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PDF Ana Cristina

David Harvey discute o conceito de 'direito à cidade', enfatizando que este direito vai além do acesso, envolvendo a capacidade de transformar a cidade de acordo com nossos desejos. Ele argumenta que a urbanização contemporânea é marcada por desigualdades e fragmentações sociais, resultando em conflitos e alienação. A luta por um espaço urbano mais justo requer mobilização social e uma visão coletiva para enfrentar as forças neoliberais que moldam nossas cidades.

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David Harvey discute o conceito de 'direito à cidade', enfatizando que este direito vai além do acesso, envolvendo a capacidade de transformar a cidade de acordo com nossos desejos. Ele argumenta que a urbanização contemporânea é marcada por desigualdades e fragmentações sociais, resultando em conflitos e alienação. A luta por um espaço urbano mais justo requer mobilização social e uma visão coletiva para enfrentar as forças neoliberais que moldam nossas cidades.

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<www.cartamaior.com.br/templates/materi-
aMostrar.cfm?materia_id=20934>; e Jurema Rugani, “Par-
ticipação social, a Copa, a cidade: como ficamos?”, Carta
Maior, disponível em: <www.cartamaior.com.br/tem-
plates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20771>. Acesso em
20 jul. 2013.
[11] Ver Leticia Sigolo, “Sentidos do desenvolvimento urb-
ano: Estado e mercado no boom imobiliário do ABCD”
(título provisório), doutorado em andamento na FAU-USP.
[12] Ver Luciana Ferrara, “Autoconstrução das redes de in-
fraestrutura nos mananciais: transformação da natureza na
luta pela cidade”, tese de doutorado, FAU-USP, 2013.
[13] A respeito das remoções forçadas, ver o material de
pesquisa coletado pelo grupo Observatório de Remoções, da
FAU-USP, disponível em: <observatorioderemocoes.blog-
spot.com.br>. Ver ainda o blog de Raquel Rolnik, disponível
em: <raquelrolnik.wordpress.com>. Acesso em 20 jul. 2013.
[14] Sobre incêndios em favelas, ver João F. Finazzi, “Não
acredite em combustão espontânea”, Carta Maior, 11 set.
2012, disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/
materiaMostrar.cfm?materia_id=20863>. Acesso em 20
jul. 2013.
[15] Cf. Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô,
Pesquisa origem e destino 2007, disponível em:
<www.metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/pesquisa-
origem-destino-2007.aspx>. Acesso em 20 jul. 2013.
[16] Ver Marcos Pimentel Bicalho, “O pesadelo da imobilid-
ade urbana: até quando?”, em Carta Maior, 4 jul. 2012,
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disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/mater-
iaMostrar.cfm?materia_id=20523>. Acesso em 20 jul.
2013.
A liberdade da cidade[a]
David Harvey

A cidade, tal como descrita pelo notável


sociólogo urbano Robert Park, é:
[...] a mais consistente e, no geral, a mais bem-
sucedida tentativa do homem de refazer o
mundo onde vive de acordo com o desejo de
seu coração. Porém, se a cidade é o mundo
que o homem criou, então é nesse mundo que
de agora em diante ele está condenado a viver.
Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia
clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cid-
ade, o homem refez a si mesmo.[1]
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A cidade pode ser julgada e entendida


apenas em relação àquilo que eu, você, nós e
(para que não nos esqueçamos) “eles” dese-
jamos. Se a cidade não se encontra alinhada
a esses direitos, então ela precisa ser
mudada. O direito à cidade “não pode ser
concebido como um simples direito de visita
a ou um retorno às cidades tradicionais”. Ao
contrário, “ele pode apenas ser formulada
como um renovado e transformado direito à
vida urbana”[2]. A liberdade da cidade é,
portanto, muito mais que um direito de
acesso àquilo que já existe: é o direito de
mudar a cidade mais de acordo com o desejo
de nossos corações. Mas se Park está certo –
ao refazer a cidade refazemos a nós mesmos
–, então precisamos avaliar continuamente o
que poderemos estar fazendo de nós mes-
mos, assim como dos outros, no decorrer do
processo urbano. Se descobrirmos que nossa
vida se tornou muito estressante, alienante,
simplesmente desconfortável ou sem
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motivação, então temos o direito de mudar


de rumo e buscar refazê-la segundo outra
imagem e através da construção de um tipo
de cidade qualitativamente diferente. A
questão do tipo de cidade que desejamos é
inseparável da questão do tipo de pessoa que
desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e
refazer a nós mesmos e a nossas cidades
dessa maneira é, sustento, um dos mais pre-
ciosos de todos os direitos humanos.
Mas existem numerosas forças que milit-
am contra o livre exercício de tais direitos,
que querem inclusive impedir que recon-
heçamos, pensemos sobre ou ajamos em re-
lação a eles. Para começar, o extraordinário
ritmo e escala da urbanização ao longo dos
últimos cem anos (que fez a população urb-
ana crescer de menos de 10% até quase 50%)
tornou difícil a reflexão sobre esse tema. O
próprio ritmo das mudanças históricas e geo-
gráficas solapa nossa capacidade de conceber
e, como coloca Park, até mesmo de
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“esclarecer” nossa tarefa. Temos, em resumo,


sido refeitos muitas vezes sem sabermos
como ou por quê. Será que isso contribuiu
para a felicidade e para o bem-estar hu-
mano? Isso nos fez pessoas melhores ou nos
deixou em um mundo de anomia e alienação,
raiva e frustração?
Além do mais, vivemos, na maioria, em
cidades divididas, fragmentadas e tendentes
ao conflito. A maneira pela qual vemos nosso
mundo e a maneira pela qual definimos suas
possibilidades quase sempre estão associa-
das ao lado da cerca onde nos encontramos.
A globalização e a guinada em direção ao
neoliberalismo enfatizaram, ao invés de di-
minuir, as desigualdades sociais. O poder de
classe foi restaurado às elites ricas[3]. Os res-
ultados foram indelevelmente gravados nas
formas espaciais de nossas cidades, que cada
vez mais tornam-se cidades “de fragmentos
fortificados”. A maioria dos relatos agora
aponta para um desenvolvimento geológico
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desigual ao longo dos últimos trinta anos de


reestruturação neoliberal, tanto interna-
mente quanto entre as cidades. A cidade,
particularmente no mundo em
desenvolvimento:
[...] está rachando em diversas partes separa-
das, com a aparente formação de “microesta-
dos”. Os bairros ricos são atendidos por toda
sorte de serviços, tais como escolas caras,
campos de golfe, quadras de tênis e patrul-
hamento particular 24 horas por dia, que se
emaranham entre ocupações ilegais, onde a
água é disponível somente em fontes públicas,
nenhum sistema sanitário existe, a eletricid-
ade é privilégio de poucos, as ruas se tornam
lama quando chove e o compartilhamento dos
espaços domésticos é a norma. Cada frag-
mento parece viver e funcionar
autonomamente, atendo-se com firmeza
àquilo que foi possível agarrar na luta diária
pela sobrevivência.[4]

As chamadas cidades “globais” do capit-


alismo avançado são divididas socialmente
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entre as elites financeiras e as grandes


porções de trabalhadores de baixa renda, que
por sua vez se fundem aos marginalizados e
desempregados. Na cidade de Nova York,
durante o boom da década de 1990, o salário
médio de Manhattan subiu à substancial taxa
de 12%, mas nos bairros vizinhos caiu de 2 a
4%. As cidades sempre foram lugares de
desenvolvimentos geográficos desiguais (às
vezes de um tipo totalmente benevolente e
entusiasmante), mas as diferenças agora
proliferam e se intensificam de maneiras
negativas, até mesmo patológicas, que inev-
itavelmente semeiam tensão civil. A luta con-
temporânea de absorver o mais-valor dur-
ante a fase frenética de construção da cidade
(basta observar o horizonte das cidades de
Xangai, Mumbai, São Paulo, Cidade do
México) contrasta dramaticamente com o
desenvolvimento de um planeta onde favelas
proliferam[b].
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Tais desenvolvimentos urbanos


desiguais traçam o cenário para o conflito so-
cial. As cidades nunca foram, é verdade,
lugares harmoniosos, sem confusão, conflito
ou violência. Basta nos lembrarmos das
histórias da Comuna de Paris de 1871, ou das
revoltas de 1864 contra o alistamento, para
vermos o quão longe chegamos. Mas, igual-
mente, basta pensar na violência urbana que
mais recentemente consumiu Belfast, que
destruiu Beirute e Sarajevo, que fez Bom-
baim e Ahmedabad tremerem e transformou
em ruínas a Palestina. Nem mesmo Los
Angeles – a cidade dos anjos – foi poupada.
Na história urbana, calma e civilidade são
exceções, e não a regra. A única pergunta in-
teressante é se os resultados são criativos ou
destrutivos. Normalmente são ambos: a cid-
ade tem sido por muito tempo um epicentro
de criatividade destrutiva.
Fluxos migratórios em toda parte: elites
empresariais em movimento; acadêmicos e
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consultores na estrada; diásporas tecendo


(muitas vezes clandestinamente) redes at-
ravés de fronteiras; ilegais e clandestinos; os
despossuídos que dormem às margens e
mendigam nas ruas, rodeados de grande
afluência; as limpezas étnicas e religiosas; as
estranhas misturas e confrontos improváveis
– tudo isso é parte integral do turbilhão da
cena urbana, tornando as questões de cid-
adania e dos direitos daí derivados cada vez
mais difíceis de definir, no exato momento
em que eles se tornam mais vitais de es-
tabelecer frente às forças hostis de mercado e
a progressiva vigilância estatal. Por um lado,
tais diferenciações podem gerar novas e
maravilhosas fusões, como as que vemos nas
tradições musicais de Nova Orleans, Joanes-
burgo ou no East End londrino. Concluímos
daí que o direito à diferença é um dos mais
preciosos direitos dos citadinos. A cidade
sempre foi um lugar de encontro, de difer-
ença e de interação criativa, um lugar onde a
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desordem tem seus usos e visões, formas cul-


turais e desejos individuais concorrentes se
chocam[5].
Mas a diferença também pode resultar
em intolerância e segregações, marginalid-
ade e exclusão, quando não em fervorosos
confrontos. Em todo lugar encontramos
diferentes noções de direitos, tão reafirma-
dos e buscados. Os combatentes da Comuna
pensavam que era seu direito tomar Paris à
burguesia em 1871 para reconstruí-la de
acordo com o desejo de seu coração. Os mon-
arquistas que vieram para matá-los
pensavam que era seu direito tomar a cidade
de volta em nome de Deus e da propriedade
privada. Católicos e protestantes julgavam-se
certos em Belfast ao procurarem limpar seu
espaço de qualquer vestígio da existência do
outro. Assim fez Shiv Sena em Bombaim
(lugar que eles preferem chamar de Mum-
bai), quando lançou em 1993 uma violenta
operação de limpeza contra os muçulmanos
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em nome do nacionalismo Maharastri. Não


estariam todos exercitando da mesma
formas seu direito à cidade? Se for assim,
como Marx tão celebremente escreveu, entre
direitos iguais quem decide é a força[6].
Então é a isso que o direito à cidade se re-
sume? Mendigar de meu vizinho ou ser alvo
da mendicância dele?
Então, o que eu e os outros devemos
fazer se determinarmos que a cidade não se
conforma aos nossos desejos? Se determin-
armos, por exemplo, que não estamos nos
refazendo de maneira sustentável, emancip-
atória ou mesmo “civilizada”? Como, em re-
sumo, poderia o direito à cidade ser exercit-
ado pela mudança da vida urbana? A res-
posta de Lefebvre é simples em essência: por
meio da mobilização social e da luta política/
social[7]. Mas qual visão eu ou os movimen-
tos sociais construímos para nos guiar em
nossa luta? De maneira a assegurar resulta-
dos positivos em vez de cair numa violência
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sem fim? Uma coisa é clara: não podemos


deixar que o medo desta última nos acovarde
e nos faça estagnar em uma passividade sem
sentido. Evitar o conflito não é resposta: re-
tornar a tal estado é se descolar do sentido
do processo de urbanização e, assim, perder
todo o prospecto de exercitar qualquer
direito à cidade.
Existe um interessante paralelo entre o
argumento de Park e as formulações de
Marx. Podemos nos transformar apenas pela
transformação do mundo e vice-versa,
afirma Marx. Essa relação dialética está na
raiz do significado do trabalho humano. Há
um papel crucial aqui, diz Marx, para a ima-
ginação e desejo. O que separa o pior dos ar-
quitetos das melhores abelhas é que o ar-
quiteto erige uma estrutura na imaginação
antes de materializá-la no solo[8]. É a metá-
fora, mais do que a profissão do arquiteto,
que deveria chamar nossa atenção. A im-
plicação é que nós, individual e
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coletivamente, fazemos nossa cidade através


de nossas ações diárias e de nossos engaja-
mentos políticos, intelectuais e econômicos.
Todos somos, de um jeito ou de outro, ar-
quitetos de nossos futuros urbanos. O direito
à mudança da cidade não é um direito ab-
strato, mas sim um direito inerente às nossas
práticas diárias, quer estejamos cientes disso
ou não. Esse é um ponto profundo, o pivô
sobre o qual grande parte de meu argumento
revolve.
Mas, ao contrário – e é aqui que a dialét-
ica retorna para nos assombrar –, a cidade
nos faz sob circunstâncias urbanas que não
escolhemos. Como poderia desejar um
mundo alternativo possível, ou mesmo ima-
ginar seus contornos, seus enigmas e
charmes, quando estou profundamente
imerso na experiência que já existe? Como
posso viver em Los Angeles sem me tornar
um motorista de tal maneira frustrado que
voto sempre pela construção de mais e mais
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super-rodovias? Ao abrir a porta da imagin-


ação humana, Marx, ainda que tenha
procurado negá-lo, cria um movimento
utópico dentro do qual nossas imaginações
podem vagar e pensar em possíveis altern-
ativas de mundos urbanos. Poderíamos nos
dar ao luxo de não sermos utópicos? Poderá
a consideração de uma tradição utópica rev-
elar um caminho visionário para informar
nossas perspectivas de possibilidades e
chamar os movimentos sociais para alguma
alternativa e diferentes visões da cidade?
Uma cidade sem super-rodovias, por
exemplo?
O direito à cidade não pode ser conce-
bido simplesmente como um direito indi-
vidual. Ele demanda um esforço coletivo e a
formação de direitos políticos coletivos ao
redor de solidariedades sociais. No entanto,
o neoliberalismo transformou as regras do
jogo político. A governança substituiu o gov-
erno; os direitos e as liberdades têm
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prioridade sobre a democracia; a lei e as


parcerias público-privadas, feitas sem trans-
parência, substituíram as instituições demo-
cráticas; a anarquia do mercado e do
empreendedorismo competitivo sub-
stituíram as capacidades deliberativas basea-
das em solidariedades sociais. Culturas
oposicionistas tiveram, portanto, de se ad-
aptar a essas novas regras e encontrar novas
maneiras de desafiar a hegemonia da ordem
existente. Elas podem ter aprendido a
inserir-se em estruturas de governança, por
vezes com poderosos efeitos (tal como em
numerosas questões ambientais). Recente-
mente, toda sorte de inovações e experi-
mentações com formas coletivas de gov-
ernança democrática e de decisão comunal
têm emergido na cena urbana[9]. Falamos de
experiências que vão desde o orçamento par-
ticipativo de Porto Alegre e de muitos outros
municípios que levaram a sério os ideais da
Agenda 21 (de cidades sustentáveis
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formuladas nos acordos ambientais do Rio


de Janeiro), passando por comitês de vizin-
hos e associações voluntárias que progres-
sivamente se colocam a cargo de espaço
públicos e comunitários, até as heterotópicas
ilhas de diferença que excluem poderes cor-
porativos (tais como o Walmart) e que con-
stroem sistemas locais de troca econômica
ou comunidades sustentáveis, o âmbito de
experimentação é vasto. A descentralização
do poder que o neoliberalismo demanda ab-
riu espaços de toda a sorte para que flores-
cessem uma variedade de iniciativas locais,
de maneira que são muito mais consistentes
com uma imagem de socialismo descentral-
izado ou de um socialismo anarquista do que
de um planejamento e controle centralizados
e estritos. As inovações já existem lá fora. O
problema é como reuni-las de maneira a con-
struir uma alternativa viável ao neoliberal-
ismo de mercado.
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A criação de novos espaços urbanos


comuns [commons], de uma esfera pública
de participação democrática, exige desfazer a
enorme onda privatizante que tem servido de
mantra ao neoliberalismo destrutivo dos úl-
timos anos. Temos de imaginar uma cidade
mais inclusiva, mesmo se continuamente fra-
cionada, baseada não apenas em uma orde-
nação diferente de direitos, mas em práticas
político-econômicas. Direitos individualiza-
dos, tais como ser tratado com a dignidade
devida a todo ser humano e as liberdades de
expressão, são por demais preciosos para
serem postos de lado, mas a estes devemos
adicionar o direito de todos a adequadas
chances de vida, direito ao suporte material
elementar, à inclusão e à diferença. A tarefa,
como sugeriu Polanyi, é expandir as esferas
da liberdade e dos direitos além do confina-
mento estreito ao qual o neoliberalismo o re-
duz. O direito à cidade, como comecei a
dizer, não é apenas um direto condicional de
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acesso àquilo que já existe, mas sim um


direito ativo de fazer a cidade diferente, de
formá-la mais de acordo com nossas ne-
cessidades coletivas (por assim dizer),
definir uma maneira alternativa de simples-
mente ser humano. Se nosso mundo urbano
foi imaginado e feito, então ele pode ser re-
imaginado e refeito.
Mas é aqui que a concepção do direito à
cidade toma novo viés. Foi nas ruas que os
tchecos se libertaram em 1989 de opressivas
formas de governança; foi na Praça da Paz
Celestial que o movimento estudantil chinês
buscou estabelecer uma definição alternativa
de direitos; foi através de massivos comícios
que a Guerra do Vietnã foi forçada a termin-
ar; foi nas ruas que milhões protestaram
contra o prospecto de uma intervenção
imperialista norte-americana no Iraque em
15 de fevereiro de 2003; foi nas ruas de
Seattle, Gênova, Melbourne, Quebec e
Bangkok que os direitos inalienáveis à
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propriedade privada e da taxa de lucro foram


desafiados. Se, afirma Mitchell,
[...] o direito à cidade é um grito, uma de-
manda, então é um grito que é ouvido e uma
demanda que tem força apenas na medida em
que existe um espaço a partir do qual e dentro
do qual esse grito e essa demanda são visíveis.
No espaço público – nas esquinas ou nos
parques, nas ruas durante as revoltas e comí-
cios – as organizações políticas podem repres-
entar a si mesmas para uma população maior
e, através dessa representação, imprimir al-
guma força a seus gritos e demandas. Ao re-
clamar o espaço em público, ao criar espaços
públicos, os próprios grupos sociais tornam-se
públicos.[10]

O direito inalienável à cidade repousa


sobre a capacidade de forçar a abertura de
modo que o caldeirão da vida urbana possa
se tornar o lugar catalítico de onde novas
concepções e configurações da vida urbana
podem ser pensadas e da qual novas e menos
danosas concepções de direitos possam ser
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construídas. O direito à cidade não é um


presente. Ele tem de ser tomado pelo movi-
mento político.
A luta pelo direito à cidade merece ser
realizada. Deve ser considerada inalienável.
A liberdade da cidade ainda precisa ser al-
cançada. A tarefa é difícil e pode tomar mui-
tos anos de luta. Mas, como escreveu Bertolt
Brecht:
Muitas coisas são necessárias para mudar o
mundo:
Raiva e tenacidade. Ciência e indignação.
A iniciativa rápida, a reflexão longa,
A paciência fria e a infinita perseverança,
A compreensão do caso particular e a com-
preensão do conjunto,
Apenas as lições da realidade podem nos en-
sinar como transformar a realidade.[11]

[a] Tradução do inglês por Gavin Adams, originalmente


publicado em Urbânia, São Paulo, Pressa, n. 3, 2008. O

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