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A Transformaçao Da Universidade Neoliberal e Suas Relacóes Com A Episteme Capitalista

O artigo de Christian Laval analisa a transformação neoliberal das universidades, destacando a mercantilização da educação e a concorrência entre instituições. Ele argumenta que essa mudança afeta a governança, as práticas acadêmicas e a concepção de conhecimento, que passa a ser vista como um instrumento de eficiência econômica, em vez de um meio de emancipação. A discussão aborda também a relação entre conhecimento e poder, enfatizando a crítica ao utilitarismo que predomina nas políticas educacionais contemporâneas.
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A Transformaçao Da Universidade Neoliberal e Suas Relacóes Com A Episteme Capitalista

O artigo de Christian Laval analisa a transformação neoliberal das universidades, destacando a mercantilização da educação e a concorrência entre instituições. Ele argumenta que essa mudança afeta a governança, as práticas acadêmicas e a concepção de conhecimento, que passa a ser vista como um instrumento de eficiência econômica, em vez de um meio de emancipação. A discussão aborda também a relação entre conhecimento e poder, enfatizando a crítica ao utilitarismo que predomina nas políticas educacionais contemporâneas.
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Christian Laval

A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE

DOSSIÊ ESPECIAL
E SUAS RELAÇÕES COM A EPISTEME CAPITALISTA

Christian Laval*

Conhecemos cada vez melhor as lógicas de mercantilização da universidade pública e da educação em geral.
Tal transformação neoliberal do ensino superior passa essencialmente pela concorrência entre estabelecimentos
públicos e privados, assim como entre os próprios estabelecimentos públicos. Opera em todos os níveis, regional,
nacional e internacional. Tem efeitos múltiplos, notadamente na “governança” das universidades, até mesmo nas
condutas dos estudantes e docentes. Esta transformação é global; ela diz respeito, ao mesmo tempo, a estruturas,
modos de regulação e práticas. Durante muito tempo, foi pouco compreendida teoricamente, porque – realizada
por reformas e mutações parciais – responde a um paradigma coerente, que só pode ser entendido reconstruindo
sua gênese e sua coerência. O artigo pretende definir e expor as grandes articulações da episteme capitalista, ou
seja, a concepção original do conhecimento e da verdade que acompanha o desenvolvimento do capitalismo,
desde o utilitarismo à ideologia do cérebro-máquina, passando pelas teorias do conhecimento-informação e do
capital humano. Sem a compreensão de tal paradigma, entende-se como difícil a oposição de um paradigma alter-
nativo mais igualitário e mais respeitoso dos valores de verdade.
Palavras-chave: Conhecimento. Universidade. Neoliberalismo. Episteme Capitalista.

INTRODUÇÃO cidadania. Continuamos a pensar, em grande


medida, nos quadros legados pelos pensamen-
Julgamos saber o que é um conhecimen- tos de Condorcet, Kant ou Humboldt. A ideia
to verdadeiro, que opomos – na linguagem do conhecimento verdadeiro – se não é sempre
corrente – à ignorância e ao erro. Haveria ins- verificável, pelo menos sempre discutível e
tituições apropriadas para produzir o conheci- provisório – não é somente uma ideia regula-
mento verdadeiro assim como para difundi-lo: dora do conhecimento ou uma concepção ideal
são as instituições de pesquisa científica e de da ciência. É uma instituição histórica do co-
ensino. Elas deveriam produzir, codificar, for- nhecimento verdadeiro, um momento daquilo
malizar, publicar, transmitir conhecimentos a que Michel Foucault chamou “a história da
acumulados, verificados e corrigidos sem ces- verdade”. Esta relação entre o conhecimento
sar pela livre circulação das ideias bem como verdadeiro e a emancipação é uma concepção
a livre discussão das pesquisas e de seus re- histórica particular, ao mesmo tempo secular e
sultados. Isso graças às formas regulamentadas política do conhecimento, que encontrou sua Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

da instituição científica, durante seminários, condição na liberdade de pensar e naquilo a


colóquios, conferências, publicações etc. Nós que Kant chama “o uso público da razão”, em
temos em mente, quando pensamos no conhe- seu famoso opúsculo Resposta à Pergunta: Que
cimento verdadeiro, a ideia secular do conhe- é Esclarecimento?
cimento que as Luzes nos transmitiram. Esta Sabemos que esta liberdade é o fruto de
é facilmente associada à democracia, liberal lutas que duraram séculos contra o dogma re-
ou social, e a seu ideal de emancipação e de ligioso. Recordamos a forma como a Igreja as-
sujeitou o pensamento durante muito tempo e
proibiu o conhecimento científico do mundo.
* Université Paris Nanterre.
Este foi o trágico destino do cientista italiano
200 Av. de la République, 92000 Nanterre. França. chr.la- Giordano Bruno, queimado pela Inquisição
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-1806-8786 em praça pública no Campo dei fiori, dia 17

http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v38i0.65098 / Caderno CRH – ISSN: 1983-8239

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A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

de fevereiro de 1600, por ter defendido a hi- ocorrer hoje em todo o mundo. Se as doutrinas
pótese da infinidade dos mundos. Na Enciclo- que construíram esta “economia do conheci-
pédia, Diderot diz a respeito de Bruno que ele mento” insistem na função do conhecimento
“estimula por seu exemplo e por seus escritos no crescimento ou na acumulação do capital,
os homens a pensar segundo eles próprios” não deixam intata a natureza do próprio co-
(Diderot, 1751, p. 117). E devemos também nhecimento. “A economia do conhecimento”
relembrar a condenação de Galileu, forçado a não quer dizer nada mais do que a transfor-
retratar-se pela heresia de sua tese sobre o mo- mação do conhecimento em valor econômico,
vimento da Terra. No Discurso preliminar da por isso, em forma-mercadoria. É o cerne da
Enciclopédia (1751), D’Alembert comenta esta episteme capitalista.
condenação enfatizando que “Foi assim que o
abuso da autoridade espiritual reunida à tem-
poral obrigou a razão ao silêncio; e faltou pou- UMA CONCEPÇÃO UTILITARISTA
co para que o gênero humano fosse proibido DO CONHECIMENTO
de pensar” (D’Alembert, 1751, p. 47). Isto é o
que D’Alembert chama de “o despotismo teo- Antes de se tornar uma realidade insti-
lógico”. Deter-se nesta ameaça do “despotismo tucional, que é propriamente a obra neoliberal
teológico” seria ficar cego a outro perigo con- atual, esta concepção do conhecimento estava
temporâneo, aquele do neoliberalismo aplica- já muito presente em todos os discursos imbu-
do ao campo do conhecimento. ídos da razão econômica que acompanharam o
Se o ideal da liberdade de pensar, cri- desenvolvimento da civilização industrial e ca-
ticar e pesquisar foi parcialmente alcançado pitalista. É mesmo um componente importante
nas democracias liberais, é hoje insidiosamen- do que Max Weber chamou “o espírito do capi-
te ameaçado, de dentro, pela tirania da utili- talismo”, ele próprio ligado à figura do homem
dade e da rentabilidade, por outras palavras, econômico, conduzido apenas por seu interes-
pelo despotismo da racionalidade econômica se. Para este utilitarismo, tal como foi formula-
quando ela se aplica ao campo da pesquisa e do no fim do século XVIII, o conhecimento é
da educação em todo o mundo. Esta concepção um instrumento de produção de bem-estar. Ele
neoliberal do conhecimento não é apenas uma representa um valor apenas pelo alcance práti-
ideia, sendo institucionalizada há décadas, co que tem para aquele que o produz, o possui
por meio de políticas em matéria de pesqui- e sabe utilizá-lo. O conhecimento é avaliado
sa e de ensino inspiradas – ou lideradas por pela capacidade de criar um efeito, facilmente
economistas e por razões econômicas. O seu assimilado a um efeito econômico ou, pelo me-
objetivo, baseado na racionalidade econômica nos, a um efeito suscetível de ser mensurável
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

tal como é entendida pelo imaginário neoli- em termos econômicos. Os autores utilitaristas
beral, é fazer com que o conhecimento sirva clássicos foram os primeiros a fazer a teoria
outros propósitos que não a emancipação e a da subordinação da ciência à “arte”, isto é, à
democracia, fazer que ele sirva a “eficiência prática a partir de uma filosofia empirista: a
econômica”. Em outros termos, as políticas ciência é produzida pela prática, mas no ou-
neoliberais aplicadas ao mundo acadêmico tro sentido a ciência vale apenas pelos efeitos
não têm outro objetivo senão impor uma nova de melhoramento da prática. Jeremy Bentham,
definição e novas condições para a produção um dos filósofos utilitaristas mais importan-
do conhecimento. É por isso que é apropriado tes, passou grande parte de sua vida a refletir
questionar o que chamamos “a economia do sobre instituições de ensino que deveriam ser
conhecimento”, pois é a própria razão das re- submetidas ao princípio de utilidade. A cresto-
formas no ensino e na investigação que estão a matia, no léxico de Bentham, é precisamente

2
Christian Laval

o conhecimento simultaneamente do útil e o na sociedade, afirmava, seguindo os passos de


conhecimento útil. Esta concepção utilitarista, seu mestre Ludwig von Mises, que o problema
sob formas frequentemente muito mais gros- econômico fundamental era um problema de
seiras, volta hoje – tanto no ensino como na conhecimento, algo que não teria sido visto até
pesquisa. Tal concepção toma hoje duas for- então pelos economistas neoclássicos segundo
mas complementares: a primazia da compe- ele.1 Estes últimos pressuponham em seu mo-
tência no ensino e a prioridade da inovação na delo que o conhecimento do ambiente econô-
pesquisa. A volta triunfal do utilitarismo não é mico estava totalmente em posse dos atores, de
sem consequência. Se apenas a eficiência im- forma que a questão das escolhas econômicas
porta, zombarão de uma tese, de uma obra ou se resumia a um cálculo matemático dos óp-
de uma demonstração que não poderia provar timos das escolhas de produção. Esta revisão
os efeitos benéficos manifestos e rápidos que por Hayek da teoria econômica – fazendo do
ela pode acarretar. A relação à verdade acaba conhecimento o problema econômico princi-
sendo profundamente atingida. É assim que se pal – tinha uma dimensão tanto política como
pode legitimamente ensinar nas escolas, e com econômica. Tratava-se de saber se um plane-
os fundos públicos, as técnicas de venda em- jamento central da economia era mais eficaz
basadas na manipulação e na mentira, assim do que um sistema descentralizado de con-
como o Estado pode financiar as pesquisas de corrência. Para Hayek (1945),o planejamento
neuromarketing destinadas a aumentar a efici- recebia tanto prestígio porque se pensava que
ência das técnicas de manipulação publicitá- o conhecimento científico era a única forma
ria. Doravante, a eficiência é mais importante de conhecimento, ou, pelo menos, a forma de
que a verdade. O que chamamos por vezes de o conhecimento mais interessante do ponto de
reino da “pós-verdade” não deve ser procurado vista econômico: “Hoje, é quase herético re-
somente nas manipulações da informação nas lembrar que o conhecimento científico não é
redes sociais; ele é também o produto de uma o único de todos os nossos conhecimentos”,
concepção que faz do conhecimento um ins- lembra Hayek em seu artigo. Denunciar o pla-
trumento puro e simples de poder e de lucro. nejamento começa, portanto, por questionar
os “privilégios” concedidos ao conhecimento
científico (Hayek, 1945, p. 521).
O CONHECIMENTO SEGUNDO A No entanto, existe outro tipo de conhe-
DOXA NEOLIBERAL cimento local e setorial que apenas os agen-
tes econômicos dispersos têm em sua posse
Se a vida econômica e social em geral é e que tem os maiores efeitos benéficos para
uma competição entre indivíduos empreende- eles e para toda a sociedade. Trata-se de um Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

dores em busca de boas oportunidades, como “conjunto de conhecimentos muito importan-


acreditam os teóricos neoliberais do século te mas inorganizado, que não podem ser qua-
XX, a informação terá um altíssimo valor já lificados de científicos, visto que não se refe-
que é graças a ela que poderemos identificar rem ao conhecimento de regras gerais, mas ao
uma oportunidade para conseguir um “bom conhecimento das circunstâncias particulares
negócio”. Ter ou não ter uma informação, tal de tempo e de lugar” (Hayek, 1945, p. 521). O
é o objeto primeiro da luta econômica entre conhecimento importante na vida econômica
empresas. Como cada um deve comportar-se não é o da ciência, que comporta apenas regras
racionalmente como uma empresa, a luta pela gerais, mas o das “circunstâncias particulares
informação diz respeito igualmente aos indi- de tempo e de lugar” (Hayek, 1945, p. 521).
víduos. Friedrich Hayek, em um artigo famo- 1
HAYEK, F. A. The Use of Knowledge in Society. The Ame-
so de 1945 intitulado O uso do conhecimento rican Economic Review, [s.l.], v. 35, n. 4, p. 519-530, 1945.

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A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

Este “conhecimento especial de circunstâncias rico que não tenha qualquer relação com uma
efémeras, ignoradas dos outros” (Hayek, 1945, característica deste bem particular, mas que
p. 522), a exemplo do corretor de imóveis que reflete ou em que se resume o seu significado
conhece os “bons negócios”, é por definição em termos de estrutura de produção” (Hayek,
temporário. É um conhecimento que não deve 1945, p. 526-527).
ser conhecido por todos, que tem valor ape- Para F. Hayek (1945), é mister “conside-
nas para um determinado indivíduo e que, em rar o sistema dos preços como um mecanis-
certo momento, se encontra em circunstâncias mo de “comunicação da informação” (Hayek,
particulares – e que, graças a ele, ganha vanta- 1945, p. 526) que torna inútil qualquer outra
gem sobre os outros por ser o único a possuí-lo. forma de conhecimento. Será suficiente que
Para Hayek (1945), o desprezo pelo co- os agentes “observem o movimento de alguns
mércio e pelo tipo de conhecimento a ele li- ponteiros, como um engenheiro pode consul-
gado provém da crença errônea, segundo a tar qualquer mostrador, e ajustar assim suas
qual a economia é vista como um problema atividades a mudanças das quais nunca sabe-
tecnológico de aplicação de regras gerais no rão mais do que aquilo que o movimento dos
modelo da produção industrial (construção preços terá refletido” (Hayek, 1945, p. 527).
de uma planta industrial, instalação de um Em outros termos, a gestão da produção, como
dispositivo técnico). No entanto, o problema a do governo dos homens, encontra o seu mo-
econômico fundamental é antes aquele da delo no sistema dos preços de mercado. Se pu-
mudança permanente no mercado. O conhe- dermos atribuir um valor quantitativo a qual-
cimento mais útil será, portanto, aquele que os quer atividade, a qualquer função, a qualquer
agentes econômicos possuirão sobre as varia- pessoa, teremos então uma informação sufi-
ções dos mercados e não os científicos sobre ciente e pertinente para fazer escolhas óptimas
os processos contínuos, sobre as tendências relativamente à utilização de recursos produti-
de longa duração. Em outras palavras, as leis vos. Não se trata necessariamente de criar um
científicas às quais se recorre na produção dos mercado em sentido estrito, mas de criar um
bens têm menos valor que os conhecimentos “pequeno sistema econômico coerente”, como
que servem para “fazer a diferença” na relação diz F. Hayek (1945), que funcionará como um
de concorrência. Os agentes econômicos pre- mercado. Seria um erro denunciar a ignorân-
cisam dos “conhecimentos pertinentes” para cia que este sistema implicaria se fosse gene-
suas decisões econômicas, eles precisam saber ralizado ao conjunto das atividades humanas.
muito rapidamente e da forma menos onerosa Esta ignorância é, pelo contrário, a sua quali-
para eles como utilizar e interpretar os conhe- dade primeira: o mecanismo de informação do
cimentos parciais e locais que possuem. Como mercado poupa conhecimentos inúteis.
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

estes são muito numerosos, eles só podem ser Para F. Hayek (1945), é vantajoso agir
utilizáveis se se dispõe de um meio prático sem saber o que estamos a fazer ou porque o
para resumi-los, reter somente um dado abstra- fazemos – de fato, é a maior conquista da civi-
to que os resumirá. Isso só pode ser feito com lização. Os benefícios da ignorância são muitas
um sistema de preços no qual as inumeráveis vezes ignorados, as vantagens da inconsciên-
circunstâncias serão resumidas em um valor cia são ignoradas. No entanto, é com mecanis-
numérico. Os conhecimentos pertinentes são, mos não conscientes que melhor fazemos os
portanto, reduzidos a um indicador quantitati- indivíduos agirem. Os progressos da civiliza-
vo que, por si só, resume a totalidade das in- ção dependem da implementação de dispositi-
formações úteis para o decisor. Para obter esta vos e arranjos como o do mercado que permi-
informação numérica, será necessário atribuir tem “dispensar um controle consciente e criar
“a cada tipo de recurso raro um índice numé- incentivos que levem os indivíduos a agir em

4
Christian Laval

um sentido desejável sem que ninguém lhes humano” para umas e da “inovação” para as
tenha dito o que se devia fazer” (Hayek, 1945, outras a chave do crescimento futuro.
p. 527). Agir sem pensar é o objetivo deste tipo O capital humano (ou competências) e
de conhecimento. O mercado, basicamente, inovação são os dois aspectos complementa-
é um dispositivo que dispensa o pensamento res da forma geral do conhecimento, as duas
graças a um simples sistema de signos que não categorias operacionais a partir das quais os
compreendemos mas que nos guia entretanto poderes públicos recompõem o campo da
na ação. Entendemos, então, porque Hayek educação. Os seus principais indicadores são
pode considerar que as causas não importam, a colocação profissional dos estudantes e o
que o conhecimento científico não tem valor número de patentes registradas. Esta concep-
ou, pelo menos, não tem o valor que lhe é atri- ção do conhecimento e suas duas variações –
buído na esfera econômica. Os preços são su- a competência e a inovação –resultam numa
ficientes para determinar ações de adaptação redução da formação humana e da atividade
que sejam racionais. intelectual a seu mero valor econômico: valor
Qual é a relação entre esta teoria do co- de troca no mercado de trabalho das formações
nhecimento-informação e a transformação em escolares e universitárias por um lado; valor
curso do ensino e da pesquisa? Esta teoria pro- de troca no mercado das patentes e dos outros
priamente mercantil do conhecimento não foi títulos de propriedade intelectual da atividade
retomada tal qual pelos governos porque sua de pesquisa.3
transposição prática direta teria sido um ata- Esta representação econômica muito
que frontal contra a ciência e uma destruição particular do conhecimento constitui o quadro
rápida das instituições de ensino e de pesqui- universal das políticas universitárias e científi-
sa. Mas ensina-nos o que está subjacente às cas hoje, de tal forma que nenhum país parece
reformas neoliberais, nomeadamente uma re- poder escapar, influenciado pela globalização,
lativização, para não dizer uma desvalorização a esta lógica dominante. E ainda menos porque
do conhecimento verdadeiro, cujo modelo tem esta imposição retórica anda de mãos dadas
sido até o momento a ciência. Esta desvaloriza- com o conjunto dos dispositivos e discursos
ção é o lado obscuro do que chamamos “a eco- que fizeram da concorrência econômica o nec
nomia do conhecimento”. É ela que, em últi- plus ultra4 da política geral dos governos. Dito
ma análise, poderia levar à destruição total do de outra forma, o esquema diretor da econo-
aparelho educativo e científico dos Estados.2 mia do conhecimento constitui muito mais do
que uma teoria econômica entre outras. “A eco-
nomia do conhecimento” é o nome oficial da
O que chamamos “economia do conheci- racionalidade política que sustenta, legitima e Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

mento”? suscita as atuais transformações no campo do


conhecimento e, nesse sentido, constitui hoje
“A economia do conhecimento” designa uma das maiores peças da política neoliberal.
o modelo que se impõe desde os anos 1990 a A expressão tem a vantagem de jogar
todas as instituições que lidam com o conhe- com a ambiguidade do termo “economia”. Por
cimento em todo o mundo, sob a pressão de “economia do conhecimento”, podemos com-
organismos econômicos como a OCDE, o FMI
3
Cf Isabelle Bruno, Pierre Clément et Christian Laval, La
ou o Banco Mundial que deram força temporal grande mutation, Néolibéralisme et éducation en Europe,
às análises econômicas que fazem do “capital Syllepse, 2010.
4
Expressão de origem latina que significa “não mais além”,
utilizada para demarcar o limite máximo, aquele que não
2
A política de Javier Milei se aproxima deste limite em se pode ultrapassar. Este é o sentido aqui empregado para
que se passa de uma política de controle a uma problemá- o lugar que ocupa a concorrência econômica na política
tica de destruição do ensino e da pesquisa. dos governos.

5
A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

preender um ramo particular da economia con- pital humano”, medidas pela percentagem de
siderada como ciência, e mais precisamente um diplomados na população ativa ou pelas des-
ramo especializado da economia do crescimen- pesas com a educação, têm sempre um efeito
to. Podemos também, compreender com este positivo na taxa de crescimento econômico.
termo uma fase histórica da economia fundada A Estratégia de Lisboa consistia, portanto, em
sobre o conhecimento.5 Em realidade, esta am- recuperar o atraso em relação aos Estados Uni-
biguidade não é de todo uma ambiguidade. Se dos, investindo muito mais na educação e na
entramos, como alguns pensam, em uma nova investigação, e ainda mais especificamente
fase de desenvolvimento da economia, então no ensino superior,7 uma vez que a literatura
sua lei fundamental de desenvolvimento, as econômica supostamente mostra que, quanto
molas de seu dinamismo, devem logicamente mais avançado é um país em termos de educa-
dar origem ao desenvolvimento de uma teoria ção e tecnologia, menos tem de confiar na imi-
adequada aos novos fatos e processos. Esta teo- tação e muito mais na inovação.8 Nesse sentido
ria vem por sua vez reforçar a crença no fato de político e estratégico, o conceito de “economia
que o novo papel do conhecimento é realmente do conhecimento” não designa apenas um de-
o caráter distintivo desta nova era do capitalis- terminado estado ou uma determinada dinâ-
mo. A teoria tem em suma um duplo aspecto, mica da economia, mas também designa um
observacional e performativo. conjunto de medidas e políticas capazes de
O principal papel político que impulsio- fortalecer, intensificar e acelerar as seguintes
nou o conhecimento para o cerne das questões características:
econômicas foi desempenhado pela Organi- a) A tendência para o aumento da proporção
zação para a Cooperação e Desenvolvimento do chamado capital intelectual, imaterial ou
Econômico (OCDE), pela Comissão Europeia intangível, medido por indicadores do nível
que assumiu o controle na década de 1990, e de educação, de formação e de qualificação
depois por outras organizações econômicas e da mão de obra, das despesas em I&D e mes-
financeiras neoliberais. A OCDE deu o mote e mo do estado de saúde da população;
lançou um programa de investigação de indi- b) A transformação dos modos de produção e de
cadores e recomendações que está bem resumi- trocas devida à “revolução informacional”;
do no relatório de 1996 intitulado “A economia c) O peso crescente dos setores de alta tecno-
baseada no conhecimento”. Um pouco mais logia na produção industrial e nas exporta-
tarde, em 2000, o Conselho Europeu retomou ções, tornando-os num conjunto de setores
o tema para torná-lo um objetivo da “Estraté- estratégicos determinando o lugar das eco-
gia de Lisboa”. O objetivo era fazer da União nomias na divisão internacional do trabalho
Europeia “a economia do conhecimento mais e sua competitividade;
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

dinâmica e competitiva do mundo até 2010, d) A inovação tecnológica que é decisiva no


capaz de garantir um crescimento económico crescimento da produtividade, segundo
sustentável, com mais e melhores empregos, e uma concepção neo-schumpeteriana9 que
com maior coesão social”.6 Esta estratégia deri- 7
Cf. P. Aghion et P. Howitt. L’économie de la croissance,
va diretamente das lições que os economistas Economica, 2010, p.280.

retiram dos seus modelos, em primeiro lugar 8


Esta é a ideia de que quanto mais próximos os países esti-
verem da “fronteira tecnológica”, mais deverão investir no
a lição de que as “taxas de acumulação de ca- ensino superior para promover a inovação.
9
O enfoque neo-schumpeteriano analisa as mudanças
5
É assim que alguns autores distinguem “a economia do econômicas, a partir das transformações tecnológicas de
conhecimento” como teoria especializada e “a economia ba- produtos ou de processos, consideradas principal meio de
seada sobre o conhecimento”.Cf. Dominique Foray, L’écono- competição entre as empresas, enfatizando não somente
mie de la connaissance, Repères, La Découverte, 2000, p. 5. as grandes inovações, mas também as pequenas e pontu-
ais, realizadas em países da periferia. Nesta medida os em-
6
Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/sum- presários inovadores e empreendedores são sujeitos fun-
mits/lis1_fr.htm?textMode=on damentais para a dinâmica da concorrência econômica.

6
Christian Laval

atribui um papel central ao empresário e ao Poderíamos nos perguntar se não há


espírito empreendedor. uma contradição maior e evidente entre este
Para além de uma série de evidências so- reconhecimento oficial e internacional do pa-
bre o aumento da educação e da formação da pel do conhecimento e as políticas efetivamen-
população ativa ou a respeito do lugar da tec- te desenvolvidas por numerosos governos (en-
nologia e da informatização na produção, tal es- tre os quais os sucessivos governos franceses)
tratégia não deve ser aceita sem reflexão como que levam a cortes nos orçamentos da pesqui-
o fazem a maioria dos comentadores ou dos res- sa e do ensino superior. As políticas de austeri-
ponsáveis políticos, ou seja, como uma progres- dade provocam um racionamento da educação
são linear para uma era mais “cognitiva”. e da pesquisa que, mesmo do ponto de vista
Quer se trate da economia do conheci- dominante, parece logicamente contraditório
mento como uma subdisciplina econômica ou com todas as análises feitas sobre a importân-
como nova fase histórica da economia real, é cia estratégica do conhecimento. De fato, hoje
notória a falta de precisão e de rigor dos termos em dia, impossível não sorrir ao recordar os
utilizados. Não se distingue entre conhecimen- objetivos da estratégia de Lisboa que acabamos
to científico, conhecimento semi-científico ou de mencionar. Se é incontestável que as despe-
conhecimento comum, assim como não se sas privadas em I&D foram privilegiadas pelos
implementa a distinção entre “conhecimento poderes públicos mas sem resultados notáveis,
tácito” e “conhecimento codificado” (Michael é necessário observar que a economia do co-
Polanyi, 1962).10 O conhecimento é alegremen- nhecimento é um fracasso total. Mas, quais
te confundido com informação, conhecimento são as consequências esperadas pelas políticas
com o imaterial ou intangível, conhecimento de austeridade? Por detrás desta aparente con-
com cultura, conhecimento com emoção ou tradição entre a valorização econômica do co-
afeto, e assim por diante. nhecimento e a realidade dos orçamentos que
Este regime retórico de deliberada im- lhe são dedicados, não haverá uma lógica mais
precisão, confusão e incerteza não é apenas o profunda que tem a ver precisamente com a
resultado de uma falta de rigor conceitual dos desvalorização “hayekiana” do conhecimento?
economistas do crescimento, é também o resul-
tado de uma estratégia teórica que consiste em
considerar o conhecimento apenas em termos A expansão da racionalidade econômica no
da sua utilidade econômica, de modo que o seu campo do conhecimento
valor de uso seja mais importante do que a sua
natureza, os seus efeitos mais do que as condi- Para além do racionamento da despe-
ções da sua produção. Isto leva a que o termo sa em educação e em pesquisa, assistimos ao Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

genérico “conhecimento” seja utilizado para triunfo da racionalização econômica do co-


abranger tudo o que, em termos de crescimento nhecimento, o que pode parecer paradoxal à
econômico, tende a aumentar a produtividade primeira vista. Em realidade, o que importa é
dos fatores, independentemente do seu volume, que o conhecimento seja visto como um fator
e tudo o que, no valor das empresas, se relacio- econômico, e que, por corolário, tudo o que es-
na com a valorização do intangível, que desem- capa a esta valorização econômica não existe
penha um papel fundamental naquilo a que os mais verdadeiramente para os contadores que
economistas chamam “goodwill”.11 assumiram o comando do mundo acadêmico.
10
Polanyi, M. The tacit dimension. Chicago: University of
Chicago press, 1962. 108 p. houve a crise de 2008. Mas o fracasso já era óbvio antes
dessa altura. Nenhum dos objetivos tinha sido alcançado
11
Goodwill ou “sobrevalor” é a diferença entre o valor dos nessa altura, e ainda não o foi hoje, nem em termos de
ativos no balanço da empresa e a avaliação de mercado em despesa nacional em I&D, nem em termos do aumento do
um determinado momento. Provavelmente, vão dizer que número de estudantes por geração.

7
A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

Philippe Aghion e Peter Howitt (2010, p. 259) Um conhecimento privatizado


resumem perfeitamente o que eles chamam
“as questões que preocupam os governos”: “a Lembramos acima que a estratégia da
educação joga um papel no crescimento? que economia do conhecimento quando é medida
tipo de investimentos na educação importa pelo aumento dos investimentos na pesquisa
mais? qual a melhor alocação possível de fun- e na educação, está a fracassar. Em realidade,
dos públicos no ensino primário, secundário e esta estratégia não é somente contábil, ela é es-
superior?”.12 A linguagem não é neutra e sem trutural. Consiste em favorecer o setor privado
efeito. Há uma performatividade do discurso e mercantil da pesquisa, o mais diretamente
econômico.13 Utilizar o léxico econômico fora ligado ao retorno econômico e financeiro da
do campo econômico, é estender de facto o im- produção do conhecimento. Assistimos assim
pério do valor econômico. O léxico é incorpo- há pelo menos três décadas ao que o jurista
rado em dispositivos práticos que padronizam, americano James Boyle chamou “o segundo
medem, e que in fine modelam o que é pensa- momento de cercamento (enclosures)”.14 O
do e o que é feito. Esta penetração do discurso novo capitalismo neoliberal se caracteriza, de
econômico é feita simultaneamente a partir de fato, por um “frenesi” de apropriação de po-
considerações gestionárias locais, a partir das tenciais fontes de lucro no campo da biologia,
metanarrativas dominantes levadas a cabo pe- da informática e das mídias. O campo do co-
las instituições neoliberais e pelos governos nhecimento tende doravante a ser regido pelos
nacionais. Mas não são apenas os economis- direitos exclusivos de propriedade intelectual,
tas ou os gestores que impõem à pesquisa e ao ou seja, por monopólios intelectuais que são
ensino esta razão econômica. A penetração do a forma tomada pela concorrência imperfeita
discurso econômico no universo acadêmico e mas intensa entre grandes grupos. Isto se ex-
científico tem tanto mais força quanto atua de plica por duas lógicas que se combinam. A pri-
certa maneira por percolação progressiva bem meira, que podemos qualificar de neo-schum-
perto das práticas, pelo intermédio dos docen- peteriana, está ligada ao papel da inovação tec-
tes e dos pesquisadores, que, de uma forma ou nológica na concorrência oligopolística. Esta
outra, são gestores de suas unidades de forma- inovação, segundo os neo-Schumpeterianos,
ção e de pesquisa e são de fato forçados a parti- está ela própria ligada à figura do empreende-
cipar em editais ou em qualquer outra fonte de dor, que se tornou o verdadeiro herói da guerra
financiamento, embora possam sentir que são econômica. A segunda é a busca automática
enganados por um sistema contraproducente e de rendas monopolísticas obtidas pela obten-
ineficiente de financiamento que favorece os ção de patentes com a mais ampla cobertura
ganhadores da concorrência universitária mas para bloquear a entrada de novos concorrentes
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

desencoraja todos os perdedores. Portanto, não e drenar o máximo de rendas.15 Esta corrida ao
é apenas pelo poder intrínseco da razão econô- lucro do monopólio tecnológico está no cerne
mica “em geral”, que a economia do conheci- da concorrência entre oligopólios globalizados
mento se impõe. É por uma política deliberada e dita em grande parte sua lógica à transforma-
que ela se impõe nos dispositivos. ção imposta à universidade e à pesquisa públi-
ca em termos de parceria com o setor privado,
de valorização econômica dos resultados da
pesquisa, de incubação de empresas novas no

12
Philippe Aghion e Peter Howitt, op.cit., p. 259. 14
Cf. James Boyle, The Public Domain, Enclosing the Com-
mons of the Mind, Yale University Press, 2008.
13
Fabian Muniesa et Michel Callon, “La performativité des
sciences économiques”, in Philippe Steiner et François Va- 15
Cf. Michele Boldrin et David K.Levine, Against Intellec-
tin, Traité de sociologie économique, PUF, 2009. tual Monopoly, Cambridge University Press, 2008.

8
Christian Laval

seio da universidade ou das instituições cientí- aplicações. Quanto à difusão do conhecimen-


ficas. Estas duas lógicas levam à imposição de to, encontrou seu lugar de predileção na uni-
“novos cercamentos” que vão limitar o acesso versidade pública.18 Este modelo de “ciência
aos recursos de saberes para aqueles que não aberta” e do conhecimento como bem público
foram os seus financiadores. vem sendo progressivamente suplantado por
Com esta financeirização, o conheci- um modelo de pesquisa privada que repousa
mento é cada vez menos sustentado por um na posse de um direito privado sobre o conhe-
objetivo de verdade a respeito de um conjun- cimento, cujo investidor pretende tirar o maior
to de objetos do mundo, ele é essencialmente lucro possível graças ao monopólio tecnológi-
concebido como um meio de crescimento e de co que uma patente lhe assegura.
lucro. Pode-se dizer com razão que sempre foi O que caracteriza o período aberto nos
assim na investigação privada, mas esta con- anos 1980 é, portanto, a predomínio de um regi-
cepção comercial e capitalista do conhecimen- me proprietário do conhecimento que se esten-
to não estruturou o campo acadêmico e não de progressivamente ao setor público, o qual é
comandou as atividades dos pesquisadores intimado a se alinhar sobre o modelo da pesqui-
fora do setor privado.16 Mais precisamente, po- sa privada ou a se hibridar com ela para obter
demos distinguir três tipos de financiamento e subsídios. Inicialmente, esta mercantilização
de difusão da pesquisa: o modelo da “ciência da pesquisa foi favorecida por todas as medi-
aberta”, o modelo de gestão estatal direta da das que obrigaram os laboratórios públicos a
pesquisa (campo militar, nuclear, aeronáutico, encontrarem recursos junto das empresas e a
espacial etc.) e o modelo privado e mercantil vender no mercado das patentes o resultado de
que visa restringir o acesso ao conhecimento, seus trabalhos. Datamos frequentemente a par-
concedendo direitos exclusivos ao proprietá- tir de uma lei americana, intitulada Bayh-Dole
rio da patente que pode então fixar seu preço Act, em 1980, o início de um processo contínuo
para o uso do conhecimento.17 No antigo re- “de abertura ao mercado” das estruturas públi-
gime histórico do conhecimento, o tipo-ideal cas de pesquisa. Esta lei possibilitou que as uni-
da pesquisa estava próximo do primeiro mo- versidades americanas se apropriassem e nego-
delo baseado num trabalho científico autôno- ciassem para si próprias os resultados das pes-
mo cujos resultados, amplamente divulgados, quisas financiadas por fundos públicos, o que
vinham aumentar um patrimônio comum. Os as encorajou a tornar-se “centros de lucro” para
economistas explicaram prontamente que o suas universidades anfitriãs e a tecer laços de
conhecimento tinha as características de um natureza comercial com as empresas privadas
“bem comum”, isto é, não excludente e não ri- desejosas de explorar as patentes registradas
val. Portanto, os pesquisadores foram incitados pelas universidades. Medidas de natureza se- Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

a criar novos conhecimentos, essencialmente melhante foram tomadas nos diferentes países
por remunerações simbólicas e progressão na da OCDE no decorrer dos anos 1990. Revelaram
carreira independentemente dos rendimentos uma nova figura do científico, o “pesquisador
diretos eventuais que pudessem advir de suas empreendedor” que comercializa ele próprio
sua descoberta em seu proveito pessoal; que
16
A economia do conhecimento rompe com o ethos da pode criar sua própria empresa paralelamente
ciência tal como Robert King Merton o tinha definido:
universalismo, “comunismo” (isto é, organização e gestão ao seu emprego universitário; que pode até esta-
do conhecimento como bem comum), desinteresse, inte-
gridade moral, ceticismo organizado.CF.Robert K.Merton, belecer contratos “mutuamente vantajosos” en-
The Sociology of Science, The University of Chicago Press, tre a universidade que o acolheu e sua empresa.
1973, pp. 267-278.
17
Cf. Maurice Cassier et Dominique Foray, “Économie de
la connaissance: le rôle des consortiums de haute techno- 18
Cf. Dominique Foray, “Science, technologie et marché”,
logie dans la production d’un bien public”, Économie et in Les sciences sociales dans le monde, Unesco-Éditions de
prévision, n°150, La Documentation française, 2001. la Maison des sciences de l’homme, 2001, p. 284.

9
A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

O ensino não sai ileso desta transforma- A política neoliberal no caso das universidades
ção. As universidades postas em concorrência
entre si, e cujas fontes de financiamento pú- Se, segundo a nova doxa, a universidade
blico secam, precisam encontrar outros meios e a pesquisa devem ser colocadas a serviço da
para funcionar. Assim, elas são convidadas a competitividade econômica, convém evidente-
“diversificar” suas fontes de recursos. Todos os mente governá-las segundo os princípios empre-
meios são bons para aumentar suas receitas, sariais. O que os americanos chamam a universi-
ou pelo menos para compensar a diminuição dade empreendedora é um modelo institucional
dos créditos públicos: aumento das taxas de elaborado e implementado desde os anos 1980
matrícula dos estudantes no modelo das esco- por especialistas em gestão da qualidade e em
las e universidades privadas, o que tem como benchmarking,21 e ele tem três características
efeito o crescimento da dívida estudantil; co- maiores: é regido pelo modelo de uma empre-
financiamento sistematizado dos projetos de sa (em realidade como um grupo composto de
pesquisa; bolsas de estudos outorgadas pelo filiais administradas por uma holding que as
setor privado (com contrato de confidenciali- controla); trabalha em simbiose com o mundo
dade); patrocínio de cátedras que permite au- dos negócios; difunde em todos os níveis a “cul-
mentar consideravelmente as rendas dos pro- tura empresarial”, ou seja, seu “espírito” é o do
fessores que ingressaram no grande mercado empreendedorismo (entrepreneurship) que visa
das estrelas acadêmicas, etc.19 promover a criação de empresas pelos pesqui-
Esta transformação é assumida há muito sadores e pelos estudantes. As universidades
tempo pelas instituições oficiais. Em 2002, a empreendedoras têm um “dever de desempe-
Comissão europeia declarava em um de seus nho” econômico. Transformação do manage-
órgãos de divulgação: “o tempo em que, tra- ment, autonomia de gestão, competição e po-
dicionalmente, os conhecimentos adquiridos larização entre universidades são as palavras
no espaço científico acadêmico constituíam chaves do padrão global, que ocupam o lugar
um patrimônio aberto, colocado à disposição da velha universidade humboldtiana do início
de todos, pertence ao passado. No campo dos do século XIX, orientada para o conhecimento
conhecimentos, produção rima hoje com pro- desinteressado e enciclopédico. Mergulhados
teção e exploração”.20 A universidade, como na concorrência, dependentes das agências de
qualquer empresa no seio da nova economia financiamento público ou privado que os co-
fundada no conhecimento, deve aumentar seu locam em competição, os estabelecimentos são
capital de conhecimento, protegê-lo e obter forçados a adotar um comportamento empre-
dele o máximo retorno. Sobretudo, deve explo- endedor que aumentará seu desempenho eco-
rar seu capital simbólico e cultural, construir nômico. A concorrência é o único horizonte e
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

uma reputação, fazer frutificar internacional- o único quadro estratégico de tal reforma. Ela
mente sua imagem de marca (a exemplo da é seu objetivo e seu meio. Quanto maior a con-
Sorbonne que é exportada no Emirados Árabes corrência entre estabelecimentos e entre pes-
Unidos), extrair a máxima renda possível de quisadores, eles melhores serão. A palavra que
seu “estoque” de docentes e de pesquisadores. resume esta lógica concorrencial é “excelên-
cia”. Esta cultura da excelência anda de mãos
dadas com uma “obsessão de controle” segun-
do a fórmula de Michael Power, uma cultura
19
Uma lei francesa de 2006 possibilitou e encorajou a cria-
ção das fundações e das cátedras financiadas pelos gran-
des grupos de bancos, de seguros e de energia fóssil (Axa,
21
Uma técnica de análises apuradas sobre as empresas
Total, BNP Paribas, Crédit agricole). concorrentes para verificar, através de métricas e informa-
ções, a que se deve o seu sucesso (ou fracasso). Também
20
“Vers un marché des connaissances”, in Magazine de la chamada de “análise competitiva”, comparando as concor-
recherche européenne, n°34 juillet 2002, p. 12. rentes com a sua empresas em diversos aspectos.

10
Christian Laval

que se baseia sobre uma verdadeira relação derar as condutas”, segundo a expressão de Fou-
de desconfiança para com os pesquisadores, cault. Os sistemas de medição e de classificação
docentes ou estudantes, todos supostamente são utilizados como sistemas de governo dos in-
movidos por seus interesses privados22. Modi- divíduos e das unidades nas quais eles trabalham.
fica bastante o princípio da colegialidade, uma O julgamento pelos pares no seio de
vez que a equipe “governante” se confere um uma comunidade científica é substituído por
direito de controle sobre as políticas dos labo- um sistema de preços dos produtos do conhe-
ratórios e a qualidade dos pesquisadores, e isto cimento supostamente mensuráveis com base
através de bônus ou da modulação de serviços em indicadores “objetivos” de desempenho
e de carreiras a sua disposição. Relações hie- e excelência. A instauração de bônus de ex-
rárquicas parecidas às que encontramos nas celência, a estratégia que visa aumentar con-
empresas privadas substituem as relações mais sideravelmente as diferenças nas condições
igualitárias e cooperativas que dominavam as materiais entre indivíduos e entre centros de
instituições da “ciência aberta”. pesquisas segundo seu desempenho, a desi-
gualdade das condições de trabalho e a con-
sequente remuneração, constituem diferentes
A avaliação do conhecimento e a incitação aplicações dos preceitos de gestão, conforme o
econômica objetivo da universidade empreendedora. Isto
não deixa de produzir efeitos diversos. As pon-
A política econômica do conhecimento tuações numéricas podem induzir manipula-
fabrica um mercado do conhecimento de duas ções, fraudes, ou mais simplesmente reorienta-
maneiras. Em primeiro lugar, fazendo de tal for- ções da atividade, reorientada para o resultado
ma que a lógica dos direitos exclusivos se es- mensurado em detrimento de outros aspectos
tenda à produção pública, por outro, fazendo mais substanciais. Este sistema de incentivos,
de tal forma que a lógica concorrencial regule a como bem mostrou Maya Beauvalet, pode até
repartição dos recursos em função das priorida- ser muito “desincentivador”. A concorrência
des politicamente definidas, conduzindo ipso pode induzir uma queda no investimento dos
facto a uma desigualdade crescente nos rendi- indivíduos no coletivo, uma diminuição da
mentos dos pesquisadores e nos financiamen- ajuda mútua, uma destruição da cooperação.23
tos de pesquisa e de ensino. A construção de O jogo dos indicadores incitativos ocor-
um modo de regulação competitiva pressupõe re em todos os níveis da construção dos mer-
a implementação de dispositivos específicos, cados. Está presente até mesmo no nível das
notadamente a elaboração de ferramentas de políticas científicas e universitárias nacionais
avaliação ad hoc, que sejam consistentes com graças à importância dada pelas políticas e as Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

o objetivo, ou seja, à valorização econômica da mídias aos “rankings universitários” no nível


produção científica. Mais precisamente, isto mundial como o de Xangai ou o do Times Hi-
pressupõe um trabalho de produção estatística gher Education. As críticas não faltam a respei-
orientada para a medição da produtividade e to de sua ausência de significação e de sua fal-
do desempenho, através de índices que não le- ta de validade para uma comparação de estru-
vem em conta os contextos particulares devido turas muito diferentes entre um país e outro.24
ao próprio postulado de comensurabilidade do
23
Cf. Maya Beauvallet, Les stratégies absurdes, Comment
que se pretende medir e classificar. faire pire en croyant faire mieux, Le Seuil, 2009.
Tal produção de números no meio cientí- 24
Uma das anedotas mais absurdas e mais divertidas é nar-
fico não tem nada de “científico”. É feita para “li- rada por Yves Gingras. O fato de ter formado ou hospeda-
do um prêmio Nobel faz variar consideravelmente o lugar
na classificação de Xangai. É assim que, já que Einstein
22
Michael Power, La société de l’audit, l’obsession de con- trabalhou na Universidade de Berlim em 1922, a coloca-
trôle, La Découverte, 2005. ção da universidade berlinense pode pular de 100 lugares.

11
A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

Mas, pouco importa que as agregações de da- no âmbito da “economia do conhecimento”?


dos não tenham muito sentido por causa da he- Será que não estamos diante de uma distorção,
terogeneidade do que se mede e da ponderação e até mesmo uma perversão do que se entende
arbitrárias dos elementos escolhidos (Prêmio por “conhecimento” em relação às aquisições
Nobel, publicações, patentes etc.) e que cor- da própria ciência? Retomemos um instante
respondem apenas a certos tipos de estabeleci- o exemplo destes rankings e destas classifi-
mentos. Os critérios escolhidos correspondem cações. Eles pretendem oferecer um conheci-
de fato evidentemente ao que os construtores mento válido e relevante a respeito do sistema
do ranking julgam determinante na qualidade de ensino superior e da pesquisa. No entanto,
de uma universidade, e ao que, de acordo com os espíritos mais lúcidos no mundo acadêmico
eles, deveria orientar as políticas seguidas pe- conhecem seus preconceitos e sua falta de va-
los estabelecimentos e os governos. O objetivo lor científico. Como é que pode acontecer que
da classificação das universidades e sua utili- as instituições pretensamente regidas pelas re-
zação pelos governos nacionais não é produzir gras da racionalidade científica se deixem im-
um conhecimento científico sobre os sistemas por políticas guiadas por indicadores tão pou-
universitários, mas sim produzir uma pressão co fiáveis em relação às exigências elementares
social e política pela midiatização da classifi- do conhecimento objetivo? Aliás, poderíamos
cação. Como toda prática de benchmarking e dizer a mesma coisa dos critérios quantitativos
de ranking, trata-se de produzir uma diferença de avaliação individual de um pesquisador,
social e, portanto, condutas de comparação e quando em vez de ler o que ele publicou para
de competição. Nesta competição, as práticas julgar o valor científico de sua produção, pre-
de comunicação e de branding são essenciais, ferimos estabelecer a lista de suas publicações
e as classificações acabam por primar sobre os nas revistas bem situadas no ranking das revis-
conteúdos científicos e as atividades reais. O tas. Toda a “governança” da ciência assenta as-
essencial é ser visível, conhecido, apreciado. O sim num conhecimento da atividade científica
cinismo comercial dos especialistas em comu- que não respeita as propriedades elementares
nicação aos quais recorrem cada vez mais as de um conhecimento científico a respeito de
administrações universitárias tomam a dian- um objeto dado. Em realidade, como vimos,
teira sobre o ethos científico que até então era a não é a validade do conhecimento fornecido
norma da comunidade científica. A corrupção por estes indicadores que importa, é o caráter
moral corrói então de dentro a nova universi- operacional da informação que conta. Não é
dade neoliberal.25 mais o conteúdo intrínseco do conhecimento
que é determinante, é a construção da infor-
mação sobre o conhecimento, uma informação
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

CONCLUSÃO que não depende em nada dos critérios geral-


mente admitidos no âmbito da ciência, mas
Tudo isto nos conduz a uma interroga- que permite fazer uma seleção, estabelecer
ção fundamental a respeito do próprio conhe- uma classificação, produzir um valor. A con-
cimento. De que tipo de conhecimento falamos cepção hayekiana como sistema de preços ins-
tala-se assim no centro da atividade científica.
Mas, como a divisão da Alemanha cortou em dois a uni- A gestão de desempenho e seus dashboards
versidade de Berlim, há duas universidades berlinenses
que pretendem ter sido os anfitriões de Einstein há um quantitativos aplicados ao campo do ensino e
século. Cf. Yves Gingras, Les dérives de l’évaluation de la da pesquisa nunca passam da implementação
recherche, Du bon usage de la bibliométrie, Raison d’agir,
2014, p. 102-103. desta concepção. Apenas importa a informa-
25
Como escreve Yves Gingras: “este cinismo no meio aca- ção pertinente a respeito de um “produto cog-
dêmico é um produto direto da criação do “mercado do
ensino superior”. Cf.Yves Gingras, op.cit., p. 101. nitivo”, ou seja, seu valor abstrato no sistema

12
Christian Laval

de avaliação (número de citações, número de BOYLE, J.The Public Domain, Enclosing the Commons of
the Mind. [s.l.]: Yale University Press, 2008.
publicações etc.). Assim, o universo acadêmi-
BRUNO, I.; CLEMENT, P.; LAVAL, C.La grande
co aos poucos está perdendo o domínio de sua mutation,Néolibéralisme et éducation en Europe. [s.l.]:
Syllepse, 2010.
autonomia através da perda de seus próprios
CASSIER, M. ; FORAY, D. Économie de la connaissance:
critérios de julgamento. Poderíamos correta- le rôle des consortiums de haute technologie dans la
production d’un bien public.Économie et prévision, [s.l.],
mente aqui parafrasear Marx quando, no iní- n. 150, 2001.
cio do Livro I do Capital, ele escreve que “na D’ALEMBERT, J. R. Discours préliminaire à l’Encyclopédie.
produção de mercadorias, o valor de uso não Paris : Briasson ; David l’aîné; Le Breton ; Durand, 1751.
p. 47.
é absolutamente algo que amamos por si só.
DIDEROT, D. Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des
Aqui se produz somente valores de uso porque sciences, des arts et des métiers. Tome II. Paris: Briasson;
David l’aîné; Le Breton; Durand, 1751.
e na medida em que são o substrato material,
FORAY, D. Science, technologie et marché. In: UNESCO.
o suporte do valor de troca”.26 Na economia do Les sciences sociales dans le monde. [s.l.]: Unesco-Éditions
de la Maison des sciences de l’homme, 2001. p. 284.
conhecimento, não amamos o conhecimento
FORAY, D.L’économie de la connaissance. [s.l.]: Repères;
por si próprio. Só o amamos com a condição La Découverte, 2000.
de que seja o suporte e o meio de obter lucro. GINGRAS, Y. Les dérives de l’évaluation de la recherche,
Du bon usage de la bibliométrie. [s.l.]: Raisond’agir, 2014.
p. 102-103.
HAYEK, F. A. The Use of Knowledge in Society. The
Recebido para publicação em 17 de dezembro de 2024 American Economic Review, [s.l.], v. 35, n. 4, p. 519-530,
Aceito para publicação em 08 de março de 2025 1945.
Editor Chefe: Renato Francisquini Teixeira MARX Karl, Le Capital, Livre I. [s.l.]: Quadrige PUF, 2014.
MERTON, R. K.The Sociology of Science. [s.l.]: The
University of Chicago Press, 1973.

REFERÊNCIAS MUNIESA F.; CALLON, M. La performativité des


sciences économiques. In:STEINER,P.; VATIN, F.Traité de
sociologieéconomique. [s.l.]: PUF, 2009.
AGHION, P.; HOWITT, P.L’économie de la croissance. [s.l.]:
Economica, 2010. POWER, M.La société de l’audit, l’obsession de contrôle.
[s.l.]: La Découverte, 2005.
BEAUVALLET, M.Les stratégies absurdes, Comment faire
pire en croyant faire mieux, [s.l.]:Le Seuil, 2009.
BOLDRIN, M.; LEVINE, D. K.Against Intellectual Monopoly.
[s.l.]:Cambridge University Press, 2008.
26

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:
Christian Laval – Conceitualização de dados. Curadoria de dados. Investigação. Escrita – esboço original. Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025
Escrita.
Michel Collin – Tradutor.

Christian Laval – Professor emérito de sociologia na Universidade Paris-Nanterre. Membro-fundador


do Instituto de Pesquisas da Fédération Syndicale Unitaire [Federação sindical unitária], atualmente é
um dos animadores do Groupe d’études sur le néolibéralisme et les alternatives [Grupo de estudos sobre
o neoliberalismo e alternativas] (GENA). Autor de diversos livros, entre os quais L’Homme économique
(Gallimard, 2007) e L’ambition sociologique (La Découverte, 2002). No Brasil, publicou A escola não é
uma empresa (2019) e, com Pierre Dardot, A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal
(2016) e Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI (2017), editados pela Boitempo, além de A
sombra de outubro (2018), pela Perspectiva. Pela Elefante, publicou Foucault, Bourdieu e a questão
neoliberal, em 2020, e A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo, em 2021.

26
Karl Marx, Le Capital, Livre I, Quadrige PUF, p. 209.

13
A TRANSFORMAÇÃO NEOLIBERAL DA UNIVERSIDADE ...

THE NEOLIBERAL TRANSFORMATION OF THE UNIVERSITY AND ITS RELATIONS WITH THE
CAPITALIST EPISTEM

Christian Laval

We are increasingly aware of the logicofcom modificationof public universities and education in general.
This neoliberal transformation of higher education is essentially based on competition between public
and private institutions, but also between public institutions. It operates at all levels, regionally, nationally
and internationally. It has multiple effects, notably on the “governance” of universities and even on
the conduct of students and teachers. This transformation is global, and concerns structures, modes of
regulation and practices at the same time. For a long time, little understood the or etically, because it
wascarried out through partial reforms and mutations, it responds to a coherent paradigm, which can
only be understood by reconstructing its genesis and coherence. This article aims to define and expose the
major articulations of the capitalist episteme, that is, the original conception of knowledge and truth that
accompanies the development of capitalism, from utilitarianism to the ideology of the brain-machine,
including theories of knowledge-information and human capital. Without understanding this paradigm,
it will be difficult to oppose it with na alternative paradigma that is more egalitarian and more respectful
of truth values.
Keywords: Knowledge. University. Neoliberalism. Capitalist Episteme.

LA TRANSFORMACIÓN NEOLIBERAL DE LA UNIVERSIDAD Y SUS RELACIONES CON LA EPISTEME


CAPITALISTA

Christian Laval

Sabemos cada vez mejor la lógica de la mercantilización de las universidades públicas y de la educación
en general. Esta transformación neoliberal de la educación superior implica esencialmente competencia
entre establecimientos públicos y privados, pero también entre establecimientos públicos. Opera en todos
los niveles, regional, nacional e internacional. Tiene múltiples efectos, en particular en la “gobernanza”
de las universidades, e incluso en la conducta de estudiantes y profesores. Esta transformación es global
y concierne al mismo tiempo a estructuras, modos de regulación y prácticas. Durante mucho tiempo poco
comprendido teóricamente, porque llevado a cabo mediante reformas y mutaciones parciales, responde a
un paradigma coherente, que sólo puede entenderse reconstruyendo su génesis y coherencia. El artículo
tiene como objetivo definir y exponer las principales articulaciones de la episteme capitalista, es decir, la
concepción original del conocimiento y la verdad que acompaña el desarrollo del capitalismo, desde el
utilitarismo hasta la ideología cerebro-máquina, a través de las teorías del conocimiento-información y el
capital humano. Sin comprender este paradigma, será difícil oponerse a un paradigma alternativo que sea
más igualitario y más respetuoso de los valores de verdad.
Palabras clave: Conocimiento. Universidad. Neoliberalismo. Episteme capitalista.
Cad. CRH, Salvador, v. 38, p. 1-14, e025048, 2025

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