A CLÍNICA EM WINNICOTT
AULA 6
Profª Simone Freitas
CONVERSA INICIAL
A teorização de Winnicott sobre como o ser humano se constitui aponta
para a condição de uma pessoa como uma unidade psicossomática. Ele parte
do princípio de que a saúde é possível quando a pessoa está firmemente alojada
em seu próprio corpo.
Partindo desse ponto, iremos relacionar o desenvolvimento emocional
primitivo, que inclui as etapas de integração, personalização e realização, para
se identificar, já nesse início do desenvolvimento, as origens da doença
psicossomática.
Traremos a teoria da mente, mais uma contribuição de Winnicott, para
explicar os processos de clivagem no indivíduo, demonstrando a resposta que
ele dará face a um ambiente insuficiente no qual haja falhas toleráveis, e a psique
responda positivamente.
Focalizaremos também a origem das psicoses, segundo Winnicott, como
reações a intrusões ambientais, e as doenças psicossomáticas como respostas
à insuficiência do ambiente.
Ainda, abordaremos o tratamento das doenças psicossomáticas a partir
da psicanálise winnicottiana. O autor irá mais uma vez dar um destaque à criação
de um setting terapêutico que se ofereça como um ambiente suficientemente
bom, tendo da parte do terapeuta o cuidado com um manejo não interpretativo,
e sim relacional.
Por fim, faremos a apresentação de mais um caso clínico de Winnicott e
poderemos, a partir dele, compreender como o autor, partindo do seu
pressuposto de que a existência é psicossomática e de uma comunicação com
seu paciente, poderá tirá-lo das estagnações do seu processo de
desenvolvimento.
TEMA 1 – A DOENÇA PSICOSSOMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO
EMOCIONAL PRIMITIVO
Winnicott toma como princípio básico da teoria do amadurecimento que o
indivíduo nasce com uma tendência herdada no sentido do crescimento e do
amadurecimento e que, diante de um ambiente facilitador, a partir de um estado
não integrado, desenvolve-se em direção à integração da personalidade.
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Winnicott reconhece no sintoma psicossomático uma função positiva,
diferentemente de como, via de regra, costuma ser visto – uma afecção e, por
causar sofrimento, deve ser combatido e extirpado.
De sua experiência clínica na pediatria, ele extraiu as primeiras
observações sobre a dinâmica desse sintoma.
Na observação de bebês, o médico notava a frequência com que eles
faziam uso de problemas de natureza orgânica para se expressarem. Tratava-
se de bebês acometidos por febres em função de ausências mais prolongadas
da mãe, outras que vomitavam quando queriam expulsar de si conteúdos
psíquicos que os atemorizavam, entre tantos outros casos.
Winnicott afirma que “os bebês nascem em um ambiente que se adapta
de forma suficiente e adequada às suas necessidades e, se essa adaptação for
insuficiente, eles expressam seu mal-estar por meio de um sintoma somático
que poderá ser ouvido, reconhecido ou não, e tudo o que ele consegue é
comunicar o que não vai bem” (Dethiville, 2013, p. 125).
Lembremos os aspectos mais relevantes para explicarmos o que a
doença psicossomática tem a ver com o desenvolvimento emocional primitivo:
na fase inicial da vida de um bebê, processos decisivos no seu desenvolvimento
irão acontecer, de modo a tornar-se um indivíduo. É durante o período da
dependência absoluta que o bebê, sustentado por um ambiente facilitador,
necessita realizar o que podemos chamar de “três tarefas básicas” que ocorrem
de maneira simultânea: integração, relativa à necessidade do bebê de, a partir
de um estado não integrado, integrar-se no tempo e no espaço; personalização,
referente ao estabelecimento de uma “parceria psicossomática”; e realização,
que marca o início das relações objetais, ou seja, com a externalidade.
Para Winnicott, a tendência a integrar-se é realizada a partir das
experiências instintivas que tendem a aglutinar a personalidade a partir de
dentro, em conjunto com o cuidado recebido pelo ambiente. A conquista da
integração se refere à possibilidade de ser um. Para isso, um passo importante
é a vivência do “eu” como diferente do “não eu”.
Com o processo de integração, ele passará a ter uma vivência corporal
de uma unidade. Esse processo se dará na dependência dos cuidados maternos.
Por meio de um holding bem estabelecido, a mãe, ao segurar o seu bebê, e
sendo com os seus braços um continente para ele, irá oferecer-lhe uma
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sensação de unidade, de um corpo integrado, e não feito em partes, como ele
experimentou anteriormente, quando fusionado a sua mãe e indiferenciado dela.
Outro processo que acontece é o de personalização, que levará ao
desenvolvimento de um psicossoma, em que psique e soma formam um todo.
Dito de outro modo, a psique começa a viver no soma e uma vida psicossomática
de um indivíduo se inicia. Pelo handling, ou seja, do manusear, tocar, cuidar,
provoca-se sensações corpóreas que irão proporcionar ao bebê “sentir o próprio
corpo”. A essas sensações corpóreas de existir vão se associar fantasias
resultantes de um trabalho da psique. Poderíamos falar que é o indivíduo com
uma capacidade de pensar sobre o que acontece em seu corpo. Nesse
processo, espera-se que aconteça uma psique instalada no corpo, ou seja, uma
unidade psicossomática.
No processo de realização, dá-se a construção de uma relação de um self
que está nascendo com o mundo externo, tendo como efeito uma confiança
nessa exterioridade, e é também a base para as relações objetais. Nessa fase,
a apresentação de objetos funcionará como substitutos da presença materna.
Se essa apresentação acontecer de modo a gerar no bebê um sentimento de
confiança, tudo vai bem: o bebê passa a ter outros interesses, para além da mãe.
Se a mãe, no entanto, ao exercer essa função de apresentar objetos, não lhe
oferecer a confiança necessária, o bebê continuará fusionado a ela e
desinteressado pelo mundo externo.
Enfim, Winnicott explica em sua teoria como o processo de constituição
da pessoa humana se inicia com uma condição de absoluta dependência do
bebê. Em função de sua imaturidade, ele sente os efeitos do ambiente que
poderá falhar ao atendê-lo. Se as falhas ultrapassam sua capacidade de
assimilação, uma cisão poderá se instaurar, provocando uma alteração em seu
processo desenvolvimental.
Esse modo de conceber a existência humana aponta a fragilidade de todo
indivíduo que inicia sua vida: ele necessitará de alguém que lhe auxilie na tarefa
de construir-se a si próprio.
Assim, concebemos que um indivíduo saudável é o resultado de um
processo de amadurecimento em que os cuidados maternos proporcionaram um
alojamento da psique no soma. Para Winnicott, o manuseio da pele no cuidado
do bebê é um fator importante no estímulo a uma vida saudável dentro do corpo,
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da mesma forma como os modos de segurar a criança auxiliam no processo de
integração.
Com a repetição do manuseio e dos cuidados oferecidos ao bebê,
gradativamente estabelece um vínculo íntimo entre tudo que lhe acontece, de
modo que o resultado seja uma coesão psicossomática, uma pessoa inteira.
TEMA 2 – INTRUSÕES E FRUSTRAÇÕES A PARTIR DAS FUNÇÕES
MATERNAS E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O PSICOSSOMA
A mãe devotada comum, assim como sabemos, exercerá suficientemente
bem as suas funções, bem como haverá falhas nesse processo.
Ela irá ao atendimento do seu bebê diante das necessidades dele, e é
importante, para o desenvolvimento de sua autonomia, quando esse movimento
é iniciado por ele mesmo, ou seja, a criança mostra o que lhe é necessário, e a
mãe oferece seus cuidados. Se ela se antecipa, oferecendo ao seu bebê o que
ele não lhe demanda naquele momento, isso pode ser devastador para o self do
bebê.
Imaginemos uma mãe que a todo momento que o seu bebê chora lhe
oferece o seio. Assim, ele passa a sentir que o alimento tem o poder de aplacar
uma dor, um desconforto e, como já vimos, isso pode estar na etiologia de alguns
vícios como beber, fumar, falar demais e de transtornos alimentares. Aqui, temos
intrusões provindas de um ambiente invasivo.
Segundo Winnicott, algumas patologias poderão se desenvolver, de
acordo com as falhas ambientais. Assim, conforme o tipo de maternagem,
teremos uma psicopatologia correspondente.
Na forma invasiva da maternagem, temos uma mãe que oferece ao seu
bebê aquilo que não corresponde a uma necessidade dele, naquele momento.
O exemplo do seio, dado anteriormente, explica bem essa situação. O self
verdadeiro do bebê se recolhe e o falso self aparecerá para protegê-lo e atuar
em seu lugar. Sabemos que todos nós, em alguma medida, temos um falso self
como uma forma de autopreservação na vida em sociedade. Tratamos aqui de
um tipo de invasão excessiva e que se constitui como uma falha importante para
o desenvolvimento do bebê. Acontecendo isso, o problema passa a ser quando
o indivíduo tem um desconhecimento do seu próprio self verdadeiro.
Na maternagem exercida por uma mãe que não está disponível aos
chamados de seu bebê e, por esse motivo, não responde às suas necessidades,
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nesses casos, ele se vê privado na expectativa de ser atendido. Diante dessas
privações, causadas por uma insuficiência nos cuidados, o bebê deixa de viver
satisfatoriamente as etapas de integração, personalização e realização, e
algumas formas de psicose podem vir em consequência disso: sem uma unidade
do self, sem uma diferenciação entre o “eu” e o “não eu”, sem uma experiência
de viver dentro do seu corpo, sem a ideia de viver em um mundo externo
confiável ao seu dispor. Na psicose, há uma confusão entre o que é externo e o
que é interno, o que explica as alucinações e os sintomas de despersonalização,
fato que acontece quando o indivíduo crê em alguém que controla o seu corpo e
seu pensamento.
Winnicott destaca, também, outro tipo de maternagem intermediária, não
sendo totalmente suficiente, nem totalmente insuficiente. Trata-se de um
ambiente “mais ou menos” bom, e é ele que está na origem das doenças
psicossomáticas.
De acordo com Winnicott, o pior dos ambientes é o inconstante, ou seja,
aquele em que o bebê é forçado a compensar intelectualmente a inconsistência
de uma mãe que às vezes é boa, às vezes é má.
As falhas maternas que têm essa inconstância como uma característica,
segundo o autor, podem produzir uma hiperatividade intelectual. Nesse aumento
excessivo da função mental reativa a uma maternagem inconstante, pode
ocorrer uma oposição entre psique e soma desde que em reação a esse estado
ambiental anormal o pensamento do indivíduo passe a assumir e organizar o
psique-soma, ao passo que na saúde esta é uma função do ambiente. Na saúde,
a mente não tenta usurpar a função do ambiente, mas torna possível a
compreensão e eventualmente o uso de sua falha relativa.
Com a usurpação das funções do ambiente pela mente, o bebê ou a
criança emprega seu intelecto para transformar-se na mãe.
TEMA 3 – A MENTE E SUA RELAÇÃO COM A DOENÇA PSICOSSOMÁTICA
Veremos aqui o que acontece na mente, no processo de personalização.
Winnicott propõe dois fenômenos distintos: um relacionado ao corpo, com
as sensações físicas de calor, frio, fome, prazer ou dor; e outro relacionado à
psique, que são as fantasias, imaginações, ou efeitos produzidos a partir das
sensações corpóreas, e que são uma tentativa de entender aquelas sensações,
ou um processo psíquico que busca interpretá-las.
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Desse modo, de acordo com a proposição do autor, a psique representa
a elaboração imaginária dos elementos, sentimentos e funções somáticas,
sabendo que essa elaboração imaginativa depende de um cérebro saudável em
funcionamento (Winnicott, 1958, p. 333).
As fantasias e as imaginações associadas a cada sensação corpórea vão
fazendo uma “costura” entre psique e soma, correlacionando um ao outro e
assim vão se configurando em uma unidade psicossomática.
O psicossoma é feito de experiências de prazer e de desprazer. As de
natureza prazerosa vão sendo úteis para fazer essa conexão entre psique e
soma. Já as experiências desprazerosas, nas quais as necessidades do bebê
não são atendidas, causam frustração.
Winnicott afirma que quando o bebê lida com essas frustrações em nível
tolerável, ele começa a desenvolver a capacidade de dar significado às suas
vivências de frustração, de raciocinar e pensar sobre o que aconteceu a partir
das sensações que sentiu. Essa capacidade criará uma área específica na
psique, uma instância psíquica que Winnicott definirá como “mente”.
Winnicott fará a elaboração da “Teoria da Mente”, baseada no trabalho
com pacientes de psicanálise que precisavam regredir a um nível extremamente
precoce do desenvolvimento, dentro da transferência (Winnicott, 1958, p. 334).
Nessa teoria, ele propõe que a necessidade de um ambiente bom passará
de um nível absoluto para um nível relativo. Diante da mãe suficientemente boa,
o bebê dará conta de suas falhas a partir da atividade mental, que transformará
o ambiente suficientemente bom em um ambiente “perfeito”. Desse modo, ele
transforma a falha da adaptação em êxito adaptativo, liberando a mãe de ser
quase perfeita.
Para Winnicott, o funcionamento variável do psicossoma, sempre na
busca de defender-se das ameaças à continuidade do ser que acompanham
cada falha na adaptação, é onde está a origem da atividade mental.
Quando o trabalho mental não é suficiente para elaborar vivências de
desprazer em nível ampliado, o bebê tende a passar por processos de
desintegração, despersonalização e desrealização, equivalentes a um processo
de psicotização ou se valerá de um mecanismo de defesa contra a psicose:
entrega ao corpo, o soma, toda a sobrecarga que a mente não pôde resolver.
Esse recurso de defesa o bebê só desenvolverá se houver um ambiente
mais ou menos suficiente.
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O adulto, quando saudável, já possui uma capacidade interna e mental
para processar sentimentos de desconforto psíquico. Porém, se em algum ponto
o processo de personalização tem algum rompimento, alguma falha ou
fragilidade, esses desconfortos não podem ser elaborados pela mente e ela os
endereça para o corpo.
Assim, Winnicott relaciona algumas doenças psicossomáticas como
sintomas respiratórios, cutâneos, digestivos, entre outros.
Em resumo, a mente, segundo Winnicott, oferece ao indivíduo condições
para lidar com as frustrações e transformá-las em conhecimento, partindo de
uma capacidade cognitiva para lidar com as falhas ambientais.
O indivíduo constrói uma nova possibilidade para lidar com esse
ambiente, buscando novas possibilidades – isso equivale, para Freud, a um
assujeitamento diante do princípio de realidade.
Quando a sobrecarga de frustração é maior do que a capacidade de
elaboração da psique e resulta na doença psicossomática, é em verdade uma
resolução entre a psique e o soma que defende o indivíduo da fragmentação e
da dissociação psíquica, a psicose.
Assim, a doença psicossomática, apesar de ser um processo de
adoecimento, é também uma sustentação psíquica para o indivíduo. Por esse
motivo, Winnicott alerta para o cuidado nas tentativas de retirada desses
sintomas. Sem o soma a funcionar como um suporte para aquilo que a psique
não tem como resolver, os conteúdos que participam da doença psicossomática
voltam para a psique, desagregando as estruturas psíquicas, podendo levar a
situações limítrofes na saúde mental.
Por isso, Winnicott reitera a necessidade de preparar o aparelho mental,
fortalecendo os processos de integração, personalização e realização, antes de
eliminar esses “suportes de sofrimento”, as doenças psicossomáticas. A partir
de quando o indivíduo tem esses processos fortalecidos, ele passa a não mais
precisar da doença como uma “tábua de salvação”, porque terá uma mente mais
preparada para lidar com as frustrações, encontrando novos recursos para lidar
com elas.
TEMA 4 – A DOENÇA PSICOSSOMÁTICA: CLIVAGEM E FORÇA POSITIVA
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Segundo Winnicott (1965, p. 24), “O objetivo inconsciente da doença
psicossomática é conduzir a psique para longe da mente, de volta à associação
íntima original com o soma”.
Os sintomas surgidos no corpo, para os médicos que tratam pacientes
psicossomáticos, não se constituem como doença, e sim como uma dissociação
intrapsíquica.
Na doença psicossomática, o estágio de desenvolvimento referente à
diferenciação entre o “eu” e o “não eu” (personalização) mantém-se suspenso.
O ambiente que não é suficientemente bom cria a tendência de uma desordem
psicossomática.
Assim, a doença psicossomática acarreta clivagem da personalidade do
indivíduo, apontando para uma fragilidade na ligação entre psique e o soma,
fazendo persistir nele uma tendência de romper a unidade psicossomática.
Voltando ao conceito de clivagem já trabalhado (self verdadeiro e falso
self), temos na formulação desse termo a significação dada por Winnicott de
dissociação ou cisão, como um mecanismo de defesa mais primitivo contra a
angústia. Esse conceito freudiano foi bastante explorado por Melaine Klein e por
Winnicott.
Para Winnicott, a clivagem é extremamente difícil de tratar: segundo o
teórico, “as forças operantes no processo são tremendamente potentes”
(Dethiville, 2013, p. 122).
Outro ponto que tende a dificultar o tratamento é a procura por diversos
tratamentos médicos, onde cada especialista trata uma parte do corpo, tal como
se propõe uma prática médica que temos hoje, que fragmenta o mal-estar em
“fatias” isoladas e não comunicáveis dentro do próprio corpo. Nesse sentido, o
indivíduo que já vive essas clivagens, ou essas múltiplas dissociações, busca a
melhora dos seus sintomas nas “clivagens” da profissão médica, o que não
resulta em uma boa possibilidade de cura.
Winnicott compara a defesa psicossomática à defesa antissocial, tendo
em vista que o que há na base é a esperança do indivíduo de que o ambiente
ainda lhe fornecerá aquilo que é necessário. Desse modo, tanto a doença
psicossomática quanto a tendência antissocial resultam da perda de algo bom
na experiência da criança, até o momento no qual esse elemento foi retirado.
Lembremos quando falamos sobre o “Brincar”, no tópico em que tratamos a
tendência antissocial.
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Diante do exposto até aqui, podemos concluir que, por um lado, a doença
psicossomática reflete uma clivagem do self que diz respeito a uma dissociação
entre soma e psique, e de acordo com o que vimos sobre a Teoria da Mente
proposta por Winnicott, a doença comparece como um hiperfuncionamento
intelectual para se proteger de uma desordem ou de uma insuficiência no
ambiente.
Por outro lado, Winnicott, ao comparar a natureza dessa doença com a
tendência antissocial, vê como um elemento comum aos dois uma esperança,
que se traduz em forma de uma “força positiva”. O autor afirma que conseguir
ficar doente já é um sinal de boa saúde (Winnicott citado por Dethiville, 2013, p.
122).
TEMA 5 – O TRATAMENTO DAS DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS
Winnicott ressalta a dificuldade do trabalho do analista no tratamento
dessas enfermidades. Afirma que ele terá que, de forma impotente, assistir a
essa “representação”, sendo-a uma encenação que ocorre no campo orgânico
para falar de um mal-estar vivido psiquicamente. Ou seja, é o indivíduo
representando em uma outra cena o que não pode ser dito de outra forma.
O autor também assinala a necessidade de oferecer tempo a esse
paciente. Entende que a única possibilidade que o analista tem, além desse
tempo proporcionado, é dar ao seu paciente espaço e local adequados.
Com isso, as defesas instauradas pelo falso self para proteger o
verdadeiro self poderão ser vencidas por uma força que impele cada ser humano
em direção da integração.
Para Winnicott (citado por Dethiville, 2013, p. 122):
Evidentemente, faço uma distinção entre um verdadeiro caso
psicossomático e o problema quase universal da implicação funcional
dos processos emocionais e dos conflitos mentais. Desse modo, não
classifico uma paciente cuja dismenorreia remete aos componentes
anais da sua organização genital como um caso psicossomático, nem
um homem que, em determinadas circunstâncias, tem vontade urgente
de urinar. Isso apenas representa a vida e o fato de viver.
Winnicott, levando em consideração que a doença psicossomática é a
solução inventada pelo sujeito para recriar a unidade psique-soma, nos diz que
a única solução a se oferecer pelo analista é fornecer condições de regressão
na análise, as quais permitirão retroceder a um estágio anterior ao da regressão.
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Desse modo, se o momento (tempo oferecido pelo analista) e as
circunstâncias (o manejo clínico) são favoráveis, o paciente terá possibilidade de
sair de um estado de dissociação, pois as forças de integração o levam a deixar
de lado suas defesas.
Para Winnicott, é necessário haver a construção de um ambiente
adequado no setting terapêutico, no qual o paciente sinta confiança e assim
possa encontrar um “lugar psíquico” no qual as modificações necessárias à sua
saúde sejam possíveis. Para isso, ele precisará regredir até o tempo em que o
self verdadeiro, na possibilidade de ser aniquilado, teve que isolar-se,
escondendo-se atrás do falso self.
Assim, o trabalho do analista implica criar um ambiente em que os
cuidados oferecidos ao paciente sejam pautados por uma comunicação e ações
típicas dos primeiros meses de vida do bebê, em seu estado de imaturidade e
de uma total dependência.
Winnicott dispensa qualquer tentativa interpretativa da parte do analista,
tendo em vista a imaturidade do indivíduo. Destaca a importância, no manejo
clínico, da atenção, do cuidado e da espera. Ou seja, o comportamento do
analista é fundamentalmente mais importante para o paciente, do que as
interpretações. Afinal, as doenças psicossomáticas, como sabemos, têm origem
na fase em que o indivíduo era ainda muito imaturo, e uma interpretação em um
momento inadequado teria um efeito de repetição da experiência da clivagem,
da dissociação.
Portanto, para que esse trabalho seja efetivo, o setting precisa estar
organizado para oferecer uma sustentação terapêutica (holding) que esteja
coerente com as necessidades do paciente, tanto no modo como ele se organiza
no espaço, com sua gestualidade e ritmo pessoal, como também e, em especial,
no modo como habita o seu próprio corpo.
A tarefa do analista é oferecer um ambiente com as condições
necessárias para que o indivíduo encontre os elementos essenciais e finalmente
possa integrar a psique e o soma. Para tanto, ele precisa acompanhar o
processo do paciente de modo a promover a retomada de seu processo
maturacional.
Enfim, se a unidade psicossomática é uma resultante dos cuidados
maternais oferecidos ao bebê, nos casos dos distúrbios psicossomáticos, o
analista precisará adequar a sua postura semelhante à da mãe.
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Desse modo, a sua atuação será relacional, do mesmo modo como,
somente por meio da relação com a sua mãe, o bebê conquista o estado de
sentir-se alojado no próprio corpo.
NA PRÁTICA
Traremos agora um caso clínico tratado por Winnicott, cuja causa é a
urticária papular, uma condição comum da pele que ocorre nos bebês. São
manifestações que aparecem e desaparecem rapidamente.
Winnicott conhecia as causas físicas associadas a essa condição, e traz
esse caso como um, entre tantos outros, nos quais não se verificou nenhuma
causalidade externa.
Segundo o autor, o acometimento dessa doença de uma forma aflitiva
corresponde a um transtorno psicológico complicado, correspondente a uma
masturbação obsessiva na infância, em que a pele se transforma em um campo
de batalha. Traduz uma luta entre um impulso que exige gratificação, e ao
mesmo tempo um sentimento de culpa que ameaça privar a criança de um
prazer. Desse modo, o “coçar” obsessivo indica o medo da criança em perder o
prazer.
A pele é um órgão excitável, e as causas internas para o desenvolvimento
das pápulas são análogas à ereção do tecido erétil, e as mãos têm no coçar uma
função masturbatória.
• O caso clínico
Um menino de 8 anos de idade começou a sofrer de uma urticária
irritativa. Quando bebê, chorava muito e era nervoso. Era o filho do meio, em
uma prole de cinco. O mais velho também era irritadiço.
Aos dois anos de idade, após um resfriado, começou a ter dificuldades
emocionais, e depois de uma semana ficou muito quieto e lentamente
recuperava a sua vitalidade.
Nunca recuperou da alergia e tornava-se mais nervoso, com muitas
coceiras provocadas pela urticária papular, a alergia epidérmica. Sua mãe lhe
falou que se continuasse a coçar, pioraria ainda mais. Ao parar de coçar, começa
a desenvolver edemas nas pálpebras, mãos, pés e atrás das orelhas, que
apareciam e desapareciam subitamente.
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Sentia também apertos no peito e continuava chorando com muita
facilidade.
O menino relata a Winnicott que quando está na escola e fica pensando
nesse incômodo que sente, piora muito, chegando a ter até dificuldade para
respirar, mas ao pensar em alguma outra coisa, sente-se bem.
Winnicott lhe pergunta que tipos de coisas ele precisa tentar não pensar,
e ele responde ao médico “em coisas ruins, como matar alguma coisa; isso faz
com que fique difícil respirar”.
Essa criança foi admitida ao hospital quando teve um edema nas
pálpebras e nas mãos, e como é comum acontecer, o edema cedeu de imediato,
e não se achou nenhuma evidência de doença física para explicar o sintoma
(Winnicott, 1997, p. 152).
FINALIZANDO
Analisamos a concepção winnicottiana da doença psicossomática quanto
às suas origens, relacionando-as ao desenvolvimento ainda muito precoce do
ser humano, e destacamos que o processo de personalização é vivido
precariamente, o que resulta na cisão entre a psique e o soma.
Trouxemos a compreensão de como “nasce” a atividade mental a partir
da teoria da mente, desenvolvida pelo autor.
A partir do exposto, podemos conhecer de que maneira a doença
psicossomática é vista por Winnicott, como a melhor resposta contra o
aniquilamento do self.
Identificamos, com base em exemplos clínicos de pacientes atendidos por
Winnicott, o tratamento psicanalítico, tendo como pressupostos a sua
compreensão da posição do analista semelhante à posição da mãe
suficientemente boa, e o setting analítico que pode trazer a segurança de um
ambiente que atenda às necessidades do indivíduo, afastando-o de falhas
intrusivas.
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REFERÊNCIAS
ABRAM, J. A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Ed. Revinter, 2020.
DETHIVILLE, L. Donald W. Winnicott: Uma nova abordagem. Campinas:
Armazém do Ipê, 2013.
SHEPHERD, R.; JOHNS, J.; ROBINSON, H. T. D. W. Winnicott: Pensando
sobre crianças. Brasil: Ed. Artes Médicas, 1997.
WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Editora,
1958.
______. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes
Editora, 1965.
______. Bebês e suas mães. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
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