DABAS A Intervenção em Rede
DABAS A Intervenção em Rede
RED DE
REDES: As Práticas da intervenção em redes sociais. Buenos Aires: Paidós
A INTERVENÇÃO NA REDE
Os Inícios
O tema das redes sociais tem sido desenvolvido a partir de diferentes perspectivas e,
em alguns casos, com uma denominação diferente. Os percursos anteriores realizados
por outros oferecem elementos para significar essa possibilidade de nível de análise das
relações sociais a partir dos novos paradigmas do pensamento contemporâneo.
Embora seja impossível registrar todas as contribuições sobre o tema, seria interessante
mencionar alguns dos mais significativos.
Dentro da abordagem da terapia familiar, tem-se destacado tanto a função da
rede social para o desenvolvimento e mudança de cada um dos membros da família
(Sluzki, C.; Bott, E.) como a importância de apelar a ela na resolução de
situações de crise (Speck, R.; Klef-beck, L; Maldonado Allende, I.).
Tomando como base os desenvolvimentos dentro do campo mencionado surgem
propostas interessantes de abordagem de bairro e comunitária que consideram a rede um fator
significativo de análise (Elkaïm, M.; Bas-sinet-Bourget, M.J.; Bertucelli, S.; Fuks, S.).
Sob uma perspectiva sociológica, merecem destaque as contribuições que relacionam
os processos de marginalização gerados em grande parte pelo desemprego, a patologia
econômica e a patologia social, as crises de identidade nas sociedades modernas com
a ruptura das redes sociais de pertencimento e a perda da segurança dos
contextos locais (Castel, R.; Giddens, A.; Gueco, M.).
Dado que a temática de redes sociais intersecciona diferentes ideias e diversas
práticas, seria importante considerar as contribuições que a partir da análise
institucional e de grupos foram realizados. Desde as práticas comunitárias efetuadas
em nosso país pela equipe de Saúde Mental do Hospital Lanús, dirigida pelo Dr.
Mauricio Goldemberg, tanto simultânea como posteriormente alguns desenvolvimentos têm
remarcado uma abordagem descentralizada da função do especialista, apoiando-se na
capacidade autogerenciadora dos grupos (Bauleo, A.; Baremblitt, G.; García Reinoso, G.;
Flament, C.).
Para os efeitos desta introdução, é importante destacar que as práticas em
as redes sociais que permitiram chegar às ideias que aqui se desenvolvem começaram em
o âmbito da equipe de Aprendizado e Desenvolvimento do Departamento Materno-Infantil do
Hospital Carlos Durand da cidade de Buenos Aires.
A prática concreta que abordamos foi o trabalho com Multifamilias, experiência
que iniciamos em 1983. Marcamos esta data porque não foi alheia a que
poderíamos começar esta tarefa: a restauração da democracia na Argentina.
Poder voltar a formar uma equipe de trabalho, que desde sua constituição tentou
resguardar o espaço para a autorreflexão, possibilitou pensar conjuntamente uma
prática que desde seus primórdios ofereceu significativos obstáculos e descobrir nela uma
trama de relações que não havíamos conseguido visualizar antes desse modo.
Começar a pensar em termos de rede nos ajudava a reconstruir nossa própria
trama social danificada, a criar dispositivos que nos permitam elaborar nossos medos e
ajudar os outros a fazer isso. A desocupar de nosso corpo aquele estranho instalado que
nos tornava rígidos em nossa ação, instaurando a desconfiança como modo básico
de relacionarmos.
Após quase dez anos de trabalho intenso, podemos escrever sobre esses
práticas e nos darmos conta de que outros pensam de maneira semelhante, compartilhando este caminho de
sustentá-las tanto na capacidade autorreflexiva das pessoas sobre sua ação e
pensamento como na organização autogerida de seus projetos.
O trabalho com Multifamilias surgiu como uma modalidade "alternativa" de
abordagem clínica dentro de uma instituição hospitalar.
Um fato aleatório nos possibilitou mudar nossa perspectiva sobre os relacionamentos que
se estabeleciam entre os consultores. Havíamos começado a gravar em vídeo as entrevistas
multifamiliares. Dado o inédito da abordagem, os coordenadores costumavam sair da sala
de reunião para discutir a próxima intervenção. Nesse momento a gravação se
interrompia partindo do implícito, já que não havia sido acordado anteriormente, que ao
não estando a equipe, não se continuava com o registro.
Até que um dia o cameraman tomou a decisão de continuar filmando o grupo
quando os terapeutas saíssem. Quando nos deparamos com o material desse
entrevista, produjo um grande impacto descobrir as inter-relações tão diferentes que se
suscitavam na nossa ausência. Eram combinados encontros para acompanhar aquele que havia
tomaram uma iniciativa, realizavam propostas concretas de ações a seguir em relação
com o problema que os havia convocado, falavam com uma soltura que desconhecíamos.
Junto com o processo de autorreflexão que realizamos acerca da função
obturante que podemos cumprir os profissionais, descobríamos a trama da rede
social. Já não era apenas uma modalidade alternativa de admissão hospitalar, mas sim uma
possibilidade de potencializar as redes de solidariedade entre as pessoas que compartilhavam
problemas similares.
A difusão da prática com Multifamiliares abriu outras instâncias de inserção
do trabalho em rede. O alto número de consultas e encaminhamentos que realizavam as
escolas médias da área do hospital levaram à possibilidade de promover entre elas o
desenvolvimento de redes inter e intra-institucionais, com a participação dos diferentes
atores sociais.
Outra das propostas mais significativas de desenvolver intervenções em rede foi
no âmbito da educação rural, propondo-se através delas gerar alternativas
ao isolamento, desarraigo e falta de pertencimento à comunidade que caracteriza tanto a
os alunos e suas famílias, assim como os docentes. Pouco tempo depois, a proposta se
estendeu a trabalhar com estas intervenções em um programa de habitat popular,
centrando o interesse nas redes interbairros, intermunicipais e intersetoriais.
Desde distintos âmbitos de inserção —saúde, educação, trabalho, cultura,
justiça, habitat—, encontramos um número crescente de pessoas em situação
de risco. No panorama da América Latina isso assume características próprias. Resulta
é difícil classificar as patologias: a problemática econômica se entrelaça com a
social e com a psicológica: o desemprego ou a proximidade dele gera medo,
angústia e sensação de desamparo; a ameaça sempre presente dos processos
hiperinflacionários se associa com o aumento da violência, seja esta no interior de
as famílias ou nas ruas. Migrações massivas do campo para a cidade ou das cidades
pequenas a outras mais grandes implicam a perda da segurança dos contextos
locais.
Nessas situações, as pessoas apelam a uma gama de recursos para se adaptar a
a nova situação. Mas resulta mais difícil seu desenvolvimento quando a inserção ativa na
a rede social está sendo obstruída. Está ocorrendo um processo progressivo de desafiliação
(Castel, 1991) em que os eixos que possibilitam a pertença vão se enfraquecendo.
Vimos surgir então uma série de estratégias na forma de programas
diversos para o tratamento dos problemas socioeconômicos. Programas pensados em
sua grande maioria sem a participação dos beneficiários. É o que Castel chama de
gestão dos riscos sociais, que define como o estabelecimento de um perfil que
ordene para as populações com 'nível de risco' os trâmites sociais que serão vistos
obrigadas a realizar (Castel, 1984). A relação é despersonalizada e as pessoas se veem
imersas em contextos extremamente amplos, separados no tempo e no espaço.
No mundo moderno, a vertiginosidade das mudanças está relacionada com a
profundidade com que afetam as práticas sociais e as modalidades de agir
precedentes. Os acontecimentos vão se sucedendo independentemente de seu
acionar, e a mirada e a conversa são substituídas por expedientes, números ou chaves.
Segundo Giddens, nas formações pré-modernas, o tempo e o espaço estavam conectados.
mediante a representação da situação do lugar. O quando se encontrava conectado com
o onde do comportamento social, e essa conexão incluía a ética deste último. Em
as sociedades modernas, por outro lado, a separação de tempo e espaço envolve o
desenvolvimento de uma dimensão vazia do tempo. Suas organizações suponhem o
funcionamento coordenado de muitas pessoas fisicamente ausentes umas em relação a
outras; suas ações se conectam, mas já não com a intermediação do lugar. A esta
primeira característica, Giddens acrescenta o desmantelamento das instituições
sociais. Define como 'o desprendimento das relações sociais dos contextos'
locais e sua recombinação através de distâncias indefinidas espaço-temporais". O
desempotramiento possui mecanismos que denomina "sistemas abstratos". Estes
imponham tanto meios de troca com um valor padronizado e intercambiáveis em uma
pluralidade de contextos (por exemplo, o dinheiro) como modalidades de conhecimento
técnico que possuem validade independentemente de seus executores. Esses sistemas
penetram todos os aspectos da vida social e pessoal, afetando as atitudes de
confiança, já que esta deixa de se conectar com as relações diretas entre as pessoas.
Progresivamente se destruye a estrutura protetora da pequena comunidade,
substituindo-a por organizações mais amplas e impersonais. As pessoas se
sentem-se despojadas em um mundo onde rapidamente desaparecem o suporte, os apoios
psicológicos (Giddens, 1992).
Este significativo aporte de Giddens não propõe de forma alguma o retorno às
formações premodernas como modelos de organização social onde os conflitos e
as ansiedades não existissem. Isso soaria como um retorno à infância mítica.
Mas é importante considerar o valor dos contextos locais, dos
relações pessoais, da confiança no outro, da possibilidade de participação na
planejamento dos programas que afetam a vida do conjunto.
Desde estes princípios a proposta de Desenvolvimento em Escala Humana (CEPAUR,
1986) se sustenta em três pilares básicos: a satisfação das necessidades humanas
fundamentais, a geração crescente de autoindependência e a articulação orgânica
das pessoas com a natureza e a tecnologia. Esses pilares são constituídos com a
participação das pessoas, participação que segundo nossa experiência deve ter um
protagonismo real que inclua a possibilidade de tomar decisões.
Temos visto muitos programas de "participação popular" que consistem em
pedir a gente a sua opinião para depois decidir pelas costas do conjunto o caminho a seguir.
Um dos efeitos mais interessantes desse protagonismo é a transformação da
persona-objeto em pessoa-sujeito, com uma clara visualização de seus recursos, uma
valorização dos seus saberes e uma tomada de consciência dos ganhos que podem ser
obter através da participação ativa na organização social.
Os eixos comuns que fomos encontrando como efeito dessas intervenções
são o desenvolvimento da capacidade autorreflexiva e autocrítica, uma otimização da
organização autogerida e uma mudança na subjetividade das pessoas, o que implica
também modificações em sua família e seu meio social. Este processo de construção
A coletiva possibilita a otimização das relações sociais. Essa construção se
sustenta na ação que cada pessoa deve realizar em relação ao contexto social,
já que essa ação é a que o reconfigura em relação a ele. Mas essa ação cobrará
sentido quando se produz uma tomada de consciência de como esta se entrelaça com as do
conjunto, produzindo uma transformação. Isso contribui para a ruptura de mitos
familiaristas
Consideramos que o mito se refere a uma série de crenças compartilhadas por
todos os membros de uma família, um grupo ou uma organização. Tais crenças não
são desafiadas por nenhum dos envolvidos, apesar de que possam gerar
distorções de como a realidade pode ser construída por outros. A luta para conservar
o mito é a luta para conservar a relação, relação que é vivida como vital.
Janine Roberts considera que os mitos constituem parte de um processo
evolutivo que serve tanto a funções homeostáticas como morfogenéticas, a partir de
as quais se definem os papéis das pessoas que as sustentam, as imagens de si
mesmas, as experiências históricas compartilhadas e as visões de mundo fora das
fronteiras que cada grupo define (Roberts, 1989).
A esse respeito, Bauleo afirma que o mito construído terá como função que os
sujeitos se comportem de acordo com o que ele determinou. Essa estrutura mítica
levam em si as contribuições sociais recebidas pelo grupo através dos integrantes. Em uma
a polaridade entre organização versus espontaneísmo se joga a passagem de agrupamento para
grupo. Nesta polaridade evidencia-se a relação entre o tempo social e o
tempo interno de um grupo, que dará definição à finalidade que o grupo se propõe
relação com seus interesses (Bauleo, 1983).
Desde nosso ponto de vista, os mitos "familiaristas" se baseiam no
espontaneísmo e acarretam a dificuldade e/ou ruptura da possibilidade de organização
autogestora, mantendo a crença de que a unidade é boa, sem deixar espaço para o
diferente, buscando líderes ou condutores externos ao grupo que lhes proporcionarão proteção
e ajuda, colocando-se assim na posição de sujeitos sujeitos às normas e a um destino
prefijado. De qualquer forma, organização e espontaneísmo formam um par
complementar em relação à continuidade ou ao desaparecimento de um grupo, e se
interpretam primeiramente de acordo com a finalidade em jogo, e só em segundo lugar de acordo com as
forças externas.
Consideramos que a conscientização sobre a capacidade de organização
influencia na apropriação de um projeto assim como o desenvolvimento deste vai constituindo
aquela.
Deste modo, retomamos o enunciado anteriormente com respeito a
progresiva consolidação de formas autogestionárias, que se aprofundam ao serem comparadas,
discutidas, consensuadas e retificadas com outros atores sociais que realizam
processos semelhantes.
Trataremos de nos aproximar ao conceito de rede social, que implica um processo de
construção permanente tanto individual quanto coletiva. Neste ponto diríamos que
é um sistema aberto que, através de uma troca dinâmica entre seus integrantes e
com integrantes de outros grupos sociais, possibilita a potencialização dos recursos
que possuem. Cada membro de uma família, de um grupo ou de uma instituição se
enriquece através das múltiplas relações que cada um dos outros desenvolve.
Os diversos aprendizados que uma pessoa realiza se potencializam quando são
socialmente compartilhados na busca de solucionar um problema comum.
As Ideias
As práticas da intervenção em rede nos levaram a precisar conceitos teóricos
que em seu conjunto fazem parte da epistemologia que delimita nossa ação.
O primeiro deles refere-se à unidade biosociopsicocultural do homem. Hoje
Hoje em dia pareceria de certa ingenuidade reafirmar a unidade do homem, a qual parece ser
aceita por todas as disciplinas científicas assim como por diferentes práticas. De todos
modos cabe precisar uma série de questões referentes à aceitação de uma definição
independente do contexto em que é formulada. Morin avisa sobre a
influência do humanismo e do pensamento cartesiano, que levaram a definir como
homem à pessoa de gênero masculino, branco, que pensa racionalmente, técnico,
adulto, derivando dessa concepção uma série de subprodutos sociais tais como
as mulheres, as pessoas de diferentes grupos étnicos e os jovens, entre outros.
Ressalta a necessidade de incluir a ideia de cultural nesta concepção, já que
comportamentos sociais são observados em grupos de diferentes espécies animais, em
tanto que certas construções consideradas 'naturais', como o conceito de raça,
é netamente produto da cultura. Afirma que a cultura domina e corrige a
natureza humana, como confirmam os estudos realizados pela biologia moderna
(Morin e Piatelli-Palmarini, 1982).
Neste caso, é interessante citar os avanços que estão sendo produzidos com o
Programa Genoma Humano, cujos desenvolvimentos abrem uma série de interrogantes ético-
filosóficos para a humanidade.
Piatelli-Palmarini ressalta a importância de reconstruir logicamente um laço de
relações autoorganizadoras: o laço biocultural que surge do laço biossocial. Ressalta
que as aproximações genéticas, neurológicas, psicológicas, ecológicas,
socioculturais e sociohistóricas convergem para dar consistência e enriquecer ao mesmo tempo
a ideia da unidade e da diversidade humanas. O característico da organização do
sistema homo é que pode gerar grandes variedades de comportamentos e de
relações sociais. Concluem afirmando que não há uma essência do homem, mas sim uma
sistema homo multidimensional resultante de interações organizacionais que
apresentam caracteres muito diversos.
Este é um paradigma que nos leva à reflexão permanente sobre com
quem estamos trabalhando, como os estamos vendo, quais semelhanças e o que
diferencias encontramos com relação a nós mesmos.
Desde este ponto de vista, o conceito de ordem, derivado do
pensamento cartesiano, que conseguiu categorizar a realidade em grades explicativas.
Com base nisso, as pessoas, os grupos sociais e os
comunidades, ignorando as construções que elas realizaram e forçando seu
inclusão em marcos de referência erigidos a partir de outra cultura.
Uma nova perspectiva que levanta o debate em torno dos conceitos
tradicionais de determinismo, simplicidade, linearidade e reducionismo, apresentando as
ideias de causalidade circular, complexidade, acaso e a emergência do novo,
introduza a possibilidade de conceber a unidade dentro da diversidade. Isso implicaria
aproximar-se a uma concepção de homem que inclua as diferentes construções
culturais, o que leva a uma mobilidade permanente na construção do conceito.
Um segundo ponto em que se baseia a nossa ação é a concepção da mudança.
como um processo que ocorre de forma discreta através de sistemas
autoorganizadores. Esses novos desenvolvimentos nos levam a tentar entender sistemas já
não só a partir da busca das relações, mas a partir da pergunta de como
geramos nós esse sistema.
Pakman, nos comentários que faz sobre a obra de Heinz Von Foerster
(1991), sugere que é importante considerar que todo fenômeno de autoorganização vai
acompanhado por um de desorganização no ambiente do sistema autoorganizado. Se
se for eliminado se perde o fenômeno de autoorganização.
Isso implica aceitar a capacidade dos sistemas de modificar suas estruturas
quando ocorrem mudanças no seu meio, alcançando um maior nível de complexidade
durante esse processo e potencializando suas possibilidades de sobrevivência. Essas mudanças
ao mesmo tempo em que mantêm uma estabilidade alcançada anteriormente, desenvolvem
modalidades organizacionais inovadoras.
Diremos que todo sistema requerir um ambiente do qual tomar diretrizes de
ordem e ao qual desorganizar. Relacionando este ponto com o mencionado mais acima em
em torno da concepção de ordem, esta perspectiva reforma o conceito de controle, já que
se afasta da possibilidade de um caminho fixo e previsível. Através do conceito de
a regulação pode conceber caminhos variáveis e imprevisíveis que reestruturam o
jogo complexo entre os componentes do sistema. Se entendemos os sistemas
sociais como sistemas autoorganizadores, podemos afirmar que a mudança introduz
uma nova ordem a partir da ordem anterior, do desordem e da capacidade de agir
como um selecionador de elementos úteis para sua estrutura.
É importante, antes de concluir este ponto, fazer uma referência ao conceito de
obstáculo, destacado dentro do campo da epistemologia por Bachelard, que fixa uma
nova era na construção do conhecimento a partir da relatividade einsteiniana
transforma conceitos que se pensavam imutáveis. Sua proposta de acesso ao
conhecimento —hoje adicionaríamos o novo— através da transformação dos
obstáculos em uma possibilidade, relaciona-se com outros desenvolvimentos desta segunda metade
do século que introduzem a ruptura da linearidade e da simplicidade.
Bachelard afirma que o primeiro obstáculo é a experiência. Acrescentaria que seu
a presença aumenta a tensão em uma pessoa, em um grupo ou em uma comunidade. Esta tensão
introduzir a necessidade de mudança em relação aos comportamentos habituais do sistema
afetado. Essa situação excede os limiares da estabilidade possibilitando a entrada
de informação nova, que pode vir tanto de recursos pessoais como do
sistema social.
Um terceiro ponto de sustentação é constituído pela compreensão de que a noção
a realidade provém de uma construção social, assumindo que esta é uma perspectiva e
não uma "verdade". Esta concepção nos replanteia a diferença entre invenção e
descobrimento. Consideramos que as pessoas, os grupos, as comunidades preexistem a
nossa conceituação, uma vez que quando afirmamos "esta é a realidade", essa
afirmação se constitui em algo novo, algo criado, inventado, com respeito a um
sistema que já estava funcionando. É claro que essa nova construção pode coincidir
com outras formulações, dissentar delas ou complementá-las, inclusive a dos atores
que vêm integrando esse sistema ao longo do tempo. Isso resulta em um elemento
significativo para refletir sobre a posição de quem intervém nas redes sociais. Esta
a intervenção de alguma forma "chega tarde" à rede, no sentido de que esta já está
formada. O que pode haver é, segundo Pakman, um marco consensual pelo qual em
certo momento se reconhece um algo organizador, que em geral vem associado com um
nome.
Esse nome ajuda a discriminar e a distinguir claramente um objeto, e a partir de
nesse momento pode haver um momento "oficial" de constituição da rede (Pakman,
1992).
Um operador, desde o momento em que intervém, deixa de ser alheio ao sistema,
incluindo suas próprias limitações e determinantes quando fala sobre ele, o que também
o leva a incluir as restrições nas premissas que determinam o que os atores da
red contam sobre seus relacionamentos.
Retomando os comentários de Pakman, é interessante o que ele propõe sobre
a pertinência das novas construções que surgem, quando propõe tomar três
parâmetros: um parâmetro pragmático, segundo o qual toda construção da realidade é
pertinente tanto se possibilita uma ação eficaz quanto se gera uma diferença observável
no operar de um sujeito, um grupo ou uma comunidade em relação a interações
anteriores, significadas como ineficazes em relação ao problema apresentado; um
parâmetro ético, que implica o respeito pela subjetividade, no caso das pessoas, e
pela ecologia, no caso de outros organismos vivos, e por último um parâmetro
estético, que considera os sentimentos, o movimento das sensações de mal-estar a
as de bem-estar no núcleo considerado problemático, sabendo que este movimento
será de fato inestável.
Desde esta perspectiva na interrelação complexa do pragmático, do ético e
o estético se definem as possibilidades de uma intervenção comprometida com um
propósito social, o que Pakman denomina uma labor ecológica (Von Foerster, 1991).
Em quarto lugar, tomamos como referência um conjunto de conceitos tais como
instituído, instituidor e transversalidade, que, utilizados desde o campo da análise
institucional, aportam elementos interessantes para refletir sobre as redes sociais e
as intervenções. Lourau analisa como a referência às instituições tem sido
centrando cada vez mais como a relação com o instituído, isto é, a coisa estabelecida,
as normas vigentes, esvaziando-se do significado de instituir, no sentido de fundar,
criar, transformar uma ordem antiga em outra nova, o que seria dado pelo
movimento instituyente. O conceito de transversalidade ajuda a compreender a
dificuldade de que as pessoas consigam universalizar o conhecimento do meio em que
vivem. Se define, segundo Guattari, pela oposição à verticalidade (estrutura piramidal
do organograma) e à horizontalidade (relações mais ou menos informais); a
a transversalidade tende a realizar-se quando se efetua uma comunicação máxima entre
os diferentes níveis e em diferentes sentidos. Constitui-se na base da
ação instituidora, na medida em que toda ação coletiva exige um foco
dialético da autonomia do aglomerado e dos limites objetivos dessa autonomia.
É a condição indispensável para passar do grupo-objeto ao grupo-sujeito, entendendo
pelo primeiro o grupo submetido às hierarquizações e ao instituído e ao segundo
como o que pode se abrir através de ações instituintes (Lourau, 1970, e Guattari,
1976).
Uma síntese para este tema seria a contribuição de Baremblitt, que diz que
os processos autogestores se desenvolvem immanentemente com outros autoanalíticos por
os que os coletivos produzem saber, conhecimento e inteligência de suas condições de
vida (dito no sentido mais amplo) e das transformações incessantes que se
operam nela no sentido das utopias ativas que a orientam.
Aporta do português o verbo pensamentear, que parece prestar-se para designar
pensares entre pensares, otorgando movimento e capacidade de reformulação à
ação de pensar, o que implica uma possibilidade constante de transformação
(Baremblitt, 1992).
Por último, embora não se esgotem as ideias que contribuem para o tema das redes e a
intervenções que nelas são realizadas, resulta significativo destacar os conceitos de
habitus e lógica prática, aportados por Bourdieu. O conceito de habitus supera a
antiga oposição indivíduo-sociedade. Constitui-se em um fundamento da regularidade
das condutas, e certas práticas são previsíveis porque o habitus faz com que as
as pessoas, a quem Bourdieu chama de agentes sociais, se comportam de uma maneira
determinado em certas circunstâncias. Sob esta perspectiva, o habitus tem relação
com o impreciso, não com o jurídico.
Portanto, as representações dos agentes variam de acordo com sua posição em
rede social e de acordo com seu habitus, que conforma um conjunto de esquemas de apreciação e
de percepção. O habitus produz práticas e representações que estão disponíveis
para a classificação, mas que não são percebidos imediatamente, exceto pelos agentes que
possuem o código.
Em relação ao conceito de lógica prática, esta se encontra presente na maior
parte de nossas ações, seja tanto no que se faz como no que se deixa de fazer
fazer, na cotidianidade, a regulação das relações espaciais e do habitat, o
manejo do tempo e tudo aquilo que faz parte da vida das pessoas e da
comunidades (Bourdieu, 1988).
Essas ideias são extremamente interessantes quando refletimos sobre as
estratégias de intervenção. Muitas vezes se intervém a partir da lógica do discurso,
ignorando a espontaneidade, o vago, o inefável, o 'mais ou menos' que observamos em
os comportamentos das pessoas. Isso responde a uma lógica prática, que é uma
lógica de produção diferente. O desconhecê-lo provoca situações de fracasso ou de
obstrução no trabalho em redes sociais.
A Intervenção
Para poder pensar sobre as múltiplas intervenções realizadas talvez seja
é necessário precisar que está sendo realizado um detento em um processo e uma
localização que tenta ser externa a ele.
Por outro lado, é de desejar que as ideias que se formulem sobre a
que a intervenção seja suficientemente flexível para permitir que continuem a ser pensadas
y reformuladas.
Desde a perspectiva do operador, o primeiro passo a ser realizado é a organização de
a intervenção. As redes sociais são a descrição de certas interações;
Algumas circunstâncias fazem surgir em alguns o intento de organizar essas interações.
Este é um dos passos estratégicos-chave. Quando pensamos nas redes, estas
se nos apresentam sem bordas nítidas, mas se nos atemos aos conceitos trabalhados
anteriormente isso não significa que não haja uma organização prévia. Como se formula
Pakman, as coisas vêm acontecendo há algum tempo e é bom recordar que o início da
intervenção não é apagar e começar de novo.
Quando as redes possuem bordas borradas, o operador costuma denominá-las 'redes
informais", mas talvez não seja uma redundância esclarecer que estamos na presença de um
fenômeno auto-organizado. O que não está presente é o elemento organizador.
Seguindo novamente Pakman, no momento da organização, esta está
trabalhando junto à auto-organização e compete com ela (Pakman, 1992).
Em nossa experiência, comprovamos que quando através de
intervenção estabelece bordas rígidas às redes, estas voltarão ao seu
desorganização
o que se esperava dos integrantes. A título de exemplo, citamos organizações de
base que não consolidaram suficientemente um processo de autogestão em relação com
a busca de recursos para a satisfação de suas necessidades.
Por uma intervenção externa a elas, seja de índole governamental ou não
governamental, se ve compelida a conformar uma organização jurídica como
condição de obtenção de um subsídio, um crédito ou o acesso a um serviço. É bastante
é frequente verificar que, diante dos problemas que surgem, a organização se dilui
as interações, mas não as redes que funcionavam anteriormente. Desde o ponto de
do ponto de vista do operador, isso costuma ser interpretado como o fracasso da intervenção.
Por outro lado, se ao intervir o operador se depara com limites demasiado
rígidos, é provável que você esteja diante de uma organização autoritária, com processos
significativos de burocratização. Um aspecto que destacamos neste ponto é o de a
capacidade autorreflexiva de pensar no para que da proposta de intervenção, o
qual envolve o até quando. O trabalho com netas mínimas que se baseiam nos recursos,
as potencialidades e a criatividade dos integrantes da rede colaboram neste processo
de dificultar a burocratização das interações.
Como segundo passo, incluímos a importância de tal organização em torno de
os problemas que as pessoas designam como tais.
Desde esta perspectiva, ressaltamos que não há diagnósticos a priori ou com a
exclusão de alguns dos agentes sociais, segundo Bourdieu, envolvidos.
Ao mesmo tempo, ao pensar a realidade como uma organização complexa,
consideramos que um problema definido pelos integrantes é o melhor caminho de
acesso ao crescimento da capacidade de autoindependência porque sua resolução faz
factível a elaboração de uma metodologia e/ou tecnologia própria, formando a
possibilidade da transformação da pessoa-objeto na pessoa-sujeito, através da
autoestima alcançada.
Um terceiro momento é constituído pela geração de uma história comum.
Este é o ou os problemas semelhantes que os unem, as diferenças de origem, familiares,
de interesses, laborais ou educativos, as migrações, as perdas, os sucessos. Também
é fundamental incluir o rastreamento dos resultados obtidos nas tentativas de
resolver o problema e onde localizam os obstáculos. É notável verificar como da
diversidade de histórias e situações está definindo um problema comum, que é o que
dá sentido a esse estar juntos.
Um aspecto importante neste processo de construção de uma história comum é
o de explorar todas as vozes e perspectivas, lembrando que as que falam são as
pessoas, não as organizações. O vizinho que não quer participar da cooperativa, o
diretor de escola que rejeita a capacitação dos docentes, o médico que não quer
compartilhar sua tarefa com profissionais de outras disciplinas, o funcionário que dilata a
resposta que uma comunidade precisa, o aluno adolescente rebelde às normas, são
vocês que é necessário incluir de um modo u outro. Consideramos que é preponderante
fazer isso em conjunto, pois pode expressar um ponto de vista que de outra forma não
existiria, ao mesmo tempo que pode modificar o seu próprio.
É então que surge no quarto momento a oportunidade de dar lugar ao
surgimento de propostas alternativas, possibilitando modos alternativos de descrever e
encontrar soluções.
Stuzki as chama de novas histórias, que surgem das histórias alternativas.
anteriores. Se os momentos precedentes foram cuidadosamente trabalhados, estes
propostas-histórias contarão com uma posição favorável dos participantes da rede.
Observe algumas características interessantes a serem consideradas: incluem uma
dimensão temporal, uma vez que marcam aspectos de evolução e mudança, progressão e
futuro; implicam uma atitude construtiva; é importante que se baseiem tanto nas
exemplos de competência prévia demonstrada como na utilização de recursos que se
possuem: dão intensidade às conexões com outras organizações do contexto;
contêm regras éticas explícitas e implícitas, tais como respeito pelos interesses de si
mesmo e dos outros, evitação da opressão e sofrimento, sentido do
responsabilidade coletiva, entre outras.
Conclui apontando que as mudanças geralmente ocorrem fora da
intervenção, na medida em que durante o período em que dura trabalha-se colaborando para que
cambiem as histórias (Stuzki, 1992).
O último momento do processo de intervenção está centrado na
consolidação de alternativas. Este passo muitas vezes é negligenciado, pois
geralmente o operador se empolga com as mudanças que começam a ser percebidas
rapidamente. No entanto, é fundamental deixar um espaço para este processo. As
as pessoas precisam confrontar em campo as novas propostas-histórias, introduzir as
modificações necessárias, experimentar diferentes estratégias, errar compartilhando isso
possibilidade com os outros; em suma, verificar que é difícil resolver todos os
problemas, mas que se pode realizar um aprendizado social que ofereça novas maneiras
de enfrentá-los.
Uma Reflexão
BIBLIOGRAFIA
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