ANO NOVO LITÚRGICO BIZANTINO
Como podemos entender, acolher e celebrar o Ano Novo da Igreja?
O primeiro dia do mês de setembro é celebrado há séculos como o Ano Novo
Eclesiástico pelos cristãos ortodoxos, especialmente os de Rito Bizantino. Este dia possui
fundamentações histórica, bíblica e teológica.
Este mesmo dia era chamado, no contexto do Império Romano, de ‘Indição’ (que
significa ‘definição’ ou ‘ordem’), enraizado na tradição antiga, simbolizando tanto a colheita
quanto a esperança. O termo Indição originalmente se referia a um ciclo romano/bizantino de
tributação e administração de 15 anos, que começava a cada ano em 1º de setembro,
marcando a redefinição das obrigações fiscais para os cidadãos do Império Romano.
No Calendário Juliano (anterior ao atual, Gregoriano) a data de criação do mundo
(‘Anno Mundi’) foi considerada como sendo 1º de setembro de 5509 a.C. A data da criação do
mundo foi estabelecida segunda uma leitura literal das histórias patriarcais da Septuaginta
grega, a versão grega do Antigo Testamento.
Segundo a Sagrada Tradição, foi também neste dia, que Cristo iniciou sua missão,
tendo no dia 1º de setembro, entrado na sinagoga em Nazaré, e inaugurando seu ministério
público lendo o trecho do Profeta Isaías 61: “O Espírito do Senhor está sobre mim para
proclamar o ano aceitável do Senhor.” Essa conexão poética torna a data espiritualmente
apropriada como o início da obra de Deus no mundo através da missão de Cristo.
Ao marcar o início do ano em setembro, tanto o Império, como a Igreja Católica
Ortodoxa, estavam associando o novo ano com a colheita das safras. Enquanto os preparativos
para o inverno estavam sendo feitos, o mesmo acontecia com os preparativos para o ano
seguinte.
Para os cristãos, era um momento de ação de graças, lembrando o bom tempo e as
chuvas abundantes que o Senhor providenciou para a colheita daquele ano, algo que rezamos,
todavia, em cada Liturgia Divina.
Também a Tradição patrística também vê ligação com a colheita e o ciclo agrícola, pois
setembro era tempo de recolher os frutos da terra no Mediterrâneo oriental. Assim, o novo
ano é celebrado como ação de graças pela criação e súplica pela bênção divina para os meses
que virão.
Embora o calendário “Anno Mundi” não seja mais a corrente principal (ou parte dos
calendários civis de nações predominantemente ortodoxas), ele ainda serve como base para
nosso calendário litúrgico.
Para a nossa Santa Igreja Ortodoxa a escolha desta data para marcar o início de seu
ano litúrgico remonta ao Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia (325).
Importante, porém, na sabedoria do Santo Espírito, que governa a Santa Igreja,
entendermos e acolhermos este marco não apenas como um detalhe histórico ou
administrativo herdado do Império Bizantino, mas sobretudo um ato espiritual: consagrar a
Deus o tempo que recomeça.
Na Governança do Espírito, viver o início de um novo ano litúrgico é viver um novo
começo espiritual, em que o tempo não é medido apenas por dias e meses, mas pela graça
que Deus derrama em cada momento. O tempo torna-se sacramento, ocasião de encontro
com o Mistério. Mesmo vivenciando dias maus, em Cristo, todo o tempo está aberto à
redenção, à santificação. Esta visão espiritual da graça de um novo ano corresponde à
espiritualidade bizantina, onde o ano litúrgico é uma catequese viva do tempo, uma
peregrinação que leva o fiel a contemplar todo o plano da salvação, em comunhão com a Mãe
de Deus e com todos os santos.
Ao acolhermos o início de um novo ano eclesiástico, é oportuno refletir sobre a
jornada da Igreja no tempo, no reino da temporalidade, da mudança, do devir e da nossa
missão. Assim, iniciar o ano litúrgico é proclamar que cada instante é “tempo favorável” (II Cor
6: 2), ocasião de salvação e de renovação da vida cristã.
Um dos nossos hierarcas americano, afirmava a este respeito: “A Igreja não está
apenas passando o tempo neste mundo; a Igreja tem a tarefa de redimir o tempo, levando
adiante a obra salvadora de Cristo em todos os lugares e em todas as épocas”.
Por meio das bênçãos terrenas, que são verdadeiramente boas, podemos alcançar
algum conhecimento de Deus, algum antegozo do reino vindouro. Mas a generosidade que
coroa este novo ano é, antes de tudo, a misericórdia abundante derramada do lado ferido do
Deus-Homem quando Ele estava pendurado na cruz: este é o rio de Deus, cheio das águas do
batismo (Cf. Sl 64:9).
Refletindo sobre esse dom, somos inspirados a nos comprometer novamente com a
missão da Igreja no espaço e no tempo, e especificamente com a missão da Igreja Ortodoxa
Eslava na América neste lugar e neste tempo: levar a Fé imutável e a Boa Nova ocultas desde
toda a eternidade a todos os povos da América e do mundo nesta época desafiadora do século
XXI, e fazê-lo com humildade, com unidade de mente e coração, compartilhando o único
propósito de fazer a vontade de Deus para a deificação e salvação de muitos irmãos e irmãs.
A oração em forma de Trópario que cantamos no início do Ano Litúrgico exprime esta
súplica com grande beleza: “Senhor, Criador do universo, que fixaste os tempos e os anos em
Teu poder, abençoa o início do ano com a Tua bondade, conserva em paz os Teus fiéis e, por
intercessão da Mãe de Deus, salva-nos.”
Este hino litúrgico mostra que cada novo ano não é simples continuidade, mas um dom
a ser recebido com gratidão e confiança. O início do ano litúrgico bizantino é um momento de
renovação espiritual, de consagração do tempo e da vida ao Senhor. A cada novo ciclo, a Igreja
recorda que o tempo é lugar da presença de Deus, que age na história e conduz os fiéis à
eternidade.
Nossos pais também nos ensinam que o começo de um novo ano litúrgico também é
ocasião de oração pelo mundo criado e por todas as necessidades da humanidade. E como
precisamos nestes tempos de renovo, avivamento, theosis! No espírito e na fé da santa
tradição bizantina, a Santa Igreja, através de nós, continua pedindo que o Senhor e Nosso Deus
renove o universo com a sua graça concedendo o dom messiânico e pneumatológico da paz a
todos os povos.
Para a Patriarcal Ateneu São Marcos,
Padre Simeão do Espírito Santo
Ano Novo Litúrgico do Ano do Senhor 2025