Apznza 1
Apznza 1
a) a produção de conhecimentos no interior do Serviço Social, através da qual conhecemos a maneira como são
sistematizadas as diversas modalidades práticas da profissão, onde se apresentam os processos reflexivos do fazer
profissional e especulativos e prospectivos em relação a ele. Esta dimensão investigativa da profissão tem como
parâmetro a sintonia com as tendências teórico‐críticas do pensamento social já mencionadas. Dessa forma, não cabem
no projeto ético‐político contemporâneo posturas teóricas conservadoras, presas que estão aos pressupostos filosóficos cujo
horizonte é a manutenção da ordem;
b) as instâncias político organizativas da profissão, que envolvem tanto os fóruns de deliberação quanto às entidades da
profissão: as associações profissionais, as organizações sindicais e, fundamentalmente, o conjunto CFESS/CRESS
(Conselho Federal e Conselhos Regionais de Serviço Social), a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social), além do movimento estudantil representado pelo conjunto de CAs e DAs (Centros e Diretórios Acadêmicos
das unidades de ensino) e pela ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social).
É por meio dos fóruns consultivos e deliberativos dessas entidades que são consagrados coletivamente os traços gerais
do projeto profissional, onde são reafirmados (ou não) compromissos e princípios. Assim, subentende‐se que o projeto
ético‐político pressupõe, em si mesmo, um espaço democrático de construção coletiva, permanentemente em disputa.
Essa constatação indica a coexistência de diferentes concepções do pensamento crítico, ou seja, o pluralismo de ideias no
seu interior;
c) A dimensão jurídico política da profissão, na qual se constitui o arcabouço legal e institucional da profissão, que envolve
um conjunto de leis e resoluções, documentos e textos políticos consagrados no seio da profissão. Há nessa dimensão duas
esferas distintas, ainda que articuladas, quais sejam: um aparato jurídico‐político estritamente profissional e um aparato
jurídico‐político de caráter mais abrangente. No primeiro caso, temos determinados componentes construídos e
legitimados pela categoria, tais como: o atual Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei
8662/93) e as Novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Serviço Social, documento referendado em sua integralidade
pela Assembléia Nacional da ABEPSS em 1996 e aprovado, com substanciais e prejudiciais alterações, pelo MEC. No
segundo caso, temos o conjunto de leis (a legislação social) advindas do capítulo da Ordem Social da Constituição
Federal de 1988, que, embora não exclusivo da profissão, a ela diz respeito tanto pela sua implementação efetiva
tocada pelos assistentes sociais em suas diversas áreas de atuação (pense na área da saúde e na LOS – Lei Orgânica da
Saúde – ou na assistência social e na LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social – ou, ainda, na área da infância e juventude
e no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente), quanto pela participação decisiva que tiveram (e têm) as vanguardas
profissionais na construção e aprovação das leis e no reconhecimento dos direitos na legislação social por parte do Estado em
seus três níveis.
Esses componentes na prática materializam o PEP na realidade objetiva, pois tornam o PEP uma projeção coletiva dos ASs.
Projetos Societários (caráter mais amplo) - transformadores ou
conservadores - estratégias de transformação.
Projetos Profissionais (regulamentações, valores, ética profissional).
As demandas (de classes, mescladas por várias outras mediações presentes nas relações
sociais) que se apresentam a nós manifestam‐se, em sua empiria, às vezes, revestidas
de um caráter mistificador, nem sempre revelando seus reais determinantes e as questões
sociais que portam, daí que essas demandas devem ser processadas teoricamente. Tendo
consciência ou não, interpretando ou não as demandas de classes (e suas necessidades
sociais) que chegam até nós em nosso cotidiano profissional, dirigimos nossas ações
favorecendo interesses sociais distintos e contraditórios. (TEIXEIRA & BRAZ, 2009)
Nosso projeto ético‐político é bem claro e explícito quanto aos seus compromissos. Ele
tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade
concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí
um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos
sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que
propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe,
etnia e gênero. (NETTO, 1999, p. 104‐5).
=> A Lei n. 8.662, de regulamentação da profissão, definindo competências e atribuições
privativas do assistente social que representam tanto “uma defesa da profissão na
sociedade” como “um guia para a formação acadêmico‐profissional” (IAMAMOTO, 2002, p.
22).
Art. 2º Somente poderão exercer a profissão de Assistente Social:
I - Os possuidores de diploma em curso de graduação em Serviço Social, oficialmente reconhecido,
expedido por estabelecimento de ensino superior existente no País, devidamente registrado no
órgão competente;
II - os possuidores de diploma de curso superior em Serviço Social, em nível de graduação ou
equivalente,expedido por estabelecimento de ensino sediado em países estrangeiros,
conveniado ou não com o governo brasileiro,desde que devidamente revalidado e registrado em
órgão competente no Brasil;
III - os agentes sociais, qualquer que seja sua denominação com funções nos vários órgãos
públicos, segundo o disposto no art. 14 e seu parágrafo único da Lei nº 1.889, de 13 de junho de
1953.
Parágrafo único. O exercício da profissão de Assistente Social requer prévio registro nos
Conselhos Regionais que tenham jurisdição sobre a área de atuação do interessado nos termos
desta lei.
Art. 3º A designação profissional de Assistente Social é privativa dos habilitados na forma da
legislação vigente.
Art. 4º Constituem competências do Assistente Social:
Contribuição decisiva para essa análise foi realizada por Iamamoto em 2001, no 30º
Encontro Nacional CFESS-CRESS, na palestra que resultou em texto publicado em 2002
pelo CFESS, respondendo a uma demanda do Conjunto para repensar as balizas da
fiscalização do exercício profissional, com base nos artigos 4º e 5º da Lei de
Regulamentação Profissional (1993), que tratam das atribuições privativas e das
competências profissionais dos/as assistentes sociais.
Passadas quase duas décadas da densa reflexão realizada pela autora, o desafio se recoloca
diante de nova demanda do Conjunto CFESS/CRESS, por meio da COFI Comissão de
Orientação e Fiscalização Profissional), de revisitar o debate sobre o trabalho profissional à
luz das atribuições e competências das/os assistentes sociais, na conjuntura complexa e
desafiadora de espoliação do trabalho e dos direitos do conjunto da classe trabalhadora, do
qual fazem parte as/os assistente sociais. (RAICHELIS, 2020).
Este documento foi produzido pela gestão do CFESS É de batalhas que se vive a
vida (2017- 2020) que constituiu um grupo de trabalho (GT) com a assessoria da
Profª Drª Raquel Raichelis, tendo em vista deliberações aprovadas no Encontro
Nacional CFESS-CRESS de 2017, que tratavam de demandas pertinentes ao
exercício profissional, considerando as competências e atribuições privativas
do/a assistente social, isto é, a capacidade de articular as dimensões da profissão
e o dever/fazer profissionais.
=>O que delimita o caráter da atividade enquanto privativa do assistente social é a sua
qualificação enquanto matéria, área e unidade de Serviço Social.
A matéria diz respeito "à substância ou objeto ou assunto sobre o que particularmente se
exerce a força de um agente".
A área refere-se ao campo delimitado ou âmbito de atuação do assistente social.
A unidade de Serviço Social pode ser interpretada como o conjunto de profissionais de uma
unidade de trabalho.
Refletindo sobre a temática, a partir de dúvidas que pairavam sobre os já
referidos artigos 4º e 5º da lei que regulamenta a profissão (BRASIL,
1993), Iamamoto cita o Parecer Jurídico nº 27/98 , observando que, do
ponto de vista da interpretação legal, já teriam sido elucidadas, na
medida em que tal parecer “[...] sustenta serem as atribuições referentes
às funções privativas do assistente social, isto é, suas prerrogativas
exclusivas, enquanto as competências expressam capacidade para
apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo
exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela
concernentes em função da capacitação dos sujeitos profissionais”. (...)
Segundo o ponto de vista expresso no Parecer, o/a legislador/a distinguiu
as competências genéricas, contidas no art. 4°, que poderiam ser
executadas por qualquer profissional, das privativas, designadas como
atribuição.
Refletindo sobre a temática, a partir de dúvidas que pairavam sobre os já
referidos artigos 4º e 5º da lei que regulamenta a profissão (BRASIL,
1993), Iamamoto cita o Parecer Jurídico nº 27/98 , observando que, do
ponto de vista da interpretação legal, já teriam sido elucidadas, na
medida em que tal parecer “[...] sustenta serem as atribuições referentes
às funções privativas do assistente social, isto é, suas prerrogativas
exclusivas, enquanto as competências expressam capacidade para
apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo
exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela
concernentes em função da capacitação dos sujeitos profissionais”. (...)
Segundo o ponto de vista expresso no Parecer, o/a legislador/a distinguiu
as competências genéricas, contidas no art. 4°, que poderiam ser
executadas por qualquer profissional, das privativas, designadas como
atribuição.
No sentido etimológico, a competência diz respeito à capacidade de apreciar,
decidir ou fazer alguma coisa, enquanto a atribuição é uma prerrogativa,
privilégio, direito e poder de realizar algo. (IAMAMOTO, 2012, p. 37).
Nessa mesma linha de reflexão, a autora afirma que: “O que delimita o caráter da
atividade enquanto privativa do assistente social é a sua qualificação enquanto
matéria, área e unidade de Serviço Social5 ” (IAMAMOTO, CFESS, 2012, p. 38 –
em itálico pela autora), não se localizando na mera “descrição ou relato da
atividade a ser desenvolvida, que em si mesma não é prerrogativa de qualquer
profissional em particular [...].” (ibid.)
Levando em conta esses aportes, trazemos a seguir reflexões sobre dimensões
do projeto da profissão e, consequentemente, do trabalho profissional, presentes
no conjunto do material analisado, evidenciando a preocupação com a intrínseca
relação teoria-prática na sua materialização. Dessa maneira, o material, ao
abordar assuntos relacionados à produção de documentos e opiniões técnicas,
reporta às dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa,
na sua necessária unidade.
• Estudo Social em Serviço Social
• Perícia Social em Serviço Social
• Parecer Social
• Teleperícia
• Exame Criminológico
• Atendimento direto a usuárias e usuários
• Entrevistas
• Visita institucional e domiciliar
• Orientação e encaminhamento
• Articulação com a rede de serviços
• A linguagem e a comunicação • Relatório Social em Serviço Social
escrita como reveladora da • Relatório e/ou Laudo Social em
imagem da profissão Serviço Social em Conjunto com
• Particularidades e indicativos para Profissional/is de outra/s área/s do
estruturação dos documentos conhecimento
escritos • Estrutura de Relatório e/ou Laudo
• Declaração de comparecimento ou Social em Serviço Social em
de atendimento conjunto com profissional/is de
• Encaminhamento outra/s área/s do conhecimento
• Formulário/Prontuário (uma possibilidade)
• Informe - Informação Social
• Parecer Social em Serviço Social
• Laudo social em Serviço Social:
resultado ou produto de uma
perícia
Foi nesse contexto que o Serviço Social, em suas mais de oito décadas, construiu
um projeto hegemônico nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa, em meio à heterogeneidade que caracteriza a categoria
profissional e às disputas sempre presentes no confronto entre projetos e
significados atribuídos à profissão, sob a condução unificada de entidades
representativas que condensam a direção social do Serviço Social brasileiro.
Essa autonomia, segundo Coutinho (1981), não é apenas material, mas também
funcional; abre-se assim, a possibilidade luta pela hegemonia e pelo consenso no
interior da sociedade civil, isto é, no Estado em seu sentido amplo.
O Estado é atravessado pelas contradições expressas pela luta de classes. A
dominação é contraditória também e fundamentalmente
porque, se o Estado exclui as chamadas classes dominadas tem, em certa
medida, que incluir alguns de seus interesses”. (KOVARICK, 1985).
O caminho da profissionalização do Serviço Social como o processo pelo qual
seus agentes se inserem em atividades laborais cuja dinâmica, organização,
recursos e objetivos são determinados para além do seu controle, isto é, pelos
empregadores dessa força de trabalho (IAMAMOTO , 1982; NETTO , 1992).
Como profissionais assalariados/as, em grande parte pelas instituições do
aparelho de Estado nas três esferas de poder, notadamente em âmbito
municipal, mas também por organizações não governamentais e empresariais, a
força de trabalho de assistentes sociais transformada em mercadoria só pode
entrar em ação através dos meios e instrumentos de trabalho que, não sendo
propriedade desses/as trabalhadores/as, devem ser colocados à disposição pelos
empregadores institucionais públicos ou privados: infraestrutura humana,
material e financeira para o desenvolvimento de programas, projetos, serviços,
benefícios e um conjunto de outros requisitos necessários à execução direta de
serviços sociais para amplos segmentos da classe trabalhadora ou para o
desenvolvimento de funções em nível de gestão e gerenciamento institucional.
Esse processo subordina o exercício profissional às requisições institucionais nos
diferentes espaços sócio-ocupacionais que demandam essa capacidade de
trabalho especializada.
Ao mesmo tempo, o/a assistente social, enquanto profissional qualificado/ a, dispõe de relativa
autonomia, em seu campo de trabalho, para realizar um trabalho social complexo, saturado de
conteúdos políticos e intelectuais e das competências teóricas e técnicas requeridas para formular
propostas e negociar com os contratantes institucionais, privados ou estatais, suas atribuições e
prerrogativas profissionais, os objetos sobre os quais recai sua atividade profissional e seus
próprios direitos como trabalhador/a assalariado/a.
A direção social da categoria profissional, tal não ocorre sem tensões, as quais, em determinadas
circunstâncias, aparecem na autorrepresentação dos/ as assistentes sociais como expressão de
crise profissional.
Uma das manifestações recorrentes tem se apresentado quando assistentes sociais não são
reconhecidos/as pelos poderes institucionais no exercício do monopólio legitimo de atribuições
privativas previstas pela regulamentação da profissão, ou sentem-se ameaçados/as quando outras
profissões reivindicam essa competência, situação muitas vezes percebida por assistentes sociais
como perda do seu lugar institucional. Um exemplo emblemático refere-se ao estudo ou seleção
socioeconômica no âmbito de diferentes políticas sociais, atividade historicamente objeto de
controvérsias na categoria profissional, mas que, num cenário de disputa no mercado de trabalho,
passa a ser requisitada pelo Serviço Social como atribuição privativa em si mesma, sem que
estejam em questão a finalidade e o conteúdo dessa atividade, o que seria imprescindível para que
profissionais não se enredem na armadilha que alimenta a competição entre trabalhadores/as.
A categoria profissional, na dinâmica racial, sexual e social do trabalho, respondendo a
requisições ditadas pela dinâmica da luta de classes e dessas com o Estado,movimento
progressivo de regulação e produção de respostas institucionais às demandas postas
pelas contradições da questão social.
BRAGA (2012: 21) identificou como fordismo periférico, um sistema social estruturado pela
combinação de economias e nações capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas, dominado pela
mundialização das trocas mercantis, constituindo-se em uma das principais mediações históricas
entre os países capitalistas avançados e os países capitalistas subdesenvolvidos ou dependentes.
Se consideramos que é próprio do capitalismo, mesmo nos países hegemônicos, criar uma
população excedente em relação às necessidades de reprodução do modo de produção, gerando
desemprego e trabalho precário, no fordismo periférico essa sempre foi a regra.
Na mesma direção, para HARVEY (2011:16), “o poder do Estado deve proteger as instituições
financeiras a qualquer custo, princípio que bateu de frente com o não intervencionismo que a teoria
neoliberal prescreveu”. Para o autor, as políticas anticrise de corte neoliberal são parte de um
projeto de classe destinado a restaurar e consolidar o poder do capital, privatizando lucros e
socializando custos, salvando bancos e colocando os sacrifícios nas pessoas.
Para MARCELINO , (2015, p. 113), no Brasil, a terceirização, ou seja, a interposição de uma outra
empresa na contratação de trabalhadores/as, se transformou no mais importante recurso
estratégico para a redução dos custos do trabalho e, portanto, poderosa alavanca de recomposição
das taxas de lucro.
Ao mesmo tempo, pela externalização dos conflitos trabalhistas, a terceirização atua também
como poderoso instrumento de desarticulação política dos/as trabalhadores/as. A aprovação da
terceirização total (Lei 13.429/2017) chancela e legaliza a precarização do trabalho no Brasil, por
meio do leque de alternativas abertos por essa modalidade, que aprofunda ainda mais a exploração
da força de trabalho.
“Na realidade brasileira, a terceirização é inseparável da ampliação da exploração do trabalho, da
precarização das condições de vida da classe trabalhadora e do esforço contínuo das empresas
para enfraquecer as organizações dos trabalhadores”. (MARCELINO , p. 114)
E o fato de a terceirização ocorrer na empresa privada, na empresa estatal, em fundações de
direito privado ou nos serviços prestados pelo Estado não modifica o essencial dessa relação,
pois, mesmo que não ocorra um lucro imediato, há uma economia de gastos com a força de
trabalho, que é drenada para outros fins que não a ampliação do fundo público para melhoria da
qualidade da prestaçãode serviços públicos à população.
Nesses termos, a mercantilização e a financeirização dos serviços públicos, a transformação das
políticas sociais em nichos de rentabilidade para o capital modificam a forma e o conteúdo do
trabalho de assistentes sociais.
Tendências gerais do mercado de trabalho terceirizado, para distintas áreas de atuação
profissional, nas instituições privadas e públicas. Entre elas, as cooperativas de trabalhadores/as, o
trabalho temporário, as empresas de prestação de serviços internos ou externos, e principalmente
os chamados PJs (personalidades jurídicas), uma forma de terceirização que vem se expandindo
aceleradamente no cenário brasileiro.
O PJ ou a “pejotização” das relações de trabalho, no jargão da área, caracteriza-se como aqueles
empreendimentos sem empregados/as, “empresas do eu sozinho”, que passam a realizar
atividades que eram desenvolvidas por trabalhadores/ as assalariados/as. Do lado da instituição
empregadora, a exigência da constituição de pessoa jurídica para contratação e pagamento por
meio de recibo de prestação de serviço (RPA) funciona, em geral, para descaracterizar a relação de
emprego e, assim, burlar a aplicação da legislação trabalhista, o que faz diminuir os custos com a
força de trabalho e a carga tributária sobre os contratantes. E aos/às trabalhadores/as, são
sonegados os mais elementares direitos do trabalho, configurando-se o autoemprego ou, de modo
mais amplo, a “uberização” das relações de trabalho.
O tripé terceirização, flexibilização e precarização é a expressão emblemática que tipifica a nova
morfologia do trabalho em tempos de profunda degradação nas suas formas de realização, que
está presente nos diferentes espaços ocupacionais onde se inserem assistentes sociais e demais
profissionais, nas políticas de saúde, assistência social, habitação, entre outros.
Ampliaram-se as modalidades de terceirização na esfera pública estatal, como: concessão,
permissão, parcerias, cooperativas, ONGs, Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscip), Fundação Privada de interesse público, etc.
Esses trabalhadores/ as autônomos/as, mas são de fato temporários/as; em geral, realizam tarefas pontuais à
distância a partir do seu próprio computador e internet, com vínculos contratuais flexíveis e muitos sem nenhum
contrato de trabalho. Enviam os relatórios de atendimento por e-mail ou inserem informações em planilhas
informatizadas, processos que, em geral, comprometem o sigilo profissional.
São subcontratação com base em cargos genéricos (analista de benefícios, analista de RH, consultor de
benefícios), com externalização do local de trabalho, custos/despesas por conta dos/as próprios/as profissionais,
baixa remuneração, ausência de direitos e benefícios, precárias condições de trabalho e insegurança no trabalho.
Modalidades de teletrabalho, atendimento remoto ou home office estão em curso em diferentes instituições,
como os Tribunais de Justiça, Defensorias Públicas e Ministério Público, no âmbito do Poder Judiciário, que
aprovou resolução regulamentando o teletrabalho, sob o argumento de que essa prática melhora a qualidade de
vida dos/as trabalhadores/as, proporciona economia de recursos naturais (papel, energia elétrica, água, etc.),
além de colaborar com a mobilidade urbana, devido ao esvaziamento das vias públicas e do transporte coletivo.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também instituiu recentemente o Programa de Gestão na
modalidade de teletrabalho18, que, além de visar à redução de despesas de custeio (água, energia, transporte,
material de consumo, etc.), “trará uma satisfação maior do servidor e isso faz com que aumente a produtividade,
evitando retrabalhos e erros” (INSS, Resolução nº 681, 2019, p. 8-9).
Além disso, não pode ser desconsiderado que a desterritorialização traz, por si só, um benefício associado:
considerando o afastamento físico do segurado interessado na concessão do benefício dos servidores
responsáveis pela sua análise, haverá significativa redução da possibilidade de constrangimento pessoal do
requerente aos servidores do INSS e, em hipótese extrema, até de situações de conluio e corrupção” (INSS,
Resolução nº 681, 2019, p. 8-9).
Cabe destacar, como faz DAL ROSSO (2017, p. 272-273), “que a organização flexível das horas laborais promoveu
uma ampliação gigantesca dos tempos de trabalho, por invasão dos tempos de não trabalho e sua conversão em
horários laborais. As fronteiras entre uns e outros mudaram de lugar. [...] Alterando as fronteiras e as barreiras
que separam o tempo de trabalho do tempo livre, a distribuição flexível das horas laborais praticamente anulou a
separação conceitual que é de relevância fundamental para trabalhadores e trabalhadoras porque identifica os
tempos de autonomia em que eles descansam, participam da cultura e fazem amor”. Mais ainda no caso das
trabalhadoras, que são maioria no trabalho em serviços e no Serviço Social, e que na divisão sexual do trabalho
permanecem com a responsabilidade dos cuidados no âmbito da reprodução social e na esfera privada, situação
reforçada pelas diferentes formas de trabalho flexível, o que torna as mulheres trabalhadoras mais suscetíveis ao
“ardil da flexibilidade” (idem).
Tal cenário exige, portanto, a identificação não apenas do cumprimento das prerrogativas profissionais e
atribuições privativas em termos da atividade ou do instrumento utilizado, mas principalmente envolve a análise
crítica e fundamentada dos conteúdos ou matérias envolvidas e as implicações éticas, em termos de repostas
profissionais a necessidades e direitos dos indivíduos e famílias atendidos, questões relevantes para o trabalho
das COFIS na orientação e fiscalização profissional.
Caberiam muitas indagações nessa análise: o que significa um/a assistente social fazer um atendimento à
distância ou mesmo uma visita domiciliar para acompanhar uma situação pontual de um funcionário ou família,
propor algum tipo de encaminhamento e mandar por e-mail um relatório para a empresa que o/a contratou?
Quais são as implicações profissionais do teletrabalho no atendimento junto a demandantes de benefícios
previdenciários, cuja análise da solicitação será realizada à distância pelo/a profissional, na qual deverá apresentar
um incremento de produtividade e de desempenho no mínimo 30% (trinta por cento) superior ao previsto para
o/a servidor/a em regime de trabalho presencial, e que se beneficiará da ausência de relação com o/a solicitante,
“ficando menos sujeito a pressão ou a casos de corrupção”, como consta da regulamentação do teletrabalho no
INSS?
Essas novas formas de contratação e de organização do trabalho são a expressão mais emblemática da nova
morfologia do trabalho no Serviço Social, além de transferir custos do trabalho aos/à próprios/as trabalhadores/as
(internet, manutenção do computador, energia elétrica, etc.), invisibilizam as relações entre trabalhadores/ as e
seus/suas empregadores/as, cuja atividade passa a ser mediada pelos sistemas e plataformas digitais, nos quais é
suprimida a relação presencial que envolve o contato humano de assistentes sociais e usuários/as, transformando
a própria episteme de um trabalho de natureza sociorrelacional. São processos típicos das novas configurações do
trabalho em serviços, que alguns/algumas autores/as vêm denominando de “capitalismo de plataforma”, em
função da intensa utilização de tecnologias digitais nos processos de trabalho.
Fragilização da luta pela 30hs de jornada de trabalho sem redução do salário, além da luta pelos meios e
instrumentos de trabalho disponibilizados pelo/a empregador/a, para a realização do trabalho profissional.
Associada à flexibilização dos vínculos contratuais e à privatização dos serviços públicos, a terceirização promove
alta rotatividade de profissionais. As consequências da terceirização e dos contratos temporários no trabalho
profissional são profundas, pois subordinam as ações à lógica financeira dos contratos, geram descontinuidades,
rompimento de vínculos com usuários/as, descrédito da população para com as ações públicas.
O Estado neoliberal – regras empresariais da governança público-privada, fazendo com que assalariados/as
trabalhem mais, por meio de um sistema de incentivos.
Os dados sobre o trabalho em diferentes políticas sociais (assistência social, saúde, habitação e outras) apontam
para uma redução crescente no número de servidores/as estatutários/as e aumento sistemático de
trabalhadores/as identificados/as como “outros vínculos”, o que abrange terceirizados/ as, comissionados/as,
cedidos/as, consultores/as, estagiários/as, sem contar os/as voluntários/as.
O trabalho de assistentes sociais integra, pois, essa dinâmica racionalizadora, com rebatimentos nas atribuições e
competências profissionais, cujas tendências se expressam, entre outras, por: crescente rotinização de atividades
e padronização dos processos de trabalhos; alto nível de prescrição das tarefas e atividades com produção intensa
de manuais, cartilhas, orientações, monitoramento, definição de metas, quantificação de atividades (nº de
visitas, entrevistas,cadastros); e fortalecimento de mecanismos de controle dos serviços e benefícios, que se
transformam em controle dos/as beneficiários/as. Pouca reflexão sobre o fazer profissional.
Tem sido reiterativo o discurso de assistentes sociais sobre o envolvimento excessivo com o preenchimento de
formulários e planilhas padronizadas numa tela de computador, a multiplicação das visitas domiciliares, a
realização de cadastramentos da população, de seleção socioeconômica para fins de acesso a benefícios e
provisões sociais, reeditando práticas de “controle dos pobres e polícia das famílias”. Nesse contexto, assistentes
sociais são levados a produzir, registrar e alimentar bases de dados sem que sejam por eles/as apropriados com
objetivo de aprofundar o conhecimento sobre as necessidades sociais e formulação de novas propostas para essa
classe trabalhadora, que hoje é muito mais heterogênea e fragmentada, carecendo de estudos sobre suas
necessidades e demandas.
Essas características do processamento do trabalho e suas formas de gestão e controle se disseminam com
grande velocidade, também em função da incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs),
que, se por um lado podem representar potencializadores dos instrumentos de trabalho já utilizados pelo Serviço
Social, como registros e sistematização de dados, pesquisa e organização de informações, produção de
relatórios, etc.; por outro, seu uso cada vez mais intensivo não pode ser desvinculado dos objetivos de reduzir
custos do trabalho vivo e enquadrar processos e ritmos institucionais às metas de produtividade, ampliando-se
controles sobre tempos, ritmos e resultados do trabalho.
Também tem sido comum que profissionais restrinjam suas leituras a esses manuais, documentos técnicos,
legislação específica, produzidos nos marcos de cada política social, certamente necessários para o desempenho
institucional, mas insuficientes como fonte exclusiva de conhecimento sobre as políticas sociais, o que vem
contribuindo para uma reprodução acrítica dos textos oficiais, uma diluição do Serviço Social na política social e
frágil apropriação dos fundamentos teórico-metodológicos do trabalho profissional. E, ainda, tem conduzido
profissionais à subordinação aos objetivos institucionais, distanciando-se da direção social estratégica que deve
orientar as propostas profissionais, de acordo com as prerrogativas, atribuições e competências profissionais, à
luz dos valores e princípios que orientam o projeto coletivo da profissão
Contexto propício ao crescimento do assédio moral (Silva e Raichelis, 2015), sofrimento e adoecimento
provocados pelas novas formas de organização e gestão do trabalho (Vicente, 2015), situações que têm sido
identificadas em pesquisas e começam a ser discutidas mais amplamente pela categoria profissional.
A pesquisa de Silva (2014) sobre assédio de assistentes sociais em diferentes áreas profissionais revelou que a
violência moral nas relações de trabalho apresenta-se como estratégia de dominação sobre o conjunto de
trabalhadores/ as, desorganizando-o e despolitizando-o enquanto classe trabalhadora, esvaziando seu potencial
reivindicatório, na medida em que ocorre a individualização da violência assimilada como culpa pelo/a
trabalhador/a e não como violação dos seus direitos humanos. Nesse sentido, a solidariedade de classe
desaparece para dar lugar à culpabilização individual em relação a questões que afetam o coletivo.=> Falta da
organização coletiva, inexistência da organização política dos assistentes sociais na instituição e vinculação com
sindicatos.
Pesquisa realizada por Vicente (2015), sobre desgaste mental no trabalho de assistentes sociais que atuam na
politica municipal de habitação em São Paulo, constatou maior sofrimento e adoecimento em assistentes sociais
contratadas pelas empresas gerenciadoras terceirizadas, que prestam serviços a prefeituras, submetidas a
trabalhos rotineiros, condições mais precárias e insalubres nos canteiros de obra, inadequação dos locais de
atendimento da população, violação de direitos básicos, como falta de local apropiado para refeições, falta de
água e sujeira dos banheiros, entre outros constrangimentos e humilhações.
O Serviço Social não está alheio a esse processo, tanto no sentido da competição e disputa por espaços
profissionais nas políticas sociais, pela sua tendência cada vez mais multiprofissional e interdisciplinar, quanto na
subordinação dos objetivos, princípios e valores da profissão aos da instituição, do programa, do projeto ou da
política social nos quais o/a assistente social se insere.=> aumento da correlação de forças no trabalho
multidisciplinar.
Esse é um contexto que favorece a retomada de requisições históricas dirigidas ao Serviço Social, de
enquadramento, disciplinarização e controle das classes e grupos subalternos, que reforçam a perspectiva do/a
assistente social como profissional da coerção e do consenso, como analisou Iamamoto em 1982.
Embora estas requisições não sejam novas, ao contrário, estão presentes desde a gênese do Serviço Social, elas
aparecem hoje refuncionalizadas e atualizadas, recebem novos influxos com a incorporação, pela esfera estatal,
de modelos de gestão e organização do trabalho típicas da empresa capitalista.
Nas palavras de DARDOT e LAVAL (2017, p. 512): “O trabalhador não deixa do lado de fora do local de trabalho
todos os seus valores morais, seu senso de justiça, sua relação com o coletivo e seus mais diversos
pertencimentos sociais”.
ANTUNES (2018, p. 25-26, grifos do autor) também se refere a esse mundo contraditório e vital presente no ato
de trabalhar, que emancipa, humaniza e sujeita, libera e escraviza, e envolve a forma de ser do trabalho: “mesmo
quando o trabalho é marcado de modo predominante por traços de alienação e estranhamento, ele expressa
também, em alguma medida, coágulos de sociabilidade que são perceptíveis particularmente quando
comparamos a vida de homens e mulheres que trabalham com a daqueles que se encontram desempregados”.
Sabemos que assistentes sociais convivem com a violência, a pobreza, o adoecimento, as múltiplas expropriações
dos meios materiais e simbólicos para reprodução social da classe trabalhadora. Mas, ao mesmo tempo, o tipo de
inserção institucional que possuem implica na proximidade com diferentes segmentos da classe trabalhadora,
especialmente os grupos mais subalternizados, o que cria condições para o (re) conhecimento de suas
necessidades, de seus modos de vida, de trabalho e de luta pela sobrevivência, suas fragilidades e fortalezas
lapidadas pelo duro cotidiano. Esse conhecimento é condição necessária para elaborar propostas profissionais
consistentes teórica e tecnicamente, que respondam às necessidades sociais, fortaleçam os/as usuários/as como
sujeitos de direitos e possibilitem aprofundar alianças estratégicas entre usuários/as e trabalhadores/as.
O trabalho profissional de assistentes sociais deve orientar-se para a superação da cultura histórica do
pragmatismo e das ações improvisadas, de controle e disciplinarização de condutas, da reprodução de posturas
conservadoras, moralizadoras e preconceituosas frente aos diferentes grupos com os quais trabalham: mulheres,
comunidades LGBTI, jovens negros e negras moradores/as das periferias das cidades, rompendo com visões que
naturalizam ou criminalizam a pobreza e com as variadas formas de discriminação, violência e violação de direitos
da classe trabalhadora, sobretudo de seus grupos mais subalternizados.
Para isso, é preciso que assistentes sociais e demais trabalhadores/as do serviço púbico possam insurgir-se
coletivamente contra as estratégias de intensificação do trabalho e resistir ao mero produtivismo institucional,
medido pelo número de reuniões, de visitas domiciliares, de atendimentos, de laudos, de pareceres, de cadastros
preenchidos, que contribuem para a alienação do/a trabalhador/a.