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Daniel Muduruku 2

A literatura indígena no Brasil se destaca como uma nova escola literária, refletindo a diversidade cultural e linguística de 305 povos e suas experiências de vida. Apesar das políticas públicas excludentes e da luta histórica contra a colonização, os indígenas têm buscado se afirmar na sociedade moderna, utilizando a literatura como forma de resistência e expressão de sua ancestralidade. A Constituição de 1988 permitiu que os indígenas fossem reconhecidos como brasileiros sem abrir mão de sua identidade, embora ainda enfrentem desafios significativos para a preservação de suas culturas e direitos.

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A literatura indígena no Brasil se destaca como uma nova escola literária, refletindo a diversidade cultural e linguística de 305 povos e suas experiências de vida. Apesar das políticas públicas excludentes e da luta histórica contra a colonização, os indígenas têm buscado se afirmar na sociedade moderna, utilizando a literatura como forma de resistência e expressão de sua ancestralidade. A Constituição de 1988 permitiu que os indígenas fossem reconhecidos como brasileiros sem abrir mão de sua identidade, embora ainda enfrentem desafios significativos para a preservação de suas culturas e direitos.

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DANIEL MUNDURUKU

Literatura indígena:
vozes ancestrais em
novas plataformas

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NÃO É EXAGERO AFIRMAR que a literatura indígena é uma realidade que
hoje já se insere na história do Brasil como uma nova escola literária pela
linguagem que utiliza, pela criatividade dos textos e pelo alcance que
está conseguindo despertar nos leitores através de uma narrativa pauta-
da na experiência de vida dos que a escrevem.
Vamos por partes.
O Brasil ainda possui uma diversidade cultural e linguística de fa-
zer inveja. São 305 povos presentes em todos os estados e no Distrito
Federal. São aproximadamente um milhão de pessoas que falam e defen-
dem 274 línguas e que estão em diferentes momentos de contato com a
sociedade nacional. São, portanto, populações que precisam de um aten-
dimento específico e diferenciado para além de uma política pública ge-
nérica e excludente, herança que nos foi legada por sucessivos governos,
exterminacionista, assimilacionista e, mais recentemente, integracionis-
ta. Todas essas políticas tinham o mesmo viés colonialista que desabona
a vocação vanguardista de nossa sociedade e de nosso povo brasileiro.
São realidades díspares que exigem cuidado especial. Alguns des-
ses povos têm contato secular com o Brasil, tendo enfrentado violentos
processos de colonização, remanescentes de políticas de extermínio en-
frentadas com coragem, criatividade e determinação. Muitos desses po-
vos foram obrigados a se abrigar em contexto urbano para terem condi-
ções mínimas de sobrevivência física e poderem expressar sua existência
através de ritos muitas vezes escondidos nos próprios ritos ocidentais.
Mais uma prova da criatividade ancestral!
Outros povos têm contatos mais recentes e que também trazem
no corpo a marca da perseguição, destruição cultural e roubo de seus
territórios ancestrais. São populações com pouco conhecimento da re-
alidade do que hoje se chama Brasil. Alguns deles vivem acuados em
pequenas porções territoriais sem mínimas condições de fazerem seu

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modo de vida proliferar, salvaguardando a essência de suas tradições.
Menos terra, menos vida.
Para se afirmarem, buscam frequentar os bancos escolares, as
universidades e até aprender as técnicas de comércio e negociações com
o mundo do não indígena, além de participar da vida político-partidária
de seus municípios, procurando influenciar ações públicas que respeitem
seus direitos sagrados.
Em pior situação estão os povos ou grupos que ainda não estabe-
leceram contato permanente com a sociedade nacional. Esses são cha-
mados de grupos isolados por insistirem em se manter distanciados da
gana ocidental. Acredita-se na existência de aproximadamente 70 grupos
nessa condição. Ou seja, há povos inteiros – apesar de numericamente
pequenos – que estão nos lembrando que a vida que o Ocidente escolheu
não lhes diz respeito. Estão, de certa forma, nos dizendo que o que é bom
para os ocidentais não necessariamente é bom para eles. Isso também
é resistência. Claro que são grupos com maior vulnerabilidade por esta-
rem mais sujeitos à invasão garimpeira ou agropecuária. Sem contato e
com menos cuidado do Estado brasileiro, que deveria ser o escudo legal
dessas tradições.
Nesse cenário diverso é que se inscreve a relação sempre incom-
preendida do Brasil com os vários povos indígenas. Não há políticas cla-
ras de atendimento a essa gente; não há cumprimento das leis que ga-
rantem seus direitos; não há projetos para que essas populações possam
escolher o melhor caminho a seguir; não há garantias de que toda essa
população vai conseguir sobreviver num mundo pensado para sufocar
o diferente. Numa sociedade onde o que vale é a vã tentativa de evitar a
morte – irmã de todos os viventes – a sanha por mais riqueza é a moeda
de troca que vai operando no pensamento enviesado e transformando o
país numa grande moenda cujo objetivo é congelar os sonhos coletivos
e disparar ideias de que é possível ser individualmente melhor e se con-
siderar vencedor em um mundo de perdedores. É a lógica da negação de
nossas capacidades que preenche nossas esperanças no que pode vir a
ser o mundo futuro.

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Compreendendo isso, esses povos começaram a reagir. Num pri-
meiro momento através da organização política nascida nos anos 1970.
Posteriormente, providenciando a formação técnica de jovens lideranças
para lidar com a inovação tecnológica trazida pelo desenvolvimento.
Mais tarde, com a entrada nas universidades para poderem fazer fren-
te ao processo de destruição de suas culturas ancestrais. Mais recente-
mente, através do domínio das tecnologias de comunicação e das várias
plataformas que permitiram o ingresso no mundo midiático e que tem
culminado com a reinvenção da compreensão da participação indígena
na contemporaneidade.
Vale lembrar que tudo isso é parte de um processo que vem acon-
tecendo de forma gradual e permanente, mostrando a competência dos
indígenas de se adequarem ao mundo moderno sem abrir mão de sua
ancestralidade. É importante também considerar que as perseguições
contra nossa gente foram ganhando outras especificidades a partir dos
interesses em desqualificar a participação indígena na sociedade nacio-
nal. Essa nova modalidade alcança seu auge na necessidade permanen-
te de explicação sobre ser ou não ser indígena; sobre a necessidade de
justificar nossa presença nos diferentes campos de atuação; na cínica
tentativa de empobrecer nossas conquistas no mundo do trabalho, das
artes, da academia. É como se afirmassem que nós não temos o direito
de estarmos onde estamos ou chegarmos onde chegamos.

POSSO SER QUEM VOCÊ É SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU


Não é de hoje que as pessoas questionam nossa autonomia. Des-
de muito tempo já se pensa que ser indígena e brasileiro são coisas que
não combinam. Até 1988, nossa gente indígena estava fadada a deixar
sua identidade ancestral para assumir a esdrúxula condição de “brasilei-
ro”. Não havia possibilidade de ser um brasileiro nascido dentro de uma
cultura milenar. Uma condição era a negação da outra.
Foi somente a partir da nova Constituição que nossa gente con-
quistou o direito de ser brasileiro pleno sem ter que abrir mão de sua
ancestralidade. Ali nasciam os direitos indígenas e se inaugura um tempo

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novo em que a juventude indígena vai mostrar sua competência e deter-
minação em dominar os códigos da sociedade brasileira sem ter que abrir
mão dos saberes ancestrais. A partir daí, as comunidades começarão a
se organizar enquanto entidades jurídicas; as escolas passarão a ser pre-
sença fixa nas comunidades; o tratamento de saúde levará em conside-
ração os conhecimentos medicinais dos sábios e pajés; as universidades
começarão a abrir seus portões para que estudantes indígenas façam
parte do corpo discente, entre tantas outras pequenas conquistas que
farão a diferença na vida de muitos jovens.
É bom que se diga, no entanto, que nem sempre essas conquistas
de direitos podem ser consideradas também uma vitória para a manu-
tenção das culturas originárias. Muito do que se conquistou tem a ver
diretamente com o processo civilizatório que o Brasil nutre contra os in-
dígenas. Explico: as políticas públicas engendradas para os irmãos origi-
nários não são propostas para a manutenção da cultura tradicional, mas
são, quase sempre, uma forma de submeter essas mesmas populações
ao arbítrio da sociedade. O que nos é ensinado é sempre para ser usado
no contexto da sociedade nacional e nunca como ferramenta para re-
forçar a riqueza e a sabedoria indígenas. Basta dar uma rápida olhada
para o cenário que nos cerca para notarmos que essa lógica é a ponta
de lança para a destruição desses povos: agronegócio, exploração mi-
neral, exploração ambiental, não demarcação das terras, desprezo pelos
saberes da tradição que ribeirinhos, quilombolas, pescadores, mestres
dos saberes detêm. Tudo isso é sintoma de uma sociedade que não quer
nossas populações como guardiãs do patrimônio imaterial e simbólico de
nosso país. Para piorar a situação, jovens lideranças são cooptadas pelas
autoridades políticas para negarem seus direitos e apoiarem a destruição
de suas tradições em troca de um punhado de dinheiro, alguma fama e
muito vício.
É, pois, notório que as atuais políticas são, de certa forma, o re-
sultado de um processo que se iniciou nos anos 1970 e que chega até
nós com a roupagem de democracia, de conquista, de avanço. No meu
entendimento, no entanto, é preciso ter alguma cautela para não sermos

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vítimas de uma pseudovitória sobre o sistema, que é muito mais esperto
e possui maior capacidade de reação do que nos julgamos capazes de
compreender e acompanhar.
Se olharmos com alguma atenção, vamos perceber que a CF 88
nos abriu a possibilidade de atuarmos na sociedade, mas ao mesmo tem-
po nos obrigou a vestir a camisa dessa mesma sociedade, nos dando a
falsa noção de conquista (e aqui não estou desprezando a luta dos nos-
sos líderes pioneiros). O fato é que, no afã de “provar” competência, aca-
bamos aceitando migalhas como recompensa e deixamos, num primeiro
momento, de lutar por mudanças estruturais que permitiriam a manu-
tenção da cultura originária com a necessária proteção dos repositórios
de sabedoria que ainda restavam. Se no primeiro momento – logo com
a abertura democrática – tivéssemos tido a clareza de que era preciso
forçar a barra para a demarcação dos territórios, talvez hoje não se esti-
vesse vivendo o suplício do negacionismo. Mas com o convencimento a
que fomos submetidos pelo sistema político, acabamos nos contentando
com aquelas conquistas tão pouco importantes e levados a aceitar es-
molas do sistema.
Repito que não estou criticando a conquista dos direitos, mas re-
fletindo sobre a estratégia usada para fazer valer os direitos conquista-
dos. Nessa perspectiva, vale lembrar que desde o início dos anos 1990,
o Estado brasileiro vem realizando ações para cumprir o que manda a
Constituição em seus artigos 231 e 232, em que trata dos direitos indí-
genas. Nessa direção, criou grupos de trabalho para discutir questões
ligadas à educação e saúde diferenciadas (as que mais tiveram avan-
ços naquela década), fortaleceu a Funai (sem ter feito nenhuma reforma
estrutural na instituição), criou programas de inclusão social, as cotas
universitárias, aparelhou o sistema nacional de cultura (inventou editais,
pontos de cultura, transferiu recursos para ações culturais, premiou mes-
tres dos saberes tradicionais) e deu visibilidade ao patrimônio cultural
brasileiro como nunca se fez antes.
Isso tudo foi muito importante e necessário. No entanto, e mais
uma vez, fica o questionamento sobre o empoderamento que os segmen-

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tos culturais das sociedades indígenas conquistaram nesse processo.
Mesmo no governo de esquerda que esteve à frente do Brasil por 14 anos
ininterruptos, os avanços foram nulos porque foram dadas migalhas que
logo passam e as mudanças estruturais não vieram. As reformas que tan-
to queríamos não aconteceram e ficamos “chupando o dedo” enquanto
cresciam as invasões de terra, os conflitos agrários, a falta de proteção
das línguas, a valorização real dos saberes da tradição com a criação de
programas de escoamento da produção artesanal indígena ou de eventos
culturais com o protagonismo de nossos artistas.
Falo essas coisas sem nenhuma alegria. Compreendo a lógica
que corre por detrás dessas palavras e reconheço que nada é tão sim-
ples quando se trata de um país com a longa história de apagamentos
de memórias como o nosso. Ainda assim, ouso dizer que nossa gente
indígena soube se agrupar para não se permitir observar tudo isso com
passividade e utilizou as ferramentas que dispunha para continuar a
gritar contra o sistema hegemônico que oprime o modo de ser e viver
indígena. Por isso, a máxima que abre este pequeno e reflexivo texto,
pode ser utilizada hoje com o mesmo potencial que foi usada nos anos
1980 pelo movimento indígena. Sim, posso ser quem você é sem deixar
de ser quem sou. Foi isso que fez surgir um novo movimento de resis-
tência: a literatura e suas vozes.

A LITERATURA INDÍGENA É RESISTÊNCIA


“Posso ser quem você é sem deixar de ser quem sou” pode parecer
uma frase arrogante. Não deixa de ser, na verdade. Desde sempre a so-
ciedade brasileira foi educada para desprezar o sujeito indígena. A escola
– aparelho ideológico do estado – sempre foi a principal reprodutora de
estereótipos, se vendo obrigada a trabalhar a temática indígena de forma
equivocada e preconceituosa. Não que não haja professores que remem
contra a maré, mas “quem conta um conto aumenta um ponto” e a escola
é obrigada a contar a história a partir do ponto de vista do conquistador,
colocando as populações originárias apenas como inimigos, adversários,
selvagens, anti-humanos. Quando muito, falava romanticamente dessas

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populações como o passado indesejável do Brasil. Para ironizar ainda
mais sua fatídica vocação, celebra o “índio” uma vez por ano para não
esquecer que aquela imagem é tudo aquilo que não desejamos ser. E para
sedimentar essa certeza, apresenta as narrativas indígenas como folclo-
re, criando um distanciamento ainda maior entre os saberes ocidentais
– queridos, desejados, almejados – e os saberes da tradição – despreza-
dos, rebaixados, humilhados. Esse é o “tiro de misericórdia” no que pode-
ria ser um grande encontro de tradições.
Para além disso, a frase acima traz um importante componente
para refletirmos: temos o tempo todo que justificar nosso pertencimen-
to a um grupo, especialmente se somos “alguém” na sociedade. A velha
tática continua funcionando: desacreditar sujeitos indígenas. A ideia do
“índio” atrasado, selvagem e escravo do passado, continua alimentando
a mente incauta de nossa gente simples brasileira. Para ela, entender
que somos contemporâneos é algo absolutamente impossível, uma vez
que seu “chip” mental vem montado de fábrica. Ela não consegue se des-
vincular do que lhe foi ensinado porque isso geraria uma pane – como
gera em quem prefere pensar diferente – capaz de fazer estremecer o
sistema. É mais cômodo ficar como está para evitar confusão. Simples
assim. Triste assim.
A vaidade contida na frase diz exatamente sobre a capacidade
indígena de autorregeneração. Aprender como você aprende; me vestir
como você se veste; saber ler e escrever como você sabe; utilizar as mes-
mas ferramentas que você usa, não são sinônimo de abandono da cultu-
ra, mas de competência. É sinal de que tudo isso eu posso fazer, mas não
preciso, para isso, abrir mão da cultura ancestral que me sustenta.
É nessa direção que penso a literatura escrita por sujeitos indíge-
nas como resistência. Pensemos, pois.
Os primeiros escritos publicados por indivíduos indígenas nem
sempre são fáceis de encontrar. Muitos desses escritos foram negli-
genciados ou acrescentados em escritos dos pesquisadores e viajantes
históricos sem a eles ser dada a importância devida, a autoria devida.
Com o avanço do tempo – para além da narrativa histórica oficial – as

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populações indígenas passaram também a registrar no papel um pouco
de suas marcas traduzidas como desenhos, grafismos, narrativa oral e,
por fim, pela própria escrita. Aproveitado por pesquisadores em geral, o
registro ancestral foi sendo deixado de lado e, de certa forma, menospre-
zado pela academia, ao menos que fosse dito pela voz dos seus quadros
e/ou docentes.
Sem questionar o bom trabalho desenvolvido por pesquisadores, o
fato é que a escrita dos saberes indígenas foi deixada de lado por longo
período. A partir dos anos 1980, veio à tona com a poesia militante de
Eliane Potiguara, do teatro popular de um Ademário Payayá, nas entre-
vistas das lideranças políticas do naipe de Marcos Terena, Álvaro Tukano,
Jorge Terena, Ubiraci Brasil e do inimitável Ailton Krenak. Sem esquecer,
claro, do importante papel das mulheres como a própria Eliane Potiguara
e Myriam Terena, Marta Guarani, Darlene Taukane, para citar algumas da
primeira hora, mas já sabendo da injustiça que é a não citação de outros
tantos nomes relevantes.
Isso tudo não virava literatura, como afirmavam os grandes críti-
cos. Eles não conseguiam vislumbrar a possibilidade de a oralidade ser,
em última análise, o som das letras que estavam escritas na memória
ancestral e que falar é também trazer para o agora a memória histórica
dos antigos. Uma percepção como essa é quebrar toda a lógica linear
do Ocidente que precisa transformar saberes em produtos para o con-
sumo. Nessa hora, vira literatura. Ainda assim, pela teimosia de muitas
vozes, vários livros foram escritos como um início auspicioso de uma
literatura vindoura: livros publicados de forma autônoma por ONGs, por
Igrejas e mesmo pela Funai para ajudarem no processo de alfabetização
das comunidades. Alguns com maior teor crítico, outros mais literários,
recolhendo histórias da oralidade. 23
E foi apenas no início dos anos 1990 que começou a surgir uma
série de escritos que se considera um pouco mais literários que os que
vieram antes. Obras de Olívio Jekupé e de Kaká Werá meio que inaugu-

23 Quem quiser saber mais sobre a história do nascedouro da literatura, deve pesquisar os escritos
da Macuxi Trudruá Dorrico, doutora em literatura pela PUC/RS, ou no belo livro da literatura
indígena de Graça Graúna, também fruto de sua pesquisa de doutorado na UEPE.

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ram uma literatura indígena de fato. Seus escritos oferecem uma guinada
na forma tradicional de se conceber a oralidade indígena. Seja porque a
obra inicial de Jekupé era voltada para uma poesia concreta dificilmente
definida como indígena, uma vez que ele publicará, por pura teimosia, um
livro em que retrata a cidade onde vivia. Já os primeiros escritos de Werá
estarão mais recheados de memórias, reflexões e saudades.
Somente na segunda metade dos anos 1990 é que lançaria meu
primeiro livro, com a característica muito peculiar de ter sido escrito para
crianças não indígenas. Isso criou uma “onda” que só viria a crescer nos
anos seguintes, seja por conta dos encontros de escritores que foram
sendo organizados em parceria com a Fundação Nacional do Livro In-
fantil e Juvenil – FNLIJ, ou das políticas públicas que culminaram com
a aprovação da Lei nº 11.645/08, que garantia a inclusão da temática
indígena no currículo escolar brasileiro, criando a demanda por livros de
qualidade e que apresentassem os povos originários para crianças e jo-
vens. Posteriormente, os professores também foram contemplados com
editais específicos para aquisição de livros informativos que os prepa-
rassem para o desafio de romper com os estigmas e estereótipos que
sempre recaíram sobre nossas Gentes.

CONCLUINDO SEM SER CONCLUSIVO


Para encerrar essas breves notas, lembro que a literatura indíge-
na é hoje no Brasil uma realidade que pode ser percebida pela presen-
ça constante em catálogos das editoras, pela participação efetiva em
feiras e eventos literários nacionais e internacionais, pelas premiações
com que são agraciadas e pelo crescimento do número de escritores
de origem indígena. Além disso, é possível notar o real interesse da
juventude originária pela literatura. Há talentos literários despontan-
do de norte a sul, fazendo antever o surgimento de novas gerações de
indígenas escritores que hão de honrar as conquistas das gerações an-
teriores. Eles trafegam muito bem por diferentes gêneros literários e
ainda poderão inventar outros para somar com os que já existem. Disso
eu não duvido.

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Lembro também que os cerca de 60 autores, que, hoje fazem parte
desse catálogo produtivo, estão em permanente produção, aperfeiçoan-
do sua escrita, alimentando-se com a oralidade. Isso tudo para além do
bem e do mal. Ou do bem e do bem. Ou do mal e do mal.

a a a a a

Daniel Munduruku é escritor e professor paraense, pertencente ao povo indígena


Munduruku. Tem 56 livros publicados por editoras do Brasil e do exterior, a maioria
classificados como literatura infantojuvenil e paradidáticos. Graduado em Filosofia,
História e Psicologia, tem Mestrado e Doutorado em Educação pela USP – Univer-
sidade de São Paulo – e Pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal
de São Carlos – UFSCar. Recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por sua
obra literária, dentre eles: Prêmio Jabuti CBL – Câmara Brasileira do Livro (2004 e
2017); Prêmio da Academia Brasileira de Letras – ABL (2010); Prêmio Érico Vanucci
Mendes – CNPq. Diretor-Presidente do Instituto Uka e do selo Uka Editorial.

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