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O Matemático

rascunho de um romance

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Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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O MATEMÁTICO

PRÓLOGO

4 minutos, 47 segundos e contando regressivamente. A percepção do que chamamos de tempo adquire


diferentes contornos dependendo da situação em que nos encontramos. Neste momento, John vivencia
umas das piores, senão a pior delas.

Ele sempre se sentiu confortável sob pressão. Mas isso é diferente. Sua vida está em jogo e a das pessoas
que ama também. O temporizador mostra, alheio à gravidade da situação, o tempo se esvaindo. Cada
segundo que passa o aproxima da tragédia anunciada.

3 minutos e 28 segundos a resposta ao enigma nem de longe lhe passa na cabeça.

— Mas que droga! Por que você está fazendo isso comigo? Quem é você?

John faz essa pergunta olhando para uma caixa de som amplificadora instalada na junção entre a parede
e o teto, e uma voz alterada por sintetizador responde.

— “Quem sou eu” não deve estar na sua lista de prioridades neste momento, John. Concentre-se se não
quer ver seu pai “perder a cabeça”. “Perder a cabeça”! Gostou dessa John? Uma gargalhada sinistra ecoou
através da caixa de som.

— O tempo John, tic tac, tic tac – Mais uma gargalhada.

2 minutos e 15 segundos os batimentos cardíacos aceleram devido à descarga de adrenalina. A


incredulidade diante da realidade que se esboça.

“Ele não pode estar falando sério. Deve ser uma pegadinha, dessas de programa de auditório
sensacionalista”. Pensou ele.

Mas os hematomas no rosto de seu pai e o semblante em pânico sinalizava que aquilo não era uma
pegadinha. “Não consigo achar a resposta”.

Padre Ruy morreu com 50 anos

Mas antes, importante mensagem deixou

O clérigo em perigosa casa se instalou

O soldado na casa certa, o inimigo expulsou

O tempo urge,

E vai acabar

Descubra as casas

Para seu pai libertar

— Que raios de enigma é esse? Vociferou John já com os nervos em frangalhos.


1 minuto e 4 segundos a 1500 m dali um sniper aguarda acender uma luz vermelha ou verde. Verde,
executar o alvo. Vermelha, abortar. O alvo, um senhor na casa dos 70 anos amarrado firmemente em uma
poltrona Berger giratória, o pai de John, senhor Miller.

— Vamos John! Apostei com meus amigos aqui presentes que você seria capaz de resolver este enigma e
salvar seu pai. Não me decepcione. Embora, caso você não consiga, será igualmente interessante. Só
perderei uns trocados.

27 segundos uma fagulha de raciocínio lógico surge.

“Padre Ruy, morreu com 50 anos...”

- É isso!

23 segundos

“Clérigo, soldado...”

“Quais são as casas?”

15 segundos

“Ruy Lopez... Era padre, e enxadrista. Nasceu em 1530 e morreu em 1580, aos 50 anos. A abertura Ruy
Lopez de xadrez! O clérigo, único clérigo no xadrez é o bispo e, o soldado é o peão, claro! No xadrez o
bispo pressiona o cavalo em c6 quando está na casa b5!”

7 segundos

“O soldado na casa certa o inimigo expulsou”. O peão tem que ir para a6 para fazer o bispo recuar. As
casas são b5 e a6. B5a6 é a solução!

Rapidamente ele se joga em direção ao teclado alfa numérico do temporizador.

2 segundos

Digita a combinação...

0 segundos

Aperta ENTER...

Por um atraso de 2 décimos, o sniper recebe a luz verde, e dispara.

— NÃO! EU CONSEGUI! – Gritou John.


— Filho... — Foi a última palavra proferida pelo senhor Miller. Em seu olhar, a mensagem transmitida de
que estava tudo bem e que estava preparado para esse desfecho, caso viesse, e veio.

Um sussurro, a voz embargada, lábios inferiores trêmulos:

— Pai... — A expressão de quem implora perdão por ter falhado terrivelmente.

Pouco mais de 2 segundos após o disparo, o projétil atinge o alvo. Massa cefálica e sangue se espalham
pelo chão e as paredes. O semblante de John muda, dando lugar a choque e perplexidade.

Recostado na parede, olhos fixos em lugar nenhum, desliza as costas até sentar-se ao chão.

— Eu tinha conseguido...

— Eu tinha conseguido...

— Eu tinha conseguido...

Por algum tempo, foi só o que conseguia dizer.

— Parabéns! Sabia que iria resolver o enigma. Pena que não salvou o velho, por 2 décimos, dois décimos
John! Um piscar de olhos! Primeiro desafio e tanta emoção, caramba! Recomponha-se John. Ainda não
acabou. Na verdade, só está começando. Espere pela próxima pista.

A ligação foi encerrada.


CAPÍTULO 1

2 DIAS ANTES...

Um bairro residencial de classe média alta, ao longe todas as casas com as luzes apagadas. Mas uma se
destaca por ainda estar com as luzes acesas. Já passa da meia noite, por isso, o som está em um volume
tolerável pois, boa parte da vizinhança levantará cedo para trabalhar. Grande parte dos convidados
haviam deixado o recinto. Uns poucos amigos mais próximos ainda permanecem para uma boa prosa
saudosista.

— John! Lembra dessa figura?

— Claro que sim George! Caramba! Ele está ótimo nesta foto!

— Verdade, quase não reconheci. Na verdade, lembrei do nome, Patrick Mackenzie, o cara mais estranho
que conheci.

— Não seja maldoso George! Nem de longe ele era estranho. Além disso, é meu amigo de infância tanto
quanto você também é.

— Sem chance! Sou muito mais seu amigo que qualquer um neste recinto.

— Ok George! Aprendi a não discutir com quem está com pelo menos 15 doses de martini e whisky na
cabeça.

— Ah! Se tomei 8 doses foi muito. Mas não importa. Estranho ou não, dá uma olhada na fortuna pessoal
do cara, John! 72 bilhões de dólares!

— Fiquei sabendo. O algoritmo que criou em parceria com Adam Von Garten II foi o responsável por ele
embolsar essa Quantia. E George, você diz isso porque naquela época era uns dos que adoravam caçoar
dele. Confesso que nunca gostei de ver você fazendo isso. Ainda mais sendo os dois únicos grandes amigos
que eu tinha.

— Relaxa John, isso é passado! Certamente ele nem lembra que eu existo. Falando nisso, esse Von Garten,
alguma vez você o viu? Mesmo que na TV, YouTube, jornal ou revista?

— Não, nunca vi. O cara é excêntrico e recluso. A união desses dois deu muito certo. Me lembra a parceria
entre Garrett Camp e Travis Kalanick, os criadores da UBER. Garrett sempre foi técnico e operacional, um
gênio introvertido. A simplicidade apresentada para os usuários, que esconde uma complexidade técnica
que poucos engenheiros e programadores entendem, leva sua assinatura. Travis é igualmente gênio,
porém mais extrovertido e, foi graças a ele que a então startup conseguiu escalar com uma incrível rodada
de investimentos. Todas orquestradas por ele. Com a VZR foi semelhante. Patrick é o Travis da vez. E Von
Garten, Garrett.

— A comparação é pertinente John. Entretanto se você digitar “Garrett Camp” aparece a formação,
notícias, fotos e umas poucas e raras entrevistas. Mas Von Garten II é literalmente um fantasma no mundo
virtual. Quase não há nada sobre o sujeito. Apenas uma nota de 5 linhas na Wikipédia dizendo que ele
criou a VZR junto com Patrick Mackenzie. Isso é que é ser recluso!

— Mas George, porque você lembrou dele justo agora?

— Porque a figura estará aqui em dois dias para um evento tecnológico.

— Patrick Mackenzie, aqui em São Paulo!?— exclamou John.


— Qual é o problema nisso John? Vai dizer que São Paulo não é digna de tão ilustre visita? Sem falar que
o cara viveu a infância e adolescência aqui. Me lembro que ele foi para os EUA com 17 anos, quando
conseguiu uma bolsa de estudos para Harvard.

— Óbvio que nossa querida cidade cosmopolita tem envergadura para tal visita caríssimo George! Na
verdade, não foi uma bolsa de estudos. Naquele ano seu pai faleceu devido a um infarto fulminante. Com
isso ele foi beneficiado com uma soma milionária em seguro de vida. O que possibilitou sua ida para os
EUA e iniciar sua graduação em engenharia de software. Sua mãe já havia falecido dois anos antes. Mais
dois meses e completaria 18. Não foi difícil se manter por lá. Aos dezoito anos e dono de uma fortuna de
5 milhões de reais e gênio, não demorou para multiplicar seu patrimônio. O restante da história todos já
sabem. Uma conquista acadêmica após outra. Formatura com louvor. A sociedade com Von Garten,
resultando na criação do programa. Programa este que está rodando nos CPDs de praticamente todas as
empresas unicórnios do Vale do silício e ao redor do mundo. Ser bilionário foi uma consequência.

— Nossa, inspirador! Me faz lembrar que tenho de contratar um seguro de vida para a minha mãe, é uma
pena eu não ter conhecido meu pai. Dobrariam as chances!

— George, isso foi horrível!

— Eu sei desculpe. Foi mais forte do que eu! Não poderia perder a piada.

John solta um sorriso de boca fechada acompanhado por um meneio de cabeça em sinal de desaprovação
pelas últimas palavras do amigo – Nossa! Já passa e muito da meia noite! Temos que ir agora, onde está
Jane? A nossa babá deve estar possessa. Dissemos que chegaríamos às 23 e 30.

— Ela está na sala fazendo parte do clube da Luluzinha. Disse George apontando com o indicador
enquanto os outros dedos se encarregam de sustentar um copo com Johnny Walker pela metade.

— Imaginei! John disse isso já olhando, estando na cozinha, diretamente para a sala de estar. Uma
facilidade permitida somente em casas construídas em conceito aberto.

John se aproxima de um animado grupo de 3 lindas mulheres com idade próxima aos 40 anos. Por um
momento ele hesitou em interromper aquela animação toda, afinal, não se recorda qual foi a última vez
que vira Jane sorridente e descontraída assim interagindo com outras pessoas.

— Meninas, sinto muito, mas terei que ser o carrasco da vez em quebrar esta sintonia incrível entre vocês
— John fez uso de uma pompa exagerada com o intuito de diminuir sua inconveniência compensando
com humor.

Jane emenda a brincadeira do marido.

— Meu carrasco não perdoa! Se eu não for agora, pego uma semana de masmorra! – Os risos foram
inevitáveis.

Laura, umas das três amigas, dirige a palavra a John ainda mantendo a brincadeira.

— Senhor carrasco, poderíamos marcar um próximo encontro daqui umas duas semanas?

— Isso vai depender se a nossa babá irá nos perdoar. Tecnicamente deveríamos ter chegado em casa duas
horas atrás. E não é nada fácil reconstruir relações de confiança com novas babás.

— Torço para que a paz seja mantida entre vocês e a babá. E assim possamos confirmar o nosso próximo
encontro – Laura ainda usou o mesmo recurso da pompa exagerada de John.

— Torçam por nós! Sem babá, sem próximo memorável encontro! – Profetizou Jane.

O casal despediu-se de todos e, a poucos metros do carro John confessa à Jane:

— Amor, devo ter tomado umas 10 doses pelo menos!


— Eu percebi!

— Se importaria em dirigir?

— Já sabia que isso ia acontecer. Por isso fiquei só na água tônica e suco de maçã.

— Já te disse hoje que te amo e que não sei o que seria da minha vida sem você?

— Ainda não. Mas pode dizer após as negociações de paz com a babá, sussurrando no meu ouvido.

—Seu desejo é uma ordem! – O sorriso malicioso estampado no rosto de John anunciava que a noite
estaria longe de acabar.

Quem é John e Jane Miller?

Jane Miller, 38 anos, mestrado em psicologia clínica, pela USP, antes havia concluído graduação na mesma
área em Harvard. Possui dupla jornada de trabalho, em uma instituição governamental atendendo
mulheres vítimas de estupro ou violência doméstica pela manhã. Após as 13 horas e, quase nunca sem
hora para acabar, trabalha em sua clínica particular. Um pequeno, mas sofisticado consultório na avenida
Paulista em um prédio comercial com um dos m² mais caros da região, próximo ao MASP. Teve uma
infância e adolescência tranquilas. Filha de um bem-sucedido empresário do ramo metalúrgico que não
poupou esforços para garantir conforto à única filha, inclusive pagar e equipar o caro consultório. Não
teve interesse em um doutorado, mas, se atualiza sempre que possível, em congressos, simpósios e cursos
de aperfeiçoamento. O que lhe garante uma boa bagagem de conhecimento técnico.

John, ao contrário, teve infância e adolescência simples no interior do estado de São Paulo, precisamente
no extremo oeste Paulista, em Presidente Epitácio (homenageando um dos ex-presidentes do país) última
cidade às margens da SP 270, também conhecida como Raposo Tavares (também em homenagem a um
dos bandeirantes desbravadores dos territórios brasileiros) tem início ao final da rua reação próxima à
casa Butantã, antes uma casa de Bandeirantes.

Filho de um caminhoneiro e uma dona de casa, seus estudos foram concluídos, em sua totalidade, em
escola pública. Considerado um prodígio pela maioria dos professores, era excepcional em todas as
disciplinas. Tirava as maiores notas sem estudar, somente ouvindo atentamente o que diziam os
professores, às vezes fazendo uma ou outra leitura complementar de um livro na biblioteca da escola ou
a municipal. As coisas eram mais difíceis para John, porém, nada que uma vontade férrea e disposição
não superasse. E isso, desde tenra idade, não lhe faltou.

O jogo começou a virar quando, ao completar 18 anos resolveu ajudar seu pai no ramo de transportes.
Convenceu o senhor Miller, já com 41 anos, a negociar sua saída na empresa que trabalhava há 25 longos
anos, entrara como ajudante, até galgar a posição de motorista. De acordo com as leis trabalhistas
vigentes no Brasil, quando se pede demissão, há uma perda no montante que seria recebido. John
participou ativamente das negociações objetivando minimizar as perdas. Inevitavelmente, houveram
prejuízos de ordem financeira. Entretanto, John, aos 18 anos, já demonstrava inclinações para o cálculo e
probabilidade, fazendo-o prever com precisão os passos seguintes para o sucesso empresarial de seu pai.

O montante, pago integralmente, seria R$ 1.038.363,33. Com o acordo firmado, a quantia recebida foi
R$ 745.250,00 isso, atualizado para valores de 2019, visto que à época, os juros praticados e a moeda
eram diferentes. Obviamente que a empresa não dispunha dessa quantia em espécie. Então, a alternativa
foi oferecer três de seus caminhões; duas Scanias 112 hw, ano 88 e uma carreta Mercedes Benz LS 1934,
ano 89. Esses três caminhões cobriram R$ 600.000,00 do valor acordado. Os R$145.250,00 restantes a
empresa pôde honrar em duas parcelas mensais. Foi nesse ponto que o senhor Miller provou ter absoluta
confiança no filho. John disse ao pai para deixar o dinheiro em suas mãos porque, em exatos 12 meses,
iria quintuplicar a quantia e com isso, adquirir novos veículos para a frota e, não menos importante,
implantar um moderno e eficiente sistema de logística em transporte. E foi exatamente o que fez.
Trabalhando inteligentemente a quantia em investimentos overnight. Era novembro de 1989. Alguns
meses depois, no ano seguinte, o então presidente da República, Fernando Collor de Melo, confiscou o
dinheiro de todo cidadão que havia depositado, investido ou aplicado dinheiro em operações de âmbito
nacional. A “intuição” de John dizia que não era uma boa idéia manter toda essa grana investida no Brasil
naquele período de transição governamental.

O que fez John chegar à essa conclusão? A capacidade de observação e atenção em detalhes que a maioria
das pessoas geralmente não captam é uma característica ímpar e peculiar que John começou a
desenvolver ainda com 4 anos de idade. Inicialmente observando sua mãe, seu pai, a interação de ambos
com outros adultos. Aprendeu a reconhecer sinais corporais velados de alegria, raiva, tristeza,
preocupação, indignação e, mentiras. John acompanhava cada debate entre Fernando Collor e Luiz Inácio,
candidatos à presidência naquele ano, reconheceu padrões de mentira e verdade em qualquer coisa que
dissessem. Concluiu que eram raras as vezes que diziam a verdade. Quando indagado sobre o futuro da
economia e quais seriam as propostas para esse setor, em uma coletiva televisionada, Fernando Collor
foi, segundo a observação de John, lacônico e inseguro. Mas o que o fez tomar a atitude de enviar o
espólio financeiro da família para outro país foi a reação de uma até então desconhecida Zélia Cardoso,
futura ministra da economia. Collor, ao conjecturar sobre as propostas, Zélia, ao fundo, olha para o lado
e diz algo que John foi capaz de interpretar através de leitura labial “eles não sabem o que está por vir“
seguido de um sorriso maquiavélico. Foi suficiente para sua “intuição“ alertá-lo da importância de abrir
uma conta no Bank of América, em Nova York.

À partir desta decisão, foi dado início uma série de investimentos, mais precisamente, operações
financeiras com alto risco e lucro alto. Através de investimentos overnight (aplicações financeiras
realizadas no mercado aberto ou open-market em um dia, levando em conta os dias úteis anuais, 252, e
os dias úteis mensais, 23 dias). Não é fácil e tampouco simples realizar esses investimentos. O investidor
tem que estar atento ao movimento do mercado financeiro, um pronunciamento de chefe de estado, de
um magnata fornecedor mundial de determinado comodity, guerras, conflitos, quedas, oscilação de
ações, dólares, outras moedas oriundas de outros países, isso e muito mais são dados preciosos que
fornecem informações que auxiliam na tomada de decisão sobre onde investir, comprar ou vender no
momento certo. Esta informação John conseguia ligando para alguns parceiros corretores, lendo jornais
de diversos países, assistindo a telejornais e, até acompanhando a previsão do tempo. A decisão acertada
vinha após uma profunda análise de uma gama de dados. John usava apenas papel, caneta e uma
calculadora. O ano era 1990, a Internet, para muitos países, incluindo o Brasil, não passava de um projeto,
todavia longe de se tornar realidade.

E assim, nos anos seguintes, a empresa, que começou com três caminhões, uma sala comercial, um pai
trabalhador e um filho gênio e investidor, tornou-se um conglomerado com uma frota de 300 caminhões
para transporte de longa distância, 154 vans de entrega local, 57 motocicletas baús para pequenas
entregas rápidas, 65 carros de passeio com a logo da empresa, uma rede de 18 galpões depósitos
distribuídos em 13 estados e 4 países, 35 filiais de escritórios, 9 autopeças, 7 oficinas para reparos
mecânicos, elétricos e funilaria, 1350 funcionários diretos, 157 colaboradores indiretos, 78 fornecedores
e um escritório central.

Tamanho patrimônio não foi capaz de despertar o interesse de John em permanecer à frente dos
negócios. Sua irmã, Valentine Miller, após 9 anos de existência fiscal do empreendimento, tomou para si
a responsabilidade de comandar, ao lado do pai, todo o conglomerado. Ele, optou por seguir seu sonho,
ser professor universitário.

John, se quisesse, poderia ter se tornado um megainvestidor ou um especulador do mercado financeiro


tal como Warren Buffet. Entretanto, não via emoção e desafio em acumular qualquer quantia que fosse,
seja em investimentos ou empreendimentos. Fez isso apenas duas vezes na vida, e nenhuma em benefício
próprio. Uma, como vimos, foi para alavancar o capital e a empresa recém-formada de seu pai. Outra
ocasião, foi para salvar a vida de seu amigo de infância, George. Este, à época, um viciado em poker, ficou
devendo para um gangster do submundo das drogas e agiotagem uma pequena fortuna da qual não
dispunha. Todo viciado em poker incorre no clássico erro de nunca saber quando parar. Jogando
incessantes vezes independente de estar ganhando ou perdendo. Na ocasião, George, desesperado, sem
ter a quem recorrer, pediu ajuda ao amigo. John decidiu ajudá-lo. E a única saída encontrada para levantar
a quantia devida de maneira rápida foi participando de uma noitada de poker onde, usando uma vez mais
sua argúcia mental de uma forma que nunca o atraiu, “depenou“ todos à mesa, conseguindo assim a
quantia suficiente para saldar a dívida. Em contrapartida, fez George prometer que iria se submeter a um
tratamento para seu vício, o que foi cumprido após ter sua vida salva pelo amigo. John passou os anos
seguintes investindo em seu propósito. Concluiu a graduação em matemática em 1996, fez especialização
em análise combinatória e probabilidade, um assunto que particularmente sempre o atraiu. Toda sua
formação acadêmica, até então, fora na USP – SP. Não demorou muito a surgir propostas de mestrado
fora do Brasil. Escolheu o M. I. T., nos EUA. Tornou-se mestre em matemática discreta com ênfase em
pesquisa operacional – ramo interdisciplinar da matemática aplicada que faz uso de modelos
matemáticos, estatísticos e de algoritmos na ajuda à tomada de decisão. É usada sobretudo para analisar
sistemas complexos do mundo real, tipicamente com o objetivo de melhorar ou otimizar a performance.
Qualquer semelhança com as habilidades de John, não é mera coincidência! Tamanha capacidade
analítica o torna um excelente enxadrista. Habilidade essa que usa somente para se divertir.

O intervalo de descanso entre mestrado e doutorado foi praticamente inexistente. Três Meses após o
término do primeiro, iniciou 4 anos de doutorado em teoria dos jogos, em Harvard. Foi neste período que
se apaixonou por uma bela estudante de psicologia que viria a constituir família ao seu lado até os dias
atuais. De início o tema não parece muito interessante, entretanto vem sendo aplicado nas ciências
políticas, militares, ética, economia, filosofia e, recentemente, no jornalismo, área que apresenta
inúmeros e diversos jogos, tanto competitivos como cooperativos. Finalmente, a teoria dos jogos
despertou a atenção da ciência da computação que a vem utilizando em avanços na inteligência artificial
e cibernética. Vale lembrar que John Nash, um proeminente matemático americano, foi agraciado com
um Nobel de economia por uma obra baseada neste tema.

Com tamanha bagagem acadêmica e conhecimento enciclopédico, não foi difícil conquistar uma vaga de
professor adjunto no IME – USP em 2005. Assim, John, hoje em dia, leciona matemática aplicada, em
diversos cursos de engenharia e biomatemática no curso de medicina, todos da USP. Eventualmente é
professor convidado no curso de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) onde leciona matemática
aplicada à economia, área que domina como ninguém. Aliás, esta é uma habilidade ímpar de John; aplicar
os recursos matemáticos em qualquer área. E isso é bem aproveitado pela instituição à qual pertence.
Tudo convergia para uma carreira sólida e estável no magistério superior, seguido por uma tranquila
aposentadoria dali a 10 anos que pretendia desfrutar comprando alguns acres de terra nos arredores de
Lucerna na Suíça. Lindara, sua filha, estará com 22 anos, muito provavelmente terá suas metas e sonhos
que não incluirão viver na remota Lucerna, embora não se incomodaria caso ela quisesse. Seus planos
automaticamente sempre incluíam Jane. Lucerna passou a fazer parte dos planos dela desde quando
conheceu John. Os sonhos do homem que ama passaram a ser seus. A cumplicidade recíproca nunca foi
problema para ambos. Restando apenas a dúvida se serão apenas os dois ou se Linda, como comumente
é chamada, escreverá sua própria história em outro cenário.

Entretanto, o que está prestes a acontecer, nem mesmo o mais habilidoso dos matemáticos seria capaz
de calcular ou imaginar. John ainda não sabe, mas sua vida está perto de tomar um rumo totalmente
inesperado.
CAPÍTULO 2

24 HORAS ANTES...

Extreme ways, da banda Moby, este é o som do alarme proveniente do celular de John que religiosamente
desperta Jane há anos. O aparelho fora trocado por diversas vezes ao longo dos 15 anos de união. Mas,
para John, sua música preferida não pode faltar! Nunca se cansa de ouvi-la. E fazer isso todos os dias, às
6 da manhã, despertando Jane, tornou-se praticamente um ritual. A explicação para somente Jane ser
despertada pelo som do alarme é porque John sempre desperta, também religiosamente, bem antes, às
4 da manhã. É quando se senta em sua poltrona LUIZ XV tendo à frente uma exclusiva escrivaninha inglesa
de nove gavetas, quatro à direita, quatro à esquerda e uma maior, central, logo abaixo do tampo. Ambas,
a cadeira e a escrivaninha, feitas com madeira Tauari. John sempre adorou estes contrapontos, afinal unir
franceses e ingleses num só cômodo é para poucos. Na superfície, enfileirados como se estivessem em
uma estante, 41 cadernos Montblanc de 112 folhas e um fora da fileira pois este é o que John está
trabalhando. Logo irá se juntar aos demais totalizando 42. Em uma das gavetas, especificamente a última
do lado esquerdo, há uma pasta de couro, modelo envelope, contendo 36 cheques de Knuth. Em valores
que vão de US$ 2,56 a US$327,68. Entendedores reconhecerão o valor de possuir tantos cheques desses.
Sabem que mais importante que descontá-los, é mantê-los como troféu. Talvez, no mundo, não exista
outra pessoa com um número tão alto desses raros troféus. Como parte do ritual que se repete há uma
década e meia, John fecha o caderno tão logo Jane abre os olhos. Não com a intenção de esconder, visto
que, é hábito manter o caderno em que está trabalhando sempre em cima da mesa. Aliás, mesmo que
ficasse aberto em um pedestal numa praça pública para qualquer um ler, pouquíssimas pessoas no mundo
entenderiam o que está escrito em todos os 42 cadernos. São gráficos, símbolos, Letras, algumas palavras
em inglês e outras que parecem ser alemães, algo que se assemelha a um idioma desconhecido,
desconexo e confuso, pelo menos aos olhos de quem não escreveu. O mais impressionante é saber que
John tem confeccionado esse emaranhado confuso de caracteres em tantos volumes. Jane certa vez o
indagou sobre o objetivo daquilo tudo, ao que ele respondeu:

— É só um passatempo! Mantém minha mente ocupada e treinada...

Jane nunca mais tocou no assunto.

— Bom dia meu amor! Hoje o dia será longo. Tenho uma sessão particular em domicílio às 19 horas. A
mulher de um alto executivo com indícios de depressão. Por isso vou no meu carro, tudo bem para você
amor?

— Claro que sim, amor! Eu deixo Linda na escola. E busco também.

— Não vá esquecer como daquela vez! – Lembrou Jane.

— Não se preocupe! Aquilo não irá mais acontecer! Palavra de escoteiro.

— Até onde me lembro você nunca foi escoteiro...

— Força de expressão! Estou curioso, como foi a negociação de paz com a babá?

— Não foi tão difícil... pedi mil desculpas.

— Simples assim? - Pergunta John.

— Acompanhado do dobro do valor combinado e a promessa de manter o mesmo valor para futuros
expedientes. – Completa Jane.

— Tudo bem! Ela merece. Está conosco há muito tempo e, não menos importante, Linda gosta muito dela.
Ao terminar seu turno pela manhã e antes de ir para o consultório, será que conseguimos almoçar juntos?
— Te ligo às 11 para confirmar. Hoje estará bem agitado amor!

— Tudo bem, caso não consiga, como alguma coisa na cantina da universidade.

Ao longe, sentada na cadeira, alternando a atenção entre uma tigela com cereal e o celular, está uma
adolescente indiferente e distante, vez ou outra esboçando um sorriso por causa de uma mensagem que
lia na tela.

— Beijo filhota! – Jane pega uma maçã verde que estava à mesa, se despede aproximando-se por trás e
beijando a bochecha direita de Linda seguido por um selinho em John. De tão distraída não esboçou
reação alguma pela despedida da mãe.

John senta-se na cadeira de frente para Linda. Desfruta por uns 3 minutos de uma xícara de café puro
feito na máquina expresso com intensidade 8 e sem açúcar, como sempre preferiu. Frequentemente, é
neste exato momento que John, olhando para o vazio, direciona seu intelecto para o planejamento de
suas quatro ou cinco aulas diárias, dependendo do dia da semana. Uma revisão mental de tópico,
conteúdo e exercícios. Tudo isso ao embalo de uma xícara de café.

— Vamos mocinha, pegue a mochila. Já estamos saindo.

— Ué... cadê a mamãe?

— É sério que você não percebeu sua mãe se despedindo com um beijo na sua bochecha?

— Agora que o senhor falou, me lembro sim! Vamos.

Da casa dos Miller até a escola onde Linda estuda são 45 minutos. Em se tratando de uma megacidade
como São Paulo, medir o tempo de deslocamento de um ponto a outro em minutos é extremamente raro.
Boa parte da população, para chegar ao local de trabalho ou estudos, leva em média duas ou três horas
confinados em ônibus, trens e metrôs, sentado (se tiver sorte) e, na maioria das vezes,
desconfortavelmente em pé. Mesmo quem possui carro próprio não se vê livre da dura realidade urbana.
O tempo de deslocamento não diminui tão sensivelmente em relação aos transportes públicos. Só possui
o privilégio de conseguir tomar um atalho para mais adiante se deparar com o mesmo engarrafamento
ou outro. A diferença é estar em um ambiente usufruindo de alguns recursos de forma privada que, nas
circunstâncias descritas anteriormente, se dá coletivamente.

A primeira aula de John será às 9:30, mas ele irá chegar bem antes disso. São 6:30, 7:15 Lindara chegará
à escola, isso é 15 minutos antes do início da primeira aula, John chegará 8:15, talvez 8:30 dependendo
do trânsito, o que lhe dará pelo menos 1 hora de tempo livre. Tempo que é aproveitado na biblioteca.

John é excelente observador. Mesmo concentrado no trânsito e no noticiário da rádio, não pôde deixar
de notar quando Linda, fez algo inesperado. Guardando o aparelho celular no bolso lateral da mochila,
cruzou os braços, passou a contemplar o vazio olhando a paisagem urbana através do para-brisas, mas
claramente não fixando em nenhum ponto, inclinando levemente a cabeça para a direita, certamente
intrigada mais com o que estava pensando do que olhando.

“Bem, lá vamos nós! Hora de ser pai, John. “ Pensou ele, em seguida diz:

— Um centavo por seus pensamentos!

Linda completa.

— Eu tenho que saber onde estou. Para saber onde estou com você. Então aqui está, um centavo pelos
seus pensamentos, um níquel para um beijo, dez centavo se disser que me ama...

Pessoas quase nunca surpreendem John. Mas ver sua filha, com 12 anos, citar a letra de a penny for your
thoughts, de 1982 o deixou boquiaberto.
— Desde quando você conhece esta canção? Garotas da sua idade não curtem Ariana Grande, Dualipa e
outras mais?

— Gosto delas também, mas... digamos que meu gosto musical seja bastante diversificado.

— É... Acabei de constatar isso! Mas, me diga, há algo que queira me dizer, aproveite, sou todo ouvidos.

Por um breve momento Linda esboça um sorriso, mas ainda continua contemplando o vazio. Subitamente,
abre a boca captando um pouco de ar, ensaiando falar algo, desiste, permanece imóvel por mais uns dois
segundos e resolve falar:

— O que você espera de mim quando eu for adulta?

O rádio foi desligado no mesmo instante. Linda conseguiu a façanha de deixar John estupefato duas vezes
em menos de 60 segundos.

— Caramba senhorita Lindara Miller! Não tinha uma pergunta mais simples? Os risos foram inevitáveis.

— Filha, não crio expectativas sobre seu futuro, me preocupo com o presente. Minha maior preocupação
é que tipo de semente, como pai, estou plantando nesse território fértil que é sua mente. Mais importante
que criar expectativas sobre o que será quando crescer é como estou contribuindo para que tenha
condições de fazer boas escolhas segundo sua perspectiva... consegui me expressar?

— Claro que sim pai! Já tenho 12 anos e não 5, lembra?

— Por um momento achei que tinha a idade de sua mãe!

Após um discreto sorriso, Linda continua.

— Gostaria de ser igual a você. Mas às vezes penso que não chegarei aos seus pés.

John estaciona o carro, coloca em N, puxa o freio de mão e vira seu corpo em direção à sua filha. Respira
fundo e...

— Quero que preste muita atenção no que irei dizer. Nunca cobrei, e jamais irei cobrar que você seja igual
a mim, ou que siga meus passos...

— Mas pai eu....

— Filha, ainda não terminei! Eu tenho minha história, é minha, e você faz parte dela de uma forma muito
especial. Parte do que sou devo a você, sua mãe, minha família antes de vocês duas, meus amigos que
aliás, são poucos, mas são verdadeiros. Daqui uns anos, o correto é você ter esse mesmo sentimento de
gratidão por mim, sua mãe e todas as pessoas que fizerem parte de sua vida e que certamente irão
colaborar para ser quem você será. Me sentirei honrado e orgulhoso em ser inspiração para você. Mas
não minha cópia. Entende?

— Sim entendo...

— Agora me dá um abraço e um beijo. É... Quanto vou ter que te passar, 11 centavos? Já que você revelou
seus pensamentos!

— Pode ser 50 reais? Assim compro um pedaço generoso de Apfelstrudel na cantina que faz tempo que
quero provar!

— Vendem Apfelstrudel na cantina da escola? – Pergunta John.

— Sim, a nova proprietária veio da Alemanha. Mas fique tranquilo, no lugar do tradicional rum ela coloca
caldo de cana. Fica com o mesmo sabor, só que sem o teor alcoólico. Foi o que ela disse.

— Bem, deve ser verdade pois nunca vi você chegar bêbada em casa após a aula.
— Você é o melhor pai do mundo sabia?

— Devo ser mesmo, afinal sou o único que você tem.

Os risos uma vez mais foram inevitáveis.

— Chegamos mocinha. Seus cinquenta reais... me dá um beijo e, cai fora!

— Obrigada pai, te amo!

— Também te amo!

─────────────────────

No mesmo instante que John estava saindo de casa, no aeroporto internacional de Guarulhos, um
Dassault Falcon 7X, trimotor de US$ 52 milhões pousava no terminal executivo da concessionária GRU
Airport destinado aos mais exclusivos passageiros. De dentro do jato executivo sai um homem
aparentando 45 anos, pele alva, cabelos negros, impecavelmente penteado para trás e trajando um terno
Manhattan Lincoln 3 botões. Caminhou alguns metros e apressadamente adentrou em um Audi A6 50
TDi que o aguardava. Sentou-se no banco traseiro ao lado de sua secretária executiva que já estava lá,
então ela iniciou:

— Guten Morgen, Herr Mackenzie. Bom dia, senhor Mackenzie.

— Guten Morgen!. Bom dia!

— Möchten Sie zuerst im Hotel vorbeischauen, oder gehen sie lieber geradeaus? O senhor gostaria de
passar no hotel antes, ou prefere ir direto?

— ja, aber nur für eine schnelle Dusche und Kleiderwechsel. Sim, mas somente para um rápido banho e
trocar de roupa.

- Natürlich, Sir! Claro, senhor.

─────────────────────

Os alunos de engenharia da computação já não se surpreendem com o único professor que adentra a sala
sem qualquer equipamento de apoio, notebook, Datashow, apostilas, livros, somente uns poucos pedaços
de giz que traz em seu bolso. Não quer dizer que não goste ou não saiba usar tais recursos, apenas prefere
assim. John sempre preferiu confiar em sua mente e não em recursos secundários como celulares e
computadores. Até mesmo livros técnicos são tratados com certa reserva por ele, em sua opinião, o autor
pode estar enganado quanto às conclusões feitas mediante análise dos dados de determinada pesquisa.
Análise de qualquer tipo de dados é algo que John realiza com maestria.

Álgebra matricial, o tema da aula, é tão simples quanto respirar para John. O esforço mental é tão ínfimo
que sobra energia e descontração para observar a reação de todos os presentes. Nadine, sempre atenta
ao que é dito, uma jovem muito linda que desperta a atenção de Max (muito inteligente, possui teorias
mirabolantes sobre o governo e o mundo Ocidental. A ironia disso é que o próprio trabalha para o
governo) e Nelson (funcionário público cedido para a secretaria de segurança, nas horas vagas é
explorador da natureza, ganhou fama recentemente após descobrir e dar nome à uma cachoeira até
então desconhecida) que alternam os olhares entre o que John escreve no quadro e a contemplação da
beleza de Nadine. Luiz Gustavo, apresenta uma certa prepotência e arrogância típica de quem nunca
passou por dificuldades na vida e teve tudo de mão de beijada, isso não faz dele uma má pessoa, John
sempre acha graça das expressões feitas pelos que ouvem os discursos autopromocionais de Luiz. Ed, esse
parece que está no curso errado, usa como meio de transporte uma bike, sempre trajando roupas leves
e esportivas seria facilmente confundido com um aluno de educação física, ademais, John as vezes fica
intrigado pois tem a impressão de tê-lo conhecido em algum outro lugar. Marcos Oliveira, policial militar,
um dos melhores, nos dias que termina o plantão e vem direto para a aula, é quando mais cochila do que
presta atenção. Nesses dias, ao chegar em casa, John envia por e-mail um resumo da aula para Marcos e
quem mais precisar, até mesmo para quem faltou. Ele faz com satisfação pois está lá para ajudar e não
para “ferrar“ com ninguém. E assim, ninguém escapa das habilidades observadoras de John enquanto
destrincha o conteúdo no quadro, absolutamente ninguém, inclusive um aluno sentado ao fundo,
próximo à porta, trajando calça safari caqui, camisa manga curta branca e um chapéu que parece ser um
famoso Cury.

“Indiana Jones na minha aula, que honra! ”. A piada mental feita por John não diminuiu a estranheza de
ter ali alguém tão peculiar. A aba do chapéu o impedia de ver seu rosto, portanto, só foi possível constatar
que se tratava de um homem de meia idade pela postura das pernas cruzadas discretamente, raramente
usada por jovens perto dos 20 anos. Magro e atlético, o corpo não denunciava a idade. Com frequência
alunos de outros cursos apareciam só para ver o desempenho do famoso professor computador, como
era conhecido pelo campus, mas esse era diferente, estava lá, sentado, mas não demonstrou interesse
em sua aula, cabeça baixa todo o tempo e folheando um livro, parece alguém interessado em um lugar
para sentar, viu a porta aberta e entrou sem cerimônia. Contudo, resolveu deixar o pitoresco visitante em
paz. Nunca interpelou ninguém por adentrar em sua aula sem estar matriculado, não seria essa a primeira
vez.

A aula transcorre tranquilamente. Faltando exatos 15 minutos para o término o visitante se retira. O que
chamou a atenção de John é que em momento algum conseguiu ver seu rosto, mesmo quando saiu. Ele
estava de frente para o quadro acabando de mostrar como derivar a função resultante de uma matriz
8x8. No momento em que se virou, não estava mais lá.

John é um velho conhecido da cantina. Incontáveis vezes realizou suas refeições ali e há anos que paga
mensalmente. Dirige-se à mesa que sempre gosta de sentar-se, quando está livre, claro, e em poucos
minutos, sem precisar realizar pedido algum, seu prato preferido é servido:

— Ovos mexidos com bacon! Ainda come esta gororoba John? – A voz do homem que disse isso, sentado
à mesa logo atrás, parece vagamente familiar. A mesma calça caqui estilo safari. Vendo o chapéu à uma
distância de 2,5 metros, John observou realmente se tratar de um legítimo Cury. Rapidamente entendeu
porque o portador do chapéu proferiu aquela pergunta que indicava familiaridade quando o mesmo
levantou a cabeça, finalmente deixando à mostra seu rosto. Poucas pessoas sabem que ovos mexidos com
bacon é o prato preferido de John desde tenra infância. E uma dessas pessoas é:

— Patrick Mackenzie!? Não acredito!

— Como vai John, faz um bom tempo que não nos vemos, não é mesmo? Só peço que não diga mais meu
nome em voz alta. O risco de ocorrer um grande alvoroço com a minha presença é alto.

— Claro, me desculpe! Disse John desta vez em voz baixa e já mudando de mesa para sentar-se de frente
para o velho amigo.

Mackenzie é muito conhecido no mundo empresarial e no vale do silício. É tão famoso quanto Elon Musk,
Jeff Bezos e Bill Gates. Por esse motivo, foi uma temeridade John ter pronunciado seu nome em voz alta.
Por sorte somente os dois e o senhor Gonzaga, dono da cantina, de 78 anos, totalmente alheio ao mundo
do empreendedorismo digital, estavam no recinto.

— Patrick, confesso que você é a última pessoa que esperava ver em uma cantina de faculdade. Estou
muito feliz por revê-lo, mas, o que faz aqui?
— Antes de mais nada, bom te ver também John! Respondendo a sua pergunta... estou aqui para rever
um velho amigo!

— Você se tornou uma celebridade. É quase impossível não acompanhar sua vida, os principais meios de
comunicação digital falam de você tanto quanto falam de outras estrelas do Vale do silício. Empresário de
sucesso, multibilionário, investimentos ao redor do globo, relacionamento com top models, enfim, o que
te fez pensar em mim mesmo diante de uma vida tão atribulada e interessante?

— Incisivo e direto como sempre! Estava sentindo falta disso. As pessoas se dirigem a mim em tom
bajulador na esperança de arrancar alguns trocados para financiar seus negócios. Outros bilionários,
chefes de estado, empresários em expansão, as modelos que você se referiu. Apenas interesse, não por
mim, mas pelo que tenho.

Patrick olha para sua esquerda, solta um profundo suspiro e diz.

— Esse mundo às vezes me causa tédio, John.

— Bem, se está aqui em busca de emoção, creio que ficará mais entediado ainda! – Um sorriso discreto
de lábios cerrados de ambos quebrou o tom sério do diálogo.

— Fazendo uso de seu pragmatismo, vou direto ao ponto John. Tenho uma proposta de trabalho para
você, meu amigo.

John contorce seu corpo na cadeira, intrigado com o que acabara de ouvir.

— Patrick, não é tão simples assim. Tenho uma carreira aqui. E uma vida também. Não sei se minha família
estaria disposta a largar tudo para começarmos outra jornada em outro país.

— Como professor doutor você tira o que por ano John, 170 mil, em reais? Preste atenção, estamos
falando de um ganho anual de 7 dígitos, em dólares. Isso durante seu período de experiência!

—195 Mil, já com as férias e décimo terceiro. Patrick, não se sinta ofendido pelo que vou dizer, mas, ao
longo desses anos, distantes um do outro, foi fácil acompanhar sua vida devido à exposição na mídia. O
que obviamente não aconteceu comigo, então, não o culpo por desconhecer o fato de que somas vultosas
de dinheiro não me impressionam. Não vou abandonar a vida que sempre desejei por.… mais dinheiro.

— Sei disso. Sei também que não foram poucas as oportunidades que você teve para enriquecer. Muito
pelo contrário, o conglomerado de seu pai existe graças a você. Sei de um amigo em comum que lhe deve
a vida pois foi socorrido por sua incrível sagacidade mental. Um cara como você, John, não enriquece
porque não quer. Surpreso por eu saber essas coisas? Sei tudo a seu respeito John!

John não consegue disfarçar a surpresa ao saber que o grande Patrick Mackenzie acompanhava seus
passos.

“Por que alguém como ele se importaria com alguém como eu? “. Pensou.

— Sei o que está pensando John! E a resposta é simples... admiração. Sempre te admirei, sua genialidade,
a forma simples de ver e perceber tudo em volta. Você fazia coisas incríveis somente observando o
ambiente e as pessoas. E sou capaz de apostar que ainda faz.

— Não mais. Meu foco é o magistério superior. Ensinar e ajudar as pessoas em sua formação acadêmica
através da matemática tem sido meu propósito. Não entrarei em detalhes pois acredito que saiba disso.

— Como acha que sabia onde te encontrar, John? – Um discreto sorriso mútuo quebrou a iminente
tensão.

— Patrick, sinto muito em não poder te ajudar! Mas confesso que fiquei curioso em saber no que estaria
me metendo, caso aceitasse.

Patrick se aproxima de John o suficiente para sussurrar e ser ouvido.


— Estou envolvido em um projeto, algo incrivelmente grande. Um algoritmo capaz de criar e simular todo
o universo partindo de coordenadas já conhecidas e estabelecidas, ou seja, os planetas do nosso sistema,
trajetórias já conhecidas de cometas, estrelas já mapeadas, etc. E a partir desses dados já conhecidos
expandir o modelo de forma que saibamos a localização de todo e qualquer corpo espacial existente no
universo – Patrick se afasta, encosta na cadeira e em tom sério diz – inclusive, buracos de minhoca! Isso
irá possibilitar viagens intergalácticas, encurtando distâncias. Saberíamos exatamente de onde sairíamos
e para aonde estaríamos indo. A exploração universal será uma realidade John. Isto representa um ganho
de conhecimento científico imensurável!

— Uau! Isso é coisa de gente grande Patrick!

— Por isso estou aqui! Reuni uma equipe fantástica de engenheiros programadores, gente grande, mas
ninguém faz o que só vi você fazer até hoje John. Tabulação e análise de dados, você é o melhor. As
competições de matemática, era impossível te superar. Você sabia mais que os próprios professores. Já
fez teste de Q. I alguma vez John?

— Me sugeriram, mas nunca tive interesse em fazer. Não vejo sentido em medir capacidade intelectual
através de números. Contraditório isso, não? Um amante dos números não querer quantificar algo!

— Não vejo contradição, mas sim, bom senso. Admiro isso. Se lembra do nosso jogo, John? Tempos em
tempos disputávamos para ver quem era o melhor. Nunca ganhei! Quando eu perdia, aprendia aquele
idioma que me fazia perder e mais um ou dois na esperança de você não conseguir compreender e
finalmente ganhar. Mas você inexplicavelmente sabia! Che ne dici di un'altra partita? (o que me diz de
mais uma partida?) – Patrick iniciou o desafio em italiano.

John - Bien sûr que non? Mais je pense que tu vas perdre. (Claro por que não? Mas creio que irá pretensiós.
He estat molt tren en els últims anys. (Você é muito pretensioso. Treinei muito nesses últimos anos. -
Catalão

John - Ito ay hindi pagkukunwari ito ay katotohanan, Hindi ka pa nanalo at hindi ka na ngayon. (Não é
pretensão é realidade, você nunca ganhou e não será agora.) - Filipino

Patrick - Molim te John razmisli o tome. Trebam te. (Por favor John, pense a respeito. Preciso de você.) –
Bósnio

John – Vprašaj me karkoli, razen tega, žal mi je. (me peça qualquer coisa menos isso, sinto muito.) –
Esloveno

Patrick - Heyf! Sizin üçün planlarım var idi. Heyf! Sizin üçün planlarım var idi. (Que pena! Tinha planos para
você.) – azerbaijani

John não estava interessado em prolongar muito esta competição. Sabia que se dissesse que desconhecia
o último idioma dito, somente para perder, o que obviamente seria mentira, Patrick não acreditaria.
Então, ele tirou um às da manga...

Tá áthas orm gur thuig tú mo chara. ( Que bom que você entendeu meu amigo)

- wow, John! Essa você me pegou! Não domino o gaélico. Uma vez mais me surpreendeu! Conheço a
sonoridade mas o que foi dito não tenho a mínima idéia. O mais incrível é saber que você é uma das raras
30 mil pessoas no mundo que falam este idioma! Como foi que...

— Passei 6 meses nas ilhas Aranas realizando trabalhos voluntários pela cruz vermelha em 1993. Ninguém
falava nem ao menos o inglês por lá. Me vi obrigado a aprender o dialeto local em tempo recorde.

— Tem certeza que não quer vir? O mundo precisa de gênios como você!

John gesticula com a mão direita mostrando em volta.

— Este mundo precisa de mim, Patrick! E me sinto realizado com isso.


— Entendo velho amigo. Bem, fiquei tempo demais fora do meu mundo. Já devem estar achando que fui
sequestrado!

Ambos riram discretamente.

— Foi um prazer e uma honra ser lembrado por você meu amigo! Imagino que este mundo tome boa
parte do seu tempo e, ver que, ainda assim, fez questão de desperdiçar um pouco dele para falar comigo
é algo incrível. Se contar ninguém irá acreditar mesmo então, vou curtir essa honra em meus
pensamentos.

Um abraço caloroso de despedida se segue após estas palavras. Patrick se dirige até o balcão, pega um
pedaço de papel e saca sua caneta montblank do bolso da camisa.

— Pouquíssimas pessoas no mundo possuem este número. Nele você fala direto comigo.

— Sei de alguns figurões aqui em São Paulo que dariam um rim para ter esse número! Pode deixar Patrick,
seu segredo estará seguro comigo!

Mais risos.

— Até breve meu amigo. Já deve estar atrasado para a próxima aula.

— Estou sim. Mas hoje tive um motivo especial.

Patrick deixa o recinto dando passos rápidos, chapéu cobrindo discretamente o rosto para não ser
reconhecido nos corredores. Já no estacionamento, a poucos metros do carro que o aguarda sua celular
toca. DDI 65, Singapura. Patrick já sabe de quem se trata antes mesmo de atender. Secamente ele inicia
o diálogo com...

— Diga —

— Você é que tem que me dizer! Obteve sucesso?

— Ainda não.

— O tempo está se esgotando senhor Mackenzie. Eles são impacientes e você, mais do que eu, sabe no
que isso implica.

— Poupe – me de suas cobranças. Ele não aceitou agora. Mas vai. Apenas preciso de mais tempo. O cara
não é ambicioso, muito menos ganancioso. Leva tempo convencer um homem desse a fazer o que não
quer.

— Tempo esse que você não dispõe, senhor Mackenzie. Consiga ou sofrerá as consequências.

— “Vá pro inferno“! — Patrick diz isso logo após seu interlocutor ter desligado. Foi mais para extravasar.
Aparentemente não ousaria dizer para, seja lá quem for, diretamente algo do tipo. É possível contar nos
dedos de uma mão apenas a quantidade de pessoas que poderiam intimidar e falar daquela maneira com
um homem da envergadura de Patrick.

Já dentro do carro, sua secretária já o aguardava.

— Was ist der nächste Schritt, Herr? Qual é o próximo passo, senhor?

— Starten Sie Plan B. Sofort! Iniciar plano B. Imediatamente!


CAPÍTULO 3
12 horas antes...

O dia transcorrera tranquilamente. Conforme prometido a Jane, John está em frente da escola para pegar
Linda quando uma das funcionárias se aproxima de seu carro e diz:

— Oi Senhor Miller, boa tarde!

— Boa tarde Edna, tudo bem?

— Sim graças a Deus. A linda já foi. Uns vinte minutos atrás. A senhora Miller esteve aqui com uma amiga.

— Oh! Mesmo? Então... tudo bem. Que cabeça a minha. Ela havia me dito que iria passar aqui. Eu que
esqueci completamente.

— Ah! Isso acontece mais vezes do que se pode imaginar senhor Miller!

— Imagino! Tchau Edna!

— Tchau senhor Miller!

Conhecendo Jane há tanto tempo, ele acha estranho essa quebra de padrão. Só não quis dizer isso à
funcionária da escola. Em anos de convivência, jamais haviam combinado algo para depois ser feita
exatamente outra.

“ Deixa de ser paranoico John “. Pensou.

Neste exato momento, um jato executivo decola do aeroporto para, com somente 60 segundos no ar,
explodir e arremessar pedaços de fuselagem por centenas de metros em volta.

Ao chegar em casa John nota que Jane ainda não chegou. Até então, estava despreocupado, mas ao não
avistar o carro da esposa na garagem fez crescer em seu íntimo uma fagulha de preocupação. São Paulo
é uma cidade cosmopolita, enorme, e seu crescimento se deu de forma desordenada, sem planejamento
e infraestrutura. Prova disso é a incidência de pontos de alagamentos que pipocam durante fortes chuvas
e a desigualdade social faz com que diferentes classes convivam em um caldeirão em ebulição. As regiões
periféricas são controladas pelo crime organizado. Um aparato policial que mais possuem amarras que
liberdade para agir. Políticos, em sua maioria, corruptos, coniventes e lenientes com a realidade que cerca
a sociedade. Tudo isso e muitos outros fatores convergem para uma realidade da qual, quando algo sai
do padrão, envolvendo entes queridos, é motivo para preocupações. Ainda assim, John se manteve calmo.
Decidiu que irá buscar de fato o que realmente está acontecendo. Uma averiguação por etapas. E a
próxima é ligar no celular de Jane.

“ Sua ligação está sendo enviada para a caixa de mensagens “...

Jane, desde quando comprou seu primeiro celular, nunca desligou, nem mesmo durante a noite. Estar
disponível para seus clientes ou a família para uma possível ligação de emergência a deixava tranquila.
Essa quebra de padrão deixa John ainda mais preocupado. O celular toca. John olha para a tela e vê que
é George...

— Diga George....

— John, lembra que te disse que Patrick Mackenzie viria para São Paulo?

— Sim, claro!

— Você está perto de uma TV?

— Sim, estou!
— Então ligue agora em qualquer canal de notícias.

Alguns passos em direção ao sofá ele avista o controle. Clica em ligar e...

“O acidente ocorreu por volta das 17 horas, horário de Brasília, não se sabe ainda a causa da explosão. O
jato executivo que levava 5 pessoas, dentre elas, o magnata do mundo das startups, Patrick Mackenzie,
que estava em São Paulo para uma feira tecnológica, explodiu em pleno ar espalhando destroços em um
raio de 2000 metros. “

Estupefato, John senta no sofá ao mesmo tempo que deixa o celular deslizar do ouvido para o tórax
ignorando George, do outro lado da linha, que perguntava se ele ainda estava lá.

— C.…como assim!?

Por um breve momento permanece imóvel, sem saber o que fazer nem o que pensar. Jane não havia
chegado e agora mais essa informação o atingindo como uma bomba.

— Por quê? — Ele reluta em acreditar que alguém tão poderoso como Patrick Mackenzie se fora tão
repentinamente e de forma tão trágica. Mas, enquanto tenta se recompor do choque da notícia, ao
mesmo tempo mantém a busca por Jane. Liga uma vez mais para ela, ao que se segue a mesma mensagem
de envio para a caixa postal. Sua cabeça gira. Sente que está prestes a desmaiar. “ Não é hora para
lamúrias John “. Pensa.

No instante em que se levanta para dirigir-se até a porta, com o intuito de executar o próximo passo que
seria ir pessoalmente aos locais onde Jane costuma frequentar estilhaços de vidro, oriundos da janela
blindex 4 folhas, tocam seus pés. Atordoado e confuso, leva tempo para John perceber uma fumaça
branca, espessa e sufocante inundando o ambiente. Com dificuldade e já cambaleante, consegue discernir
um invólucro preto de onde está saindo a fumaça. Som de mais vidro se quebrando, estilhaços, mais
fumaça, a porta é bruscamente arrombada por um aríete de mão. Três enormes homens, trajando um
aparente uniforme de operação militar de cor negra, sem identificação alguma, capacete tático militar
WST, da mesma cor, do tipo que o rosto fica totalmente encoberto, surgem rapidamente. Um dos
invasores, o do centro, executa uma manobra como se fosse pegar algo da cintura. Esse movimento fez
com que John voltasse toda a atenção nele, seu coração disparou devido à descarga de adrenalina.
Qualquer pessoa sob efeito de adrenalina se prepara para luta ou fuga e desenvolve o que se chama no
jargão fisiológico de “visão de túnel “. Era exatamente o que o esquadrão queria provocar pois John ficou
totalmente alheio à aproximação dos outros dois pelos flancos que, encobertos pela fumaça, se afastaram
do integrante central para, rápida e furtivamente, surpreender John com um golpe certeiro na nuca para
desacordá-lo
CAPÍTULO 04
10 minutos antes...

O efeito do gás inalado durante a invasão em sua casa estava desaparecendo. O golpe desferido em sua
nuca foi somente para acelerar o processo de imobilização pois o esquadrão estava sob um cronograma
rígido de execução. Dali a 40 minutos tinham que embarcar em um jato executivo com destino a
Vancouver, no Canadá. O disfarce e a encenação foram perfeitos. O avião estava equipado com uma UTI
móvel. O mesmo esquadrão passou a usar uniformes de paramédicos e assim, aos olhos de quem via, um
paciente estava sendo transferido urgentemente a fim de conseguir melhores cuidados. Sua cabeça está
latejando, mas isso será o menor de seus problemas nos minutos seguintes. Um cronômetro ainda não
ativado, seu pai amarrado em uma poltrona. Uma voz modificada saindo de um sistema de som.

— Olá John. Como foi a viagem?

— Como assim, viagem? Onde estou?

— Oh! Queira me desculpar. Estamos no escritório do seu papai, no Canadá.vi que olhou incrédulo para
o seu relógio e deve estar pensando “impossível após 11 horas estarmos no Canadá”. Bem, essa é uma
das vantagens de se possuir um GLOBAL 7500. Estando com o tanque cheio, te leva a qualquer ponto do
planeta em voo direto.

Aos poucos, a letargia vai dando lugar a lucidez. Finalmente reconhece o lugar como sendo o escritório
de seu pai, em Vancouver no Canadá! Na verdade, é a primeira vez que John está neste escritório. Acabou
reconhecendo por causa de uma antiga coleção da Barsa que era avistada logo atrás da poltrona sempre
que se falavam por vídeo chamada. Olhou em choque para seu pai que estava amarrado firmemente à
poltrona e com várias escoriações e hematomas causados provavelmente por golpes desferidos
covardemente.

— Quem é você? O que quer de mim? Por que meu pai está amarrado assim?

— John, John, John. Tantas perguntas..., mas, só responderei uma. O que quero de você. Quero que
solucione um enigma. Terá 5 minutos, se conseguir dentro do tempo estipulado, passamos para a próxima
fase e seu pai vive. Se falhar, passamos para a próxima fase, mas seu pai morre.

— Que loucura é essa? Por que? Não estou entendendo o motivo disso tudo!

— Tudo que precisa saber é que a vida de seu pai está em suas mãos. Só para constar, há um sniper
apontando um rifle para a cabeça dele. De acordo com seus arquivos você possui memória excepcional
então, aí vai...

....” Padre Ruy morreu com 50 anos

Mas antes, importante mensagem deixou

O clérigo em perigosa casa se instalou

O soldado na casa certa, o inimigo expulsou

O tempo urge,

E vai acabar

Descubra as casas

Para seu pai libertar “


— Você só tem que solucionar o enigma e, em seguida, digitar a resposta no teclado logo a sua frente.
Fazendo isso o temporizador para. Seu tempo começa, agora!

Apreensão e incredulidade toma conta de sua mente nos primeiros segundos. Entretanto não demora
muito para entender a gravidade da situação.

Então...

— Mas que droga! Por que você está fazendo isso comigo? Quem é você?

— “Quem sou eu” não deve estar na sua lista de prioridades neste momento, John. Concentre-se se não
quer ver seu pai “perder a cabeça”. “Perder a cabeça”! Gostou dessa John? Uma gargalhada sinistra ecoou
através da caixa de som.

— O tempo John, tic tac, tic tac – Mais uma gargalhada.

“Ele não pode estar falando sério. Deve ser uma pegadinha, dessas de programa de auditório
sensacionalista”. Pensou ele.

Mas os hematomas no rosto de seu pai e o semblante em pânico sinalizava que aquilo não era uma
pegadinha.

“Não consigo achar a resposta”.

— Que raios de enigma é esse? Vociferou John já com os nervos em frangalhos.

A 1500 m dali um sniper aguarda acender uma luz vermelha ou verde. Verde, executar o alvo. Vermelha,
abortar. O alvo, um senhor na casa dos 70 anos amarrado firmemente em uma poltrona Berger giratória,
o pai de John, senhor Miller.

— Vamos John! Apostei com meus amigos aqui presentes que você seria capaz de resolver este enigma e
salvar seu pai. Não me decepcione. Embora, caso você não consiga, será igualmente interessante. Só
perderei uns trocados.

Uma fagulha de raciocínio lógico surge.

“Padre Ruy, morreu com 50 anos...”

- É isso!

23 segundos

“Clérigo, soldado...”

“Quais são as casas? ”


15 segundos

“Ruy Lopez... Era padre, e enxadrista. Nasceu em 1530 e morreu em 1580, aos 50 anos. A abertura Ruy
Lopez de xadrez! O clérigo, único clérigo no xadrez é o bispo e, o soldado é o peão, claro! No xadrez o
bispo pressiona o cavalo em c6 quando está na casa b5! ”

7 segundos

“O soldado na casa certa o inimigo expulsou”. O peão tem que ir para a6 para fazer o bispo recuar. As
casas são b5 e a6. B5a6 é a solução!

Rapidamente ele se joga em direção ao teclado alfa numérico do temporizador.

2 segundos

Digita a combinação...

0 segundos

Aperta ENTER...

Por um atraso de 2 décimos, o sniper recebe a luz verde, e dispara.

— NÃO! EU CONSEGUI! – Gritou John.

— Filho...

Um sussurro, a voz embargada, lábios inferiores trêmulos:

— Pai...

Pouco mais de 2 segundos após o disparo, o projétil atinge o alvo. Massa cefálica e sangue se espalham
pelo chão e as paredes. O semblante de John muda, dando lugar a choque e perplexidade.

Recostado na parede, olhos fixos em lugar nenhum, desliza as costas até sentar-se ao chão.

— Eu tinha conseguido...

— Eu tinha conseguido...

— Eu tinha conseguido...

Por algum tempo, foi só o que conseguia dizer.

— Parabéns! Sabia que iria resolver o enigma. Pena que não salvou o velho, por 2 décimos, dois décimos
John! Um piscar de olhos! Primeiro desafio e tanta emoção, caramba! Recomponha-se John. Ainda não
acabou. Na verdade, só está começando. Espere pela próxima pista.

A ligação foi encerrada.


CAPÍTULO 05

Aturdido, estupefato, incrédulo, chocado. Todas essas palavras, todavia, não são suficientes para
descrever o estado de John neste momento. Uma pergunta se não para de repetir em sua mente:

Por quê? Não se trata de um único por que.

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