67.
Capacidade e legitimidade
I-A distinção é oriunda do direito processual e aí se evidencia com nitidez, mas manifesta-se
também no direito material.
A capacidade é um modo de ser ou qualidade do sujeito em si. A legitimidade supõe uma
relação entre o sujeito e o conteúdo do acto e, por isso, é antes uma posição, um modo de ser
para com os outros.
Em princípio, têm legitimidade para um certo negócio os sujeitos dos interesses cuja
modelação é visada pelo negócio e haverá carência de legitimidade, sempre que se pretenda
fazer derivar dum negócio efeitos (alienação ou aquisição de direitos, assunção de obrigações,
etc.), que vinculem outras pessoas, que não os intervenientes no negócio (p. ex., venda de
coisa alheia, contrato a cargo de outrem, etc.). Nem sempre é assim, todavia. Por vezes um
indivíduo tem o poder de desencadear efeitos de direito numa esfera jurídica alheia (p. ex.,
representação legal ou voluntária, acção sub-rogatória dos credores, poderes do cônjuge
administrador). Outras vezes um indivíduo não pode celebrar livremente (carece de uma
autorização) negócios que incidiriam sobre a sua esfera jurídica, inspirando-se esta restrição na
tutela de um interesse alheio (p. ex., ilegitimidades conjugais, iiegitimidade do insolvente, etc.).
II-A noção de ilegitimidade não apresenta a mesma elaboração que tem uma noção
doutrinalmente mais apurada como é a de incapacidade, nem a mesma identidade interna.
Com efeito, na extensão do conceito de ilegitimidade estão abrangidas manifestações jurídicas
cujo tratamento é diverso. Assim, por exemplo, enquanto as incapacidades de exercício geram
anulabilidades, as ilegitimidades originam, no sistema do novo Código Civil, sanções diversas: à
venda de coisa alheia corresponde a nulidade (art. 892."); ao negócio consigo mesmo, a
anulabilidade (art. 261.°); à representação sem poderes e ao abuso de representação, a
ineficácia em relação ao representado; à prática peio pai do menor de actos que excedem a sua
legitimação representativa, a anulabilidade (art. 1893."); à venda a filhos ou netos, a
anulabilidade (art. 877.9); à ilegitimidade do falido, a ineficácia (art. 81.º, n.º 6, do Cód. da
Insolvência), à ilegitimidade decorrente de uma cessão de bens aos credores (arts. 831.° e
segs.), o regime da venda de coisa alheia, etc. (292),
68. Domicílio
Importância da noção. O ordenamento jurídico dá relevância. para variados efeitos, à noção de
domicílio, como ponto de conexão entre a pessoa e um determinado lugar. Assim, por
exemplo:
a) o foro geral, em matéria de competência territorial dos tribunais, isto é, o tribunal
competente para quaisquer acções, salvo disposição especial, é o domicílio do réu (art. 85.° do
Cód. de Processo Civil) (290);
b) a prestação debitória deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor (art. 772.º do
Cód. Civil) e, no caso de obrigações pecuniárias, no lugar do domicílio que o credor tiver ao
tempo do cumprimento (art. 774."); cfr., ainda, em matéria de cumpri- mento das obrigações,
os artigos 775. e 1039.°;
c) a sucessão por morte abre-se no lugar do último domicílio do seu autor (art. 2031.9);
d) o elemento de conexão decisivo para a determinação, segundo o direito internacional
privado, da lei aplicável a relações cone- xionadas com várias ordens jurídicas, é, em alguns
casos, o domicílio (art. 32.0) (294)
É, igualmente, no domicílio da pessoa que devem ser praticadas as diligências ou efectuadas as
comunicações dirigidas a dar-lhe conhecimento pessoal de um facto, quando esse
conhecimento seja pressuposto da produção de determinados efeitos. Se o destinatário da
comunicação ou da diligência (p. ex., uma declaração negocial de denúncia de um contrato ou
uma citação judicial) não se encontra no seu domicilio nem com ele assegurou um contacto, os
actos respectivos não dei xarilo de vir a produzir, por esse facto, os efeitos jurídicos a que
tendem. Em suma: há uma presunção de presença da pessoa no domicílio, com o que se visa
impedir escapatórias.
II- Noção. O conceito de domicilio voluntário geral é-nos fornecido pelo artigo 82. e coincide
com o lngar da residência habitual. Não se trata do local onde a pessoa se encontra em cada
momento, isto é, não coincide com o paradeiro, a que se refere o artigo 225. e cuja noção se
pode descortinar no artigo 82.°. n." 2.
Não se confunde também com a residência, com o local onde a pessoa está a viver com alguma
permanência. Sem dúvida que a residencia habitual onde a pessoa vive normalmente, onde
costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas, nos fornece o critério do
domicilio do artigo 82. Mas a residência pode ser ocasional, se a pessoa vive com alguma
permanência, mas temporária ou acidentalmente, num certo local. A residência ocasional não
faz surgir um domicílio, embora, na falta de domicílio de uma pessoa, funcione como seu
equivalente (art. 82.", п. 2).
Em regra, o estabelecimento do domicílio, bem como o seu termo. resultam de um acto
voluntário (de residir habitualmente num certo local ou de aí exercer uma profissão). Este acto
voluntário não é porém, um negócio jurídico, mas um simples acto jurídico, verificando-se a
produção, por força da lei, dos efeitos jurídicos respectivos, mesmo que a pessoa em causa não
os tivesse em mente ou até os quisesse impedir.
Ao lado do domicílio voluntário geral, a lei reconhece um domicilio profissional (art. 83.°) e um
domicílio electivo (295).
O domicilio profissional verifica-se para as pessoas que exer- cem uma profissão e é relevante
para as relações que a esta se referem, localizando-se no lugar onde a profissão é exercida. Um
comerciante que reside habitualmente numa localidade e possui um estabelecimento
comercial, onde exerce a sua actividade, noutra localidade próxima, tem dois domicílios: o
domicilio voluntário geral na primeira localidade e um domicílio, igualmente voluntário,
especial na segunda (296).
O domicilio electivo (art. 84.) é um domicílio particular, estipulado, por escrito, para
determinados negócios. As partes convencionam que, para todos os efeitos jurídicos (maxime,
comunicações recíprocas surgidas no desenvolvimento da relação), se têm por domiciliadas (ou
uma delas se tem por domiciliada) em certo local, diferente do seu domicílio geral ou
profissional.
A fixação do domicilio voluntário, nestes casos, apesar de ser, salvo o domicílio electivo, um
acto não negocial (simples acto juridico), exige capacidade negocial de exercício de direitos (cfr.
art. 85.9) (297).
O nosso direito conhece alguns casos de domicilio legal, isto 6. independente da vontade. É o
que ocorre com o domicílio legal dos menores e interditos (art. 85.°, que nos renete para o
lugar de residência da família ou do progenitor a cuja guarda o menor estiver confiado, para o
domicílio do tutor, etc.), com o dos empregados públicos (art. 87. e com o dos agentes
diplomáticos portugueses (art. 88.°). São soluções ditadas pela ideia de comunidade de vida ou
por uma razão de ordem funcional.