atenção. Divertido, brincalhão, implicante… Enfim, a gente foi se
aproximando, se conhecendo e quanto mais eu tinha contato com ele, mais eu me apaixonava e tudo
parecia caminhar para o rumo certo, mas então sem mais nem menos ele se afastou. Eu fiquei triste
mas convivi com isso. Só que sofri um atentado e ele me salvou, achei que íamos nos acertar depois
disso, mas o primo dele, namorado da minha irmã, foi assassinado e tudo desandou…
Enquanto Camila contava toda a história em detalhes, Lucas apenas assentia, e quando ela
começou a falar do motivo pelo qual viajou repentinamente, desejou estar no lugar de Wagner. Ele
era um sortudo filho da puta e sequer se dava conta disso. Uma mulher como Camila, forte,
independente, cheia de personalidade, abdicar de tudo mesmo que temporariamente para ir cuidar de
um cara, é a maior demonstração de amor que alguém poderia desejar. E fazer o que ele fez? Da
forma que fez?
Lucas nunca o perdoaria por magoar Camila daquela forma e prometeu pra si mesmo que se um
dia ficasse frente a frente com ele, daria uns socos para ensinar uma lição a ele.
Não! Lucas não era um homem violento, de forma alguma, mas naquele momento ele não
conseguia pensar em outra coisa.
Mas o problema era que ele via nos olhos da Camila todo amor que ela sentia por ele. E aquilo só
o magoava mais, porque ele sabia que podia fazê-la feliz, fazê-la esquecer o idiota, mas ela tinha que
querer isso, e apesar de toda mágoa, ela demonstrava o contrário.
Quando Camila terminou de contar toda a história, ele já estava sentado à mesa tomando café
junto com ela, mas permaneceu em silêncio um tempo.
— Bem, essa é toda a história. — ela suspirou — E ontem eu queria beber, sabia que não me faria
esquecer de vez, mas pelo menos temporariamente. Só que eu não tinha a intenção de extrapolar tanto
a ponto de… — ela deu um sorriso sem graça — precisar de salvador.
— E o que você quer agora?
— Como assim?
— Camila esse cara, ele não te merece.
— Ah, como se eu não soubesse disso.
— Ele não merece o que você sente.
— Eu também sei disso, Lucas, mas a gente não arranca ninguém de dentro da gente assim. Não se
deixa de gostar de alguém da noite pro dia.
— Não mesmo. — ele deu um sorriso fraco e bebeu seu café.
— Se eu pudesse escolher, — ela colocou a mão sobre a dele — amaria você.
— Você pode.
— Claro que não.
— Pode tentar, pelo menos.
Ela tirou a mão de cima da dele e seu ombro caiu, visivelmente derrotada.
— Lucas, não posso fazer isso com você de novo. Não seria justo.
— Deixa que eu decida isso, Camila.
Ela não respondeu, apenas se levantou e caminhou para fora da cozinha, mas antes que ela
pudesse se afastar muito, Lucas segurou-a pelo braço e a fez virar-se de frente para ele.
— Não foge.
— Não estou fugindo, estou apenas fazendo a coisa certa.
— Besteira. — ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha — Vamos começar de onde
paramos e se eu não conseguir fazer você esquecê-lo, prometo deixá-la em paz, mas eu preciso
tentar, você precisa tentar.
— Isso está errado.
— Vou te provar que não está. — ele colocou as mãos no rosto dela e a beijou com tanta
intensidade, tanto carinho, tanta certeza, que tudo que Camila pôde fazer foi retribuir o beijo.
Capítulo Vinte e Cinco

Laura não sabia quanto tempo havia demorado para adormecer, já tinha alguns dias que ela não
estava conseguindo dormir direito, mas quando acordou e abriu os olhos, seu coração acelerou e ela
deu um grito, que logo foi abafado por uma mão sobre a sua boca. Não conseguia se mexer. Suas
pernas e braços estavam amarrados, o peso da mulher sobre seu corpo, sentada em seu quadril,
impedia que ela se mexesse.
Seus olhos se arregalaram em puro pavor, enquanto a mulher sorria com escárnio.
— Eu sabia que você era bonita, princesa, só não imaginava que fosse tanto. — ela usou a mão
livre para acariciar o cabelo de Laura.
Apavorada, ela olhou para cima na tentativa de ver se havia alguém ali para pedir socorro, e só
então percebeu que havia um lençol na grade da cela, impedindo que quem estivesse de fora visse
qualquer coisa lá dentro.
— Ninguém pode te ajudar, mas se você for boazinha, prometo que não vou te machucar. Basta
você ficar quieta.
A mulher apertou ainda mais a mão contra a boca de Laura e desceu a mão livre pelo corpo dela,
colocando debaixo da camisa e tocando seus seios. Laura tentou gritar, mas ela não permitiu e deu um
tapa na cara dela.
— Cala a boca vadia. — ela bateu de novo e Laura se sentiu tonta.
A mulher pegou uma camisa velha e suja e rasgou um pedaço. Fez um bolo e enfiou na boca de
Laura, antes de usar o resto para amordaçá-la. Os gritos de Laura saíam abafados, quase inaudíveis.
Quem os ouvisse podia confundir com gemidos e, nesse caso, ninguém se metia.
A mulher ergueu a blusa de Laura e mordeu os seios dela com força, antes de continuar descendo
pelo corpo dela. Laura se remexia tentando se livrar, em vão. Seu olhar era de medo e nojo, o que só
fazia a mulher gostar ainda mais do que estava fazendo, e quando ela afastou a calcinha de Laura para
o lado, a penetrou com o dedo, sem o menor cuidado a machucando com sua unha grande, a
expressão de prazer deixou Laura ainda mais assustada.
Depois ela tirou o dedo de dentro dela e levou à boca.
— Ah, você vai ser a minha deliciosa. — ela voltou a penetrar Laura com força e enquanto via as
lágrimas correrem pelo rosto dela, sorriu — A propósito, deliciosa, meu nome é Giovana, mas você
pode me chamar de Gio.
Ela continuou abusando de Laura até se cansar, tocando o corpo dela com os dedos e a boca onde
queria, repetidas vezes, e quando finalmente se deu por satisfeita, ela segurou seu cabelo com força e
a encarou.
— Se você contar pra alguém a nossa brincadeirinha, eu vou matar você. Se você não me
obedecer, eu vou matar você, e se você não fizer exatamente o que eu mando, vou matar você.
Estamos entendidas? — Laura balançou a cabeça confirmando e a mulher sorriu, passando a língua
no rosto dela antes de sair de cima de Laura e começar a soltá-la.
Quando ela tirou a mordaça, Laura estava sem ar. Mas ficou ainda deitada onde estava sem forças
e se sentindo dolorida.
— Olha, não sei quem é você, mas podemos conversar, eu posso te arrumar quanto dinheiro
quiser…
— Cala a boca, vadia. Esse é o mal de vocês, ricos. — Giovana olhou furiosa para Laura —
Acham que o dinheiro compra tudo, fazem promessas e não cumprem.
— Eu faço o que você quiser.
— Então cala essa boca imunda e vai dormir. Amanhã teremos um longo dia pela frente. —
Giovana tirou o lençol da grade e subiu no beliche.
— É sério, eu tenho muito dinheiro, tem que ter algo que você queira pra me deixar em paz. Me
diz e eu te dou, meu pai…
— Seu pai é um velho amigo. — ela pronunciou a palavra com deboche — Tenho tudo o que
quero bem aqui. Estou na cadeia graças ao seu pai e você, minha deliciosa, é o acerto de contas.
Laura fechou os olhos. Estava literalmente ferrada. Sabia que o dinheiro não compraria aquela
mulher e se ela queria se vingar do seu pai, ela era um prato cheio.

***
Diego estava esperando por Leandro, impaciente. Enquanto aguardava naquela mesa da padaria
mais famosa do bairro, balançava a perna. Tinha acontecido tantas coisas desde a noite anterior que
parecia uma vida. E se Wagner não concordasse? Se não aceitasse o argumento dele e ainda assim
decidisse mandá-lo para fora do país?
Certo, ele tinha dezoito anos, era dono do seu nariz, mas devia tanto a ele que a verdade era que
ele não seria capaz de negar. Além disso, sabia que quando Wagner enfiava uma coisa na cabeça,
ninguém tirava.
Além disso, teve aquela conversa deles sobre o relacionamento dele com Leandro.
Quando ele avistou o namorado caminhando na direção dele, se levantou e assim que Leandro se
aproximou ele segurou sua nuca e o beijou, sem se importar com olhares na direção deles. Apesar de
estar cedo, algumas pessoas já transitavam por ali indo para seus trabalhos. Quando suas bocas
finalmente se afastaram, Leandro tinha os olhos arregalados.
— O que foi isso?
— Liberdade! — Diego o segurou pela mão e o levou para a mesa — Wagner sabe sobre nós.
— Você contou?! — Leandro não conseguiu esconder o sorriso e a surpresa.
— Na verdade, Wagner meio que forçou a barra, ele já sabia.
— Como assim já sabia? Nós nunca…
— Não importa, a parte boa é que como eu já esperava, ele não se importou, não mudou comigo,
não deixou de me respeitar.
— É, bem que podia ter falado antes.
— Agora isso também não importa. — Diego tomou seu refrigerante e desviou o olhar.
— E o que mais?
— Quem disse que tem mais.
— Te conheço!
— Wagner está… diferente. Eu não posso entrar em detalhes, não é da nossa conta, mas ele tá. E
está com alguns problemas também e por causa desses problemas… — Diego suspirou — Ele quer
que eu saia do país por um tempo.
— Quê?! Você está brincando, né?
— Não. — ele bebeu mais do seu refrigerante — Eu tentei argumentar e ele ficou de pensar, mas
se ele não mudar de ideia.
— Você não precisa ir. — Leandro disse, não escondendo seu desespero — Nós dois podemos
trabalhar, alugar alguma coisa juntos, você não precisa dele.
— Não, mas ele precisa de mim.
— Do que você está falando?
— Não sei explicar, mas ele parece estar com síndrome de perseguição, fala sozinho…
— Esquizofrenia.
— Quê?
— Já tivemos um paciente assim no hospital. — ele disse. Leandro era enfermeiro e trabalhava no
maior hospital da cidade — Esquizofrenia. Precisa tomar cuidado, ele pode ficar violento.
— Não sei se é isso, acho que algo desencadeou e alimentou isso nele, eu preciso descobrir como
fazê-lo voltar a ser o mesmo de antes.
— Então primeiro precisa descobrir qual foi o estopim.
— Eu vou.
— Mais um motivo pra você não poder sair do país.
Diego sorriu.
— E você nem gosta disso, de me dar vários motivos…
— Ei, cada um luta com as armas que tem.
Leandro sorriu e Diego se esticou por cima da mesa para dar um beijo rápido nele antes de pedir
outro refrigerante.
Durante o resto do dia os dois permaneceram ali, até que Leandro teve que se despedir para ir
trabalhar.

***
Laura não conseguiu dormir, passou a noite acordada com medo de ser amarrada de novo ou coisa
pior. Além disso, ela precisava pensar em uma maneira de fazer aquela mulher deixá-la em paz.
Tinha se acostumado mal, acostumada a ter dinheiro o tempo todo definindo as coisas, e agora que
ele não seria uma opção, precisava pensar e achar uma outra saída para seu problema.
Ela ainda estava distraída com seus pensamentos quando Gio desceu do beliche.
— Bom dia, deliciosa.
Laura estremeceu e não respondeu.
— Seu pai não te deu educação? — ela segurou Laura pelo cabelo e empurrou o rosto dela contra
a grade do beliche — Quando eu falar com você, você responde.
— Bom dia. — ela disse choramingando, sentindo o gosto do sangue na sua boca.
— Boa menina.
O som das portas das celas se abrindo soou, informando que estava na hora do café da manhã.
Giovana pegou a camisa azul em cima da sua cama e vestiu por cima da camiseta branca que
usava. Enquanto ela se vestia, Laura observava.
Definitivamente, ela, quando não estava no inferno da prisão, devia ter sido uma mulher muito
bonita. Seu corpo ainda era definido e seu rosto apesar de marcado por aquele lugar, não tinha tantas
rugas. E o cabelo curto a rejuvenescia ainda mais. Lábios carnudos e olhos azuis incrivelmente
grandes a deixavam com a aparência do tipo que chamava atenção de qualquer homem, apesar de
que, ela definitivamente não gostava de homens.
Ou será que a cadeia tinha feito isso com ela? — Laura se perguntou.
— Vamos, deliciosa.
— Eu não tomo café com as outras presas.
— Não toma?
— Não. A guarda traz meu café da manhã aqui e…
— E isso vai mudar a partir de hoje.
— Por quê?
— Primeiro, porque eu quero, segundo, porque você tem que entender que, lá fora, você pode até
ser a princesinha do papai, mas aqui, você é só um número — ela apontou para o bolso da camisa —
e essa história de regalias, acabou.
Laura sentiu seu estômago embrulhar. Só de pensar em comer aquela lavagem da penitenciária.
— Você podia ficar aqui comigo e comer coisa melhor.
Irritada, Giovana segurou na camisa de Laura e a puxou com força para fora da cama, girando as
duas, antes de arremessar seu corpo contra a parede e fazer suas costas se chocarem no concreto.
— Ainda não entendeu que eu não quero nada dessa porra do seu dinheiro sujo? — ela puxou
Laura e a jogou novamente contra a parede. Ela era bem mais musculosa que Laura e pelo menos uma
cabeça mais alta — E a partir de hoje acabou essa merda. Eu tô aqui pra te ensinar alguns truques,
cadela, e o primeiro deles é que você não é melhor que ninguém.
Giovana virou Laura colocando ela de frente para a porta da cela e a empurrou.
— Andando, deliciosa, ou não vamos encontrar um lugar bom para sentar.
Laura pensou em reclamar com a guarda, mas isso só iria piorar sua situação ali dentro, então ela
apenas acompanhou o fluxo de detentas em direção ao refeitório.

Depois de pegar a bandeja com a gororoba que eles serviam de café da manhã: um suco ralo,
mingau de aveia que mais parecia vômito de bebê, uma fruta e um pão duro com alguma coisa rosa
esverdeado dentro, ela olhou ao redor procurando algum lugar para sentar. Seu estômago se contraiu,
não só por ter que comer aquilo, mas porque todos os olhares ali pareciam se voltar para ela.
Quando avistou Giovana, ela caminhou até onde a detenta estava sentada, mas quando foi se sentar
no banco ao lado do dela, Gio esticou a perna para o lado ocupando o lugar que estava vago.
— O que acha que está fazendo?
— Eu só ia me sentar.
— Do meu lado não. — as outras detentas da mesa deram uma risada.
Como Giovana podia já estar com tanto respeito entre elas se tinha acabado de chegar? —
Laura se perguntava.
Mas então ela se deu conta de que, ou a fama dela já se fazia forte entre as penitenciárias, ou ela
estava em outra ala ali mesmo e tinha sido transferida para a sua, o que não mudava em nada o quanto
ela estava fodida.
— Mas eu pensei…
— E você pensa, deliciosa? — Giovana perguntou debochadamente — Some da minha frente que
você está me cansando.
Laura não se afastou, apenas a encarou, e quando Gio apertou os olhos para ela de forma
ameaçadora, ela desviou o olhar e saiu.
Mas em todas as direções que ela olhava, só sentia hostilidade, e não era para menos. Desde que
tinha chegado à cadeia, ela nunca havia se misturado, tinha tudo do bom e do melhor, nunca dividindo
nada, e as outras detentas, claro, a odiavam por isso.
Agora ela estava ali, sendo obrigada a se misturar, mas sem poder, na verdade, se juntar a
qualquer uma delas, simplesmente porque elas não permitiriam.
E enquanto o burburinho de conversa se fez presente, Laura se deu conta de que era a única em pé,
sem lugar para sentar.
Um misto de ódio e pavor se instalou nela, mas naquele momento não tinha nada que ela pudesse
fazer, então se recostou em uma das paredes do refeitório e abaixou, colocando a bandeja sobre seus
joelhos antes de começar a comer aquela porcaria toda.
Capítulo Vinte e Seis

Aquelas paredes, apesar de claras e limpas, estavam sufocando. A cada dia, cada hora, cada
minuto naquele lugar, a esperança se esvaía. Já não podia mais suportar aquela situação, mas não
conseguia ver um jeito de sair dali e quando a empregada entrou, trazendo o almoço, sozinha, viu ali
uma oportunidade.
Pegou o talher de plástico que a empregada havia deixado sobre a bandeja enquanto recolhia as
toalhas no banheiro e quebrou a ponta da colher.
Quando a mulher saiu do banheiro, distraída, envolveu seu braço em seu pescoço e pressionou o
cabo da colher de plástico contra a garganta da mulher.
— Peça pra que abram a porta.
— Por favor, não faça isso, vão matar a gente.
— Eu vou matar você, faça o que eu mandei.
A empregada chamou o segurança, mas ele não atendeu, quando ela chamou novamente olhou de
soslaio para a câmera.
— Veja a câmera, eles já sabem o que você fez.
— Não me importo.
Pressionou novamente o cabo contra a garganta e quando a porta se abriu empurrou a empregada
para fora.
— Quero um carro pra me tirar daqui. — gritou e logo apareceram alguns seguranças.
— Solte ela e volte pra dentro do quarto.
— Você é surdo? Quero um carro…
— Por que você acha que a vida dela vale alguma coisa?
Arregalou os olhos enquanto se virava para a direção da voz, mas bastou essa distração para
sentir a coronhada na sua cabeça. Não desmaiou, mas sentiu-se grogue.
Antes que pudesse pensar em alguma coisa, sentiu os seguranças lhe segurando enquanto lhe
puxavam novamente até o quarto.
Ainda tentou relutar e sentiu seus pés acertando móveis e outros objetos, mas ao sentir uma agulha
ferir sua pele, sabia que estavam lhe dando um sossega leão.

***
Wagner não podia mais esperar. Já tinham se passado duas semanas e meia desde que ele voltou a
ter o controle da situação. Segundo as recomendações médicas, ele ainda deveria ficar pelo menos
mais duas semanas e meia sem andar, para só então, depois de um raio–x, ver quais as suas
condições.
Mas seu tempo estava se esgotando, quanto mais ficasse sem fazer nada, mais suas pistas
esfriariam, mais seu objetivo ficava longe, e ele estava começando a ficar cansado.
Mas a verdade é que ele não poderia agir sozinho e, como ele disse a Diego, colocar ele no meio
disso estava fora de cogitação, apesar de ele ter voltado atrás sobre tirá-lo do país, ainda o manteria
longe daquela merda toda.
Só lhe restava uma opção, mas antes ele ia acabar de vez com aquela limitação dele.
Lentamente ele se levantou, ainda apoiando nas muletas e respirou fundo. Depois colocou devagar
o pé da perna machucada no chão, deixando seu corpo acostumar com a sensação. Depois de quase
dois meses sem encostar no chão, era como se ele tivesse se esquecido de como andar. Quando se
sentiu confiante o suficiente, ele soltou uma muleta e manteve a outra sob sua axila e então deixou um
pouco do peso pender sobre a perna esquerda. Sentiu uma leve fisgada onde havia sido colocada a
platina, mas nada que ele não pudesse suportar.
Wagner então deu o primeiro passo. A fisgada aumentou, mas ainda assim estava suportável, então
ele deixou o peso sobre a direita e deu outro passo, mais outro e mais outro. Logo largou a coisa de
metal recostada sobre a parede do quarto e saiu, dando um passo de cada vez, ainda receoso como
uma criança que caiu enquanto aprendia a andar e tinha perdido a confiança, mas depois de mais
alguns passos, ele começou a andar mais rápido. Claro que ele estava mancando, mas nada que o
impedisse de se locomover livremente.
Era isso!
Ele tinha sua liberdade de volta e agora precisava colocar seu plano em prática.
Quando saiu pela porta da sala e chamou Raul, o segurança se espantou ao vê-lo de pé e sem a
ajuda das muletas.
— Tem certeza que você pode fazer isso? — Raul perguntou, enquanto se aproximava.
— Tenho. — ele deu de ombros — Raul, o quanto você estaria disposto a me ajudar em uma
coisa… hum, que não é exatamente legal.
— O quanto o senhor estaria disposto a pagar?
— Dinheiro não é problema.
— Então a lei também não. — Raul deu um sorriso torto — Pode contar comigo.
— Perfeito, prepare o carro, nós vamos a Curitiba.
— Positivo. — Raul assentiu e se afastou.

Quase duas horas depois, eles chegavam a Curitiba, mas antes de ir até o endereço que precisava,
resolveu fazer uma visitinha a uma velha amiga, e quando entrou naquela sala, onde a câmera já havia
sido desligada, não pôde evitar sorrir.

***
Laura já não aguentava mais aquele inferno. Giovana tinha tirado tudo dela, só permitiu que ela
continuasse com os produtos de higiene e limpeza porque dizia que gostava da pele dela macia e
cheirosa.
Ela estremeceu.
Só de lembrar que toda noite, há mais de duas semanas, aquela mulher a tocava, ela sentia nojo. E
não porque não tinha tentado lutar, mas das vezes que fez, como ontem, Giovana batia nela, a
enforcava até que ela perdesse os sentidos e então abusava dela da forma que queria, quantas vezes
queria.
Laura estava cansada, prestes a desistir, entregar os pontos, mas quando aquela guarda veio
chamá-la, sua esperança reacendeu.
— É o meu advogado?
— Não sei, princesa, não me disseram quem era.
— Mas e o meu pedido para falar com o diretor? Até agora não me deram resposta.
— Não te disseram? O diretor está de férias, só volta daqui três semanas.
— Merda!
— Relaxa, princesa, você está viva e isso é mais do que muitas que passaram por aqui podem
dizer. O que quer que você tenha para falar a ele, pode esperar, a menos que seja uma denúncia. Você
quer prestar uma queixa? — a guarda ergueu as sobrancelhas.
Laura cogitou fazê-lo, mas então se lembrou da última detenta que deu com a língua nos dentes e
como ela havia sido retirada da penitenciária: praticamente um farrapo humano.
— Não, não quero.
— Vocês nunca querem.
Quando chegaram à sala, a guarda abriu a porta e a esperança de Laura se esvaiu quando ela viu
Wagner sentado com os pés sobre a mesa, com um sorriso debochado no rosto.
— Cacete, você está péssima! Foi atropelada por um caminhão?
Laura olhou para o lado, para o espelho falso e verificou sua aparência. Imediatamente ela levou
as mãos à boca. Estava realmente horrível! Olheiras fundas marcavam seus olhos, além de manchas
escuras, que seriam hematomas que começavam a sumir. Seu cabelo estava uma zona e em sua boca
havia um corte horrível, que ela se lembrou que foi da noite anterior quando tentou lutar contra
Giovana. Em seu pescoço havia marcas das mãos da detenta, de todas as vezes que ela a asfixiou.
E a guarda ainda perguntou se eu queria denunciar alguém, será que ela não viu essa merda
toda? — ela se perguntou.
— O que você quer? — ela nem se deu o trabalho de sentar, sabia que ele estava ali para tripudiar
dela.
— O quê? Nem uma gracinha, piadinha, provocação? Nada?
— Merda, Wagner… você não sabe como têm sido meus dias e… — e foi então que ela se
lembrou do recado dele — Você sabe! Você que enfiou aquele monstro na minha cela.
— Monstro? A Gio é tão legal!
— Seu imbecil! — ela gritou, mas Wagner apenas sorriu.
— Sabe, a Gio tem uma história com seu pai, ele passou a perna nela e por isso ela foi presa.
Acredito que ela deve estar te tratando com a mesma cortesia.
— Por que você não me mata logo? — ela gritou.
— Porque a morte é pouco pra você.
— Você vai se arrepender disso.
Wagner se levantou e caminhou até a porta, mas antes de sair ele se virou para ela e sorriu.
— Pode até ser que me arrependa, mas só de te ver assim, já valeu muito a pena.

***
O carro estava parado diante da casa que ele havia vigiado por semanas. Em alguns minutos a
mulher sairia para levar a criança para a escola e então o marido esperaria até que ela voltasse. Eles
transariam e só depois ele sairia, sabe-se lá para onde.
A rotina era uma aliada valiosa para Wagner e depois de observá-los por tantos dias, sabia que a
deles não mudava.
Assim que ela saiu com o menino, Wagner tocou no ombro de Raul e os dois saíram do carro.
Raul parou diante do portão e tocou a campainha, enquanto Wagner se escondia em um ângulo que
não fosse possível vê-lo, e quando o policial abriu o portão, Raul atirou. A coxa do homem latejou e
ele tentou sacar sua arma, mas o segurança chutou para longe antes de Wagner aparecer.
Quando o policial o viu, seus olhos se arregalaram.
— Eu sei que me conhece e fico feliz de vê-lo assustado assim. — ele pegou uma fita silver tape
e depois de verificarem nos bolsos se havia celular ou documentos, ele prendeu as mãos do cara para
trás com a mesma fita, antes de Raul se afastar para pegar o carro.
Quando ele parou diante dos dois na calçada, Wagner sorriu.
— Vamos dar um passeio.
Raul pegou o homem e jogou-o na mala do carro antes de fechar a coisa, batendo com força,
fazendo a chapa de metal acertar a cabeça do homem que ainda relutava para sair dali.

***
Montenegro era pura fúria. Ele estava prestes a abandonar seu esconderijo e ir ver o que estava
acontecendo. Parecia a porra de uma conspiração. O advogado estava doente e tinha caído de cama
justamente quando o diretor havia entrado de férias, o que só servia para deixá-lo ainda mais
estressado.
Não tinha notícias de Laura há quase duas semanas e alguma coisa dizia a ele que precisava saber.
Que algo estava acontecendo com ela e isso era o suficiente para fazê-lo cogitar a possibilidade de
sair de onde estava. Podia tentar, tinha meios para isso, mas era arriscar demais. Se fosse preso, não
prejudicaria somente a ele, mas sua filha também.
Irritado, ele pegou o celular e ligou para Lino.
— Onde você está?… Quero que vá pra Curitiba agora e fale com Laura… Esquece esse cara por
enquanto e foque no que eu estou mandando… preciso de notícias da minha filha, ainda hoje. Vá.
Quando desligou, cogitou jogar o celular longe, mas sabia que isso só atrapalharia tudo.
Charles foi até seu bar e se serviu de uma generosa dose de uísque, mas antes que ele pudesse
tomar todo líquido do copo, bateram na porta.
Merda!
Não ter Lino por perto era ruim. Tinha que atender a porta, pois os outros seguranças não serviam
para porra nenhuma.
Quando ele abriu a porta, se deparou com um dos seguranças do galpão. Ele parecia nervoso.
— O que houve?
— A visita.
— O que tem ela?
— Deu trabalho de novo.
— Grande coisa. Ela sempre dá.
— Dessa vez foi diferente, ela tentou fugir.
— Como?
— Bom, quando a Berê foi servir o almoço… — o cara explicou tudo e quando terminou deu um
passo para trás diante da fisionomia de Montenegro.
— Mas que inferno, será que vocês não fazem nada direito. Já não falei que elas não podem entrar
sozinhas. Onde estava o segurança que fica na porta?
— Ele tinha ido ao banheiro, senhor.
— Me leve até lá.

Montenegro virou todo o líquido do copo antes de seguir com aquele segurança que ele sequer
sabia o nome até o carro. A maioria dos seus funcionários era assim. Ele tinha a fisionomia gravada
como um banco de dados. Por mais que fossem muitos, sabia cada detalhe das suas feições, mas no
quesito nome? Bem, nisso ele era uma negação.
Quando o carro estacionou diante do galpão, ele desceu do veículo e entrou no lugar como um
furacão.
Assim que o avistaram, os seguranças ficaram tensos, mas foram ao encontro dele, como era de
praxe.
— De quem era o turno de vigia quando o almoço foi entregue?
A voz dele exalava fúria e ele não tentou esconder isso.
— Eu tinha ido ao banheiro… — ele nem esperou o cara terminar, puxou a arma que estava presa
nas costas e deu um tiro na cabeça dele, acertando o centro da testa do segurança.
— Isso é o que acontece com gente incompetente que trabalha pra mim. — ele caminhou na
direção do quarto — Providencie um enterro decente para esse merda e depois me dê os dados da
família dele, que eu vou mandar um “agrado”.
— Sim, senhor.

Quando Montenegro entrou no quarto, o lugar ainda estava uma bagunça. A visita estava deitada,
olhando para o teto, com o pulso algemado à cabeceira da cama.
— Eu te dou tudo, do bom e do melhor. Você tem uma cozinheira particular, seus lençóis de cama
e toalhas são trocados todos os dias, ar-condicionado, TV com todos os canais possíveis e
imagináveis, e é assim que você retribui.
— Dar conforto a quem está cativo, não ameniza o fato de que lhe tirou a liberdade.
— Sua liberdade? Grande merda. Não é isso que você fez a vida toda? Tirar a liberdade dos
outros?
— Pessoas que mereciam.
— Merecimento é uma questão de ótica. Pra mim, você merece, e vê se não me dá mais trabalho.
Tive que gastar uma bala para punir o segurança que permitiu que essa bagunça acontecesse e ainda
servisse de exemplo para os outros. Da próxima, a bala pode ser direcionada a você.
— Já disse, me mate.
Montenegro deu uma risada debochada.
— Pra que, se ver seu desespero é muito mais divertido?
Antes que a visita pudesse responder ele se virou e saiu.
Capítulo Vinte e Sete

Wagner não gostava nem um pouco da ideia de mostrar a Raul onde ficava seu covil. Aliás, ele
não gostava da ideia de que alguém soubesse, ou sequer imaginasse que ele mantinha aquele lugar.
Ali era onde todo seu trabalho, todo seu mundo girava. Era um lugar afastado. Era o seu QG e ali ele
gastava muito tempo da sua vida, quando estava em uma investigação.
Mas desde que decidiu punir a corja do Montenegro, tinha se tornado outra coisa também.
Depois de dividir o porão – motivo que o tinha feito adquirir aquela casa – ao meio, tinha
transformado um dos lados em uma câmara de tortura. Com paredes à prova de som, sem ventilação,
com escoamento de água direto para o esgoto e, claro, pouca iluminação.
O cara, deitado naquela mesa fria, ainda estava desacordado.
É tua última chance de descobrires alguma coisa.
— Eu sei.
Depois, precisarás começar do zero.
— Eu sei, porra.
Mas com este será fácil, temos uma carta na manga. A criança. Ela é aquele quem tu precisarás
usar.
— Mas a criança não tem culpa.
Guilherme tinha culpa? Todas aquelas mulheres tinham culpa? Serás apenas um meio para
chegares a um fim. Toda guerra sofre perdas.
Wagner não respondeu, apenas pegou um balde com água e jogou sobre o rosto do homem, o
acordando. Ele tossiu, se engasgando e quando tentou se mexer e viu que não conseguia, gritou.
Era sempre assim. — Wagner pensou.
Primeiro eles se esgoelavam até não poder mais. Depois tentavam ameaçar e, quando viam que
não funcionava, apelavam para o lado bom dele. O problema era que o lado bom dele havia
adormecido e só existia uma pessoa capaz de despertá-lo, e ela não estava ali.
Quando o homem parou de gritar, olhou ao redor apenas para ver Wagner parado calmamente o
encarando.
— Acabamos com a fase da gritaria?
— Por que está fazendo isso? — Dantas perguntou e Wagner sorriu maliciosamente.
Ah! Ele tinha se esquecido das perguntas.
— Porque você tem informações que eu quero e você não vai querer me dar.
— Eu não sei de nada.
— Isso é o que vamos ver.
— Não sei, juro! — ele disse, apavorado, quando Wagner deu um passo na direção dele — Você
sabe que Gabriel me afastou, eu não tenho contato com mais ninguém da delegacia.
— Não quero saber de ninguém da delegacia. Onde está Montenegro?
— E por que acha que eu saberia?
— Bem, você foi afastado, não está recebendo salário e se mudou para um lugar afastado, longe
de todos que te conheciam. Estava tentando fugir?
— Não posso sair do país.
— Mas se mudou. Comece a dizer o que sabe.
— Não sei de nada…
Mas antes que ele pudesse terminar de falar, Wagner se aproximou dele e com um isqueiro
começou a queimar a sua orelha.
O homem gritou e se debateu, mas o cinto de couro em torno da sua testa impedia que ele se
desvencilhasse do fogo.
— Apenas diga o que eu quero e eu te libertarei.
— Você não vai e quando eu sair daqui…
Ah, a ameaça… estava demorando!
— Você sabe que só vai sair se eu quiser. — Wagner aproximou o fogo mais uma vez e o homem
gritou. Podia sentir o cheiro da própria carne queimando. — Onde ele está? Como ele entra em
contato com você.
Dantas estava em um dilema. Se ele falasse o pouco que sabia, ele o mataria e seria seu fim, se
ele não falasse, ele o mataria também. Mas ele podia tentar dissuadi-lo, então não falaria nada. Era
policial, podia aguentar alguma dor.
Wagner por sua vez, estava ficando irritado. Podia ver nos olhos do homem que ele sabia alguma
coisa, então ele colocou o isqueiro no bolso e pegou alguns pregos pequenos de aço e depois um
martelo.
Dantas esticava o olho para tentar ver o que Wagner ia fazer, mas quando sentiu o peso do
cotovelo dele sobre sua mão obrigando a ficar esticada, respirou fundo antes de sentir a fisgada.
Wagner colocou o prego debaixo da sua unha e com um martelo de borracha acertou a cabeça da
coisa de aço de uma única vez, fazendo o prego entrar na carne e o sangue jorrar. Dantas gritou e
sentiu sua pressão baixar e bile subir em seu estômago. Mas o cara não parou e repetiu o processo
em cada unha, nos dez dedos.
Quando terminou, a dor era tão grande que estava quase fazendo Dantas apagar, mas antes que isso
acontecesse, Wagner tornou a jogar um balde de água nele, impedindo que ele desmaiasse.
— Como você entra em contato com Montenegro? — ele pegou vários picadores de gelo e
começou a enfiar um por um, lentamente na coxa do homem tomando cuidado para não acertar
nenhuma artéria.
A consciência de Dantas ameaçou sumir novamente, mas antes que ele pudesse apagar, Wagner
apareceu diante dos seus olhos.
— Você é bem resistente, os outros já tinham desmaiado a essa altura. Acho que vou ter que
passar para o plano B.
— Vai me matar. — ele balbuciou.
— Não, vou tornar a coisa mais interessante.
— Como?
— Vou pegar seu filho e trazer ele para brincar com a gente.
— Nãããão!
Ele gritou, mas Wagner apenas sorriu e se afastou.
Quando saiu do porão, viu Raul sentado em sua sala assistindo TV. O homem arregalou os olhos
quando o viu, mas não se moveu do lugar.
— Você está bem?
Wagner franziu a testa e olhou para si. Só então percebeu que estava coberto de sangue.
— Não é meu. — ele disse — Vou tomar um banho e vamos sair, esteja pronto.
— Positivo.

***
Camila estava super animada, apesar de mais uma vez estar largando seu restaurante nas mãos do
seu su-chef. Mas ela não podia recusar o convite de Lucas. Eles iam ao parque de diversões e ela
adorava! Lembrava que quando era criança vivia pedindo a Márcia para levá-la, mas ou a irmã
alegava que não tinham dinheiro ou que não tinham tempo. A primeira vez que ela foi, tinha uns
dezoito anos e ainda se lembrava de como ficou parecendo uma criança. Encantada com cada
brinquedo que ela andava, a adrenalina correndo solta pelo seu corpo. Era incrivelmente divertido. E
agora ela iria, juntamente com Lucas.
Por falar em Lucas.
Ele estava sendo um bálsamo na vida tumultuada de Camila. Gabriel ainda não tinha conseguido
rastrear o celular da sua irmã, claro que não dependia diretamente dele. Se dependesse isso já estaria
resolvido, e ela continuava falando com sua irmã esporadicamente, quando, e se, ela respondia suas
mensagens.
E claro que ela omitiu toda aquela porcaria que tinha acontecido entre ela e Wagner. Sua irmã não
precisava saber de como aquela história tinha terminado.
Já Lucas era a parte boa dessa bagunça toda. Paciente, carinhoso e mesmo quando Camila pediu
calma a ele, muita calma, porque ela sequer conseguia ir para a cama com ele, o cara foi
compreensível. Isso só fazia com que Camila o admirasse ainda mais. Estava completamente
encantada, mas isso não ajudava em nada, já que amar mesmo, ela amava outro.

Quando Lucas chegou, Camila se despediu dos seus amigos e funcionários e foi ao encontro dele,
que a recebeu com um abraço apertado, um beijo de tirar o fôlego e uma caixinha de bombons
trufados que deixaram Camila com água na boca.
— Ai, chocolate! — ela disse sorrindo depois de retribuir o beijo.
— Achei que ia gostar.
— Amei! — ela abriu a embalagem e comeu um bombom, e quando ofereceu a ele, Lucas negou
— Vamos, estou ansiosa para ir na montanha-russa.
Lucas fez uma careta e mexeu o pescoço desconfortavelmente.
— Ah, não vai me dizer que você tem medo? — Camila já disse começando a rir.
— A coisa contradiz as leis da física.
— Ah, para! — ela riu mais.
— Mas eu prometo que vou fazer um esforço.
— Olha, eu seguro sua mão. — ela apertou a mão dele e continuou rindo e quando Lucas apertou
os olhos, fingindo estar irritado, ela riu ainda mais.

Alguns minutos depois eles chegaram ao parque e a expressão de felicidade que Lucas viu em
Camila era o suficiente para fazê-lo sentir-se igual. E claro, também para perceber que ela era
exatamente aquilo que ele sempre procurou em uma mulher. Que ao mesmo tempo em que é
trabalhadora, independente, determinada, é sonhadora, divertida, simples.
Mas havia se criado um abismo entre eles, e por mais que eles conseguissem se comunicar, ainda
não estavam no mesmo plano. Não tinham os mesmos ideais. Não compartilhavam do mesmo
sentimento. Ele sabia que ela gostava dele, o respeitava e até se sentia atraída, mas aquela palavrinha
de quatro letras, que ele já sentia por ela intensamente, estava longe de ser o que Camila sentia por
ele.
Mas ele não iria desistir. O cara que ela amava a tinha magoado imensamente, e essa era a brecha
que ele precisava para trocar de lugar com ele.
E Lucas seria paciente, como sempre foi.
Eles passaram a noite indo de um brinquedo a outro, quando pararam para comerem um algodão
doce. Camila sorria animada, pois eles iriam na montanha-russa logo em seguida.
Quando Camila colocou o primeiro pedaço daquele açucarado e delicioso doce na boca, seu
estômago revirou e ela precisou correr até a lata de lixo mais próxima para colocar tudo aquilo que
ainda restava em sua barriga para fora.
Após sentir como se seu corpo quisesse expulsar o próprio estômago, ela finalmente conseguiu se
erguer, mas estava tão pálida que Lucas rapidamente a segurou.
— Você está bem?
— Sim, estou. — ela disse respirando fundo.
— Tem certeza?
— Ainda estou um pouco enjoada e fiquei tonta, mas estou bem sim. Deve ter sido alguma coisa
que comi mais cedo.
— Camila, você está branca feito papel. Tem certeza que não quer ir ao médico?
— Claro que não. Só preciso beber alguma coisa, sentar um pouco, daqui a pouco estarei ótima.
Lucas olhou ao redor e quando avistou um banco, a levou até ele. Depois que Camila estava
sentada, ele colocou o cabelo dela atrás da orelha.
— O que você quer beber? Água?
— Não, me traz um refrigerante de cola. É ótimo pra enjoo.
— Tudo bem, já volto.
Lucas se afastou e então Camila colocou as mãos sobre o rosto e esfregou, tentando afastar o
pavor que tomava conta dela. Há pelo menos dois dias ela vinha sentindo enjoo e tontura. Não era
nenhuma menina boba e sabia que quando se fica na chuva, pode se molhar, e ela ficou debaixo de um
temporal, mas as consequências daquilo a apavoravam e muito.
Quando Lucas voltou, ela já se sentia melhor, mas ainda assim tomou o refrigerante. Depois eles
ficaram decidindo se ainda deviam ou não ir até a montanha-russa. Ela jurava que todo argumento
dele sobre ela estar passando mal, na verdade, era uma desculpa para que eles não andassem no
brinquedo.
— Não seja medroso, vamos. — ela o segurou pela mão e o puxou.

***
Lino teve que fazer algumas ligações para que permitissem que ele entrasse para ver Laura fora da
hora da visita. Claro que o advogado, mesmo doente, serviu para alguma coisa. Mas ele já estava
ficando impaciente. Aquela espera toda o irritava. Era um homem prático que fazia as coisas de
forma rápida e sucinta.
Já estava frustrado porque não permitiram que ele encontrasse Laura na mesma sala da qual o
advogado usava em suas visitas a ela. Eles teriam que se falar através daquele vidro com a porra do
telefone que ele encarava enojado, imaginando qual foi a última vez que alguém tinha limpado ou
desinfetado aquela coisa.
Ele retirou um lenço do bolso e tamborilou os dedos sobre a bancada de madeira enquanto
aguardava, mas quando Laura apareceu ele se levantou abruptamente.
— Mas que droga fizeram com…
Ela se jogou na cadeira e pegou o fone apontando para o dele, para que ele fizesse o mesmo.
Nesse instante ele até esqueceu o lenço e rapidamente levou a coisa ao ouvido.
— Mas que droga fizeram com você?
Laura estava horrível. Seu cabelo estava opaco e preso, seus olhos tinham manchas escuras ao
redor e estavam marcados por olheiras fundas. Ela não aguentava mais ser abusada, noite após noite.
Chegou ao desespero de pedir que Giovana a matasse, mais de uma vez, mas a mulher apenas sorriu
e negou. Fora as manchas no pescoço dos constantes enforcamentos. Além disso, a comida da prisão
lhe causava náusea, vez após vez, ela vomitava depois de almoçar o que lhe fez perder alguns quilos.
— Estão me matando, Lino. Por que demorou tanto a vir me ver? Onde está o advogado?
— O idiota está doente, ele te viu assim?
— Não, mas quando eu recebi a ameaça, o avisei, só que ele não deu importância.
— Que ameaça, porra?
Então Laura contou tudo, a ameaça que ela recebeu, a visita do advogado, a chegada de Giovana e
o inferno depois disso. Sobre cada merda que ela estava passando e como as guardas que foram
“compradas” por Montenegro estavam perdendo a força.
— Seu pai vai ficar muito puto.
— E sabe quem fez isso tudo, Lino? Sabe de quem é a culpa disso? — ela apontou para o próprio
rosto.
— Faço uma ideia.
— E o que vocês estão esperando para matar ele? Pegue aquele desgraçado. — ela sussurrou
contra o fone — Mate o Wagner!
Ela e Lino ainda conversaram um pouco mais, ele queria mais detalhes sobre Giovana e o que ela
estava fazendo com Laura. Depois que se despediram, ela conseguiu respirar um pouco. Sabia que
agora que essa merda toda chegaria aos ouvidos de seu pai, seria facilmente resolvida.
Capítulo Vinte e Oito

Montenegro não podia acreditar no que estava ouvindo. Ele nunca havia sentido tanto ódio em sua
vida. Uma coisa era mexerem com ele, outra era mexerem com a sua filha. E puta que pariu! Ele
sabia que não havia nada no mundo que pudesse parar Giovana. Ela tinha ódio dele. Charles sabia
que tinha muitos inimigos. Vez ou outra alguém tentava se vingar dele, mas nada se comparava à
fúria, rancor e sede de vingança que Giovana tinha, e ele sabia que ela só não tinha matado Laura
ainda, porque queria que ele soubesse o que estava acontecendo, que soubesse que ela estava se
vingando de toda traição que ele fez com ela, descontando em sua filha.
Olho por olho, dente por dente. Já dizia o ditado popular.
Há algum tempo Giovana tinha sido seu braço direito, e ela era tão ruim quanto ele naquela época.
Montenegro, apesar de nunca ter desistido de encontrar sua filha, não sabia como era o sentimento de
um pai para um filho. E por isso, tinha mandado a filha de Giovana para o exterior, para ser usada em
uma casa de prostituição na Bélgica. A menina era linda, lhe rendeu um bom dinheiro e quando
Giovana descobriu, eles brigaram e ela o ameaçou, e após muitos argumentos, exigiu que ele
trouxesse sua filha de volta, ele disse que ia resolver, mas na verdade nunca resolveu, não se
esforçou para isso e quando finalmente conseguiu contato com o comprador, dizendo que pagava pela
menina, para tê-la de volta, o cara cobrou o dobro.
Piada? — ele pensou.
Nem fodendo pagaria o dobro do preço por uma garota. Então mandou que a matasse e pagaria
metade do valor que tinha vendido para o cara, desde que ele mandasse o corpo de volta. Perderia
dinheiro, mas estaria economizando, e assim, ele diria a Giovana que tentou, mas que era tarde
demais. Que sentia muito, mesmo que na verdade não sentisse. E seu plano teria funcionado
perfeitamente, se ela não tivesse descoberto a verdade e jurado se vingar.
Medidas preventivas foram tomadas diante da tal ameaça.
Então ele armou para Giovana e ela foi presa. Menos uma inimiga no seu caminho e ele até nutria
algum tipo de remorso por toda a situação, ela era uma excelente segurança, melhor até que Lino, mas
agora, com o que ela estava fazendo com Laura, Charles começava a se arrepender de não ter
mandado matá-la em vez de prendê-la.
E a merda disso tudo era que nada nesse mundo ia fazê-la parar. E Laura não tinha muitos dias.
Precisava tirá-la daquele inferno.
Situações desesperadas requerem medidas desesperadas.
Ele já sabia o que fazer.
— Lino, vou mandar para seu e-mail algumas imagens, e uma carta. Vá a uma Lan house discreta,
imprima e entregue ao Goulart… — ele disse ao telefone — Não ao investigador, ao surfista. Ele
quem está por trás disso, então vamos direto a ele… Sim, o mais rápido possível. Laura corre
perigo!

***
Camila ainda tinha dificuldade em manter alguma coisa dentro do estômago. Estava atrasada e
decidiu que já tinha passado da hora de tirar suas dúvidas. Ela estava parada encostada na pia do seu
banheiro enquanto esperava aquele negocinho branco dizer como seria o futuro dela.
Eram os cinco minutos mais longos da sua vida.
Ela conseguiu pensar em tudo que ela tinha vivido até ali, como tinha sido conturbada a infância
dela e de sua irmã, que tinha sido, repetidas vezes, abusada pelo pai, e como ela se livrou dele para
protegê-la. Como, sua irmã sendo apenas uma adolescente e ela uma criança, Márcia a criou e as
duas se tornaram mulheres independentes, fortes e honestas. Como, no fim de tudo, a vida tinha sido
boa para ela. E foi então que ela tomou uma decisão: se aquela segunda listra aparecesse naquele
teste, ela iria criar seu bebê sozinha. Wagner nunca saberia que o filho era dele. Não precisava saber.
Não merecia saber, não depois de tudo. Ela podia fazer isso sozinha e faria.
Não que ela não tivesse se imaginado tendo um filho, com uma família formada. Mas nem sempre
aquilo que se sonhava era o que acontecia, e ela e seu bebê seriam muito felizes.
Ela olhou o resultado e seu corpo todo se arrepiou enquanto um sorriso surgia em seus lábios,
misturado com as lágrimas.
Ela estava grávida! E em meio a sorriso e lágrimas, Camila teve uma única certeza: sim, ela e seu
bebê seriam muito felizes.

***
Wagner estava parado no banco de trás do veículo, enquanto Raul apenas estava atento à
movimentação ao seu redor, focando em qualquer situação estranha que pudesse acontecer. A
movimentação na porta da escola estava aumentando. Já tinha algumas horas que ele havia deixado
seu covil e estava ali, aguardando.
Pela câmera que instalou na casa de Dantas, viu que sua esposa não tinha reagido normalmente ao
sumiço dele. Chamou a polícia, claro, mas continuou vivendo normalmente e ele não conseguia
entender isso.
Mas também não se importava. Afinal, com ela mantendo sua rotina seu plano não falharia.
Quando ele avistou a mulher de Dantas, pediu a Raul para que ligasse o carro. Eles iriam segui-la
até uma rua menos movimentada para que fizesse o que precisava, mas enquanto ele a observava,
uma outra mulher o chamou atenção.
Ela era loira, com cabelos compridos e quando ela se abaixou para a menininha loira que corria
na direção dela, Wagner engoliu seco. Camila! Mas quando a loira se virou, ele viu que sua mente
apenas lhe pregara uma peça e isso poderia ser um alívio, mas não foi. Ele sentia falta dela, queria se
desculpar por ter sido um idiota. Queria dizer a ela o quanto ele a amava e que sequer conseguia se
imaginar ficando com outra mulher. Mas sabia que ela não acreditaria. Para ela, ele era um crápula e
ele não podia culpá-la.
O que será que ela pensaria dele, se visse o que ele queria fazer agora? — ele pensou.
Imaginou-a gritando com ele, chamando-o de monstro e foi então que ele se deu conta de que
estava ultrapassando todos os limites. Se ele fizesse isso não seria melhor que Montenegro.
— Vamos embora, Raul.
— Mas eu achei que…
— Eu também, mas mudei de ideia. Apenas vamos.
Raul saiu com o carro e Wagner recostou a cabeça no encosto do banco e fechou os olhos. Tudo
que ele conseguia ver era o sorriso de Camila, o jeito como ela olhava para ele e todos os momentos
em que eles foram felizes durante aqueles dias que ficaram juntos.
Ele precisava achar Montenegro, porque depois que ele destruísse o desgraçado, ia lutar até o
último dia da sua vida, para ter sua Camila de volta. Para fazer com que ela o perdoasse por ser um
imbecil.
E enquanto estava perdido em seus pensamentos, seu celular tocou, recebendo uma mensagem.
Depois que ele leu, disse a Raul:
— Vamos até o quiosque do Zé.
— Em Matinhos?
— E você conhece outro? — ele disse rispidamente.
— Desculpe, senhor.
— Não, Raul, eu me desculpo. Estou meio azedo, só toca pra lá o mais rápido possível.
Zé não tinha o costume de mandar mensagens. Geralmente Wagner pegava as encomendas no
quiosque dele uma vez por semana, mas ele tinha dito na mensagem que era urgente.

Muitos minutos depois, Raul estacionava o carro na orla da praia, diante do quiosque do amigo de
Wagner.
Quando ele desceu do carro, percebeu que seu amigo tinha uma expressão estranha, como se
estivesse assustado e então se apressou até ele.
— O que houve Zé?
— Cara, tu tá metido em parada errada?
— Por que tá perguntando isso?
— Veio um cara muito estranho aqui hoje. Primeiro começou a fazer um monte de perguntas sobre
você e quando eu disse que só te conhecia daqui da praia, ele disse que sabia que eu guardava suas
correspondências e encomendas. Eu disse que sim, que você me pagava pra isso e que eu não fazia
ideia de onde você morava. Por sorte, ele pareceu se dar por satisfeito com a minha resposta e então
pediu para eu te entregar isso. — Zé puxou um envelope pardo e entregou a ele — Ele disse que eu
devia te avisar e que você devia receber essa encomenda antes das dezoito horas.
Wagner olhou para o relógio. Eram duas da tarde ainda.
— Eu agradeço a preocupação, Zé, mas não deve ser nada de mais. Provavelmente é um cliente.
— Se você tá dizendo, mas o cara me deu nos nervos. Se eu fosse você, tomava cuidado.
— Valeu, bro. Vou ficar atento.
Ele apertou a mão do cara e voltou para o carro. Quando entrou, pediu que Raul saísse e fosse dar
uma volta, enquanto ele abria o envelope em sua mão.
Quando ele jogou todo conteúdo sobre o banco do carro, o primeiro item a cair foi um celular,
daqueles antigos, de flip, logo em seguida começaram a cair várias folhas brancas, e então Wagner as
pegou e quando as virou, seu peito se apertou e ele sentiu como se todo sangue do seu corpo se
esvaísse. As mãos de Wagner começaram a suar frio e ele ergueu o papel, aproximando a imagem do
rosto como se quisesse ter certeza que a pessoa que aparecia ali era realmente quem ele achava.
Guilherme!
Capítulo Vinte e Nove

Que merda era aquela? — ele se perguntou.


Wagner começou a olhar foto após foto, tentando perceber alguma montagem, querendo entender o
que estava acontecendo. Aquele cara era visivelmente mais magro que Guilherme, e sua aparência
demonstrava cansaço, exaustão na verdade. Era como se seu primo tivesse envelhecido anos em
alguns meses.
Mas aquilo não podia estar certo, podia? Guilherme estava morto. Enterraram o corpo dele. Não!
Enterraram um corpo, que estava no carro alugado por ele e explodiram o carro enquanto Márcia,
namorada do seu primo, assistia o carro ser destruído pelas chamas, assim como o homem dentro
dele.
O estômago de Wagner revirou, mas ele não conseguia parar de olhar aquelas fotos. Tentava
inutilmente achar uma explicação para aquilo. Olhou dentro do envelope e viu que tinha mais uma
folha que estava dobrada e quando ele a pegou viu que era um bilhete, impresso.

Saudações, rapaz.
Antes de mais nada, quero lhe parabenizar. Sempre fui um cara de muitos inimigos, mas sempre
foi fácil demais enganá-los e até me livrar deles. Mas você é diferente, você é um adversário à
altura, o tipo de cara que não mede esforços e sabe atingir o ponto fraco do inimigo. E isso deve
ser levado em conta e admirado.
Entretanto, não posso deixar de me gabar quando fiz todos vocês acreditarem que o promotor
estava morto. E nem precisei me esforçar para tanto.
Mas a brincadeira acabou. Em breve entrarei em contato.
Considere as fotos uma prova de boa fé.

Wagner ainda releu aquela mensagem algumas vezes e então saiu do carro, carregando o envelope
e seu conteúdo, ainda atordoado demais para tomar qualquer decisão. Para saber exatamente qual
próximo passo a dar.
Ele acendeu um cigarro e começou a pensar em toda aquela merda.
Por mais que se seja uma pessoa precavida, que planeja cada passo a tomar, ser pego de surpresa
e ainda por cima, dessa forma, não é fácil de lidar.
De repente ele começou a pensar em todos que sofreram com a morte de Guilherme: Márcia,
Gabriel, Monique, Camila.
Camila! — doeu pensar nela.
Ele a afastou, inúmeras vezes, talvez a tivesse perdido para sempre e a troco de quê?
Enquanto pensava nisso o celular que estava dentro do envelope tocou. O número estava restrito,
claro, mas também nem precisava que aparecesse para que ele soubesse quem era.
Montenegro!
— Alô. — Wagner respondeu, ainda atônito.
— Saudações, rapaz.
— Montenegro!
— Em pessoa. — ele deu uma risada rouca, cheia de deboche — Me disseram que você está se
esforçando bastante pra me encontrar. Resolvi poupar seu tempo. O que você quer?
— Sua cabeça. — Wagner entrou no carro novamente para que ninguém ouvisse a conversa.
— E o que você faria com a minha cabeça? Que desejo mais estranho.
— Quero que seja punido por tudo que fez.
— Por tudo ou só pela suposta morte do seu primo? — outra risada ecoou no ouvido de Wagner,
o que só fez com que ele ficasse ainda mais irritado — Vamos direto ao ponto rapaz, porque eu não
tenho tempo, nem paciência para joguinhos. Você tem algo que eu quero e eu tenho algo que você
quer. Simples assim. Proponho uma troca.
— Primeiro, quem me garante que essas fotos não são montagens?
— Eu não me esforçaria tanto. Isso é coisa de amador e nós dois sabemos que se tem uma coisa
que eu não sou, é amador.
— Segundo, o que você quer?
— Desculpa, eu me enganei. Julguei você mal. Fui precipitado no meu conceito em relação a
você. — Wagner pôde perceber a impaciência na voz do homem — Você não é inteligente, nem um
adversário à altura, senão não estaria me fazendo essa pergunta estúpida. Quero minha filha.
— Ela está na cadeia.
— Bom, acredito que esse seja outro ponto irrelevante, já que é notícia velha. Está me
decepcionando rapaz.
— Quero mais provas.
— Minha palavra não basta?
— Nem fodendo.
Montenegro deu outra risada debochada.
— Ponto pra você. — Wagner ouviu um barulho como se ele estivesse abrindo uma porta — Vou
mandar, em dois dias, um vídeo, com seu primo nele, segurando o jornal de hoje. Ele
provavelmente terá direito de falar alguma coisa.
— Depois que eu receber esse vídeo, aí podemos, talvez, negociar.
— Não seja impertinente, rapaz. O único motivo para esse promotorzinho de meia tigela ainda
estar vivo, é a fixação que Laura tem nele. Só por ela eu o mantive como um bichinho de
estimação e, acredite, ele foi muito bem tratado, com direito a banho e tosa. Entretanto, eu soube
que minha filha não está tendo a mesma cordialidade graças a você, e rapaz, você não faz ideia de
como isso me deixou irritado. Então vamos deixar uma porra bem clara. — ele alterou um pouco
sua voz — Eu quero minha filha tendo o mesmo tratamento, ou talvez seu primo até volte pra
vocês, mas pode ser que faltem algumas partes, e Wagner, você sabe que eu não estou blefando.
Quero hoje, minha filha livre de Giovana e daqui dois dias você receberá o vídeo. Vou mandar meu
capanga verificar se ela está livre mesmo da mulher. Se não, é provável que no vídeo já esteja
faltando alguma parte dele…
— Você não…
— Quieto que eu ainda não acabei. Seus pais não te deram educação, rapaz? Quando um burro
fala o outro abaixa a orelha. — Montenegro continuou — Eu vou entrar em contato com você nesse
celular, apenas nesse celular e só irei dirigir minha palavra a você, então não o deixe com
ninguém, não o esqueça em lugar nenhum e nem se dê ao trabalho de tentar rastrear meu número
ou ligação, porque me certifiquei que isso não fosse possível. Como já disse, não sou amador.
Outra coisa: eu, e apenas eu, dou as cartas. Não pense nem por um segundo que você pode exigir
alguma coisa, porque não pode. E não vai. Então eu vou desligar agora e deixar você processar
tudo isso, sei que deve ser muita coisa pra entender. E não se esqueça, tire Giovana de perto de
Laura, antes de eu enviar o vídeo.
Antes que Wagner pudesse responder, Montenegro desligou e ele socou o banco da frente do
carro.
Que diabos foi aquilo? — ele se perguntou, irritado.
Como tinha, mais uma vez, deixado as coisas no ponto em que estavam? Tinha deixado
Montenegro levar a melhor. Mas isso não ia ficar assim, não mesmo. Ele iria entrar no jogo dele, mas
quando menos esperasse, Wagner iria mostrar a ele quem era.
Quem ri por último, ri melhor.— ele resmungou para o aparelho antes de ligar para Raul e
mandar que ele voltasse para o carro.
— Vamos para Curitiba. — ele disse assim que Raul entrou no carro.
— Sim, senhor.
Wagner procurou seu celular no bolso e discou um número.
— Oi, querida, sou eu… Preciso de um favor… Eu sei, eu sei… Tire Giovana de perto de
Laura… Não sei, dá um jeito… obrigado Hilda, fico te devendo mais essa.
Claro que ele não acreditava em Montenegro. Aquele cara seria capaz de vender a própria mãe
para conseguir alguma coisa, mas se aquelas fotos fossem reais, ele não podia arriscar a integridade
física de seu primo.
Caso ele estivesse mentindo, levaria Giovana para perto de Laura novamente e dessa vez, as
coisas ficariam feias de verdade!

***
Camila estava nervosa! Tinha aproveitado que uma frente fria havia se abatido sobre a cidade e
feito o movimento do restaurante cair drasticamente, para fechar mais cedo. E depois de ir para casa,
ligou para Lucas. Precisava conversar com ele sobre o bebê.
Naquela tarde ela havia tirado uns minutos de folga e ido ao hospital. Como era amiga de uma
enfermeira lá, conseguiu fazer uma ultra, queria apenas confirmar o que o exame que ela tinha feito
em casa já tinha lhe dito, e depois de descobrir que estava com seis semanas, decidiu que seria
honesta com Lucas. Ele merecia. Não era justo ele investir tanto nela, enquanto ela estava grávida de
outro homem.
Preparou algo rápido e já ia separar o vinho, quando se lembrou que não podia beber.
Você não, mas Lucas pode e talvez até precise. — ela disse a si mesma antes de pegar a garrafa e
colocar sobre a mesa. Logo em seguida pegou uma garrafa de suco de uva, da mesma marca que o
vinho e colocou ali também, para ela.
Quando a campainha tocou, ela secou as mãos que suavam frio e foi abrir a porta. E como era de
se esperar, Lucas estava sorridente e quando entrou, puxou Camila e a beijou intensamente, deixando-
a sem fôlego.
— Boa noite. — ele disse depois que suas bocas se afastaram — Alguma ocasião especial? —
ele perguntou quando viu a mesa.
Camila tinha preparado uma salada caesar e alguns camarões. De repente sentiu um desejo
insaciável de comer camarão. Só de pensar sua boca enchia de água e como ela não era de negar uma
boa comida, uniu o útil ao agradável, ou nem tanto, já que aquela conversa seria, se não difícil, no
mínimo estranha.
— Depende do ponto de vista.
Lucas sorriu.
Estava esperançoso, Camila tinha dito que precisava conversar com ele, um assunto sério. Talvez
ela tivesse finalmente visto que ele era o homem certo para ela e fosse aceitar ser sua namorada. Até
então, ela deixava claro que eles eram amigos com benefícios, mas ele nunca gostou do título.
Namorada, estava bom para ele, mas dependia dela. E finalmente o dia tinha chegado.
Depois que ela serviu o vinho para ele, Lucas estranhou quando ela pegou a garrafa de suco e
colocou em sua taça.
Antes de se sentar ela propôs um brinde.
— Às novas fases em nossas vidas. — quando ela viu o rosto de Lucas se iluminar, franziu a testa,
enquanto bebia seu suco, não entendia o motivo da animação dele. E quando ela se deu conta do que
aquilo podia estar parecendo, era tarde demais.
— Eu sabia. — Lucas a puxou a abraçando, antes de beijá-la intensamente — Sabia que mais
cedo ou mais tarde você veria que sou o cara certo pra você e aceitaria ser minha namorada.
Camila sentiu-se tonta, mas antes que pudesse tentar explicar, ele a beijou novamente e ela
retribuiu o beijo, mas sua cabeça era um turbilhão e logo a situação fez seu estômago reagir, então ela
o empurrou e correu rápido o suficiente para chegar ao banheiro e colocar o que havia em seu
estômago para fora, dentro do vaso.
Enquanto seu estômago parecia ter vida, ela sentiu a mão de Lucas em suas costas, o que a fez
estremecer.
Como ela não tinha pensado nisso antes? — ela pensou enquanto sentia sua barriga se acalmar.
Quando conseguiu levantar, foi até a pia e lavou sua boca, escovou os dentes, antes de se virar
para Lucas.
— Podemos voltar pra sala?
— Tem certeza que está bem? Não está doente?
— Lucas, por favor, vamos para a sala.
Ele assentiu e a seguiu até o outro cômodo.
Depois que os dois se acomodaram nas cadeiras, Camila apoiou os cotovelos no vidro e pesou
sua cabeça sobre as mãos, dando um longo suspiro. Estava tentando evitar as lágrimas que teimavam
em se formar nos seus olhos. Ela odiava isso. Mas aquela situação toda era horrível.
— Desculpa.
— Por que está se desculpando?
— Por ter feito você entender tudo errado. — ela ergueu o rosto e o encarou.
— Ah. — a decepção ficou visível no semblante de Lucas, e Camila se odiou por isso — Tudo
bem,você não tem culpa. Eu deveria ter esperado você falar. — ele sorriu, mas foi um sorriso que
não alcançou os olhos — Mas me conte, qual a mudança? Eu arriscaria o restaurante, mas depois do
mico que eu paguei eu…
— Estou grávida.
Lucas tossiu e arregalou os olhos, sentindo suas mãos suarem frio.
Ele sempre quis ser pai.
— Do Wagner. — ela disse assim que percebeu o semblante dele ir de decepcionado para
esperançoso mais uma vez.
E agora ela queria mesmo se bater. O cara parecia ter levado um soco.
— Desculpa.
— Para de se desculpar, por favor. — ele pediu e foi a vez de ele deixar a cabeça sobre as mãos
olhando para os próprios pés através do vidro.
— Como sabe que é dele?
— Bom, nós só ficamos juntos uma vez e usamos camisinha, já com ele…
— Tudo bem. Nem sei por que eu perguntei. — ele se levantou e caminhou na direção da porta,
mas em vez de sair ele apenas ficou encarando a coisa, antes de se virar e voltar até ela — Ele sabe?
— Não e eu não vou contar.
— Ele tem o direito, Camila…
— Não me venha com essa de direito, depois do que fez, ele não tem.
— Bem, a decisão não é minha, mas eu aconselho você a contar.
— Não quero ele na minha vida. — ela olhou para a barriga e acariciou — Nas nossas vidas.
Quero dizer minha e do bebê.
— Eu já entendi que eu estou sobrando.
Camila se levantou e foi até Lucas.
— Não está, não te chamei aqui para te afastar.
— Não?
— Não, Lucas, eu só queria, como sempre, ser honesta com você. Há um fator novo e importante
na minha vida, algo que vai me tomar tempo, dedicação. Não quero um relacionamento, mas ainda
quero um amigo.
— Eu não posso ser só seu amigo, Camila. Amo você demais pra isso.
Ouvir aquelas palavras fez o coração de Camila se apertar. Como ela queria amá-lo, de verdade,
mas as pessoas não mandavam nos sentimentos.
— Não me abandone, Lucas. — ela pediu — Eu só tenho você.
Ela sabia que estava sendo egoísta, que pedir aquilo a ele era quase cruel, mas ela não estava
mentindo. Lucas e Monique eram as pessoas mais próximas que ela tinha já que sua irmã parecia não
voltar nunca das suas longas férias.
Lucas respirou fundo e a abraçou antes de beijar a testa dela.
— Eu preciso pensar, colocar as ideias no lugar, digerir isso tudo, tudo bem? — ele sorriu
fracamente, de novo.
— Tudo bem. — ela respondeu, mas sabia que ele iria se afastar.
— Agora eu preciso ir.
— Não quer jantar?
— Não, obrigado, acho que perdi a fome.
Camila não respondeu nada, apenas assentiu e seguiu Lucas até o carro. Não queria se despedir
dele lá na porta do apartamento, como se ele fosse um estranho que ela estava dispensando. Ele era
um amigo e ela sabia que quando ele percebesse que a decisão dela era a melhor para os dois, ia
entender e voltar para perto dela.

Os dois estavam parados diante do carro em silêncio. O clima deles ficou estranho e ela pensou
se não seria melhor ter ficado lá em cima.
— Lucas, eu… — ela começou sem saber exatamente o que dizer.
— Camila, está tudo bem. — ele colocou o cabelo dela atrás da orelha — Eu agradeço que você
tenha sido sincera comigo, de verdade. Você é uma mulher incrível.
— Não sou. Se fosse eu teria aprendido a te amar.
— A gente não manda nessas coisas.
— Eu queria mandar. Se eu pudesse escolher, amaria você.
Lucas sorriu e aproximou o rosto do de Camila, mas antes que suas bocas pudessem se encostar,
alguém a chamou.
— Camila?
Quando eles se viraram, viram Wagner parado a alguns metros.
Lucas mudou o semblante e de repente, exalava raiva.
— Você! — ele caminhou na direção dele apressado e antes que Wagner pudesse fazer qualquer
coisa Lucas acertou um soco em seu rosto, fazendo Wagner cambalear para trás.
Capítulo Trinta

Wagner não teve tempo de se defender, apenas sentiu o impacto e antes que pudesse revidar sentiu
o punho de Lucas acertá-lo novamente. Na terceira investida, ele desviou e socou Lucas, antes de
segurar em sua camisa e colocar o pé por trás da perna do homem, fazendo ele cair no chão. Sentiu
sua perna operada reclamar, mas aguentou firme.
Ele não queria brigar, apenas pará-lo. Sabia muito bem porque Lucas estava batendo nele e
achava que merecia, mas quando o homem o puxou, fazendo Wagner cair também ele o xingou.
Camila gritava desesperada, mas nenhum dos dois parecia dar ouvidos a ela.
Lucas girou rápido e ficou por cima de Wagner, antes de começar a socá-lo, só dando ao cara a
chance de colocar a mão na frente para se defender, mas quando Lucas sentiu a mão de Camila em
seu ombro, aos gritos, pedindo para que ele parasse, ele parou.
— Solta ele! — ela gritou e Lucas saiu de cima de Wagner antes de se afastar, puxando Camila
com ele.
Wagner sentou no chão e enquanto passava a manga do casaco para limpar o sangue que escorria
da sua boca, sorria debochadamente.
— Cara, você precisa fazer alguma luta, pra aprender a lutar que nem homem. Você bate feito uma
menina.
— Não sou eu que estou com a cara sangrando.
— Fiquei com pena, nem tentei revidar, senão íamos precisar chamar o SAMU e isso atrapalharia
o que vim fazer aqui.
— Parem já os dois. — Camila gritou — E posso saber o que você está fazendo aqui, Wagner?
— Vim falar com você Camila, tenho algo importante pra falar.
— Então pode falar.
— Manda o galinho de briga aí embora, pra gente poder conversar.
— Não vou mandá-lo embora, se você quiser pode começar a falar, se não pode virar e ir embora
você.
Ai! Aquilo tinha doído e Wagner cogitou mesmo a possibilidade de ir, não porque não quisesse
estar com ela, mas porque sabia que Camila ainda estava muito magoada com ele e porque, naquele
momento, ele não tinha cabeça para tentar reconquistá-la, mas a ida dele até lá, não se tratava dos
dois e sim de Guilherme.
— O assunto não diz respeito a ele, gata. É sério. — ele disse com tanta convicção e seriedade
que Camila cogitou a possibilidade de pedir a Lucas para ir, mas não o fez.
— Você? Assunto sério? — ela se virou e caminhou na direção do portão — Se você não vai
falar…
— Guilherme está vivo! — ele disparou e Camila congelou no lugar.
Sabia que Wagner estava diferente, que não estava bem, mas não fazia ideia de que ele estava
ficando louco.
Lentamente ela começou a se virar e diante do semblante sério dele, não viu outra saída.
— Lucas, tudo bem…
— Mas Camila…
— Vaza cara. — Wagner sorriu — Aproveita e vai aprender a lutar.
— Você está mesmo me mandando embora pra conversar com esse babaca? — Lucas disse,
visivelmente magoado, mas ela não tinha tempo para isso. O que Wagner tinha dito mexeu muito com
ela, além do mais, havia Márcia.
Se isso fosse verdade…
— Lucas, depois eu explico.
— Não precisa de explicação. Eu nunca vou ganhar dele.
— Não mesmo. — Wagner disse satisfeito enquanto se levantava.
— Cala a boca, Wagner. — Camila o encarou irritada, mas ele apenas sorriu.
Ela apertou os olhos, fuzilando ele com o olhar, mas quando se virou para falar com Lucas, ele já
estava entrando no carro e batendo a porta.
Camila deu um suspiro e virou-se novamente para Wagner.
— Vamos subir, mas já vou logo avisando, isso não muda nada entre nós.
— Esse é um assunto pra outro dia. — ele disse convicto, mas Camila não quis discutir, apenas se
virou e caminhou para dentro do prédio.

Já dentro do apartamento, Wagner foi ao banheiro se limpar e Camila o aguardou, quando ele
retornou, eles se sentaram à mesa. Camila estava faminta e não ia proibir Wagner de comer, até
porque ela tinha feito porção para dois. Enquanto se serviam eles ficaram em silêncio, mas quando
ela viu o quanto ele estava tenso, ficou preocupada.
— Se importa se eu beber no gargalo? — ele perguntou.
— Fica à vontade. — ela se serviu com seu suco — Agora chega de enrolação, Wagner. O que
você quis dizer com “Guilherme está vivo”?
Ele abriu a jaqueta de couro e tirou de dentro o envelope pardo, entregando a ela.
Quando Camila pegou as fotos e começou a olhar, seus olhos se encheram de lágrimas.
Não era possível! — ela pensou.
— Quem mandou isso foi…
— Montenegro. — Wagner tomou um grande gole de vinho — Acho que preciso de algo mais
forte.
— Vai se contentar com o vinho. — ela olhou as fotos novamente — E você contou pra alguém?
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Não sei se ele está falando a verdade, se essas fotos são reais ou montagens, não sei nada.
— Mas e se for?
— Eu não sei.
— Gabriel precisa saber disso, Wagner, minha irmã também.
— Você acha que deve dar esperança a eles? E se for mentira?
— Eles merecem saber, se for mentira, paciência, nada vai mudar. Mas se for verdade, todos
vocês juntos, nós, podemos achar uma solução.
— Eu não sei.
— Por que você veio aqui me contar isso?
— Porque eu queria que alguém me ajudasse a decidir o que fazer. Porque pela primeira vez na
vida eu não consigo pensar direito.
— Eu estou fazendo exatamente isso. — Camila tirou o celular do bolso e discou um número.
— Pra quem você está ligando? — ele perguntou, mas Camila fez sinal para que ele ficasse
calado.
— Monique?… Sim, estou bem sim, mas preciso que você e Gabriel venham ao meu apartamento
agora… Sim, agora, é urgente… Tudo bem eu aguardo, vou deixar o porteiro avisado e a porta
destrancada, podem entrar direto.
Ela desligou e Wagner estava a encarando com os olhos arregalados.
— Agora você não precisa tomar decisão nenhuma, decidi por você.
— Notei, gata. — ele bebeu todo vinho de uma vez. — E sobre aquela bebida mais forte?

Camila tinha acabado de mandar uma mensagem à sua irmã explicando superficialmente sobre o
que Wagner tinha lhe contado quando a porta se abriu. Monique já estava com a barriga grande, mas
ainda assim, entrou caminhando rápido na direção dela, mas quando ela e Gabriel viram Wagner,
pararam abruptamente.
— O que você tá fazendo aqui? — Gabriel perguntou caminhando na direção do primo e o
cumprimentando com um abraço rápido e dois tapas nas costas.
— Está tudo bem? — Monique perguntou olhando para Camila.
— Eu acho melhor vocês sentarem. — Camila disse — Principalmente você, Monique.
A amiga franziu a testa, mas fez como Camila tinha dito.
— É... realmente é melhor vocês sentarem. — Wagner disse, mas não estava mais tão tenso
devido ao álcool que ele estava ingerindo.
— Querem me explicar que porra está acontecendo aqui? — Gabriel rosnou olhando para o primo
quando viu Wagner virando uma garrafa de vodca na boca.
— Mostra a ele. — Camila disse e Wagner pegou as fotos que, até então, estavam viradas sobre a
mesa e entregou a Gabriel.
Quando o investigador começou a olhar as fotos, adotou um semblante furioso.
— Que porra é essa? — ele perguntou, mas ninguém respondeu e depois que ele leu e releu o
bilhete, encarou Wagner. — Dá pra explicar essa merda?
— Melhor sentar…
— Fala logo porra.
— Calma, Gabriel. — Monique pediu, mas ele a ignorou e manteve seu olhar sobre Wagner.
— Tudo bem, Monique. — Wagner disse — Os rosnados dele nunca me assustaram.
— Porra, chega vocês dois. —Gabriel caminhou até Wagner e empurrou as folhas contra ele — E
você comece a falar.
— Bom, eu disse a você, no enterro que eu ia me vingar e ia punir todos eles, ia fazer cada um
deles pagar e assim eu fiz. Abri mão de tudo… — ele olhou para Camila — pra cumprir minha
promessa. Peguei cada pessoa envolvida com Montenegro, fui recolhendo provas aqui e ali.
— Por isso as testemunhas estavam sumindo.
Wagner ignorou Gabriel e continuou.
— Mas então eu fui conhecendo ele ainda mais. Enquanto fuçava aqui e ali, quanto mais remexia
no lixo mais fedia. O cara é um crápula, um idiota, mas todo homem tem seu ponto fraco, todo.
— E o dele é a Laura.
Wagner apenas assentiu.
— Então, enquanto eu colocava meu plano em prática, fui cercando Laura, armando pra ela,
testando Montenegro e vendo até que ponto ele iria por ela. O quanto ele estava desesperado para
mantê-la a salvo.
— O que você fez?
— Consegui que uma mulher, que tem uma rixa pessoal contra ele, fosse transferida para a cela de
Laura.
— E por que eu não fiquei sabendo disso?
— Porque eu fiz de tudo para que você não soubesse.
Gabriel segurou na camisa de Wagner e o empurrou contra a parede.
— Você ficou maluco? Sabe quantas vezes eu fui chamado em auditorias por causa dessa merda
das pessoas citadas naquele dossiê sumirem? — ele empurrou Wagner novamente, mas o cara, além
de anestesiado pelo álcool, parecia que queria aquilo — E eu fui até você, te perguntei, porra, e você
não me contou nada.
Finalmente Wagner reagiu e o empurrou.
— Se você não fosse essa porra de policial modelo eu teria te participado, mas você iria me
atrapalhar, iria querer me parar e você ir a Matinhos com aquele merda do Ricardo só prova isso.
Gabriel deu um soco em Wagner e quando o corpo dele bateu contra a parede ele sorriu.
— Pode bater, não é o primeiro hoje e provavelmente não vai ser o último.
Gabriel, por mais irritado que estivesse, viu que o rosto de Wagner estava machucado e recuou.
— E quando você soube que Guilherme estava vivo? Porra, você não me disse.
Agora ele soava triste, além de irritado. Decepcionado na verdade.
— Gabe, eu soube hoje. — Wagner explicou e então olhou para Camila agradecendo
silenciosamente. Nunca tinha pensado por esse lado, em como ele se sentiria por não saber logo que
o irmão estava vivo e graças a Camila, esse peso, pelo menos, Wagner não carregaria — Na
verdade, tem algumas horas.
— Só isso?
Wagner assentiu e voltou a falar:
— A mulher está pegando pesado com Laura. Ela está horrível. — Wagner sorriu satisfeito — Eu
sabia que Montenegro, quando soubesse, ia fraquejar, mas eu ia dizer que queria a cabeça dele em
troca do bem-estar da sua filha. Nunca imaginei…
Ele parou e esfregou as mãos no rosto.
— Que Guilherme estivesse vivo. — Monique disse ainda atordoada com aquela história toda.
Camila estava sentada ao lado dela, segurando sua mão e observava o desespero de Wagner, em
como ele estava destruído com aquela história toda.
— O que você fez com as pessoas do dossiê? — Gabriel perguntou e Wagner o encarou.
— Podemos falar sobre isso depois? — Wagner perguntou, desviando o olhar de Camila quando
ela o encarou.
— Tudo bem.
— O problema, — Wagner disse voltando ao assunto principal — é que eu não acredito que seja
verdade. Pode ser montagem, não sei…
— Como isso chegou em suas mãos?
Wagner começou a explicar como aquelas fotos foram parar em suas mãos e depois repetiu a
conversa dele e de Montenegro detalhadamente. O que ele queria e o que ofereceu em troca e
aproveitou para reforçar em como não confiava nele, nem na palavra dele, mas que não podiam
arriscar, afinal, se fosse verdade, colocariam a integridade de Guilherme em risco.
— A primeira coisa que você precisa fazer é dar um refresco a Laura. — Gabriel disse.
— Já fiz isso. — ele respondeu um pouco contrariado — Ainda não acredito nessa merda toda,
mas não podia arriscar..
— Na parte da manhã nós vamos lá conversar com ela, precisamos saber como Guilherme está
vivo...
— E então esperamos a porra do vídeo. — Wagner completou.
Gabriel assentiu.
Capítulo Trinta e Um

Wagner estava dormindo no sofá de Camila, enquanto Gabriel revia as fotos várias e várias vezes.
Camila observou se realmente não tinha a atenção dos dois e sussurrou para Monique:
— Quero te contar uma coisa.
— O quê? — Monique sussurrou de volta.
Camila olhou novamente para o investigador, e como ele continuava perdido nas folhas em suas
mãos, ela segurou a mão de Monique e colocou sobre a própria barriga. Monique arregalou os olhos
e quando ela sorriu, a amiga deu um gritinho, chamando atenção de Gabriel.
— Está tudo bem. — ela disse o tranquilizando.
Ele era superprotetor demais.
— Parabéns sua vaca. — Monique abraçou Camila — Por que não me contou antes?
— Você me xingando? — Camila sorriu — Quem é você e o que fez com a minha amiga? —
Monique fez uma careta, mas ela continuou — Eu já estava desconfiada, fiz aqueles testes de
farmácia, mas só tive certeza mesmo, hoje.
Elas ainda conversaram mais um pouco, mas quando Monique perguntou se o pai era o Wagner,
Camila desconversou. Não que não confiasse nela, mas precisava explicar a ela por que tinha vindo
embora de Matinhos e os motivos que a faziam não querer que ele soubesse. Para isso precisava
conversar com ela a sós ou ela contaria para Gabriel, sem maldade, claro, e isso chegaria aos
ouvidos de Wagner.
Quando eles se despediram, Camila pensou em acordar Wagner e mandá-lo embora, mas não o
tinha visto chegar de carro ou moto, não mandaria ele embora de madrugada e ainda mais, bêbado.
Então ela recolheu as coisas, apagou a luz e foi para seu quarto.
Já de banho tomado e deitada em sua cama, Camila olhou novamente o celular e sua irmã ainda
não tinha respondido a mensagem. Ela colocou o celular de lado, achando que não conseguiria
dormir, mas se enganou, mesmo com toda tensão daquele dia, ela não demorou a adormecer.

***
Quando Wagner despertou, sua cabeça doía. Misturar bebidas nunca foi bom, mas aquele dia,
talvez por causa do estresse, estava se sentindo ainda mais ferrado. E talvez pelo atordoamento, ele
demorou alguns segundos para perceber onde estava, mas quando se deu conta não pôde evitar sorrir.
Só de Camila não ter chutado ele para fora era um bom sinal.
Ele foi até o banheiro, lavou o rosto e depois de preparar um café da manhã, seguiu para o quarto
de Camila. Quando entrou, ela estava deitada de lado, com uma das pernas dobradas e o cabelo
espalhado pelo travesseiro, como raios.
Raios de sol. — pensou ele e sorriu.
E foi então que ele se aproximou e prestou mais atenção. Camila era linda, mas estava ainda mais
bonita. Ou ele simplesmente se sentia ainda mais apaixonado e por isso estava hipnotizado.
Wagner aproximou a mão do rosto dela, mas Camila abriu os olhos levando um susto e o
obrigando a puxar a mão com rapidez.
— O que está fazendo? — ela disse, ainda respirando pesado por causa do susto.
— Desculpa, não quis te assustar. Vim te chamar pra tomar café e fiquei hipnotizado. Você está
diferente.
— Diferente como? — ela se esquivou dele e se sentou, puxando o robe e vestindo ele por cima
do baby doll antes de se levantar.
— Não sei explicar. Está mais bonita.
— Pare de bobeira. — ela revirou os olhos, mas sentiu seu corpo se arrepiar.
Será que ele tinha percebido? — pensou ela — Impossível, não tinha como perceber.
— Você fez café?
— Sim. — ele disse sorridente.
Quando estavam na cozinha, Camila percebeu que Wagner não parava de olhá-la, com tanta
fixação, tanta intensidade, que ela se remexeu desconfortável.
— Você está estranho. — ela desviou o olhar.
— Desculpa, gata, não quis te deixar desconfortável. — ele comeu um pedaço de queijo —
Camila… — ele respirou fundo antes de continuar — sei que você tem todo direito de não aceitar e
eu mereço, sei disso, mas eu queria me desculpar com você. De verdade. Nunca fui um cara de se
arrepender das coisas, nunca. Mas estou realmente arrependido do que fiz. Você estava certa, eu
armei aquele circo todo no dia que você saiu lá de casa e bem… seria mais fácil ter conversado com
você, mas eu…
— Não precisamos falar disso. — ela sentiu seu estômago embrulhar ao se lembrar da cena.
— Eu preciso, preciso que você saiba que eu sinto muito e eu vou entender se você nunca me
perdoar, mas ao mesmo tempo preciso do seu perdão e…
Mas antes que ele terminasse de falar, Camila se levantou correndo e foi até o banheiro colocar o
pouco que ela tinha ingerido para fora.
Não demorou muito, Wagner estava atrás dela, segurando seu cabelo e acariciando suas costas.
— Vai… embora… — ela disse ainda sem conseguir parar de fazer seu estômago expulsar tudo.
— Nem fodendo vou deixar você aqui sozinha passando mal. — ele disse com a voz tensa, cheia
de preocupação, mas Camila não tinha forças para discutir, apenas ficou ali, sentindo a mão dele
subir e descer em suas costas, enquanto ela devolvia o café da manhã.
Quando finalmente seu estômago se acalmou, ela se levantou, indo até a pia, lavando a boca antes
de virar-se e encarar Wagner, com os olhos arregalados.
— Que foi?
— Você está doente?
— Não. — ela sorriu fracamente — Só que o café não deve ter caído bem.
Ela passou por ele e foi até a sala e quando se sentou, viu Wagner parar diante dela.
— Tem certeza? Você está pálida.
— Estou bem, Wagner. — ela respondeu, impaciente.
Não queria que ele desconfiasse de nada.
— Se você quiser posso te levar ao médico e…
Mas antes que ele pudesse terminar de falar, seu celular tocou. Gabriel estava esperando por ele
em frente ao prédio para eles irem falar com Laura. Queria tirar aquela história a limpo o mais
rápido possível.
— Não precisa, é sério, estou bem. — ela disse assim que ele desligou o telefone.
— Tudo bem, eu preciso ir, mas me promete que se precisar de alguma coisa…
— Eu sei me cuidar, Wagner, obrigada. Agora vai, por favor.
— Camila…
— Wagner, por favor… — ela estava louca para se livrar dele, pois seu estômago estava se
contraindo de novo, mas se ela corresse para o banheiro com ele ali, ele não a deixaria em paz até
levá-la ao médico e aí acabaria descobrindo sobre o bebê.
— Beleza. — ele disse, derrotado — Obrigado por me deixar dormir aqui.
Camila suspirou.
Ela queria dizer que não precisava agradecer, que ela jamais o expulsaria, mas tinha medo que se
abrisse a boca pudesse vomitar, então apenas assentiu e esperou o clique da porta para correr para o
banheiro mais uma vez.
Quando conseguiu sair, foi para o quarto. Se sentia fraca e ainda enjoada. Camila olhou as horas e
viu que ainda estava cedo, mas não ia conseguir ir ao mercado, então ligou para seu su-chef e avisou
que estava passando mal, que se ele quisesse podia deixar o restaurante fechado. Que ficava a
critério dele, pois como ainda estava muito frio, provavelmente o movimento seria fraco.
Depois que desligou, Camila se entregou ao sono.
Camila não sabia dizer quanto tempo dormiu, quando ouviu ao longe uma voz chamá-la com
suavidade, como se penetrasse em seu sonho, querendo trazê-la de volta à realidade.
Aquela voz era conhecida e conforme sua consciência foi retomando e ela abriu os olhos, deu um
grito e logo em seguida se jogou nos braços da pessoa sentada em sua cama a abraçando apertado.
— Márcia!
Capítulo Trinta e Dois

Camila mal podia acreditar que depois de tanto tempo apenas trocando mensagens com sua irmã,
ela agora estava ali, sentada em sua cozinha, tomando café, que por sorte seu estômago tinha
decidido cooperar, enquanto elas apenas se encaravam.
— Onde você esteve esse tempo todo?
— Eu disse que vamos ter tempo pra isso, Ca, mas você precisa me dizer o que significa aquela
mensagem. Eu quase tive uma síncope.
Camila tomou um gole do seu café antes de começar a contar de forma resumida a história de
Wagner e tudo que ele tinha contado ontem a eles em sua sala. Como Gabriel reagiu e que eles tinham
ido naquele dia à prisão falar com Laura.
Márcia ouvia tudo atenta e silenciosamente. Seu peito estava comprimido e seu coração batia
acelerado. Como podia ser possível? Ela viu o carro explodir bem diante dos seus olhos. O homem
era Guilherme. Ela viu!
Mas o que foi mesmo que ela tinha visto?
O homem vestia a mesma roupa que ele, tinha os cabelos, cor da pele e feições parecidas, mas ela
estava longe e atordoada pela dor, drogada. O carro definitivamente era o que ele havia alugado.
Droga!
Márcia sentia um misto de medo, dor e alegria. Se ele estivesse realmente vivo, a culpa por ele
estar esse tempo todo em cativeiro sem que ninguém o procurasse, era dela, afinal foi ela quem
afirmou ser ele. Ela quem viu.
— Mas Wagner não confia em Montenegro, ele não sabe se ele está falando a verdade ou
blefando.
— Eu quero ver essas fotos.
— Vou ligar para ele e pedir para ele trazer. — Camila disse abaixando o olhar.
Parecia que quanto mais ela queria afastar Wagner, mais o destino dava um jeito de aproximá-los.
— Agora me diz, onde você se enfiou e por que não me atendia ou retornava as ligações, só
respondia com mensagens.
Márcia respirou fundo.
— Minha ideia era ir para um lugar calmo, e a princípio, eu consegui. Fui para um hotel fazenda
muito bom. O sinal do celular lá era péssimo, mas ainda conseguíamos nos falar, mas nem todo o
clima de montanha e tranquilidade do lugar conseguiam me acalmar. Eu comecei a ter crises de
nervos seríssimas, e quando já estava quase entrando em desespero, o dono do hotel fazenda me
indicou um lugar. — Camila arregalou os olhos, mas Márcia apenas continuou — É uma mistura de
SPA com clínica. Tem médicos, enfermeiros, psicólogos, mas você não está internado... preso. Você
pode ir e vir a hora que quiser, mas eles têm regras. Nada de noticiário, ou seja, os canais lá são
controlados. Nem filmes violentos eles permitem que passem. Geralmente só romance e comédia.
Fazíamos ioga e meditação, hidroginástica. Música, só a ambiente que eles deixam tocando, que
quando não é tântrica, é música clássica e como você já deve estar imaginando, celular nem pensar.
Mas eu fiz amizade com uma enfermeira e ela me trazia o celular uma vez por dia. Eu disse que só
tinha você de família, mas que eu não queria que soubesse onde eu estava e que se ficasse sem entrar
em contato, você surtaria.
— E por que não me contou?
Foi a vez de Márcia baixar os olhos.
— Porque eu tive vergonha e porque não quis preocupá-la.
— Mana…
— Eu sei, Ca, eu devia ter falado, mas… — ela suspirou — Bem, e quando vi sua mensagem
ontem, saí do SPA e peguei o primeiro voo para cá.
— Estou feliz que tenha voltado. — Camila colocou a mão por cima da de Márcia e acariciou —
Preciso te contar outra coisa.
— Fala. — Márcia disse antes de tomar um gole do seu café.
— Estou grávida.
Márcia engasgou e precisou que Camila se levantasse e desse tapinhas nas costas dela.
— Grávida?! Como?
— É, sabe, quando um homem e uma mulher fazem sexo sem prevenção, aí o espermatozoide…
— Camila!
Camila deu uma risada antes de começar a contar a sua irmã toda a história dela com Wagner.
Desde que ela o encontrou na boate até o momento em que saiu da casa dele.
— Ele sabe?
— Não e nem vai saber.
— Camila ele tem direito.
— Não me interessa, não quero e ponto final. A decisão é minha e de mais ninguém.
Ela se levantou irritada e começou a recolher as coisas e colocar na pia para lavar. Enquanto
começava a passar a esponja com detergente nas louças, sentiu a mão de Márcia nos seus ombros.
Sua irmã deu um leve aperto antes de fazer Camila se virar para ela.
— Eu vou te apoiar, seja qual for sua decisão, mas pensa nesse bebê e no que ele precisa. Deixa
sua mágoa e sua raiva de lado antes de tomar qualquer decisão. Ainda tem tempo, mas não deixe a
raiva te guiar.
— Esse lugar fez mesmo bem pra você. — Camila sorriu e abraçou Márcia — Estou feliz por
estar de volta.
— Estou feliz também, agora preciso falar com os Goulart e saber o que eles descobriram.

***

Wagner estava sentado fumando, enquanto Gabriel andava de um lado para o outro. Já estavam
esperando há mais de quinze minutos. Ele já estava prestes a se levantar e ir ver o porquê da demora,
quando a porta se abriu e Laura entrou.
Primeiro ela parou abruptamente quando viu os dois ali, depois ela adotou um ar imponente e
caminhou até a cadeira destinada a ela.
— A que devo tão ilustres visitas?
— Como Guilherme está vivo? — Gabriel foi direto ao ponto.
Laura arregalou os olhos. Não fazia ideia de como eles sabiam daquilo, mas ao mesmo tempo viu
ali um trunfo em suas mãos.
— Não sei do que estão falando.
— Seu pai entrou em contato conosco, Laura, e disse que ele está vivo, quero saber como.
Wagner estava quieto, silencioso e com uma expressão bem diferente do que Laura tinha visto nas
outras vezes e isso a encheu de satisfação.
— O gato comeu sua língua? — ela se esticou sobre a mesa e bateu a mão sobre a madeira, na
frente dele, como se ele estivesse dormindo e ela quisesse acordá-lo — Sabia que a amiguinha que
você trouxe pra brincar comigo pegou trinta dias de solitária? Me pergunto se você tem algo a ver
com isso. Mas não precisa responder, agora eu sei que tem.
— Cala sua boca, vadia, e responde o que Gabriel perguntou. — Wagner segurou o pulso dela e
apertou, fazendo Laura gritar, enquanto ele aproximava o cigarro da mão dela, mas apesar disso
ninguém apareceu.
— Wagner, larga ela, porra! — Gabriel se aproximou e segurou o pulso de Wagner da mesma
forma que ele fazia com ela, antes de encarar Laura — E você não o provoque, porque se ele voar no
seu pescoço, eu não vou tirar ele de cima de você. — ele disse sério e irritado fazendo Wagner dar
um sorriso maldoso.
— E o que foi mesmo que você perguntou?
— Que história é essa do Guilherme estar vivo?
— Vocês são tão estúpidos! — ela desdenhou — Eu AMO o Guilherme, nunca faria mal a ele,
nunca. Eu disse que você… — ela olhou para Gabriel — não fazia ideia de tudo que eu tinha feito
para ficar com ele. Quero ele pra mim. Eu estou só esperando o momento que vou sair daqui para
ficar com ele. Meu pai está guardando o Gui pra mim.
— Você é doente! — Gabriel rosnou — Ele não é um objeto para ser “guardado”.
— Márcia viu o carro explodir com ele dentro. — Wagner acrescentou.
— Aquela idiota viu o carro explodir com alguém dentro.
— E como vocês fizeram isso?
Laura encarou Wagner e sorriu debochadamente.
— Lindo, olhe ao redor, veja onde eu estou. Por que você acha que eu lhe daria qualquer
informação de graça? A troco de nada?
— E o que você quer?
— Liberdade.
— Nunca! — Gabriel e Wagner rosnaram ao mesmo tempo.
— Então podem queimar a cabecinha de vocês pensando, mas nunca vão descobrir como
Guilherme ainda está vivo e muito menos onde ele está.
Wagner estava prestes a voar no pescoço dela, mas Gabriel o segurou.
— Vamos, Wagner, ela não vale o esforço.
— Até logo, rapazes. — ela disse, dando uma risada debochada.

***
Assim que saíram da penitenciária, o celular que Montenegro havia enviado para Wagner tocou.
Gabriel, que estava ao volante, fechou as janelas do carro para que ficasse silencioso e quando seu
primo atendeu, ele desacelerou um pouco.
— O que foi?… — respondeu irritado. A verdade é que além de se sentir um completo idiota, ele
odiava o fato de alguém estar dando as cartas e não ele. E quando Montenegro mandou que ele
colocasse o telefone no viva-voz, ele o fez.
— Olá investigador, como se sente quando se lembra que eu escapei pelos seus dedos? — a voz
dele soava debochada — E ainda por cima que estou esse tempo todo com seu irmão, enquanto
vocês choravam a morte dele?
— Me sinto revigorado. — Gabriel respondeu.
— Revigorado?
— Claro, agora eu tenho motivo em dobro pra colocar você atrás das grades seu desgraçado.
— Ora, ora, não seja tão presunçoso. Ou vai acabar deixando outra coisa escorregar pelos
seus dedos novamente.
— Fala logo o que você quer. — Wagner interrompeu.
— Vou mandar o vídeo ainda hoje e o mesmo deve estar sendo entregue amanhã, pela parte da
manhã. Espero que depois disso possamos negociar. Soube que você cumpriu sua parte no acordo,
então seu primo estará inteiro, pelo menos por enquanto.
Antes que qualquer um dos dois pudesse responder, Montenegro desligou.
Gabriel e Wagner se entreolharam.
— Onde ele vai mandar entregar isso?
— No quiosque do Zé.
— Em Matinhos?
Wagner assentiu.
— Assim que você receber, traga para avaliarmos.
— Claro. — Wagner recostou — Achei estranho ele querer falar com você.
— Por quê?
— Porque ele disse que só falaria comigo, além do mais… — Wagner olhou pelo retrovisor —
como ele sabe que estou do seu lado?
Gabriel fez o mesmo, mas não viram nenhum carro suspeito na cola deles, entretanto, a avenida
estava repleta de veículos.

Alguns minutos depois o celular de Wagner tocou e ele sorriu ao ver o rosto de Camila no visor e
imediatamente ele atendeu.
— Oi gata… Voltou?… Imagino… Claro… Estou com Gabriel, mas vou pedir para ele me deixar
aí… Até mais tarde.
Quando ele desligou, guardou o celular no bolso.
— Márcia voltou.
— Porra, finalmente! Não estávamos conseguindo rastrear o celular dela, eu já estava achando
que tinha acontecido alguma merda.
— Ela quer ver as fotos.
— Vamos para lá.
— Beleza. — Wagner mandou uma mensagem para Raul, pediu para que ele fosse ver o
prisioneiro e dar-lhe algo para comer e beber e depois o encontrasse na casa de Camila.
— Wagner…
— Quê?
— Que merda você fez com o pessoal do dossiê?
Wagner ficou tenso. Agora era a hora que ele veria seu primo o encarar com toda reprovação, isso
se ele não o levasse direto para a cadeia.
— Você se importa com eles?
— Não é essa a questão. Eles têm que pagar pelos crimes que cometeram, não foi só Guilherme
que sofreu por causa do envolvimento deles com Montenegro.
— E se eu disser que eles já pagaram?
— Pagar dentro da lei, Wagner. Eles têm que ser presos, julgados e condenados.
Ele se remexeu desconfortavelmente e olhou para fora para não ter que encarar o primo.
— Acredito que isso não seja mais possível.
— Puta que pariu! — Gabriel socou o volante — Que merda você fez?
Sentindo que ele não deixaria aquela conversa para lá, Wagner contou como perseguiu, estudou e
sequestrou cada uma das pessoas que sumiram, como ele fazia o desaparecimento deles parecer
normal e depois, como ele os torturava até que eles dessem alguma informação relevante. E que
depois não tinha muito o que fazer, se ele os soltasse, eles dariam com a língua nos dentes ou iriam
querer se vingar, então ele os matava e jogava seus corpos em tonéis de ácido sulfúrico, o que fazia
com que qualquer evidência sumisse em no máximo 48 horas.
Enquanto ouvia aquilo, o estômago de Gabriel revirou. Claro que ele não era um santo, já havia
matado alguns bandidos, já havia torturado outros também, mas quando os mesmos não cooperavam,
ele os devolvia para a cela. Às vezes sem atendimento médico, já outras vezes acabava permitindo
para que eles não morressem.
Mas aquilo que Wagner fez era grave demais! Ele não só torturava, como matava e dava fim às
suas vítimas.
— Você sabe que eu vou ter que…
— Pode me prender, mas espere isso tudo terminar, eu preciso ter certeza que Guilherme estará
bem, que Camila vai estar feliz, que Diego estará protegido e depois disso eu me entrego, confesso
tudo, mas não agora.
Gabriel não respondeu, apenas assentiu e voltou sua atenção para o trânsito.
Capítulo Tinta e Três

Diego estava sentado na sala assistindo série com Leandro, quando seu celular tocou. Ao olhar no
visor, viu que era Wagner e sorriu. O cara estava viajando, mas ligava duas vezes por dia, pelo
menos, com ameaça à integridade física dele caso ele não atendesse. Claro que ele falava brincando,
mas apesar disso, Diego sabia que ele falava sério.
— Fala bro… Estou em casa com Leandro assistindo série… Claro… Amanhã cedo?… Certo…
Estou entendendo, vou seguir suas instruções, não se preocupe… Como você está?… — eles
conversaram um tempo ainda, antes de se despedirem e ele desligar.
Wagner estava estranho. Alguma coisa tinha acontecido. Ele pediu a Diego que lhe fizesse um
favor e que quando fosse a Matinhos, no dia seguinte ele iria ter uma conversa com ele, e o tom que
ele usou o deixou extremamente preocupado. E isso era o suficiente para fazer com que ele perdesse
toda concentração na série.
— Ei, tudo bem? — a voz de Leandro o tirou de seus pensamentos.
— Sim, desculpa.
— Aconteceu alguma coisa com Wagner?
— Não sei, mas ele estava estranho e disse que quer falar comigo. Não gostei do tom dele.
Leandro chegou para o lado e puxou a cabeça do namorado para cima das suas pernas antes de
começar a fazer cafuné.
— Fica calmo, às vezes é só cansaço, não adianta você ficar sofrendo por antecipação. Quando
ele falar, se for algo grave, aí você se preocupa. — Leandro passava seus dedos entre os cabelos de
Diego.
— É por isso.
— Por isso o quê?
— Por isso que eu te amo. — Diego colocou a mão na nuca de Leandro e puxou seu rosto contra o
dele, antes de beijá-lo.
— Vamos perder a série. — Leandro brincou, e Diego o encarou sério, fingindo irritação.
— Vamos mesmo. — ele se levantou rápido e deitou sobre o namorado, segurando seu rosto entre
as mãos antes de beijá-lo apaixonadamente.
***
Wagner e Gabriel não precisaram interfonar para subirem até o apartamento de Camila, e quando
tocaram a campainha, quem abriu a porta foi Márcia.
Ela estava um pouco mais magra e seu cabelo estava mais comprido, mas ela tinha uma feição
serena e rosto rosado, entretanto, nada disso os enganava. Eles sabiam que por trás daquelas feições
delicadas, havia uma mulher dura, determinada, independente.
Márcia os cumprimentou e depois informou que Camila estava deitada porque estava se sentindo
indisposta, e logo Wagner se preocupou.
— O que ela tem?
— Só uma indisposição. Dor de cabeça, coisas de mulher. — Márcia disse sem maiores
explicações, mas medindo Wagner de cima a baixo e avaliando sua reação.
— Essa manhã ela estava vomitando, depois ficou muito pálida…
— Pode ter sido algo que ela comeu.
— Não seria melhor levá-la ao médico? — ele não conseguia esconder sua preocupação.
— Quando ela acordar, se não estiver melhor eu mesma a levo.
Ela se sentou à mesa e os dois a acompanharam.
— Agora me digam o que está acontecendo. Camila me contou, mas disse também que vocês
foram até Laura. Quero saber o que descobriram, quero ver as fotos… — nesse momento ela
fraquejou e deixou transparecer que, além de dura, ela era também, uma mulher apaixonada —
preciso ver as fotos.
Wagner tirou o envelope do bolso do casaco e entregou a ela. Desde que tinha recebido aquilo,
não deixava de andar com ele. Era como se fosse um lembrete de que Guilherme estava vivo, de que
não precisava mais torturar nem matar ninguém. Aliás, tinha uma pessoa que ele ainda queria matar,
mas esse ele esperaria pacientemente.
Quando Márcia abriu o envelope e começou a olhar as fotos, seus olhos se encheram de lágrimas,
mas ela não as permitiria que caíssem, não ali diante daqueles dois. Ela deslizou seus dedos sobre o
rosto na imagem, como se pudesse fazer carinho no próprio Guilherme e respirou fundo, antes de
virar-se para eles.
— Isso é realmente verdade?
— Ele vai me mandar um vídeo dele amanhã. — Wagner disse.
— Falamos com ele hoje, — Gabriel disse — mas ele não acrescentou muita coisa, apenas
ameaçou, debochou. — ele fechou o punho sobre a mesa com tanta força, que os nós dos dedos dele
ficaram brancos — Quando eu puser minhas mãos nele.
— Quando nós pusermos. — ela o corrigiu — Eu quero esse desgraçado.
— E quem não quer? — Wagner completou.
Eles começaram a conversar. Primeiro tentando entender como Guilherme estava vivo e quando
Márcia começou a querer assumir a culpa, Wagner a convenceu do contrário. Logo em seguida
começaram a falar sobre Montenegro querer Laura. Não era mais segredo para ninguém que ela era o
ponto fraco dele, e era unânime também que nenhum deles confiava nele. Ele não manteria Guilherme
todo esse tempo em cativeiro para fazer uma troca tanto tempo depois. Chegaram a conclusão que ele
não pretendia soltá-lo nunca, mas que conforme a vida de Laura entrou em risco, graças aos planos
de Wagner, ele ficou desesperado e estava disposto a tudo para salvá-la. Montenegro não era burro,
sabia que propor a troca era arriscado, que eles poderiam não concordar, mas ao mesmo tempo, tinha
certeza que eles não colocariam a vida do promotor em risco.
— Precisamos esperar o próximo passo deles para decidir o que vamos fazer. — Gabriel disse.
— E temos que nos reunir pessoalmente, podemos ter sempre um lugar. — Wagner acrescentou.
— Por mim pode ser aqui, vou passar uma temporada com a minha irmã. — Márcia soltou e
Wagner franziu a testa e quando ela percebeu acrescentou — Ainda não estou bem para ficar sozinha.
— Eu até gosto da ideia de ser aqui. — Wagner sorriu torto.
— Não seja idiota. — Gabriel o repreendeu.
— Mais do que ele já foi? — Márcia disse olhando para ele com tom acusatório e Wagner se
levantou.
— Opa, melhor eu ir embora enquanto estou inteiro, ou está arriscado vocês me jogarem pela
janela.
— Até que não é má ideia. — Gabriel disse sério, mas piscou para Márcia antes de os dois
sorrirem
— Ah claro, precisa me pegar primeiro. — Wagner provocou, mas Gabriel não saiu do lugar.
— Não somos mais crianças.
— Não mesmo, mas você fez uma e eu um dia pretendo encher minha casa de filhos.
— Você? Tendo filhos? — Gabriel o provocou — Que os céus nos protejam e não permitam isso.
— Sou “pai” muito antes de você.
— É? — Márcia perguntou espantada.
— Não exatamente. — ele então contou sobre Diego. Como ele tinha o conhecido nas ruas e como
tinha dado a ele uma vida boa.
— E você nunca teve a guarda dele?
— Não, mas agora ele já é maior de idade. — ele sorriu e deu de ombros — Tenho muito orgulho
dele. Se tornou um homem de caráter, inteligente, estudioso, integro. É como um irmão para mim.
Eles conversaram um pouco mais e quando se despediram, Gabriel seguiu apressado até o
elevador, mas então seu celular tocou e era Monique. Enquanto ele conversava com a esposa, Márcia
encostou a porta do apartamento e chamou Wagner.
— Camila me disse o que houve entre vocês.
Wagner a encarou um pouco desconcertado sem saber exatamente o quanto Camila teria entrado
em detalhes com a irmã.
— Eu fui um idiota e dos grandes, mas estou disposto a me redimir.
— Por quê?
— Porque eu amo sua irmã.
— O quanto?
— Sou capaz de dar minha vida por ela.
Márcia não sorriu, apesar de sentir vontade.
— Eu já fui idiota também, mas nada nesse mundo doeu mais do que perder o homem que eu amo.
Talvez se eu soubesse que isso iria acontecer, teria tentado ser menos idiota.
Wagner desviou o olhar.
— Vou compensar isso.
— Mas minha irmã não é como eu, ela é doce, alegre, tem fé nas pessoas.
— Eu sei.
— Então se você a ama, lute por ela. Ela te ama e vai acabar cedendo.
— Vou fazer da sua irmã a mulher mais feliz do mundo.
— Ótimo, porque se você magoar ela de novo, te mato com minhas próprias mãos.
Wagner a encarou procurando algum vestígio de brincadeira nas feições dela, mas não havia nada.
Seu olhar frio e seu semblante sério mostravam que ela não estava brincando, então ele apenas
assentiu e se despediu.
— Quer uma carona? — Gabriel perguntou depois que desligou o celular.
— Não, Gabe, valeu, eu tô voltando pra Matinhos hoje.
— Certo.
No portão do prédio, os dois se despediram e Wagner avistou Raul parado do outro lado da rua
encostado no carro o aguardando.

***
Márcia estava sentada no sofá tomando chá, quando Camila apareceu. Ela estava com o rosto
inchado, o cabelo bagunçado e mesmo assim a juíza percebeu como sua irmã estava cada dia mais
linda.
Já tinha ouvido falar que mulheres grávidas ficam com um brilho especial, mais belas, mas no
caso de Camila, isso era até uma covardia.
— Como se sente? — Márcia perguntou.
— Melhor, o enjoo e a tontura passaram.
— Você já foi ao médico.
— A consulta está marcada pra daqui uma semana.
— Ótimo.
Camila foi até a cozinha e preparou um chá para ela também, depois se sentou ao lado da irmã.
— Como você está se sentindo com essa história toda?
— Por um lado, feliz. Guilherme estar vivo é como se todas as minhas preces tivessem sido
atendidas, por outro lado, estou com raiva e apreensiva. Esse imbecil do Montenegro não é flor que
se cheire. Precisamos ter muito cuidado com o que vamos fazer e minuciosos em planejarmos tudo,
ou ele vai nos passar a perna.
— Mas vocês vão estar preparados. Você é inteligente e esperta, Wagner também.
— Sim, os Goulart são ótimos.
Elas ficaram uns minutos em silêncio, cada uma tomando seu chá, até que Camila o quebrou.
— Como ele estava?
— Quem? — Márcia sabia que ela perguntava por Wagner, mas queria provocá-la.
— Você sabe quem. Wagner.
— Estava bem.
— Que bom.
Márcia bebeu seu chá para não rir.
Se Wagner fosse esperto, reconquistar Camila seria fácil e sinceramente, pela felicidade da sua
irmã e do bebezinho que ela carregava, ela torcia para que ele fosse.
Capítulo Trinta e Quatro

Quando Wagner chegou em casa estava escuro ainda. A situação tinha se complicado agora que
ele tinha certeza que estava sendo seguido. Então ele e Raul pararam em um hotel na estrada e seu
segurança ficou hospedado, enquanto ele pegou um táxi e saiu pelos fundos. Assim, quem quer que
estivesse seguindo eles, não encontraria sua casa.
Chegou silenciosamente e depois de ir até o quarto de Diego e verificar que ele estava bem,
dormindo ao lado de Leandro, foi para seu próprio quarto.
Ele precisava dormir. Os últimos dois dias tinham sido tensos, muita coisa que ele achava certo
havia mudado e com isso seu eixo havia dado uma guinada. Agora seu foco era outro, foi então que
ele se questionou sobre o que fazer com Dantas. Já tinha deixado ordem com Raul para antes de ir
buscá-lo, passar no covil e alimentá-lo, e ver se ele precisava de alguma coisa.
Ele já estava algemado a uma cama confortável, mas devia estar com fome e sangrando ainda,
devido às últimas torturas que Wagner fez. Fora que ele devia estar desesperado imaginando o que
ele teria feito com o seu filho.
E com esses pensamentos Wagner adormeceu.

Quando acordou na manhã seguinte já passava das onze. Assustado por ter dormido tanto, ele deu
um pulo da cama, vestiu um short e foi procurar Diego, ansioso para saber se ele já havia pegado a
encomenda.
Assim que chegou na cozinha, viu Leandro fazendo waffers e conversando animadamente com a
empregada.
— Bom dia. — Wagner os cumprimentou indo até a garrafa de café.
— Bom dia, seu Wagner.
— Oi. — Leandro disse — Diego deu uma saída e disse que eu podia esperar por ele aqui e…
— Fica à vontade, cara, a casa é sua.
— Valeu.
— O senhor vai querer comer alguma coisa?
— Joana, o que eu já disse de me chamar de senhor? — Wagner a olhou enquanto tomava seu café.
— É o costume, desculpe.
— Wagner, me chame de Wagner.
— Seu Wagner, vai querer comer alguma coisa?
Leandro começou a rir e Wagner o acompanhou.
— Você não tem jeito, Joana, mas não, obrigado, estou sem fome hoje.
Ele saiu da cozinha deixando Leandro e a empregada e foi para sala esperar Diego e mal ele
entrara no cômodo, quando seu brother entrou com um envelope na mão.
— Ah, oi. — ele disse indo na direção de Wagner.
— Cara, demorou.
— O correio atrasou. Essa propaganda de que entrega até as dez da manhã? Maior furada.
— Tudo bem, pelo menos chegou. — ele se virou — Vou para o meu quarto, não quero ser
incomodado.
— Wagner…
— Quando eu terminar isso aqui, Dig, nós vamos ter aquela conversa.
— Beleza.
Wagner abriu seu notebook e quando abriu o envelope, viu que havia um pen drive.
Imediatamente, ele plugou o dispositivo na USB do computador e clicou no vídeo.
Ele assistiu uma, duas, três… incansáveis vezes o vídeo. Mal podia acreditar no que seus olhos
viam, mas agora não restava mais dúvida. Guilherme segurava um jornal com a data do dia anterior e
uma revista com o mês e o ano corrente. O olhar dele estava opaco e vazio, como se ele não tivesse
mais esperanças.
Mas as últimas palavras dele mexeram com Wagner.

“Seja qual for a decisão de vocês, vou entender e amo todos vocês.”

Logo em seguida a tela ficava preta.


Wagner queria que aquele vídeo desse alguma pista de onde estavam, mas onde quer que
estivessem, não se ouvia sequer um ruído.
Ele mandou seu programa de vídeo vasculhar por mais sons, enquanto ele ia conversar com
Diego.
Quando saiu do quarto viu que ele tomava café. Por um instante cogitou a possibilidade de chamá-
lo em particular, mas preferiu ir até lá e pedir a empregada que saísse.
Ele se sentou à mesa e pegou uma torrada.
— Joana, pode nos dar licença, por favor?
— Claro seu Wagner.
Depois que a mulher se retirou, ele encarou Diego.
— Cadê Leandro?
— Foi tomar banho, por quê?
— Dig, presta atenção. — Wagner o encarou — Você nesses últimos tempos veio me perguntando
o que estava acontecendo e eu vou te dizer sem entrar em muitos detalhes. Desde que Guilherme
morreu, eu prometi que puniria todas as pessoas evolvidas nisso, mas meu objetivo principal era o
mandante do crime. E eu estava perto de conseguir o que queria, mas surgiu uma novidade. — Diego
estava atento e então ele continuou — Guilherme está vivo.
— Como?
— Isso eu vou descobrir depois, o fato é que eu fiz coisas que não devia e provavelmente você
vai passar um tempo sem me ver.
— Do que você está falando?
— Se algo me acontecer, Diego, quero que você saiba que estará assistido. Essa casa está no seu
nome e meu testamento também. Além do mais, você tem uma poupança em seu nome. Eu tenho um
advogado de confiança que cuida de todas essas coisas pra mim.
— Porra, não tô gostando dessa conversa. Eu não ligo pra nada disso, quero saber como posso te
ajudar pra não acontecer nada com você.
— Você não pode, e se eu não te enfiei nessa merda toda até agora, não tenho por que começar.
— E como eu vou ficar?
— Vai me prometer que vai ser feliz, que se acontecer alguma coisa, você vai ser feliz.
— Wagner…
— Promete, Dig, que vai ser feliz e que vai continuar sendo esse homem de bem que você é.
— Tudo bem eu prometo, mas me deixa te ajudar, por favor.
Wagner sorriu e se levantou. Diego fez o mesmo, mas sem sorrir e então Wagner se aproximou e o
abraçou.
— Se eu souber que você está feliz, vou estar feliz, seja onde for. — ele soltou Diego — Agora eu
preciso ir, brother. Mas amanhã devo estar de volta.
— Tem certeza?
— Não. — ele sorriu e Diego se jogou na cadeira novamente, sentindo o medo tomar conta dele.

***
Quando Wagner tocou a campainha do apartamento de Camila e a porta se abriu, já estavam todos
lá. Todos os olhares recaíram sobre ele enquanto entrava.
— Anda logo com isso, Wagner. Já demorou pra caralho.
— Pegamos engarrafamento. — ele explicou, já tirando o notebook de uma mochila e colocando o
aparelho sobre a mesa. Enquanto ele ligava a coisa, seu olhar desviou para Camila, mas ela estava
conversando com Monique em um canto da sala — Pronto.
Ele disse, assim que o sistema operacional iniciou. Imediatamente todos se colocaram perto do
notebook e focaram sua atenção na tela, enquanto ele dava dois cliques no vídeo.
Quando começou a passar, Márcia sentiu suas pernas fraquejarem. Guilherme, apesar de limpo,
barbeado e bem vestido, estava visivelmente abatido e mais magro. Ela apoiou suas mãos nas costas
de uma das cadeiras e quando Guilherme começou a falar, seus olhos se encheram de lágrimas.

“Oi pessoal. Eu não sabia quanto tempo tinha se passado desde que me vi preso aqui, mas
diante da data deste jornal, sei que tem pelo menos sete meses. Nem imagino a dor de vocês com o
meu sumiço. Se eu conheço bem o Gabriel, ele deve estar virando o mundo de cabeça pra baixo
atrás de mim… e espero que a minha Márcia esteja bem. Não consigo pensar em outra coisa esse
tempo todo aqui e isso tem me consumido. Bem, quero pedir desculpas por ter preocupado vocês
esse tempo todo. Fui ingênuo quando fui tentar resgatar a Márcia sozinho, devia ter desconfiado
que era uma emboscada. Devia ter sido menos burro. Aqui não me dizem nada. Eu assisto TV o dia
todo, mas só o que eles permitem. Não sei por que me pediram pra gravar este vídeo, só me
mandaram enviar uma mensagem pra quem eu me importava. Bem, tenho alguns recados: Wagner
deixa de ser idiota e se o Gabriel não te matou, aproveita. Eu sei que você não nos traiu, tive
tempo suficiente pra pensar nisso e você é um de nós, você é um Goulart. Sua família estará
sempre em primeiro lugar e sei que você já se explicou. Agora meu primo, meu irmão, para de
ficar galinhando e acha uma mulher que te faça feliz, aquela que vai fazer você pensar nela dia e
noite, posso te garantir que não há coisa melhor. — ele deu um sorriso fraco — Gabriel, se você
ainda estiver me procurando, não continue. Algo me diz que eles nunca vão me soltar. Você sempre
foi meu irmão, meu amigo, mesmo quando estávamos brigados, sei que cuidava de mim de longe.
Você é um cara incrível e tem uma família incrível. Vai ter um filho pra criar e não tenho dúvidas
que esse bebê vai ser amado e vai ter o melhor pai do mundo. Você sempre foi meu espelho, o cara
que eu queria ser. Te amo meu irmão. Monique, cuida dele pra mim, ele é idiota e cabeça-dura na
maioria das vezes, mas nós dois sabemos que o coração dele é maior que o mundo. O mesmo
pedido faço a Camila. Cuida da minha juíza briguenta pra mim. Algo dentro de mim, diz que ela
está bem, eu quero acreditar que ela está bem, então sei que você cuidará dela com perfeição. E
eu até poderia dizer pra você dar uma chance a esse meu primo idiota, porque sei que ele deve
estar em cima de você, mas você é areia demais pro caminhãozinho dele. Márcia, minha juíza, meu
amor. Tivemos pouco tempo para aproveitarmos juntos, nosso relacionamento começou de forma
conturbada e quando nos acertamos fomos logo tirados um do outro, mas eu não parei de pensar
em você em um só segundo desde que estou preso aqui. Em tudo que eu queria te dizer, tudo que eu
queria que soubesse. Você trouxe luz de volta pra minha vida, me mostrou que por mais que duas
pessoas sejam diferentes, elas podem dar certo juntas, podem ser felizes, e eu queria te fazer feliz,
eu queria ter tido a oportunidade de te mostrar o quanto você me fez bem, o quanto você fez com
que eu me sentisse vivo novamente. Eu achei que tinha amado antes de você, mas não. Com você
aprendi o que é o amor real, cru, em sua essência, e mesmo que eu morra, nunca vou deixar de te
amar, minha juíza. Eu te amo é pouco pra expressar tudo que sinto por você e tudo que você
significa pra mim. Você é a minha vida. — ele parou e respirou fundo — Mas eu quero fazer um
pedido a vocês e sinceramente espero ser atendido. Se eles estiverem exigindo algo em troca, não
deem. Montenegro não é um cara confiável, e, apesar da saudade, eu prefiro que vocês fiquem
bem, do que tentem me resgatar e se coloquem em risco. Seja qual for a decisão de vocês, vou
entender e amo todos vocês.”

Quando o vídeo terminou não havia uma só pessoa ali que não estivesse psicologicamente
abalada. As grávidas choravam e Márcia tinha lágrimas nos olhos, mas ela as secava antes que
caíssem.
Márcia se afastou e foi fazer chá e café para todos e quando voltou colocou a bandeja sobre a
mesa.
— Eu quero uma cópia. — ela pediu.
— Eu fiz. — ele tirou dois pen drives do bolso e deu um a Gabriel e um a ela.
— O que fazemos agora? — perguntou Camila.
— Esperamos Montenegro entrar em contato. — respondeu ele.

***
Algumas horas depois, após ligar para Gabriel, Wagner o aguardava em frente a sua casa, ou
melhor, seu covil. Ele tinha definitivamente decidido que não iria matar Dantas. Não queria mais
aquela morte nas suas costas.
Quando Gabriel chegou, observou o lugar.
Por fora a simplicidade da casa não chamava atenção, nem a distância entre as demais
propriedades. O vizinho mais próximo ficava a pelo menos cinco minutos de caminhada.
A casa era pequena e as janelas e portas estavam todas fechadas por dentro com algo que, pelo
que ele podia ver pelo lado de fora, estava pintado de preto.
Quando entraram, o lugar parecia abandonado.
Um sofá grande e de aparência confortável estava no meio da sala. Diante do móvel, uma pequena
mesa de madeira, com um aparelho de TV por assinatura, e na parede uma tela plana bem grande, 60,
talvez 70 polegadas. E em contraste com aquela total falta de decoração, havia inúmeros quadros nas
paredes e um enorme e felpudo tapete no chão, que cobria quase o cômodo inteiro.
Na cozinha, apenas geladeira e micro-ondas, além de alguns armários. Nenhuma mesa.
Ao olhar para o outro lado, percebeu o único quarto da casa, onde havia uma cama e, de fora a
fora no cômodo, uma mesa feita sob medida, com pelo menos, seis notebooks em cima dela. Além de
no breaks, impressoras, scaners e mais uma infinidade de aparelhos tecnológicos.
— Que porra de lugar é este?
— É onde eu foco todo meu trabalho e… — Wagner parou e encarou Gabriel — onde eu torturava
e dava fim às pessoas.
Gabriel não respondeu. Apenas assentiu, mas Wagner percebeu o maxilar dele ficar rígido.
— E por que me trouxe aqui, Wagner?
— Porque tem alguém aqui.
Gabriel apertou os olhos.
— Quem?
Wagner se abaixou e começou a enrolar o tapete até que ele ficasse rente ao sofá. Gabriel não
entendeu nada. Até onde podia ver, havia apenas piso de madeira, mas então Wagner apertou um
botão, até então imperceptível, da mesma cor da tábua, e um alçapão se ergueu, enquanto uma luz
fraca surgia do buraco.
Gabriel se aproximou e viu uma escada de metal desdobrando sozinha e baixando até tocar o
chão.
— Venha. — Wagner disse enquanto começava a descer pela escada.
Gabriel não hesitou. Seguiu o primo até o porão que ia se iluminando conforme eles adentravam o
lugar.
— Sensores de presença. — Wagner explicou — Aciona a luz e as câmeras.
— Você mantém câmeras aqui?
— Sim. — ele continuou entrando no lugar e Gabriel percebeu que aquele porão ia muito além do
tamanho da casa. Subterrâneo e escondido. — E lá também.
Wagner apontou para uma parede, mas Gabriel estava mesmo atento ao outro lado do porão, onde
havia paredes e uma porta de vidro do chão ao teto, e lá dentro, tonéis de ferro.
Tonéis de ácido. — Gabriel pensou, mas Wagner o chamou mais uma vez.
— Aqui, Gabriel. — ele disse enquanto abria uma porta quase imperceptível.
— Gabriel? Goulart? Me tira daqui, pelo amor de Deus. — a voz que soou lá de dentro era fraca,
quase um sussurro, mas diante do silêncio do lugar, claramente audível.
Wagner deu passagem, quando Gabriel entrou no recinto como um furacão, e o cheiro ali era no
mínimo, desagradável.
Dantas estava deitado em um colchão sobre uma cama de cimento, com as mãos algemadas em
grilhões na parede. Seu rosto estava inchado e machucado, suas unhas e dedos roxos, sua orelha
parecia um plástico retorcido pelo fogo, sua roupa manchada de sangue. Do outro lado do cômodo
havia uma mesa de alumínio, tipo aquelas de necrotério, e uma infinidade de coisas penduradas na
parede. De picadores de gelo a facas e alicates. Na parte de baixo, havia um armário de alumínio
com tantas gavetas quanto eram possíveis.
— Você pegou meu filho? O que você fez com ele? — ele perguntou encarando Wagner e depois
olhou para Gabriel — Me leva, eu confesso o que quiser, falo o que quiser, mas não deixa ele chegar
perto do meu filho. Não deixa ele fazer mal a minha família. — o homem sussurrava e chorava e
naquele momento Wagner esperou pela voz, aquela que há meses o dizia exatamente como, quando e
o que fazer, mas não ouviu nada.
Gabriel segurou na camisa de Wagner e o puxou para um canto antes de arremessá-lo contra a
parede, fazendo as costas do seu primo se chocarem contra o concreto.
— Você chegou perto do menino? — ele perguntou entre os dentes, encarando Wagner com tanta
fúria, que era capaz de Gabriel matá-lo ali mesmo.
— Claro que não. — Wagner o encarou com a mesma seriedade e empurrou Gabriel — Ele está
bem. São e salvo. Eu só disse que o pegaria pra o idiota aí abrir o bico. — ele mentiu. Sabia que se
assumisse que realmente queria pegar o garoto, Gabriel não cumpriria sua parte na promessa de
esperar aquela bagunça acabar para prendê-lo.
— Certo. — Gabriel respondeu, o soltou e se aproximou de Dantas — Você está preso e sim, vai
confessar tudo. Vamos, eu vou levá-lo. — ele virou para Wagner — Pode soltá-lo.
Wagner pegou a chave em uma das gavetas e soltou o homem.
— Eu vou levá-lo para o hospital e pedir que fiquem de olho nele.
— Peça a alguém de confiança, ou matarão ele para que o idiota não abra a boca.
— Não sou amador, Wagner, não me ensine como fazer meu trabalho.
Wagner deu de ombros.
Capítulo Trinta e Cinco

Wagner não tinha voltado para casa, sabia que toda aquela história, fosse como fosse, ia acabar
mal, então preferiu que Diego começasse a acostumar com a sua ausência. Mesmo assim ligou para o
seu brother e disse que estava bem. Eles conversaram durante um tempo e apesar da insistência dele
em voltar para casa, Wagner negou e desconversou.
Ele não dispensou Raul, então os dois acabaram voltando para o covil. Ele ia começar a se
desfazer de algumas coisas e organizar outras, assim, caso fosse necessário, alguém poderia assumir
o trabalho dele um dia.
Sabia que se seu primo cumprisse sua palavra, e ele o faria sem sombra de dúvidas, passaria
muito tempo na prisão. Não importava os motivos que o tinham levado a cometer aquela barbaria.
Torturar, matar pessoas e dar fim em seus corpos era algo gravíssimo.
Ele já podia até ver seu rosto no jornal, o nome Goulart na lama, a decepção de todos que o
conheciam.
A decepção de Camila.
Pensar nela fez uma onda de tristeza se abater sobre ele. E esse era o único motivo que o tinha
feito mudar de ideia. Ele queria correr para ela, dizer a ela que a amava, assim como tinha dito à
juíza que faria, e fazer Camila feliz. Pensou que talvez Gabriel fosse relevar, já que ele estava
fazendo toda aquela maldade pela família, mas depois do olhar do primo para ele, quando estavam
em seu covil. Bom, aquilo demonstrou claramente que o investigador não descansaria enquanto não o
fizesse pagar por tudo aquilo. A parte boa, se é que se podia chamar de boa, era que ele não teria que
se esforçar muito. Wagner era um homem de palavra e não dificultaria as coisas para seu primo. Se
entregaria sem maiores problemas.
Enquanto estava perdido em seus pensamentos, o celular tocou. Ele atendeu e colocou no viva-
voz, uma vez que Raul havia saído para comprar alguma coisa para eles comerem porque a despensa
estava vazia.
— Recebeu o vídeo?
— Sim.
— E então?
— E então o quê? Fala logo o que você quer sem rodeios, Montenegro.
— Que isso rapaz? Achei que depois daquele vídeo seu humor estaria melhor. Apesar de aquilo
ter sido quase uma despedida. Espero que seu primo não dê uma de herói e coloque tudo a perder,
porque senão…
— Espero que você se atenha a porra do propósito desta ligação e vá direto ao ponto.
— Presta atenção como fala, rapaz, ou eu desligo e só volto a ligar daqui um mês.
— Quem está mesmo desesperado para tirar a filha da prisão?
— E quem está mesmo ansioso para resgatar o primo não mais morto?
Wagner respirou fundo.
— Direto ao ponto, Montenegro.
— Ok, conhece a Estrada dos Esqueletos?
— Conheço.
— A troca vai ser feita lá, daqui quinze dias. Altura do Vale dos Mortos. Às quatorze horas.
— Sei onde é.
— Presta atenção. Vamos seu primo, um segurança e eu. Não estaremos desarmados porque eu
não sou burro, mas não quero ninguém além de você e o outro Goulart lá com Laura. Se eu sentir
cheiro de emboscada, eu atiro na cabeça do promotor sem dó e depois atiro em vocês. Não tente
me passar a perna.
— Digo o mesmo a você.
— A proposta foi minha. Não tenho por que te passar a perna, rapaz. Apenas faça o combinado
e tudo ocorrerá bem. No dia anterior vou te ligar para confirmar que estará tudo certo.
— Ótimo.
Depois que desligou, Wagner ligou para Gabriel e Márcia informando a eles a data da troca e eles
marcaram uma reunião no dia seguinte, no apartamento de Camila, para discutirem os detalhes de
como fariam.

***
Quando Wagner chegou à casa de Camila no dia seguinte, ele se sentia exausto, tinha passado a
noite acordado cuidando das suas coisas. Teria apenas quinze dias de liberdade e um misto de alívio
e medo o dominou. Ainda assim, só o fato de ver Camila o deixava animado. Mas quando ele entrou
no apartamento, ficou um pouco decepcionado, uma vez que ela não estava lá e havia ido trabalhar.
Márcia e Gabriel já o aguardavam e quando se sentaram ao redor da mesa, ela serviu uma bebida
a eles.
— E então? — Márcia perguntou.
— Ele marcou na Estrada dos Esqueletos.
— Aquela estrada é deserta pra cacete. — Gabriel reclamou — Ele está tramando alguma coisa.
— Claro que está. — Wagner disse — E nós temos que tramar alguma coisa também.
— Tem alguma coisa em mente? — Márcia perguntou.
— Bem, já que perguntou… — Wagner começou a contar a ideia dele.
Claro que Gabriel, experiente policial, deu suas ideias e opiniões, mas o que dava a Wagner uma
grande vantagem era o fato de ele ter trabalhado para Montenegro e durante meses e meses, seguir os
passos de pessoas que estiveram envolvidas com o cara. Ele sabia exatamente como ele agia e
começava a saber, pelo menos um pouco, como o cara pensava.
E depois de explicar minuciosamente como eles fariam para acabar com Montenegro de uma vez
por todas, eles conversaram sobre outro problema.
— Como vamos tirar Laura da cadeia? — perguntou Wagner.
— Precisamos de um memorando com um pedido de transferência para outro presídio.
— Mas tem que ter um motivo, não?
— Eu resolvo isso. — Márcia disse.
— E eu cuido do comboio. — Gabriel disse.
— Como vai fazer?
— Vou me responsabilizar pela transferência dela. Todos sabem que tenho um interesse pessoal
em que Laura fique presa e não quero arriscar que outras pessoas, das quais eu não confio, estejam
junto.
— Ainda assim terá que ter pelo menos mais um policial com você.
— Posso dar conta de um policial.
— Pode, mas será que vai? — Wagner provocou — O todo senhor certinho e ético.
— É a vida de Guilherme que está em jogo.
— Ah, e o que eu fiz foi por que mesmo? — Gabriel apertou os olhos na direção de Wagner —
Você não sabe o que é se sentir culpado...
— É completamente diferente… — ele elevou sua voz.
— Ei, vocês dois. — Márcia interrompeu, vendo que o clima entre os dois tinha ficado pesado —
Vamos focar no que importa e depois vocês se matam.
— É, depois… — Wagner disse encarando Gabriel e pediu licença para se retirar para o
banheiro.
Enquanto se olhava no espelho, esperou pela voz. Esperou que ela dissesse alguma coisa, que
implicasse com ele, que o insultasse, mas só obteve o silêncio como retorno.
Quando voltou para a sala, os ânimos já tinham se acalmado e quando ele se sentou, repassaram o
plano mais duas vezes, não podia ter falhas, não podia ter erro.
Depois que terminaram, eles se despediram e Wagner saiu sem esperar por Gabriel. A cada
segundo que passava ao lado dele, se lembrava que seu futuro estava batendo à porta. Claro que ele
não culpava o primo, ele escolheu abrir o jogo, confessar e se entregar. Gabriel nada mais estava
fazendo do que seu trabalho, e se num passado não muito distante ele colocaria atrás das grades a
mulher que amava, caso sua inocência não tivesse sido comprovada quando ele achou que ela era
uma assassina inescrupulosa, por que aliviaria a ele, uma vez que ele não tinha nada a ser
contestado?
Ele era um assassino inescrupuloso!

Assim que entrou no carro, pediu a Raul que o levasse para o restaurante de Camila, mas quando
pararam diante do estabelecimento, ele não saiu do carro. Apenas ficou olhando o movimento, vendo
um cliente e outro saírem.
A vantagem era que toda fachada do restaurante era de vidro, e ele conseguia ver lá dentro. Então
aguardou. Vez ou outra Camila saía da cozinha para cumprimentar um cliente e ele se deslumbrava
com sua visão.
E assim ele passou a noite, ali, admirando a mulher que ele amava de longe, e Wagner agradeceu
aos céus que Raul não havia questionado. Enquanto ele ficou ali, por mais de duas horas, observando
Camila quando dava, o segurança ficou perdido em seu celular jogando Cand Crush.
No final da noite, quando Camila e o su-chef fecharam o restaurante, ele mandou que Raul
seguisse o táxi que ela pegou e, só quando teve certeza que ela estava sã e salva no seu apartamento,
pediu ao segurança que fosse para o covil.
Quando entraram, ele foi tomar um banho e quando saiu chamou Raul para conversar.
— Raul, eu vou dispensar seus serviços…
— Fiz algo errado, senhor?
— Não. De forma alguma. Nunca vi um segurança tão eficiente quanto você, mas não preciso e
não quero mais proteção pra mim... Ainda esta semana eu deposito o valor do seu bônus pela ajuda
que você me deu no trabalho extra e mais um mês de salário adiantado. Você vai ficar na casa em
Matinhos, tomando conta do lugar e até segunda ordem, seus homens continuam na linha em que você
os colocou. Vou convencer Diego a não te dispensar quando…
— Quando?
— Deixa isso pra lá. Agradeço sua eficiência e tenho um último pedido a te fazer.
— Claro, senhor.
— Proteja Diego como se fosse eu. Seja tão profissional e eficiente com ele, quanto foi comigo.
— Tem minha palavra senhor.
— Beleza. — ele estendeu a mão e os dois apertaram antes de Raul sair.
Quando Wagner se viu sozinho, se jogou na cama e começou a pensar. Tudo que ele mais queria
era poder aproveitar com Camila seus últimos dias de liberdade, mas não era justo com ela, não
mesmo. O que ele faria quando fosse preso? A abandonaria, depois de ter reconquistado ela, lutado
pelo seu perdão.
Não!
Ele se manteria longe, observando-a, admirando-a de longe e aproveitando cada segundo, até o
dia que seu primo o levasse de vez. Então ele iria até ela e se despediria. Diria a ela o quanto a
amava e o quanto queria que ela fosse feliz. Que pensaria nela todos os dias da sua vida e que não
importava quantos anos de cadeia pegasse, ele pensaria nela em todos eles.
Capítulo Trinta e Seis

Na manhã seguinte, depois que Wagner tomou café da manhã, ele saiu. O dia estava frio e
nublado. Tudo estava cinza e escuro, assim como sua vida. Mas diferente do clima em Curitiba, ele
sabia exatamente onde encontrar o seu sol. Então ele seguiu até o quarteirão do prédio de Camila e
enquanto esperava que ela saísse para comprar as coisas para seu restaurante, acendeu um cigarro e
aguardou, mas ela não apareceu.
Wagner começou a ficar preocupado. Quis ligar para Márcia e saber se estava tudo bem, mas
ficou incerto. Depois da última conversa com ela, não disse que tinha mudado de ideia, que não ia
mais pedir o perdão de Camila e que deixaria ela ser feliz longe dele. Então ele preferiu apenas
aguardar.
Quando ela saiu, já passava das dez da manhã. Ele sabia que o restaurante abria às onze e quando
ele começou a seguir o táxi que ela tinha pegado, percebeu que ele não fazia o caminho do
restaurante.
O veículo que estava transportando Camila parou em um edifício comercial e quando ela entrou,
ele estacionou a moto e a seguiu. Wagner observou Camila, enquanto ela pedia auxílio no balcão de
informações, e quando ela entrou no elevador ele foi até lá.
— Bom dia.
A atendente, que até então não havia desviado os olhos da tela do computador, respondeu um
“bom dia”, completamente alheia a ele, quando levantou a cabeça, teve a reação esperada por
Wagner.
— Oi. — ele disse e piscou — Aquela moça que entrou aqui agora, sabe me dizer pra que andar
ela foi?
Ele conseguiu ver a decepção no olhar da atendente.
— Desculpa, mas eu não posso dizer.
— Ah, que isso… — ele se inclinou sobre o balcão, colocando o capacete de lado e encarou a
menina — acha que eu quero fazer mal pra alguém? Ela é uma amiga que eu não vejo há muito tempo,
só quero surpreendê-la. Você nunca teve um amigo que gostaria de rever, que sente saudade de
conversar?
— Sim, o Jonas. — ela respondeu como se ele estivesse minimamente interessado — Bem, ela foi
ao consultório da doutora Beatriz, sala 410.
— Muito obrigado. — ele olhou o quadro de vidro acima da recepção e quando as palavras
“Ginecologia, Obstetrícia e Clínica Geral” se destacaram ao lado do nome da médica, franziu a
testa.
Ele seguiu na direção dos elevadores, mas não entrou, quando a menina da recepção se distraiu ao
telefone, ele passou rápido no sentido contrário e foi para fora. Parou ao lado da sua moto e
aguardou até que Camila saísse.
Enquanto ele olhava distraidamente ao redor, observou o segurança do outro lado, fazendo o
mesmo que ele: esperando por ela. Ele o cumprimentou com um aceno quase imperceptível de
cabeça e o cara retribuiu da mesma forma.
Ele ficou ali aguardando, entre um cigarro e outro, percebia os olhares femininos em sua direção e
há um tempo ele até teria gostado daquilo, mas na sua vida atual, tudo que importava para ele era
Camila. Ela era a única mulher que Wagner queria que olhasse para ele.

Muitos minutos se passaram até que finalmente Camila saiu do edifício. Ela tinha alguns papéis na
mão e olhava para eles de forma tão atenta que chegou a se chocar com um homem, deixando os
papéis caírem. Wagner deu um passo na direção dela com a intenção de ajudá-la, mas se conteve
quando o homem abaixou e começou a recolher os papéis. Alguns minutos depois, ela os guardava na
bolsa e seguia seu caminho.
Mais uma vez ela entrou em um táxi e tanto Wagner quanto o segurança, seguiram o veículo até o
restaurante.

Três dias depois, a vida de Wagner se resumia a seguir e observar Camila. Ele queria, mas
simplesmente não conseguia ficar longe. Sentia saudade do tom da voz dela, do perfume, da risada.
Então naquele dia, ele colocou um boné, óculos escuros e entrou no restaurante. Almoçou lá e depois
voltou no horário da janta, ainda escondido por aqueles acessórios.
Estar mais perto dela o deixava feliz. Ouvir, mesmo que de longe sua voz e sua risada eram como
música para seus ouvidos. E nos dois dias seguintes, ele continuou frequentando o restaurante
daquela forma. Quando Camila aparecia no salão, ele usava o cardápio para disfarçar, e sorria toda
vez que ouvia a risada dela com um cliente.
Quem dera ele pudesse se aproximar dela e dizer tudo que ele sentia naquele momento, e o que o
simples som da risada dela causava nele.
Mas então, enquanto ele pensava isso e a observava, o seu mundo saiu de eixo.
Camila estava sorrindo e falando com uma cliente, antes de segurar na mesa e fechar os olhos, o
corpo dela cambaleou e em questão de segundos, Wagner se levantou e foi até ela, segurando o corpo
dela antes que se chocasse com a outra mesa. As mulheres que conversavam com ela soltaram uma
exclamação, e quando Camila ergueu seu olhar e o viu, arregalou os olhos.
— Wagner? O que faz aqui? — ela perguntou, enquanto ele a ajudava a sentar.
— Estava almoçando. — ele pediu um copo de água ao garçom — Você está bem?
— Sim, foi só um mal-estar. — ela disse, e quando o garçom trouxe a água, Wagner pegou e deu a
ela — Não comi nada hoje ainda. — ela mentiu.
Pelo menos aquilo seria uma desculpa plausível.
— Então vai almoçar comigo.
Antes que ela pudesse negar, Wagner segurou sua mão e a levou para mesa dele e em seguida deu
o cardápio a ela, mas em vez de sentar, ele pegou um dos aventais emprestado de um dos garçons e
sorriu.
— O que a senhorita vai querer? — ele abaixou a cabeça, mais como um mordomo do que como
garçom, o que só serviu para divertir Camila.
— Hum, deixe-me ver… — ela olhou o cardápio sorrindo — você sugere alguma coisa?
— A chef aqui cozinha muito bem, posso indicar a sugestão do dia. — ele apontou para o
cardápio
— Acho que vou aceitar a sugestão.
— Ótima escolha. — ele se afastou um pouco e de repente parou e virou-se para ela franzindo a
testa, antes de caminhar de volta à mesa — E qual seria mesmo o prato?
Camila deu uma risada tão espontânea e cheia de vida, que ele não aguentou e começou a rir
também.
— Por favor, gato, senta aqui e deixa que o Saulo nos atende.
— Saulo, o salvador. — Wagner brincou enquanto tirava o avental, se sentava e os dois riram um
pouco mais.
Depois que a risada deles parou, a princípio, o clima entre eles ficou estranho. Camila olhava
para as próprias mãos, enquanto Wagner não desviava o olhar dela, mas logo ele a chamou.
— Você tem certeza que está bem? Aquele dia estava vomitando, hoje ficou tonta. Talvez precise
ir ao médico, fazer uns exames.
Camila se remexeu desconfortavelmente e o encarou.
— Estou sim, até vou fazer uns exames de rotina, mas sei que não foi nada de mais, nem aquele
dia, nem hoje.
Eles voltaram a ficar em silêncio e então ela perguntou:
— O que você está fazendo aqui, Wagner?
A pergunta o pegou de surpresa, ele não sabia o que responder. Se contasse a ela toda a verdade,
Camila poderia sair correndo, se não, ela poderia se iludir e se magoar. Das duas maneiras ele a
perderia.
Então ele apostou na sinceridade.
— Eu tentei ficar longe, mas não consegui, Camila.
— Wagner…
— Não, por favor, me deixa falar. — ele respirou fundo e ela percebeu que Wagner ficou tenso —
Eu fiz coisas que não devia Camila, coisas muito ruins, mas eu não era eu mesmo. Eu só conseguia
ser esse cara que está diante de você, quando você estava por perto. Fora isso eu era outra pessoa e
isso me levou a fazer coisas erradas, mas eu não tô falando isso pra me eximir da culpa nem nada
disso, é só pra você entender um pouco. E agora, eu não sei o que vai acontecer comigo, mas eu
queria estar por perto mesmo sem incomodar. Por isso o disfarce. — ele apontou para os óculos e o
boné sobre a mesa.
— Primeiro, você realmente achou que eu não te reconheceria por causa de um boné e um óculos?
Me dê mais crédito, gato. Percebi você desde a primeira vez que entrou, mas eu queria ver até onde
você ia. — ela sorriu — E se você quer que eu entenda alguma coisa, quero saber da história toda.
— Não posso contar com tanta gente aqui, o restaurante cheio.
— Volte por volta das onze. — ela disse — Como está muito frio, o movimento tem caído e
estamos fechando mais cedo, mas acho que você já sabe disso. — ela sorriu — Então poderemos
conversar.
Ele pensou por um instante, antes de confirmar.
— Estarei aqui.
Camila já estava se levantando quando ele segurou em sua mão.
— Almoce comigo. — o garçom já estava trazendo os pedidos e quando colocou os pratos sobre
a mesa, Camila sentou-se novamente.
— Estou realmente com fome. — ela sorriu enquanto desembrulhava o hashi.

Enquanto almoçavam, eles conversaram amenidades, mas ficou claro na tensão que havia entre
eles, que os dois estavam pensando na conversa que teriam no final daquele dia.
Para ela seriam as respostas que ela quis por muito tempo. Coisas que ela tinha certeza que outras
pessoas sabiam, mas ela nunca soube. Nunca entendeu por que ele mudou da água para o vinho com
ela e depois apareceu, dizendo que ela era tudo para ele, apenas para tornar a se afastar. Eram tantas
dúvidas, tantas perguntas não respondidas.
Para ele seria tirar um peso das costas. Ele estava consumido pela angústia, claro. Mas a verdade
era que se Camila o odiasse depois disso, pelo menos não sentiria falta dele quando ele fosse preso,
e isso facilitaria um pouco as coisas, não para ele, mas para ela. Superar a prisão dele não seria mais
um problema.
Quando acabaram de almoçar, Wagner se despediu, dando um beijo no rosto de Camila,
prometendo voltar à noite.
E assim ele o fez.
Um pouco antes de o restaurante fechar, ele estava lá, sentado na mesa mais distante da porta,
sozinho, mexendo em seu celular pacientemente enquanto via cada um dos clientes indo embora.
Depois foi a hora de esperar os funcionários saírem, e assim que Camila se despediu do su-chef,
que era sempre o último a sair junto com ela, a chef trancou a porta e se juntou a Wagner levando
suco para eles beberem.
— Está preparada?
— Nunca estive mais preparada na vida.
— Camila… — ele respirou fundo e segurou na mão dela a encarando — me prometa que vai
esperar eu terminar de falar tudo para tirar suas próprias conclusões.
— Comece Wagner e eu prometo que vou tentar te entender.
— Tudo bem.
Capítulo Trinta e Sete

Wagner não sabia exatamente por onde começar, então resolveu ir lá atrás, no passado, quando ele
ainda era um menino. Ele e Camila nunca tinham tido esse tipo de conversa e já estava mais do que
na hora.
— Bem, minha mãe, irmã do pai do Gui e do Gabe, sempre foi mãe solteira. Ela engravidou de um
cara que, até meus dezoito anos, eu não fazia ideia de quem era. Quando meu tio morreu e meus
primos e minha tia foram morar com a gente, viramos uma grande família. Eu era bem mais novo que
eles, mas eles me ensinaram como era ter irmãos. Eu fui mais apegado ao Gui, porque o Gabriel
passou por uma fase rebelde. Achamos até que ele ia seguir o caminho da criminalidade, mas graças
aos céus não foi o que aconteceu. Éramos uma grande família feliz. Quando eu fiz dezoito anos, um
homem bateu à nossa porta e disse que meu pai tinha morrido e que eu era o único herdeiro de toda
sua fortuna. Foi então que minha mãe me contou a história dela. Ela o conheceu no trabalho, ele a
seduziu e quando ela engravidou, ele a dispensou e sumiu no mundo. Um verdadeiro babaca! Mas
tinha me deixado muita grana, nossa, muita grana mesmo. E apesar de a minha mãe não concordar, eu
ganhei o mundo. Quis fazer tudo que a nossa situação financeira nunca permitiu e fiquei ajudando ela
de longe, enquanto conhecia vários lugares. Além disso, estudei. Fui me especializar em investigação
particular, armas, tecnologia. Passei os dois anos seguintes estudando e surfando pelo mundo e
quando cheguei a Matinhos, conheci Diego. Ele era bem mais novo que eu e tinha fugido de casa.
Pais abusivos que exploravam os filhos e não deixavam eles estudarem. Sabia que corria um risco,
mas quando ouvi aquele menino dizendo que tudo que ele queria era estudar, se formar, ser alguém,
eu não tive outra escolha e chamei ele pra morar comigo.
— Uau. — ela disse tomando um gole de suco — Ele me disse algo parecido, mas não entrou em
detalhes, só disse que você era como um pai para ele, ou melhor, um irmão. — ela sorriu — Palavras
dele.
— Tenho o mesmo sentimento por ele. E como tinha Diego para tomar conta, fiquei pela casa em
Matinhos mesmo. — Wagner sorriu ao lembrar-se do seu brother — Bem, como eu estava dizendo,
vim trabalhando com isso desde então. Já fiz investigações por esse Brasil inteiro e o dinheiro ajuda
muito na profissão que eu escolhi.
— Investigador particular. — ela repetiu como se tivesse absorvendo a informação.
Ele assentiu.
— Quando Gabriel me ligou para investigar os envolvidos com Montenegro, topei na hora. Sabia
que seria um desafio, e foi, mas então eu comecei a descobrir coisas muito pesadas. As pessoas
envolvidas eram perigosas e então eu descobri que Laura era filha dele. Caralho, isso foi foda. Então
eu resolvi me aproximar dela. Nessa época eu já tinha conhecido você, mas tive que me afastar para
que eles achassem que eu realmente tinha traído meus primos. Sempre que pensava em você e nas
nossas conversas, eu sorria, mas Laura sacou que tinha algo errado, só que ela nunca foi muito
esperta. Parecia um cãozinho que só fazia o que ordenavam e eu aproveitava isso para colher
informações. Mas minha confiança em mim mesmo foi meu erro e então tentaram pegar você e
Monique e aquilo me deixou sem chão. O motoqueiro que atirou contra o carro que atentou contra
vocês, era eu. Eu tinha que te proteger de alguma forma. E isso fez Laura desconfiar. Quando ela
entrou tempestiva no quarto de hotel dizendo que ia embora porque precisava fazer alguma coisa, eu
quase surtei. Sabia que ela ia fazer merda, mas ela foi mais esperta. Aliás, Montenegro foi, porque
com certeza ele quem deu a ela as dicas de o quê e como fazer. Quando eu fui investigá-la, ela deixou
pistas indicando que você era o alvo. Eu fiquei maluco. Sabia que ela ia te usar para que eu não
impedisse ela e Montenegro de fugirem, mas nunca imaginei que isso englobava matar Guilherme.
Então depois que eu te salvei e tudo aquilo aconteceu, eu me senti culpado. Ela armou tudo debaixo
do meu nariz e eu não vi, então prometi que puniria todos os envolvidos até que eu achasse o próprio
Montenegro e acabasse com a raça dele.
Camila ouvia tudo atentamente, e quando ele pegou o cigarro para acender, ela afastou um pouco a
cadeira depois pegou um cinzeiro para ele. Não podia dizer a ele, a essa altura que ele não podia
fumar perto dela. Ele desconfiaria, então ela apenas disfarçou e agradeceu quando a fumaça começou
a ir para a direção oposta a dela.
— Bem, o problema é que meu pai, bem, ele tinha esquizofrenia e isso pode ser hereditário.
Depois eu descobri que esse tinha sido o motivo de ele ter fugido da minha mãe. Não era porque ele
não a amava, mas porque ele sabia que seria um perigo para mim e para ela. Isso me fez respeitar o
cara, apesar de ainda achar ele babaca, e desde que eu tinha descoberto, eu vinha fazendo exames
periódicos, consultas com dois psicólogos diferentes, para me certificar que o mesmo não
aconteceria comigo, mas depois que eu achei que Guilherme tinha morrido por minha causa, eu não
consegui evitar. Então comecei a ouvir uma voz dentro da minha cabeça, dizendo o que eu devia
fazer. E esse cara dentro da minha cabeça era perigoso, frio, e eu não podia arriscar sua segurança.
Por isso eu passei a não atender você, a trocar de número constantemente, me afastar por mais que
doesse. Mas eu estava sempre por perto, observando você, mesmo que você não me visse. E quando
eu percebi que perto de você esse cara sumia, bem, ele começou a ficar mais intenso, porque quanto
mais tempo eu o deixava calado, mais raivoso ele voltava. Você era meu bálsamo, Camila. Mas eu
tinha uma promessa a cumprir, tinha que punir todos eles.
— Punir? Punir como?
Essa era a hora que ele mais temia. Contar todas as atrocidades que ele fez. Claro que ele não
entraria em detalhes, mas só de contar a ela que os torturava e depois se livrava dos corpos.
— Enquanto fazia as investigações para meus primos, eu criei um dossiê com o nome de todas as
pessoas que estavam envolvidas com Montenegro naquela época. Bem, eu usei esse mesmo dossiê a
meu favor, então eu pegava as pessoas e fazia mal a elas.
— Como assim fazia mal?
— Eu as punia, Camila. Causava dor a elas até que me dissessem o que eu queria saber.
— Céus! — ela exclamou colocando a mão sobre a boca — Você torturava elas…
— Sim, sempre com o outro cara, a voz, me dizendo o que fazer. Mas quem fazia era eu, ele era
sempre mais forte. — ele respirou fundo — Não me orgulho disso, não mesmo.
— E onde estão essas pessoas?
Wagner fechou os olhos antes de responder.
— Mortas.
Camila deu um gritinho e antes que pudesse responder alguma coisa, correu para o banheiro e
colocou tudo que ela tinha comido durante o dia para fora.
Como ela podia amar um cara que fazia aquilo com as pessoas? — ela se perguntava
silenciosamente enquanto seu estômago se contraía.
Logo ela sentiu as mãos de Wagner no seu cabelo, segurando eles para que não sujassem e ele
acariciando suas costas.
Um arrepio percorreu sua pele com o toque dele, mas de uma forma estranha e que ela não podia
explicar, soube que ele nunca faria mal a ela. Mesmo com toda aquela história sombria.
Quando o estômago dela se acalmou, eles voltaram para a mesa e ela o viu acender outro cigarro.
— Fume menos.
— Desculpa. — ele apagou o cigarro — Tô nervoso.
— O que você fez com essas pessoas?
— Camila. Você não quer saber disso.
— Quero, senão eu não estaria perguntando.
— Depois que eu as torturava, eu não podia deixá-las ir. Elas me entregariam, ou para polícia ou
para Montenegro. Então eu as matava e depois jogava em tonéis de ácido sulfúrico e deixava a coisa
fazer o trabalho dela.
Camila sentiu seu estômago embrulhar novamente, mas se conteve, talvez porque não tivesse mais
nada para colocar para fora.
— Você ainda ouve essa voz?
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Enquanto você ficou lá em casa, eu nunca a ouvi, mas assim que você saiu, ela voltou com
força total, entretanto, quando eu descobri que Guilherme estava vivo, ela se calou. Como eu sei
como essas coisas funcionam porque pesquisei bastante, eu fui ao meu psicólogo e contei a ele
superficialmente o que tinha acontecido. Ele me receitou esses comprimidos… — ele tirou do bolso
dois frascos laranja com comprimidos — e pelo menos duas vezes por semana tenho que ir lá.
— Está tomando desde quando?
— Tem uma semana mais ou menos.
— E como se sente?
— Bem. — ele encolheu os ombros — Você não está com medo de mim.
Não foi uma pergunta. Ele conseguia ver nos olhos dela que ela tinha ficado horrorizada com
aquilo tudo, que tinha pena dele, talvez compaixão, mais alguns outros sentimentos que ele não
conseguia distinguir, mas o medo estava ausente e isso para ele era mais do que suficiente. Era mais
do que ele merecia.
— Não. O que você fez foi horrível, aliás, essa palavra nem descreve bem, foi monstruoso, mas
eu sei, bem no fundo, sei que você não me machucaria.
— Nunca.
Ele tomou um pouco do seu suco e Camila ficou observando.
— Mais alguém sabe disso?
— Gabriel.
Quando ele respondeu, Camila arregalou os olhos. Sabia muito bem como o investigador pensava.
Era amiga de Monique e tinha ouvido a história de como ela e o marido começaram seu
relacionamento conturbado, inúmeras vezes.
— Eu já disse a ele que vou me entregar quando tudo isso acabar.
— A troca?
Ele assentiu.
— Sinto muito. — ela disse genuinamente.
— Olha, sei que provavelmente você não vai me querer por perto, mas eu prometo te deixar em
paz. Vou só vir ao restaurante e te observar de longe, só não proíba minha entrada aqui.
— Eu não faria isso. Você é um cliente como outro qualquer. — ela se levantou e recolheu os
copos — Agora eu preciso ir, estou com muito sono e essa conversa…
— Tudo bem. — ele se levantou também.
Ele queria pedir a ela para levá-la para casa, mas achou que estaria forçando a barra, então
depois que os dois fecharam o restaurante, ele a colocou dentro do táxi e se despediu.
Bem, quase isso, já que ele seguiu o veículo para se certificar que ela chegaria sã e salva em casa.
Capítulo Trinta e Oito

Camila não conseguiu parar de pensar naquela conversa durante todo o caminho. Era surreal
demais. Ela sabia que tinha algo errado com Wagner, era perceptível que ele não era mais aquele
cara que ela tinha conhecido, mas daí a ele estar ouvindo vozes e torturando pessoas, era demais.
Nunca poderia imaginar.
Entretanto, não era a primeira vez que ela via alguém agir de forma errada para proteger outros.
Não que esse fosse o caso dele. Ele não estava protegendo, ele estava se vingando, punindo, mas sua
irmã tinha matado o pai delas para protegê-la.
Quando entrou em casa, sentia-se esgotada. Era como se toda aquela conversa tivesse tirado suas
forças, ou talvez apenas fosse a gestação que a deixava realmente sonolenta, ela não sabia dizer.
Tudo que ela sabia era que queria tomar um banho quente e deitar em sua cama e só acordar no dia
seguinte.
Depois do banho, ela colocou um pijama de flanela confortável, preparou uma xícara de chá e foi
se deitar, mas mal ela havia se acomodado em sua cama, Márcia apareceu.
— Oi. — Camila disse sorrindo fraco — Me acompanha? — ela mostrou a xícara de chá e
Márcia sorriu e assentiu antes de ir buscar a sua.
Quando voltou sentou-se ao pé da cama.
— Onde você estava?
— Saí pra resolver umas coisas. Papelada.
— Pra troca?
Márcia assentiu.
— Como você está com isso?
— Só quero que isso acabe. Quero logo que Guilherme volte e esse pesadelo finalmente tenha
fim.
Camila segurou a mão da irmã e apertou de leve.
— E você? Foi à médica hoje?
— Sim… — ela tomou um gole do seu chá — Céus! Ela passou tanto exame que acho que vou
fazer uma transfusão de sangue em vez de exames de rotina.
— Você sempre foi exagerada, Ca.
Elas riram, mas logo Camila ficou séria.
— Mana, qual a pena pra uma pessoa que tortura outra?
— Depende Ca, a sentença mínima, dependendo do tipo de tortura, é de 2 a 8 anos. Se houver
lesão corporal aumenta de 4 a 10 e se resultar em morte, 8 a 16 anos, e ainda tem alguns agravantes,
tipo se a pessoa foi sequestrada.
Camila ficou pálida. Não sabia quantas pessoas Wagner tinha torturado, não fazia ideia, mas ele
falou no plural e que resultou na morte delas. Ele pegaria pena máxima. Seus olhos se encheram de
lágrimas, mas ela disfarçou para que Márcia não visse.
— E se a pessoa tiver algum problema mental, tipo esquizofrenia?
— Por que está perguntando essas coisas?
— Abranda a pena?
— Ca…
— Apenas responde, por favor.
— Depende.
— De quê?
— Se a doença vai ser comprovada, se a pessoa tem ou não discernimento para entender o que
fez. Como a pessoa se comporta normalmente, se é agressiva ou não… uma infinidade de coisas, Ca.
Não era o caso de Wagner, mesmo enquanto ouvia a voz, ele sabia que estava fazendo algo errado.
Sabia que aquilo era ruim. E quando ela se deu conta que provavelmente seu filho nunca conheceria o
pai, seus olhos se encheram novamente de lágrimas, mas dessa vez ela não conseguiu evitar que elas
caíssem.
Márcia se aproximou e abraçou sua irmã, e isso foi o suficiente para que ela se entregasse às
lagrimas e chorasse copiosamente, deixando a juíza preocupada. Mas ela não disse nada, apenas
aguardou que Camila se acalmasse e quando ela parou de chorar, ela a encarou.
— Agora você pode me dizer o que está acontecendo?
— Wagner…
— O que tem ele?
— Ele esteve no restaurante hoje, e disse que iríamos conversar, que ele precisava me contar
umas coisas… — Camila contou toda história, enquanto Márcia ouvia atentamente.
Mas diferente de Camila, ela não ficou horrorizada com o que escutava. Ela mesma já tinha
matado alguém por raiva e quantas vezes ela não teve tais pensamentos? Não quis punir e se vingar
de cada pessoa que havia tirado seu Guilherme dela? Mas a questão ali não era essa e sim aquele
bebê. Como sua irmã poderia conviver com um homem como aquele? Márcia não conseguiu evitar
pensar no próprio pai e no quanto ela sofria cada vez que ele abusava dela, mas que no fim quando
foi para defender Camila, ela o matou.
Quando Camila terminou de contar estava às lágrimas novamente.
— Ca, isso que ele fez, mostra o quanto confia em você, mas acho que ele está certo. Gabriel não
vai deixar ele escapar dessa.
— E você?
— O que tem eu?
— Deixaria?
— Ca…
— Ele fez isso pelo Guilherme, mana. Porque ele se sentia culpado. Você daria uma pena branda a
ele?
Márcia a analisou por um instante e logo em seguida respondeu:
— Talvez. Não posso afirmar nem negar.
— Me prometa que se ele for a julgamento, você vai cuidar dele pra mim.
— Não posso te prometer isso Camila. Eu poderia perder o direito de exercer minha profissão.
Por favor, não me peça isso.
Camila não respondeu, apenas assentiu e secou as lágrimas.
— Tudo bem, agora você pode me deixar dormir?
— Camila…
— Por favor, Márcia.
Ela colocou a xícara de lado e deitou, ficando de costas para irmã e quando ouviu a porta do
quarto se fechando lentamente, ela se entregou às lágrimas novamente, podia sentir seus lábios e seu
rosto inchados de tanto chorar, até que foi levada pelo sono.

Na manhã seguinte, Camila acordou renovada. Suas lágrimas durante a noite pareciam ter aliviado
toda aquela angústia. Não que ela não estivesse triste pela situação de Wagner, afinal de contas ela o
amava. Mas o que ela tinha decidido fazer era, sem dúvidas, a melhor das suas decisões. Ela daria a
ele os melhores últimos dias de liberdade da vida dele.
Então, depois de tomar um banho quente e demorado, ela se juntou a Márcia para o café da manhã.
— Você parece melhor hoje.
— Estou. — ela disse mastigando um pedaço de bolo — Não vou abandoná-lo, não agora.
— Isso é muito legal da sua parte, Camila.
— Eu sei, sou uma garota legal. — ela brincou com sua irmã, mas como Márcia continuou séria,
ela franziu a testa — Que foi?
— E o bebê?
— Não posso contar a ele sobre o bebê.
— Por quê?
— Se ele souber que estou grávida e o filho é dele, não vai ficar em paz. Vai tentar fugir, vai
querer me levar junto. Fora que já vai ser doloroso pra ele ficar preso, imagina pensando em um
filho que não vai ter a proteção dele.
— E como você sabe que ele reagiria assim?
— Já viu como ele fala do Diego?
E então Márcia se lembrou do rapaz que Wagner criou e assentiu.
— Ele o ama como se fosse um filho, protegeu ele quando era apenas um menino desamparado,
imagina o próprio filho? Ele ia pirar.
— Ainda acho que devia falar, mas a decisão é sua.
— Obrigada. — ela disse voltando a comer seu bolo dando aquele assunto por encerrado.
Realmente, o filho era dela e a decisão também.
— Você já o perdoou pelo que ele fez na casa dele?
— Não! — Camila respondeu sem hesitar — Mas acho que esse problema pelo qual ele tá
passando, perto daquilo, bem… — ela encolheu os ombros — torna o que aconteceu bem menor.
— Você é realmente uma mulher incrível, Ca. Muito melhor que eu.
— Você também é incrível, mana. — ela terminou o bolo, levantou e deu um beijo no rosto de
Márcia — Até mais tarde.
— Se cuida.
— Eu vou.

***
Wagner estava ansioso para ver Camila logo, e quando o restaurante abriu, ele não se importou de
ser o primeiro a entrar. Naquele dia ele não conseguiu ficar esperando na porta do restaurante,
porque teve consulta com o psicólogo e depois foi visitar Diego. Seu brother estava cobrando isso e
ele não podia mais enrolar. Foi até lá e agora que estava de volta, não via a hora de encontrá-la, ou
melhor, de vê-la.
E logo o restaurante se encheu, mas ele ainda não tinha tido a oportunidade de vê-la, então fez seu
pedido.
Estava distraído em seu celular falando com Gabriel, quando percebeu que alguém havia sentado
em sua mesa ao mesmo instante que colocava seu pedido diante dele.
— Camila?!
— Oi. — ela sorriu enquanto desembrulhava o hashi — Odeio comer sozinha, e você?
Wagner não respondeu, apenas sorriu e também pegou o hashi.
— Como foi sua noite? — ela perguntou.
— Estranha. Não consegui dormir, fiquei pensando na nossa conversa. Achei que você nunca mais
fosse querer falar comigo.
— E por que eu não falaria com você?
— Você sabe, pelas coisas que eu te falei…
Camila se remexeu na cadeira.
— Não concordo com o que você fez, e nem sei se entendo seus motivos, mas não sou Deus pra
julgar ninguém, Wagner. E não foi pra mim que você fez essas coisas. Seu olhar… — ela desviou os
olhos — Bem, sei que você não me faria mal e depois que tudo acontecer, não sei quanto tempo
vamos ficar sem nos ver.
— E isso não será pior? Não quero que sofra.
— Isso quem sabe sou eu, e eu já sou bem grandinha pra tomar minhas próprias decisões, gato. —
ela piscou.
Wagner não conseguiu evitar um sorriso.
Eles conversaram algumas coisas durante o almoço, mas o assunto do dia foi Guilherme. Todos
estavam preocupados em como aconteceria aquela troca, e Camila temia pela vida de todos ali.
— Vamos nos certificar que tudo saia bem, mas sabemos que não podemos confiar nele.
— Estou com uma sensação ruim.
Wagner colocou a mão por cima da mesa e acariciou a de Camila.
— Vai dar tudo certo.
— Tomara. — ela sorriu e puxou a mão, antes de voltar a comer.
Wagner fez o mesmo.
Antes que a refeição deles terminasse, Bruno, o su-chef, parou ao lado da mesa deles e depois de
cumprimentar Wagner, chamou Camila em um canto, mas eles não se afastaram muito.
O fornecedor de hashi estava há dois dias atrasado. Eles já haviam pagado o carregamento e nada,
além disso, das últimas vezes que ele tinha ligado, a secretária arrumou uma desculpa, mas ele não
conseguiu falar com o responsável.
— Como um restaurante japonês fica sem hashi? Isso é inadmissível. Eu terei que ir lá
pessoalmente. — ela estava furiosa.
— Acho que você devia resolver isso legalmente.
— Ainda não.
— Desculpa. — Wagner os interrompeu — Não pude deixar de ouvir e, bem, eu posso ir com
você se quiser.
— Jura? — ela arregalou os olhos — Quero sim, por favor.
Ele assentiu e alguns minutos depois, os dois saíam do restaurante.
Capítulo Trinta e Nove

A barriga de Camila doía de tanto rir. Ela se apoiou na moto enquanto Wagner segurava as duas
caixas com mais de mil pares de hashis cada uma, rindo também.
— Você viu a cara dele? — ele disse.
— Achei que ele fosse se borrar todo.
— E eu nem fiz nada.
— Ah, sério, sua voz já é rouca, quando você força então. — ela riu mais um pouco.
— Bom, acho que ele nunca mais vai atrasar uma entrega.
— Não sei, não é a primeira vez que temos problema com ele.
— E por que não trocaram?
— Bem, primeiro porque o produto dele é bom, segundo porque não é fácil encontrar bons
fornecedores de hashi por aqui.
— Eu posso te ajudar se quiser.
— Sério?
— Claro. Já tive até uma ideia.
— Legal sabichão, agora eu quero ver você ter uma ideia pra gente levar esses trambolhos pro
restaurante. — ela apontou para as caixas.
— Confia em mim? — ele perguntou e ela assentiu — Então me espere aqui.
Wagner caminhou virando a esquina onde ele já tinha visto o segurança parado e pediu que ele
levasse as caixas, quando ele voltou para perto de Camila, ela estranhou.
— O que você fez com as caixas?
— Mágica.
— Não Wagner, sem segredos a partir de hoje, aliás, a partir de ontem. O que você fez?
— Eu tenho um segurança particular nos seguindo o tempo todo. — ele bagunçou o cabelo
esperando a bronca dela — Pedi que ele levasse.
— Segurança particular? — ele assentiu e ela sorriu — Uau, que chique. Você deve ter muito
dinheiro mesmo.
— Bastante. — ele sorriu e subiu na moto entregando o capacete a ela logo em seguida — Agora
suba.
Camila subiu na garupa e Wagner deu a partida. Alguns minutos depois eles chegavam ao
restaurante, e depois que colocaram as caixas no estoque, ele pediu a ela emprestado o notebook,
sentou na mesa mais reservada do restaurante e se pôs a procurar novos fornecedores de hashi nas
redondezas. Realmente não era uma tarefa fácil.
Mas ele não se importava, apenas estava ali, focado em sua tarefa.
Vez ou outra Camila espiava da cozinha e sorria. Wagner estava tão concentrado na tela do
notebook e no celular, que sequer percebeu um grupo de amigas que o devorava com os olhos e
davam risinhos enquanto comiam. Tristes, elas foram embora sem ele nem notar a presença delas ali.
Quando Camila teve uma folguinha na cozinha, foi até a mesa e se sentou ao lado dele entregando
a ele um suco.
— Como estamos indo?
— Você tinha razão, não é fácil, mas achei dois fornecedores. Não tão perto quanto o seu atual,
mas eles estão dispostos a mandar algumas amostras. Um deles ainda prometeu desconto na taxa de
entrega caso você feche com ele. Disse que já ouviu falar muito do seu restaurante e é louco para
conhecer.
— Uau. Você é realmente bom nisso. Estou quase te contratando.
Wagner deu um sorriso fraco e então Camila se lembrou que em breve, tudo que ela teria dele
seriam lembranças.
— Bem, eu vou ali fumar, quando voltar vou ligar para mais dois que achei, mas esses são ainda
mais distantes. — ele desconversou depois de perceber o clima ficar estranho, se levantou e saiu.
Quando ele voltou, Camila já estava de volta à cozinha e ele voltou ao seu trabalho.

À noite, quando o restaurante fechou, ainda mais cedo do que nos dias anteriores, Wagner tinha
feito contato com mais três fornecedores. Um deles entregaria uma amostra no dia seguinte.
— Não sei como agradecer.
— Eu sei. — ele respondeu enquanto caminhava com ela até a moto.
— E como?
— Aceite sair comigo amanhã à noite.
— A gente está saindo todo dia.
— Não, na verdade eu venho ao seu restaurante e encho seu saco todo dia. — ele sorriu — Quero
te levar pra fazer alguma coisa legal, depois a gente come uma pizza, ou assiste um filme, ou faz tudo
isso. E…
— Tem mais? — ela perguntou sorrindo e ele assentiu feito um menino.
— Me deixa te levar em casa todas as noites.
— Não. Isso não. Não quero nem preciso de um chofer.
— Bem, o que os motoristas dos táxis que você pega são?
— Mas é diferente.
— Camila, eu não tenho nada pra fazer, é sério. Ficar perto de você tem sido a melhor parte dos
meus dias desde… desde que eu possa me lembrar. Não tem nada de mais.
— Não sei Wagner.
— Vamos. — ele segurou a mão dela e levou até a boca — Diz que sim ou eu vou encher seu saco
até você mudar de ideia, você sabe o quanto posso ser insistente.
— Ok, gato, mas você tem que tomar cuidado com essa coisa, tá? — ela apontou para a moto.
— Claro, nunca colocaria você em risco.
Ele subiu na moto e entregou o capacete a ela.

***
No dia seguinte, Wagner havia combinado de pegar Camila no restaurante por volta das três da
tarde.
Pontualmente, ele aguardava ela na porta do estabelecimento. Camila, quando saiu, suspirou com
a visão que teve. Wagner estava vestindo uma camisa polo preta, jeans, também escuro, e botas
masculinas, óculos escuros, e tinha cortado um pouco o cabelo, o que o deixou arrepiado.
Pinta de bad boy. — pensou ela.
— Pronta pra se divertir? — ele perguntou sorrindo largamente e entregando a ela o capacete.
— Rumo à diversão. — ela disse antes de subir na garupa da moto e colocar a coisa na cabeça.

Foram direto para o shopping e enquanto eles caminhavam para o elevador, ele observou Camila.
Ela vestia uma calça jeans clara e botas pretas até os joelhos, uma blusa branca larguinha e uma
jaqueta preta. O cabelo loiro dela contrastava com o escuro da jaqueta parecendo que brilhava.
Raios de sol. — pensou ele.
Enquanto caminhavam pelos corredores do shopping, ele colocou sua mão nas costas dela e a
guiou. Quando pararam diante da entrada do cinema, ele sorriu para ela.
— Hoje quem escolheu o filme fui eu. — ele brincou se lembrando da última vez que foram ao
cinema e ela escolheu um romance que estava estreando.
— Pode mandar, gato, eu gosto de tudo. Ou melhor, quase tudo. — ela olhou os filmes que
estavam em cartaz e sorriu — Vamos fazer uma aposta? Se eu adivinhar qual filme você escolheu,
posso pedir qualquer coisa e você fará sem questionar.
— Muito arriscado, mas eu não fujo de uma boa aposta, gata. Pode mandar.
Camila observou a lista de filmes que passavam no telão acima da bilheteria. Depois de avaliar
um tempo, ela deu um largo sorriso.
— Warcraft.
Wagner arregalou os olhos.
— Ah, não. Você colou. — ele olhou os ingressos em sua mão.
— Só se eu tivesse visão de raios x. — ela piscou — Sem choro, está me devendo. Vamos, quero
muito assistir a esse filme também.
Camila segurou na mão de Wagner e o puxou para a fila.
Depois que já estavam em seus lugares, Wagner ainda questionou como ela tinha adivinhado e
quando ela começou a zoá-lo por ter perdido, ele deixou para lá. Não haveria nada que ela lhe
pedisse, mesmo fora de uma aposta, que ele se negasse a fazer.
Quando as luzes se apagaram e o filme começou, Wagner e Camila apoiaram a mão na divisão do
assento e ele colocou sua mão por cima da dela. Ela esboçou um sorriso e ele fez o mesmo, mas
nenhum dos dois desviou os olhos da tela.
E por duas horas eles permaneceram assim, de mãos unidas assistindo ao filme e, quando
terminou, Wagner levou Camila para comer pizza. Enquanto lanchavam, comentavam sobre a sessão e
ele ficou encantado pelo simples fato de ela ter adorado o filme tanto quanto ele.
Depois um começou a implicar com o outro, como era na época em que se conheceram. E Camila
não podia estar mais feliz, mas de repente ela se lembrou que em poucos dias aquilo iria acabar e
isso a entristeceu. Quanto mais ela ficava com Wagner mais ela se apaixonava, mais ela sentia que
nunca amaria ninguém como amava ele. E claro, ela entendeu por que ele ficou preocupado e disse
que não queria que ela sofresse. O que ele não entendia era que, mesmo que eles se afastassem hoje,
ela sofreria da mesma forma.
Wagner percebeu que o semblante de Camila havia mudado, mas evitou fazer a pergunta pela qual
ele já sabia a resposta. Se sentia um idiota. Sabia que quanto mais momentos bons como aquele eles
tivessem, pior seria quando ele partisse. Seria mais fácil se ele conseguisse ficar longe dela.
Toda noite, quando colocava a cabeça no travesseiro pensava no quanto estava sendo egoísta e
prometia que não a procuraria no dia seguinte, mas bastava o dia amanhecer para ele já acordar
sentindo saudades e pensando nela. Ainda assim ele dizia que não iria ao restaurante naquele dia.
Mas quando ela mandava a mensagem de bom dia, era o suficiente para ele mudar de ideia e ir.
Agora mesmo, ele sabia que ela tinha se lembrado que logo eles não estariam mais juntos, que
provavelmente ele pegaria muitos anos de prisão e que nunca mais eles se veriam. Se ele fosse um
cara bom, a levaria para casa e se despediria de uma vez por todas.
Mas o amor que ele sentia por Camila era tão grande, tão maior que sua própria vontade que ele
simplesmente não tinha coragem.
— Venha. — ele se levantou abruptamente afastando aqueles pensamentos e estendeu a mão para
ela — A diversão ainda não acabou.
Segurando a mão de Camila, Wagner a puxou para a pista de boliche. Depois de alugar uma delas,
eles trocaram seus sapatos pelos sapatos especiais e foram jogar.
Camila estava ganhando de lavada, mas começava a desconfiar que ele estivesse deixando ela
ganhar de propósito.
— Você está me deixando ganhar?
— Claro que não. — ele afirmava com convicção, porém o sorriso torto que ele dava, só servia
para mostrar a Camila que ela estava certa, mas tudo bem, ela não ia perguntar mais.
Pelos próximos minutos eles jogaram e competiram. Quando Camila fez um strike, Wagner a
abraçou e rodopiou beijando seu rosto quando a colocou no chão. Era incrível a conexão dos dois.
Na vez dele, ele jogou a bola de forma desajeitada fazendo a bola descer pela canaleta e rolar até
o fim. Ele já se virou esperando Camila zoar ele, mas ela estava parada com os lábios brancos,
segurando a bola nas mãos.
Quando os olhos dela giraram e a bola caiu, Wagner só teve tempo de correr e segurá-la para que
ela não caísse.
— Camila, fala comigo. — ele pedia desesperado, enquanto ela continuava desacordada. Ele a
pegou no colo e saiu apressado, sem se preocupar em pagar ou trocar os sapatos. Enquanto
caminhava com ela nos braços, ouvia vozes de pessoas curiosas e teve impressão que algumas o
chamaram, mas ele estava tão aturdido que apenas seguiu para a saída. Na calçada do shopping,
ainda com Camila nos braços, ele se dirigiu ao táxi e pediu que o homem os levasse ao hospital mais
próximo.
— Céus, não faz isso comigo, gata, acorda, por favor. — ele pediu desesperado, enquanto ela
continuava pálida e desacordada.
Capítulo Quarenta

Não quiseram deixar Wagner entrar junto com ela, mas depois que ele ameaçou quebrar e
processar o hospital, além de claro, jogar seu cartão black platino no balcão, eles o liberaram.
Camila passou por uma bateria de exames e enquanto aguardavam o resultado, a levaram para um
quarto que mais parecia uma suíte de hotel cinco estrelas.
Wagner sentou-se na cama e aguardou. Alguns minutos depois um médico entrou.
— Ela está ótima. — ele olhava os exames — Por que não nos disse que ela estava grávida,
papai? Nos pouparia tempo e exames.
— Ele não disse, porque ele não sabia. — Camila respondeu e até então nem Wagner nem o
médico haviam reparado que ela havia acordado.
— Opa. — o médico disse sorrindo — Estraguei a surpresa. Bem, você teve uma queda brusca de
pressão, por isso demorou a acordar. Já está fazendo pré-natal?
— Sim e estou tomando as vitaminas também.
Enquanto Camila e o médico conversavam, Wagner continuava no mesmo lugar, calado e
congelado. Ele podia ouvir as batidas do seu coração dentro da sua caixa torácica e a voz dos outros
dois no quarto eram praticamente sussurros.
— Bom, você vai ficar em observação apenas algumas horas, depois pode ir. Não deixe de avisar
sua médica sobre essa queda de pressão.
— Obrigada, doutor.
O médico saiu e a sala ficou silenciosa por muito tempo.
Camila não queria que Wagner tivesse descoberto sua gravidez assim e, pelo semblante dele, ela
teve ainda mais certeza que não contar para ele era a decisão correta. Apesar de ter ficado
catatônico, os olhos dele brilhavam e ela conhecia bem aquele brilho.
— Wagner? — ela chamou.
— Você está de quanto tempo?
Bingo!
Ela sabia que ele estava fazendo as contas, pensando sobre os dias que ela passou na casa dele. E
então ela aumentou duas semanas à gestação, assim não bateria com as contas dele.
— Doze semanas.
— Então o bebê…
— É do Lucas.
Pela segunda vez naquela noite, Wagner sentiu seu mundo girar.
Primeiro o êxtase com a possibilidade de ser pai, ele já estava imaginando inúmeras maneiras de
convencer seu primo a não trancafiá-lo, afinal, ele teria um filho. Depois a verdade lhe atingindo
como um soco no estômago, fazendo a bile subir e suas pernas fraquejarem. O filho não era dele.
No fundo ele sabia que era melhor assim, uma criança precisava de um pai que não fosse como
ele.
— Eu… Bem… Parabéns. — ele disse ainda atordoado.
— Obrigada. — ela sussurrou desviando o olhar.
— Eu preciso de um pouco de água. — ele disse se dirigindo para a porta.
Quando Camila se viu sozinha, seus olhos se encheram de lágrimas. Odiava ter que fazer aquilo,
mas era o melhor para Wagner. Ainda mais com o futuro incerto dele. Inconscientemente, ela
começou a acariciar a barriga e pedir desculpas ao bebê por aquilo, por lhe privar do amor de seu
pai, pois ela tinha certeza que Wagner o amaria.
***
Depois que passou pela porta, Wagner correu como se estar dentro daquele hospital o sufocasse, e
ele precisava de ar. Quando se viu na calçada, ele respirou fundo, mas o mundo parecia girar ao
redor dele, então ele se recostou na grade de proteção e fechou os olhos.
Como ele podia ter sido tão idiota? — ele pensou e quis se socar.
A mulher que ele amava e que amava ele estava grávida de outro homem, tudo porque ele abriu
mão de viver aquele amor e prol da sua vingança, da sua punição, da sua sede de justiça. Agora ele
teria que conviver com a realidade. Enquanto ele iria apodrecer atrás das grades, ela e aquele
galinho de briga viveriam felizes, tendo um filho. Filho que podia ser dele.
Ele acendeu um cigarro e continuou pensando em toda aquela merda. Pior que ele nem conseguia
sentir raiva, nem de Camila, nem de Lucas. Só conseguia sentir raiva de si mesmo e, enquanto
imaginava todos os momentos que poderiam ser dele e não seriam, se pegou chorando. Seus olhos
ardiam e ele secava as lágrimas antes que caíssem. Foda-se se aquilo o fazia parecer fraco, mas a
verdade é que nunca uma decisão errada tinha doído tanto como aquela.
Wagner não soube dizer quanto tempo ficou ali, mas quando pegou o maço de cigarros e viu que
tinha fumado todos, percebeu que já era hora de voltar para dentro do hospital.

***
Como ela já imaginava, Wagner ficou muito tempo fora. Quando ele voltou, seus olhos estavam
avermelhados, apesar do semblante tranquilo que ele exibia.
— Como se sente?
— Bem. — ela disse.
— Encontrei o médico no corredor e ele disse que virá te dar alta daqui a pouco.
— Que bom. — ela disse ainda sem saber exatamente como agir com ele.
Alguns minutos de silêncio se fizeram presente até que Wagner falou:.
— Ele sabe? — a pergunta pegou Camila de surpresa.
— Não. Ainda não contei.
— Por quê?
Ela apenas encolheu os ombros.
— Ele tem o direito de saber, gata. — ele sentou na ponta da cama, mas não tocou nela — Céus,
eu nem imagino como seria ter um filho e não saber. Acho que quando eu descobrisse, ficaria louco.
— Eu…
— Tudo bem, tô só te dando um toque. A decisão é sua. Parabéns mais uma vez.
— Você não está com raiva?
Antes que Wagner pudesse responder, o médico retornou, e depois de informar que os demais
exames estavam todos ótimos, ele deu alta a Camila.
Mais uma vez eles pegaram um táxi e ficaram em silêncio durante todo o caminho. Depois de
deixá-la dentro de seu apartamento, mais precisamente em sua cama confortável, Wagner voltou para
o shopping. Faltavam poucos minutos para o lugar fechar, mas ele sabia que daria tempo de devolver
os sapatos, pegar os sapatos dele e de Camila, e sua moto.

Ele ainda se sentia um pouco desnorteado. Camila grávida daquele cara! A ideia era quase
inconcebível. Mas ele a amava tanto, que se não fosse sua prisão, a pediria em casamento e
assumiria a criança. Ele não iria se importar de criar o filho de outro cara como se fosse dele. Não
mesmo. E seria um bom pai, disso ele não tinha dúvidas.
Wagner precisava tirar aquelas coisas da cabeça e sabia exatamente como. Estava longe, mas essa
era a vantagem de ter moto, todo trajeto encurtava, então ele acelerou. Cem, cento e cinquenta,
duzentos quilômetros por hora, enquanto dirigia na escura e deserta estrada que ligava Curitiba a
Matinhos. O vento quase congelante entorpecia seus sentidos, mas ele acelerava ainda mais, com a
adrenalina correndo pelo seu corpo. Podia se sentir alerta. Aquilo era bom, porque o fazia parar de
pensar em toda merda que ele havia se metido.
Quando chegou à mansão em Matinhos, ele se sentia mais leve. Cumprimentou Raul e entrou.
Àquela hora, Diego já estava dormindo, ainda assim ele não deixou de ir até lá verificar se ele
estava bem, como tinha feito nos últimos oito anos, depois seguiu direto para seu quarto. Mas Wagner
não conseguiu dormir, ainda estava alerta demais, pensativo demais e ficou jogado na cama, perdido
em seus pensamentos.
Será que se ele soubesse como terminaria seus dias, teria feito as coisas de forma diferente? —
ele ainda se perguntava, pensando nas suas decisões, mas então teve uma certeza.
Não! De forma nenhuma.
Não conseguiria conviver com a culpa da morte do seu primo nas costas. Ele tinha dois caminhos
a seguir e decidiu pelo que achava justo. Agora tinha que arcar com as consequências daquilo.
Quando o sol começou a despontar no horizonte, ele tomou um banho rápido, trocou de roupa e foi
até o quarto de Diego.
— Ei, Dig. — ele disse batendo na porta fazendo o cara levar um susto — Vamos surfar.
— Porra! — ele resmungou colocando a mão sobre o peito — Quer me matar do coração, droga?!
— ele jogou o travesseiro contra Wagner, que o agarrou e jogou de volta — Me dá uns minutos.
— Anda logo.
Quando Wagner saiu, Diego abriu um largo sorriso. Era o seu brother de volta, como ele sempre o
conheceu, sem toda aquela bagagem ruim que ele carregou por meses a fio.

Alguns minutos depois os dois corriam na areia da praia, com suas pranchas ao lado do corpo,
seguindo na direção do mar. A segunda casa deles.
Wagner mal podia acreditar que aquela era provavelmente a última vez que ele surfaria. Durante
tanto tempo o mar foi seu amigo, seu companheiro, agora ele estava ali, se despedindo dele. E eles
surfaram por tanto tempo que quando pararam e sentaram sobre as pranchas, ainda na água, os
músculos de Wagner reclamavam, o que só serviu para deixá-lo ainda mais satisfeito.
— Achei que não fosse voltar.
— Achou errado, Dig.
— Como você está?
Wagner respirou fundo.
— Camila está grávida.
— E você…
— Não, eu não sou o pai, infelizmente. — ele deu de ombros — Ou felizmente, já que eu não
poderia acompanhar o crescimento do menino.
— Me diz o que está acontecendo, bro, talvez eu possa te ajudar.
— De forma resumida? — ele sorriu para Diego — Vou ser preso e devo pegar muitos anos de
prisão.
— Por quê? O que você fez?
— Coisas ruins das quais você não precisa saber. E antes que tenha ideias, eu quis assim, eu vou
me entregar.
— Eu não entendo.
— Apenas cumpra sua promessa. Seja feliz, viva sua vida, aproveite e continue me dando
orgulho.
Diego sorriu e os dois se cumprimentaram dando um soco na mão do outro.
— Mas preciso que você me prometa outra coisa.
— O que você quiser.
— Cuida da Camila pra mim, e do filho dela.
— Mas e o pai?
— Ele ainda não sabe e se eu bem conheço aquela cabeça-dura, ele nunca vai saber.
— Se é isso que você quer.
— Eu preciso disso, vou ficar bem, se souber que vocês dois estão bem.
— Então eu prometo.
Eles se cumprimentaram de novo.
— Agora chega de conversa. Nós viemos aqui pra surfar ou pra conversar?
Diego sorriu e os dois voltaram a pegar onda.
Capítulo Quarenta e Um

Depois de passarem a manhã toda no mar, Diego e Wagner voltaram para casa. Passar aquelas
horas surfando fez muito bem para ele, em todos os sentidos. Ele se sentia mais leve, com as ideias
no lugar. O que estava feito, não podia ser mudado. Claro que ele se sentia um pouco culpado pelo
relacionamento de Camila e Lucas. Ele deu brecha para isso quando a abandonou, quando a magoou
e o cara estava lá pra cuidar dela, enquanto ele devia fazer isso. Sentia raiva de si mesmo por isso,
mas naquele momento ficar lamentando não ia mudar o que já tinha sido feito.
Ele queria estar perto dela, sabia que não devia, mas agora mais que nunca, queria poder cuidar
dela nem que fosse um pouquinho.
Então depois de almoçar com Diego e Leandro, que acabou aparecendo alguns minutos antes da
refeição, ele voltou para Curitiba e seguiu o caminho do restaurante, mas antes de chegar em frente
ao estabelecimento, ele parou diante de uma loja de bebês.

Poucos minutos depois ele entrava no restaurante e àquela hora o movimento já havia caído um
pouco. Um ou outro cliente ainda fazia sua refeição. A maioria dos garçons apenas limpava o lugar
para deixar impecável para o próximo turno, quando a noite começasse a cair e as pessoas viessem
jantar.
Ele parou em frente à entrada da cozinha e a viu, sentada em uma cadeira atrás de uma mesa,
fazendo algumas anotações, quando Bruno avisou que Wagner estava ali. O olhar de surpresa dela
não passou despercebido.
Camila, apesar de não terem mais tocado no assunto, percebeu na noite anterior como Wagner
havia ficado com a notícia da gravidez. O fato de ela estar escondendo que o filho era dele a
consumiu a noite toda, tanto que ela mal pregou os olhos, mas apesar disso, ainda tinha a convicção
que estava fazendo a coisa certa.
— Oi. — ela disse quando se aproximou dele — Achei que não vinha hoje.
— E por que achou isso?
— Bem… Você sabe. E também você não apareceu na hora do almoço.
— Fui a Matinhos surfar um pouco, ver Diego… — ele deu de ombros.
— Como ele está?
— Bem. — ele sorriu — Trouxe uma coisa pra você. Bem… não exatamente pra você. — ele, que
até então estava com as mãos nas costas, colocou-as para frente exibindo uma caixinha branca com
cegonhas desenhadas, envolta em um laço vermelho.
Camila arregalou os olhos.
— O que é isso?
— Bem, uma caixa, amarrada com um laço de fita, dessa forma, assim, as pessoas denominam
como presente. — ele disse sorrindo e Camila deu um tapa no braço dele antes de pegar a caixinha e
sentar-se em uma das mesas.
Sorte que ela tinha feito uma reunião aquela manhã contando da sua gravidez e explicando a seus
funcionários que ela teria que se ausentar eventualmente.
Ela abriu o laço lentamente. Suas mãos tremiam. Era o primeiro item que o bebê ganhava, nem
mesmo ela tinha comprado nada ainda.
Quando ela destampou a caixinha, um lindo sapatinho rosa com uma fita perolada e uma pérola na
ponta surgiu. Era tão lindo, tão delicado que os olhos de Camila se encheram de lágrimas enquanto
ela sorria.
— Rosa?!
— Algo me diz que é menina. Uma que vai ser tão linda e especial quanto a mãe.
— É o primeiro presente do bebê.
— Perfeito, mas esse é só o primeiro, quero encher ela de mimos.
— Ela. — Camila repetiu antes de sorrir — Não precisa.
— Não, mas eu quero.
— Obrigada. — ela se esticou para frente e o abraçou.
Wagner retribuiu o abraço e os dois ficaram assim, durante um tempo, abraçados, ambos com os
olhos fechados, como se só existissem os dois ali, até que um garçom arrastou uma das mesas e os
dois se lembraram que não estavam sozinhos.

Os dias que se seguiram após isso, não podiam ser melhores. Wagner e Camila estavam cada vez
mais unidos. Ele tinha voltado a ser o que sempre fora. Divertido, implicante, e ela, por sua vez, já
tinha o perdoado pela merda que ele fez na casa dele, apesar de não ter dito a ele ainda. E também
ela achava que àquela altura, ele não se importava, ou já tinha percebido.
E Wagner não estava apenas levando ela para diversão.
Ele fez questão de cuidar dela. A acompanhou na consulta pré-natal e divertiu a todos quando
disse que não era o pai, mas sim o amigo gay que estava vivendo aqueles momentos mágicos através
dela. Camila quase ficou sem ar de tanto rir daquilo. Depois comprou as vitaminas que a médica
passou, mesmo quando ela disse que não precisava. Também fez questão de ir a uma loja de bebês
com ela e enchê-la de presentes.
Wagner ficou um pouco contrariado quando Camila não deixou ele comprar a maioria das coisas
na cor rosa. Disse que as cores deviam ser neutras enquanto eles não soubessem o sexo, e apesar de
ele ter afirmado que achava que era menina, acabou cedendo.
Naquele dia, quando chegaram ao apartamento dela, cheios de embrulhos e sacolas, Márcia
arregalou os olhos.
— Quem está se mudando?
— Se você acha que eu sou exagerada em compras, é porque não conhece esse aí. — Camila
disse apontando para Wagner que entrava sorridente, carregando tanta coisa que mal conseguia ver
Márcia por inteiro, e quando ela achou que aquilo era muito, o segurança entrou atrás deles,
carregando mais uma infinidade de coisas.
Quando os dois voltaram do quarto, onde haviam deixado as compras, Camila o convidou para
jantar e depois assistir um filme. Durante o jantar, Márcia se juntou a eles, mas depois os deixou a
sós.
Enquanto assistiam TV, Wagner ficou sentado e Camila deitada com a cabeça apoiada na perna
dele, enquanto ele acariciava seu cabelo.
Não havia título que definisse o relacionamento dos dois naquele momento. Amigos, namorados,
cúmplices. Não importava, pois o sentimento entre eles era tão palpável e perceptível que não
cabiam denominações.

Márcia os observava de um canto escondida. Nunca tinha visto Camila tão feliz, e doeu em seu
coração que, infelizmente, aquela felicidade estaria com os dias contados. Com isso, mais uma vez
ela teria que estar lá para ela.
A juíza começou a cogitar a possibilidade de atender ao pedido de Camila, mesmo sem ter
prometido que o faria.
Wagner informou que iria embora e deu um beijo na testa de Camila antes de se levantar. Ela o
acompanhou e antes que ele saísse pela porta, Márcia apareceu.
— Amanhã?
— Às vinte horas. — ele respondeu e ela acenou antes de se retirar.
— O que tem amanhã? — Camila perguntou.
— Vamos nos encontrar aqui e repassar os passos do plano.
— Ah! — ela o abraçou e ele retribuiu o abraço — Já é depois de amanhã. Eu tinha esquecido.
Camila estava vivendo momentos tão bons com Wagner, com a gestação, que ela simplesmente
esqueceu que a data da troca estava cada vez mais próxima. Sentiu-se um pouco egoísta naquele
momento.
Wagner por outro lado, nunca perdeu o foco, por mais que aqueles dias com Camila estivessem
sendo mágicos, ele sabia o que estava por vir e repassou o plano mentalmente tantas vezes quantas
foram possíveis.
— Está tudo bem, Ca.
Não está não. — ela pensou.
— Sim, está. — ela ficou na ponta dos pés para beijar a bochecha de Wagner, mas ele segurou o
rosto dela entre as mãos e a beijou, intensa e apaixonadamente.
Havia tantas palavras não ditas naquele beijo, tanto carinho, tanto amor, que os olhos de Camila
se encheram de lágrimas, mas ela não deixou que ele percebesse. Apenas se entregou ao beijo
demonstrando tudo que ela sentia.
Quando suas bocas se afastaram, Wagner colou sua testa à dela e sorriu.
— Nos vemos amanhã.
— Estarei aguardando. Não vou ao restaurante amanhã.
— Então nos vemos aqui.
Ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha a encarando, antes de dizer tchau e seguir o
caminho até o elevador.

***
Enquanto o motorista dirigia, ele repassava seu plano por telefone com Lino. O cara iria esperar
ele e Guilherme em uma pista de pouso particular. Montenegro jamais poderia arriscar um aeroporto.
Depois Lino iria dirigir até o ponto de troca, enquanto ele e o promotor estariam no banco de trás.
Depois que a troca fosse efetuada, eles iriam trocar de carro antes de seguirem para uma propriedade
isolada, na divisa da cidade, que Lino havia alugado. Passariam alguns dias ali, até que a poeira
tivesse baixado e então eles usariam um outro helicóptero para voltar à ilha. Depois que estivessem
sãos e salvos lá, ele decidiria o próximo passo.
Quando ele entrou no quarto, Guilherme estava deitado assistindo televisão, como sempre, e
assim que viu Montenegro, ele se sentou.
— Depois de amanhã, nós vamos dar um passeio. Eu sugiro que você faça as coisas do jeito que
eu mandar.
— Aonde vamos?
— Tudo que precisa saber é que vai rever sua família. Basta se comportar.
— E se eu não quiser?
— Então sangue será derramado e a culpa será sua. Está disposto a isso? A conviver com essa
culpa?
Guilherme não respondeu.
— Deixe de ser petulante. Você vai voltar para sua família, o que mais você pode querer? —
Guilherme não respondeu, então Charles continuou — Só quero que ocorra tudo bem, então obedeça,
e em algumas horas estaremos todos felizes.
— E você espera realmente que eu acredite em você?
Montenegro não respondeu, apenas deu um sorriso torto cheio de sarcasmo e saiu, deixando
Guilherme pensativo.
Capítulo Quarenta e Dois

Wagner entrou no consultório e se sentou diante da mesa do médico. Odiava a ideia de ter que
deitar naquele sofá, então sempre deixou claro que não o faria. Enquanto o médico fazia algumas
anotações, ele aguardava, olhando ao redor.
O consultório era claro e bem-decorado, passando segurança e tranquilidade. Era engraçado como
essas coisas eram milimetricamente planejadas.
— Como tem se sentido? — o médico finalmente quebrou o silêncio.
— Ótimo. — Wagner sorriu.
— Tem tomado o medicamento?
— Diariamente, como o senhor receitou.
— E nunca mais teve nenhum episódio de…
— Não. — ele respondeu já sabendo como aquela pergunta terminaria — Mas eu tenho que
perguntar uma coisa.
— Por favor.
— Caso eu seja preso, eu tenho como continuar tomando os remédios?
— E por que você seria preso?
Wagner deu de ombros.
— Você precisa me dizer se quiser que eu te ajude.
— Na verdade, eu não preciso, o que eu preciso é saber se tenho que continuar tomando o
remédio.
— Bem, uma vez que você desenvolveu a esquizofrenia, sim, você precisa, e periodicamente
passar por revisão e supervisão, além de tomar a medicação. Em uma cadeia, penitenciária, enfim,
eles têm o médico responsável por isso.
— Eu preferia que continuasse sendo o doutor.
— Como tem tanta certeza que será preso?
Wagner se levantou e sorriu.
— Eu apenas sei. Logo terá notícias minhas, doutor. — ele se virou e saiu.

***
Márcia, Gabriel e Wagner estavam sentados ao redor da mesa de Camila, que por sua vez, estava
na cozinha preparando algo para todos comerem. Ela nunca foi covarde ou medrosa, mas talvez por
conta dos hormônios da gravidez, se sentia apavorada, e não queria ouvir a conversa deles, apesar de
uma coisa ou outra ser inevitável, afinal de contas seu apartamento não era tão grande assim.

Enquanto Gabriel repassava mais uma vez, como eles chegariam lá, Wagner se recusava a ir com
ele.
— Prefiro ir na minha moto, assim na volta você e Guilherme estarão no carro e eu posso ir atrás
escoltando. Ainda acho que aquele imbecil do Montenegro vai aprontar alguma.
— Porra, mas se estivermos todos no mesmo carro, é menos um veículo para ser monitorado.
— Não precisa me monitorar, e se seu medo é que eu possa fugir, saiba que eu não vou.
— Não pensei nisso. — Gabriel respondeu irritado.
— Sem briga os dois, não comecem. — Márcia interrompeu — Se ele quer ir na droga da moto,
que vá. O foco principal é outro…
Eles continuaram conversando, repassando o que fariam. E assim foram quase noite adentro.
Quando Gabriel disse que ia embora, pois já havia deixado Monique tempo demais sozinha e, apesar
de sua mãe estar com ela, queria voltar logo para casa.
Márcia pegou a papelada que ele precisava para tirar Laura da cadeia e entregou a ele, depois ela
se despediu e se retirou para seu quarto.
— Vai descer? — ele perguntou a Wagner, mas antes que o primo pudesse responder, Camila
apareceu.
— Wagner, posso falar com você um segundo?
— Claro. — ele respondeu sorrindo e depois se virou para Gabriel — Pode ir.
Gabriel assentiu e depois de se despedir, saiu batendo a porta silenciosamente atrás dele.
Wagner caminhou até o sofá com Camila junto dele e quando se sentou, se surpreendeu quando ela
se acomodou em seu colo. Ele envolveu seus braços na cintura dela e beijou seu pescoço.
— Não fique preocupada, vai dar tudo certo.
— Estou com medo.
— Você sabe o que vai acontecer depois.
— Sei, mas eu pensei e… isso não é o pior que pode acontecer.
— Não?
— Prefiro você preso do que morto.
Wagner sorriu fracamente.
— Não vou morrer.
Ela deitou a cabeça em seu ombro, e ele acariciou seu cabelo enquanto sentia seu perfume.
Respirou fundo, fazendo aquele cheiro já tão conhecido por ele entrar ainda mais em seu sistema.
Queria poder se lembrar daquele perfume por muito, muito tempo, queria que fosse inesquecível,
assim como a maciez da pele dela e o som da sua risada.
— Eu vou voltar a te ver? — ela perguntou ainda deitada no ombro dele.
Wagner respirou fundo, antes de responder:
— Provavelmente não e Camila… — ele fez com que ela o encarasse — prometa que não vai me
visitar.
— Por quê?
— Não vou suportar ver você naquele lugar, muito menos saber por que tipo de revista você
precisou se sujeitar para me ver.
— Mas a Márcia…
— Prometa, Ca, preciso disso pra ficar bem.
— Prometo.
— Tem mais uma coisa.
— O quê?
Ele colocou a mão sobre a barriga dela e sorriu.
— Me mande uma foto dela quando nascer. Tenho certeza que ela vai ser a sua cara.
— Mando. — ela secou as lágrimas que teimavam em rolar lentamente pelo seu rosto — Mando
sim.
Wagner beijou o rosto dela, secando as lágrimas com os próprios lábios antes de colar sua boca à
de Camila e beijá-la apaixonadamente. Ele nunca imaginou que uma despedida fosse tão dolorida.
— Passa a noite comigo. — Camila disse contra a boca de Wagner, enquanto descia sua mão até o
cós da calça dele — É isso que eu quero, eu disse que pediria qualquer coisa e você não poderia
negar.
— Camila…
— Não quer?
— Tá louca? — ele segurou o rosto dela e a encarou — Desde que você saiu da minha casa é o
que eu mais desejo, mas não sei se os motivos são os certos, pelo menos não com você.
— Eu te amo, Wagner.
Ele fechou os olhos ao ouvir aquilo. Depois de tudo ela ainda o amava e ele se sentia o filho da
puta mais sortudo do mundo.
— Repete. — ele pediu antes de beijá-la e quando Camila repetiu, ele se levantou com ela em seu
colo e a levou para o quarto.
Se ele ia passar muitos anos na cadeia, sem sequer ver uma mulher, ele queria ter do que se
lembrar. Queria o gosto dela, o toque, o cheiro, tudo recente em sua mente para que ele pudesse tê-la
consigo, mesmo que só em pensamento.
Quando eles entraram, Wagner a colocou no chão antes de trancar a porta. Queria que a noite fosse
memorável e não queria ser surpreendido de forma nenhuma.
Enquanto caminhava até Camila, Wagner não desviou o olhar do dela e quando parou em frente a
ela, afastou o cabelo dela dos ombros, antes de beijar sua pele de forma carinhosa. Enquanto fazia
isso, ele ergueu a sua blusa, revelando sua pele alva e os mamilos rosados livres do tecido. A
respiração de Camila acelerou só com a intensidade do desejo que ela viu nos olhos de Wagner.
Ele passou os polegares no pescoço dela fazendo o caminho pela sua clavícula e descendo para
seus seios, acariciando seus mamilos. Enquanto tocava sua pele, ele a encarava, até que a beijou.
Mas o beijo foi tão carinhoso e calmo quanto seu toque.
Wagner não tinha pressa. Ele queria se lembrar de cada toque, cada centímetro de pele dela e
quando parou de beijá-la, ele se ajoelhou diante dela e beijou sua barriga, passou a língua no seu
umbigo e deu leves mordidas enquanto fazia o short e a calcinha dela deslizarem por suas pernas.
Quando ela estava completamente nua diante dele, Wagner se levantou e a encarou, acariciando
seu rosto com o polegar. Ela era tão linda, tão perfeita!
— Vou me lembrar desse momento, todos os dias da minha vida. — ele disse antes de beijá-la
apaixonadamente.
Wagner a pegou no colo e levou até a cama, colocando-a deitada no centro dela e a beijou com
todo seu amor, antes de se levantar e arrancar as próprias roupas.
Camila observou que o membro dele já estava completamente duro e a ponta brilhando pela
umidade.
Quando Wagner se aproximou dela, ele subiu na cama ficando por cima de Camila e a beijou,
enquanto seu corpo estava colado ao dela, mas ele não a penetrou. Beijou seu queixo, seu ombro e
continuou descendo até chegar em seus seios. Ele provou cada mamilo de uma vez, tomando seu
tempo, sem pressa, fazendo Camila se remexer debaixo dele, gemendo enquanto ele a levava à
loucura apenas com aquele toque. Quando ela estava ofegante o suficiente, ele voltou a percorrer seu
corpo com a sua boca, até chegar ao centro da sua coxa.
Camila já estava completamente molhada e Wagner adorou aquilo. Ele segurou as coxas dela e as
afastou a encarando antes de passar a língua em todo seu sexo úmido e quente. Ela apertou o lençol
arqueando seu corpo e ele sorriu antes de começar a lamber seu clitóris, dando total atenção àquela
parte do corpo de Camila.
Ele podia sentir seu membro pulsar, implorando por atenção, mas ele precisava ter o sabor do
prazer dela em sua boca, antes de tomá-la. Então ele continuou saboreando seu sexo até que as pernas
dela estremeceram, mas ele não parou. A penetrou com a língua enquanto começou a acariciar seu
clitóris com o polegar, prolongando o orgasmo dela enquanto ele a provava.
Quando o gemido de Camila diminuiu, ele se colocou mais uma vez sobre ela e a beijou, fazendo
Camila sentir o próprio sabor e, enquanto a beijava, ele a penetrou, mas assim como o beijo, ele o
fez lentamente. Os braços de Wagner tremiam e ela podia perceber o esforço que ele fazia para
manter a calma, e quando ela empurrou o quadril contra o corpo dele, Wagner sorriu.
— Temos a noite toda, gata, sem pressa. — ele disse quando seu membro estava por completo
dentro dela.
Wagner voltou a beijá-la e começou a se mover dentro dela, sentindo o sexo dela receber cada
centímetro dele, e quando ele saía, tirava quase tudo para poder voltar a ter aquela sensação.
Enquanto ele a penetrava, vezes seguidas, ele a encarava. Queria ver o prazer no rosto dela, queria
se lembrar dos seus olhos brilhando como estavam naquele momento, da sua pele rosada pelo prazer,
da sua respiração ofegante, enquanto os lábios dela estavam levemente entreabertos, do som dos seus
gemidos que parecia música aos seus ouvidos. E lentamente ele foi aumentando as estocadas,
sentindo cada vez mais a conexão entre eles aumentando e quando os dois gozaram juntos, ele olhou
nos olhos dela enquanto assumia:
— Eu te amo, Camila.
— Eu te amo, Wagner. — ela respondeu ofegante.
Ele a beijou apaixonadamente, demonstrando toda intensidade do seu amor por ela.
Depois que gozaram, Wagner se retirou de Camila e deitou-se ao seu lado, puxando o corpo dela
contra o dele para que ficassem um de frente para o outro. Ele continuou beijando sua boca enquanto
fazia a perna dela passar por cima do seu quadril, deslizando sua mão por todo corpo dela e voltou a
penetrá-la. Ele não queria que aquela noite acabasse.
Wagner voltou a tomá-la e durante todo tempo que ele a penetrou, suas bocas permaneceram
unidas em um beijo cheio de paixão, amor e desejo. Quando voltaram a gozar, ele percebeu que
Camila estava exausta, então ele se retirou dela e ficou deitado com ela, acariciando seu cabelo e
beijando seus lábios de forma suave, até que ela adormeceu.
Quando ele teve certeza que ela estava em um sono pesado, ele se desvencilhou, relutante, do
corpo dela, a beijou suavemente e cobriu seu corpo, antes de recolher e vestir as próprias roupas.
Olhou ao redor até que viu um pequeno caderno de anotações e uma caneta sobre uma mesinha no
quarto.
Antes de sair, ele deixou um bilhete para ela.

Camila, minha gata, me perdoe por sair assim, mas eu não suportaria outra despedida e sei que
você também não. Acho que eu já te disse isso e eu volto a repetir: Eu te amei desde o primeiro
instante que te vi. Obrigado por me dar a melhor noite da minha vida, vou me lembrar desse
momento pra sempre.
Se cuida, pois enquanto eu souber que você está bem, eu estarei bem.
Não esqueça as promessas que me fez.
Eu te amo
Pra sempre seu, Wagner.
Capítulo Quarenta e Três

Gabriel estava de pé, na sala do diretor do presídio aguardando, enquanto ele lia a papelada da
transferência. Lógico que ele já havia sido avisado, o que o homem não conseguia entender era por
que Gabriel Goulart, um investigador renomado, ia fazer o transporte, sozinho, apenas com outro
policial o acompanhando.
— Ainda não entendi por que ela não vai ser transferida da forma tradicional.
— Bem, eu explico. — ele precisou manter a calma para não transparecer sua irritação, afinal se
aquele cara cismasse e desconfiasse de algo, poderia atrasá-lo — Roberto, todos sabem que eu tenho
um interesse pessoal nessa detenta em questão. Por todo histórico do pai dela, que hoje é um foragido
perigoso e procurado, não confio em mais ninguém além de mim para transportá-la. E com o
prestígio e reconhecimento que tenho, não foi difícil conseguir tal coisa.
O diretor olhou mais uma vez a papelada em sua mão e assentiu. Sabia que a juíza que havia
assinado aquela transferência também tinha interesse particular na filha de Montenegro, só não
entendia o porquê de ela haver autorizado aquela situação se há alguns dias estava de férias, mas
como ele havia recebido instruções para não complicar as coisas, mandou que trouxessem Laura.
Gabriel permaneceu de pé e quando ela o viu, abriu um largo sorriso.
— Olá, querido. Vamos dar um passeio?
Gabriel não respondeu, apenas segurou nas algemas que prendiam as mãos dela nas costas e
apertou mais a coisa de aço antes de empurrá-la para fora da sala do diretor, quase fazendo ela cair,
já que seus pés também estavam algemados.
— Obrigado, Roberto. — ele disse antes de sair.
Laura por sua vez, não parava de sorrir. O advogado já tinha feito o favor de avisá-la sobre o que
estava acontecendo e apesar de, a princípio, ela não gostar da ideia de entregar Guilherme, Dante
disse que seu pai garantiu que estava tudo sob controle e isso foi o suficiente para deixá-la tranquila.
Quando passaram dos portões do presídio, Gabriel a advertiu que ficasse de bico calado se ela
quisesse que tudo desse certo, antes de colocá-la dentro do camburão, na parte de trás, ainda
algemada e deu a volta, sentando atrás do volante enquanto o outro policial estava no banco do
carona.
— Ainda não entendi por que não sei onde estamos indo.
— Porque você não precisa saber. Apenas esteja preparado e fique de olho nela.
— Não vai ser esforço nenhum ficar de olho nela. — o policial sorriu e piscou maliciosamente,
fazendo Laura mandar um beijo para ele e Gabriel revirar os olhos.
Pelos quarenta minutos seguintes, ele dirigiu em silêncio. Estava tenso por muitos motivos. Se já
não bastasse toda tensão daquela troca, de rever seu irmão, ainda tinha Monique que poderia dar a
luz a qualquer instante.
Gabriel estava tão nervoso, que os nós dos seus dedos estavam brancos devido à força com que
ele segurava o volante.
Quando chegou a uma determinada parte da estrada, o policial começou a estranhar, e ele sabia
que era hora de agir. Ele desacelerou um pouco.
— Desculpa. — ele disse, e antes que o policial conseguisse entender o que estava acontecendo,
ele deu uma coronhada no cara, fazendo ele desmaiar imediatamente. Logo em seguida, pegou no
porta-luvas uma caixinha com uma seringa e aplicou um calmante no cara. Quando estivesse longe o
suficiente ligaria para emergência buscá-lo.
Sabia que teria que responder por aquilo, mas depois ele se preocuparia com tal coisa. Gabriel
estava lutando contra todos os seus princípios, todos os seus ideais, mas era a vida do seu irmão em
jogo, ele não hesitaria.
Quando chegaram um pouco mais adiante, ele desligou o veículo e arrancou o rádio comunicador,
computador de bordo e pegou o celular do seu colega, antes de dar a volta e tirar Laura da parte
traseira do camburão.
— Vamos a pé? — ela reclamou.
— Cala a boca. — ele a empurrou mais uma vez e logo à frente ela avistou outro carro.
Um sedã preto, com vidros fumês. Dessa vez Gabriel colocou Laura no banco do carona e
algemou as mãos dela na porta, antes de se colocar atrás do volante e seguir caminho para o local do
encontro.

***
Guilherme não entendeu o motivo das algemas, mas não questionou, até porque, ele tinha uma
arma apontada para sua cabeça.
Quando saiu de dentro do galpão, a dor em seus olhos e cabeça foram inevitáveis, afinal ele
passou tanto tempo preso, que a única luz com que estava acostumado era a artificial, mas apesar
disso, a sensação do sol sobre sua pele nunca foi tão bem-vinda.
Engraçado como as pessoas não dão valor as coisas simples e corriqueiras do dia a dia, mas
basta serem privadas dessas coisas para ver o quanto são importantes.
Ele gostaria de saber o que estava acontecendo, mas não iria perguntar e dar a eles a chance de
perceber que ele estava ansioso e nervoso. Não gostava da ideia e não gostava de Montenegro. Ele
era um cara traiçoeiro e com certeza iria aprontar alguma coisa.
Guilherme pediu aos céus para que Gabriel soubesse disso, porque ele sabia que se “iria ver sua
família”, seu irmão estava enfiado nisso até o pescoço.
Lino o empurrou, uma vez que ele parou por causa da dor em seus olhos, mas Guilherme fitou o
chão e seguiu o caminho. Conforme ia se acostumando com a claridade, ele ia abrindo mais os olhos,
mas diferente do que ele imaginou, não entraram no carro. Caminharam para trás do que ele agora
tinha percebido que era um enorme galpão, onde um helicóptero os esperava.
Montenegro estava parado ao lado da aeronave, de terno e gravata, óculos escuros e um sorriso
confiante no rosto. Quando Guilherme se aproximou, ele deu dois tapinhas no ombro dele.
— Vamos dar um passeio, promotor, mas se comporte, ou jogo você lá de cima. — apesar do tom
ameno, a ameaça estava implícita e Guilherme sabia que ele não hesitaria em realmente fazer aquilo.
Quando Guilherme se acomodou no assento do helicóptero, Montenegro tirou um saco preto de
pano do bolso dele. O promotor ficou visivelmente tenso o que só fez Charles sorrir.
— Isso é só precaução, não quero que saiba onde estamos. — ele colocou o saco sobre a cabeça
de Guilherme.
Enquanto o helicóptero levantava voo, Montenegro observava aquele homem encapuzado e quase
se compadeceu dele. Não fazia a menor ideia do que o aguardava, mas as coisas eram como eram.
Desde cedo ele aprendeu que a vida, as pessoas, e mesmo aquelas que deviam cuidar de você, não
lhe davam nada. Se você queria uma coisa, tinha que ir lá e pegar. E era isso que ele fazia. Pegava o
que queria. E naquele momento, o que ele queria era sua filha e estaria tudo bem, se Laura não
quisesse desesperadamente aquele homem diante dele.
E se ele podia pegar isso também, por que não o faria?
Aquele desgraçado do investigador e seu primo mala não perdiam por esperar.
Charles sorriu debochadamente.
Ah, eles iriam ter uma bela e grande surpresa!

***
Wagner apagava a guimba do cigarro e acendia mais um, enquanto andava de um lado para o
outro, sentindo-se nervoso. Apesar de estar concentrado no que iam fazer, ele não conseguia parar de
pensar em Camila. Como ela havia reagido àquele bilhete, se estava bem.
Mas quando o ronco do motor de um carro quebrou o silêncio da estrada deserta, seus
pensamentos se dissiparam. Ele montou em sua moto e aguardou até que avistou o sedã que tinha
emprestado para Gabriel. Assim que o carro passou por eles, Wagner acelerou e os seguiu, mantendo
uma distância mínima do carro.
Pelos próximos quilômetros, ele só conseguia repassar todo plano em sua cabeça. Algo dentro
dele dizia que ia dar merda, e que, por mais que eles tivessem se preparado para isso, surpresas
poderiam acontecer.
Quando o carro diante dele diminuiu a velocidade, Wagner fez o mesmo. Estavam chegando ao
ponto marcado e aquilo definitivamente não era bom. A estrada, apesar de pavimentada, era deserta,
cercada de terra a perder de vista e alguns montes rochosos na lateral. Era perfeito para uma
emboscada.
Assim que eles pararam, Wagner desceu da moto e foi até Gabriel, que estava saindo do carro
com uma expressão nada amigável.
— Não estou gostando disso.
— Nem eu. — respondeu o investigador — Mas não se esqueça que temos nossas cartas nas
mangas também.
— Eu sei…
Gabriel deu a volta e tirou Laura de dentro do veículo, sem nenhuma cortesia. Ele a puxava e
empurrava na direção que queria que ela andasse, como se ela fosse um saco de lixo.
— Estamos adiantados. — Wagner observou depois de olhar o relógio em seu pulso.
— Ótimo.
— Estou com sede. — Laura reclamou.
— Problema seu. — Wagner disse e ela revirou os olhos.
— Ah, você já foi mais legal comigo, bonitão. — ela debochou — Cadê aquele charme todo?
Ele não respondeu.
— Aliás, sou especialista em Goulart. — ela passou a língua nos lábios sorrindo e encarou
Gabriel — Tivemos bons momentos juntos, hein. — ela piscou.
Eles não responderam nada, fitavam o horizonte aguardando o momento em que Montenegro
apareceria para fazerem a troca.
— Bem, nem todos, ainda falta um, mas esse eu vou saborear e…
— Cala a porra da boca, Laura. — Gabriel, que segurava a algema que prendia as mãos dela nas
costas, apertou mais a coisa fazendo com que ela gemesse.
— Ai! Bruto. — ela reclamou, mas estava sorrindo — Sabe, vocês dois são brutos na cama, fico
me perguntando se Guilherme é assim também, ou se é mais do tipo que faz amor…
— Eu devia ter sido mais bruto e quebrado seu pescoço. — Wagner disse, irritado.
— Já que você está tão tagarela… — Gabriel interveio antes que o primo voasse no pescoço de
Laura — diga como fizeram com que nós acreditássemos que Guilherme estava morto.
— Ah, isso? — ela sorriu — Foi tão fácil, mas me deem água primeiro.
Wagner foi até a mala do carro e depois de pegar uma garrafa de água mineral, quente, entregou a
Gabriel que abriu a coisa e a fez beber, sem se preocupar se estava machucando, ou com a água que
escorria e molhava a roupa de presidiária dela.
Laura quase engasgou, mas não se importou. Começou a rir antes de falar:
— Sabe, foi bem fácil. — ela começou — O Javier, cara com quem fui casada, era louco por mim
e ele era realmente uma cópia fiel do Guilherme. Olhos, estatura, cor do cabelo. Então, quando eu
liguei dizendo que queria que ele viesse até o Brasil pra que a gente pudesse conversar, que eu sentia
falta dele, o imbecil sequer hesitou. — ela sorriu — Tão fácil manipular homens apaixonados. — ela
encarou Gabriel debochadamente, claramente mencionando a época em que estiveram juntos, que ele
achava que ela o amava, mas ela só o estava usando e isso fez o maxilar dele ficar tenso — Enfim, eu
fui a peça chave, sabe? Primeiro tivemos que sequestrar aquela juíza e então atrair Guilherme.
Depois do meu telefonema, ele saiu correndo do hospital e os capangas do papai o pegaram. Depois
disso foi fácil fazer Javier pegar o veículo, ainda mais que as chaves e documentos estavam no carro.
Ele sequer desconfiou que estivesse roubando aquele veículo. Eu disse que estava com problemas,
que queria fugir com ele, mas que eu precisava do carro. Precisavam ouvir minha voz desesperada,
meu choro fingido, ele não teve nem chance. Quando dei o endereço a ele, Javier não hesitou. Só
estava preocupado em me salvar. Bem, só que o carro estava “preparado”, o que o bobinho não sabia
era que dentro do veículo havia galões e mais galões de uma mistura de querosene e gasolina, que
haviam sido implantados lá naquela madrugada. Isso seria o suficiente para que, quando o carro
explodisse, pegasse fogo e não sobrasse muita coisa para a perícia. Foi tudo muito bem planejado,
cronometrado e vigiado. Eu precisava ter certeza do momento exato em que Javier passaria no ponto
certo para poder ligar para aquela juíza e fazer com que ela acreditasse que estava vendo Guilherme
morrer. Tinha até um capanga do papai seguindo ele para garantir que não houvesse falha. O local,
assim como este aqui, precisava ser distante, deserto, sem movimento para que ninguém passasse
antes de o corpo de Javier virar praticamente pó.
— E você achou que ia sequestrar Guilherme, fugir do país, e ele iria te amar
incondicionalmente?
— Olhe para mim, Gabriel. — ela sorriu — No início ele ia relutar, mas quem resistiria ao meu
charme e insistência constante? Além disso, já estávamos preparados para alguma eventualidade, por
isso papai foi com Guilherme para outro lugar, diferente do qual eu estava indo e bom, aqui estamos
nós. Você me prendeu, mas nunca desconfiou que seu irmão estivesse vivo. Além disso, eu sabia que
era só questão de tempo até que papai me tirasse de lá.
— Só que agora Guilherme volta pra casa. — Wagner provocou.
— Se é nisso que vocês acreditam. — ela debochou, mas antes que a conversa pudesse continuar,
um carro surgiu diante deles, se aproximando lentamente, até que parou a uma distância considerável.
Poucos instantes depois, Lino saiu do carro, seguido por Montenegro, que exibia um sorriso
triunfante e Guilherme ainda encapuzado.
Capítulo Quarenta e Quatro

Camila tinha lido e relido o bilhete inúmeras vezes, e depois de guardá-lo em uma caixinha no seu
guarda-roupa, decidiu ir para casa de Monique. Ela não tinha cabeça para trabalhar, e ficar ali no
apartamento, sozinha, também não era uma boa opção, uma vez que Márcia havia saído para resgatar
Guilherme, ela tinha vários motivos para estar nervosa.
Quando chegou à casa da amiga, a mãe de Gabriel abriu a porta, enquanto Monique estava deitada
no sofá… Ela estava estranha.
Sua respiração estava acelerada e ela suava. Céus! Monique estava entrando em trabalho de parto.
Justo naquele dia?
— Como você tá?
Ela segurou na mão de Monique, enquanto ela respirava e dava um sorriso fraco, até que ela parou
e de repente se sentou como se nada tivesse acontecido.
— Agora bem.
— Você devia estar em um hospital.
— Os intervalos estão longos, estou falando com minha obstetra a cada contração. Ela vai me
dizer a hora que tenho que ir.
— Gabriel sabe?
— Claro que não. — Monique elevou um pouco a voz — Quando ele saiu de casa eu disse que
estava bem, apesar de já estar sentindo algumas dores. Se eu dissesse para ele que estava com dor,
ele não ia se concentrar no que precisam fazer e eu não ia arriscar…
Antes que ela terminasse de falar, Camila colocou a mão sobre a barriga dela e sorriu.
— Não precisa explicar muito, eu entendo isso. — ela colocou a mão sobre a própria barriga.
— Não contou a Wagner? — Monique perguntou e ela negou com a cabeça.
— Ele precisa de concentração hoje e paz depois. — o olhar de Camila entristeceu.
— Gabriel não está feliz com isso, ficava tenso e até um pouco grosso toda vez que eu tentava
conversar sobre o assunto. — ela revirou os olhos — Sorte que eu não ligo, já estou acostumada com
os rompantes dele.
— Não culpo Gabriel, nem Wagner, nem ninguém. O que tem que ser feito, será.
— Não vai contar nunca que o bebê é dele?
— Nunca é tempo demais, mas por enquanto, não vou.
Antes que a conversa continuasse, Monique sentiu novas contrações.
— É… Acho que agora… Tá na hora… Aiiiiii! — ela disse entre um gemido de dor e outro. E
enquanto Camila ligava para a ambulância, ela pediu — Não… ligue para ele… não conte a Gabriel
ainda.

***
A distância entre os veículos permitia apenas que eles pudessem se ouvir. Quando Montenegro
tirou o capuz de pano de Guilherme, imediatamente Wagner e Gabriel ficaram com seus maxilares
tensos. Uma coisa era ver pelo vídeo, outra é pessoalmente a apenas alguns passos de distância.
Lino, Charles e Guilherme estavam diante do carro deles, de frente para Wagner, Laura e Gabriel,
que estavam na mesma posição.
O investigador colocou a mão sobre o coldre, quando viu que Lino apontava sua arma para a
cabeça de Guilherme. Imediatamente Charles encarou Lino e mandou que ele guardasse sua arma.
Laura sorria para Montenegro, que exibia um sorriso triunfante.
— Ora, ora. — ele disse em tom alto para que os três do outro lado pudessem ouvir. —
Finalmente todos nós reunidos como uma grande família, não tão feliz. Só estou sentindo falta
daquela juíza gostosa. Ela não quis vir ver o cachorrinho dela?
Imediatamente Guilherme avançou sobre Montenegro, mas claro que Lino o segurou, fazendo o
cara dar uma gargalhada.
— Não disse? — ele ainda ria — Um cãozinho bravo, esse promotor.
— Pare de enrolar e vamos ao que interessa. — Gabriel disse, não se preocupando em esconder
sua raiva — Mande Guilherme para cá e nós te entregamos a cadela aqui.
Ele empurrou Laura, mas não permitiu que ela se afastasse.
— Assim você me magoa. — Montenegro debochou — Nem vamos bater um papo? Praticamente
um ano que nós temos essa “forte” ligação. Agora que vamos nos despedir de vez, você quer
apressar as coisas.
Wagner deu um passo adiante, mas Gabriel colocou a mão sobre o peito dele, impedindo o primo
de fazer alguma merda.
— Achei que você fosse o mais interessado em ir embora logo. — Gabriel provocou — Não sou
eu o procurado pela polícia. Além do mais, logo vão perceber que Laura não chegou a outra prisão.
— E depois de tudo que você já me viu fazer, realmente acha que eu estou preocupado com isso?
Gabriel queria matar o desgraçado agora mesmo, mas sabia que se pegasse a arma, aquele idiota
descontaria no seu irmão.
— Mas você tem razão, mande Laura que eu mando o promotor.
— Não tão rápido. — Gabriel disse e Montenegro sorriu.
— Mas era você quem estava com pressa.
— Joguem suas armas fora.
— Não vou atirar em vocês, tem minha palavra.
— Como se sua palavra valesse alguma merda. — Wagner respondeu.
— Eu jogo fora minhas armas e vocês ficam com a de vocês? Ainda não me tem em alta conta, não
é?
— Vamos largar também.
— Vamos? — Wagner encarou Gabriel.
— Sim, vamos. — ele devolveu o olhar ao primo, de forma séria.
— Ok, meus queridos, então vamos todos nos livrar das nossas armas. Lino… — Montenegro
ordenou e o cara colocou a arma no chão antes de chutá-la para longe.
Montenegro encarou os Goulart.
— Agora um de vocês.
Wagner segurou a arma e arrastou sobre a cabeça, como se coçasse antes de fazer o mesmo, ainda
que contrariado.
— Agora você. — Gabriel ordenou e quando Montenegro hesitou, ele pegou a própria arma e
mostrou — Segure ela. — ele disse a Wagner e começou a abaixar lentamente colocando a arma no
chão sem desviar o olhar de Montenegro.
O cara tirou a arma das costas e fez como Gabriel. Os dois não desviavam o olhar um do outro e
quando o investigador acenou com a cabeça, Charles entendeu e os dois empurraram a arma ao
mesmo tempo.
— Ótimo! — Montenegro disse — Agora vamos acabar logo com isso. No 3 soltamos eles.
— Um. — Wagner disse.
— Dois.
— Três. — os dois disseram ao mesmo tempo.
Guilherme e Laura começaram a andar, um na direção oposta do outro, nenhum dos dois parecia
querer correr e eles continuaram caminhando. Quando passaram um pelo outro, Laura piscou e
mandou um beijo para ele enquanto sorria.
Quando Guilherme se aproximou de Gabriel e Wagner, e Laura de Montenegro, o cara de uma
risada, tão alta enquanto abraçava sua filha, que aquele som praticamente ecoou naquele lugar
deserto.
— Acharam mesmo que seria só isso? — ele ergueu a mão e fez um gesto indicando ao redor, e
quando os Goulart olharam para cima, viram pelo menos quatro caras com rifles apontados para eles
— Minha filha é louca nesse cãozinho. Eu não daria ele de bandeja pra vocês.
— Seu desgraçado! — Wagner grunhiu, o que só fez Montenegro dar outra risada.
— Agora, promotor se você quiser que seu primo e seu irmão continuem vivos, dê meia-volta.
Gabriel balançou a cabeça negativamente, pedindo para ele não ir, mas Guilherme apenas sorriu.
— Sinto muito Gabriel. Manda um beijo pra minha Márcia e diga que eu a amo.
— Não pode fazer isso… — Gabriel começou a falar, mas Guilherme apenas olhou para Wagner.
— Segure ele.
Wagner assentiu e segurou Gabriel, enquanto Guilherme fazia o caminho de volta até Montenegro.
— Guilherme, não! — Gabriel tentava se desvencilhar de Wagner, mas apesar de o investigador
ser pouca coisa mais forte, Wagner era mais alto e sabia lutar bem, o que o ajudou a conseguir
segurá-lo.
Quando Guilherme parou ao lado de Montenegro, ele sorriu.
— Atirem.
— Não! — Guilherme gritou e tudo aconteceu muito rápido.
Ele empurrou Lino e rolou pegando a arma e atirando no cara, mas logo sentiu um chute tirar a
pistola da sua mão, enquanto ele era agarrado por Montenegro pelo colarinho e jogado dentro do
carro.
Ao mesmo tempo, Wagner puxou Gabriel para baixo, mas não antes do seu primo levar um tiro na
perna. Ele pegou uma arma e atirou, enquanto Gabriel pegava um rádio escondido em sua roupa e
gritava:
— Agora!
Logo, mais tiros foram ouvidos, mas dessa vez eram policias cercando os homens de Montenegro.
Eles estavam escondidos, apenas esperando o sinal de Gabriel.
Wagner recolheu a pistola, enquanto Gabriel tentava se levantar.
— Eu preciso ir atrás deles. — a essa altura o carro de Montenegro já tinha sumido das vistas
deles.
— Está tudo sob controle, Wagner.
— Desculpa, Gabriel, mas eu preciso.
Ele deixou o primo e correu até a moto e depois que montou na coisa, acelerou. Sabia o que lhe
esperava logo à frente, ainda assim sentia que precisava ser rápido.

Enquanto observava seu primo se afastar, seu celular tocou. Era Camila! O coração de Gabriel
deu um salto antes de ele atender a porcaria da ligação. Já sabia o que era.
Monique!

***
Laura ria, sentada no banco do carona ao lado de Montenegro enquanto apontava uma arma para
Guilherme. Ela já havia se livrado das algemas com uma chave que seu pai havia lhe entregado.
— Você viu a cara deles, papai, quando mandou o Gui voltar?
— Eu vi princesa.
— E quando você mandou atirar? — ela riu ainda mais alto — Será que eles estão mortos?
— Com certeza. — ele sorriu, mas logo seu rosto foi tomado por um semblante enfurecido. —
Puta que pariu!
— Que foi?
Quando Laura olhou para frente, viu que a estrada estava cercada.
Um comboio com carros da polícia impediam a passagem deles e imediatamente Montenegro
soube que, àquela altura, não podia voltar também. Chegou a duvidar se os Goulart estariam mortos
mesmo.
Irritado, Montenegro pegou a arma da mão de Laura e apontou para a cabeça de Guilherme.
— Saia do carro. — ele ordenou e quando Guilherme saiu, ele o segurou pela camisa e o encostou
na lateral do carro, sem parar de apontar a arma para ele — Isso tudo por causa deste cara? Vocês já
estão me irritando.
Ele gritava visivelmente irritado, deixando a tensão quase palpável.
— Charles Castellano Montenegro, largue a arma e se entregue — o policial ordenou.
Guilherme ainda não havia desviado os olhos da arma de Montenegro, sentia que era seu fim, o
cara até agora não o tinha matado porque ele tinha interesse em mantê-lo vivo, mas diante da
situação, sabia que ele não hesitaria.
— Vamos fazer uma troca.
— Você já propôs isso e não cumpriu sua parte. Largue a arma e se renda.
Como se a simples presença dela ali o chamasse, Guilherme desviou o olhar de Montenegro e a
avistou.
Márcia estava com um colete à prova de balas, atrás dos carros do comboio encarando Guilherme
com os olhos arregalados, tomados de pavor.
O promotor não conseguiu fazer outra coisa, a não ser sorrir, mas logo o sorriso se esvaiu quando
Montenegro começou a falar:
— Tudo bem já que vou preso então. — ele olhou para Guilherme — Adeus dout…
Mas antes que a frase pudesse ser dita por completo, dois tiros foram ouvidos e por instinto
Guilherme abaixou, mesmo sabendo que aquilo não adiantaria, e quando pensou que estaria morto,
viu o corpo de Montenegro desabar sobre o asfalto e o sangue escorrer da sua cabeça.
— Nãããão! — Laura gritou e finalmente saiu do carro, correndo até o pai.
— Venha doutor. — o policial chamou e Guilherme começou a andar na direção deles, os olhos
focados em Márcia, enquanto ela sorria e caminhava em sua direção.
Os dois aceleraram os passos enquanto se aproximavam.

***
Ao longe, Wagner observou o carro de Montenegro parado com o corpo dele e de Laura caídos no
chão, enquanto Guilherme se afastava.
Graças aos céus tinha dado tudo certo. — ele pensou, enquanto desacelerava e passava do lado
do carro, no canto oposto onde os corpos estavam, sorrindo enquanto assistia Guilherme e Márcia se
aproximarem, mas quando ele viu os olhos da juíza se arregalarem na direção onde Laura e
Montenegro estavam, ele olhou para trás.
Laura não estava morta como ele tinha pensado e ainda apontava uma arma para Guilherme.
Sem hesitar, Wagner acelerou a moto e quando ouviu o estampido de tiros, sentiu uma queimação
nas costas, pouco antes de o seu corpo ser arremessado contra o asfalto pelo peso da moto e a
escuridão o engolir.
Capítulo Quarenta e Cinco

O bip da máquina de monitoramento cardíaco foi o primeiro som que Wagner ouviu quando
recobrou seus sentidos. Pelo silêncio e o cheiro do lugar, ele percebeu imediatamente que estava em
um hospital.
Ele abriu os olhos e se viu sozinho no quarto. Estranhamente ele se sentia muito bem, se ele
desconsiderasse a dor de cabeça infernal que estava sentindo.
Por que diabos ele se sentia tão bem? — não conseguiu deixar de se perguntar.
Quando tentou sentar, não obteve sucesso. Seu corpo parecia pesado. Olhando na lateral da cama,
achou o botão que levantava a parte superior e o apertou, fazendo a cabeceira se inclinar elevando a
cabeça dele. Imediatamente, ele sentiu uma dor nas costas, mas era como se esse incômodo chegasse
apenas até um determinado ponto.
Merda! — pensou ele, olhando as próprias pernas.
Imediatamente, ele apertou o botão que chamava a enfermeira e logo que uma morena alta e de
cabelos curtos apareceu, Wagner sorriu.
— Ele finalmente acordou. — ela disse caminhando até ele e medindo sua pressão — Você não
devia estar sentado.
— Bem, estou praticamente inclinado. — ele a encarou sério — Porque não consigo mexer
minhas pernas.
— O doutor já virá falar com você.
— Isso não parece bom. — ele disse e, diante do sorriso tímido da enfermeira, ele sabia que
estava certo.
Ótimo! Tô ferrado na cadeia. — pensou ele.
Alguns minutos depois, um homem de cabelos grisalhos e óculos quadrado entrou.
— Boa tarde, senhor Goulart.
— Wagner, me chame de Wagner. — ele odiava isso de ser chamado pelo sobrenome, de senhor
ou qualquer coisa que o fazia se sentir um velho.
— Certo. — o médico sorriu — Sou o Doutor Paulo Vicenzo. Ortopedista e traumatologista.
— Oi, Paulo, agora me diga logo sem enrolação, por favor, o que aconteceu comigo?
— Qual a última coisa que você lembra?
— Que uma maluca ia atirar no meu primo, e eu acelerei na esperança de conseguir salvá-lo.
— E você conseguiu, herói. Só que a bala acertou sua lombar, mais precisamente sua L5. A boa
notícia é que conseguimos retirar a bala que causou uma fissura e um inchaço na sua vértebra, mas a
má notícia é que isso te deixou paraplégico.
— Puta que pariu!
— Mas, com muito tratamento, fisioterapia, acompanhamento médico e psicológico você…
— Tudo bem doutor, não precisa me dar esperanças. — ele respirou fundo — Para onde eu vou
não terei nada disso.
— Bem, eu não sei para onde você vai, mas seja onde for, só daqui a mais ou menos um mês, até
lá ficará conosco.
— Um mês?!
— Sim, você precisa ficar esse tempo aqui, ser acompanhado por vários profissionais e aprender
algumas coisas.
— Tanto faz. — ele respondeu indiferente.
O médico estranhou aquele comportamento, mas continuou falando, só que Wagner não estava
interessado, apesar de estar ouvindo. Ele já estava esperando por uma vida nada boa na prisão. Ficar
em uma cadeira de rodas era só mais uma parte do castigo que ele realmente merecia por tudo que
ele tinha feito com todas aquelas pessoas. Todas as torturas, todas as mortes. Provavelmente ele
sairia dali direto para a cadeia. Não é como se ele tivesse uma vida inteira pela frente.
Mas ele sentiria falta do mar, de surfar, de sentir o embalo das ondas.
Enquanto estava perdido em pensamentos, ouviu batidas na porta e logo em seguida duas figuras
entraram.
Um era alto, estava visivelmente mais magro, mas o sorriso que ele exibia foi o suficiente para
fazer Wagner sorrir também. Ao lado dele, quase da mesma altura, estava uma mulher loira, linda
com um sorriso tão largo quanto o do primo.
— E aí, Gui. Bem-vindo de volta ao mundo dos vivos. — ele sorriu.
— Obrigado. — ele sorriu — Soube que isso só foi possível graças a você.
— Ih cara, o povo tende a exagerar. Não acredite em tudo que te dizem.
— Foi ele sim, graças a gana dele em punir aquele crápula do Montenegro por sua morte, o cara
acabou cometendo um erro e isso foi o suficiente para estarmos todos aqui. — Márcia disse.
Eles ficaram alguns segundos em um constrangedor silêncio até Wagner o quebrar.
— Que bom que estão todos bem. E quando sai o casório? — ele perguntou.
— Nada de casório. Márcia vai se mudar para minha casa e vamos aproveitar todo tempo
possível. Depois pensamos em casamento, agora só queremos recuperar esses meses longe. —
Guilherme respondeu e depois de um momento de silêncio, perguntou — E você? Como está?
— Ah, olha pelo lado positivo, agora não vou mais te fazer comer poeira quando correr atrás de
mim.
— Não corro atrás de você tem mais de quinze anos.
— Em compensação quando corria, nunca conseguiu me alcançar. — Wagner piscou para Márcia.
— É sério, como se sente?
Wagner deu de ombros.
— Não estou realmente preocupado, pra onde eu vou isso não faz diferença.
— Você não… — Guilherme continuou, mas antes que ele pudesse terminar, Márcia apertou sua
mão e balançou a cabeça de forma quase imperceptível.
— Eu não o quê?
— Nada. Só quero mesmo te agradecer, graças a você vou poder viver feliz ao lado da minha
juíza. Salvou minha vida duas vezes irmão, estou te devendo.
— Nós, queremos te agradecer. — Márcia reforçou.
Wagner sorriu. Não porque concordasse com eles, não se sentia salvador nem nada, mas só de ver
a felicidade no olhar deles já era o suficiente para ele. Era bem melhor do que qualquer outro tipo de
sentimento, como a culpa que ele carregou durante meses.
— Não tá me devendo nada não. Mas quem sabe eu não cobre. — ele sorriu — Depois te conto
exatamente o que quero.
— Bom, acho que essa é a minha deixa. — Márcia beijou Guilherme suavemente e depois de
acenar com a cabeça para Wagner, saiu.
— O que quer? — Guilherme sentou na ponta da cama e perguntou.
— Cuida da Camila pra mim.
— Bem, nem precisava pedir, faria isso de qualquer forma.
— Obrigado.
— Você gosta mesmo dela, né?
— Não. — ele sorriu — Eu amo aquela garota. E acho que nem isso é suficiente pra medir o
tamanho do que sinto.
— E você já disse isso a ela?
— Ah cara, de várias formas, mas as coisas são como são e a Camila merece ser feliz, e ela só
vai conseguir isso longe de mim.
Guilherme balançou a cabeça negativamente e sorriu.
— Só uma dica: deixe que ela decida isso. — ele deu dois tapinhas no ombro do primo e se
despediu, dizendo que voltava depois para vê-lo.

Alguns minutos depois que Guilherme havia saído, houve mais batidas na porta, mas dessa vez a
surpresa foi realmente grande.
Gabriel entrou, mancando um pouco por causa do tiro que tinha levado, carregando um bebê no
colo. O sorriso que ele exibia era tão grande que nem parecia aquele cara carrancudo de sempre. Na
verdade, Wagner duvidava se alguma vez na vida tinha visto seu primo sorrir daquela forma.
— Quero que conheça alguém. — ele disse se aproximando da cama — Este é seu primo Wagner.
— ele abaixou o bebê para que ele o visse melhor — Wagner, este é Sérgio Goulart.
— Você deu o nome do tio! — ele abriu um largo sorriso.
— Sim, acho que é justo, e se ele estiver em algum lugar vendo, está feliz.
— Muito feliz.
— Precisamos conversar. — apesar da seriedade na voz, Gabriel continuava rindo olhando para o
filho em seu colo.
— Gabe, tá tudo certo, nada mudou…
— Tudo mudou.
— Quê?
— Não vou te prender, Wagner. Não posso fazer isso com você, com a nossa família.
— Mas eu fiz coisa errada.
— Fez, e fez coisas boas. Além disso, você também tem um problema do qual não me contou. —
ele disse sério.
— Isso não faz diferença.
— Faz toda diferença do mundo, Wagner. Não vou dizer que fico feliz com a merda que você fez.
Pelo contrário. Fico puto. Você podia ter se ferrado, me ferrado. Tanta coisa podia ter dado errado.
Mas você não estava no seu juízo perfeito e, além do mais, cá entre nós, você fez o que eu quis fazer,
mas minha ética não permitiu.
Wagner não sabia o que responder. No fundo sempre achou isso, mas ainda se espantava que ele
não fosse prendê-lo.
— E sua ética agora permite que não me prenda?
— Você indiretamente salvou meu irmão e depois fez isso mais uma vez. Mostrou que é um
autêntico Goulart, que a família pra você está acima de tudo. Estou apenas retribuindo a cortesia,
além do mais, com Montenegro e Laura mortos, podemos jogar essas mortes nas costas deles.
— E me deixe adivinhar. — Wagner sorriu — Você sabe exatamente como fazer isso.
— Claro, eu não seria o melhor se não soubesse.
Os dois riram.
— Agora que acabou vai me dizer quem era seu informante? Como você sabia exatamente a hora
de agir?
— Era o Natalino, vulgo Lino. Dantas me disse como contatá-lo, e ele, depois que descobriu o
que Montenegro fez com a tal Giovana, pensou na família dele e me procurou. Prometi proteção para
ele e para elas, se ele entregasse os planos do idiota e depusesse contra ele.
— E o cara topou?
— Na hora, mas no fim ele se matou. Depois que Gui atirou nele, o cara ainda ficou vivo, apesar
de sangrando muito. Mas ele pegou a pistola e disse que não ia aguentar o peso daquilo e deu um tiro
na cabeça.
Wagner se espantou ao ouvir aquilo e ficou pensativo.
— Bem, obrigado por salvar o Gui mais uma vez.
— Vocês precisam parar de agradecer essa porra.
— Você que precisa aceitar o agradecimento, porque gostando ou não, nós não vamos parar. —
Gabriel sorriu — Wagner… — ele agora estava sério, como sempre — se você precisar de alguma
coisa, qualquer coisa, é só me falar.
— Você já está fazendo muito por mim.
Gabriel assentiu e se despediu.
Wagner ficou pensativo. Não seria mais preso, mas sua nova condição seria um castigo dos céus e
ele merecia. O fato de não ir para a cadeia, não o livrava da impunidade. Ele ficaria na cadeira de
rodas por muito tempo e isso era basicamente uma prisão.
Ele respirou fundo.
Sentiria falta do mar, mas ainda poderia vê-lo. Sentiria falta da sua moto, mas sabia que se
adaptasse um carro ainda teria sua liberdade, coisa que na cadeia ele não teria.
E foi então que ele pensou em Camila.
Poderia vê-la, poderia ver a menina nascer e isso para ele era mais do que suficiente, mais do que
ele merecia e talvez, se ela o deixasse fazer parte da vida da menina, quem sabe não o chamasse para
ser padrinho.
Wagner sorriu.
Tinha cismado que era uma menina, mas não importava, se fosse menino ele teria o mesmo carinho
que já sentia agora. No fim das contas, sua vida não seria assim tão ruim.
E com esses pensamentos, talvez por causa da medicação no soro preso à sua veia, ele acabou
adormecendo.

Wagner sonhava que estava no mar surfando. A onda era tão grande que ele conseguiu dar um 360
antes de dropar a onda, mas enquanto ele curtia o momento, suas pernas pararam de responder e ele
caiu. Começou a bater os braços desesperadamente, mas suas pernas não respondiam e o mar o
engolia cada vez mais, sufocando-o, fazendo a água entrar em seus pulmões e quando finalmente
parou de lutar e se entregou, acordou.
Ao abrir os olhos ele a viu.
Camila estava sentada em uma confortável poltrona, com uma revista de bebês na mão,
completamente distraída.
Ela usava um vestido larguinho e seu cabelo estava solto, caindo como cascatas sobre seus
ombros e Wagner não conseguiu evitar um sorriso. Era a visão mais linda que ele poderia ter.
— Camila?
Ao chamá-la, ela largou imediatamente a revista e levantou, se aproximando dele.
— Até que enfim. Eu fico aqui horas e horas e quando saio alguns minutos pra ver Monique, você
acorda. Todo mundo consegue falar com você e quando eu volto, está dormindo. — ela sorria
enquanto falava e se sentou na cama bem perto dele, logo em seguida ela se inclinou e o beijou,
pegando-o de surpresa.
— O que você está fazendo?
— Se chama beijo. — ela sorriu ainda mais — Você bateu a cabeça?
— Eu sei o que é um beijo.
— Que bom, mas eu adoraria te ensinar.
— O que você faz aqui, gata? — o tom dele foi sério, fazendo Camila ficar séria também.
— Estou aqui com você.
— Por quê?
— Porque eu te amo.
— Camila…
— E você me ama.
— Mais do que jamais seria capaz de amar alguém.
— Então por que me perguntou por que eu estou aqui?
— Você sabe muito bem. — ele deu um tapa na própria perna, sabendo que não sentiria nada.
— E daí?
— O que você espera de um relacionamento com um cara como eu?
— Bem, eu vou te dizer umas coisinhas, senhor Wagner Goulart: você já decidiu muita coisa sobre
nós, mais de uma vez, diga-se de passagem, mas desta vez eu não vou permitir, nem ferrando. Eu te
amo e você me ama e isso é tudo que importa. Quanto a sua condição, vamos juntos aprender a lidar
com ela, até você superá-la. Eu conversei com médicos, pesquisei na internet. Sim, você ficou dois
dias desacordado por causa da cirurgia. Tive tempo suficiente pra pensar nisso tudo e fazer umas
pesquisas, desta vez quem vai decidir sou eu. Não vou a lugar nenhum, você gostando ou não.
Apesar de aquilo encher Wagner de orgulho e aquecer seu peito, ela merecia mais.

— Você vai me obrigar a ficar com você? — antes que ela pudesse responder, ele continuou —
Nem homem de verdade eu posso ser pra você mais, Camila. Como vou te ajudar a cuidar dela? O
pai dela é a melhor opção pra você.
— Primeiro, sim, eu vou te obrigar a ficar comigo, apesar de ter quase certeza que nem vou
precisar me esforçar muito. Segundo, você pode ser um homem de verdade sim e quando parar de
pensar essas besteiras, podemos conversar sobre o assunto e eu vou adorar brincar de testar as
várias técnicas que tornam possível um paraplégico ter relação sexual. Agora quanto à última
parte… não posso discordar. O pai dela é realmente a melhor opção para mim e principalmente para
ela.
Wagner desviou o olhar e respirou fundo, estava prestes a dizer alguma coisa, quando sentiu a
cama afundar e Camila jogar os braços em volta do pescoço dele.
— Você é o pai dela.
— Quê? — ele a olhou incrédulo.
— Me perdoa por isso, por favor, mas eu tive medo que você fizesse ainda mais besteiras se
soubesse a verdade, então eu menti, mas esse bebê é seu e ela ou ele, precisam realmente do pai. O
pai de verdade. Precisam de você, e eu também, gato, eu preciso de você e de mais nada.
Wagner era um misto de emoções. Queria brigar por ela ter mentido, mas porra, ele estava tão
feliz com aquilo, que tudo que conseguiu fazer foi abraçá-la e beijá-la apaixonadamente.

Um mês depois.
Camila entrava com Wagner e Diego na mansão em Matinhos. O rapaz empurrava a cadeira de
rodas, enquanto Camila o acompanhava, seguidos de Raul e outro segurança que traziam algumas
malas.
— Levo estas malas para onde? — ele perguntou.
— Para o quarto do Wagner, por favor. — Camila respondeu.
— Nosso quarto. — ele a corrigiu e segurou a mão dela.
Durante todo mês no hospital, eles tiveram tempo para conversar sobre o futuro deles. Mesmo que
ele ainda considerasse, às vezes, que seria muito difícil, ele não podia viver sem Camila. Mais uma
vez estava sendo egoísta, mas ele a amava tanto. E ainda tinha a filha deles, que ele queria poder ver
crescer.
Depois que eles entraram no quarto, Diego se despediu e deixou os dois a sós. A cadeira de rodas
não era uma total estranha a Wagner. Depois de se colocar na cama, ficou observando, enquanto
Camila levava as coisas até o closet.
— Como você está com essa história do restaurante?
— Já falamos disso, gato. Estou bem. Eu já tinha pretensão de fazer do Bruno meu sócio, sei que o
restaurante estará em ótimas mãos. Além do mais, se eu precisar resolver alguma coisa, Curitiba não
é tão longe. — ela o encarou e sorriu enquanto começava a trocar de roupa — Esta semana quero
sair com você para que a gente possa ver algumas lojas aqui. Estou animada para abrir a nova filial.
— Bem, eu já tomei algumas providências e pedi a Raul para que pesquisasse, você só precisa
ver os imóveis que ele selecionou e escolher um. Será seu.
Camila sorriu largamente.
— Obrigada.
— Não gata, eu que agradeço. — ele encarou Camila e sorriu para ela, que se aproximou, e,
imediatamente Wagner a puxou com força, fazendo ela cair sentada em seu colo, antes de beijá-la
apaixonadamente.
— Quando é a consulta com o urologista?
— Daqui cinco dias. — ela sorriu — Safado.
— Estou doido para testarmos todas as teorias que lemos.
— Eu também.
Ele a beijou mais uma vez e depois colocou a mão no bolso e tirou uma caixinha de veludo
vermelha. Tinha pedido a Diego que providenciasse o anel enquanto ele estava no hospital.
— O que é isso?
— Um bombom. — ele brincou e abriu a caixinha exibindo um lindo solitário — Aceita ser minha
esposa, senhorita Braga?
— Hum, Camila Braga Goulart, até que soa bem. — ela o beijou — Aceito.
Wagner sorriu largamente e voltou a beijá-la.
Quem poderia dizer que um cara como ele, fosse finalmente ser feliz ao lado da mulher que amava
e que esta lhe daria o maior dos presentes do mundo: uma filha?
E quando ele colocou o anel no dedo de Camila e ela sorriu, ele agradeceu aos céus por
permitirem que ainda assim, depois de tudo, ele fosse feliz ao lado da família que ele amava
incondicionalmente.
Epílogo
Alguns anos depois.

A casa em Matinhos estava enfeitada com fitas, laços, balões rosa, brancos e prateados. Em um
canto do enorme quintal, havia sido montado um castelo branco e dourado, tão grande que a mesa do
bolo estava lá dentro.
Era o terceiro aniversário da pequena Mila. E quando ela apareceu vestida de princesa, o coro de
suspiro dos convidados foi unânime.
Como Wagner sempre tinha dito, Mila se parecia com a mãe. Pele clara, olhos azuis e cabelos
loiros ondulados. Havia quem dissesse que ela se parecia com ele, mas ele dizia que ela era bonita
demais, e que apesar de ele ser bonito, Camila ganhava.
A verdade era que os três eram realmente muito bonitos.
Quando Wagner apareceu, Gabriel, que segurava o pequeno Sérgio no colo, sorriu. Havia pouco
tempo que ele tinha voltado a andar, ainda vacilava em alguns passos, mas ninguém podia imaginar
que aquilo realmente fosse acontecer.
Foram anos de incansáveis tratamentos. Com o dinheiro dele, houve uma busca incansável pelos
melhores profissionais e os melhores tratamentos. Lógico que ele teve sorte. A bala, em si, não tinha
feito um estrago tão grande. Se ela acertasse um pouco mais para cima, ele estaria ferrado para
sempre, mas isso fazia parte do passado. O tratamento continuaria, mas sua vida já estava bem
melhor e ele já sonhava em um dia poder voltar a surfar.
Wagner caminhou em direção à mesa deles onde seu primo estava e se sentou.
— E aí moleque. — ele brincou com Sérgio — Deixa ele correr por aí Gabriel. Monique, fala pra
ele soltar o menino.
— Eu disse, mas Gabriel é exagerado. Ele é superprotetor comigo, mas com o menino? Isso chega
a ser assustador.
— Vou tomar isso como um elogio. — ele disse sério, mas beijou a esposa nos lábios antes de
soltar Sérgio e deixar o menino ir brincar — Como você está?
— Fantástico. Camila é um bálsamo na minha vida, me ajudou em tudo que pôde e acho que só foi
possível voltar a andar por causa do apoio dela. Quanto ao outro problema… bem, o médico já
diminuiu a dosagem dos remédios e disse que se continuar assim, vai suspender.
— Que boa notícia. — Monique disse.
— Sim.
Enquanto conversavam, Guilherme e Márcia chegaram de mãos dadas. Eles ainda não tinham
casado, mas moravam juntos. Estavam mais apaixonados que nunca e tinham virado notícia nos
jornais. Eram o terror dos bandidos. Estavam virando sinônimo de justiça e seriedade.
— Chega mais, Gui. — Wagner os chamou para a mesa em que eles estavam.
Depois de todos se cumprimentarem, Wagner observou quando Camila caminhou até o portão e
ele se levantou para ver o que estava acontecendo, mas não se afastou muito da mesa.
Quando o homem moreno e alto entrou acompanhado, Wagner os observou. Os três vieram na
direção deles e quando chegaram perto, ele estendeu a mão para o cara.
— Bem-vindo, Lucas.
— Obrigado, Wagner. — ele apertou a mão — Sem ressentimentos? — ele brincou por causa do
último encontro dos dois.
— Claro. — ele sorriu — Afinal quem ficou com o prêmio fui eu.
— Wagner! — Camila o advertiu, mas sorria.
— Que isso! — Lucas sorriu — Águas passadas. Deixa eu te apresentar minha noiva. Cléo, este é
Wagner, marido da Camila, Wagner, esta é a Cléo.
— Prazer. — Wagner a cumprimentou e depois os convidou a se juntarem a ele e seus primos.
Quando se sentaram, logo a conversa se perdeu em risadas e claro, implicâncias de Wagner, e não
demorou muito para Diego e Leandro se juntarem a eles.

Quase no fim da festa, eles se reuniram com os demais convidados ao redor da mesa para
cantarem parabéns para a pequena Mila e quando as palmas cessaram, Wagner chamou atenção de
todos com um longo e agudo assovio.
— Hoje é um dia muito feliz para todos nós. Dia em que a nossa princesa, Mila, completa seu
terceiro aniversário e eu tô rezando pra esse tempo demorar bastante a passar, porque não quero ver
gavião rondando ela. — todos riram e alguém gritou ao fundo: “está ferrado”, provocando ainda mais
risadas — Bem, uma vez eu disse a esta mulher do meu lado que eu a amava mais do que seria capaz
de amar qualquer outra pessoa, mas gata… — ele olhou para Camila — desculpa, eu menti. Porque
essa pequena miss aqui, me ensinou um outro tipo de amor, novo, diferente. E se não bastasse a
mulher da minha vida ter me dado o maior de todos os presentes do mundo, ela resolveu me
presentear novamente. — ele colocou a mão sobre a barriga de Camila — Estamos grávidos.
Todos aplaudiram e Wagner segurou Camila pela nuca e a beijou intensamente, fazendo mais
aplausos ecoarem, enquanto a pequena Mila fazia uma careta.
Quando a demonstração de carinho terminou, eles cantaram parabéns para a menina e depois
dispersaram.
Logo Wagner e Camila, Guilherme e Márcia, Gabriel e Monique, mais Diego e Leandro e os
amigos, Lucas e Cléo, sentaram-se novamente, enquanto o bolo era cortado e servido pelo buffet.
E muito tempo depois de o último convidado sair, eles permaneceram ali, conversando e
brincando. Bebendo, se divertindo.
E em meio à conversa e risadas, os três irmãos se entreolharam, em uma silenciosa conformidade.
Felizes e agradecidos.
Os Goulart estavam juntos, unidos e cada vez mais fortes.
A família deles era inabalável, um elo de puro amor, exemplo de fidelidade. Não importava
quantos Marcelo’s, Lauras’s ou Montenegro’s se passassem na vida deles. Eles eram mais unidos
que os três mosqueteiros.
Um Goulart por todos, e todos os Goulart por um.
Fim
Agradecimentos

Eu não podia começar este agradecimento de forma diferente, afinal, é graças aos meus
leitores que foi possível finalizar a Série Goulart. Muito obrigada a cada um de vocês.
Quando comecei a escrever Desejo de Justiça, eu não tinha pretensão de transformá-lo em
série. Era pra ser um livro único e veja onde estamos. Foram três livros, três amores, três filhos
que agora são do mundo. Foram três anos me dedicando, me envolvendo e cuidando dos Goulart.
Hoje, Desejo de Punição fecha a série com chave de ouro, deixando essa autora babona cheia
de orgulho desses livros incríveis, mas eu não seria justa se não agradecesse a cada pessoa que
direta e indiretamente me ajudaram a finalizar esta série.
Quantas foram as vezes que eu tive dúvidas jurídicas e de leis, e recorri ao meu primo que é
policial. Quantas foram as vezes que eu tive dúvidas sobre determinados termos e acontecimentos
médicos e recorri à minha prima que trabalha há anos no ramo da medicina. Porque apesar de,
sim, ser uma obra fictícia, eu gosto que tenha algum embasamento. Pelo menos um pouco.
Sem contar as betas. Cada uma delas, que opinou, elogiou, discutiu (essa é específica) me
ajudando a melhorar cada vez mais essa história incrível. Obrigada nunca será suficiente para
expressar minha gratidão.
Além disso, tem a Cris, que apostou nessa série desde a primeira história, transformando o
sonho do livro impresso em realidade.
E claro, agradecer ao apoio da minha família, mas principalmente do meu marido, meu amor,
meu amigo, meu maior incentivador.
Meu muito obrigada a TODOS vocês. Espero que vocês gostem de como a história terminou. Eu
amei.
Nos vemos nos próximos livros.

Beijos, Val Totta.


Mais uma vez obrigada por se deliciar com os Goulart.
Espero que tenha gostado dos livros e de como essa série terminou. Eu amei!
Não deixe de me seguir nas redes sociais e assim ficar sempre por dentro das novidades.
Abraços, Val Totta

Para mais livros


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A seguir alguns bônus.
Espero que gostem
Desejo
Um conto da Série Goulart

Personagem
Gabriel
Quando seu celular tocou, ele atendeu pelo fone bluetooth já preso em sua orelha.
— Goulart.
— Senhor, acabamos de receber um telefonema de uma ocorrência não muito longe da delegacia.
— E o que eu tenho com isso?
— Bom, não é um crime qualquer e eu acredito que o investigador vai gostar de olhar a cena do
crime.
— Certo, qual o endereço?
Depois que o policial passou o endereço para Gabriel, ele fez o retorno com sua moto e seguiu
para o local. Não era muito longe de onde ele estava e não demorou quinze minutos para que ele
chegasse.
Quando estacionou diante do prédio, ele verificou que não se tratava de um prédio de classe
baixa, como estava acostumado a visitar. Ali era classe média alta o que só reforçou o que ele já
sabia.
Não há limites para a maldade humana.
Viaturas da polícia cercavam o local e claro quando os policiais o viram chegar, logo deram
acesso a ele.
Gabriel além de alto, bonito, imponente, era também reconhecido pelo seu trabalho e eficiência.
Quando chegava à cena de um crime, todos sabiam que se ele estava ali, significava duas coisas: A
primeira era que o caso era sério. E a segunda, era que não iria demorar muito para o investigador
Gabriel Goulart resolver aquele crime.
— A perícia já chegou? — ele perguntou com autoridade enquanto se dirigia para dentro do
prédio.
— Acabaram de chegar.
— Quem encontrou o corpo? — enquanto Gabriel perguntava ele não parou de andar, e o policial
o seguiu.
— A amiga que morava com ela.
— É uma mulher então?
— Sim.
Nesse instante, uma morena de cabelos compridos e olhos negros e grandes, acompanhada de um
policial passou por eles. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, enquanto grossas lágrimas
rolavam por seu rosto.
Por um instante os olhares dela e de Gabriel se cruzaram e se prenderam, mas logo ela desviou,
entretanto ele a seguiu com os olhos enquanto entrava no elevador.

Assim que Gabriel passou pela porta do apartamento, franziu o cenho. Tudo estava estranhamente
arrumado, apesar da perícia estar trabalhando. Ele observou a cortina rasgada e depois olhou ao
redor procurando mais indícios do que poderia ter acontecido.
— Onde está o corpo? — ele perguntou e rapidamente foi informado.
Mas Gabriel não foi imediatamente até o banheiro. Seguiu para o lado oposto indo até a cozinha
apenas para verificar um dos agentes pegando um celular, que provavelmente era o da vítima, e
colocá-lo em um saco de evidencias.
— Alguma coisa por aqui? — ele perguntou.
— Estamos averiguando.
— Ótimo, não deixem passar nada.
Se aquela observação viesse de qualquer outra pessoa, o agente teria respondido de forma rude,
certamente fazendo alguma graça, mas em se tratando do investigador Goulart, ele apenas assentiu e
voltou ao seu trabalho.
Gabriel caminhou finalmente até o banheiro onde o corpo estava.
Poucas coisas deixavam Gabriel impressionado, mas a quantidade de sangue naquele lugar,
realmente fizeram seu estomago apertar levemente, em repulsa. E mesmo o rosto pálido e um tanto
desfigurado, Gabriel pôde perceber que se tratava de uma jovem muito bonita.
Gabriel observou enquanto os agentes trabalhavam e quando eles notaram sua presença
começaram a falar.
Mas tudo que eles iriam informar, Gabriel praticamente respondia.
— Ela está morta há cerca de...
— Três horas. — ele respondeu antes do agente falar.
— Sim senhor.
Gabriel não havia se tornado o melhor por deixar os detalhes despercebidos. Pelo contrário.
Ele conseguia prestar atenção no que os outros não conseguiam. E quando o perito tirou um objeto
metálico de dentro da banheira, ele sabia que aquilo tinha sido a arma do crime.

Dois dias depois, alguns relatórios sobre aquele assassinato começaram a ser entregues à
Gabriel. E claro, não foi difícil encontrar um suspeito. A história da pessoa em questão era cheia de
falhas, cheia de furos que Gabriel não deixaria passar despercebido.
— Santos! — ele gritou e o policial não demorou a chegar à sua sala.
— Onde estão os outros depoimentos do caso Veiga?
— Vou pedir que lhe enviem.
— Faça isso e traga a amiga aqui amanhã.
— A amiga da vítima?
— Não idiota, a sua. — Gabriel rosnou — Claro que é da vítima.
— Tudo bem investigador.
Depois que Gabriel leu e releu diversas vezes o depoimento e os relatórios ficou observando a
foto das testemunhas e quando viu a de Monique ele parou e apenas observou.
Ela era bonita, realmente muito bonita.
Seria uma pena, se ele estivesse certo, e raramente ele estava errado.
Antes de fechar o computador, Gabriel navegou na internet e se deparou com uma notícia que não
lhe dizia respeito, mas chamou sua atenção ainda assim.
Laura!
Aquela que um dia foi sua noiva e que era o principal motivo de hoje, ele e Guilherme não serem
mais os irmãos que eram quando crianças, estava voltando para o Brasil após se divorciar do
marido.
Gabriel sentiu raiva.
Raiva dela, de si mesmo por ter perdido seu tempo lendo a matéria e raiva de seu irmão.
Ele fechou a tela do notebook com mais força que o necessário e saiu de sua sala.
Enquanto guiava sua moto até sua casa, Gabriel não conseguia tirar a imagem de Laura da mente.
Aquela foto que ele tinha visto, ficara gravada na sua cabeça.
Não! Ele não nutria nenhum sentimento bom em relação a ela.
Entretanto rancor, raiva, desprezo, o corroíam desde que...

Gabriel entrou em casa, batendo a porta do apartamento com o pé e foi direto para o seu pequeno
bar se servir de uma dose tripla de uísque, que ele bebeu em um só gole, antes de se servir de mais
um pouco, depois de novo e de novo até que sua mente começou a ficar leve e ele colocou a garrafa
debaixo do braço e carregou-a para o quarto. Quando chegou ao cômodo, livrou-se da camisa, do
coldre, do resto de suas roupas, ficando apenas de boxer e tudo que ele fez foi se jogar na cama e
colocar a garrafa ao lado, no chão, antes de se entregar ao sono.
Ele não sabia quanto tempo havia se passado, mas foi despertado com o barulho da campainha
tocando. Claro que ele ignorou mas quem quer que fosse insistiu, então resmungando, Gabriel
levantou e seguiu para sala, mas sem esquecer de pegar sua arma, sempre pendurada no coldre ao
lado da cama.
Quando ele olhou pelo olho mágico, viu uma mulher de cabelos negros e compridos, mas ela
estava de costas e não foi possível ver seu rosto.
Cauteloso, ele abriu a porta e quando ela se virou, ele viu que se tratava da amiga da loira que
havia sido assassinada há alguns dias.
— O que faz aqui? Como conseguiu meu endereço?
Sem responder Monique colocou a mão sobre o peito musculoso de Gabriel e desceu até seu
abdômen tocando com a ponta das unhas seus músculos e antes que ele pudesse se dar conta ela o
empurrou.
Gabriel deu alguns passos para trás e ela entrou em seu apartamento, fechando a porta com a
bunda antes de tocar novamente o corpo quente e másculo do investigador.
Ela mordeu o próprio lábio e o encarou enquanto soltava o as alças do vestido deixando que eles
caíssem sobre seus pês, revelando que estava apenas com uma deliciosa calcinha de renda preta que
contrastava com a sua pele.
As luzes estavam apagadas e a única iluminação era a luz da rua que entrava pela janela,
deixando os olhos de Monique brilhantes enquanto encarava Gabriel.
Eles continuaram naquela quase dança sensual e quanto mais ela se aproximava dele, mais ele
sentia sua eração despertar e crescer, formando um grande e grosso volume sob a cueca.
Monique espalmou seu peito e o empurrou com um pouco mais de força, fazendo Gabriel cair
sentado sobre o sofá. Ela se inclinou e o beijou antes de ajoelhar entre as pernas dele e enquanto
liberava seu membro, ela passou a língua sobre os lábios, indicando que não demoraria muito para
abocanhar sua ereção.
E assim ela o fez.
Quando a boca quente e macia de Monique envolveu todo comprimento de Gabriel ele grunhiu
alto e automaticamente sua mão foi até o cabelo dela, que ele envolveu nos dedos enquanto
empurrava seu quadril para cima, fazendo seu membro bater na garganta dela.
E puta que pariu.
Sua boca era macia e deliciosa, e ela o chupava deliciosamente, como uma deusa do sexo.
Gabriel empurrou a cabeça dela mais para baixo, ditando o ritmo daquele sexo oral delicioso, até
que sentiu sua ereção pulsar antes que ele gozasse em sua boca, fazendo Monique tomar tudo dele.
A cabeça de Gabriel pesou para trás quando ele sentiu ela passando a língua em todo seu
comprimento, deixando ele limpo mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, Monique sentou-se
sobre ele depois de retirar sua calcinha e fez com que o membro dele ainda ereto a penetrasse.
Ele apertou sua cintura com força e a encarou antes de segurar novamente seu cabelo e beija-la
ardentemente.
Monique começou a cavalgar sobre ele, rebolando e se entregando completamente, fazendo o
membro de Gabriel ficar totalmente duro, mais uma vez.
E porra! Ela era tão apertada que ele precisava se controlar para não gozar como um adolescente.
Enquanto ela rebolava sobre ele, Gabriel puxava seu corpo contra ele, fazendo seu membro a
preencher por completo cada vez mais fundo. Ele desceu a mão até seu clitóris e começou a
acariciar, com propriedade, sabendo exatamente o que estava fazendo, até que as pernas dela
estremeceram e ela gritou enquanto gozava.
Quando Gabriel sentiu o sexo dela se contrair em volta do seu comprimento ele grunhiu alto
enquanto gozava e jogou a cabeça para trás e fechava os olhos empurrando seu quadril mais para
cima.
Quando ele abriu os olhos o sorrio dela havia mudado de sexy para malicioso, mas não era um
sorriso malicioso bom, era um sorriso quase débil e antes que o investigador pudesse se dar conta,
ela ergueu uma faca e investiu contra ele. Sem dar a Gabriel a chance de esquivar.

Gabriel acordou, banhando em suor e com uma dolorida ereção.


Puta que pariu!
Aquele tinha sido o sonho mais real que ele já tinha tido.
Ele esfregou os cabelos, exasperado e resmungando consigo mesmo.
Se livrar daquela ereção seria fácil, com uma ducha fria, por exemplo.
A merda seria encarar Monique para pegar seu depoimento em algumas horas e não se lembrar da
porra do sonho.

Fim
Desejo de Felicidade
Um conto da Série Goulart
Personagens:
Guilherme e Márcia
O lugar estava estranhamente silencioso e, mesmo quando o barulho do martelo batendo a
sentença ecoou no ambiente, não houve manifestação. Nem mesmo dos que estavam contra o réu. Um
menino de dezenove anos, que havia cometido um crime hediondo contra uma criança de seis anos. O
silêncio do tribunal foi levemente quebrado pelo soluço contido da mãe da criança. À vista de uma
parte da sociedade, era apenas um garoto, que havia cometido um erro. Mas para a juíza Márcia
Braga, era um monstro, não importava a idade.
E com a ajuda do promotor Guilherme, a justiça havia sido feita. Após ela anunciar a sentença o
olhar dela e do Dr. Goulart se cruzaram. Um misto de satisfação pelo dever cumprido, saudade…
amor.
Há muito que os dois vinham trabalhando juntos, unidos por um proposito maior: fazer justiça!
Depois que o condenado foi levado pelos policiais, o olhar da juíza cruzou com o da mãe da
criança. Os olhos estavam vermelhos e inchados, a dor era quase palpável e ela tinha os braços ao
redor do corpo provavelmente em uma vã tentativa de conter o tremor visível. E apesar de estar
chorosa, Márcia enxergou a gratidão da mulher e acenou levemente para ela. Ela sabia que nada
traria aquela criança de volta e sabia também, que provavelmente aquela mãe desesperada estava
mesmo era com vontade de matar o desgraçado com as próprias unhas, mas ela fez seu trabalho.
Condenou aquele pedaço de bosta a trinta anos, evitou que ele fizesse com mais alguém o que tinha
feito com a filha daquela mulher que a encarava.
No Brasil não existia pena de morte – infelizmente – mas a juíza sabia, ao mandar ele para a
prisão mais brutal do país, que, assim que aquele filho da puta colocasse os pés na cela, não duraria
muito. Se tinha uma coisa que os presos odiavam, eram estupradores e policiais. A satisfação de
saber que ele passaria por maus bocados e sofreria bastante, antes de ser morto era algo que ela
escondia de todos, menos de si mesma.
O tribunal já estava quase vazio quando Guilherme se aproximou da mãe da vitima. Ele podia
parecer um homem duro, insensível e até cruel, mas o promotor Goulart não era nada disso. Pelo
contrário. E por esse motivo e ele segurou a mão da mulher, que não parava de chorar, entre as suas e
a encarou.
— Sei que nada vai trazer sua menina de volta, mas espero que a justiça aqui feita, seja pelo
menos um suspiro para a senhora.
A mulher o encarou, puxando as mãos e secando as lágrimas e num rompante o abraçou.
— Você honrou minha Ana. A justiça foi feita e agora ela vai descansar em paz, mas doutor, essa
dor, ninguém nunca vai tirar de mim.
Guilherme apenas assentiu, imaginando o quanto aquela mãe devia estar sofrendo. Quando se
despediram ele mandou uma mensagem para a juíza, dizendo que tinha que resolver algumas coisas.
Quando chegou à sua sala, Márcia despiu um pouco da sua expressão taciturna e sorriu. Há quase
um mês não via Guilherme. Longos dias, e ele tinha chegado de viagem e ido direto para o tribunal. A
troca de olhares durante o julgamento foi o único contato que tiveram em muitos dias. Ele havia saído
do país para mais um curso, e quem diria, que ela sentiria tanta falta de um homem? Márcia podia
alegar que essa saudade toda era porque já tinham passado muito tempo longe, quando Guilherme foi
sequestrado e mantido em cativeiro por um dos maiores criminosos que o Brasil já tinha conhecido:
Montenegro. Mas era mentira, o que fazia com que ela sentisse falta dele, era o amor que ela sentia
por ele. Nunca imaginou ter tais sentimentos, tão intensos, tão sufocantes, mas ao mesmo tempo tão
bem vindos por um homem. Ela tinha aprendido a amar Guilherme, se entregado a ele como a nenhum
outro e estava animada para revê-lo depois de longos trinta dias.
Márcia riu!
Se sua irmã, Camila, a visse sorrindo daquele jeito por causa de Guilherme, certamente pegaria
no seu pé, dizendo como ela estava parecendo uma menininha apaixonada. Não que o termo
“menininha” se encaixasse naquele mulherão, dona de si, altiva… Mas o termo apaixonada,
certamente caía como uma luva.
E como se só o fato de pensar na irmã, a chamasse, seu celular tocou e ao ver o nome de Camila
no visor, aqueceu o coração da juíza.
— Ca, estava pensando em você…
Quando encerrou a ligação, foi que ela notou uma mensagem de Guilherme. Tinha estranhado que
até aquele momento ele não havia entrado em sua sala e a tomado nos braços, como havia se tornado
um costume. Se admirou com a ausência dele, claro, afinal Guilherme era o típico romântico
inveterado e ela até tinha aprendido a gostar desse lado dele. E depois de algumas semanas longe era
de se esperar que ele fosse correndo até ela, mas ele alegou ter coisas para resolver.
Bom, paciência. — pensou ela. Eles se veriam em casa.

***
Guilherme parecia um menino, ansioso para seu primeiro encontro. Certo, era o primeiro
encontro depois de alguns dias longe da sua juíza e saudade não chegava nem perto de descrever o
que ele estava sentindo. Falava com Márcia todos os dias, por chamadas de vídeo, Whatsapp, e
qualquer outro aplicativo que pudesse encurtar a distancia durante os eternos dias longe dela. Mas
poder tocá-la, sentir seu perfume e se perder em suas curvas era completamente diferente.
Por ele, teria ido para casa e se perdido no perfume e na pele macia da sua juíza até seu corpo
não aguentar mais, mas o trabalho o chamou e aquele julgamento já havia sido adiado por tempo
demais, então em vez disso, assim que desembarcou no aeroporto, correu para o tribunal, para
colocar aquele moleque desgraçado atrás das grades. No entanto ele queria fazer tudo que havia
planejado antes da audiência ter sido marcada para o dia da sua volta. Então quando o julgamento
terminou, ele entrou em um táxi e correu até a floricultura mais próxima. Ele pediu um buque com
rosas vermelhas e coroa imperial rosa. A atendente a princípio estranhou a mistura, ainda assim, fez
um lindo arranjo. Eram diferentes mesmo. As rosas significavam todo amor e paixão de Guilherme
pela juíza e a coroa imperial, significava o poder de Márcia, o quão forte ela era como mulher e
como profissional.
Os dois eram assim. Diferentes em sua totalidade, mas quando juntos, se encaixavam
harmoniosamente. Como se tivessem sido feitos um para outro.
A próxima parada de Guilherme foi passar no mercado. A princípio, pensou em pedir ajuda a
Camila, ou encomendar algo no restaurante favorito de Márcia, mas ele queria que aquele reencontro
fosse perfeito e inesquecível e isso começaria com ele mesmo preparando o jantar.

Assim que chegou em casa, Guilherme colocou a mala no closet, retirou o blazer e a camisa,
dobrando os dois e colocando no cesto da lavanderia, o sapato, ficando apenas com a calça do terno
e seguiu para a cozinha. Sabia que tinha pouco tempo até Márcia chegar do escritório e queria que
estivesse tudo pronto quando ela entrasse em casa.
A comida estava no forno, o vinho favorito dela já estava pronto para ser servido e Guilherme já
tinha tomado banho e se livrado do cheiro dos temperos, ainda que ele tivesse planos para outro
banho antes do jantar.
Assim que a chave virou na porta e a silhueta de Márcia passou do batente, Guilherme se
aproximou, com passos firmes e rápidos. Márcia não evitou um largo sorriso antes de jogar seus
braços no pescoço de Guilherme, enquanto ele a envolvia pela cintura.
Ele não hesitou.
Colou sua boca à dela com fome, saudade e desejo. Uma mistura de sentimentos que fizeram com
que ele praticamente a devorasse, ainda que o beijo fosse de uma suavidade ímpar. Márcia por sua
vez, retribuiu o beijo com tanta paixão quanto a dele, colando mais seu corpo contra o de Guilherme
e arranhando de leve o pescoço dele.
— Acho que alguém sentiu minha falta. — ele brincou.
— Muito convencido, doutor, — Márcia mordeu o lábio inferior de Guilherme, fazendo ele dar
um leve grunhido — mas eu nem vou negar.
Os olhos de Márcia percorreram a sala e ao ver a mesa posta, o buque de flores em um jarro de
vidro e seu vinho favorito sobre o tampão da mesa ela voltou a sorrir.
— Parece que esteve ocupado?
— O que? Isso? — ele olhou para mesa antes de passar o nariz de leve no pescoço dela — Não
foi nada de mais, eu pretendo me ocupar de verdade agora.
Antes que Márcia pudesse falar qualquer coisa, Guilherme a beijou novamente e a pegou no
colo, carregando ela para o banheiro. Enquanto o promotor se afastava para por a banheira para
encher, Márcia se livrou dos saltos e começou a desabotoar sua blusa, mas antes que terminasse,
sentiu as mãos grandes de Guilherme sobre as dela.
— Me permita… — ele mordeu os lábios dela enquanto suas hábeis mãos continuaram o
trabalho que ela havia começado.
Márcia era uma mulher que gostava de manter o controle da sua vida em todos os aspectos,
entretanto há muito que ela tinha aprendido a ceder um pouco desse controle à Guilherme. E
sinceramente, tinha aprendido a gostar disso também. Claro que ela ainda era a mesma, mas deixar o
homem que amava tomar as rédeas no sexo, não era uma coisa ruim, pelo contrário.
Guilherme se deleitava com cada centímetro da pele de Márcia enquanto ela era revelada pela
camisa aberta. Quando ele percorreu o tecido pela pele macia, ela se arrepiou. Seus seios ficaram
entumescidos fazendo a renda do sutiã branco ficarem sobressaltadas. Depois de soltar a blusa,
Guilherme tocou com os polegares os mamilos sobre a renda, enquanto beijava sua mulher
apaixonadamente.
Márcia gemeu contra sua boca e tentou puxar Guilherme, mas ele, já prevendo o que ela faria, se
afastou.
— Ainda não terminei de tirar sua roupa.
— Está demorando muito, faça ou eu mesma farei. — ela disse com um sorriso malicioso.
— Ah não, juíza, você não vai me tirar esse prazer. — ele disse a encarando e sorrindo
lascivamente.
Guilherme colocou as mãos nas costas de Márcia e abriu o fecho do sutiã. Márcia abaixou os
braços para se ver logo livre da peça e quando ele começou a beijar seu pescoço e descer pelo seu
ombro, ela entrelaçou os dedos em seu cabelo. Quando a boca de Guilherme tocou e sugou seu
mamilo, Márcia arqueou gemendo baixo, mas ele parecia realmente não ter pressa. Enquanto sugava
um mamilo, beliscava o outro, alternando a boca entre eles até que os gemidos de Márcia
aumentassem. Só então ele, depois de se ajoelhar diante dela, começou a soltar o botão da saia.
Depois de se livrar da peça, Guilherme beijou a púbis dela, enquanto se livrava das meias 7/8ºs,
deslizando as mãos grandes pelas pernas dela, deixando Márcia ainda mais arrepiada, fazendo sua
respiração acelerar. Quando ele tirou sua calcinha e passou a língua em seu sexo, um gemido alto
escapou da sua boca, mas antes que Guilherme pudesse saboreá-la de verdade, foi a vez de ela se
afastar.
— Ah não, doutor. Agora é minha vez.
Guilherme deu um sorriso e se levantou.
— A vontade.
Márcia, afim de torturar um pouco ele, se afastou e foi desligar a banheira antes que a coisa
transbordasse e inundasse todo apartamento. O que ela pretendia, levaria tempo.
Quando ela parou diante de Guilherme, ele colocou as mãos atrás da cabeça e observou enquanto
ela desabotoava a sua bermuda cargo. Ele precisou conter um grunhido, porque ao mesmo tempo que
ela se livrava da roupa dele, sua língua passeava por seu abdômen.
Ela não demorou, como ele, a se livrar das peças de roupa, mas assim que o membro de
Guilherme saltou ereto da cueca boxer, ela o abocanhou. Guilherme grunhiu e se apoiou na bancada
da pia, enquanto Márcia o levava até a garganta e depois tirava ele todo da boca, deixando sua
ereção totalmente úmida antes de voltar a abocanhar novamente.
Porra! Guilherme adorava a forma como ela o chupava, o prazer era tão indescritível que ele
sequer conseguia raciocinar, só conseguia sentir. E por isso ele não a interrompeu. Não era uma
disputa de quem tinha o controle. Eram os dois, unidos, um querendo dar prazer ao outro, se
preocupando com o parceiro e não consigo mesmo. E naquele instante, era a vez de Márcia agradá-
lo. Ele aguardaria pacientemente sua vez.
Márcia continuou chupando Guilherme, enquanto massageava de leve suas bolas, e quando o seu
membro pulsou em sua boca ela sorriu e começou a masturbá-lo ao mesmo tempo que sugava e não
demorou muito para ela sentir o sabor do gozo dele em sua boca.
Mal ela havia levantado e Guilherme a puxou contra si, beijando sua boca antes de segurar em
sua bunda e erguê-la. Ele caminhou com ela até a banheira, colocando-a sentada na borda enquanto
ele ficava dentro da água, ajoelhado diante das pernas dela. Guilherme a beijou demonstrando toda
sua saudade antes de encarar seus olhos azuis e sorrir.
— Minha vez de matar a saudade.
Márcia mordeu a boca de Guilherme, antes de ele descer e mais uma vez saborear seus seios,
mas dessa vez ele não se demorou muito. Continuou seu caminho até o centro das coxas dela e as
afastou antes de começar a saborear seu sexo rosado, que brilhava com a própria umidade. Ela abriu
as pernas, dando a ele mais acesso e entrelaçou os dedos de uma das mãos no cabelo dele, se
apoiando com a outra, enquanto se entregava as sensações que a boca e a língua de Guilherme a
proporcionavam. Márcia rebolava e se remexia e aquela entrega só o deixava ainda mais maluco e
faminto por ela. Quando o corpo dela estremeceu, ele aumentou os movimentos da sua língua até que
Márcia gritava e gemia. Mas antes que o corpo dela relaxasse de vez, ele se sentou e a puxou para o
colo dele, fazendo sua ereção se encaixar no sexo escorregadio dela. Guilherme grunhiu ao sentir o
encaixe e Márcia apoiou as mãos nos ombros dele e cavalgou, enlouquecida e apaixonada, feliz de
estar dando prazer ao homem que amava.

Depois de se perderem nos braços um do outro por mais de uma hora, Guilherme arrumava a
mesa, enquanto Márcia servia as duas taças de vinho. Ela provou um gole da sua bebida favorita,
suspirando ao sentir o sabor.
— Está bom?
— Perfeito, assim como tudo. — mais uma vez ela mordeu a boca de Guilherme.
Desde o primeiro contato deles, a mordida tinha se tornado um carinho entre os dois. Quase uma
marca registrada. As primeiras mordidas não foram nada carinhosas, mas logo eles passaram a gostar
daquele gesto.
— Eu estava morrendo de saudade. — ele a beijou — Não vou ficar longe de você tão cedo.
— Acho bom, doutor, porque eu também não gosto nem um pouco.
Ele sorriu com aquela declaração e a puxou para um beijo antes de se acomodarem nas
cadeiras. Durante o jantar eles conversaram muito, riram, brincaram. Cada um contou em detalhes o
que havia acontecido quando estavam longe, e falar de trabalho, era o assunto favorito dos dois. O
amor que sentiam pela profissão, as ideias em comum, a sede de justiça.
Quando terminaram o jantar, eles seguiram para o quarto, ambos cansados, mas não a ponto de
não se perderem nos braços um do outro mais uma vez.

***
No domingo, Guilherme levou Márcia para almoçar na casa da sua mãe. A família toda estava lá
e enquanto observava o sobrinho, filho de Gabriel, correndo e brincando com as filhas de Wagner,
ele não conseguia parar de se perguntar se um dia teria seu próprio filho. Era algo que ele queria,
com certeza, e algo que Márcia não pensava tão cedo. Isso era um impasse entre eles, além do fato de
ela não querer se casar. Claro que os dois já moravam juntos há mais de seis anos, mas enquanto ele
queria oficializar as coisas, ela dizia que estava bom daquele jeito.
Enquanto estava perdido em pensamentos, não percebeu quando Gabriel e Wagner se
aproximaram.
— Terra para Gui. — Wagner falou o empurrando com o ombro. O primo, praticamente 100%
recuperado da sua lesão, já não precisava de ajuda ou apoio para se locomover.
— E aí.
— No que estava pensando? — perguntou Gabriel, sério e preocupado.
Sempre o mesmo. — Guilherme, pensou antes de sorrir.
— Só estava observando as crianças.
— Está na hora de você fazer o seu, colocar mais um Goulart no mundo. —Wagner disse.
— Bem que eu queria, mas…
— Mas a Márcia não quer. — Gabriel completou.
— É, ela diz que ainda não é a hora.
— A juíza é independente demais pra se ver presa a uma criança.
— Cara, em que século ela vive? Existem babás, creches, casa dos tios… — Wagner completou
sorrindo.
— Verdade. — Gabriel concordou, ainda estudando a reação de Guilherme.
— Bom, enquanto eu não tenho os meus, vou curtir os sobrinhos. — o promotor disse antes de se
afastar e ir até o sobrinho, chamando o menino e as meninas para jogarem bola.
E assim se passou o domingo, ele se sentiu grato e feliz por poder passar um tempo ao lado da
mulher que amava e de sua família, que graças a Camila e Monique estavam maiores.
Enquanto voltavam para casa, Guilherme estava quieto e pensativo e Márcia não ficou alheia a
isso.
— Não vamos ter essa discussão de novo, não é?
— Que discussão? — ele desviou rapidamente o olhar do transito para encará-la.
—Filhos.
— É você quem está tocando no assunto.
— Porque eu sei bem onde anda essa sua cabecinha. Todo mês, quando almoçamos com sua
família e você fica com as crianças, na volta você está calado. Então eu pergunto o que foi e
pronto… começamos a discussão.
— Não vamos discutir, até porque você sabe o que eu penso e quero, mas continuo respeitando o
que você quer.
Márcia respirou fundo.
— Acho que esse é o nosso maior impasse.
— Não só esse. Eu ainda quero casar com você. — ele pegou a mão dela e beijou — Mas não
vamos discutir por isso também.
Os dois realmente não brigaram, mas o silêncio permaneceu entre eles, até depois de já estarem
deitados e abraçados em sua cama. Guilherme demorou a adormecer, perdido em pensamentos e se
perguntando se algum dia Márcia iria ceder, sobre um assunto ou sobre outro.

***
Márcia não tinha conseguido se concentrar muito no trabalho naquele dia, apesar de passar as
horas lendo alguns processos. A verdade era que ela não gostava do clima estranho que havia ficado
entre ela e Guilherme. Eles passaram tantos dias longe, que não fazia sentido ficar daquele jeito. Ela
até o entendia, Guilherme era um homem romântico, que tinha sonhado a vida toda com a família de
comercial de margarina, mas acabou se apaixonando pela mulher errada. Nesse caso, ela. Márcia
cuidou de Camila quando ela era criança, a criou como uma filha, mas aquela altura da sua vida, ela
não se via com um bebê. Não mesmo. Fraldas, chupetas, mamadeiras, noites mal dormidas. Nada
disso era para ela. No entanto se fosse para fazer Guilherme feliz e dar a ela alguma paz de espírito,
ela já sabia como resolver isso. Sua irmã sempre falava que em um relacionamento um tinha que
ceder de vez em quando, e nesse caso seria ela. Não podia dar a Guilherme o filho que ele queria,
mas casar… isso ela podia.
Sorrindo e decidida, ela decidiu ir para casa. Quem faria a surpresa da noite seria ela, e
certamente Guilherme ficaria feliz quando ela dissesse finalmente que aceitava se casar com ele.
Mas o que ela não contava, era que Guilherme também adorava uma surpresa, então apareceu no
escritório de Márcia no fim daquela tarde, e quando entrou sem bater foi direto até ela e a fez
levantar antes de abraçá-la e beijá-la.
— Não gosto dessa distância entre nós, então decidi fazer uma surpresa e diminuir ela.
— Cheio das surpresas doutor, mas eu adorei. — ela mordeu a boca dele — Eu também estava
planejando uma, mas como você se adiantou e veio aqui, e eu não sou do tipo romântica… —
enquanto ela falava, ele a encarou.
— Você não está…?
— Não. — ela não pôde evitar sorrir com a expectativa dele — Mas você pode dar entrada na
papelada do casório.
O rosto de Guilherme se iluminou e ele a rodopiou antes de beijá-la mais uma vez.
— Está falando sério?
— Estou sim, em breve serei Márcia Braga Goulart.
— Minha juíza.
— Sua eu já sou.
— Mas agora o mundo saberá. — ele a beijou novamente — Isso pede uma comemoração.
Vamos jantar em um dos seus restaurantes favoritos.
— Ótima ideia.

Os dois estavam felizes, apesar do tempo chuvoso e escuro.


A alegria de Guilherme não cabia no peito e durante todo trajeto ele segurava a mão de Márcia e
acariciava. Ela por sua vez, estava estranhamente bem. Nunca se imaginou casando, usando o nome
de outra pessoa. Sempre foi Márcia Braga, nome da sua mãe, mas a ideia de ter Goulart no
sobrenome a deixava surpreendentemente feliz.
Guilherme era um misto de surpresa e alegria. Apesar de querer e não ser do tipo que desiste,
ele sabia que aquela batalha sobre casamento e filhos estava longe de acabar. Tinha esperança que
um dia, acabaria convencendo ela a se casar com ele. O que ele jamais poderia imaginar era que ela
cederia de uma hora para outra.
De repente, convencê-la de ter um filho, não seria assim tão difícil, afinal. — pensou ele.
Estavam, cada um perdido no próprio pensamento feliz, quando um vulto surgiu diante do carro.
A chuva atrapalhou a visão de Guilherme, o carro girou varias vezes, derrapando no chão molhado,
mas por sorte ele conseguiu desviar do alvo. Quando o carro parou, desesperado, ele tocou Márcia
para verificar se ela tinha se machucado. Os dois estavam bem, pois estavam com cinto, mas quando
ele olhou pelo retrovisor, viu um corpo, inerte no asfalto molhado.
Droga, era uma criança!
— Merda! — ele grunhiu enquanto saía do carro, seguido por Márcia.
Os dois correram até o corpo e verificaram que era uma menina. Ela estava suja, os cabelos
loiros enlameados, o vestido rasgado e tão sujo quanto ela.
— Meu Deus. O carro bateu nela? Eu a atropelei!
— Não, ela deve ter desmaiado com o susto. — Márcia o confortou.
— Temos que levá-la ao hospital. — ele disse.
— Melhor chamar a emergência.
— O hospital está há duas quadras. A gente chega lá mais rápido que o socorro chega aqui.
Relutante Márcia concordou e enquanto Guilherme pegava a menina no colo e sentava no banco
de trás, ela assumiu o volante. Em menos de três minutos chegaram à entrada de emergência e com a
menina no colo, ele entrou, pedindo ajuda. Por sorte não demorou muito para dois enfermeiros
aparecerem com uma maca e colocarem a menina, antes de começar os primeiros socorros.
Eles faziam as perguntas de praxe, que, infelizmente, nem Márcia nem Guilherme conseguiam
responder. Nem mesmo o nome dela sabiam.
— Certo, esperem aqui. Alguém já vem falar com vocês e temos que avisar a polícia.
— Já avisei. — ele mentiu, mas o fato era que desde que entrou no carro com aquela menina no
colo, pensou em ligar para Gabriel.
Assim que os enfermeiros levaram a menina, ele discou para o irmão que não demorou a
aparecer. Depois de explicarem a história, Gabriel se comprometeu a descobrir quem era aquela
menina e depois seguiu para a administração do hospital para ver se eles sabiam de alguma coisa.
Guilherme estava nervoso, andando de um lado para outro. Apesar de, no fundo, ele saber que
não tinha de fato atropelado a menina e Márcia ter confirmado isso, não deixava de se sentir culpado.
E a cada minuto que se passava aquela ansiedade aumentava.
Ele não saberia dizer a eternidade que se passou até que uma médica viesse com uma assistente
social falar com eles.
— Quem veio com a menina loirinha sem nome?
— Eu. — Guilherme respondeu rápido demais e Márcia se juntou a ele.
— Nós trouxemos.
— E você quem é? — a doutora olhou por cima do ombro de Guilherme, se dirigindo à Gabriel
que até então seu irmão não tinha notado a presença.
— Sou o investigador Goulart, estou aqui porque meu irmão a trouxe.
— Ah, ótimo, precisamos mesmo da polícia.
— O que houve?
— Bom, ela está desacordada ainda. Há sinais de violência e abuso. Ela também está desnutrida.
Acreditamos que ela tenha oito ou nove anos, mas não temos certeza.
Enquanto a médica falava, os ossos de Márcia pareciam gelar sob sua carne.
— Acreditamos que ela tenha desmaiado com o susto, porque está fraca.
— Podemos vê-la? — Guilherme pediu.
A médica e a assistente social se entreolharam, mas antes que pudessem responder a juíza se
antecipou.
— Prazer, sou a juíza Márcia Braga. Consigo uma autorização para podermos vê-la em quinze
minutos, mas acho que podemos pular essa burocracia, não?
— Claro. — A assistente social concordou, sem hesitar. Conhecia bem a fama daquela juíza e se
criticou por não tê-la reconhecido imediatamente. Era uma fã incondicional do trabalho da mulher.
Em poucos minutos a juíza e os irmãos Goulart estavam dentro do quarto do observando a
menina, que agora estava limpa e com uma camisola do hospital.
— O que vamos fazer? — Guilherme perguntou.
— Já tenho gente verificando se existe algum cadastro de desaparecimento dela. Se não
acharmos, vamos procurar nos arredores do acidente e na internet, qualquer boato sobre uma menina
desaparecida ou fugida. Será complicado, mas contamos com a tecnologia a nosso favor.
Márcia se aproximou e observou a menina. Havia marcas nos pulsos e tornozelos dela, como se
ela tivesse sido amarrada, os joelhos também estavam feridos e havia um corte nos lábios. Seu corpo
estremeceu.
— Desgraçado.
— Vamos pegá-lo. — Gabriel afirmou entre os dentes — Quem quer que ele seja.
— Infelizmente, na maioria dos casos é alguém próximo.
Eles ainda conversavam quando a menina acordou. Primeiro ela piscou algumas vezes tentando
fazer seus olhos se acostumarem a iluminação, em seguida ela olhou ao redor e quando viu os três
estranhos, se encolheu, apavorada. Os dois homens que conversavam com a moça loira, eram
enormes, pareciam policiais. Ela precisava fugir dali, não podia voltar, não queria e os PMs a
levariam de volta. Tentou se levantar e se sentiu tonta. Se apoiou nos braços e então sentiu a dor na
parte de dentro do cotovelo. Só então percebeu a agulha espetada nela com um tubo fino e
transparente que levava a uma bolsa de soro. Sabia que estava em um hospital tomando soro. Não era
a primeira vez, na verdade já tinha perdido as contas de quantas vezes ela ou a mãe precisaram ser
levadas ao hospital as pressas. Lembrar da sua mãe fez seus olhos se encherem de lágrimas, mas ela
não tinha tempo para chorar. Tinha que sair dali antes que percebessem que ela tinha acordado, antes
que ligassem para seu pai…
Mas assim que tentou se levantar novamente, caiu chamando atenção dos três.
Guilherme imediatamente correu para ajudar, mas quando ele chegou perto a menina gritou e se
encolheu.
— Guilherme, não!
Mas era tarde demais. Guilherme já estava com a menina no colo. Ela ficou tensa e o corpo ficou
duro, mas com cuidado, ele a colocou sobre a cama ajeitando o corpo dela sobre o travesseiro, antes
de cobri-la.
Márcia se encheu de orgulho e carinho por aquele homem, que mal conhecia a menina, mas já
estava tratando ela com o cuidado que ela merecia.
— Fique calma, pequena, ninguém aqui vai te fazer mal, ok? E nós… — ela se juntou a
Guilherme e segurou a mão dele, para a menina ver que estavam juntos — não vamos deixar mais
ninguém machucar você.
Márcia não soube dizer de onde veio aquilo, mas era a mais pura verdade. Ninguém nunca mais
a machucaria.
— Não vamos mesmo. — Guilherme confirmou.
A menina encarou Márcia por alguns segundos. Não conhecia aquela mulher, não fazia ideia de
quem ela era, mas algo dentro dela relaxou. Soube, através do olhar, que podia confiar nela e que, se
ela tinha dito que ninguém ali a machucaria, ninguém ia machucá-la.
Márcia sentiu a conexão, então segurou a mão dela e sorriu.
— Está bem? Se machucou? — a menina negou — Sabe seu nome? — e ela confirmou com uma
ceno de cabeça — Qual seu nome?
Mas em vez de responder a menina apenas abaixou o olhar e abraçou as pernas.
— Ela é muda? — Gabriel perguntou.
— Não. — Guilherme respondeu.
— Gabriel, vá chamar a médica e a assistente social, por favor. — Márcia pediu.
— Tudo bem.

Quando a assistente social entrou, acompanhada da médica e de uma psicologa, o irmão de


Guilherme não estava com elas. As mulheres se aproximaram da cama onde a menina estava, e ela as
encarava com os olhos arregalados e a desconfiança espantada no olhar.
Não era padrão permitir que outras pessoas permanecessem no quarto, mas nem a assistente
social, nem a médica pediram para Márcia e Guilherme saírem, então eles permaneceram.
Enquanto a médica examinava a menina e as outras mulheres faziam perguntas que não eram
respondidas verbalmente por ela, o promotor observava. Guilherme sentiu um misto de sentimentos
percorrerem suas veias. Como alguém podia fazer mal a uma criança daquele tamanho? Como alguém
podia fazer mal a qualquer criança?
Crianças deveriam ser cuidadas, protegidas, amadas. E aquela, assim como a sua Márcia, estava
quebrada, ferida, magoada. Ele quase podia ver uma menina loira e doce, de olhos assustados, como
os daquela, tendo que crescer e ser forte, para cuidar da irmã mais nova. Márcia e Camila eram
guerreiras, sobreviventes, e ele tinha esperanças que aquela menina também fosse.
Quando a psicologa perguntou de a menina tinha irmãos, a atenção de Guilherme foi novamente
capturada. Ela balançou a cabeça negativamente, e o promotor soube que, aquele alívio que sentiu foi
por saber que, quem quer que fosse o monstro que tivesse machucado aquela menina, não estava
machucando outra criança.
Demorou uma eternidade até que as mulheres se afastassem da criança, quando elas saíram do
quarto, Guilherme e Márcia as acompanharam.
— Ela está muito traumatizada, mas fisicamente, está melhorando. Uma boa alimentação, e
cuidado e ela fica saudável. Acredito que mais uns poucos dias no hospital e ela já pode ter alta.
— Já a parte psicológica, — a psicologa disse — vai ser um trabalho longo, mas acho que ela
vai ficar bem.
— Se não acharmos a família dela, vamos encaminhá-la para um lar provisório, até que alguém
queira adotá-la.
Guilherme não saberia dizer porque aquelas mulheres estavam esclarecendo as coisas para eles,
mas ficou feliz que elas o fizeram.
— Obrigada. — Márcia agradeceu — Assim que o investigador Goulart tiver alguma novidade
sobre a família dela, ele avisa a você. — ela disse à assistente social.
—Sim, conheço a fama dele, de todos vocês, fico feliz porque sei que com vocês empenhados,
as coisas vão se resolver.
Enquanto elas falavam, a mente de Guilherme era um turbilhão. Ele ficou imaginando como seria
a vida daquela menina indo para um orfanato, esperando sabe-se lá quanto tempo até encontrarem
uma família adotiva para ela.
Ele, sem ninguém notar, voltou para o quarto, mas ela estava dormindo.

***

No dia seguinte, Márcia foi para o tribunal e Guilherme voltou ao hospital. Queria ver como a
menina estava, se tinha dormido bem. Não tinha conseguido dormir direito, pensando na criança.
Quando ele entrou no quarto ela ainda dormia, então ele decidiu ir ver com as enfermeiras como
ela havia passado a noite. Não gostou de saber que ela teve muitos pesadelos a ponto de terem que
dar uma leve dose de calmante a ela.
Assim que ele entrou no quarto sorriu ao ver que a menina comia um pode de iogurte como se
fosse a primeira vez que experimentasse. No instante que ele entrou ela parou com a colher na
metade do caminho e o encarou por um tempo.
— Está gostoso? — ele perguntou, abrindo seu sorriso mais sincero e encantador.
Sem querer a menina se pegou dando um leve sorriso também. Depois balançou a cabeça
afirmativamente, antes de voltar a comer.
— Se quiser mais, posso pedir para trazerem pra você.
A menina olhou a bandeja com frutas, bolo, pão e suco. Aquilo era um banquete para ela, mesmo
assim ela balançou a cabeça dizendo que queria mais iogurte.
— Deixa comigo. — Guilherme sorriu e saiu, seguindo em direção a sala de enfermagem.
Quando ele voltou, com dois potes de iogurte, uma enfermeira estava ao lado da cama, medindo
a temperatura dela. Assim que ela saiu, Guilherme perguntou:
— Você sabe escrever?
A menina negou com a cabeça.
— Aqui, trouxe mais. — ele entregou a menina os potes que estava escondendo nas costas.
Ela abriu um dos iogurtes com pressa e logo começou a comer, suspirando depois de dar a
primeira colherada.
— Hum... — Guilherme passou a mão no queixo, pensativo — Ei, que tal, enquanto você come o
iogurte a gente fazer um jogo? — a menina franziu a testa e ele explicou — Vamos tentar adivinhar
seu nome, que tal?
A menina ergueu só uma sobrancelha e já ia negar, quando ele a interrompeu.
— Ah, vai der divertido… Deixa eu ver… você tem cara de Sebastiana. — a menina fez uma
careta e negou com a cabeça — Hum, não… e que tal Georgina. — ele ganhou mais uma careta. —
Também não… e que tal Elsa. — dessa vez a menina riu, ainda que continuasse negando.
Márcia, que havia entrado em silêncio, observava a cena. Sabia que Guilherme estaria no
hospital, por isso, quando terminou de resolver o que precisava, foi direto para lá. A juíza se pegou
sorrindo, quando a menina começou a rir enquanto Guilherme falava nomes esquisitos, alguns que
ela sequer tinha ouvido na vida. Mas ela sabia que ele os estava inventando, e o fato de aquilo
arrancar risadas da menina, a fez amar o doutor mais um pouco. A juíza deu uma risada com o ultimo
nome estranho pronunciado por Guilherme o que fez com que ele e a menina finalmente a notassem
ali.
— Acho que esse nome nem existe.
— Claro que existe, mas a nossa amiguinha aqui tem sorte do nome dela não ser esse. — ele
puxou Márcia e acariciou seu rosto, olhando em seus olhos com tanto amor e carinho que a menina
sorriu com aquele gesto.
Nunca tinha visto seu pai tratar sua mãe daquela forma, era sempre com gritos, raiva, isso
quando não estava batendo nela. Os olhos da menina se encheram de lágrimas, que ela tratou de secar
rapidamente e voltar a saborear seu iogurte.
— Vamos continuar… — Guilherme disse — O que você acha querida ela tem cara de que? Ah,
nome das princesas não adianta, já falei todas.
— Joana? — Márcia perguntou e a menina negou. — Fabiana? Jussara? Gabriela…
A cada nome ela negava. Guilherme olhou para ela e sorriu.
— Ana? Letícia? Mariana?
Ela fez que sim e abriu um sorriso largo.
— Mariana? — Márcia perguntou e ela negou.
— Letícia! — Guilherme falou como se tivesse obvio, como se o nome tivesse estampado em
seu rosto e só agora ele conseguisse enxergar.
A menina sorriu e voltou a comer.

Nos dias que seguiram, Guilherme a visitava todos os dias, sempre levando para ela iogurte e
mesmo que ela não falasse, eles haviam aprendido a se comunicar. Por isso ele descobriu que ela
adorava unicórnios e já havia providenciado um de pelúcia para ela. Letícia dormia com o bicho,
agarrada, como se de alguma forma magica aquele brinquedo a protegesse. Sem contar algumas
poucas peças de roupas.
Com isso quase um mês havia se passado.
Em uma manhã, Guilherme e Márcia chegaram juntos ao hospital por volta das dez da manhã,
mas antes que pudessem entrar no quarto, a assistente social os parou.
— Oi.
— Está tudo bem com a Letícia? — Guilherme perguntou preocupado.
A mulher sorriu.
— Está sim, a visita de vocês tem feito muito bem a ela. E também ela já ganhou algum peso,
então decidimos que está na hora de ela sair desse hospital.
— Para onde vão mandá-la?
— Tem um lar aqui perto, ela estará bem assistida e eu mesma irei lá vê-la todos os dias.
Guilherme sentiu o peito apertar. Tinha se afeiçoado a menina e mesmo que soubesse que aquele
dia chegaria, não estava pronto para se afastar dela. E por isso que ele puxou Márcia pelo braço,
pedindo licença e cortando o que a assistente social falava.
— O que foi?
— Márcia, preciso de um favor. Bem, não é bem um favor, mas é…
— Desembucha logo, Guilherme.
Ele encarou a mulher que amava. Ele sabia que se ela negasse seu pedido, ele tinha
conhecimento e autoridade suficiente para fazer o mesmo a outro juiz. Mas se ela se recusasse, eles
teriam um problema. Márcia não poderia negar, eles moravam juntos, tinham falado sobre casamento,
mas depois do acidente não tocaram mais no assunto. E ele não podia deixar a menina ir para um
orfanato. Não deixaria. Eles estavam se dando tão bem.
— Eu posso cuidar dela. Não posso deixar ela ir para um orfanato depois de tudo que ela
passou. Letícia precisa de carinho, de cuidado, proteção. Ela precisa de mim… de nós. Você pode
resolver isso em quinze minutos, eu levo ela para minha casa, minha mãe pode vir ajudar e…
Enquanto ele falava, Márcia segurou sua pasta e a abriu, sem encarar Guilherme começou a
remexer em alguns papéis.
— Márcia, você está me ouvindo?
— Não sou surda, doutor. — ela fingiu estar brava, mas enquanto falava estendeu um papel para
ele.
Guilherme franziu a testa sem entender até que começou a ler o que estava escrito. A cada linha
lida, seus olhos se arregalavam e um lindo sorriso se abria em seu rosto.
— Eu vi como você se apegou a ela, e confesso que eu também, ela me faz lembrar… a mim. —
Márcia suspirou — Eu ia conversar com você mais tarde sobre isso, na hora do jantar, mas parece
que não tivemos tempo.
Guilherme deixou de lado sua pacacidade, o jeito reservado de Márcia e envolveu seus braços
na cintura dela a erguendo e a beijando apaixonadamente, chamando atenção das pessoas que
estavam próximas ao corredor daquele hospital
— Calma. Me solta. — ela pediu sorrindo, depois de retribuir o beijo — Guilherme, você
entende que isso é uma guarda provisória, certo? Se alguém da família dela aparecer, se algum
parente reivindicar a guarda…
— Eu sei, eu sei. — ele sorriu — Contanto que ela esteja bem, e feliz, tudo bem.
— Concordo. — Márcia passou a mão no rosto dele e sorriu — Vamos, vamos dizer à assistente
social que ela vai para casa conosco.
A alegria de Guilherme mal cabia em si, o sorriso que ele exibia era o mais sincero que alguém
poderia dar. Se antes, ele já sabia que Márcia era a mulher da sua vida, naquele instante ele teve
certeza, inclusive se recriminou por ter pensado diferente, mas não tinha tempo para pensar muito
sobre aquilo.
Guilherme se aproximou da cama e segurou na mão de Letícia e continuou exibindo seu sorriso.
— O que você acha de ir para minha casa? — a menina arregalou os olhos e depois de uns
segundos abriu um largo sorriso — Quer dizer, minha e da Márcia. Você vai ficar com a gente até
encontrarmos sua família.
Letícia não prestou atenção na parte final. Na verdade ignorou, não queria que encontrassem
ninguém. Àquela altura já tinha aprendido a confiar neles, gostava muito do casal e pensava que
talvez, só talvez, ela pudesse morar em uma casa normal, com pessoas normais.
— Você gosta da ideia, Letícia? — a assistente social perguntou depois de ler a papelada que a
juíza havia entregado a ela.
A menina balançou a cabeça repetidamente, sorrindo antes de abraçar bem apertado o pescoço
de Guilherme.
— Acho que isso é um sim. — a psicologa brincou.
— Bem, então é isso, vocês vão receber uma visita minha eventualmente e da assistente social
de vez em quando, para a gente acompanhar Letícia.
— Estou ciente do procedimento. — Márcia disse amigavelmente.
Letícia desceu da cama animada, pegou a mochila nova com as roupas que Guilherme havia dado
a ela, e escolheu uma para vestir. Ela estava ansiosa, nervosa. Estava torcendo para que aquilo desse
certo e que eles gostassem dela, morando com ela. De repente a menina parou diante do espelho e
arregalou os olhos.
E se não gostassem? — ela pensou.
A ideia apavorou a menina. Os pais não se davam bem, Letícia ouvia repetidas vezes o pai dizer
que a culpa daquilo tudo era dela, mesmo que ela não entendesse o porque. E se realmente fosse
culpa dela, se Márcia e Guilherme começassem a brigar por causa dela e ela estragasse aquilo
também?
— Letícia, tudo bem? — Márcia perguntou entrando.
A menina já estava no banheiro há quase vinte minutos e quando ela viu como ela estava,
assustada, diante do espelho se encarando, entendeu o que ela sentia.
— Ei… — ela parou atrás da menina e acariciou seu cabelo — está tudo bem. Vai ser divertido,
vai ser legal e se você não gostar de morar com a gente, podemos ver outra casa.
Letícia balançou a cabeça negativamente e virou rápido, abraçando a juíza, que retribuiu o
abraço e então falou:
— Nada do que aconteceu antes foi culpa sua, criança. Absolutamente nada. Eu sei como você se
sente.
Letícia levantou a cabeça e encarou a mulher, um pouco incrédula. Como ela poderia saber? —
pensou.
— Os adultos são aqueles que devem proteger, amar e cuidar das crianças, qualquer coisa
diferente disso, a culpa é do próprio adulto, entendeu? — a menina concordou — Então agora vamos,
tem coisas gostosas esperando por você lá em casa. — ela bagunçou o cabelo da menina e sorriu
antes de sair.
Quando Márcia saiu do banheiro, Guilherme se aproximou preocupado.
— Está tudo bem, ela já vem. — ela o garantiu e apertou sua mão de leve.

Enquanto caminhavam pelo corredor do hospital, Guilherme e Letícia seguravam um na mão do


outro com um pouco mais de aperto do que o necessário. A ideia de que a qualquer momento um
parente dela fosse aparecer e levá-la, o consumia. Ele teria que entregar, não havia nada que ele
pudesse fazer a respeito.
Para Letícia o medo era o mesmo, mas o problema é que ela não queria ir. Nunca mais queria ver
nenhuma daquelas pessoas que ela conhecia desde criança. Nunca mais!

***
Assim que Márcia abriu a porta do apartamento um cheiro delicioso saiu de lá. Isso fez o
estomago de Letícia roncar e ela tinha tomado um belo café da manhã no hospital. Assim que a porta
se fechou, Joana, a mãe de Guilherme, apareceu sorrindo, secando as mãos no pano de prato.
— Onde está ela?
Letícia que ainda segurava a mão de Guilherme, apertou um pouco a mão dele, mas diante do
sorriso daquela mulher, ela relaxou. Ela tinha o mesmo sorriso de Guilherme. Bonito, largo,
amigável… Ainda assim, ela olhou para Márcia, que assentiu, e depois para Guilherme. Ele se
abaixou, ficando de joelhos na altura dela e sorriu.
— Letícia, essa é minha mãe Joana. Ela adora crianças e é uma ótima quituteira. Tenho certeza
que ela fez coisas deliciosas e com muito açúcar pra gente comer.
— O que vai me custar algumas horas a mais de treino e academia amanhã. — Márcia
completou, sorrindo.
— Você quer vir ver o que eu preparei? — Joana perguntou oferecendo a mão à menina.
Antes de aceitar, Letícia olhou para Guilherme e quando ele sorriu e a incentivou, segurou a mão
da gentil senhora e a seguiu para cozinha. Conforme ela ia se aproximando do cômodo, os cheiros
deliciosos iam ficando ainda mais fortes.

Assim que se viu sozinho com Márcia, Guilherme a puxou contra seu corpo e a beijou com
paixão.
— Você cuidou de tudo, não foi, minha juíza? A papelada, minha mãe… ouso até dizer que
provavelmente já mudou algumas coisas no quarto onde ela vai dormir.
Márcia sorriu e mordeu a boca de Guilherme, puxando um pouco seus lábios.
— Mais ou menos. Não quero ela no quarto de hóspedes. É longe do nosso e ela poderia ficar
assustada. Falei com Camila e ela vai ficar no antigo quarto dela, até… Bem, até as coisas se
resolverem. Pedi sua mãe apenas para comprar um jogo de cama infantil e também uma televisão
nova, porque a de lá estava queimada. Provavelmente está lá, na caixa e precisa ser instalada.
Guilherme sorriu e a beijou novamente.
— Farei isso, assim que a gente conseguir parar de comer as coisas que a minha mãe fez.
Os dois sorriram e seguiram para a cozinha.
— Ah, pensei em mais tarde irmos ao shopping, não sei quanto tempo ela vai ficar conosco, mas
a quantidade de roupas que tem naquela mochila não é o suficiente, fora que ela vai poder escolher o
que gosta de vestir.
— Ótima ideia. — Márcia disse e o beijou suavemente enquanto entravam no comodo onde
Letícia devorava um delicioso pedaço de pudim de leite.

***

Dois meses haviam se passado. A rotina de Guilherme e Márcia estavam completamente


diferente com uma criança sob responsabilidade deles, mas os dois estavam mais do que felizes e
administrando tudo muito bem, com uma pequena ajuda da mãe de Guilherme. Letícia também estava
vivendo uma experiência nova, sendo cuidada, protegida, e amada, inclusive havia sido abraçada por
toda família.
No primeiro almoço de domingo dos Goulart que ela foi, todos estavam nervosos, ainda que ela
já conhecesse algumas pessoas. Letícia parecia tensa e ainda mais acanhada, mas assim que foi
apresentada as filhas de Wagner, ela se soltou. Guilherme não saberia descrever a felicidade de ver
aquela menina com sua família. Era como se ela tivesse nascido para estar ali.
Em uma manhã, estavam os três, quase prontos para sair, quando a campainha tocou. Letícia
estava sentada na poltrona, com o uniforme da escola que ela estava frequentando há pouco mais de
um mês e Márcia ainda estava no quarto, quando Guilherme apareceu, finalizando o nó da gravata.
— É o meu irmão, ele é o único que vem aqui e não é anunciado pelo porteiro. — ele disse a
menina antes de segurar a maçaneta — A tia Camila, tem a chave. — ele piscou para a menina e
abriu a porta.
A cara de Gabriel não era boa. Não que seu irmão não fosse carrancudo o tempo todo, mas ele
parecia especialmente tenso naquele dia.
— Aconteceu alguma coisa? — Guilherme perguntou antes mesmo de dar bom dia.
Gabriel olhou a menina sentada no sofá por cima do ombro do irmão. Ela sorriu, afinal já o
conhecia e estava até certo ponto acostumada com ele. Quando o investigador sorriu, ela viu a
semelhança entre os dois, apesar de Guilherme fazer aquele simples gesto com muito mais
frequência.
— Oi, princesa. — Gabriel cumprimentou-a de longe, depois voltou sua atenção novamente ao
irmão — Podemos conversar no escritório?
— Claro. — Guilherme seguiu para o comodo — Agora diga, o que houve?
— Achamos o pai da Letícia.
Aquela notícia fez todos os ossos do corpo de Guilherme gelarem. Racionalmente ele sabia que
aquilo poderia acontecer a qualquer momento. Emocionalmente? Ele não estava preparado para isso.
Não estava pronto para dizer adeus a Letícia, não estava pronto nem mesmo para um até logo.
— Como? Quem?
— Sabíamos que esse dia podia chegar. — Márcia disse, entrando no escritório. O semblante
dela era tão trite e decepcionado quanto o de Guilherme.
Ela tinha cuidado de Camila desde muito nova, foi uma experiência única e muito dura. Com
Letícia era diferente. Ela era uma mulher estável, com uma carreira brilhante e um companheiro
perfeito. E mesmo que Letícia só estivesse com eles há pouco mais de dois meses, ela já se via como
mãe da menina e no fundo, torcia também para que ninguém nunca aparecesse.
— Bom, eu não sei como essa menina chegou aqui, mas ela não é daqui. Por isso demoramos a
encontrar qualquer informação. Ela é de Pinhais.
— Mas isso é outra cidade.
— Exatamente. A questão é que um amigo de um amigo meu, que é da policia de lá disse que o
pai está desesperado atrás dela. Esse meu amigo me ligou hoje cedo, o cara já estava a caminho de
Curitiba. Eu… Bom eu já dei seu endereço, ele já está vindo para cá.
— Mas já? — Guilherme disse, mas logo se arrependeu — Bom, ele deve estar desesperado
para ver a filha.
— Sim, provavelmente. Achei melhor o encontro ser aqui do que em um ambiente que ela não se
sinta confortável.
Márcia se aproximou de Guilherme e colocou a mão sobre seu antebraço apertando levemente.
— Vamos, temos que falar com ela.
— Vou ficar por perto, vou esperar lá em baixo porque ele vem com esse meu amigo e acredito
que ele não deve demorar muito. — Gabriel informou.
Assim que o investigador saiu, Guilherme e Márcia seguiram para sala. Quando chegaram,
Letícia estava sentada no chão, com um papel apoiado na mesa de centro, desenhando. Assim que viu
os dois, ela sorriu e levantou, correndo até eles, entregando aos dois o desenho que havia acabado de
fazer: era uma menina de cabelos amarelos, com pernas e bracinhos de palitinhos, de mãos dadas
com um homem de cabelo preto e uma mulher com o mesmo tom amarelo no cabelo. Sobre eles o sol
brilhava e haviam anjos no céu. Algumas flores e árvores enfeitavam a grama que eles pisavam.
— Que lindo, Lê. — Márcia disse sorrindo.
Nem ela nem Guilherme conseguiram evitar que lágrimas se formassem em seus olhos enquanto
olhavam o desenho.
Reunindo todas as forças que ele não sabia de onde vinha, Guilherme abraçou Letícia antes de
sentar no sofá e colocá-la ao seu lado, segurando sua mão. Márcia se acomodou do outro lado da
menina, ainda com o desenho na mão e segurou a outra mão dela.
— A gente precisa conversar. — a menina assentiu — Achamos seu pai.
Ao ouvir aquelas palavas, imediatamente Letícia puxou as mãos e colocou sobre o colo. Ela
arregalou os olhos e as lembranças ruins de uma época que ela queria esquecer, foram voltando.
Todos aqueles dias felizes que ela tinha passado com os dois sentados ao seu lado, tinham sido
apenas uma amostra do que ela nunca teria, de como uma criança deveria viver, outra criança,
qualquer criança, menos ela.
Lentamente, Letícia começou a balançar a cabeça negativamente. Queria gritar, queria dizer a
eles que preferia ficar. Será que eles ainda iam querer ela? Mas não conseguia, a voz não saía. Se
ela falasse, se ela contasse ele ia matá-la, não era isso que ele dizia?
Ela podia ouvir as vozes de Márcia e Guilherme ao seu lado, mas já não entendia mais o que
eles diziam. Eram apenas sussurros, eram apenas barulhos de vozes que ela nunca mais iria ouvir. E
quando a porta se abriu e o homem apareceu diante dela, junto com o outro que ela também odiava,
lágrimas queimaram nos seus olhos.
— Guilherme, esse é o Augusto, pai da Letícia e o policial amigo dele, Pires.
— Minha filhinha, que saudade. — Augusto caminhou rápido na direção dela e na mesma hora
Letícia levantou e tentou se afastar, mas o sofá continuava atrás dela, a impedindo de fugir.
Márcia observou a cena com curiosidade.
— Espera! — ela disse antes que o homem chegasse muito perto — Ele é mesmo seu pai,
Letícia?
A menina queria poder dizer que não, que ele era um monstro, mas o problema era que ela era
realmente filha do monstro e mentir não ia adiantar, então ela apenas balançou a cabeça
afirmativamente e quando o homem se aproximou e a abraçou, seus bracinhos caíram ao lado do seu
corpo e ela ficou imóvel enquanto as lágrimas corriam pelo seu rosto.
O homem se abaixou e a abraçou mais apertado. A essa altura, ainda que relutantes, Guilherme e
Márcia tinham se afastando um pouco.
— Se você contar nosso segredinho, eu mato todas essas pessoas. Eu tô armado e o Pires
também, só vem quietinha pra casa e depois a gente conserta as coisas. — ele sussurrou antes de
levantar e sorrir para filha, acariciando seu cabelo.
Márcia observava a cena com curiosidade. A menina estava tensa, a leveza e felicidade que eles
presenciaram nas últimas semanas haviam sumido, e ela não parecia nem um pouco feliz em ver o
pai. O alarme dentro da juíza disparava cada vez mais alto.
— Quero agradecer por cuidarem da minha bonequinha. Desde que perdemos a mãe dela, ela é
tudo que me resta. Fiquei desesperado todo esse tempo longe dela, mas agora to feliz de saber que
ela ficou com pessoas incríveis. Nem sei como posso agradecer.
— Como ela veio parar tão longe de casa? — Guilherme perguntou curioso.
Augusto já esperava por aquela pergunta, então contou uma história ensaiada e inventada, que
estava longe de soar convincente, mas como a menina não negou, o promotor deu ao homem o
benefício da dúvida.
— Cuide bem dela.
— Ah, eu vou cuidar. — o sorriso que o homem deu, enojou Guilherme.
Ele inventou mais alguma coisa, dizendo que a assistente social do seu bairro ia ajudar ele com a
menina e que já tinham arrumado uma psicologa para ajudá-la com a perda da mãe.
Augusto começou a puxar a menina pela mão, mas antes que ele pudesse se afastar, Guilherme
segurou no braço da menina e puxou.
— Você não precisa ir. — ele hesitou, esperou que Márcia ou Gabriel o repreendesse, mas
nenhum dos dois falou nada — Sabe que pode ficar com a gente.
— Ela é minha filha. Claro que ela tem que vir comigo. — o homem praticamente rosnou, mas
foi ignorado por todos.
— Letícia, eu e a Márcia podemos cuidar de você. Você quer ficar?
Ah, ela queria! E como queria. Para a menina, aquilo era um sonho. Ela desejava demais
continuar ali, naquela casa, com aquelas pessoas que ela aprendeu a amar e principalmente, aprendeu
a confiar. Guilherme era o pai que ela sempre pediu aos céus e Márcia, apesar de ser um pouco mais
séria, era um sonho de mãe também. Mas eles não passavam disso. Sonho. Ela era pequena, mas já
tinha vivido e visto tanta coisa, não era burra. Sabia bem que não podia colocar a vida daquelas
pessoas em risco.
Letícia olhou bem nos olhos de Guilherme e negou, depois virou as costas e começou a caminhar
em direção à porta.
Augusto mais uma vez agradeceu e apertou a mão da menina, dando um sorriso torto depois que
eles e Pires passaram da porta.
Guilherme se sentia impotente. Pôde ver nos olhos de Letícia que ela queria ficar, mas ela negou,
ela disse que não e ele não conseguia entender o motivo de ela estar indo embora, mesmo quando
estava claro que não queria ir.
Depois de respirar fundo, ele e Márcia seguiram até a porta, para vislumbrar uma última vez a
menina que eles já amavam como filha. E foi nesse instante que o celular de Gabriel apitou uma
mensagem.
“Tem coisa errada. Policial corrupto, miliciano. Mãe da menina desaparecida. Estou
subindo.”
O investigador não pensou duas vezes, colocou a mão sobre o cabo da arma que estava no coldre
e mais que depressa se juntou aos homens, que estavam parados diante da porta do elevador,
esperando-o.
— Um minuto. — ele disse sentindo Guilherme ao seu encalço, mas não podia falar nada com o
irmão naquele instante. Sua atenção estava totalmente voltada para a menina.
— O que houve? — Pires perguntou, impaciente.
— Não podem levá-la. — Gabriel anunciou e nesse instante, o outro policial sacou sua arma.
Merda!
Guilherme que estava ao lado do irmão não pensou duas vezes, puxou Letícia pela mão. Ela se
libertou do pai, que imediatamente sacou também seu revolver, mas ao contrário do seu amigo que
estava mirando em Gabriel, ele apontou para a menina.
— Vem comigo… — Augusto ameaçou — Ou vem comigo, ou vamos matar todos aqui.
Ela negou e ele parou de mirar na menina, apontando para Guilherme. Letícia desesperada,
abraçou Guilherme que retribuiu o abraço antes de se colocar entre a mira do revolver e da menina.
Os segundos que se seguiram, pareciam passar em câmera lenta. Guilherme podia ouvir a voz do
irmão, gritando para que os homens largassem as armas, mas eles não o fizeram. E tudo que o
promotor conseguia fazer, era pensar em proteger a menina, evitar que ela se machucasse, então virou
de costas para o homem que apontava a arma para ele e abraçou a menina, protegendo ela com seu
corpo grande.
Foi então que dois disparos foram ouvidos.
— Nãããão. — uma foz fina foi ouvida.
Guilherme esperou sentir a queimação da bala no seu corpo, mas nada aconteceu. Rapidamente
ele ergueu os olhos e viu que Letícia também estava bem. Desesperado, ele ergueu os olhos e ficou
aliviado ao ver que Márcia e Gabriel quem haviam atirado. Por um instante ele esqueceu que ela
possuía uma pistola. Ela tinha atirado no ombro do pai da menina e Gabriel no policial corrupto, que
havia desmaiado.
Assim que as portas do elevador se abriram, o policial conhecido de Gabriel, saiu acompanhado
de mais dois soldados, que imediatamente algemaram os dois homens caídos no chão.
— Você falou. — Guilherme sussurrava, abraçando Letícia enquanto o irmão conversava com o
outro policial.
— Vamos precisar do depoimento de todos. — ele avisou.
— Depois, — Guilherme disse — agora vou levá-la para longe dessa confusão.
— Eu os levarei a delegacia quando estiverem prontos. — Gabriel informou enquanto apertava a
mão do outro homem.
Assim que os policiais foram embora e Gabriel se assegurou que Márcia e Guilherme ficariam
bem, seguiu seu caminho também.
Os três estavam sentados no sofá, tomando chocolate quente e conversando. Guilherme estava
encantado com a voz de Letícia. Era tão suave e doce. Nem parecia que ela tinha passado por tudo
aquilo.
Naquele dia, eles não forçaram Letícia a falar nada, sabiam que ela teria que testemunhar contra
o pai e o tal policial, reviver aquelas e outras lembranças mais de uma vez, e por isso quiseram
poupá-la. Eles só a confortaram e ficaram fazendo perguntas aleatórias, felizes demais por ela estar
falando novamente.
Depois do depoimento, eles souberam da história completa.
A mãe e o pai eram drogados, e claro que ele estava sempre agredindo a mãe da menina. Pires
era quem fornecia a droga e quando eles não pagavam, pedia a menina como “pagamento”. Quando a
mãe de Letícia não estava chapada, tentava defender a menina e era então que Augusto batia na
mulher até ela desmaiar. No dia que Letícia fugiu, ele bateu tanto na mulher, que ela bateu a cabeça
na quina da mesa e morreu. A criança viu quando ele a enterrou no quintal e por isso decidiu ir
embora. Mas tudo aquilo era passado. Os dois homens estavam presos e no que dependesse de
Márcia e Guilherme iam apodrecer na cadeia.

***

Alguns meses depois, Guilherme estava jogando videogame com Letícia – e perdendo – quando
Márcia chegou, com uma cesta cheia de frutas, chocolates e dois espumantes, um sem álcool.
— Oi, tia. To dando uma surra no tio. — Letícia disse sorrindo, sem tirar sua atenção da
televisão.
— Ele é péssimo nisso.
— Eu não sou tão ruim, ela que é boa demais. — ele se defendeu, mas sabia que na verdade era
péssimo.
— Vocês podem dar uma pausa rápida?
Quando Márcia falou, Guilherme virou para olhá-la e o sorriso que ela exibia era tão radiante,
tão lindo, que ele derreteu um pouco.
— O que é isso tudo? — ele largou o controle e foi até Márcia.
Guilherme a beijou e abraçou antes de ver Letícia se aproximar da cesta com os olhos brilhantes,
por causa da quantidade de guloseimas que haviam nela.
— O que vamos comemorar? — perguntou ele, olhando as garrafas dos espumantes.
Assim que o sorriso de Márcia se alargou, ele soube do que se tratava. A beijou mais uma vez,
apaixonadamente, antes de soltá-la e pegar Letícia no colo.
— Temos uma coisa para falar com você. — ele disse antes de levar ela até o sofá, e como
sempre, quando tinham algo para conversar, eles sentaram um ao lado do outro, com a menina no
meio. — Você sabe que a gente deu entrada na papelada pra você ser nossa filha, diante da justiça,
porque no nosso coração, você já é. — a menina assentiu.
— Bom, a papelada ficou pronta.
— Então agora vocês são meus pais? — Letícia perguntou com os olhos arregalados, sentindo
suas pequenas mãos suarem frio.
— Você não precisa nos chamar de pai e mãe se não quiser… — Márcia disse, percebendo o
nervosismo da menina.
Aquilo parecia um sonho. Não só para a menina que tinha aprendido o que era felicidade, mas
também para Guilherme, que sempre quis ter uma família como aquela.
— Pai e mãe. — Letícia experimentou as palavras antes de abraçar os dois ao mesmo tempo,
com toda força que seus bracinhos permitiam.
Guilherme não conseguiu evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas. A felicidade que ele
estava sentindo não cabia no peito. Ele tinha a mulher da sua vida ao seu lado, e agora tinham uma
filha. Sua filha. Sua princesa. A menina que ele protegeria do mundo, que ele cuidaria e ensinaria a
se defender, para ser também, uma mulher de fibra, guerreira e independente, como sua Márcia.
É, felicidade!
Guilherme Goulart estava sendo agraciado com a felicidade plena. E nada nem ninguém poderia
tirar aquilo dele… nunca mais.
Seu final feliz, finalmente havia chegado.

Fim
Desejo de Redenção
Um conto da Série Goulart

Personagem
Wagner e Camila
Apesar do tratamento de primeira e de todo dinheiro investido em sua recuperação, Wagner não
conseguiu voltar a surfar. Era algo que ele tinha aprendido a lidar. Mas isso não o impedia de ensinar
à pequena Mila, com seis anos, e o pequeno Leon de três anos a surfarem. E aquele era um de seus
maiores prazeres. Seus filhos adoravam aqueles momentos. Amavam e respeitavam o mar.
Diego, que tinha se casado e morava com Leandro há pouco mais de dois anos, também adorava
usar seus dias de folga para ficar com os sobrinhos, aproveitando as ondas do mar. E era o que
acontecia naquele momento. Wagner estava na areia, sentado ao lado de Leon, que brincava, enquanto
observava Diego instruindo à pequena Mila a fazer novas manobras. A menina parecia ter nascido
para aquilo. Era uma surfadora nata.
Depois de executar uma nova manobra, a pequena Mila veio correndo em direção a Wagner.
— Papai, papai, viu o que eu fiz, viu? Eu cavei a onda.
— Eu vi, minha princesinha, parabéns. — Ele a segurou nos braços e rodopiou com ela.
Claro que a manobra não foi executada com perfeição, e a menina quase caiu, mas ela estava tão
feliz que ele ficava feliz por ela também.
— Tio Di disse que se eu treinar bastante, logo logo vou poder dropar.
— Sim, mas não hoje, agora temos que ir para vocês se limparem e se arrumarem pra escola.
— Ah, mas eu queria ficar mais um pouquinho.
— Princesa, você sabe como funciona. Precisa estudar pra ser linda, esportiva e inteligente.
— Mas eu já sou muito esperta e inteligente. — Mila disse fazendo uma expressão que fez
Wagner sorrir.
— Você é isso tudo, mas vai ficar ainda mais, então chega de tentar me enrolar e vamos pra casa.
Depois de se despedirem de Diego e recolherem as coisas que estavam na areia, os três voltaram
para casa.
As crianças, depois de tomarem banho e almoçarem, se arrumaram para escola com a ajuda da
empregada e pegaram as mochilas para saírem. Wagner adorava levar e buscar os filhos na escola,
tinha condições de arcar com transporte para eles, mas preferia levá-los, amava participar de cada
momento da vida dos filhos.
Quando retornou da escola, Clara, a empregada se aproximou.
— Seu Wagner.
— Por favor, Clara, já pedi pra me chamar de Wagner, apenas Wagner. Nada de “seu”. Faz eu me
sentir velho. — Ele brincou.
— Desculpe, Wagner. — A mulher corou um pouco, não se sentia confortável em chamar seu
patrão pelo primeiro nome, mas o fazia sempre que ele pedia. — O segurança trouxe a
correspondência.
— Obrigado.
Wagner pegou as cartas e no meio de propagandas, portfólios e boletos, havia um envelope pardo,
que ele já estava se familiarizando. Ele era do mesmo tamanho dos demais, mas não tinha selo nem
carimbo dos correios. Era como se fosse entregue pessoalmente. Já era o terceiro que ele recebia em
menos de um mês. Dentro uma folha em branco com letras garrafais impressas, dizendo:

EU SEI DE TUDO.
VOCÊ VAI PAGAR DE UM JEITO OU DE OUTRO.

Wagner não tinha certeza, mas fazia alguma ideia do que aquilo queria dizer, e também tentou não
se preocupar muito. Reforçou a segurança da casa e colocou, sem Camila saber, um segurança para
segui-la enquanto estava no trabalho. Também avisou a seu primo Gabriel, que sabia de tudo que ele
tinha feito em um passado do qual ele não gostava de lembrar. Fez o que achava necessário, o que
sua condição psicológica o inclinou a fazer. Mas não podia colocar a culpa apenas em sua
esquizofrenia.
Poderia dizer que aquelas cartas não o tinham abalado, se ele não tivesse que voltar ao tratamento
com o psiquiatra. Aos primeiros sintomas, depois da primeira carta, ele voltou correndo ao seu
médico, que decidiu que era melhor retomarem o tratamento antes que as coisas ficassem mais
complicadas. Esse era outro fato que ele tinha escondido de Camila, não porque achasse que a
esposa fosse julgá-lo. Pelo contrário, sabia que ela o apoiaria incondicionalmente, mas escondeu
porque não queria preocupá-la.
***
Camila passava metade do dia no restaurante. Gostava de estar por perto, cuidar das coisas.
Amava seus filhos e sua família, mas amava também seu trabalho. Por isso ela acordava bem cedo e
ia cuidar pessoalmente dos ingredientes para os restaurantes. Ela cuidava da filial que tinham
inaugurado em Matinhos há alguns meses e deixava o de Curitiba aos cuidados do seu su-chef,
Bruno, que era seu amigo há anos, desde que ela tinha aberto aquele restaurante. Na parte da tarde,
voltava para casa e esperava os pequenos voltarem da escola para cuidar deles.
Naquele dia, enquanto terminava os pratos do restaurante de Matinhos, percebeu que um cliente
entrou assim que abriram as portas. O cara pediu o prato mais caro do cardápio e aguardou
pacientemente. Depois que almoçou, o homem pediu a um dos garçons para falar com a chef. Camila
adorava aquele momento. Quando alguém gostava tanto da comida que pedia para cumprimentá-la.
— Olá, sou a chef Camila. Como posso ajudá-lo?
O homem estava sentado, tinha o porte alto, musculoso e uma expressão fechada, porém sorriu.
— Camila, nome bonito. Combina com a dona dele. — Sorriu mais uma vez — Queria apenas
parabenizá-la e agradecer por esse prato maravilhoso. Estava muito gostoso, os sabores em
harmonia. Nunca comi nada tão sublime.
Camila alargou o sorriso. Em poucos minutos estavam falando sobre comida e como os temperos
faziam toda diferença. O homem, que não disse seu nome, parecia um exímio apreciador da culinária
japonesa.
Após alguns minutos de conversa, o homem se despediu, pagou a conta e saiu do restaurante.
Camila voltou para sua cozinha muito satisfeita. Era um dos momentos que mais gostava na sua
profissão, ver um cliente saindo do seu restaurante satisfeito com a comida e com a promessa de
voltar em breve.
Mais alguns minutos e ela não demorou a sair, enquanto dirigia para casa, teve a estranha
sensação de que estava sendo seguida. Um carro preto a acompanhava de perto, porém, quando o
motorista percebeu que ela olhava muito pelo retrovisor, decidiu se afastar um pouco. Aquilo fez o
coração de Camila acelerar. Eles viviam em paz em Matinhos, não tinham inimigos ali, porém sua
irmã era uma juíza importante, seu cunhado um promotor reconhecido no país inteiro, o irmão dele,
um policial linha dura, conhecido por ser incorruptível, o que lhe agregava alguns desafetos, e seu
marido, Wagner, apesar de estar praticamente aposentado – leia-se vivendo da herança do pai – tinha
tido seus momentos, e claro, provavelmente cultivado alguns inimigos ao longo de sua carreira como
investigador particular. O melhor do país, diga-se de passagem. Ou seja, toda sua família era de
figuras importantes da lei, o que fazia com que eles não pudessem relaxar e, consequentemente,
estarem sempre olhando por cima do ombro.
Quando Camila chegou em casa, Wagner estava no escritório, ao telefone. Ela não conseguiu ouvir
o que ele dizia, porém um envelope pardo sobre o aparador no corredor chamou sua atenção. Uma
carta, sem remetente, apenas com o nome de seu marido escrito, despertava no mínimo curiosidade.
Foi então que ela abriu o envelope e leu a carta, soltando um grito logo em seguida.
— Camila! — Wagner chamou, se assustando com o grito que ela tinha dado e indo ao seu
encontro. Ele ainda não conseguia correr e andava com a ajuda de uma bengala muito chique e
estilosa, porém isso não o impediu de chegar rapidamente até sua amada.
Camila estava com os olhos cheios de lágrimas e suas mãos tremiam.
— O que significa isso? — ela perguntou sem esconder seu nervosismo.
— Não é nada, apenas ignore…
— Não é nada?! Como pode não ser nada, Wagner?
— Eu prefiro achar que não é nada.
— Quando você a recebeu?
— Esta tarde.
— E?
Wagner não conseguia esconder nada da esposa, principalmente quando ela estava “ligada no
modo desconfiada”, como naquele momento.
— Olha, essa não é a primeira carta que recebo, mas não precisa se preocupar, já avisei ao
Gabriel e…
— Não me preocupar? — Camila não conseguia esconder sua irritação. Ela era a pessoa mais
doce que Wagner conhecia, porém assustada como estava, não conseguiria se manter calma. — O
Gabriel está a quilômetros de distância, você realmente acha que ele pode fazer alguma coisa pra nos
ajudar?
— Já contratei uns seguranças também e…
— E daí? Você sabia que eu estava sendo seguida hoje?
Aquela informação fez o estômago de Wagner se contrair, porém ele respirou fundo e preferiu
acreditar que uma coisa não tinha a menor ligação com a outra.
— Era o segurança.
— Que segurança?
— O que eu contratei desde que recebi a primeira carta. — Wagner acariciou o rosto de Camila,
mas ela deu um tapa em sua mão, e o encarou séria.
— E quando você pretendia me contar? — Camila estreitou os olhos — Você não ia…
— Eu só não queria que ficasse preocupada.
— Escute aqui, Wagner Goulart… — ela apontou o dedo em riste, cutucando o peito do marido —
sou sua mulher, não sua filha, já passamos por muita merda juntos pra você querer me poupar. Se
temos um problema, eu tenho o direito de saber, o direito de decidirmos juntos qual a melhor medida
a tomarmos e isso não é só em relação a casa e as crianças. Isso é sobre tudo. Então não me venha
com essa de proteção, por que nada me deixaria mais desprotegida do que a desinformação.
Wagner sorriu e Camila por um instante sentiu vontade de bater nele, porém antes que ela pudesse
agir, sentiu os braços musculosos de Wagner a envolverem.
— Você fica linda brava, sabia? — ele beijou seu pescoço e isso a desestabilizou um pouco, mas
logo ela se recompôs.
— Não me venha com seus joguinhos. Estou furiosa com você.
— E se eu pedir desculpas? — ele beijou o pescoço da esposa novamente.
— Se você não se sente mal por ter escondido, não adianta se desculpar.
— Me sinto, juro. — Ele cruzou os dedos e beijou — E prometo não te esconder mais nada de
agora em diante.
— Promete?
— Sim, agora me dá aqui essa boca gostosa… — sem esperar uma resposta, Wagner a beijou com
intensidade, se deleitando com o sabor da esposa. Nunca se cansava dela e jamais se cansaria.
Camila era seu sol, todo seu mundo, junto com seus filhos. Eles eram tudo para Wagner e o cara
odiava quando brigavam, por isso fazia de tudo para agradá-la. Ela estava certa por um lado, não era
bom que ela ficasse no escuro, sem conseguir perceber qualquer coisa estranha ao seu redor, por
outro lado ele jamais deixaria de protegê-la, faria tudo que estivesse ao seu alcance para que ela e
seus filhos estivessem seguros.
Quando suas bocas se afastaram, os lábios de Camila estavam inchados.
— Isso é golpe baixo. — Ela disse, ofegante, colocando os dedos sobre os lábios, ainda sentindo
o toque de Wagner.
Céus, como ela amava aquele homem.
— Eu sei. — Wagner sorriu e beijou seu pescoço — Mas eu falei sério, não vou esconder mais as
coisas de você, porém isso não significa, que caso seja necessário eu tome providencias antes de te
consultar.
— Wagner…
— Calma. Se eu puder, claro que falarei com você antes, mas se for muito urgente, agirei primeiro
e depois conversaremos. Não posso arriscar a segurança de vocês.
Camila suspirou, não queria entrar em discussão novamente e as palavras da carta voltaram a sua
mente, fazendo com que um calafrio percorresse seu corpo.
— O que o Gabriel falou?
— Disse que deveríamos dar um tempo de Matinhos, mas eu disse que você não ia querer e
também, tem a escola das crianças.
— Concordo, não podemos largar tudo assim por causa de algumas cartas. — Ela suspirou —
Você acha que estamos correndo perigo?
— Não. Acho que querem me chantagear, pedir dinheiro. Em uma das cartas falavam em algo
sobre grana, mas estão querendo assustar primeiro.
— Onde estão as outras cartas?
— Mandei para o Gabriel. Ele vai ver o que pode fazer lá. Sei que são cidades diferentes e que
eu deveria ter procurado a polícia daqui, mas…
— Mas ninguém faria com tanta dedicação quanto seu primo.
— Exatamente. — Wagner beijou Camila novamente.
— Bom, vamos conversar mais sobre isso, mas me deixe tomar um banho e depois vou com você
buscar as crianças. Essa história toda me deixou angustiada. Quanto antes eu vê-los, melhor.
— Claro. Posso ir junto?
— Buscar as crianças?
— Não, esfregar suas costas. — Wagner deu um sorriso safado, um sorriso que cativou Camila
desde a primeira vez que ela colocou seus olhos sobre ele.
— Não, está de castigo até segunda ordem.
— Você não pode estar falando sério!
A surpresa com a resposta dela foi tão grande que Wagner a soltou e foi o suficiente para Camila
virar rapidamente e se afastar. Quando deu as costas ao marido ela sorria. Claro que não estava
falando sério, ela não conseguiria ficar longe dele nem se quisesse, mas isso não significava que não
podia fazê-lo sofrer um pouquinho.
Assim que entrou no banheiro, trancou a porta, coisa que nunca fazia e aquilo fez com que Wagner
ficasse lá, parado, com os olhos arregalados encarando a coisa de madeira.

Alguns minutos depois, Wagner e Camila seguiam para a escola dos filhos. Era uma sede ligada a
uma das maiores instituições de ensino da cidade, que ia do jardim de infância ao ensino médio. A
franquia tinha adotado um padrão americano, que Wagner achava um pouco desnecessário, mas não
podia negar que tinha escolhido aquela unidade específica, por conta do alto nível de aprovação em
universidades locais. Enfim, sua decisão se baseou no futuro dos filhos, claro.
O portão estava cheio de responsáveis, o que era comum naquele horário, porém algo fez Wagner
segurar o braço de Camila quando ela colocou a mão na maçaneta da porta.
— O que foi?
— Não sei, uma sensação estranha.
— Acho que você tá muito impressionado.
Apesar de ter sentido um calafrio quando leu a carta, Camila tentou não ficar pensando muito a
respeito. Quem quer que estivesse mandando aquelas mensagens, já sabia onde moravam e
certamente já conheciam toda a rotina da família. Ela preferiu acreditar que se tivessem realmente
que fazer algo, já teriam feito.
— Olha, querido, entendo sua preocupação, também fiquei preocupada, mas pense comigo, você
disse que não foi a primeira carta, então acredito que se tivessem que fazer algo, já teriam feito.
Além do mais, tem os seguranças. Se eles não podem nos proteger, então pra que eles servem?
Wagner observou Camila por um instante e então sorriu.
— Tem razão. — Ele acariciou o rosto da esposa — Vamos buscar nossos tesouros então.
Camila sorriu e beijou Wagner castamente antes de sair do carro. Porém ele ainda não tinha
conseguido se livrar daquela sensação horrível que o angustiava. Assim que fechou a porta do carro,
olhou para trás, para os seguranças que se posicionavam e acenou para eles, que imediatamente
ficaram em alerta.
Alguns minutos se passaram até que o pequeno Leon veio correndo para os braços de Camila, que
o pegou no colo e o encheu de beijos.
— Como está meu bebê?
— Eu não sou mais um bebê, aprendi a escrever a letra A, agora já sou um rapazinho. — O
menino disse com aquele dialeto que só as mães entendiam e Camila deu uma risada.
— Está certo, rapazinho, então você já está aprendendo a escrever?
— Eu já sei tudo. — Respondeu, sorrindo e muito esperto.
Wagner, que também ria daquela conversa, bagunçou o cabelo do menino, mas ainda olhava para
todos os lados procurando alguma coisa diferente, alguma coisa fora do habitual, que chamasse sua
atenção. Não havia nada!
Com a tagarelice de Leon, Camila e Wagner mal perceberam que o portão da escola foi
esvaziando, até que só sobrasse meia dúzia de pais, a maioria atrasados.
— Mila está demorando.
— Sim. — Camila esticou o pescoço para dentro da escola e não viu a menina na rodinha de
alunos que aguardavam os pais retardatários.
Logo que a professora da menina a viu, caminhou em sua direção.
— Onde está Mila?
— Achei que ela já tivesse saído, ela pediu para ir ao banheiro enquanto eu liberava as primeiras
crianças, mas então não a vi mais, achei que tivesse saído junto com o irmão.
Não era incomum que Mila fosse até a fila da turma de Leon e segurasse na mão do irmão para
sair. Tanto o porteiro, quanto as professoras e inspetoras, já estavam acostumados com isso. Era uma
rotina.
— Hoje ela não saiu.
Imediatamente o coração de Wagner acelerou, ele podia ouvir sua veia pulsando fortemente.
— Mila?! — sem esperar por nada nem ninguém, Camila entrou na escola gritando pela menina.
Wagner acionou os seguranças para que olhassem nas redondezas, enquanto dois deles os
acompanhavam nas dependências da escola. Procuraram em todos os lugares possíveis e não tinha
nenhum sinal de Mila. O desespero começava a tomar conta de todos, tanto dos pais da menina,
quanto dos funcionários da escola. Era um lugar seguro e não havia histórico que uma situação como
aquelas já tivesse ocorrido em toda rede.
Após alguns minutos de busca, Wagner já tinha entrado em colapso, desesperado, gritava com os
seguranças e os funcionários, sentindo como se parte da sua carne tivesse sido arrancada. Camila,
tentava se fazer de forte e secava cada lágrima silenciosa que rolava por seu rosto, enquanto
procuravam nas câmeras de segurança algum vestígio de que a menina pudesse ter saído ou se foi
levada. Eles não tinham câmeras em todas as dependências da escola, mas tinham nos corredores
externos e em todo pátio frontal, na calçada e no poste do outro lado da rua, focando em toda fachada
da escola. Se Mila tivesse saído por ali, eles saberiam.
Porém, para Wagner, a cada segundo que se passava, o desespero aumentava. Mila tinha sido vista
na forma da turma e depois nada! Nem um sinal da menina, e eles já haviam procurado até nos
banheiros masculinos e não tinham encontrado.
Em poucos minutos, a escola tinha virado um verdadeiro espetáculo. Policiais foram acionados,
conhecidos de Wagner, amigos de quando ele ainda estava “na ativa”. Até Gabriel fora acionado,
sem que ele soubesse muito como, pois não tinha sido ele a ligar para o primo. Wagner atendeu a
ligação do investigador, mas estava nervoso demais para passar os detalhes, então passou o celular
para Camila.
— Não posso mais ficar aqui. Não posso. — Sem esperar resposta ele saiu.
Seguiu o mais rápido possível em direção ao carro, que estava vazio, pois com aquela confusão
até o motorista deles, João, estava à procura da menina. Wagner entrou no carro e dirigiu olhando as
ruas, olhando a pracinha perto da escola, depois decidiu seguir em direção à praia. Não acreditava
que Mila pudesse estar lá, mas precisava ter certeza.
Dirigia sentido à praia quando um celular tocou. A princípio ele tateou os bolsos acreditando ser
o seu, mas lembrou-se que o aparelho tinha ficado com Camila. E talvez ele nem tivesse estranhado
muito, pois poderia ser o aparelho do motorista, se o mesmo não tivesse preso ao painel, conectado
ao GPS.
Não!
O celular que tocava estava abafado, como se estivesse escondido.
Parou no acostamento e começou a procurar. Prestando atenção de onde vinha o toque. Descobriu
uma bolsinha de tecido preta, dentro continha um aparelho antigo, sem internet, que estava escondido
debaixo do tapete, do banco do passageiro.
O número que tocava era restrito e ele podia jurar que aquela ligação era pra ele.
— Alô.
— Se quer ver sua menina novamente, siga para o endereço que está na primeira foto do aparelho.
Venha sozinho e não seja burro, não avise ninguém.
— Mas quem diab… — antes que Wagner pudesse completar a pergunta, a ligação foi finalizada.
Por um instante ele olhou a tela, incrédulo. Mas logo olhou a tal foto. O lugar não ficava longe
dali, uns trinta minutos de carro, porém algo estava estranho. Ele não fazia ideia de quanto tempo
estavam procurando por Mila, mas com certeza tinha mais ou menos aquele tempo. O que significava
que quem quer que estivesse com ela, ainda não tinha chegado no tal endereço, ou tinha acabado de
chegar. Ainda estacionado no mesmo lugar, Wagner olhou a foto seguinte e todas as fotos do aparelho
eram dele e de sua família. Camila no restaurante, com as crianças na pracinha, os filhos com ele na
porta da escola. Mila dando tchau ao entrar, sem soltar a mão do irmãozinho, eles entrando em casa e
a última foto fez o sangue de Wagner congelar em suas veias. Era uma foto deles na praia, tirada
naquela manhã.
Ele não ia brincar com quem quer que estivesse por trás daquilo, foi por isso que, sem hesitar,
jogou o celular sobre o banco ao seu lado e pisou fundo no acelerador, seguindo rapidamente para o
endereço informado.
Vinte e dois minutos depois, Wagner estacionava em frente a uma cabana de madeira, próximo à
encosta de um morro coberto por vegetação. A cabana certamente estava abandonada, pois havia
buracos na madeira, o telhado estava caído em algumas partes e a porta pendurada apenas por um
dos ferrolhos. Com cautela ele entrou na cabana e caminhou lentamente até o centro do lugar. Ali não
havia mais que 3 cômodos e ele pôde perceber isso rapidamente, pois não havia sequer uma única
parede inteira, sem um buraco vazando para o outro lado. O cheiro de mofo era insuportável. Onde o
teto ainda estava inteiro, havia casulos de insetos espalhados por vários lugares, teias de aranhas…
Seria pouco provável que houvesse alguém ali.
Wagner deu mais um passo e foi então que a madeira rangeu alto, imediatamente, ele deu um pulo
para trás, preocupado que a tábua pudesse quebrar e seu pé ficar preso, e foi então que ele viu. No
canto, cerca de um metro e meio a sua frente, havia um alçapão aberto. Com cuidado ele caminhou
até lá e olhou para baixo. Estava escuro, porém alguma iluminação vinha de lá, e pelo horário, onde
a tarde começava a dar lugar para noite, certamente a iluminação era interna.
— Olá? — ele chamou. — Mila?
— Desça!
— Quero vê-la primeiro. Mila? Você tá aí minha florzinha?
— Não me faça machucá-la. — A voz do homem soou lá em baixo — Apenas desça sem
gracinhas.
Wagner não tinha opção, sabia que era uma cilada, que assim que seus pés tocassem o chão
daquele buraco, certamente estaria perdido, mas ele pensaria nisso depois, precisava se certificar
que sua filha estava bem, colocar seus olhos sobre ela.
Enquanto descia, várias lembranças voltaram à mente de Wagner, o dia que soube que Camila
estava grávida, o pré-natal, que ele fez questão de acompanhar cada consulta, a primeira vez que pôs
seus olhos sobre aquele pingo de gente, que já ocupava todo seu coração, quando ela nasceu. Wagner
sabia que tinha sido um sujeito desprezível por muitos motivos, sequer se sentia digno de ter uma
família tão linda e abençoada, mas se o Cara lá de cima, achava que ele merecia todo aquele
presente, quem era ele para reclamar?
Conforme ia descendo pela escada, sua visão ficava comprometida. O que quer que fosse a parca
iluminação que ele tinha percebido antes, certamente havia sido desligada, pois tudo ali estava um
breu. E foi por isso que, ao pisar no último degrau da escada de madeira, não percebeu que ela
estava podre. A palavra “Cuidado” soando de uma voz fina entrou em seus ouvidos, mas era tarde
demais. Seu corpo despencou com força contra o chão duro daquele porão, e quando sua cabeça
encontrou o chão de forma violenta, ele foi tragado pela escuridão.

Quantos minutos haviam se passado? Dez? Trinta? Sessenta?


Não tinha como Wagner saber, porém assim que recobrou os sentidos, percebeu que estava
deitado sobre um colchão velho, nada confortável e com as mãos amarradas para trás e uma dor
lancinante onde a cabeça tinha batido no chão.
— O que você está fazendo? — ele ouviu um sussurro, uma voz feminina soar atrás dele. Wagner
então preferiu fingir ainda estar apagado para ouvir mais. — A ideia era só dar um susto, lembra?
Marinho precisa da grana, precisa de mim, não posso ser presa, droga!
— Se a gente deixar ele viver, você acha mesmo que ele vai te dar a grana? Tínhamos que ter
pegado a menina de verdade, assim trocávamos os dois por muita grana, e matávamos esse aí.
Liberava só a menina, mas você e esse seu coração mole, não quis pegá-la.
— Ela é inocente, como Marinho, eu jamais…
Nesse instante, Wagner não conseguiu se manter quieto. Ouvir que sua filha não estava ali, que
eles não tinham sequestrado sua menina, encheu seu coração de alívio e apreensão, afinal, se Mila
não estava ali, onde mais estaria?
— Quieta! — o homem disse — Pode virar, sabemos que está acordado.
Wagner não hesitou, virou-se na direção dos dois e depois tentou se sentar.
— Pode permanecer deitado, não tem por que se levantar.
— Onde está Mila?
— Não se faça de inocente, sei que ouviu que ela não está aqui.
— Por isso quero saber onde…
— Na escola. — A moça respondeu e Wagner a encarou.
Não conseguiu se lembrar de onde a conhecia, mas teve certeza que já tinha visto aquele rosto em
algum lugar.
— Procuramos lá.
— Chega de conversa. — O homem disse irritado — O que queremos é dinheiro e se você não
nos der…
— Preciso de água, por favor. — Wagner o interrompeu.
— Quê?
Wagner tinha visto um pequeno isopor no canto do lugar, no momento em que sua visão se adaptou
à escuridão. Precisava de tempo para pensar, se Mila não estava ali, e estava realmente na escola
como a moça havia dito, provavelmente já haviam a encontrado. Antes de qualquer coisa ele
precisava ter certeza disso, mas ainda não sabia como faria.
— Está brincando? — o homem, irritado se aproximou o socou a cara de Wagner.
A moça gritou e puxou o homem para trás.
— Sem violência, não precisa disso…
— Não precisa?! — o homem urrou e a empurrou — Já esqueceu o que ele fez? Já esqueceu por
que estamos aqui e por que Marinho não tem pai?
Imediatamente os olhos da moça baixaram e lágrimas rolaram pelo seu rosto.
Ao ouvir aquilo, o cérebro de Wagner imediatamente fez a conexão e foi então que ele se lembrou
da moça, era a namorada do meirinho, que ele havia torturado até a morte. Provavelmente ela estava
grávida quando o matou, e claro que, diante da situação, ele sabia que merecia aquilo.
— Não, não esqueci. — Ela sussurrou.
— Então pare de frescura.
Wagner esfregou a boca na camisa para limpar o sangue e encarou o homem.
— Só quero água. Se é dinheiro que vocês querem, eu darei. Não me importo com isso, só quero,
por favor, ter certeza que Mila está bem.
A moça pegou o celular do bolso e mostrou a ele, uma imagem recente, da menina saindo da
escola no colo de Camila, enquanto o pequeno Leon estava no colo de Gabriel.
Wagner se perguntou primeiramente como seu primo chegou tão rápido a Matinhos e segundo,
como será que eles tinham achado a menina. Também sentiu alívio, pois não demorariam a encontrá-
los, tudo que ele precisava fazer era enrolar por um tempo.
— Ela estava no armário de limpeza, dormindo, deve ter acordado sozinha e saiu. — Enquanto
falava, a moça não encarava Wagner. — Eu jamais a machucaria ou permitiria que a machucassem.
— Ela olhou de soslaio para o homem que a acompanhava.
A moça caminhou até o isopor e pegou uma garrafinha de água, depois se aproximou e ajudou
Wagner a beber. Enquanto o fazia, suas mãos tremiam e ela mal conseguia manter contato visual e foi
então que ele teve certeza que aquela moça diante dele não estava fazendo aquilo por vingança, não
havia felicidade ou prazer. Tudo que ele conseguiu ver nela foi medo e desespero.
— De quanto vocês precisam, Bruna?
A moça, ao ouvir seu nome, caiu sentada para trás, com os olhos arregalados e lágrimas rolando
pelo seu rosto.
— Como você…
— Viu? Por isso temos que matá-lo, ou ele fará com você, comigo e com seu filho o mesmo que
fez com Mario.
— Eu… eu… — Bruna balbuciou enquanto era erguida de forma bruta pelo homem que estava
com ela.
— Não farei nada a vocês, me soltem e eu lhes darei mais do que precisam, o suficiente para
viverem bem suas vidas, deixem minha família em paz e esqueceremos o que vivenciamos hoje.
— Mentiroso!!! — o homem gritou e ia atacar Wagner novamente, porém Bruna entrou na frente e
não permitiu.
— Chega! Chega disso, chega dessa violência droga! Se não essa merda não vai acabar nunca. —
Ela se virou para Wagner. — Não quero nada além do necessário. Meu filho precisa de uma cirurgia
e o valor é alto demais, não temos grana e se ele não operar logo… — os olhos dela encheram de
lágrimas novamente — Preciso de quinhentos mil.
— Feito, agora me soltem para que eu possa transferir para sua conta o dinheiro.
— Não, não será tão simples assim! — o homem disse — Não seja burra, peça logo cinco
milhões. Teremos uma vida confortável pelo resto dos nossos dias.
O homem ignorou Bruna e caminhou até Wagner. O segurou pela camisa e o encarou.
— É isso, quero cinco milhões. E sei muito bem que esse valor só indo pessoalmente ao banco,
então ficaremos aqui até amanhã para que possamos ir juntos.
E depois de dizer isso, socou a cara de Wagner. Diferente da moça, aquele homem sentia prazer
em machucá-lo. E daquela vez, mesmo sob os protestos de Bruna, o homem não parou. Wagner se
encolheu, tentou se proteger, em vão, amarrado e no chão, pouco podia fazer para evitar os golpes
que lhe eram atribuídos.
Estava fodido!
Porém, após um baque surdo, os socos pararam, o homem diante dele parou com a mão no ar e os
olhos arregalados. Wagner olhou para cima e viu Bruna com um pedaço grosso de madeira na mão.
O homem caiu desacordado, praticamente em cima de Wagner.
— Ai meus Deus, o que eu fiz!!! — Bruna disse, desesperada puxando o tio para longe de Wagner
— Tio, tio me desculpa, acorda.
— Calma. — Wagner falou, tentando trazê-la de volta à razão — Coloque a mão no pescoço dele,
veja se tem pulsação na veia.
Bruna o fez, e quando percebeu que não tinha matado o tio, soltou um suspiro.
— Ele vai me matar.
— Não, não vai. — Wagner aproveitou que o cara estava desacordado para tentar convencê-la a
soltá-lo. — Mas você precisa tirar essas cordas de mim, e prendê-lo, ou ele poderá te machucar
quando levantar.
— Mas você… eu…
— Bruna, olhe para mim. — Ele pediu, sério, e ela o fez — Não vou machucá-la, sei que não
mereço, mas confie em mim. E também não vou deixá-la desamparada, tem minha palavra.
Bruna hesitou, parecia pensar a respeito, mas não era uma pessoa ruim. Apenas uma moça
desesperada, influenciada por alguém sem caráter, como aquele homem. Por isso, depois de alguns
minutos de reflexão, decidiu soltar Wagner, porém, enquanto tentava desatar o nó, o tio levantou,
ainda tonto, meio grogue, mas ao perceber o que estava acontecendo, recobrou rapidamente a lucidez
e pegou o pedaço de madeira que Bruna havia deixado caído no chão.
Nenhum dos dois parecia ter percebido que o homem estava de pé e quando ele ia acertá-lo, um
grito soou do topo da escada.
— Largue o porrete.
Um policial vestido de preto e com capacete apontava uma arma que, na ponta, tinha uma lanterna,
para o homem que segurava a madeira.
O tio de Bruna hesitou, sabia que tinha acabado e que ele ia para a prisão, então decidiu que
levaria Wagner com ele, pois aquele homem ali no chão era o responsável pela desgraça da sua vida.
Foi nesse instante que ele ergueu ainda mais o pedaço de madeira, mesmo sob os gritos do
policial para que recuasse e mirou a cabeça de Wagner. Quando começou a descer a mão, ouviu-se
um disparo, e todos ali naquele pequeno espaço ouviram um apito no ouvido, enquanto a cena do
homem caindo no chão, já morto, parecia passar em câmera lenta.
Bruna deu um grito e imediatamente ergueu as mãos.
— Fique longe dele. — Disse o policial que desceu mais, seguido de outros.
— Não! Está tudo bem, não toquem nela. — Wagner gritou e surpreendeu a todos, inclusive Bruna
— Está tudo bem, não vão machucá-la. Agora termine de me soltar.
Bruna assentiu e o fez.

Quando chegaram do lado de fora daquela cabana imunda e velha, Camila esperava por Wagner
ao lado de Gabriel. Assim que viu o marido, correu para abraçá-lo e chorou, pois só naquele instante
pôde colocar para fora todo pavor que sentiu ao imaginar que nunca mais fosse vê-lo.
Bruna abraçava o próprio corpo e observava a cena de longe, pensando em como sua vida
terminaria depois da burrada que havia feito. Talvez se tivesse ido até Wagner e conversado em vez
de toda aquela presepada que havia feito, não estivesse na situação que estava. Agora seu filho
ficaria sem mãe e sem pai, pois certamente ela iria para a cadeia.
— Quem é aquela? — Gabriel perguntou com os olhos apertados, genuinamente interessado, e
desconfiado também, quando um policial se aproximou dela para algemá-la e ela não ofereceu
resistência.
— Não, não a prendam. — Wagner disse quando viu o policial aproximar a algema do pulso da
moça. — É uma longa história, daquelas que você vai adorar ouvir. — Ele disse a Gabriel — Mas
quero ela livre.
Wagner chamou Bruna e, depois de apresentá-la a seu primo e sua esposa, disse que ela os
acompanharia até a casa do casal.
Camila encarou a garota com curiosidade, inúmeras coisas passaram por sua mente, mas nada a
preparou para o que ouviria no fim daquele dia.
Bruna contou tudo, como recebeu um dossiê informando as atrocidades que Wagner havia feito,
como sentiu ódio e depois ignorou aquilo e até duvidou, quando descobriu que o filho precisava de
uma cirurgia e ela não teria como arcar com os custos, foi que o desespero a consumiu. Ela tentou de
todas as formas conseguir o dinheiro necessário, mas com seu salário de diarista, ela não conseguiu
um empréstimo e foi então que se lembrou do dossiê. Conversou com seu tio, que havia criado ela
como pai, quando este a abandonou, só não imaginou que o cara fosse ser consumido pela ganância.
Tudo que ela queria era assustar Wagner e conseguir o dinheiro dessa forma, nunca quis que ninguém
saísse machucado de verdade. Todo plano saiu da cabeça ambiciosa do tio dela. Quando Camila
comentou que ele tinha ido ao restaurante naquela manhã almoçar lá, Wagner sentiu seu corpo
estremecer. As coisas poderiam ter sido muito piores se não fosse por Bruna tentar manter o tio na
linha, pena que no fim, não funcionou.
Depois que conversaram, Wagner pediu para que Bruna lhes entregasse o dossiê e disse que
queria conhecer o menino. Ainda que fosse tarde da noite, ordenou que o motorista fosse levá-la até
onde morava, e ele se surpreendeu ao descobrir que ela morava na cidade vizinha e não em Curitiba.
Duas horas depois, ela voltava com o menino junto. Ele tinha quase a idade de Mila, apenas um
pouco mais velho, mas era bem mais magro e olheiras fundas marcavam seu rosto frágil.
Imediatamente Camila o acolheu, assim como fez com Bruna, depois de descobrir quem exatamente
ela era.
Os homens, por outro lado, foram para um lugar mais reservado para conversarem.
— O que você acha? — Wagner perguntou a Gabriel.
— Concordo que essa menina não é má pessoa, só fez merda por causa do filho. O que me
preocupa é se outras pessoas têm a porra de um dossiê igual.
— Pensei a mesma merda, Gabe.
— Vou investigar, tentar descobrir se mais alguém recebeu isso. — Ele sacudiu o envelope.
— Tô preocupado, irmão. — Wagner disse sinceramente — Se der merda pra mim, vai dar merda
pra você.
— Acho que se essa merda valesse como prova, teria ido parar na mão da polícia, não na nossa.
De qualquer jeito, vou investigar e tentar descobrir mais.
— Valeu, Gabe.
— Em todo caso, melhor reforçar a segurança da casa.
— Deixa comigo.
— Agora tenho que ir.

Bruna ficou hospedada na casa deles. Por mais incrível que pudesse parecer, eles não viam
ameaça na menina, além do mais, Camila e Wagner tinham prometido que ajudariam o filho dela, e
isso certamente era o suficiente para que ela não saísse da linha novamente.
***
Camila vestia uma camisola rosa de seda que abraçava seu corpo como se tivesse sido feita para
ela. Ela penteava os longos cabelos loiros depois de ter tomado banho, depois do ritual diário de
colocar as crianças para dormir. Wagner não conseguia tirar os olhos da mulher.
— Essa menina, passou por tanta coisa…
— Sim, e de certa forma, me sinto responsável por ela.
— Eu entendo. — Camila suspirou — Marinho, viu como ele é magrinho? Tão frágil.
— Vamos cuidar deles. — Wagner disse observando cada movimento de Camila.
— Sei que o que ela fez foi muito errado. Nem consigo descrever o desespero que senti quando
Mila estava desaparecida, porém quando ela veio, andando pelo corredor do colégio, esfregando os
olhinhos como se tivesse acabado de acordar de um cochilo, eu soube que quem quer que tivesse
feito isso, só queria nos dar um susto. E agora sabendo de toda história… Não sei se no lugar dela eu
faria o mesmo, mas consigo entendê-la. Consigo perdoá-la.
— Isso porque você é uma mulher incrível. — Ele disse quando ela se levantou e caminhou até
ele.
Wagner segurou na cintura de Camila a puxando mais para perto e encarou seus olhos.
— Ainda estou de castigo, minha linda esposa gata? — ele disse com um sorriso safado, que
sabia muito bem que ela adorava.
— Você está doido? Depois do susto o castigo foi devidamente revogado. — Ela respondeu
sorrindo.
— Excelente, porque eu preciso voltar para casa. — Ele disse antes de morder um de seus
mamilos por cima da camisola. Enquanto a provocava dessa forma, ele colocou a mão entre as suas
pernas e Camila as abriu, dando total acesso. Wagner grunhiu quando viu que ela estava sem calcinha
e a penetrou com o dedo apenas para senti-la completamente excitada e molhada para ele. Camila
tirou a camisola e Wagner de deliciou com seus seios enquanto a fodia com o dedo e acariciava seu
clitóris com o polegar. Ela gemia cada vez mais alto, pois ninguém conhecia seu corpo melhor que
ele. Wagner continuou levando a esposa ao delírio com sua boca e seu toque até que as pernas de
Camila estremeceram, e antes que o corpo dela pudesse se acalmar, ele a puxou para cama e liberou
sua ereção rapidamente, antes de penetrá-la com facilidade. Ela estava muito molhada pela excitação
e por ter acabado de gozar em suas mãos.
E Wagner fez amor com sua mulher, pelo resto da noite. Assim, sentia-se em casa. Seu lar não
eram as paredes e muros de concreto e tijolos e sim, sua esposa e seus filhos.

Seis meses depois

Tudo estava pronto para aquela noite na casa de Wagner.


Os pisca-piscas, guirlandas e Papais Noéis enfeitavam toda a casa e quintal, sem contar a enorme
árvore de Natal de dois metros que ocupava boa parte da sala de estar. As crianças estavam se
acabando, corriam de um lado para o outro, ansiosos pela chegada do bom velhinho que traria seus
presentes.
Em uma enorme mesa, com mais de vinte lugares, estavam os Goulart, suas esposas, a mãe deles e
Bruna, que tinha sido abraçada por todos da família. A garota mal podia acreditar que a tinham
recebido tão bem, principalmente depois de tudo que ela tinha feito. E Wagner ter levado seu filho
para o melhor hospital do país para operar foi a cereja do bolo. Ela queria muito ter como agradecer
tudo que eles tinham feito, mas ela não tinha. Então só aceitava de bom grado a família que a vida
tinha lhe dado.
Monique, Márcia, Camila e Bruna conversavam em um canto, enquanto Gabriel, Guilherme e
Wagner estavam em outro. Apesar da noite festiva e da felicidade que pairava sobre aquela casa,
uma coisa ainda os incomodava: quem havia mandado o dossiê para Bruna?
— Conversei com a Camila, vamos nos mudar no início do ano. Vamos para Europa. Será bom
para as crianças.
— Márcia concorda. Acha melhor vocês ficarem fora do radar por um tempo, até isso tudo ser
solucionado. — Guilherme acrescentou.
— E será, vocês podem ter certeza disso. — Gabriel disse com convicção.
— Deixarei essa casa para Bruna.
— Não acha isso um exagero? — Gabriel questionou.
— Na verdade, não. É o mínimo. Além do mais é só uma casa, posso comprar outras se eu quiser.
Vou ajudá-la a se manter enquanto ela termina os estudos e abri uma poupança para o Marinho. Foi a
forma que encontrei de me redimir, sei que o que fiz não tem perdão e que nada trará o pai do menino
de volta, não é uma compensação, mas… — ele encolheu os ombros.
Àquela altura, todos já sabiam o que ele tinha feito. Eram unidos e nada, nem ninguém mudaria
isso.

No final daquela noite, depois de as crianças abrirem os presentes, se empanturrarem de doces e


estarem dormindo no tapete felpudo da sala, pois nenhuma delas quis ir para o quarto e se afastar da
montanha de brinquedos que os rodeava, a família Goulart e Bruna se reuniram ao redor da mesa.
Cada um segurava uma taça de champanhe e Wagner disse:
— Quero propor um brinde à melhor família que eu poderia ter. Isso sem contar na melhor esposa,
na mais linda, mais incrível e gostosa que a vida poderia ter me dado. — Camila corou — Eu não
sou merecedor e sei disso, mas vou me esforçar ao máximo para ser a melhor pessoa que eu consiga
e para nunca mais decepcioná-los.
Todos ergueram as taças sorrindo.
— Reforço o brinde a nós, a essa família maravilhosa, onde cada um de nós encontrou seu elo da
corrente e acrescentou à trama, deixando-a ainda mais indestrutível. Sempre estarei aqui para vocês,
principalmente para minha Márcia e minha pequena Letícia.
Todos sorriram novamente e ergueram as taças.
— Aprendi a duras penas que família é o elo mais forte que nos une, mesmo que ninguém seja
perfeito. — Gabriel disse — Vou honrá-los e protegê-los sempre que estiver ao meu alcance,
principalmente Monique — ele olhou com ternura para a esposa, sempre a olhava como se ela fosse
o diamante mais precioso da Terra — e meu pequeno Sérgio.
— E você Bruna, bem-vinda à família.
— Bem-vinda.
Todos repetiram e as taças se uniram no centro da mesa, brindando aquele momento, àquelas
pessoas, que não importava o que acontecesse, sempre se protegeriam, sempre se apoiariam.
Esses eram os Goulart .
Obrigada a você que chegou até aqui. Espero que tenha gostado, se apaixonado e envolvido com
os Goulart.

Deixo aqui também o convite para você vir conhecer meus dois últimos lançamentos.

Dominique - http://bit.ly/dominiquevtotta
Todos temos dentro de nós o bem e o mal. O yin e o yang.
E durante toda sua vida, Dominique conseguiu manter o lado bom em predominância. Entretanto, situações desesperadas, requerem
medidas desesperadas.
Quando Dom se vê diante de uma encruzilhada, ele precisa escolher o seu caminho. Sabe exatamente onde cada uma daquelas
estradas vão levá-lo e nenhuma delas é boa, mas ficar estagnado esperando o pior acontecer, não era uma opção.
Uma decisão foi tomada e agora ele precisa aprender a lidar com as consequências dos seus atos. Entretanto, apesar de todas as
implicações que as decisões dele o levariam, não se arrependia, pois Dominique tinha um combustível: o amor.
E você?
Até onde você iria por amor?
⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆

Por Toda Eternidade - https://amzn.to/3kvtkwe

A guerra havia finalmente terminado e o Rei Magnus tinha conquistado a paz para seu reino, seu povo. Pelo menos era nisso que ele
acreditava naquela noite festiva. Jamais imaginaria que seria traído por alguém que amava e que tudo lhe seria tirado em uma única e
fatídica noite.
Dor e sofrimento o assolavam mesmo depois do acerto de contas, porém o destino nem sempre é tão implacável e talvez lhe fossem
permitidas novas oportunidades.
Poderia encontrar sua amada novamente?
Nem o tempo, nem o amargor da dor foram capazes de aplacar o que Nicolai Magnus sentia por seu único amor, mas se ele pensava
que poderia, finalmente desfrutar daquele sentimento em paz, estava completamente enganado. Muitas surpresas ainda levariam Magnus
ao seu limite e ele veria que seu pior pesadelo estava longe de terminar.

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