Feldman D-Capítulo 1
Feldman D-Capítulo 1
O ensino é uma atividade que pode ser circunscrita à relação entre um grupo de
estudantes e seus professores. Mas também pode ser analisado no contexto dos grandes sistemas
escolares que são a organização institucional do ensino em nossas sociedades. A
educação hoje em dia é realizada através da incorporação de grandes grupos da população em um
sistema, sequenciado por níveis, que os distribui em grupos e os faz avançar progressivamente
de grau em grau, no cumprimento do plano de estudos, estabelecendo algum sistema de
créditos, credenciais e títulos. Estamos acostumados a pensar a educação nesses termos
porque é a maneira com que as sociedades modernas organizaram seu processo educativo.
Estes sistemas não nasceram do dia para a noite, embora tenham se expandedado com uma velocidade impressionante
na última metade do século XIX. É possível encontrar os antecedentes das atuais escolas em
prototipos institucionais e tecnologias previamente desenvolvidas: as escolas de caridade,
ensino monitorial, os primeiros currículos universitários. O desenvolvimento da didática não é,
provavelmente, alheio a este processo e está ligado, primeiro, com a expansão da educação
básica e, prontamente, com a formação dos sistemas de escolarização universal. A didática
nasce ligada à ideia de educação para todos. Uma missão que, historicamente, assumem as
sociedades modernas, como parte do processo de inclusão em um espaço político comum e em um
mercado unificado.
Desde já, pode-se antecipar que um dos problemas críticos da reflexão didática na
último tempo é que, em grande medida, continua pensando a situação de ensino em termos de
um grupo livre de estudantes com um professor livre de restrições que escolhem compartilhar um
tempo comum de trabalho. Esta maneira de enfocar as questões não se corresponde com o modo
em que se ensina atualmente. É possível sugerir que pode haver uma tensão entre um
modelo de ensino baseado em ideais pedagógicos transcendentais e nas restrições do próprio
situação na qual se quer fazer funcionar esse modelo. Esta extensão é praticamente inevitável
e, com certeza, se expressará na atividade cotidiana que cada professor tiver.
Estas questões ficarão colocadas e serão retomadas ao longo do texto, pois são do interesse.
manter presente a relação especial que existe atualmente entre a didática e o ensino
e com os que ensinam.
Caiu a promessa de alcançar “um artifício universal”. Na sua maioria, a produção didática
abandonou, por ora, esta tarefa. Inclinou-se, mais propriamente, pelo desenvolvimento de estratégias ligadas com
campos de conhecimento específicos (a didática “das” ciências sociais, das matemáticas ou a
música). No entanto, como veremos, diferentes modelos pedagógicos propõem quadros de
trabalho gerais que mantêm certa independência do domínio ao qual se aplicam. A análise
dos diferentes modelos de ensino que são propostos no curso poderão ajudar a esclarecer as
perguntas sobre como obter algumas diretrizes metodológicas de caráter geral.
Segundo o que foi levantado até aqui, o trabalho didático mantém um programa que busca responder
a um tipo de problemas próprios de um longo ciclo histórico. Segundo ficou planteado, ainda
mantém-se vigente a busca por alguma tecnologia que assegure a transmissão e que permita que
a atividade de professores e alunos deve ser a menos pesada possível (“com rapidez e de um modo
agradável”). Também se viu que parte deste programa era a busca de algum fundamento
para esse dispositivo. Poderia estar na natureza das coisas ou na natureza da mente, na
natureza da aprendizagem, na natureza do social.
Por último, foi levantado que o ensino é uma resposta a um problema social. Como é sabido,
qualquer solução para um problema social ocorre dentro de algum quadro de restrições. Toda resposta
artculatecnologias -materiais e simbólicos- e forças reais: o tipo de acumulação que se encontra
realizado e a capacidade para instalar esse problema e criar consenso sobre a solução. A
a escola, tal como a conhecemos, é uma resposta ao problema de assegurar a produção das
habilidades e mentalidades que uma sociedade precisa. Este breve resumo só pretende
indicar a origem da discussão sobre o ensino como uma prática que sempre funciona
em um sistema de restrições. Com o que, quase pode-se dizer que a didática, algo que se ocupa
da educação, deveria aprender a reconhecer esse fato e a utilizá-lo em suas maneiras de pensar
os assuntos educacionais.
A educação como teoria e como prática conhece entre os séculos XIX e XX duas fortes correntes
de pensamento. Uma delas é a que conhecemos como escola tradicional, centrada na fi
gura do professor, na sua capacidade de modelização, no conhecimento bem estabelecido, na
texto y no método. Era o ideal de uma escola que criasse um ambiente especial para o diálogo
com o passado, e onde o professor era a figura capaz de mediar entre este bom conhecimento do
passado e os alunos.
Nos finais do século passado e no início deste, ocorre, em termos de pensamento educacional,
uma autêntica revolução. O que alguns chamaram de "giro copernicano na educação" ou "revolução
"paidocêntrica". Começa-se a pensar na educação centrada na criança, em sua atividade, em sua vida.
atual. Promove-se uma escola aberta que permita que a vida "entre" na escola e que os
as crianças possam viver na escola seu presente, como uma forma de se desenvolver de uma maneira
criativo para o futuro. É o que se conheceu como "movimento da escola nova". O
o movimento da escola nova procura mudar a responsabilidade da educação, do trabalho
do professor à autoatividade do aluno, e redefine os papéis da instituição e dos que
participam nela.
Embora a escola tradicional fosse uma escola fortemente metódica, centrada no professor, a
a nova escola não foi uma escola menos metódica: ela modificou os métodos, mas não os desconsiderou. Al
contrário, desenvolveu dispositivos de trabalho rigorosos. Muitos dos atuais métodos ativos,
centrados na criança, reconhecem sua herança em métodos desenvolvidos no final do século passado
e princípios deste. Esta esclarecimento em relação ao método tem alguma importância porque hoje
se advertem prevenções com a ideia de método. No entanto, o ensino sempre recorreu a
formas metódicas e sistemáticas para realizar tarefas. Como será visto em seguida, essas formas podem
ser mais abertas ou fechadas, no entanto, sempre são, em termos de sustância, ordenadas e rigorosas.
Mas, além disso, também se espalhou certa desconfiança com a própria ideia de ensino. A
ensino aparece muitas vezes associado ao exercício de um controle relativamente alienante
sobre a vontade do sujeito por parte de outro.
O ensino é uma importante prática social diante da qual é difícil permanecer indiferente. Se
desenvolvem, assim, ideologias de ensino. Algumas dessas ideologias de ensino incluem
términos relativos ao controle. Alguns educadores se sentem confortáveis com a ideia de exercer certo
controle e outros se sentem muito desconfortáveis com a ideia de exercer controle e prefeririam buscar
meios de não fazê-lo. No entanto, o processo educativo, em qualquer versão que se aceite
implica graus de controle: sobre a atividade do aprendiz ou sobre o ambiente em que viverá
sua experiência educativa. A própria ideia de 'ensino' carece de sentido sem aceitar uma tarefa
intencional e específica de ordenamento e regulação do ambiente e/ou da atividade com o fim
de promover experiências e aprendizados.
A definição proposta supõe várias coisas. Uma delas é que no início há uma relação
assimétrica: os participantes não estão no mesmo lugar. De acordo com essa definição, não tem
sentir ensinar se todos sabem o mesmo sobre algo ou se possuem habilidade parecida em relação a algo.
Também está implícito que há algum processo de transposição. Nas afirmações sobre como se
traspasa ou como se dá esse processo se diferenciam os diferentes modelos de ensino. Esta é,
simples, uma definição genérica que permite identificar um campo. Mas, a verdade é que se
disponibiliza teorias mais elaboradas que falam sobre a natureza da transferência e da
melhores maneiras de levá-lo a cabo.
Cabe fazer uma aclaração importante. Na definição de ensino oferecida (que duas pessoas
tengan ao final o que antestenía uma só) se pensa em termos de assimetria inicial e simetria
final, que os dois possam terminar igual. Quando a educação é colocada em chave institucional esta
A ideia se matiza bastante. O ensino se desenvolve em um sistema que está dividido em níveis.
que, por sua vez, estão graduados. Cada nível, e cada grau dentro de um nível, tem um propósito e
uma função diferente. A ideia de que eles recebam no final o que um só toma um
significado particular. Não é a mesma coisa nos estudos superiores, onde, ao final, professor e
alunos compartilharão a mesma profissão, quando se trata de ensino básico. Isso tem
consequências para a definição do conhecimento a ensinar. Também abre algumas perguntas em
relação com o saber do professor. Uma delas, e não a menos importante, é ¿precisa um
professor que domina um campo de conhecimento manuseia uma teoria sobre o ensino ou é
suficiente com dominar o conhecimento?
Para algumas pessoas não é necessário que o professor conheça didática. Duas razões são dadas para
Olá. Uma, é que as disciplinas possuem uma estrutura que as torna aptas para sua transmissão. Se
considera que uma disciplina de conhecimento tem uma estrutura conceitual, uma organização
lógica e alguns procedimentos. Reproduzi-los é suficiente para seu ensino. Essa ideia influenciou de
maneira importante no movimento do currículo científico nos anos 60. Uma tendência a
gerar um currículo baseado nas disciplinas e que propusesse formar nos alunos o tpo
de competências e habilidades que possui o especialista. Alguns promotores deste movimento
confiavam na própria estrutura da disciplina como a chave para um bom ensino. Por isso,
o que basicamente se exigia de um professor era excelência no domínio de sua matéria. Há
que reconhecer que os professores que dominam bem sua matéria têm avançado o caminho para
ensinar bem. A segunda razão que se apresenta é que, na verdade, o bom educador é intuitivo.
Que não se faz, que se nasce. Segundo esta ideia, há pessoas que possuem um talento para educar.
Alguns estão dotados para o esporte, outros para a música. Há pessoas que estão dotadas para a
ensino. O fato é que existem professores que ensinam muito bem e nunca passaram por um curso
de didática.
Existem algumas respostas a esses dois argumentos. Podem-se tentar quatro. A primeira, responde
ao argumento do educador intuitivo. Evidentemente, uma boa mistura de capacidade de
comunicação, empatia, carisma, clareza nos propósitos, unidos à motivação, fazem de
pessoas que não têm nenhuma formação em educação, excelentes educadores. O único
o inconveniente é que esses atributos não estão distribuídos de maneira uniforme na população. Os
sistemas de ensino são muito grandes para confiar apenas na distribuição normal do bem
dotados. Poderia dizer que a didática é para aqueles que precisam se apoiar em algum tipo de
suplemento que ajude a melhorar a capacidade de desenvolver essa atividade. Esta é a primeira
razão, mas, como se verá, não é a mais importante. Quando os propósitos do ensino não
consiste em formar especialistas, é necessário um certo reflexo particular para produzir a versão do
conhecimento que será oferecido. As próprias disciplinas não fornecem essa reflexão, dado que não é
uma preocupação "interna" das disciplinas como vão ser transmitidas ou dominadas por
pessoas que não pertencem ao campo e que nunca vão pertencer a ele. É preciso um modo de
processamento, do qual a própria disciplina não está nem tem por que estar provisionada, que ofereça
chaves para a transformação de um conhecimento em uma versão adequada a outro público. Boa
parte da ladeira de ensino consiste em desenvolver uma versão adequada a diferentes públicos.
Quando uma versão é "adequada"? Até agora, segundo o que foi proposto, tem que ser
adequada aos propósitos e os propósitos não são os mesmos no nível primário que em
secundário, por exemplo. Também não é a mesma coisa a Física de um bacharelado do que a Física de uma
escola técnica.
Terceira razão pela qual um professor talvez precise de algo mais do que o conhecimento próprio
disciplina refere-se aos alunos. Como comunicar conhecimento a uma pessoa que não possui
chaves e códigos semelhantes aos do comunicador? Os alunos usam códigos e chaves diferentes
para processar a informação, e seus processos de aprendizagem apresentam particularidades distintas
em relação aos do professor. Não é certo que possamos aceitar o que Jackson denomina "o
suposto da identidade compartilhada”. Ou seja, que o professor pense que seus alunos são como
ele: membros de uma mesma tradição, de uma mesma língua e interesses e de um mesmo
forma de pensamento. Isto, claro, é algo a que o processo educativo aspira a longo prazo,
mas não é um requisito que se cumpra a cada momento. Como já foi mencionado, uma disciplina, que
é um sistema de pensamento, não tem por que possuírem os instrumentos para adequar isso
conhecimento a uns códigos e linguagens diferentes dos dos produtores. E isso é crítico se se
aceite que os alunos aprendem e processam informações de maneiras diferentes. Para dar
A resposta ao problema requer alguns métodos e instrumentos específicos.
De acordo com o exposto, pode-se dizer que é necessário diferenciar entre as capacidades para
realizar a tarefa de ensino e as condições de conhecimento que é necessário cumprir para
poder realizá-la. Dominar os conhecimentos que são objeto de ensino é uma condição para
ensiná-los. Mas a capacidade docente consiste em poder realizar o processamento pedagógico do
conhecimento, seu planejamento e a orientação dos alunos para permitir seu aprendizado. Embora
quem domina um corpo de conhecimentos possui uma condição essencial para a
a educação não necessariamente conta com as capacidades profissionais para fazê-lo. E uma
a capacidade não se define por um “saber”, seguindo uma distinção já estabelecida, mas por um “saber
fazer”. Sua característica básica consiste em que informam a possibilidade de realizar de maneira
competente distntastareas: planejar, dirigir a aula, comunicar, coordenar o grupo, diagnosticar
avaliar, organizar atividades, etc.
A última razão pela qual pode ser necessário um planejamento didático para ensinar bem está relacionada
com as funções docentes, que variaram e se ampliaram. Quando o ensino se
institucionaliza, também aumenta o número de variáveis que intervêm no ensino. O
professor já não apenas ensina: planeja sua aula, seus programas ou, em alguns sistemas escolares,
também planeja o currículo, participa na administração da sua escola, precisa consensuar
critérios com seus colegas de departamento, você tem que tomar decisões sobre a forma organizativa
de sua própria matéria, etc. É necessário assumir uma quantidade de responsabilidades: a definição do
conteúdo, o desenvolvimento do currículo, a programação, a definição de objetivos, a avaliação e a
acreditação. Responder a todas essas coisas provavelmente requer algum tipo de reflexão
especifica em torno do ensino que o próprio dispositivo de pensamento de uma disciplina não
tenha porque possuir.
Outro fator consiste na diversidade atual das funções docentes. Professores e mestres se veem
envolvidos em tarefas de planejamento, avaliação, discussão curricular, acompanhamento e atenção
de alunos com necessidades especiais, atenção da comunidade, participação na vida
institucional, discussões no departamento, integração entre áreas, etc. Como pode
Apreciar-se, no conjunto de tarefas descrito, dominar uma disciplina não é a única competência
necessária.
O terceiro motivo são os próprios estudantes. O domínio de um campo de conhecimento pode ser
suficiente para o diálogo entre pares, mas quando se trata de alunos de escola média ou de
alunos da escola primária a situação muda. A adequação ao público é outro problema que
não se resolve apenas em termos do domínio do conhecimento que deve ser transmitido.