Unidade I – O Liberalismo no século XIX
Tema – Introdução ao pensamento político de John Stuart Mill
Objetivo – Fornecer os elementos essenciais da teoria política de John Stuart
Mill
Correção das questões da aula anterior
Questões
1. Qual é o significado da concepção tocquevilliana de igualdade? Explique.
A igualdade na teoria política tocquevilliana significa a eliminação dos privilégios
hereditários da cidadania política característica do Antigo Regime. Os homens são
iguais formalmente porque sob o liberalismo já não são hierarquizados a partir do
nascimento; portanto, trata-se de uma concepção puramente jurídica ou abstrata, sem
qualquer relação com a noção de homogeneidade econômica ou cultural.
2. Explique, com suas palavras, o que Tocqueville quer dizer quando afirma que o
desenvolvimento da igualdade seria “providencial” e “irreprimível” no mundo moderno.
Após presenciar de perto as transformações econômicas, políticas e culturais
desencadeadas pela Revolução Francesa, que pôs abaixo o velho ordenamento
societário hierárquico do Antigo Regime, substituindo-o por regimes políticos liberais,
pautados pela ampliação da cidadania às classes proprietárias, a igualização dos
homens aparecia à Tocqueville como uma tendência inexorável, inscrita na própria
vontade da Providência.
3. O que Tocqueville entende por “democracia”? Explique.
Apesar de não oferecer uma definição rigorosa do que entende por democracia, o seu
emprego na obra A Democracia na América parece indicar mais uma forma de
sociedade [aquela baseada no emprego de boas leis, no cultivo da vida cívica, na
partilha de determinadas crenças políticas e religiosas, etc.] do que meramente uma
forma de governo [monarquia, oligarquia e democracia]. As duas acepções principais
do conceito – sociedade pós-feudal ou modernidade – expressam um tipo ideal de
sociedade: a sociedade moderna, não hierárquica, surgida da superação do status
quo típico do Antigo Regime [domínio da nobreza feudal].
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4. Segundo a concepção de Tocqueville, o que significa “tirania da maioria”? Explique.
A “tirania da maioria” seria uma espécie de despotismo decorrente da constituição de
um senso comum autoritário, cristalizado entre a maioria da população, que impediria
a livre expressão das liberdades individuais e a defesa dos direitos das minorias.
Tocqueville temia que do interior da prática democrática pudesse emergir um
movimento autoritário populista que minasse os próprios princípios do liberalismo
recém-vitorioso.
5. Após ler o texto das páginas 177 a 179, responda à seguinte questão: Como um
novo tipo de aristocracia poderia se desenvolver a partir da indústria? Justifique.
O próprio desenvolvimento industrial, que até então favorecera o desenvolvimento da
democracia, poderia, se exacerbado, resultar na criação de uma nova aristocracia. A
concentração do poder econômico e político nas mãos de uma minoria de capitães da
indústria poderia fomentar as condições para uma nova organização hierárquica da
sociedade moderna.
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Esquema de exposição
I. Dados bio/bibliográficos
1. John Stuart Mill (20 de maio de 1806 - 8 de maio 1873) foi um filósofo,
economista político e funcionário público britânico. É considerado como o
filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX, fazendo contribuições
importantes à teoria social, à teoria política e à economia. Foi um defensor do
utilitarismo, a teoria ética proposta incialmente por seu padrinho Jeremy
Bentham.
* Utilitarismo – doutrina ou teoria desenvolvida pela filosofia liberal inglesa,
especialmente por Jeremy Bentham (1748-1832) e por Stuart Mill (1806-1873),
que considera a boa conduta humana como sendo motivada pela busca do útil
e do prazer.
2. Foi o primeiro filho de James Mill e Harriet Barrow. Ele foi educado pelo pai,
com a assistência de Jeremy Bentam e Francis Place.
3. Aos 3 anos aprendeu o alfabeto grego e longas listas de vocabulário desta
língua.
4. Aos 8 anos já lia em grego: Fábulas de Ésopo, Xenofonte, Hérodoto,
Diógenes, Platão, etc.
5. Aos 12 anos inicia seus estudos de lógica, lendo Aristóteles no original.
6. Aos 13 anos se dedica à Economia Política, principalmente ao estudo de
Adam Smith e Ricardo.
7. Dos 14 aos 15 anos, faz uma viagem de estudos à França: aprende a língua,
dedica-se aos estudos de química, botânica, alta matemática, direito romano,
etc.
8. Em 1826, aos 20 anos de idade, sofre de uma profunda depressão: salva-se
da crise graças à poesia (Sheley e Wordsworth).
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9. Em 1851, aos 45 anos de idade, casa-se com Harriet Taylor (socialista e
feminista). A história de amor dos dois é digna de romance: Mill se apaixona
por Harriete – mulher bonita e muito inteligente –, porém casada, que veio a
exercer grande influência no seu trabalho. Cerca de 20 anos depois, quando
seu marido faleceu, Harriet Taylor se casou com John Stuart Mill. Ele se referia
a ela como “dádiva-maior da minha existência” e ficou inconsolável quando ela
morreu, sete anos depois.
10. Morre em 1873, aos 67 anos.
11. Principais obras:
Sistema de Lógica (1843) – aborda a metodologia das ciências morais e
contesta a geometria política de Bentham.
Princípios de Economia Política (1848) – análise da natureza da riqueza e
das leis de sua produção e distribuição.
Sobre a Liberdade (1859) – defesa da liberdade individual diante do Estado.
Considerações sobre o governo representativo (1861) – defesa do governo
representativo e da introdução do sistema proporcional que assegure a
representação das minorias.
A sujeição da mulher (1869) – defesa da igualdade de gêneros.
II. O contexto social da teoria política de John Stuart Mill
1. A primeira metadade do século XIX experimenta o apogeu da revolução
industrial que eclodiu nas últimas décadas do século XVIII: surgimento do
proletariado, da burguesia industrial e financeira, universalização da economia
monetária, etc.
2. Modificações na vida inglesa:
i). Constituição de instituições representativas e de um sistema político
legítimo, capaz de expressar o dissenso social;
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ii). Alargamento ou expansão das bases sociais do sistema político, com a
incorporação de setores cada vez mais amplos da população, através das três
grandes reformas eleitorais: 1832, 1867 e 1844;
iii). Questionamento colocado à teoria política pelo contexto social: Como
incorporar a massa de proletários no sistema político sem provocar
rupturas revolucionárias?
III. O novo liberalismo de Stuart Mill
1. Como classificar o ‘sistema político-filosófico’ ou teoria política de Stuart Mill?
2. Para isso, precisamos primeiro entender suas características específicas.
Assim, torna-se necessário fazer uma distinção entre a tradição liberal francesa
e a tradição liberal inglesa:
i) Tradição francesa – considera as condições sociais da ação política;
ii) Tradição inglesa – argumentação com base no empirismo, utilizando-se do
raciocínio dedutivo e desconsiderando a dinâmica social.
3. As bases da ‘teoria política’ milliana:
i) Quanto à perspectiva de análise política temos duas alternativas:
a. perspectiva do príncipe ou análise a partir “de cima” (Maquiavel, Thomas
Hobbes, etc.);
b. perspectiva popular ou “de quem é alvo do poder” (esta é a perspectiva
utilizada por John Stuart Mill).
ii) Quanto à metodologia de análise:
a. metodologia organicista: a sociedade se sobrepõe ao indivíduo (sociedade
→ indivíduo);
b. metodologia individualista: o indivíduo precede a sociedade (indivíduo →
sociedade).
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4. Com Stuart Mill, o liberalismo descarta seu ranço conservador, defensor do
voto censitário e da cidadania restrita, para incorporar um elenco de reformas
que vão desde o sufrágio universal até a emancipação feminina.
5. A obra de Mill pode ser considerada uma síntese entre o liberalismo clássico
(elitista) e os ideais do movimento democrático do século XIX: contudo, em
hipótese alguma, ele pode ser considerado como um democrata radical.
6. O ideal de Mill é o estabelecimento de um sistema político representativo e
proporcional que impeça a hegemonia de um interesse seccional sobre os
demais (isto é, que impeça a hegemonia dos trabalhadores sobre os
capitalistas).
7. Para alcançar estes resultados, Mill propõe duas medidas:
a. adoção do sistema político proporcional – que assegura a representação
dos setores minoritários da sociedade no parlamento;
b. adoção do voto plural – estabelecer um peso maior ao voto dos
intelectuais, visando mediar a disputa entre proletários e capitalistas.
IV. A concepção milliana de indivíduo e sociedade
1. A natureza humana faz do homem um maximizador do prazer e um
minimizador do sofrimento (paradigma do homo economicus);
2. A sociedade é constituída pelo soma de consciências autocentradas e
independentes, cada qual buscando realizar seus desejos e impulsos
(artificialidade do corpo político);
3. O bem-estar/felicidade pode ser calculado subtraindo-se o montante de
sofrimento do valor bruto do prazer (utilitarismo), viabilizando-se o cálculo da
felicidade do indivíduo e da sociedade;
4. O bom governo será aquele capaz de garantir o maior volume de felicidade
líquida para o maior número de cidadãos: este só pode ser o governo
democrático.
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V. Sobre a Liberdade – Capítulo 1:
1. Problema – Quais os limites do poder que pode ser exercido pela sociedade
sobre os indivíduos?
2. Liberdade x autoridade – tema recorrente na história do Ocidente (Grécia,
Roma, Inglaterra, etc.).
2.1. Como esta questão foi respondida ao longo da história? Existiram dois
expedientes para se limitar a tirania:
i). Inicialmente, pela salvaguarda dos direitos políticos (direito à rebelião);
ii). Posteriormente, pela limitação constitucional do poder do governante.
3. Progressivamente, a sociedade se deu conta que os seus governantes
deveriam ser eleitos e ocupar o poder somente por um tempo determinado;
3.1. Contudo, após a afirmação da democracia constitucional, a limitação do
poder do governante perdeu importância, já que o governo legítimo era
equiparado ao autogoverno do povo.
4. Todavia, com a constituição das democracias modernas percebe-se a
necessidade de se limitar o poder dos governantes, mesmo quando são
legítimos e sustentados pelo apoio popular;
4.1. O pressuposto do conteúdo popular do governo democrático não expressa
a condição real da questão;
4.2. Por quê? Porque a vontade do povo é sempre a vontade do maior número
ou da parte mais ativa do povo;
4.3. Consequentemente, o povo pode desejar oprimir uma parte de seu número
(minorias), exigindo-se precauções contra o abuso de poder.
5. A ‘tirania da maioria’ é a tirania do conjunto da sociedade sobre os
indivíduos;
5.1. Contudo, a ‘tirania da maioria’ não significa despotismo político (governo
de um só ou de poucos);
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5.2. A ‘tirania da maioria’ é a imposição por parte da sociedade, tanto por meios
legais quanto pela coerção da opinião pública, das ideias e das práticas
dominantes como regras de conduta a todos os indivíduos;
5.3. Portanto, a interferência da opinião coletiva sobre o indivíduo deve ser
limitada: esta limitação é tão necessária quanto a proteção contra o despotismo
político.
6. A proposta de Stuart Mill – O único princípio capaz de estabelecer os limites
legítimos do poder da sociedade (leis e coerção moral) sobre os indivíduos é a
salvaguarda da autoproteção:
“O único propósito para o qual o poder pode ser legitimamente exercido sobre
qualquer membro de uma comunidade civilizada e contra a sua vontade é o de
evitar danos aos demais” (p. 206).
7. Capítulo 2 – Por que a liberdade de pensamento e de discussão deve ser
assegurada?
1. Porque esta é a única forma de se assegurar o desenvolvimento moral e
cultural do próprio povo.
VI . O governo representativo – Por que o governo representativo é a forma
ideal de governo?
1. Porque é a única forma de governo que pode satisfazer plenamente as
exigências da sociedade, estimulando o crescimento moral e cultural dos
indivíduos, a participação nos negócios públicos, etc.
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Questões
1. Como a questão da liberdade era colocada na Antiguidade? Explique.
2. Como a questão da liberdade passa a ser posta na modernidade? Explique.
3. Por que, segundo Stuart Mill, a ‘tirania da maioria’ é ainda pior do que o
‘despotismo político’? Justifique.
4. Qual o princípio proposto por Stuart Mill para regular as relações de controle
da sociedade sobre os indivíduos? Explique este princípio.
5. Explique por que o governo representativo é defendido por Stuart Mill como
a ‘forma ideal’ de governo.