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A Regra Dixon (Campus Diaries #2) Elle Kennedy

Diana enfrenta problemas em seu apartamento, como um chuveiro com água escaldante e um dispenser de gelo quebrado, enquanto lida com a herança de um peixe-dourado e a visita inesperada de Shane, seu novo vizinho e jogador de hóquei. Após um encontro embaraçoso, ela tenta estabelecer limites com Shane, que parece determinado a se tornar seu amigo. O texto explora a vida cotidiana de Diana, suas frustrações e a dinâmica com seus vizinhos.
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A Regra Dixon (Campus Diaries #2) Elle Kennedy

Diana enfrenta problemas em seu apartamento, como um chuveiro com água escaldante e um dispenser de gelo quebrado, enquanto lida com a herança de um peixe-dourado e a visita inesperada de Shane, seu novo vizinho e jogador de hóquei. Após um encontro embaraçoso, ela tenta estabelecer limites com Shane, que parece determinado a se tornar seu amigo. O texto explora a vida cotidiana de Diana, suas frustrações e a dinâmica com seus vizinhos.
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1

diana

Satanás ataca novamente

julho

Duas gotas de água se formam no alto do espelho e disputam


quem chega embaixo primeiro. Apostei comigo mesma que a
gota número dois vai vencer, já que ela é ligeiramente maior.
Quanto maior, melhor, não é? Mas, ao ganhar velocidade, ela
dá uma guinada rápida para a esquerda. A gota número um
segue seu curso e pinga na bancada do meu banheiro.
É por isso que me recuso a apostar.
Pego uma toalha e seco o restante da condensação para
revelar meu reflexo. Um rubor rosa cobre meu peito e ombros,
evidências da temperatura escaldante da água. Tem alguma
coisa errada com o meu chuveiro, mas estou pobre demais
para contratar um encanador, e meu pai disse que só consegue
vir para a minha região no fim da semana. O que significa que
preciso lidar com água pelando por mais alguns dias, isso se
minha pele não derreter antes.
Talvez, depois que meu pai consertar o chuveiro, penso, ele
possa tentar resolver a gaveta do armário da cozinha que
simplesmente não abre. E descobrir por que o dispenser de
gelo da geladeira parou de funcionar sem motivo.
Ser proprietária é exaustivo. Ainda mais quando você é uma
incompetente total. Comentei que o problema original do meu
chuveiro era que ele não parava de pingar? Tentei consertar o
gotejamento sozinha assistindo a um tutorial on-line, e foi
assim que o jato do chuveiro se transformou num vulcão.
Aquele vídeo tipo “faça você mesmo” para arrumar
encanamentos não me ajudou em nada.
Dou as costas para o espelho e pego uma toalha rosa felpuda
do gancho da porta, saindo do banheiro cheio de vapor para
inspirar o ar normal do corredor.
“Quase morri lá dentro”, informo a Skip quando entro na
sala, enrolando a toalha no corpo. Olho para o outro lado do
espaçoso loft, na direção do aquário de setenta e cinco litros.
O peixe-dourado rechonchudo me encara de volta com seu
olhar mortal e angustiante.
“Não gosto do fato de você não poder piscar”, digo. “Isso me
assusta pra caramba.”
Ele me encara de novo antes de sacudir as barbatanas e nadar
para o outro lado do aquário. Um segundo depois, está meio
escondido atrás de um baú do tesouro pintado de dourado.
Quando mostrei ao moço da loja de peixes uma foto de Skip,
ele me disse que nunca tinha visto um peixe-dourado tão
grande. Aparentemente, meu peixe é obeso. Sem mencionar
que é quieto demais para o meu gosto. Não confio em animais
de estimação que não fazem barulho.
“Quer saber, Skip? Um dia você vai ficar chateado com
alguma coisa e, em vez de te consolar, também vou sair
nadando. Então fica aí no seu bauzinho de pirata, dane-se.”
Odeio peixes. Se dependesse de mim, não teria um. Essa
tarefa horrível me foi atribuída por minha falecida tia, que me
deixou de herança seu querido peixe-dourado imprestável no
testamento. O testamenteiro parecia estar tentando não rir
quando leu essa parte em voz alta para nossa família. Meu
irmão caçula, Thomas, nem se esforçou — caiu na gargalhada,
até meu pai o silenciar com um olhar.
Por outro lado, o aquário veio junto com o apartamento de
tia Jennifer, o que faz de mim proprietária de um imóvel com
apenas vinte e um anos. Ganha-se aqui, perde-se ali.
O chuveiro estava tão escaldante que me deixou com sede.
Quero entornar uma garrafa de água antes de me vestir. Vou
g g
descalça até a geladeira, mas meus passos vacilam quando o
celular em cima da bancada de granito toca de repente, me
assustando. Viro para olhar a tela e contenho um resmungo. É
uma mensagem do meu ex.
PERCY
Ei, quer sair hoje e botar o papo em dia? Fico livre lá
pelas 8.

Não. Não tenho interesse. Mas é óbvio que não posso ser tão
direta. Posso ter o gênio forte, mas não sou grossa sem
necessidade. Vou ter que encontrar um jeito simpático de
recusar.
Não é a primeira vez que ele entra em contato para “botar o
papo em dia”. Acho que a culpa é minha, já que eu disse que
poderíamos continuar amigos depois do término. Fica o
conselho: nunca se ofereça para continuar uma amizade se não
for de coração. Vai dar errado.
Deixo o celular em cima da bancada e pego uma garrafa de
água na geladeira. Depois que me vestir, eu lido com Percy.
Estou jogando a garrafa vazia na lixeira embaixo da pia
quando o som familiar de miados preenche o corredor. As
paredes finíssimas do apartamento não bloqueiam o barulho
do lado de fora da porta. Ouço cada passo, até os das patinhas
de Lucy. Sem falar que a gata maldita usa um sino na coleira,
anunciando todos os seus movimentos.
Seguro um palavrão quando o senso de obrigação me invade.
Amo minha vizinha do andar de baixo, Priya, mas sua gata
fugitiva me deixa maluca. Pelo menos uma vez por semana,
Lucy consegue escapar do apartamento sem que ninguém note.
Abrir a porta faz uma rajada de ar frio entrar. Tento conter os
arrepios que se formam em meus braços enquanto piso no
azulejo liso fora da minha porta.
“Lucy?”, chamo cantarolando.
Sei que não posso deixar nenhum traço de frustração
transparecer no meu tom de voz quando chamo seu nome. Ao
menor indício de raiva, aquela bola de pelos acinzentada vai
descer correndo a escada para a porta do hall de entrada feito
um meteoro rumo à Terra.
Meadow Hill, nosso condomínio, não é um edifício qualquer.
Não é uma monstruosidade de cinquenta andares com
centenas de apartamentos. Em vez disso, o arquiteto que o
projetou se inspirou num resort de praia, então a área consiste
em quinze predinhos de dois andares, cada um abrigando
quatro apartamentos. Trilhas sinuosas conectam todos os
prédios, muitos dos quais têm vista para o gramado verdejante,
as quadras de tênis e uma piscina. Da última vez que Lucy
saiu, meu outro vizinho de baixo, Niall, tinha acabado de
voltar do trabalho. Lucy aproveitou a porta do hall aberta e
passou por ele em disparada em busca da liberdade eterna.
“Lucy?”, chamo de novo.
O tilintar do sino me chama da escada. Com um miado
rouco, a gata de pelo rajado aparece no degrau de cima. Ela
está sentada, toda comportada e certinha, e me encara com
insolência.
Sim, estou aqui, ela provoca. Vai fazer o quê, sua chata?
Eu me ajoelho devagar para ficar na altura dos olhos dela.
“Você é uma gata do demônio”, digo.
Ela me estuda por um momento e ergue uma pata, dando
uma lambida indiferente antes de colocá-la de volta no azulejo.
“Sério. Você foi trazida pra cá direto do inferno, entregue
pessoalmente pelas mãos frias de Satanás. Fala a verdade: ele te
mandou aqui para me atormentar?”
“Miau”, ela diz, arrogante.
Meu queixo cai. A desgraçada praticamente confirmou!
Vou avançando de joelhos, segurando a parte de cima da
toalha. Estou a meio metro quando, de repente, vozes ecoam
no hall de entrada e passos ressoam na base da escada.
Lucy sai em disparada, literalmente pulando por cima do
meu ombro como se estivesse nas Olímpiadas felinas e ela
fosse uma mini atleta de corrida com obstáculos. Lucy entra
voando pela fresta aberta da minha porta, me deixando tão
p p
assustada que caio para a frente. Por instinto, minhas mãos se
estendem à frente do corpo para me equilibrar, me fazendo
soltar a toalha.
Caio no chão bem quando uma sombra se projeta sobre
mim.
Grito de surpresa. Quando me dou conta, três jogadores de
hóquei estão olhando fixamente para mim.
Para mim pelada. Porque eu estou pelada.
Já comentei que estou pelada?
“Tudo certo aí, Dixon?”, zomba uma voz grave e arrastada.
Minhas mãos se apressam para esconder minha nudez, mas
só tenho duas e há pelo menos três áreas que eu gostaria de
encobrir.
“Ai, meu Deus, não olhem”, ordeno, pegando a toalha do
chão.
Pelo menos eles desviam o olhar. Eu me levanto rápido,
enrolando o tecido felpudo às pressas. Dentre todas as pessoas
que poderiam ter me encontrado nessa situação, tinha que ser
Shane Lindley e seus amigos. E o que é que eles estão fazendo
aqui…
Minha ficha cai. Ah, não.
Sinto um frio na barriga ao ver a ironia nos olhos escuros de
Shane.
“Não. É hoje?”
Ele abre um sorriso largo, exibindo dentes brancos perfeitos.
“Ah, é hoje.”
Satanás ataca novamente.
Shane está se mudando.
Por sorte, não é para o meu apartamento. Porque seria
duplamente terrível. Eu nunca conseguiria dividir o
apartamento com um babaca tão arrogante. Já basta dividirmos
o andar. Os pais de Shane, por terem grana e aparentemente
acreditarem que mimar demais os filhos ajuda a criar adultos
humildes, compraram para o filho nada humilde o
apartamento vizinho ao meu. Está vago desde que minha
última vizinha, Chandra, se aposentou e se mudou para o
Maine para ficar mais perto da família.
Minha melhor amiga, Gigi, é casada com o melhor amigo de
Shane, Ryder, então ela me avisou que a mudança aconteceria
em algum momento da semana. Mas eu teria adorado se ela
tivesse me dado um dia e um horário mais específicos. Ou pelo
menos mandado uma mensagem hoje. Assim poderia ter me
preparado para talvez não estar de toalha. Eu definitivamente
vou brigar com ela por causa disso no jantar de hoje à noite.
“Não se preocupa, a gente não viu nada.” A tranquilização
vem do rosto simpático de Will Larsen.
“Vi seus peitos e um traseiro”, Beckett Dunne diz, prestativo.
Não sei se rio ou resmungo. Com seu rosto perfeito, seu leve
sotaque australiano e seu cabelo loiro ondulado, Beckett é sexy
demais para o seu próprio bem. Tudo que sai da boca dele é
simplesmente charmoso, quando na de qualquer outra pessoa
soaria vulgar.
“Apaga da memória”, aviso.
“Impossível”, ele responde, dando uma piscadinha.
Volto o olhar para Shane, meu bom humor se esvaindo.
“Não é tarde demais para vender o apê”, digo num tom
esperançoso.
Mas sei que isso não passa de um sonho lindo. Ele não vai a
lugar nenhum, não depois de seus pais gastarem
provavelmente uma fortuna reformando o espaço para ele. Os
barulhos de construção não paravam em seu apartamento no
último mês. O pobre Niall do andar de baixo estava tendo
crises nervosas diárias por causa das furadeiras. Aquele homem
tem uma alergia violenta a barulho.
Queria saber que mudanças Shane fez no apartamento.
Aposto que o transformou numa caverna masculina
estereotipada para combinar com seus gostos de cafajeste.
E confie em mim: conheço bem esses gostos. Incluem, até
agora, mas não parei de contar, duas líderes de torcida e meia
da minha equipe — meia porque com ela só rolaram uns
beijos. Mesmo assim, ele está passando o rodo em todas. Gigi
j p g
me disse que partiram o coração dele no ano passado e que
essa é a primeira vez em muito tempo que ele fica solteiro. Diz
que ele está compensando o tempo perdido. Mas, para mim,
isso é desculpa, e acho que ninguém deveria inventar
desculpinhas para cafajestes. Eles simplesmente nascem com
esse gene.
“Não precisa se fazer de durona na frente dos caras”, Shane
diz. “Todo mundo sabe da sua quedinha.”
Bufo.
“Acho que a única pessoa que tem uma quedinha por você é
você mesmo.”
Sinceramente, eu não ficaria surpresa se ele passasse o tempo
livre se admirando no espelho. Todo mundo sabe que
jogadores de hóquei são famosos por serem obcecados por
duas coisas: hóquei e si próprios. E Shane Lindley não era uma
exceção.
Não me deixo levar por sua beleza, embora ele seja, sem
dúvida, lindo. Alto e bonito. A boca larga e sensual e o cabelo
preto curtinho. Um corpo musculoso de atleta e covinhas que
formam buraquinhos nas bochechas sempre que ele tenta te
seduzir com um sorriso impertinente. Nesta tarde, esse corpo
sarado está vestido com um short de basquete e uma camiseta
vermelha que realça seu tom de pele mais escuro.
Quando noto os olhos cinza de Beckett passarem de novo
pelo meu corpo enrolado na toalha, volto a cara amarrada para
ele.
“Pode olhar o quanto quiser, mas juro que essa toalha não vai
cair de novo.”
“Bom, se cair, prefiro não perder a cena.” Seus dentes
praticamente brilham sob as luzes fluorescentes quando ele
abre aquele sorriso sacana.
“Esse é o seu apartamento?”, Will pergunta, apontando para
a porta atrás de mim.
“Infelizmente.”
“Caramba. Quando Gigi disse que vocês seriam vizinhos, eu
não tinha entendido que vocês seriam vizinhos mesmo”, ele
q
comenta, alternando o olhar entre a minha porta e a do outro
lado do corredor.
“Por favor, não joga na minha cara”, resmungo. Para Shane,
digo: “Se estiver esperando uma festa de boas-vindas, azar o
seu. Meu novo objetivo é encontrar um jeito de seguir minha
vida sem topar com você.”
“Boa sorte.” Os olhos castanho-escuros de Shane cintilam de
bom humor. “Porque o meu novo objetivo é virarmos melhores
amigos e passarmos todas as horas do dia juntos. Ah, aliás. Vou
dar uma festa no fim de semana. Podemos organizar juntos.
Manter as duas portas abertas e…”
“Não.” Ergo o indicador no ar. “Não mesmo. Não vai rolar.
Aliás, vocês dois — encaro Will e Beckett — vão esperar no
apartamento dele. Eu e Lindley precisamos ter uma
conversinha sobre as regras do jogo.”
2

shane

O verão de Shane

Rio sozinho enquanto sigo a loira brava até o apartamento dela.


Assim que saímos do hall para o cômodo principal, preciso
piscar algumas vezes porque não é nem um pouco o que eu
esperava. A sala de estar contém móveis que não combinam
entre si e um tapete bordô que destoa do sofá de estampa
floral. É o tipo de sofá que você encontraria na casa de uma
avó morta quando fosse retirar as coisas dela. Ninguém na
família brigaria por ele, a não ser que fosse para discutir quem
o levaria para doação.
“Este lugar passa uma energia de louca dos gatos”, comento.
“Miau”, algo se queixa na cozinha.
“Puta merda. Você tem mesmo um gato.” Meu queixo cai
quando uma gata de pelo rajado aparece detrás da ilha estreita
e me olha como se eu tivesse matado seus filhotes.
A expressão de Diana é idêntica à da gata.
“Essa é a Lucy. Ela gosta de fugir quando nossa vizinha de
baixo está atendendo algum dos pacientes dela.”
“E aí?”, digo para a gata, cumprimentando-a com a cabeça.
“Nem adianta. Ela é um demônio vindo das profundezas do
inferno”, Diana diz no exato momento em que Lucy vem e se
esfrega na minha perna.
A gata solta um ronronado contente, enroscando o corpo
peludo entre minhas canelas.
Diana volta o olhar furioso para nós.
“Por que não estou surpresa de vocês se darem bem?”
Lucy se senta aos meus pés, ainda ronronando.
“Ela tem bom gosto pra gente”, digo, enquanto continuo a
examinar o ambiente bizarro.
Há um armário antigo cheio de louças completamente
deslocadas em comparação com a estante supermoderna ao
lado. E aquilo é…
“Ai, meu Deus. Você tem um peixe? Quem tem um peixe de
estimação? Você não tem amor-próprio, Dixon?”
Seus olhos verde-esmeralda lançam bolas de fogo contra
mim. Quase consigo sentir o calor.
“Deixa meu peixe fora disso. Ele não é perfeito, mas é meu.”
Seguro o riso. Não deixo de notar que ela ainda está sem
nada além de uma toalha. E… bom, não vou mentir… ela é gata
pra caralho. Diana é linda, com olhos grandes, o cabelo loiro
platinado e a boca atrevida. É um pouco mais baixa do que eu
costumo gostar, cerca de um metro e meio, quase um e
sessenta se formos generosos. Uma baixinha gostosa com uma
grande personalidade. Embora uma parte importante dessa
personalidade envolva pegar no pé deste que vos fala.
“Vou me trocar, mas a gente precisa conversar, então não sai
daí.”
“Posso te ajudar a se vestir”, ofereço com inocência.
“Eca. Jamais.”
Seguro o riso. Eu e Diana temos uma relação de amor e ódio.
Ou seja, ela me odeia e eu amo encher o saco dela.
Quando ela sai andando, admiro a maneira como a toalha
sobe pela parte de trás de suas coxas torneadas. Juro que
entrevejo a curva inferior da bunda. Sua pele clara ostenta um
forte bronzeado de verão, o que me diz que ela deve estar
aproveitando bem a piscina lá fora. Porra, eu tenho uma piscina
agora. Este lugar é muito irado.
Nem ligo se meus amigos e companheiros de equipe ficam
me enchendo o saco pelo fato de o meu “pai podre de rico” ter
comprado um apartamento para mim. Sim, minha família tem
grana, mas não sou um filhinho de papai metido a besta. Não
pedi um apartamento. Para o meu pai, é um investimento:
p p p
depois que eu me formar na Universidade Briar e me mudar
para Chicago para jogar na nhl, ele vai alugar o apartamento,
como faz com suas muitas outras propriedades em Vermont e
ao norte de Massachusetts.
Até lá, posso aproveitar meu próprio espaço depois de dividir
a casa com Ryder e Beckett nos últimos três anos. Dois deles
foram passados em Eastwood, nossa faculdade anterior. Depois
que os times de hóquei masculino de Eastwood e Briar se
fundiram, nós nos mudamos para Hastings, a cidadezinha mais
próxima do campus da Briar.
Diana volta com um shortinho rasgado e uma camiseta larga.
Ela não está usando sutiã, e meus olhos descem
involuntariamente na direção das pontas enrijecidas de seus
mamilos, que marcam o tecido fino.
“Para de olhar para os meus peitos.”
Não nego que era isso que estava fazendo. Encolhendo os
ombros, desvio o olhar e aponto com a mão para o loft.
“Apesar do design de interiores terrível, o lugar é bem legal.
Parece um pouco maior do que o meu também. Quanto você
paga de aluguel?”
“Não pago. E não vou dizer quanto é minha hipoteca.
Enxerido.”
Minhas sobrancelhas se erguem.
“É seu? Que foda!”
Ela hesita, como se não quisesse interagir comigo, depois diz:
“Minha tia deixou pra mim de herança. Ela só morou aqui
por um ano antes de morrer.”
Olho ao redor. Não quero perguntar, mas…
“Ai, meu Deus, ela não morreu nesta sala. Sofreu um ataque
cardíaco no escritório dela em Boston.”
“Putz. Que merda. Meus pêsames.”
“Enfim. Vamos resolver isso de uma vez. As regras.” Diana
cruza os braços. “Só porque você está em Meadow Hill agora
não significa que você pode se achar o dono do lugar.”
“Acho que é exatamente isso que significa.” Achando graça,
imito sua postura cruzando os braços. “Eu moro aqui.”
p ç q
“Não, você mora lá.” Ela aponta para a parede atrás de si para
indicar meu apartamento do outro lado do corredor. “Não
aqui”, diz, acenando para sua sala de estar. “Então não saia por
aí oferecendo festas na minha casa.”
“Não ofereci. Só dei uma sugestão.”
Ela me ignora.
“Porque não vou organizar festa nenhuma com você. Este é o
meu santuário. Não sei o que Gigi te contou sobre mim…”
“Ela disse que você é um pé no saco.”
“Até parece!” Diana exclama. “Ela não disse isso.”
“E disse que você é ranzinza.”
“Ela também não disse isso.”
“Na verdade, essa parte ela disse sim.”
Seus olhos se estreitam, e sei que ela vai mandar mensagem
para Gigi depois para confirmar. A esposa do meu melhor
amigo — nossa, ainda é meio estranho falar isso — me avisou
para ficar longe de Diana, me aconselhando a deixar sua
melhor amiga em paz se eu não quisesse receber broncas
diárias. Mas não é da minha natureza. Algumas pessoas podem
fugir do atrito. Outras podem até perder o sono por saberem
que alguém não gosta delas, e eu sei muito bem que Diana não
gosta de mim. Mas não sou avesso a confrontos e, por algum
motivo, a antipatia dela só me faz querer torrar ainda mais a
sua paciência. É a criancinha dentro de mim. Todos os homens
regridem aos tempos de jardim de infância de vez em quando.
“Você está escutando?”, ela resmunga.
Ergo a cabeça. Ah, ela ainda está dando sermão. Viajei.
“Sim. Nada de festas no seu apartamento.”
“E nada de festas na piscina.”
Ergo uma sobrancelha.
“Agora você está falando pelo prédio todo?”
“Não. O prédio está falando pelo prédio. Você não leu as
regras do condomínio?”
“Gatinha, acabei de chegar.”
“Não me chama de gatinha.”
“Nem cheguei até a minha porta antes de você me arrastar
para cá.”
“Bom, lê sua cartilha da associação de moradores. Levamos
essas coisas muito a sério, beleza? A associação se encontra
duas vezes por mês no domingo de manhã.”
“É, eu é que não vou.”
“Sei que não. E, para ser sincera, não quero você lá. Certo…”
Ela bate palmas como se liderasse um de seus treinos de
cheerleaders. Diana é a capitã das líderes de torcida da Briar.
“Vamos resumir as regras. Pega leve nas festas. Limpa os
equipamentos depois que usar a academia. Não transa na
piscina.”
“Boquete na piscina pode?”
“Olha, não dou a mínima em quem você quer fazer um
boquete, Lindley. Só não na piscina.”
Sorrio para ela.
“Eu estava falando de receber.”
“Ah é?” Diana sorri com inocência. “Acho que o mais
importante é você lembrar que não somos amigos.”
“Amantes, então?” Pisco para ela.
“Não somos nem amigos nem amantes. Somos vizinhos de
andar. Residentes pacatos e respeitosos do edifício Bétula-
Vermelha do Meadow Hill. Não incomodamos um ao outro…”
“Você meio que está me incomodando agora.”
“… não causamos problemas e, de preferência, não
conversamos.”
“Isso não conta como conversa?”
“Não. Esta é a conversa que leva à inexistência de futuras
conversas. Concluindo: não somos amigos. Nada de aprontar.
Ah, e deixa as minhas companheiras de equipe em paz.”
Ah, então aí é que tá. Ela ainda está irritada porque fiquei
com algumas líderes de torcida no semestre passado. Parece
que uma delas, Audrey, se apaixonou e ficou tão distraída que
caiu da pirâmide e torceu o tornozelo. Mas por que isso é culpa
minha? Quando estou no gelo, consigo expulsar tudo e me
concentrar só no hóquei. Eliminar todas as distrações e me
q ç
sobressair no meu esporte. Se Audrey não conseguia esquecer
um cara com quem ficou uma vez, problema dela.
“Certo”, digo, impaciente. “Tem mais alguma regra Dixon ou
posso me retirar? Meus móveis não vão se arrumar sozinhos.”
“Só isso. Embora, na verdade, só tem uma regra Dixon que
importa: não é permitido Shane.”
“Permitido onde?”
“Em lugar nenhum. Muito menos perto de mim.” Diana
sorri de novo, mas sem nenhum traço de humor. “Certo,
acabamos por aqui.” Ela aponta para a entrada. “Pode ir.”
“É assim que vai ser, então?”
“Sim, eu literalmente acabei de dizer que seria assim. Feliz
chá de casa nova, Lindley.”
Saio do apartamento dela de cabeça baixa e vou para o meu,
onde Will e Beckett estão sofrendo para montar meu novo sofá
em L. Will está usando uma faca para rasgar o plástico em que
as almofadas grandes vieram, enquanto Beckett está agachado
sobre o assoalho de madeira, tentando entender como encaixar
a base principal na espreguiçadeira. Escolhi um cinza-escuro
porque é mais fácil de limpar. Não que eu vá ter a chance:
minha mãe insiste em mandar uma faxineira para minha casa
a cada duas semanas. Ela fazia o mesmo quando eu dividia um
sobrado com os caras. Segundo ela, minha capacidade de
limpeza sempre vai estar abaixo da média. Eu discordo. Acho
que consigo chegar pelo menos no razoável. Sonho alto no
mundo da limpeza.
“Desculpa por isso”, digo para eles. “A Dixon precisava me
esculachar por um tempo. É como ela demonstra seu amor por
mim.”
Will ri.
Beckett ergue os olhos com um sorriso.
“É, sinto muito, parceiro, mas está aí uma gata que você não
vai conseguir conquistar com essas covinhas.”
Ele deve estar certo.
“Cara, ela não curte você nem um pouco”, Will acrescenta,
colocando o último prego no caixão. “Jantei com ela e a Gigi na
p g J g
semana passada e, quando seu nome surgiu, a Diana revirou
tanto os olhos que parecia que eles sairiam rolando do rosto
dela.”
“Ah, valeu. Saber disso faz com que eu me sinta tão bem
comigo mesmo.”
“Uhum, tenho certeza de que seu ego enorme sofreu um
grande golpe.”
Ajudo Will com as almofadas e nós três arrastamos o sofá até
um lugar novo depois de Beck argumentar que não pode ficar
embaixo da janela porque vai ficar frio demais no inverno.
Posicionamos o L de frente para a parede de tijolos vermelhos
do lado oposto da sala de estar. Dou um passo para trás para
examinar a disposição. Está perfeito.
“Melhor montar a tv ali”, digo, apontando para os tijolos.
“Dá para parafusar nisso?”
“Dá sim”, Beckett responde, estudando a parede. Ele afasta
alguns fios bagunçados de cabelo loiro do rosto. “Larsen, pega
a furadeira?”
“Olha só você”, brinco. “Todo habilidoso.”
Beckett pisca.
“Você está mesmo surpreso em saber que sou bom com as
mãos?”
Bem observado.
Depois que ajeitamos o sofá e a tv, seguimos para o quarto
para montar a cama. É queen size, embora talvez coubesse uma
king aqui. Will desempacota as ferramentas. Beckett e eu
organizamos as várias peças de madeira elegante de cerejeira
escura. Enquanto trabalhamos, Beck fala sobre tudo o que
planeja fazer quando chegar em casa nas férias de verão.
Tecnicamente falando, sua casa é em Indianápolis, que é para
onde sua família se mudou quando Beckett tinha dez anos, mas
ele nasceu e foi criado na Austrália. Ele vai viajar para Sydney
no domingo.
“O chato é que nenhum de vocês vai”, ele diz, emburrado.
“Entendo por que o Ryder não possa. Mas sério? Nenhum de
vocês podia dar uma escapada?”
p p
Encolho os ombros.
“Pois é, foi mal. Não posso tacar o foda-se e ir para a
Austrália. O verão é a única época em que consigo ficar com a
minha família.” É verdade. Pelo resto do ano, fico megafocado
no hóquei e, em menor grau, nos trabalhos acadêmicos
necessários para continuar jogando.
“Tô ligado”, Beckett responde. “Família é importante.” Sei
que ele é próximo dos pais e dos primos na Austrália. Por ser
filho único, eles são a coisa mais perto de irmãos que ele tem.
“Estou surpreso que você não vai”, digo, olhando de esguelha
para Will.
Ele encolhe os ombros.
“Vou trabalhar nesse verão. Quero fazer um mochilão pela
Europa depois que me formar. Passar uns seis meses, talvez um
ano por lá.”
“Da hora. Parece irado.”
Beckett ri de mim.
“Disse o cara que não faria um mochilão nem morto.”
“Não é verdade. Eu super faria.”
“Jura?” Beck diz, desconfiado.
“Claro. Eu usaria uma mochila enquanto exploramos alguma
parte maneira da cidade e depois tiraria quando voltasse para o
meu hotel cinco estrelas.”
“Burguesinho.”
Sorrio. Na real, não vejo mal nenhum em passar perrengue.
Acampar é demais. E mochilar pela Europa parece incrível.
Mas por que viajar com um orçamento baixo se você não tem
um orçamento baixo?
“Você está trampando com paisagismo ou algo do tipo, né?”,
pergunto a Will.
“Empresa de piscina.”
Meu queixo cai.
“Você é um limpador de piscina?”
Enquanto Will faz que sim, Beckett solta um suspiro alto.
Olho para ele, rindo.
“Quer acrescentar alguma coisa?”
g
“Só… não cria expectativa. Você descobre que seu amigo é
limpador de piscina e cria toda uma narrativa na sua cabeça e
aí, bam, ele estoura sua bolha e seus sonhos saem flutuando
como espumas ao vento.”
“Essa foi uma metáfora muito estranha para dizer que não
transo com as clientes.” Will revira os olhos e reitera o
argumento para mim. “Eu não transo com as clientes.”
“Por que não?” Estou imaginando uma tiazona gostosa de
biquíni minúsculo vindo entregar copos de limonada para Will
e, então, opa, a parte de cima do meu biquíni caiu. Bora transar?
“Primeiro, porque eu seria demitido.” Seu tom é seco.
“Justo. Mas o que é a vida sem o risco de ser demitido?”
“Falou o filhinho de papai.”
“Seu pai não é deputado? Acho que você deve ser mais rico
que eu. Ou seja, a última pessoa que precisa passar o verão
trabalhando como limpador de piscina.”
“Até parece. Não quero dever nada para o meu pai. Prefiro
me virar sozinho.”
Acho admirável. Dito isso, eu é que não vou reclamar por
meus pais ainda estarem me ajudando. Tenho vinte e um anos
e sou desempregado, graças a Deus. É o verão antes do último
ano da faculdade e quero aproveitar cada segundo. Meu plano é
me concentrar em força e condicionamento antes da próxima
temporada de hóquei. Malhar todas as manhãs. Tentar
incorporar natação em meu treino de cárdio. Também sou
membro de um clube de golfe na vizinhança, então vou estar
no gramado pelo menos algumas vezes por semana.
Que o Verão de Shane comece.
Depois que eu e os meninos terminamos de montar a cama e
limpamos tudo, Beck e Will perguntam se quero jantar com
eles na cidade, mas recuso. Quero desencaixotar e organizar
minhas coisas.
Vou pagá-los pelos serviços de hoje com cerveja e uma festa
no sábado à noite, da qual Beckett me lembra quando os levo
até o hall de entrada.
“Não esquece da minha festa de despedida”, ele diz.
q p
“Sim, claro, a festa de despedida que você vai dar para si
mesmo.”
“E daí?”
“E daí que não faz sentido nenhum. Mas estou ansioso para
estrear a piscina, então acho que uma festinha para o meu
amigo bobão que vai sair de férias não é o pior dos motivos.”
Ele ri baixo.
“O que sua vizinha nova disse sobre a festa?”
“A Dixon? Ah, ela está ansiosa. Mal pode esperar.”
“Cuidado”, Will avisa. “A Diana sabe ser terrível. E ela não
tem medo de jogar sujo.”
“E isso lá me intimida?”, pergunto com um sorriso. “Quanto
mais sujo, melhor.”
Depois que meus amigos saem, vou até a ilha da cozinha
para examinar todos os documentos que minha mãe deixou
em cima da bancada. Meus pais estavam aqui ontem fazendo
algumas das preparações finais antes da minha mudança. O
que significa que minha mãe estocou a geladeira e cuidou para
que toda a papelada importante estivesse num só lugar,
enquanto meu pai acertava as contas com o empreiteiro.
Eu me sento num banco alto de couro preto e suspiro
enquanto folheio a pilha grande de papéis. As informações são
tão chatas quanto imaginei.
Viro as páginas até uma chamar minha atenção. É um mapa
ilustrado do terreno de Meadow Hill, e me apoio sobre os
antebraços para estudá-lo. Por que é em todos os prédios têm
nomes de árvore? O meu é o Bétula-Vermelha. O do lado é o
Pinheiro-Branco. Freixo-Americano, Salgueiro-Chorão, Bordo-
Açucareiro. O prédio principal chama Sicômoro, que é onde
ficam nossas caixas de correio. Também oferece um segurança
vinte e quatro horas na portaria. Isso é bom.
Coloco o mapa de lado e tento ler a página seguinte, mas fico
entediado. Como Diana disse, a associação de moradores se
encontra a cada duas semanas, e estou convidado a participar.
Mas que tipo de associação precisa se reunir com tanta
frequência? E de domingo? É, nem morto que eu participaria
q g q p p
de uma reunião de condomínio chatinha em que donas de casa
de classe média e seus maridos sem vida sexual discutem sobre
as regras de uso da piscina e quando podem ligar seus
cortadores de grama. Nunca vou ser tão mundano.
As regras de barulho não fazem o menor sentido. Dizem que
é proibido ruído depois das nove da noite nos dias de semana,
exceto sexta, quando é até às onze. É proibido também depois
da meia-noite nos fins de semana, exceto no domingo, quando
o limite é até às dez. Então, basicamente, sexta não conta como
fim de semana e domingo também não, e a única noite em que
você pode se divertir é sábado. Tá bom, então.
Chego mais ou menos à metade da pilha antes de desistir.
Depois termino de ler o restante. Meu cérebro não está
preparado para tanto tédio.
Vou para meu quarto novo. Minha maneira de encaixotar as
coisas no sobrado antigo foi muito utilitária. Para o desespero
de minha mãe, enfiei a maioria das roupas e lençóis em sacos
de lixo. Não é bonito, mas é eficiente. Reviro o saco de roupas
de cama e encontro um jogo de lençóis novo. Outro saco de
lixo abriga um edredom e uma capa. Depois que faço a cama,
eu me sento ao pé dela, tiro o celular do bolso e disco o
número da minha mãe.
“Oi!”, ela atende alegremente. “Está tudo pronto?”
“Sim, os caras acabaram de sair. Sofá, tv e cama estão
montados.”
“Que bom. E o condomínio em geral? Gostou? Está feliz com
as cores de tinta que escolhemos para a cozinha? E o
porcelanato? Achei o azulejo branco mais elegante.”
“Está tudo ótimo”, garanto. “Sério. Obrigado de novo por
tudo o que você fez. Eu não teria como decorar melhor.”
Minha mãe escolheu tudo: as cores de tinta, os quadros para
as paredes. As coisas aleatórias em que eu provavelmente não
teria nem pensado, como escorredores de pratos e cabides.
“Claro”, ela diz. “Tudo pelo meu filho. Você já… Maryanne!
Não! Me dá esse bicarbonato de sódio!” Sua voz fica abafada
enquanto ela repreende minha irmãzinha. Ela volta, e a escuto
q p
com clareza de novo. “Desculpa. Sua irmã está me deixando
maluca. Ela está tentando construir um foguete de garrafa PET
modificado.”
“Desculpa, quê?”
“Eles aprenderam a fazer foguetes de garrafa no
acampamento na semana passada e ela encontrou um jeito de
modificar para deixá-lo mais potente.” Minha mãe murmura
um palavrão. “É isso que dá mandar a menina para o
acampamento espacial.”
“Pensei que ela estivesse fazendo o acampamento de
geologia.”
“Não, esse é em agosto.”
Só minha irmã para frequentar não um, mas dois
acampamentos de ciências num único verão. Por sorte, isso
não a torna uma nerd porque juro que ela é a menina de dez
anos mais descolada que já conheci na vida. Maryanne é
demais. Meus pais também, aliás. Sempre fomos muito
próximos.
“Enfim, o que mais eu queria te perguntar?”, ela diz,
pensativa. “Ah, sim. Os três outros apartamentos do Bétula-
Vermelha. E seus vizinhos? Conheceu algum deles?”
“Só uma. Ela estava peladona na frente do apartamento
quando chegamos aqui.”
“Como assim? Você está brincando?” Minha mãe questiona
em choque.
“Não. Ela estava correndo atrás de um gato e derrubou a
toalha. Melhor acidente que já presenciei.”
“Não seja indecente, Shane.”
Rio comigo mesmo.
“Desculpa. Enfim, não se preocupa. Ela me odeia, então está
tudo certo.”
“Como assim? Não está nada certo. Por que ela não gosta de
você?”
“Ah, eu a conheço da Briar… ela é amiga de uma amiga. Está
tudo bem. Não a considero uma vizinha de verdade. Tenho
certeza de que os outros são bem legais e nada antipáticos.”
q g p
Conversamos mais um pouco, e faço planos de ir para
Vermont no fim da semana para passar alguns dias. Depois que
encerro a ligação, penso em quem mais pode estar na cidade
essa semana. Se algum antigo amigo de escola está passando o
verão por lá e…
É isso que estamos fazendo agora?, uma voz zomba na minha
cabeça. Mentindo para nós mesmos?
Ah, merda. Beleza. Fico pensando se Lynsey vai estar lá. E sei
que não deveria pensar nisso. Nem ligar. Porque terminamos
há pouco mais de um ano, e é tempo pra caralho para ainda
pensar em alguém.
Felizmente, meu celular vibra com uma mensagem antes
que eu possa remoer como sou ridículo por ainda estar
obcecado pela minha ex-namorada.
CRYSTAL
Já terminou a mudança?

Topei com ela na cidade hoje quando eu e os caras pegamos


café na Starbucks antes de virmos para cá. Ela é gata. Cabelo
castanho brilhante. Sorriso grande. Peitos ainda maiores.
Trocamos telefone enquanto estávamos na fila, para a diversão
de Beckett e Will.
Como preciso redirecionar o cérebro o mais rápido possível,
começo imediatamente a escrever uma resposta para Crystal. A
última coisa que quero fazer hoje é ficar aqui obcecado pela
minha ex. Sou melhor do que isso. E mais safado.
Está a fim de curtir?

CRYSTAL
Sim, posso passar aí. Meu acampamento de líderes
de torcida é só amanhã.

Acho que eu também deveria mencionar que Crystal é líder


de torcida na Briar. Pois é. Mais uma companheira de equipe
de Diana.
Olha só eu, quebrando todas as regras Dixon.
Vou te passar o endereço.
3

diana

Que vida é essa?

“Ai, meu Deus, vou fazer xixi nas calças. Sai! Sai, Diana! Sai da
minha frente!”
Gigi Graham atravessa minha porta e praticamente me joga
contra o armário da entrada. Combinamos de jantar hoje, mas,
em vez de me esperar na garagem em frente ao prédio
Sicômoro como planejado, ela usou a chave reserva para entrar
no saguão e apareceu à minha porta num pânico de xixi.
As sandálias batem no assoalho de madeira em sua corrida
maluca até o banheiro. Ela está com pressa demais para fechar
a porta e, segundos depois, ouço o xixi acertando a porcelana.
“Cadê a educação?” grito.
“Me abandonou depois do terceiro café gelado. Cometi o erro
de tomar outro antes de sair de Boston para buscar você.”
“Café gelado, hein? Tem certeza que não está… sabe…”
“O quê?”
“Grávida, Gigi”.
Há outro barulho estrangulado.
“Quê! Nossa, não! Não é porque me casei que estou pronta
para um filho. Bebi café demais no carro e não estava a fim de
parar. Confia em mim, você seria a primeira pessoa para quem
eu ligaria se estivesse grávida. Porque eu estaria surtando.”
Ela dá descarga. Eu a ouço lavando as mãos e ela volta para a
cozinha, muito mais relaxada.
Seu olhar se detém na mesa de centro.
— Você adotou um gato?
Graças ao caos de Shane se mudando para o apartamento ao
lado, esqueci de Lucy. Ela está encolhida embaixo da mesa, o
rabo balançando em agitação. Mandei mensagem para Priya
que a levaria de volta quando saísse para jantar.
Quando Lucy encontra meu olhar, dá um miado choroso.
“Ah, você está irritada comigo? Sério? Sou pega no flagra,
completamente pelada na frente do cafajeste do meu vizinho
porque você decidiu me jogar no chão e eu que sou a vilã?”
Viro para Gigi, respondendo à sua pergunta. “Ela é a gata da
minha vizinha e é um demônio. Precisamos deixá-la no andar
de baixo na saída.”
“Espera, você está falando do Shane?” Gigi cai na gargalhada.
“Shane viu você pelada?”
“Caí quando Lucy saiu correndo e a toalha escapou bem
quando Shane estava subindo a escada. Argh”, resmungo.
“Odeio dar vantagem para Lindley. Me ver pelada é uma
supermunição de vantagem.” Ergo os olhos com irritação. “Por
que minha vida é assim?”
“Você está falando com o teto?”
“Não estou falando com o teto. Estou falando com o
universo.”
“Por que o universo está lá em cima? Ele está ao nosso
redor.”
“Certo, estou falando com os deuses, então. Todos os
cinquenta.”
“Você é muito estranha.” Ela se afasta do balcão. “Tá, vamos
sair?”
Para mim o ruído de suas sandálias no azulejo da cozinha
não faz mais barulho do que uma caneta caindo, mas, para o
meu vizinho Niall, nossos passos devem ser uma avalanche de
panelas e frigideiras caindo do teto.
“Silêncio!” Ouço sua voz abafada gritar lá de baixo.
“E repito: por que minha vida é assim?” Dou uma pisada
rápida no chão. “Se não gosta de caminhada normal, Niall”,
grito, “vai odiar todas as danças que vou fazer amanhã!”
“Kenji vem, então?” Gigi diz, rindo.
j g
“Sim.”
Kenji é meu amigo de faculdade e, mais importante, meu
parceiro de dança. Este é o nosso terceiro ano como aspirantes
a campeões de dança de salão, e não estamos participando de
qualquer competição. Simplesmente o maior evento de dança
amadora do país, realizado anualmente em Boston.
Isso mesmo. Estou falando do Campeonato Nacional de
Dança de Salão Amadora Avançada.
Antes era cndsa, sem o último a, mas iniciantes demais o
estavam tratando como um mero evento divertido. Oras! Por
isso, agora somos amadores avançados, muito obrigada. O que
significa que não é qualquer João e Maria balançando um
cheque com o valor da inscrição que pode simplesmente pagar
para competir. Os guardiões da dança de salão não brincam em
serviço. Tanto que nem dá para se classificar para uma vaga no
cndsaa sem antes passar por uma fase preliminar. Todos os
concorrentes precisam mandar um vídeo de dois minutos com
uma coreografia da lista de danças aprovadas. Um painel de
três jurados analisa cada vídeo de inscrição e aprova quem
pode competir.
O que significa que estou treinando para algo que pode nem
virar uma competição. Mas eu e Kenji nos classificamos no ano
passado, então tenho grandes expectativas de que vamos
conseguir de novo.
“Você está sempre fazendo tantas coisas”, Gigi diz, admirada.
— Cheerleading, essa história de dança…”
“São duas coisas.”
“Sim, mas você está sempre se jogando de cabeça nessas
atividades paralelas. Seu cronograma de líder de torcida já é
frenético e você ainda adiciona a dança de salão e consegue se
dedicar a ela com a mesma atenção. Se eu tivesse que me
concentrar em outra coisa além do hóquei e dedicar o mesmo
nível de esforço, eu viraria um zumbi.” Ela balança a cabeça ao
se lembrar de outra coisa. “E você tem dois empregos! Como
assim? Você é super-humana?”
Encolho os ombros.
“A vida é curta demais para não fazer tudo que quero fazer.”
“A vida também é exaustiva.” Ela bufa. “Para todo mundo
menos para você, pelo visto.”
Realmente possuo uma quantidade assustadora de energia.
Isso eu admito.
Depois de pegar a bolsa da poltrona de estofado xadrez ao
lado do sofá, jogo a alça sobre o ombro e me ajoelho em frente
à mesa de centro.
“Vem, demônio. Hora de ir para a casa.”
Lucy tenta recuar, mas a pego no colo apesar de seu protesto
miado.
“Não”, ordeno. “Estou cansada da sua malcriação.”
Consigo segurar a gata malhada com firmeza enquanto
tranco a porta, e eu e Gigi descemos o lance de escadas para o
térreo. Lucy resmunga de irritação quando a passo para Priya.
“Obrigada por ficar com ela”, Priya diz, aliviada, com os
olhos escuros brilhando em gratidão. “Eu teria subido para
pegá-la antes, mas não podia deixar meu paciente sozinho no
apartamento.”
“Sem problema. Mas tenho certeza que Niall não gostou de
ouvir os miados dela pelas paredes enquanto ela perambulava
pelo prédio.”
O homem com a audição mais aguçada do planeta confirma.
“Foi insuportável!”, ouvimos a reclamação abafada atrás da
porta do 1B.
“Ah, supera, Niall!”, Priya grita em resposta.
Minha melhor amiga balança a cabeça para mim enquanto
saímos do saguão minúsculo para a ampla trilha na frente do
Bétula-Vermelha.
“Que foi?”, pergunto.
“Sabe, sua mãe talvez tenha razão sobre esse prédio. Mal dá
para entrar na sua própria cozinha sem levar uma bronca. É
ridículo.”
Depois que a herança da tia Jennifer foi resolvida, minha
mãe queria que eu vendesse o apartamento e pegasse o
dinheiro, como meu irmão mais novo fez com seu
apartamento em Boston. Mas eu e Thomas somos criaturas
muito diferentes. Apesar do que a maioria das pessoas pensa
quando me conhece, sou um pouco caseira. Adoro sair, claro,
mas também fico perfeitamente contente e, muitas vezes, até
prefiro ficar em casa.
Thomas, por outro lado, está sempre em movimento. Seu
sonho é trabalhar para uma organização internacional como a
Médicos sem Fronteiras depois da faculdade de medicina. Ele
se formou no ensino médio nesta primavera e, agora, está
tirando um ano sabático para explorar o mundo e ser
voluntário em diferentes instituições de caridade. O dinheiro
da venda do apartamento de tia Jennifer vai não só financiar
suas viagens mas também bancar sua mensalidade na
faculdade.
Consegui uma bolsa integral na Briar, o que significa que não
preciso pagar os estudos, e não tenho tanto interesse em
explorar o mundo. Por isso, não preciso tanto do dinheiro
líquido. Exceto, talvez, para pagar por um faz-tudo de verdade.
Mas eu nunca admitiria isso para minha mãe. Não quero dar à
ela a satisfação de saber que minha situação doméstica é nada
menos do que perfeita.
Ela sempre teve baixas expectativas em relação a mim. Mas
estou acostumada com isso. É claro que me incomoda, porém
não há nada que eu possa fazer para mudar a forma como ela
me enxerga. E, sinceramente, não guardo nenhum rancor da
minha mãe. Apenas não somos muito próximas. Depois que
meus pais se divorciaram quando eu tinha doze anos, escolhi
morar com meu pai porque ele é menos rígido. Minha mãe
tem uma lista de regras que preciso seguir até para lavar roupa.
Morar longe criou uma barreira em nossa relação que não dá
para derrubar. É uma distância que não conseguimos superar.
Também não ajuda o fato de ela me achar uma idiota. Sério.
Aos olhos da minha mãe, todos com um qi abaixo de 150 são
inferiores.
Eu e Gigi jantamos em uma hamburgueria em Hastings,
onde conversamos sobre nossos planos para o verão enquanto
p p q
esperamos pela comida.
“Sem chance de conseguir ir a Tahoe?” Ela não é capaz de
esconder sua decepção.
A família de Gigi passa todo mês de agosto no lago Tahoe,
mas este ano eles só vão passar duas semanas porque Gigi vai
se casar no fim do mês. Parece desnecessário, considerando
que ela e Ryder já se casaram no civil em abril. Mas os pais
dela — em particular, seu pai — pressionaram Gigi a fazer uma
cerimônia adequada.
“Não posso mesmo”, lamento. “Preciso trabalhar.”
É quase impossível encontrar um emprego em Hastings,
ainda mais durante o ano letivo. Todos que querem um
trabalho fixo normalmente precisam fazer o trajeto de uma
hora até Boston, que leva ainda mais tempo se, como eu, você
não tiver um carro. Quando arranjei esse trabalho de garçonete
na lanchonete da cidade, não pensei duas vezes. É um sacrifício
necessário: trabalho na Della’s durante o verão e garanto um
emprego para o outono. Também vou treinar um
acampamento de jovens líderes de torcida em julho e agosto,
então, de um jeito ou de outro, eu não poderia viajar para
Tahoe.
“Vou ter alguns fins de semanas livres e muitas noites
durante a semana”, digo à Gigi. “Então, com certeza vou
conseguir te visitar em Boston ou ajudar com as coisas do
casamento. Participar das provas de vestido e tudo mais.”
“Ah, não se preocupa. Minha tia Summer está cuidando
disso.” Ela suspira. “Então, pode esperar pelo menos dois e-
mails por dia.”
Ela não sabe nem a metade. Já começamos. Estou planejando
a despedida de solteira de Gigi com a outra madrinha, Mya, sua
ex-colega de apartamento. E a tia Summer já está em cima de
nós. Ela insiste em estar envolvida, mesmo nem sendo a festa
de casamento. A mulher é um tornado caótico em roupas de
grife.
“Não acredito que não vou ter um acompanhante para o seu
casamento”, lembro.
“Você pode ir com Shane.”
Rio tão alto que o casal na mesa ao lado olha.
“Entendi. Nada de Shane.” Ela parece um pouco
desconfortável agora. “Eu sugeriria convidar Percy, já que você
insiste em continuar amiga dele, mas, para ser sincera, prefiro
que ele não vá. Também prefiro que você esqueça essa ideia de
amizade.”
“Não precisa se preocupar. Eu só estava sendo gentil quando
falei isso para ele.” Hesito. “E já estou me arrependendo. Ele
me mandou mensagem hoje me chamando para sair.”
“Espero que você tenha dito não.”
“Nem respondi.”
“Que bom. Não responda.”
Entreabro um sorriso.
“Você não gosta mesmo dele, hein?”
“Não. Ele era meio escroto”, ela admite, e não é a primeira
vez que ela diz isso.
Durante meu relacionamento de seis meses com Percy
sempre discutimos e rediscutimos as opiniões de Gigi sobre
ele. Seu maior problema era com a nossa diferença de idade,
embora, para ser sincera, isso fosse parte do charme dele e um
dos grandes motivos por que insisti tanto tempo quando ficou
óbvio depois de apenas alguns meses que éramos
incompatíveis.
Percy tem vinte e seis e, embora cinco anos não sejam um
grande abismo na vida como um todo, fazem diferença na casa
dos vinte. Muitos homens que conheço que têm entre vinte e
vinte e um anos parecem garotinhos comparados aos que
conheci de vinte e cinco em diante.
A maturidade de Percy foi o que me atraiu nele. Não posso
negar que era empolgante estar com alguém mais velho. Ele
era confiante, tão firme em suas opiniões, em seus objetivos.
Era doce e atencioso. Me tratava como uma companheira
valiosa, e não uma boneca inflável como tantos homens que
tive o desprazer de conhecer. Ele era um perfeito cavalheiro.
Por um tempo.
p
Quando comecei a conhecê-lo melhor, descobri que ele não
é confiante, mas sim um pouco sensível. Tinha opiniões fortes,
claro, mas de maneira condescendente. E aquele homem doce
e atencioso tinha o hábito de ficar emburrado quando não
conseguia o que queria.
“Ele foi tão possessivo quando saímos juntos naquela vez”,
Gigi me lembra. Ela faz uma careta. “Ah, e ele dizia ‘eu te amo’
durante o sexo. Tão cafona.”
Não discordo. Percy podia ser… intenso quando
compartilhava seus sentimentos. Na primeira vez em que
soltou um “eu te amo” foi no meio do orgasmo. Eu não
correspondi, e deu para ver que pelo brilho descontente em
seus olhos que isso ele não amou. Falei brincando que os “eu te
amo” durante o sexo não podem ser levados a sério por causa
de toda a endorfina. Então, algumas semanas depois, ele me
levou para jantar e, durante a sobremesa em que insistiu que
usássemos um só garfo, disse para valer dessa vez.
De novo, eu não retornei.
Eu demoro para me envolver. Só disse “eu te amo” para um
namorado, e isso foi depois de seis meses juntos. Mas, quando
Percy e eu fizemos seis meses e ainda não sentia nada mais
profundo do que “até que gosto dele”, foi um sinal claro de
que não era para ser.
Isso, e a taça que ele jogou na parede.
Pois é.
Nunca contei isso para Gigi. Não queria dar mais munição
para ela não gostar do meu namorado. Mas, depois de uma
discussão com o irmão mais velho, Percy arremessou uma taça
de vinho cheia na parede da sala, enquanto eu estava sentada
no sofá atônita e em silêncio, observando os cacos de vidro
estourarem e as gotas vermelhas ensoparem o tapete.
Não vou mentir: perdi o tesão depois disso. Sei que algumas
pessoas precisam de uma válvula de escape para sua fúria.
Ouvi falar até de “salas da raiva” em que as pessoas pagam
dinheiro de verdade para quebrar televisões e vasos velhos
com tacos de beisebol. E, embora eu também tenha um gênio
g
forte, nunca quebrei nada por ódio. Ver Percy perder a
paciência daquela forma por causa de uma briga besta sobre o
irmão faltar ao Dia de Ação de Graças tinha me feito perder o
interesse. Terminei com ele três dias depois.
As orelhas do meu ex devem estar ardendo porque ele
escolhe esse momento para me mandar outra mensagem. Vish,
ele está mandando mensagem em cima de mensagem.
Eu sei que deveria responder, mas não sei como agir perto
dele. Toda vez que cedo um centímetro, ele tenta me
reconquistar.
“Caramba, ele quer mesmo vir hoje”, digo, olhando para o
celular.
“Ele que se foda.”
Sorrio e dou a última mordida no hambúrguer. Depois do
jantar, damos uma volta pela rua principal, entrando em
algumas lojas para olhar bugigangas artesanais e roupas
exclusivas e, depois, Gigi me leva para casa. Ela precisa voltar
para Boston ainda hoje; está hospedada com os pais até ela e
Ryder se mudarem para seu próprio apartamento em
setembro.
“Queria que você passasse o verão nos dormitórios para não
ter que dirigir por mais de uma hora para sair comigo”, me
lamento.
“Para ser sincera, mal vou estar por aqui nos próximos
meses. Tenho o casamento para planejar. Depois, Arizona na
semana que vem, então Ryder está mega estressado. Depois,
Tahoe com a família, Itália com o maridão e o casamento em
si.”
Assobio.
“Nossa. Viajante do mundo aqui. E vê se para de fazer as
coisas ao contrário? Casamento no civil, lua de mel italiana e
depois a cerimônia? Que vida é essa?”
Ela ri.
Não comento sobre a viagem ao Arizona porque é um
assunto delicado. Eles vão lá para a audiência de liberdade
condicional do pai de Ryder. É trágico, na verdade. Quando
p y g
Ryder era pequeno, o pai matou a mãe dele. Agora, ele aceitou
um acordo e vai pedir liberdade condicional depois de apenas
quinze anos, mas os promotores acham que as chances dele
sair são mínimas. Mesmo assim, entendo por que isso seria
estressante para o marido de Gigi.
Ela diminui a velocidade na placa branca enorme que diz
meadow hill e segue pela entrada circular na frente do prédio
Sicômoro.
Gigi estaciona o carro.
“Vejo você no fim de semana?” Combinamos de jantar de
novo.
“Com certeza. E, se conseguir dar uma escapadinha da
família antes, me avisa. Vem para nadar. Pode ser que você
tenha que assistir um ensaio de dança dependendo do dia, mas
Kenji e eu só praticamos por uma hora mais ou menos.”
“Vou te avisar. Te amo.”
“Te amo.”
Dou um abraço de lado nela e saio da suv, pendurando a
bolsa no ombro. Gigi se afasta bem quando outro veículo para.
Sou curiosa por natureza — tá, fofoqueira — então espio a
tempo de ver um rosto conhecido surgir do banco de trás.
Estreito os olhos. É Crystal Haller, uma das minhas colegas
da equipe de cheerleaders.
Ah, não.
Aquele filho da puta. Por quê!?! Acabamos de conversar sobre
isso.
“Diana, oi!”, Crystal se aproxima com um sorriso
constrangido.
Não somos próximas. Como capitã do time, eu me esforço
para tentar criar laços com todos os membros da equipe, mas
não dá para virar melhor amiga de dezenas de pessoas com
personalidades diferentes. Nunca rolou muita afinidade entre
nós. Ela é um pouco esnobe, para ser sincera. Somos
conselheiras no acampamento de líderes de torcida neste
verão, e ela fez vários comentários desde o início sobre como
não precisa realmente do dinheiro, mas que é bom ter uns
“trocadinhos”.
Para mim, não são apenas “trocadinhos”. É o que paga minha
hipoteca.
Chegamos perto das portas principais do Sicômoro, parando
na entrada.
“Esqueci que você morava aqui”, Crystal diz. “Estou aqui
para ver…”
“É, eu sei. Lindley.”
Ela leva um susto.
“Como você sabia?”
“Ele é meu novo vizinho. Imaginei que era só questão de
tempo até começar o rodízio de mulheres.”
Isso me faz franzir a testa.
“Desculpa”, eu me interrompo. “Não quis dizer nesse
sentido.” Faço uma pausa. “Na verdade. Quis sim. Você sabe
que ele é um galinha, né?”
Ela revira os olhos.
“Sim, Di. Sei bem que ele é um galinha.”
Relaxo quando ela usa meu apelido. Significa que não deve
ter ficado tão brava com meu comentário sobre o rodízio de
mulheres.
“Tá, que bom. Só, sabe, reduz as expectativas. Audrey torceu
o tornozelo por causa desse cara.”
“Isso é injusto. Não foi ele quem torceu o tornozelo dela.”
“Não”, admito a contragosto, “não pessoalmente. Mas ela caiu
porque estava distraída pensando se ele ligaria ou não. E
adivinha: ele não ligou.” Aperto os lábios. “Tá, ele ligou. Mas foi
para dizer que não ligaria mais.” Dirijo um olhar firme para
Crystal. “Ele é um homem muito perigoso.”
“Está tudo bem”, ela responde, claramente achando graça.
“Não precisa se preocupar comigo. Já sou grandinha.”
“Eu avisei”, digo enquanto uso minha chave eletrônica para
liberar a entrada. Ela segue atrás de mim até o saguão bem
iluminado.
“Boa noite, Diana.”
Richard, o guarda que trabalha no turno da noite, me
cumprimenta com um sorriso. Ele está na casa dos cinquenta,
com a pele pálida que sempre mantém um tom avermelhado
como se estivesse eternamente queimado de sol.
“Oi, Richard.” Me aproximo do balcão. “Essa é a Crystal. Ela
está aqui para ver Shane Lindley. Bétula-Vermelha,
apartamento 2B.”
Ele acena e anota no caderno.
“Vem”, digo para ela. “É por aqui.”
Atravessamos as portas duplas nos fundos e saímos para a
trilha pavimentada sinuosa. O Bétula-Vermelha é o terceiro
prédio depois do Sicômoro. Passamos pelo Cerejeira e pelo
Pinheiro-Branco antes de eu guiá-la para nosso próprio
pequeno saguão.
“Chegamos”, digo, seguindo para a escada.
“Ah, você não estava brincando. Vocês são vizinhos mesmo.”
“Argh. Pois é.”
“Não parece muito animada.”
“Não gosto de jogadores de hóquei”, murmuro.
Bom, não é verdade. Minha melhor amiga é jogadora de
hóquei.
O marido dela também, e dele eu gosto.
E gosto de Beckett.
E de Will.
Hum. Acho que o único de quem não gosto é Shane. Todo
dia a gente aprende coisas novas.
Chegamos ao topo da escada. Vou na direção da minha porta,
que exibe uma plaquinha prata que diz 2A. Guiando Crystal,
aponto na direção do 2B.
“Ele mora aí.”
“Obrigada.”
Entro e tranco a porta atrás de mim. Do corredor, escuto o
murmúrio de vozes. Um riso grave, o de Shane. Depois o som
baixo da sua porta se fechando.
Na cozinha, envio uma mensagem rápida para Gigi.
Qual é o número do Shane? Estou precisando.

Preparo uma xícara de chá de ervas para mim enquanto bato


papo com Skip, que está dando voltas pelo seu aquário. Meu
plano para o resto da noite é ligar na trn, o canal de reality
shows em que estou obcecada. Eles vão passar um especial
hoje para conhecer o elenco do meu programa favorito, e estou
ansiosa para ver quem vai estar na casa de campo nesta
temporada.
Estou me aconchegando no sofá quando meu celular apita.
É Percy de novo.
PERCY
Só perguntei porque achei que seria legal a gente se
ver e colocar o papo em dia. Super entendo se não
quiser, mas concordamos em ser amigos, então…

Ele pontua com um emoji dando de ombros.


Contenho um suspiro. Eu disse que poderíamos ser amigos,
mas era mais uma forma de amenizar o impacto. Só que agora
eu pareceria uma cretina se retirasse o que disse.

Oi, desculpa não ter respondido antes. Estava na rua


com Gigi. Se quiser ver algum reality show comigo,
pode dar uma passada aqui, mas já aviso que estou
planejando ir para a cama cedo. Amanhã trabalho no
turno do café da manhã.

PERCY
Vou ficar uma hora, no máximo. Até mais.

Quase dá para sentir a animação emanando de suas palavras.


E vejo essa mesma animação em seu rosto quando abro a porta
menos de vinte minutos depois.
“Como você está?”, pergunto depois que o deixo entrar.
“Bem. Estava no Malone’s agora em uma reunião com um
corretor.”
À
“Às oito e meia da noite?”
“Pois é, ele me encontrou depois do expediente. Comentei
que os proprietários estão vendendo a casa em que eu moro,
né? Esse cara está me ajudando a encontrar outro lugar, mas
não tem quase nada disponível. Acho que estou ferrado.”
Percy aluga um pequeno sobrado na cidade, mas, assim
como os empregos, as moradias em Hastings também são
escassas. Embora a Briar fique a apenas dez minutos de carro,
Hastings não é tecnicamente uma cidade universitária, o que
significa que não tem estrutura para abrigar milhares de
estudantes. Foi só nos últimos dois anos que a Câmara
Municipal permitiu prédios mais altos do que três andares.
“Ai, meu Deus, você vai ter que morar no conjunto de
moradia estudantil?”, pergunto, com dó.
Percy suspira e passa a mão pelo cabelo. Ele tem um cabelo
muito bonito. Fios castanhos fartos que estão o tempo todo
despenteados pelo vento, mesmo quando não está ventando.
Ele também tem maçãs do rosto esculpidas e a pele pálida,
uma combinação que passa a energia de um príncipe vitoriano.
Ele sempre me pareceu tão mais velho, e não só porque é. Juro
que eu acreditaria se me dissessem que ele é uma criatura
imortal que está viva há séculos.
Com um resmungo, ele descalça os sapatos e me segue para a
sala de estar.
“Não posso morar nos dormitórios. Alguns dos quartos
individuais são bons, mas os únicos que restaram é de
banheiro coletivo. Caramba. Tenho fobia de germes. Você sabe
que eu preciso do meu próprio banheiro.”
“Entendo. Também preciso.”
Ofereço um pouco de chá para ele e conversamos mais um
pouco sobre sua situação de moradia enquanto esperamos a
chaleira ferver. É só quando estamos sentados em lados opostos
do sofá que ele pergunta sobre mim.
“E como você está?”, ele soa constrangido.
“Estou bem. Me preparando para um verão agitado.” Coloco
as mãos ao redor da caneca. “Vai ser difícil conciliar dois
empregos. Vou trabalhar praticamente todos os dias da
semana.”
“Adoro sua ética profissional. Eu também era assim.
Trabalhava em três empregos quando estava na graduação.”
“Sim, lembro que você me contou.”
Nós dois tomamos chá. Noto que ele me observa por cima da
borda da caneca e sei que quer me perguntar alguma coisa.
Provavelmente se estou saindo com alguém. Ele controla esse
impulso, ainda bem.
“Então, está preparado para isso?” Com a mão livre, pego o
controle da mesa de centro. “A temporada nova de Casinho ou
casório começa na semana que vem.”
Ele faz uma careta.
“Não acredito que você me fez assistir a uma temporada toda
desse lixo.”
“Três episódios, Percival. Você só assistiu a três.”
“Três é demais.” Humor dança em seus olhos verde-musgo.
Até que isso não é tão ruim. Talvez dê sim para sermos
amigos.
Acho a trn e me aconchego no braço do sofá com meu chá
enquanto o especial de “Conheça o elenco” de Casinho ou
casório aparece na tela. Durante os trinta minutos seguintes, eu
e Percy assistimos ao programa, comentando sobre os dez
primeiros participantes da temporada.
“Puta merda, é Steven Price”, exclamo.
“Quem?” Percy pergunta sem entender.
“Jogador da nfl. Quer dizer, ex-jogador. Ele sofreu uma lesão
há algumas temporadas, tentou voltar e se machucou de novo.
Então, agora ele está oficialmente aposentado.”
“Nossa. Eu aqui dando duro para conseguir meu mestrado e
esse cara tem a minha idade e já se aposentou.” O tom de
Percy é irônico.
Estudo a próxima participante. Zoey, uma morena linda com
olhos grandes e lábios incríveis.
“Ela é violoncelista”, comento, lendo a biografia que aparece
na tela.
“Coitada. O que é que ela está fazendo em um programa
como esse?”
“Ai, meu Deus. Certo… ele. Esse é o cara.” Sorrio para o
próximo participante que se senta em um banco e se apresenta
para a câmera. “É para ele que estou torcendo.”
“Ele atende por ‘O Connor’, Diana. E fala como um imbecil.”
O tom de Percy exala antipatia, o que me faz rir.
“Não julgue um locutor de rádio pela aparência”, o
repreendo. “Aposto que ele é uma florzinha no fundo. Ah,
espera. Recebi uma mensagem.”
É de Gigi. Ela me enviou o contato de Shane.
GIGI
Por favor, seja gentil com ele. Ele é praticamente
meu cunhado agora.

Gentil? Ela não me conhece?


Abro uma nova conversa e começo a digitar. Por algum
motivo, Shane me parece o tipo de homem que olharia as
mensagens no meio do sexo, então, só para dar nos nervos
dele, mando uma frase de cada vez.
A contagem está em dez quando acabo.
“Para quem você está mandando mensagem?”
“Ah, desculpa. Só meu vizinho novo. Ele é tão metido e
irritante. E passou o ano todo fodendo com a minha vida.”
Os olhos de Percy se estreitam um pouco.
“Como assim?”
“É ele que fica dormindo com todas as líderes de torcida.
Falei dele, lembra? O jogador de hóquei?”
“Acho que você nunca comentou.” Sua boca está um pouco
apertada.
“Ah, pensei que tinha comentado. Enfim, ele joga pela Briar
e é um verdadeiro cafajeste. Acabei de flagrar minha
companheira de equipe, Crystal, indo para o apartamento dele
hoje depois que eu falei especificamente para ele deixar meu
time em paz.”
“Como você conhece esse cara?” O descontentamento de
Percy está estampado em todas as linhas de seu rosto. “Está
ficando com ele?”
“Como assim? Não.” Eu o encaro. “Odeio aquele homem.”
“Sério? Porque você parece muito interessada na vida sexual
de um estranho.”
“Ele não é um completo estranho. Acabei de te contar, ele é
jogador de hóquei. Eu o conheço por causa da Gigi.”
“E você está tentando, o quê? Sabotar, o encontro dele?”
Percy solta um palavrão baixo. “É por isso que estou aqui
agora?”
“Do que você está falando?”
“Por que estou aqui?”
“Porque você queria me encontrar. Como amigos”, digo,
incisiva.
“É. Você deixou isso bem claro.”
“É claro que sim. Porque terminamos.” Sinto meus dentes
rangerem. Pigarreio para esconder qualquer agitação.
“Inclusive, é por isso que terminamos.”
“Por quê? Porque não entendo por que você está mandando
mensagem para esse cara? Por que você tem o número dele,
aliás?”
“Não tenho o número dele.”
“Você mandou mensagem para ele!”
“Não, eu sei, mas não tinha antes. Acabei de pegar com Gigi.”
Percy parece desconfiado.
“É sério isso.” Abro a conversa com Gigi e ergo o celular na
frente da cara dele. “Viu? Mandei mensagem pedindo o
número dele. Não tinha antes de hoje.”
E por que estou me explicando?
Respiro fundo e me levanto do sofá.
“Ok. Está na hora de você ir.”
Imediatamente, uma nota de pânico surge em sua voz.
“Diana, por favor.”
“Não, foi por isso que terminamos, Percy. Porque não somos
compatíveis. Porque você desconfiado desse jeito sendo que
p q j q
nunca dei motivo para você não confiar em mim. Nunca nem
olhei para outro homem enquanto estávamos juntos e nunca
traí ninguém na vida, mas você me interroga sobre todos os
caras com quem converso, até esse babaca.” Aponto para o
celular. “Nem gosto dele. Então, sim, claramente éramos
incompatíveis no que é preciso em um relacionamento.”
“Só porque preciso de um pouco de segurança de vez em
quando?”, ele diz, cortante.
“Sim”, admito. “E não tem nada de errado nisso. Tenho
certeza que você vai encontrar uma mulher que vai dar toda a
segurança que você precisa. Enquanto eu preciso de um
homem que confie em mim completamente.”
“Eu confio”, ele insiste.
Ignoro.
“Estou falando sério. Está na hora de ir. Quero ir para a
cama.”
Algo se acende em seus olhos. Isso me deixa com um pé
atrás. Mas ele inspira fundo.
“Tá bom. Desculpa. Vou deixar você em paz.”
Na porta, ele tenta me dar um abraço de despedida. Eu me
afasto.
“Não”, digo. “Não estou no clima. Por favor.”
“Desculpa.” Sua expressão transmite derrota. “Amanhã te
mando mensagem.”
Por favor, não, quero gritar, mas ele já foi embora.
Quando volto à sala, encontro uma mensagem de Shane no
celular. Uma resposta ao meu longo e nem tão gentil discurso
de Deixa minhas colegas em paz.
SHANE
Ahh, alguém está sentindo que foi deixada de fora.
Vem também.

Fuzilo meu celular com os olhos antes de responder.


Jamais.
conheça o elenco de Casinho ou casório 2ª
temporada!

Na real.com
Autora: Trina Banner
Data de publicação original: 5 de julho
Estamos naquela época do ano, meninos e meninas!
Verão. Belo e esplêndido verão.
E sabem o que isso significa…
Cinco novos meninos e cinco novas meninas vão chegar à
casa de campo para flertar na mais nova temporada de Casinho
ou casório da trn.
O drama! A sensualidade! A Suíte da Sedução! Prepare-se
para oito semanas de ação ininterrupta, em todos os sentidos.
Os meninos e meninas originais vão receber outros solteiros ao
longo do verão, todos determinados a encontrar o amor e
provocar o caos.
Continue lendo para conhecer os competidores desta
temporada…
ZOEY, 21 anos
Natural de Nova York, Zoey é um prodígio do violoncelo e sonha em tocar na Orquestra
Sinfônica de Londres um dia. Ela também arrasa de biquíni. Prepare-se: é preciso estar à
altura para conquistar o coração dessa gata.

LENI, 24 anos
Modelo de maiôs, vendedora em meio período e amante de trilhas, Leni tem todos os
garotos de Los Angeles aos seus pés. Autodeclarada amiga das mulheres, Leni quer
encontrar amizade e amor na casa de campo.

CONNOR, 24 anos
O connor! É isso mesmo, pessoal. Ame ou odeie, mas o locutor Connor está chegando à
casa de campo. Há um motivo pelo qual ele mantém as mulheres de Nashville coladas em
seus fones. Ele é descarado, atrevido e está pronto para detonar!
STEVEN, 26 anos
Você não está alucinando. Sim, é o ex-jogador da nfl Steven Price e, sim, esse tanquinho é
de dar água na boca. Depois de anos de curtição, esse durão de fachada está finalmente
pronto para encontrar o amor.

ZEKE, 22 anos
O modelo e personal trainer de Miami, Zeke, está mais que acostumado com reality shows.
É possível que você o reconheça pela sua participação em Friend Zone da trn, onde chegou
até o Dia do Pedido, mas teve seu coração partido por Christa, que o mandou para a zona
da amizade. Agora ele está de volta, em busca de uma segunda chance no amor. E de um
bronzeado.

TODD, 22 anos
Promotor de eventos, Todd passa a maior parte do tempo aproveitando a vida noturna de
Manhattan. Ele traiu todas as namoradas que teve, mas espera encontrar alguém na casa
que o faça querer ser fiel pela primeira vez.

KY, 21 anos
De Los Angeles, Ky é uma aspirante a atriz e está pronta para encontrar seu príncipe
encantado. Mas só se esse príncipe tiver um pouco de ousadia. Ela é jovem e atraente
demais para ficar em um relacionamento sem sal. Não é divertido? Thank you, next.

DONOVAN, 20 anos
Alguém aqui gosta de um sotaque britânico? O estudante internacional Donovan estuda
belas artes durante o dia e a arte da conquista à noite. Diz que vai ser preciso uma menina
muito especial para ele mudar seu estilo de vida aventureiro.

JAS, 22 anos
Estudante de direito da Universidade de Nova York, Jasmine, também conhecida como Jas,
não tem medo de dizer o que pensa. Um passo em falso e já era. Ela tem o pavio curto e não
dá segundas chances. Com um corpão daqueles, por que deveria?

FAITH, 27 anos
“Vendedora de materiais de escritório da Geórgia”?? Que tédio! Não se preocupe, Faith
também é uma modelo do Instagram com mais de dois milhões de seguidores. A
autoproclamada rainha dos biscoitos não está interessada em meninos. Ela quer um homem.
4

shane

Não quero um relacionamento… com você.

Tenho uma confissão a fazer.


Não sou um cafajeste.
Essa verdade triste e incontestável continua a me atingir
como um trem de carga depois de cada ficada. Até a noite de
ontem, eu conseguia sufocar esses pensamentos ultrajantes.
Expulsá-los para o fundo da mente e fingir que o vazio no meu
peito não existia.
Hoje, estou olhando fixamente para a mensagem
constrangedora de Crystal e finalmente me obrigando a aceitar
realidade patética.
Eu quero um relacionamento.
CRYSTAL
Chega a dar vergonha, mas ontem à noite foi o
melhor encontro da minha vida. Foi tão simples, mas
foi perfeito.

Não era para ser um encontro.


Mas, sem querer, transformei em um por não transar com
ela.
Ela estava no meu colo, sua língua na minha boca, as mãos
por toda parte, e eu simplesmente… não conseguia. Não estava
a fim. Para ser sincero, faz um bom tempo que não estou a fim.
Claro, foi divertido no começo. Recém-saído do término de
um relacionamento longo, meu pau estava duro e pronto para
a ação. Foram divertidos aqueles primeiros encontros, a
ç
novidade de tudo. Beijar alguém que não a minha ex. Ver um
corpo nu que não o dela.
Mas a novidade passou. O dia de ontem com Crystal foi a
prova disso.
CRYSTAL
Mal posso esperar para te ver de novo.

Eu me sento ao balcão da cozinha e baixo a cabeça entre as


mãos, esquecendo o café da manhã, sem apetite. É culpa
minha. Eu a convidei porque a achava gostosa e queria transar.
Nada nesse cenário envolvia entrar em um relacionamento
com ela. Crystal é ótima, mas não temos uma conexão mais
profunda. Não tenho interesse em nada além de uns amassos
despretensiosos interrompidos no sofá.
Enquanto isso, ela saiu com um brilho nos olhos, curtindo a
emoção do “melhor encontro da sua vida”.
Puta que pariu.
Sentindo que sou um completo idiota, eu me obrigo a
escrever uma resposta antes que Crystal decida dizer que me
ama e que mal pode esperar para ter meus filhos. Escrevo a
mensagem de sempre: Não quero nada sério, achei que estávamos
na mesma página.
A conversa para por aí, minha mensagem ainda a última na
tela. Fico encarando por quase um minuto até Crystal começar
a digitar. Merda. Seria pedir demais que ela deixasse por isso
mesmo.
Eu me levanto, levo meu pote de cereal pela metade até a pia
e jogo as sobras pastosas no triturador de lixo. Quando volto,
ela ainda está digitando, então vou tomar um banho e rezo
para sua resposta não ser tão ruim.
Mergulho a cabeça sob o jato e lamento meu destino.
Não nasci para sexo casual.
Sim, sei que é irônico, considerando que não faço nada além
de sexo casual desde o término com Lynsey na primavera
passada. Só nesse mês transei com mais mulheres do que em
todos os anos da minha vida sexual ativa. Houve uma menina
antes de Lynsey e, depois, eu e ela ficamos juntos por quatro
anos, namorando do penúltimo ano do ensino médio até
terminarmos no meu segundo ano no Eastwood College.
Para os meus amigos, insisto que nosso término foi
recíproco.
Com recíproco, quero dizer que fiquei acenando, atordoado,
e disse: se é isso que você quer, não posso te impedir.
Deslizo as mãos pelo couro cabeludo, a espuma do xampu
escorrendo pelo rosto e peito. Enxáguo e fico parado embaixo
do jato quente por mais cinco minutos.
Sofrendo.
Gosto de namorar. Dane-se se isso faz de mim um romântico
incurável. No fundo, sou um cara que curte relacionamentos.
Sempre tive uma visão clara para a minha vida, uma que foi se
consolidando quando comecei a namorar Lynsey. Eu não enchi
tanto o saco de Ryder por seu casamento às escondidas com
Gigi Graham por um motivo. Para mim, não é difícil de
entender. Sempre me imaginei casando jovem. Nem mesmo
ter filhos aos vinte e poucos anos me parece ruim. Consigo
visualizar todo o meu futuro diante de mim. O superestrelato
na nhl, uma esposa, dois filhos.
Não quero mais transar com garotas aleatórias. Quero
transar com a garota.
Saio do banho, me seco e ando pelado até o quarto. Meu
celular ainda está sobre a colcha estampada onde o joguei.
Olho e, dito e feito, tem um textão de Crystal.
Enquanto leio, alterno entre irritação e culpa. O ponto
principal é basicamente: você me iludiu, seu cuzão.
Mas não é verdade. E deixo isso claro na minha resposta.

Eu realmente sinto muito. Não queria te chatear. Mas


cinco minutos antes de você chegar eu disse que
não estava procurando nada sério, e você
concordou plenamente. Disse que tudo bem.
CRYSTAL
Sim, mas daí a gente ficou. Ficar muda as regras, e
agora não está tudo bem.

A gente só se beijou, Crystal.

CRYSTAL
Beijar é ainda mais íntimo do que sexo.

É sério isso? Se eu beijar alguém, quer dizer que sou


obrigado a pedir a pessoa em casamento? Se tivéssemos
transado, talvez eu até considerasse essa linha de raciocínio,
mas só nos beijamos por uns dez minutos, eu disse que estava
cansado, e ela foi embora. Como isso pode ser considerado
profundo?

Desculpa. Mas fui completamente sincero com


você. Não superei meu término.

Fico com vergonha só de digitar essas palavras. Parece tão


ridículo. Se fosse algum dos meus amigos, eu diria: supera logo,
porra.

Falei ontem que não estou emocionalmente


preparado para ter nada sério agora.

CRYSTAL
Não estou pedindo nada sério agora.
Relacionamentos precisam de tempo para se
desenvolver.

Não quero um relacionamento.

… com você.
Esse é sempre o detalhe implícito e, às vezes, queria que a
etiqueta social não exigisse fingir que não é isso o que
queremos dizer. Se uma pessoa quiser estar num
relacionamento com você, ela vai estar. Não vai enrolar você.
Nem te chamar no meio da noite para transar. Não vai encher
você de desculpas sem fim sobre como “não é feita para
relacionamentos” ou que “você merece coisa melhor”. Ela vai
estar com você, pura e simplesmente.
E, apesar da reputação de sermos burros, inconstantes e
controlados pela cabeça de baixo, nós homens normalmente
sabemos bem depressa, em questão de minutos até, se achamos
que alguém serve ou não para namorar.
CRYSTAL
Não entendo. Pensei que a gente estava se
divertindo. Você estava fingindo o tempo todo?

Claro que não. Eu me diverti ontem à noite. Mas não


quero um relacionamento.

CRYSTAL
Meu Deus, não estou pedindo um!!!

Por que é que a gente está brigando, então? Quero arrancar


meus olhos. Em vez disso, peço desculpa de novo e ficamos
indo e vindo nessa por um tempo. Costumo ser bom em
manter a calma, mas a mensagem seguinte de Crystal me deixa
com os cabelos em pé, como meu pai sempre diz.
CRYSTAL
Vai se foder. Você é um canalha egoísta. Vou avisar
todas as meninas que conheço para ficarem longe
de você e garantir que elas saibam que só está
usando as coitadas.

Meu maxilar se cerra. Beleza, então. Chega.

Pois é… Não estava interessado em um


relacionamento com você ontem e agora estou
ainda menos. De novo, sinto muito por estar
magoada. Mas já aguentei demais essa conversa.

Mando uma última mensagem para pontuar isso.

Não tenho interesse em te ver de novo. Boa sorte.

E a bloqueio.
Puta que pariu. A gente só deu uns beijos. Como isso virou
uma coisa tão grande?
E por que estou me sentindo um cuzão?
Enquanto visto um short de basquete e uma camiseta do
Bruins, releio a conversa inteira para decidir se eu merecia ser
xingado. Mas meu cérebro não consegue entender de verdade
o que fiz de errado. O nível de ódio de Crystal é
completamente desproporcional ao que de fato aconteceu.
Levo um susto quando meu celular vibra na minha mão. Por
um momento fico com medo dela ter encontrado uma
maneira de driblar o bloqueio, mas é meu pai perguntando se
podem me esperar amanhã. Vou para minha cidade natal, que
tem o nome bem meloso de Heartsong, em Vermont, para
visitar minha família.
Hoje, eu estava planejando jogar golfe, mas agora estou
irritado demais para isso. Talvez eu nade. Exige menos
concentração.
Porra. Por que as mulheres são tão cansativas? Até Lynsey
era assim e da nossa relação eu gostava.
Meu peito aperta quando seu rosto surge na minha mente.
Seus grandes olhos escuros. O sorrisinho fofo que ela dava
quando tinha razão sobre alguma coisa. Antes que eu consiga
me conter, sento ao pé da cama e fuço em suas redes sociais,
mais uma coisa que faz com que eu me sinta um otário. Ela
deixou de me seguir depois do término, mas ainda a sigo. Só
não consigo clicar naquele botão idiota para tirá-la da minha
vida. Além disso, a conta dela é fechada, então, se eu deixasse
de segui-la e sentisse a necessidade desesperada de stalkear,
teria que mandar uma solicitação, o que seria ainda mais
constrangedor do que o fato de ainda segui-la.
Sou um cão abandonado implorando por migalhas, louco
para ver o que ela anda fazendo. Passo avidamente pelas fotos
novas dela no estúdio de dança. Um collant preto está colado
em seu corpo esguio, a meia-calça rosa-claro envolvendo suas
pernas torneadas. Lynsey vive lamentando que queria ser mais
baixa. Ela tem quase um e setenta, minúscula se comparada
comigo, mas parece que a altura média das bailarinas é um
sessenta e três ou algo assim.
Mas Lynsey é extremamente talentosa. Estuda no
Conservatório Liberty de Belas Artes em Connecticut, uma das
melhores faculdades de artes do país. Assim como a Juilliard, o
Conservatório Liberty oferece um programa de dança muito
cobiçado e aceita um número restrito de alunos. Levei Lynsey
para jantar quando ela foi aprovada.
Continuo rolando a tela, até chegar em uma foto que me
ferve o sangue. É ela e um cara. Eles estão grudados um no
outro. Não consigo ver o rosto dele, mas meu punho coça com
a vontade de socá-lo.
Relaxo quando leio a legenda.

PRIMEIRO DIA DE ENSAIOS PARA A #CNDSAA


Ela marcou Sergei, seu melhor amigo, que também
participou da competição com ela no ano passado. Além disso,
ele é gay, então longe de ser uma ameaça.
A culpa aperta minhas entranhas. Ela sempre quis que eu
fosse seu parceiro. Achava que seria divertido competir como
casal. O que, sinceramente, sempre me surpreendeu porque
tem dançarinos muito melhores do que eu, e Lynsey é
incrivelmente ambiciosa. Para ela, ganhar uma competição de
dança de salão amadora é o equivalente a conquistar uma
medalha de ouro olímpica. Desconfio que, no fundo, ela ficava
aliviada sempre que eu recusava.
Agora estou me perguntando se minha resistência é mais um
dos motivos pelos quais ela me largou.
Pode crer, ela te deixou porque você não queria dançar salsa com ela.
Vai saber. Talvez esse tenha sido sim o motivo.
Tive muito tempo para refletir desde o término e, para ser
sincero, me questiono se talvez eu simplesmente não fui um
péssimo namorado. Sou dedicado demais ao hóquei e nunca
estive disposto a ceder em relação a isso. Meu calendário de
jogos era e ainda é inflexível. Mas, porra, eu me esforçava. Fui
a todos seus recitais de dança, sentava no centro da primeira
fileira. Participava de todos seus eventos de família, muitas
vezes escolhendo a dela em vez da minha. Fiz o possível para
priorizá-la.
Acho que não foi o bastante.
Solto um suspiro, sem tirar os olhos da foto dela. Meus
dedos deslizam pela superfície fria do celular.
Eu deveria ligar para ela.
Não, não deveria.
Não, deveria sim. Ainda somos amigos. Amigos ligam um
para o outro.
Você não deveria ligar para ela, e vocês não são amigos. Você ainda é
apaixonado por ela.
Amigos podem se apaixonar um pelo outro.
Não podem.
O debate interno continua por um tempo. Até meus dedos
tomarem a decisão por mim e discarem o número dela. Mal dá
um toque e já me arrependo, mas é tarde demais. Ela vai ver a
ligação perdida. Mas talvez não atenda. Talvez…
“Oi”, ela atende, com a voz surpresa. “Tudo bem?”
“Oi.” Minhas cordas vocais parecem estar envoltas por dois
sacos de cascalho. Pigarreio. “Só estava olhando o Insta e vi seu
post com Sergei. Me toquei que fazia tempo que a gente não
conversava, então liguei para dizer oi.”
“Ah. Sim. Não, tem razão. Faz tempo.” Ela não parece
incomodada com a ligação. “Aliás, cruzei com sua mãe ontem à
noite na casa de panquecas.”
p q
“Você está na cidade?” Meu coração acelera antes de hesitar
por um segundo, afinal, Lynsey viu minha mãe e nem me
mandou mensagem para comentar? Acho que isso mostra qual
é a dela. “Vou estar aí de amanhã até sexta. Vai visitar por
quanto tempo?”
“Vou embora hoje à tarde. Passar uma semana na cabana da
família de Monique no norte.”
“Bacana.” Em julho, fui com ela na viagem anual para a casa
no lago da melhor amiga dela.
Não comenta…
“Foi muito divertido no ano passado.”
Imbecil.
“Foi, não foi?”
Rio sozinho.
“Lembra do nosso mergulho noturno?”
“Ah, você está falando daquela vez que uma tartaruga quase
arrancou seu pau?”
“Ela não quase arrancou meu pau. Só encostou na minha
coxa.”
“É bem perto do seu pau, Lindy.”
O apelido faz meu peito apertar. E me lembra de todas as
vezes em que rimos sobre o que aconteceria se nos casássemos.
Ela seria Lynsey Lindley. Ela declarava com firmeza que seria
trava-língua demais e jurava que nunca colocaria o meu
sobrenome. Depois de um tempo, chegamos a um meio-termo
e decidimos que ela usaria os dois.
Não que isso importe mais.
“Tem razão, chegou perto demais para o meu gosto”, admiti,
ainda rindo. “Caramba, foi uma viagem divertida.”
“Foi sim.”
Há uma pausa curta.
Não diga que está com saudade.
“Estou com saudade de você.”
Há uma pausa.
“Como amiga”, acrescento, resistindo a um sorriso. “Estou
com saudade da nossa amizade.”
“Sei, estou ouvindo seu sorriso agora.”
Ela me conhece bem demais.
“Não estou sorrindo.”
Mais uma pausa.
“Também estou com saudade da nossa amizade”, ela admite.
“Mas ainda acho que distância é a atitude certa.”
Errada ela não está. Não consigo imaginar a agonia de falar
com ela regularmente sem estarmos juntos.
Quero perguntar se ela está saindo com alguém, mas sei que
não devo. Felizmente, dessa vez minha boca consegue
controlar o impulso.
“E você?” Lynsey pergunta. “Tudo bem?”
“Sim. O hóquei está demais. O apartamento novo é irado.
Ah… meu melhor amigo casou.”
“Quê?! Quem? Beckett?”
“Sério? Esse é seu palpite?”
Ela engasga.
“Não. Ryder?”
“Pois é.”
“Quando isso aconteceu?” ela questiona.
“Três meses atrás.”
“E você não me contou?”
“Distância, lembra?”
Ela suspira, relutante.
“Tá. Justo. Mas acho que, quando se trata de amigos casando,
você tem a obrigação de ligar. Combinado?”
“Combinado. Vou ligar para você quando Becks casar.”
“Obrigada.” Desta vez, consigo ouvir o sorriso dela, e isso me
dá outro aperto no peito. “Gostaram da primeira temporada na
Briar?”
“Muito. Começamos com o pé esquerdo, mas ganhamos o
Frozen Four, então não posso reclamar.”
“Como é o campus?”
“Ótimo. Por quê? Quer pedir transferência?” brinco.
Ela hesita.
“Na verdade…”
Meu pulso acelera de novo.
“Você tá brincando? É sério que está pensando em pedir
transferência?”
“Eu estava considerando. Talvez eu queira fazer uma segunda
graduação, e a Liberty não oferece muitas opções acadêmicas.
Ouvi dizer que a Briar tem um programa de psicologia
excelente. E já conversei com a minha orientadora… ela disse
que seria fácil pedir transferência. Tenho todos os créditos
necessários e não precisaria refazer nenhuma matéria. Mas…
sei lá. É meio longe, e…”
E você está aí é o resto dessa frase.
“Deixa disso, Linz. A Briar é grande o suficiente para nós
dois. Acho que daria para passar anos sem a gente se cruzar.”
“Não, não é isso.”
Bufo.
“Não é só isso”, ela emenda. “Mas, sim, talvez eu vá fazer
uma visita.”
“Legal. Se vier, pode dormir aqui. Meu sofá é muito
confortável.”
“Ah, não quero incomodar.”
“Não é incômodo nenhum. Você é sempre bem-vinda aqui.
O mesmo vale para Monique e o resto da antiga turma. Não é
porque não estamos mais juntos que não somos todos amigos,
certo?”
Sua voz fica mais suave.
“Bom, obrigada, Lindy. Agradeço muito.”
Fico elétrico depois que encerramos a chamada. Minha pele
está vibrando, o pulso ainda desregulado. Vou para a sala de
estar e saio para a varanda, que tem vista para os jardins
projetados. Não consigo ver bem a piscina, mas tenho uma
vista desobstruída do caminho cercado de flores que leva até
lá. Sinto como se estivesse em um resort no Caribe. É muito
foda.
Inspiro o ar quente do verão. É uma manhã linda. Talvez eu
jogue golfe sim. Mas aquele mergulho também parece uma
boa. Por que não os dois?
q
Como o homem desocupado que sou, visto uma sunga e
calço os chinelos. Com uma toalha enorme sobre o braço, pego
meus óculos escuros e as chaves no aparador da entrada.
Ao sair, o cheiro de grama recém-cortada me atinge. Preciso
de ar fresco para processar essa ligação.
Chego à piscina a tempo de ver Diana deslizando pelo ar.
Literalmente.
Um homem de cabelo preto e pele bronzeada a está
erguendo pelas panturrilhas, rodopiando enquanto os braços
de Diana estão estendidos para cima em uma posição em V. É
como uma forma estranha de dança aquática.
Ao me notar, Diana faz uma careta e salta dos braços do cara,
mergulhando na água.
“Não”, ela rosna ao sair da piscina. Seu rabo de cavalo
molhado está pendurado sobre um ombro. Ela está de biquíni
vermelho, a parte de cima lembrando um sutiã esportivo e a de
baixo um shortinho de cintura alta.
Nossa. O corpo dela é absurdo. Extremamente torneado, sem
um pingo de gordura. Atletas são tão gostosas.
“Terças são o meu dia de piscina”, Diana declara.
“Essa não é uma regra”, respondo, sorridente.
“Agora é.”
“Você não pode ficar inventando novas regras Dixon quando
bem entender.” De repente noto o tripé e o smartphone
montados na frente da piscina. “O que é que está rolando?”
Como se lembrasse da câmera, ela se aproxima e a desliga,
deixando um rastro de água pelo concreto.
“Estamos ensaiando”, ela diz com ar de superioridade “e
Shanes não são bem-vindos. Muito menos às terças, que são os
meus dias de piscina.”
Eu me viro para o cara na piscina, que está nos observando e
rindo. Aceno.
“Shane sou eu.”
“Kenji”, ele grita em resposta.
“Não faça amizade com meu parceiro”, Diana ordena.
Sorrindo, deixo a toalha e as chaves em uma espreguiçadeira
ao lado. Tudo nesse condomínio é sensacional, mas a área da
piscina é imbatível. Fileiras de espreguiçadeiras, uma área de
convívio com mesas e cadeiras, até um maldito forno de pizza.
E esses guarda-sóis de listras vermelhas e brancas são o
máximo.
Coloco os óculos escuros.
“Estão ensaiando para quê?”
“Não é da sua conta.”
De novo, busco Kenji porque ele parece mais equilibrado.
“cndsaa”, ele responde.
“Que raio é ‘Cena Dessa?’”
Diana bufa com irritação.
“É o Campeonato Nacional de Dança de Salão Amadora
Avançada.”
“Você fala como se eu devesse saber o que é…”, eu paro.
“Espera, na verdade, sei sim.”
“Até parece.”
“Sério. Minha ex compete.”
Ela me observa com desconfiança.
“Quem é sua ex?”
“Lynsey Whitcomb.”
“Ah, eu lembro dela”, Kenji diz para Diana enquanto dá uma
braçada preguiçosa de costas. “Ela e o parceiro ficaram em
terceiro lugar no American Nine do ano passado.”
Diana me encara como se eu fosse pessoalmente responsável
pelo talento de Lynsey como bailarina.
“Você veio até aqui se gabar que sua ex-namorada é um
prodígio da dança de salão?”
“Não.” Reviro os olhos. “Vim para nadar. Relaxa e volta para
sua dança aquática. Eu fico fora do caminho de vocês, se
ficarem fora do meu.”
“Mas estamos filmando”, ela reclama.
“Ótimo. Assim, seus seguidores podem se deliciar com o
deus grego na piscina.”
Ela me encara fixamente.
“Ah, você está se referindo a si mesmo.”
Rio. Discutir com Diana conseguiu relaxar o restante da
tensão do meu telefonema com Lynsey. Eu estava para baixo
antes, mas sinto meu peito mais leve agora.
Passo pela loira irritadinha e desço os degraus para a parte
rasa. Com o sol do fim da manhã sobre nós, a água parece o
paraíso contra minha pele.
“Você também estuda na Briar?”, pergunto a Kenji enquanto
nado na direção dele.
Ele abre a boca, mas Diana o silencia com a mão.
“Não precisa responder, Kenji.”
Rio e espero que ele fale por si mesmo, mas ele só encolhe
os ombros como se pedisse desculpas. Banana.
Sorrindo, atravesso a água fria para começar a primeira volta.
Me dá um prazer profundo saber que Dixon não me quer aqui.
Estou de ótimo humor agora.
5

diana

Uma boa e velha exclusão

Estou atrasada na quarta, então pego um atalho para o ponto


de ônibus, cortando caminho pelo parquezinho na frente do
Meadow Hill. O chão ainda está úmido com o orvalho da
manhã, e uma leve névoa de água molha meus tornozelos
enquanto atravesso a grama com meus tênis brancos.
Eu poderia andar, mas prefiro o ônibus porque assim consigo
editar meus vídeos para a Ride or Dance, a conta de rede social
que criei para mim e Kenji alguns anos atrás. Utilizo
principalmente para postar vídeos de nossos ensaios de dança
e, no ano passado, na cndsaa, postamos um monte de trechos
dos bastidores. De alguma forma, chegamos a quase cem mil
seguidores. Não faço ideia de como isso aconteceu, mas longe
de mim reclamar. Apesar do que Crystal pensa sobre nossos
salários, a receita dos anúncios dessa conta pode sim ser
considerada uns trocados. Às vezes, até ganho dinheiro
suficiente para fazer as compras do mês.
Hoje cedo, encontro um número exasperante de comentários
sobre Shane em meu último vídeo de ensaio, o que me faz
querer deletar a conta e botar fogo no celular.
No meu ponto, desço e ando os últimos cem metros até a
escola, onde, três dias por semana, moldo a mente, o corpo e o
espírito de jovens atletas, guiando-as no caminho rumo à
realização de seus sonhos.
Em outras palavras, dou aula de cheerleading e ginástica
básica para crianças de oito a doze anos.
O grupo de campistas de hoje é de onze e doze anos, seus
uniformes compostos por shorts brancos e camisetas amarelas
estampadas com o logo do acampamento. Elas vão usar o
uniforme xadrez de líderes de torcida no evento final em
agosto, quando cada grupo apresenta dois números para todo o
acampamento, um de dança e o outro de acrobacia.
Nossos dias de acampamento são divididos em sessões de
manhã e à tarde. Como meu grupo vai fazer acrobacias na
primeira sessão, nós nos agrupamos em um lado do ginásio,
reunidas sobre um mar de tapetes azuis.
“Certo, minhas coelhinhas”, cumprimento as meninas.
“Vamos entrar em posição.”
Tatiana, a líder da equipe de onze e doze anos, levanta a mão.
“Diana”, ela anuncia. “Nós votamos e decidimos que não
queremos mais ser chamadas de coelhinhas.”
Mordo o lábio para não rir.
“Entendi. Algum motivo em particular?”
“Porque eles fazem caca para todos os lados.”
A risada escapa. Pelo canto do olho, encontro minha colega,
Fátima, sorrindo.
“Até que faz sentido”, admito. “Mas a questão da caca só
passou pela cabeça de vocês agora?”
“Meu irmãozinho ganhou um coelhinho de estimação no
fim de semana”, Avery explica, tristonha. “Odeio aquele ser
com todo o meu coração.”
“Certo, então.” Penso um pouco. “Que tal… vamos entrar em
posição, minhas águias majestosas.”
“Adorei”, Tatiana diz, enfática. As outras meninas concordam
com a cabeça.
“Excelente.”
Eu e Fátima trocamos um olhar divertido antes de dividir as
campistas em trios. Coreografei quatro números esse ano, dois
para meu grupo de oito a dez e dois para o de onze a doze, que
é de longe meu favorito.
Como são crianças, mantemos todas as acrobacias bem
simples. As de oito a dez estão basicamente fazendo passinhos
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em pé e em quatro apoios. Cambalhotas e estrelinhas para as
acrobatas iniciantes. Com esse grupo, estamos treinando apoio
duplo nas coxas, e é com isso que começamos hoje. Eu e
Fátima ficamos auxiliando, de olho na parte detrás e na da
frente.
“Chloe, seu afundo precisa ser mais baixo”, digo para a ruiva
com sardas. “Senão Harper não tem uma base estável.”
“Por que não posso ser levantada?”, ela choraminga.
“Porque agora você está na base”, respondo com um sorriso
paciente. “Conversamos sobre isso: todas vão ter a chance de
serem levantadas no número final. Agora, precisamos de você
como base.”
Ela aceita, mal-humorada. Algumas crianças são muito
mimadas, acham que elas deveriam ser a estrela. Outras são
terríveis nas acrobacias mas estão contentes de estar aqui; elas
sim possuem o espírito necessário, que é a parte mais
importante do cheerleading.
Ajudo as duas bases a entrarem em posição. Kerry, que vai
ser levantada, sobe nas coxas das colegas.
“Entra, trava, contrai!”, lembro.
As meninas da base seguram as pernas da que é levantada.
Fátima entra em posição para apoiar levemente a cintura de
Kerry enquanto a garotinha estende os braços em V.
“Perfeito!”, exclamo. “Cuidado ao descer. Pés juntos, Kerry.”
Ela pula de maneira impecável na frente da acrobacia, os pés
juntos, o rosto sorridente.
“Excelente. Próximo trio!”
Ao meio-dia, fazemos um intervalo para o almoço.
Geralmente, comemos ao ar livre, sob o pavilhão coberto perto
do campo de futebol americano. Eu me sento em uma das
mesas compridas de piquenique e tiro a tampa da minha salada
grega. As meninas estão rindo entre si, espiando uma das
outras mesas.
“Compartilhem com a turma”, repreendo.
Tatiana sorri com ironia.
“Crystal está com um chupão.”
y p
Seguro o riso. Lindley deixando sua marca, entendi.
Olho discretamente, mas, embora eu não consiga ver o tal
chupão, noto que Crystal parece um pouco desanimada. Ela
está avoada enquanto a outra orientadora, Natalia, tagarela sem
prestar atenção.
“É feio ficar olhando para os chupões dos outros”, digo para
Tatiana. “Se fosse espinha, tudo bem.”
Todas caem na gargalhada.
“Brincadeira. Brincadeira. Nunca é bom deixar as pessoas
constrangidas pelas espinhas. Aliás, curiosidade: elas nunca
desaparecem para valer. Minha mãe tem seus quarenta anos e
ainda tem espinhas. Essa história de que elas vão embora
depois da adolescência é lenda urbana.”
As meninas ficam horrorizadas. E é para ficarem mesmo. A
puberdade ainda não causou nenhum estrago, então todas
ainda carregam aquela pele lisa e sem manchas que gasto
centenas de dólares em produtos para ter.
Depois do almoço, as campistas têm quinze minutos de
tempo livre antes da sessão vespertina começar, então vou até
Crystal, que está sozinha agora, concentrada no celular.
Ela ergue a cabeça quando chego.
“Está tudo bem?”, pergunto. “Você parece para baixo.”
“Estou sim.” Seu maxilar se cerra com ressentimento. “Na
verdade, não. Não estou bem. Você estava certa sobre aquele
babaca.”
Suspiro.
“Lindley?”
“Sim. Ele é tão cretino.” Sua linguagem corporal é tensa
enquanto ela se senta no alto da mesa de ouvir piquenique
com os pés plantados no banco. “E, não, não estou muito a fim
de ouvir um ‘eu avisei’.”
“Eu não diria isso.”
“Que bom. Porque já estou me sentindo um lixo. Estou tão
indignada, Di. Ele super me usou. E, tipo, foi tão descarado.”
“Como assim?”
“Quer dizer, entendo que ele só queria um lance, mas não
precisava ser tão grosso. Ele basicamente falou: Não quero te ver
nunca mais, boa sorte.”
Uma ruga se formou na minha testa. Posso achar Shane
irritante, mas não consigo imaginá-lo sendo tão desrespeitoso
com uma mulher.
“O quê, você não acredita em mim?” Quando Crystal nota
minha cara de dúvida, seu rosto fica mais sério.
“Não, acredito. Só estou surpresa. Não acho que ele tenha se
comportado assim com Audrey.”
Audrey é nossa colega de equipe na Briar, a que ficou com
Shane no último outono e torceu o tornozelo. Sim, ela ficou
chateada quando ele rompeu com ela, mas não disse uma
palavra sobre Shane ter feito isso de maneira maldosa.
“Bom, talvez ele tenha se tornado mais babaca desde
Audrey.” Os dedos de Crystal percorrem a tela por um
momento. “Olha isso. Foi o que ele me mandou ontem.”
Ela me passa o celular, e faço uma careta quando leio a
mensagem de Shane.
SHANE
Não tenho interesse em te ver de novo. Boa sorte.

“Foi o que ele mandou no dia seguinte ao que vocês


transaram?” Digo incrédula.
“Pois é.”
“Nossa. É muito rude.” Como sou bisbilhoteira, tento subir a
tela para ver o resto da conversa. Mas essa é a única mensagem.
“Vocês nunca trocaram mensagens antes disso?”
“Só no Insta.”
Releio a mensagem. Não consigo imaginar transar com
alguém e receber isso na manhã seguinte. Brutal.
“Entendo você ficar chateada.” Devolvo o celular. “Quer que
eu grite com ele quando chegar em casa?”
“Por favor. Ele merece.”
Merece mesmo.
No ônibus de volta, ainda estou pensando em como Shane
deu um fora em Crystal. Boa sorte. Estou surpresa que ela não
tenha descido a lenha nele depois dessa mensagem. Se um
homem me tratasse assim, eu perderia a cabeça. Mas tenho um
temperamento forte, e conflitos não me assustam. Talvez
assustem Crystal.
Quando entro no saguão do Sicômoro, sorrio para
cumprimentar Harry, que trabalha no turno do dia. Ele não
sorri em resposta. Harry é conhecido pelo seu mau humor e
odeia todo mundo, então não levo para o lado pessoal.
Vou para a estrutura prateada de caixas de correio, surpresa
ao encontrar Priya no vestíbulo, folheando uma pilha de
envelopes.
“Oi”, digo enquanto encaixo minha chave na fechadura da
caixa de correio. “Por que não está trabalhando?” Ela costuma
atender pacientes até às seis, e são só quatro.
“Tirei a tarde de folga. Lucy tinha uma consulta no
veterinário.”
“Ah, não, ela está bem?”
“Vacinas anuais. Nada para se preocupar. Você acabou de
perder nosso vizinho.”
“Niall?”
“Não. 2B. O jogador de hóquei. Eu o ouvi contando para
Harry que vai passar uns dias fora para ver os pais.”
“Já vai tarde”, murmuro.
Seus olhos se estreitam.
“Não gostamos dele?”
“Não mesmo.” Olho dentro da minha caixa de correio.
Encontro alguns panfletos que enfio na bolsa da academia. “Ele
dá um novo sentido à palavra cafajeste.”
Priya sorri.
“Você sabe que ser promíscuo não torna alguém uma má
pessoa, né?”
“Claro que não. Mas esse alguém também deveria tratar suas
ficantes com delicadeza, e está aí algo que Shane não tem.”
Conto rapidamente como ele tratou Crystal, recitando sua
mensagem da manhã seguinte palavra por palavra. Sim,
decorei.
Priya fica boquiaberta.
“Não.”
“Pois é.”
“Ele não disse nem Você é uma pessoa incrível, mas… Foi divertido,
mas…” Ela lista todos os clichês gentis que ele poderia ter dito a
Crystal e não disse.
“Não.”
“E eu aqui pensando em convidar o menino para o grupo
dos vizinhos!”
“Ah, péssima ideia. Não queremos esse tipo de energia no
grupo.”
“Tem razão. Não mesmo”, ela diz, firme. “Aliás, vou espalhar
a notícia. Fazer questão que todas fiquem longe desse canalha.”
“Bem pensado”, digo, virando o rosto para ela não ver meu
sorriso.
“Argh.” Priya cutuca meu ombro com o dela. “Não olha
agora, mas o Niall Vassoura está vindo aí.”
Ouço seus passos pesados vindo da entrada na nossa direção.
Para alguém que faz tantas queixas de barulho, era de pensar
que ele tentaria andar com passos mais leves.
A caixa de correio de Niall fica ao lado da minha, então não
tem como evitá-lo.
“Oi, Niall.”
Ele tira a correspondência, ignorando meu cumprimento.
“Vocês ouviram o que está acontecendo no 2B? Juro, aquele
jogador de hóquei deve estar lançando discos dentro da sala.”
Eu e Priya reviramos os olhos uma para a outra atrás dele. Já
aprendemos a ignorar quando Niall reclama que outro vizinho
é barulhento demais.
“Esqueça o barulho, Niall”, Priya aconselha. “Temos outro
motivo para não gostar dele.”
“Barulho já é motivo suficiente para mim, obrigado”, ele diz,
tenso.
Nossa. Supera, cara. A vida é barulhenta.
“Priya vai dar o alerta para ninguém dar as boas-vindas a
ele”, digo a Niall.
Pela primeira vez na vida, um sorriso sincero se abre nos
lábios dele.
“Excelente. Uma boa e velha exclusão.”
“Então o ignoramos por completo?” Priya pergunta com um
olhar maligno.
“Exato”, ele responde. “Não falem com ele no corredor. Não
convidem para nenhum churrasco de verão. Vamos deixar bem
claro que não temos interesse em nos aproximar de alguém
que não respeita as normas de barulho.”
“Bom, não é por isso que vamos excluí-lo, mas claro”, digo.
Priya sorri para mim.
“Você topa?”
“Ah, com certeza.” Nada me daria mais prazer do que
atormentar Shane Lindley.
“Resolvido, então, vamos fazer um pacto para excluir o
rapaz.” Niall sorri, orgulhoso.
Não acredito que Niall Vassoura é meu aliado agora. Antes da
mudança de Shane, Niall era a pessoa de quem eu e Priya
menos gostávamos no prédio e, agora, aqui estamos,
organizando uma exclusão.
Nada como o ódio para unir as pessoas, pelo visto.
6

shane

A libertação das mulheres merece cinco estrelas

“E daí pudemos mandar mensagens de verdade para os


astronautas de verdade na Estação Espacial Internacional!
Acredita? E amanhã vamos ver as respostas deles. Acredita?!”
Se ela não tivesse dez anos, eu questionaria se Maryanne
cheirou meio quilo de cocaína antes de eu chegar. Ela está
andando de um lado para o outro na sala, falando a mil por
hora, com um semblante que só pode ser descrito como
eufórico.
Infelizmente, todo esse êxtase é resultado não de cocaína,
mas de um acampamento espacial.
“Primeiro, preciso que você se acalme”, aconselho. “Você está
me deixando zonzo. Segundo, qual foi sua mensagem?”
Ela me abre um sorriso largo.
“Perguntei se o cheiro dos puns é diferente na gravidade
zero.”
Eu a encaro, boquiaberto.
“Isso? Essa foi sua pergunta? A gente está falando de um
astronauta de verdade no espaço sideral e é isso que você
escolhe perguntar?”
“Sei lá”, ela responde. “Preciso saber.”
“Aliás, ouvi dizer que esse acampamento está ensinando
vocês a fazer foguetes de garrafa. E se misturarem todos os
ingredientes errados e criarem uma arma biológica sem
querer?”
Maryanne pensa por um instante.
“Acho que vamos matar todo mundo no acampamento.”
“Nossa. Menina. Que pesado.” Rindo, ignoro a ideia de que
minha irmã caçula possa ser uma psicopata. “Tá, vai se trocar.
O minigolfe não vai se jogar sozinho.”
“Eba! Adoro quando você está em casa!”
Quando dou por mim, ela me envolve com seus bracinhos
finos. Eu a levanto do chão em um abraço apertado, fazendo-a
rir de alegria.
Também adoro estar em casa. Amo minha família e amo
especialmente essa menina nerd nos meus braços. Algumas
crianças poderiam ficar ressentidas dos pais por ganharem um
irmão depois de onze anos como filhos únicos, mas Maryanne
me conquistou desde que era recém-nascida e eu, pré-
adolescente. Eu corria para casa depois do treino de hóquei e
pedia para dar comida para ela. À noite, cantava canções de
ninar até meus pais se sentarem comigo um dia para me
informar que eu cantava muito mal e que prefeririam, pelo
bem de seus ouvidos, nunca mais me ouvir cantar. Desumanos,
aqueles dois.
Consigo ouvir a conversa deles na cozinha, então sigo até lá
pelo corredor.
Minha mãe acabou de voltar de uma reunião e está recostada
no balcão de granito com seu traje profissional de sempre —
calça social justa e blusa de seda — e o cabelo preto cacheado
preso num coque na altura do pescoço. Ela sempre parece ter
saído da capa de uma revista de negócios.
Meu pai, por outro lado, está sempre desleixado. Mesmo
antes de começar a trabalhar em casa, ele usava calça jeans e
camiseta no escritório. Agora, o jeans foi substituído por um
moletom folgado.
Eles formam um casal muito curioso. Os dois se conheceram
no ensino médio quando minha mãe era a metódica presidente
de classe e meu pai era o astro do hóquei tranquilão. Agora ele
é o empresário tranquilão que acabou se dando muito bem nos
negócios depois que seus sonhos na nhl não se concretizaram.
E ela é a metódica administradora municipal de Heartsong, em
É
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Vermont, um cargo que é quase como ser prefeita. É a
primeira mulher negra a ocupar esse cargo, então foi uma
grande conquista quando foi eleita pela câmara municipal.
Heartsong ficou muito mais progressista nos últimos dez anos.
O povo da cidade adora minha mãe.
Meus pais olham para mim quando entro, deixando de
conversar.
“Desculpa interromper”, digo.
“Ah, não está interrompendo”, minha mãe responde rápido.
“Só estamos falando de trabalho. Cadê sua irmã?”
“Tirando o uniforme do acampamento. Vamos jogar
minigolfe.” Aponto para os braços do meu pai e pergunto:
“Você tem jogado golfe ultimamente? Seus braços estão menos
redondos do que da última vez que os vi.”
Ele me encara, indignado.
“Redondos? Como ousa?”
“A verdade dói, cara. Mas dá para ver que você está treinando
ou sei lá. Você está ótimo.” Ele deve ter perdido uns sete quilos
nos últimos meses.
“Estou tentando.”
“Acho que eu não deveria ter trazido tanta linguiça, então”,
digo com um sorriso. Talvez eu tenha exagerado um pouco
quando visitei meu açougueiro favorito de Boston a caminho
de Heartsong.
“Espera, tem linguiça?” Seus olhos se iluminam. “Por favor,
me diz que é do Gustav.”
“Não, comprei de um açougueiro de supermercado qualquer.
Claro que é do Gustav.”
Minha mãe olha para meu pai.
“Nunca vou entender essa obsessão.”
“Certas pessoas simplesmente não conseguem ver o
panorama geral”, meu pai diz, acenando para mim.
Aceno em resposta.
“Exatamente.”
Ela fica exasperada.
“O que a linguiça tem a ver com o panorama geral? Que
panorama geral é esse que vocês estão falando? Quer saber…
esquece! Não importa. Só estou feliz por você estar em casa”,
minha mãe diz, colocando os braços ao redor da minha
cintura.
Sua cabeça mal encosta no meu queixo. Com um metro e
oitenta e cinco, herdei a altura do meu pai e a combinação
perfeita do tom de pele dos dois. Devo admitir: sou bonito pra
caralho.
“Queria que você pudesse ficar mais”, ela estala a língua.
“Eu também, mas vou dar uma festa de despedida para Beck
no sábado à noite.”
Seus olhos se arregalam.
“Ele vai se mudar?”
“Não. Vai passar as férias na Austrália. O cara quer uma festa
de despedida para uma viagem de um mês.”
“Sempre gostei dele”, meu pai comenta, porque todos gostam
de Beckett Dunne. Ele esbanja charme, aquele vagabundo.
“Na semana que vem eu volto”, prometo a meus pais. “Quero
tentar passar todos os fins de semana aqui até o verão acabar.”
Minha mãe fica contente.
“Sua irmã vai adorar.” Ela hesita. “Vai ver Lynsey enquanto
está aqui? Cruzamos com ela na outra noite na casa de
panquecas.”
“É, estou sabendo. Ela me contou.”
“Ah, então vocês ainda se falam.” Minha mãe pergunta com
um tom desconfiado.
Sinceramente não sei dizer se meus pais estão tristes ou
felizes por termos terminado. Às vezes, pareciam gostar dela de
verdade. E, outras, eu os pegava trocando olhares, como agora.
“Vocês ficariam felizes se a gente voltasse, certo?”, pergunto.
Minha mãe pisca, surpresa.
“Não sabia que vocês estavam considerando voltar.”
“Não estamos. Só hipoteticamente, ficariam felizes?”
“Sempre vamos apoiar o que você fizer”, ela diz, e meu pai
concorda com a cabeça.
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Não é bem uma resposta. Mas não vou insistir em um
cenário hipotético, considerando que Lynsey não demonstrou
nenhum interesse em reatar o relacionamento.
“Certo, vou caçar a pequena e sair. Deixar que ela gaste um
pouco de energia no campo de minigolfe e encher a barriga
dela de porcaria e açúcar para ela capotar quando voltarmos.”
“Obrigado por sair com sua irmã. A gente estava ansioso para
passar uma noite a sós.” Meu pai pisca para minha mãe.
“Urgh, que nojo. Não quero pensar nas atividades que vocês
planejaram para quando estivermos fora.”
Meu pai faz uma expressão maliciosa.
“Melhor assim.”
“Acabei de falar que não quero saber”, resmungo.
Ouço os dois rirem de mim enquanto saio da cozinha.

Na noite seguinte, eu e meu pai curtimos uma maratona da


Copa Stanley, assistindo a filmagens antigas de algumas das
nossas vitórias de campeonato favoritas. Ele gravou todos os
jogos dos últimos vinte e cinco anos, então não falta o que
escolher. Quando chegamos ao jogo em que Garrett Graham
ganhou com os Bruins, goleando de 4 a 0, meu pai diz:
“Não acredito que o Luke se casou com alguém dessa
família.”
“Né? Quer dizer, não acredito que Luke se casou, ponto. Mas
é uma família e tanto para entrar”, digo, maravilhado. “Realeza
do hóquei é pouco.”
Noto como os olhos do meu pai brilham quando Graham
marca um dos gols mais bonitos que já vi para garantir a Copa
para o time. Porra, mal posso esperar pela oportunidade de
correr atrás desse troféu. Quero segurar a taça nas mãos. Quero
ver a prata fria brilhar sob as luzes do estádio.
“Você sente falta?” Pergunto ao meu pai. “De jogar?”
“Todos os dias”, ele fala sem hesitação, e isso me dá um
aperto no peito.
Não consigo imaginar como deve ter sido devastador entrar
no gelo para seu primeiro jogo da nhl e, logo no primeiro
tempo, sofrer uma lesão que acabaria com sua carreira. Numa
jogada trágica, meu pai rompeu o ligamento cruzado anterior e
o medial, e seu joelho ficou comprometido. Não haveria como
jogar no mesmo nível de novo. Sua estabilidade articular já era,
e os médicos avisaram que ele poderia sofrer lesões
permanentes se continuasse jogando.
O hóquei era sua vida e foi arrancado dele. Quando fui
selecionado pelo Chicago, desabei a chorar. Ver o orgulho
estampado no rosto do meu pai, saber que eu jogaria pelo
mesmo time que ele tinha jogado, mesmo que por pouco
tempo… desencadeou uma onda da mais pura emoção que me
deu um nó na garganta. Tudo que eu queria era deixá-lo
orgulhoso. Não estou nem aí se isso me torna sentimental, mas
eles são os melhores pais que alguém poderia ter. Eu e
Maryanne temos muita sorte.
Por falar em Maryanne, ela escolhe esse momento para
entrar na sala e se jogar entre nós no sofá, tagarelando sobre o
itinerário de amanhã. Eles vão para o planetário.
“Cara, e não é que o acampamento espacial parece
maneiro?”, comento.
“É divertido”, ela reconhece. “Mas! O acampamento de
geologia é ainda melhor.”
“Hm. Será?” Entro na brincadeira. Pelo canto do olho, vejo
meu pai segurando um sorriso.
“Com certeza!” Maryanne começa a nos contar sobre o
acampamento de geologia, explicando que tem três dias
inteiros dedicados à arqueologia, quando eles fazem uma
escavação de mentirinha. “E! Vamos caçar rochas. O folheto diz
que tem várias ágatas por aqui.”
“Tem o quê?” Pergunto.
“Ágata. É uma pedra preciosa.” Ela bufa para mim. “Você não
sabe nada sobre a geologia de Vermont?”
“Não. E estou ofendido que você ache que eu saberia. Eu era
popular na escola.”
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“Sou muito popular”, Maryanne diz, orgulhosa, e continua
disparando informações sobre o acampamento de geologia.
“Ah! E vamos garimpar serpentinas!”
“Tipo cobras?” Franzo a testa.
“Não. É uma rocha. Serpentina. E é tão linda. É esverdeada e
preta e superlisa. O panfleto diz que vão dar picaretas para a
gente poder escavar.”
“Como é que é? Vão dar picaretas para as crianças?”
“E daí?” Maryanne questiona.
“E daí que parece extremamente irresponsável.”
Meu pai racha de rir.

O resto da visita passa voando, e fico triste em me despedir


quando chega a sexta-feira. Saio de Heartsong depois do rush
matinal, voltando para Hastings no começo da tarde.
Quase imediatamente, noto que algo aconteceu com os
moradores do meu condomínio.
Foram substituídos por clones.
Clones esses que, por algum motivo, não vão com a minha
cara.
Não que fossem todos extremamente simpáticos antes, mas
pelo menos eu recebia sorrisos e apresentações quando
passeava por Meadow Hill.
De repente estão todos praticamente hostis.
Como aquele cara, Niall, que mora no andar de baixo.
Quando cruzo com ele no estacionamento de visitantes
externo, onde deixo minha Mercedes, ele aponta o dedo para
mim e dispara: “Sua música é alta demais”. Depois clica na
chave que trava seu Toyota compacto e sai andando.
Harry, o porteiro do saguão do edifício Sicômoro, fecha a
cara quando aviso que vou receber pessoas no sábado. Não sou
nem obrigado a contar para ele. Foi uma cortesia.
Na trilha, passo por um dos casais que moram no Salgueiro-
Chorão, e a esposa me lança um olhar congelante.
Quando digo oi, ela responde com:
“Ah, tá.”
Agora, estou pegando minha correspondência quando a
mulher que mora ao lado de Niall — acho que se chama Priya?
— se aproxima das caixas de correio como se estivesse
entrando na jaula de um leão.
Eu a cumprimento com um sorriso e percebo que, não, não
é receio. Sua expressão transparece o mais profundo desprezo,
como se entrasse na jaula de um leão que ela quer matar.
“Olá”, digo, meu sorriso vacilando.
“Ok.”
Não sei se “ok” é melhor do que “ah, tá”, mas parece um
degrau abaixo na escala de cumprimentos.
“Priya, né?”, eu me apresento novamente. “Shane.”
“Lembro do seu nome. Não esqueço nomes.”
“Tá, você deve ser boa nisso. Acompanhando tantos
pacientes. Diana comentou que você era psicóloga ou coisa
assim?”
“Sou psicoterapeuta.”
“Que legal! Fez faculdade para isso?” É a pergunta mais tonta
que eu poderia ter feito, mas ela está me deixando
constrangido com seu olhar mal-humorado e a boca
carrancuda.
“Escolhi o caminho da psicoterapia, mas sou médica com
especialização em psiquiatria e doutora em psicologia.” Ela me
lança um olhar depreciativo antes de se virar para destrancar a
caixa de correio. “Por Harvard.”
“Uau.” Estou realmente impressionado.
“Pois é. Não é espantoso que mulheres possam ser doutoras
no século vinte e um? Que nosso valor não está mais associado
a como os homens nos tratam?”
Fico olhando, atônito.
Ela está sorrindo para mim com doçura.
Que porra está acontecendo?
Mantenho a expressão agradável no rosto e digo:
“Com certeza. A libertação das mulheres merece cinco
estrelas.”
Seus olhos se estreitam. Jesus. Esses olhos. Escuros como
carvão.
“Está tirando sarro do movimento feminista?”
“Nem pensar. Acho demais.” Coloco minha correspondência
embaixo do braço às pressas. “Ok, preciso ir.”
Saio correndo do vestíbulo, sentindo o olhar de Priya
perfurando minhas costas.
Qual é o problema dessa galera? Ninguém tinha me dado
uma recepção pra lá de calorosa, mas imaginei que fosse
porque não gostavam da ideia de um universitário se mudando
para um condomínio cheio de casais e famílias. Mas também
tem um número grande de solteiros em Meadow Hill, e quase
todos que encontrei hoje agiram como completos imbecis.
É só quando saio para nadar algumas horas depois que
finalmente encontro um rosto amigável, de uma mulher na
casa dos cinquenta que está saindo da área da piscina enquanto
estou entrando. Eu já a vi por ali antes, mas é a primeira vez
que ela para e conversa comigo. Antes, parecia se contentar em
me comer com os olhos por trás de seu livro enquanto eu
fingia não notar.
“Oi! Shane, né?” Ela tem o cabelo pintado de ruivo, a pele
muito bronzeada e, ao contrário de todos os outros neste lugar
maldito, está exibindo um sorriso de verdade.
“Sim. Sou eu.” Estendo a mão para ela. “Prazer em te
conhecer.”
“Sou Veronika. Cerejeira, 1A.”
Sua mão fica na minha por tempo demais, até eu ser
obrigado a soltá-la. Uso o pretexto de precisar tirar o celular do
bolso, mas isso acaba chamando a atenção para o aparelho e dá
uma ideia errada a ela.
“Sim, boa ideia, vamos trocar telefones!” Veronika parece
encantada. Ela tem uma daquelas vozes roucas que me diz que
devia fumar uns dois maços por dia na juventude. Talvez ainda

É
fume. “É sempre bom ter os contatos dos vizinhos. Quer que
eu adicione você no grupo do Meadow Hill?”
Tem um grupo?
Porra, Dixon. Aposto que ela conspirou para me manter fora
dele.
“Eu adoraria”, digo a Veronika, exibindo minhas covinhas.
Ela sorri como uma adolescente. Trocamos contatos, e ela sai
rebolando exageradamente.
Tenho quase certeza que ela quer dar para mim.
Estendo a toalha sobre uma das espreguiçadeiras e me deito,
decidindo mexer um pouco no celular antes de nadar. Acabei
de terminar o treino de uma hora na academia de Meadow
Hill, e acho que talvez tenha exagerado um pouco. É dia de
braço, então a ideia de usar os braços de novo para me mover
pela água faz todos os músculos do meu corpo chorarem.
Levo meus treinos fora de temporada a sério, mas nesse
verão estou em uma rotina ainda mais intensa. Pretendo estar
na melhor forma da minha vida quando começar a temporada
de hóquei. Não tem mais espaço para corpo mole. A essa altura
no ano que vem, vou comparecer ao acampamento de
treinamento da nhl. A última coisa que quero é aparecer para
meu primeiro acampamento ofegante e sem ar como uma
fumante de cinquenta anos porque me permiti perder o
condicionamento.
Encontro algumas mensagens no grupo dos meninos. os
meninos tudo em maiúscula, como Beckett batizou. E, sim,
tudo em maiúscula faz parte do nome. Eu sinceramente não
entendo por que as mulheres se derretem por ele. Ele não é
engraçado.
BECKETT
Alguém a fim de uma balada hoje?

WILL
Passo. Estou queimado demais de sol para me
mexer.
Originalmente, o grupo era só para mim, Beckett e Ryder,
mas Beck adicionou Will depois que eles viraram carne e unha.
Nunca conheci duas pessoas mais obcecadas por filmes de
viagem no tempo. E suruba. Eles fazem bastante isso também.
Não que eu julgue.
BECKETT
Você devia ter pedido para uma das tiazonas
gostosas passar protetor solar na sua pica.

WILL
Não como as clientes. Vou ficar repetindo isso até
você ser obrigado a aceitar.

BECKETT
Jamais. Ryder, você topa?

RYDER
Eu? Nem fodendo. Mas deixa eu ver com a patroa.
Se ela quiser ir, eu vou.

BECKETT
Nossa

RYDER
Nossa o quê?

BECKETT
Aquela mulher manda em você agora. Tá ligado, né?

RYDER
Sim, e daí?

Ergo uma sobrancelha para a tela. Senhor, o que aconteceu


com meu parceiro Ryder? O cara foi de evitar namorar a todo
custo para se casar e entregar alegremente as bolas em uma
bandeja de prata.
Embora eu ache que, se minha esposa fosse Gigi Graham, eu
também entregaria minhas bolas a ela com todo prazer.
Eu a ouvi gozar uma vez. Ainda penso nisso às vezes. Já bati
punheta lembrando disso algumas vezes, embora eu nunca vá
contar isso para Ryder. Ele cortaria meu pescoço.
Ou talvez não?
Quer dizer… ele sabia muito bem que eu estava do outro lado
da porta da sala de estudos quando ele e Gigi transaram na
biblioteca no último outono. E tenho certeza que ele devia
saber que eu ficaria extremamente excitado em ouvir os
gemidinhos dela. Parte de mim acha que ele até me deixaria
assistir se Gigi quisesse. Ele faria qualquer coisa por aquela
mulher. Está completamente apaixonado.
Mas não tenho tesão em ver.
Ser visto, por outro lado… Isso eu toparia. Mas eu não
sugeriria isso para ninguém, nem para uma namorada. Na
única vez que mencionei esse fetiche para Lynsey, ela ficou tão
revoltada que nunca mais falei nada. Ela me acusou de assistir
pornografia demais. O que está longe de ser verdade porque
quase nunca uso pornô para me masturbar. Prefiro a coisa de
verdade.
Quer dizer, hoje em dia nem tanto. Agora que sexo casual
está fora de cogitação graças ao fiasco com Crystal, só vou
transar se arranjar 1) uma namorada ou 2) uma amizade
colorida. Alguém com quem eu passe um tempo considerável.
Alguém com quem eu possa fazer sexo regularmente no lugar
de aventuras vazias e impessoais.
Estou para responder o grupo dizendo que não estou a fim
de sair hoje quando o celular vibra na minha mão. Sorrio ao
ver a notificação.

VERONIKA PINLO ADICIONOU VOCÊ AO GRUPO


“VIZINHOS”.
Aí sim! Já é um avanço! Posso ter sido rejeitado por todos
hoje, mas pelo menos conquistei Veronika. E agora quem sabe
o resto se impressione com minha personalidade incrível
através das minhas mensagens divertidas e comece a gostar de
mim.
O otimismo mal cria raízes quando outra notificação aparece.

DIANA DIXON REMOVEU VOCÊ DO GRUPO “VIZINHOS”.


7

diana

Kenji me traiu

Meu pai chega no sábado de manhã para consertar meu


chuveiro. Me ofereço para ajudar, mas ele recusa e diz que
trabalha melhor sozinho, então preparo omeletes para nós
enquanto espero. Ele sai do banheiro literalmente dez minutos
depois e anuncia:
“Pronto.”
Fico olhando, incrédula.
“Tem noção que passei horas assistindo vídeos para tentar
consertar aquela porcaria e você conseguiu em minutos?”
Ele dá de ombros.
“Só precisava ajustar a válvula reguladora.”
“Odeio que, mesmo depois de todos aqueles tutoriais on-
line, ainda não sei do que você está falando. Estou me sentindo
inútil agora.”
Meu pai sorri.
“Não se preocupa, filha. Nunca vou pedir para você consertar
a temperatura do meu chuveiro, mas você ainda é a primeira
pessoa que eu gostaria de ter ao meu lado em uma briga.”
“Óbvio. Thomas nunca te ajudaria.”
“Ajudaria sim. Ele se meteria na briga. Mas se sentiria
culpado e começaria a cuidar dos ferimentos dos inimigos. Já
você…”
“Faria picadinho deles”, digo, solene.
“Essa é a minha garota.”
“Toma.” Passo um prato para ele. “Só me deixa passar
manteiga na sua torrada.”
Tomamos café lado a lado no balcão da cozinha, conversando
sobre o que temos feito. Meu pai é líder de uma equipe da
swat no departamento de polícia de Boston, então suas
novidades são sempre muito mais interessantes do que as
minhas. Ele me conta sobre uma batida num laboratório de
metanfetamina que sua equipe fez na semana passada,
balançando a cabeça ao chegar na parte em que encontraram
três crianças pequenas na casa, escondidas dentro de um
armário. Não sei como ele consegue. Arrombar portas de
biqueiras. Realizar buscas de alto risco. Enfrentar situações
com reféns. Toda essa adrenalina me daria um infarto. Mas
meu pai se dá bem com isso. Ele é, sinceramente, o homem
mais corajoso que conheço.
“E você?”, ele pergunta. “Como estão indo os ensaios de
dança?”
“Muito bem! Estou com muita esperança para a competição
deste ano. Acho que eu e Kenji podemos chegar ao top dez.”
“Claro que podem. Vocês são imbatíveis.”
“Todo mundo que está competindo também é”, resmungo.
“Vai ser uma estrada íngreme, com certeza.”
“Você consegue.” Ele chega perto e cutuca meu ombro com o
dele. “Nunca fugiu de um desafio na vida. Nunca encontrou
um obstáculo que não fosse capaz de superar.”
Meu pai é meu maior fã, e isso é bom demais.
É só depois que ele se despede com um abraço e promete dar
uma passada por aqui na semana que vem que me dou conta
que a estrada que estou encarando é mais do que íngreme: é
uma linha vertical que se estende até o céu.
Kenji liga enquanto me preparo para meu turno na
lanchonete e me solta a maior de todas as bombas.
“Como assim, não pode participar da competição?”, grito ao
telefone. “Por que não?”
“Preciso que você se sente.”
“Tarde demais. Já desmaiei de tão horrorizada.” A ansiedade
me atravessa. Ele não pode me deixar na mão. Não pode.
Combinamos de filmar nosso vídeo de audição em breve.
“Arranjei um trabalho num superiate”, Kenji revela. “Viajo
amanhã e fico seis meses fora.”
“Por que está me contando isso agora?”
“Vou trabalhar como barman particular no superiate de um
bilionário excêntrico cujo nome não posso revelar por causa de
um acordo de confidencialidade que assinei, mas digamos
apenas que ele é da área de tecnologia e pode ou não ser
bígamo.”
“Ai, meu Deus”, digo, em choque “você vai trabalhar para
Constantine Zayn?”
Zayn é o terceiro homem mais rico do mundo.
Recentemente foi revelado que ele é legalmente casado com
duas mulheres, uma na Grécia e a outra nos Estados Unidos e,
agora, as duas estão pedindo o divórcio e disputando por
metade de uma considerável fortuna.
“Não posso negar nem afirmar”, Kenji diz com inocência.
“Certo, primeiro, vou querer detalhes sobre isso depois.
Tenho certeza que conseguimos encontrar brechas no acordo.
Segundo: como você pôde fazer uma coisa dessas?”
“Argh”, ele resmunga alto no meu ouvido. “Eu sei. Desculpa.
Tipo, de verdade, de verdade mesmo. Sei como isso é
importante para você. Mas… um superiate, Di.”
“E a faculdade?” Ele está para entrar no penúltimo ano na
Briar. “Você não pode simplesmente desaparecer por seis
meses.”
“Vou voltar em janeiro para o semestre de inverno, depois
compensar o resto das matérias no próximo verão. É uma
oportunidade única na vida.”
“Como você arranjou um trabalho desses?”
“Saca só! Minha mãe faz o cabelo da amante.”
“O cara tem duas esposas e uma amante? Parece um
exagero.”
“A amante estava no salão da minha mãe, reclamando que
perderam metade dos empregados do iate porque foram todos
presos por tráfico de pessoas.”
“Desculpa. Como é que é?” Minha cabeça está girando.
“Olha, essa história é um labirinto que levaria anos para
entender. Minha mãe falou: ah, meu filho trabalha em bar para
pagar a faculdade, seria perfeito para o serviço. No dia seguinte?
Recebo uma ligação de Cons… meu novo empregador não
identificado”, ele se corrige rapidamente. “Falei com um
bilionário, Diana.”
“Estou feliz por você. Juro. Mas, caramba, Kenji. É o cndsaa!”
“Eu sei. Mas tenho certeza que você vai conseguir encontrar
outra pessoa.”
“Sim, posso escolher entre todos os amantes de dança de
salão que vagam pelas ruas de Hastings na esperança de algum
dia competir.”
“Posta um vídeo de socorro na Ride or Dance. Vai que
alguém da região de Boston quer se candidatar para ser seu
parceiro.”
“Tá, até que não é uma má ideia. Mas ainda estou brava com
você.”
“Desculpa. Eu estava me divertindo nos ensaios. Mas vamos
ser honestos: nunca ficaríamos entre os melhores.”
“Não é verdade”, reclamo. “Podemos chegar ao top dez. Já são
dois mil em prêmios.”
Ele ri alto.
“Nós dois sabemos que não vamos ganhar dinheiro nenhum.
Ficamos em décimo quinto na nossa categoria no ano passado.
De vinte.”
Ele tem razão. É improvável. Mas nem por isso gosto de ver
o balão dos meus sonhos estourar assim. É mais legal quando
ele está flutuando por aí como um símbolo de esperança e
glória. Como se talvez esse ano conseguíssemos mandar bem
na valsa vienense, e os juízes ficassem maravilhados, chorando
pela beleza inigualável dos nossos corpos em movimento.
Talvez todos os outros competidores quebrem as pernas num
p q p
acidente trágico de esqui de verão na noite anterior. Não
entendo mesmo por que Kenji está sendo tão pessimista. O
balão dos sonhos é cheio de possibilidades infinitas!
“Por favor, não vai. Por favorzinho?”, imploro numa última
tentativa desesperada, mas perdi Kenji na palavra bilionário.
Enquanto visto meu uniforme de garçonete, resmungo o
tempo todo. Não lido bem com decepções, muito menos
quando são causadas por algo que não está sob meu controle.
Uma coisa seria se eu tivesse desistido por conta própria, mas,
poxa, tiraram de mim a opção de escolha.
Estou oficialmente acrescentando Constantine Zayn à minha
lista de arqui-inimigos, embaixo da minha antiga treinadora de
ginástica e de Shane Lindley.
Meu humor cai mais ainda quando começo meu turno na
Della’s Diner. Atendo um cliente pior que o outro. Um homem
me faz devolver a torta três vezes porque não vai com a cara da
massa. Sou finalmente obrigada a chamar meu gerente, que
informa ao chatonildo que vai ter que pagar por duas das três
fatias porque, gostando ou não da massa, ele comeu quase
metade de cada pedaço.
Depois do trabalho, entro no banheiro para trocar o
uniforme por um short jeans e uma camiseta listrada. Vou
encontrar Gigi para jantar no Malone’s no fim da rua.
Meus tênis brancos ressoam enquanto corro pela calçada na
direção do bar de esportes na esquina da rua principal. Gigi me
mandou uma mensagem dizendo que já chegou e pegou uma
mesa para nós.
“Kenji me traiu”, anuncio enquanto me sento na frente dela.
Ela tira os olhos do cardápio. Seus lábios estão se contraindo
num sorriso.
“Que pena.”
Eu a encaro.
“Não tem graça.”
“O que rolou?”
“Ele desistiu da competição.”
“Não! Tá, isso é bem ruim.”
“Viu? Falei.”
“Você consegue encontrar outro parceiro?”
Resmungo.
“Quem, Gigi? Quem vai passar o verão aprendendo tango
para executar um número bom o suficiente para se classificar
para a competição de dança mais importante de todos os
tempos?”
“Não acho que seja a mais importante de todos os tempos…”
“Todos os tempos da eternidade”, teimo.
Dá para ver que ela está tentando não rir da minha cara de
novo. Pelo menos, ela passa os próximos dez minutos
sugerindo onde posso encontrar um novo parceiro, mas não
estou sentindo muita esperança. O balão dos sonhos está
completamente murcho. Parece que o cndsaa não está no meu
destino esse ano, e estou chateada.
Passamos o resto do jantar conversando sobre o casamento,
no qual Gigi tem muito pouco envolvimento. Sua tia está
controlando tudo e estamos só de carona. Temos uma prova
marcada para a semana que vem, e mal posso esperar para ver
meu vestido. Mya reclamou por mensagem outro dia sobre não
podermos escolher os estilos dos nossos vestidos, mas precisei
lembrar a ela que Summer Di Laurentis é uma estilista muito
requisitada. Ela nunca nos faria errar. Além disso, o grupo de
padrinhos vai usar verde-sálvia. Eu arraso de verde-sálvia.
“Ah, aliás, queria perguntar uma coisa”, Gigi diz quando
menciono que eu e Mya temos uma videochamada marcada
amanhã para tratar dos detalhes da despedida de solteira.
“Vocês ficariam superofendidas se não fizéssemos uma?”
“É sério isso?”
“Puts, acho que isso é um sim.”
“Não, é um não!” Alívio toma conta de mim. “Você não faz
ideia do pesadelo logístico que isso tem sido. Todas as garotas
do seu time de hóquei estão espalhadas pelo país, você tem
cinco mil tias e primas, todas têm trabalhos ou estão viajando
nas férias de verão. Sem brincadeira… eu e Mya estamos
batalhando aqui, e você sabe que normalmente conseguimos
planejar uma viagem e tanto. Podemos dar um jeito, mas…”
“Ai, meu Deus, vamos só não fazer, então”, Gigi interrompe,
igualmente aliviada. “Tem muita coisa acontecendo neste
verão. Vamos viajar para o Arizona amanhã e nem fiz as malas
ainda. É por isso que não vamos à festa hoje.”
“Que festa?”
“A festa no seu condomínio? A despedida de Beckett.”
“Como assim? Ele está se mudando? Por que não sei nada
sobre isso?”
Ela sorri.
“Ele não está se mudando. Vai viajar.”
“Ah. Nossa. Que exagero.”
“Nem me fala.”
Mordo os lábios por um momento.
“Tá. Mas eu ainda chuparia o pau dele.”
Ela cai na gargalhada.
“Argh. Maldito Shane. Por que ele vai dar uma festa? Eu só
queria uma noite tranquila para ficar em dia com Casinho ou
casório.”
“Puta merda, a gente nem falou sobre isso!” Seus olhos
cinzentos ficam animados. “Você viu que Leni e Donovan
ficaram? Nunca ouvi tanta merda sair da boca de um homem.”
Concordo com a cabeça.
“Donovan é o pior tipo possível. Ele não está lá por bons
motivos. Só está fingindo gostar da Leni, e fico com tanta dó
dela, porque ela é muito fofa e gosta dele de verdade.”
“Aquele relacionamento é uma tragédia anunciada”, Gigi
suspira.
Por falar em tragédias, Shane está prestes a provocar a ira da
Associação de Moradores do Meadow Hill, considerando o
volume de barulho que ouço da piscina quando chego em casa.
Claro, são só nove horas. Tecnicamente, Niall só pode começar
a reclamar depois da meia-noite.
Por outro lado, imagino que, depois que as luzes da piscina
se apagarem automaticamente, Shane vai passar a festa para o
p g p p
Bétula-Vermelha, o que vai levar Niall a um colapso nervoso.
Entro no meu apartamento, descalço os tênis e vou dar ração
para o Skip. Enquanto coloco comida no aquário, ele me
encara com seus olhos sem vida, e o encaro de volta até ele se
sentir constrangido e nadar para o outro lado. Isso mesmo,
Skip. Você não manda aqui.
Mesmo com a porta da sacada fechada, escuto o barulho que
vem da área da piscina. Risos abafados, música e conversas
distantes. Curiosa para ver quem Shane pagou para vir à sua
festa (porque ninguém seria amigo dele de livre e espontânea
vontade), deslizo a porta de vidro e me aproximo do corrimão
branco.
É uma festinha de tamanho razoável. Talvez umas vinte
pessoas, metade na piscina, as outras espalhadas pelas
espreguiçadeiras ou sentadas nas mesas brancas do deck. Uma
caixa de som externa toca uma música pop tranquila em
volume baixo, o que me diz que Shane está tentando ser
cuidadoso para que os vizinhos não o odeiem. Mal sabe ele.
Todos mundo já odeia.
Estou entrando quando Shane me vê, a cabeça escura se
virando na direção da minha sacada. Ele está no meio da
piscina com a água na altura da cintura, usando uma sunga
vermelha e segurando uma cerveja. O sol já se pôs, mas a lua
está quase cheia no alto do céu, iluminando todos os traços
esculpidos do rosto de Shane.
Quando nossos olhares se encontram, ele ergue a garrafa de
cerveja.
“Dixon”, ele chama. “Vem também.”
“Desculpa, não consigo ouvir por causa da música.” Aponto
para os ouvidos, fingindo demência.
Ele sai da piscina sem dificuldade. Água pinga do seu cabelo
e escorre pelo seu corpo em linhas sinuosas. Seu tanquinho
reluz quando o luar se reflete nas gotículas. Tento tirar os
olhos, mas não consigo nem piscar enquanto o vejo avançar na
minha direção.
Eu me dou conta do que está acontecendo e quase vomito de
nojo.
Ai, meu Deus. Eu estava admirando o corpo de Shane
Lindley.
Preciso de uma intervenção.
“Falei para você vir também”, ele repete, andando descalço
na grama. E para a uns dez metros da sacada. “Está divertido.”
“Não, obrigada.”
“Por que não?”
“Porque quebraria uma regra Dixon. Você e eu não
socializamos.”
“E nós? Socializamos?” Beckett Dunne se aproxima de Shane,
também descalço e sem camisa. Seu cabelo loiro está molhado
e quase chega aos ombros.
Senhor, ele é um deus australiano, tão delicioso que não
consigo deixar de admirar. Pelo menos ele eu posso admirar.
“Estou solitário, Julieta”, Beckett cantarola para a sacada.
“Vem me fazer companhia.”
Abro um sorriso meigo para ele.
“Dispenso, Romeu.”
“Vem, uma bebida.”
“Di!”, alguém grita.
Olho para atrás dos ombros largos deles e encontro Fátima
do acampamento de líderes de torcida. Ela está usando um
maiô preto elegante e acenando para mim de uma das
espreguiçadeiras. Caramba, eles conseguiram fazer com que ela
viesse? E são Lily e Gia na piscina? Lily é outra orientadora,
enquanto Gia está na equipe da Briar comigo. As duas de
biquíni estão na parte rasa, conversando com Will Larsen e
alguns caras que não reconheço.
Por que todas as minhas amigas estão aqui?
Meu olhar se volta para os peitos musculosos de Shane e
Beckett.
Ah. Por isso.
“Tá”, cedo, fazendo questão de olhar feio para Shane. “Já
desço.”
8

shane

Ganhei

A maioria das pessoas está viajando durante o verão, então o


evento de hoje não é nenhuma festança. É só Will, Beck,
alguns outros caras do time. Algumas líderes de torcida.
Meninas da cidade que Beckett conheceu em Hastings e alguns
caras com quem jogamos sinuca no Malone’s. Ao todo, umas
vinte a vinte e cinco pessoas. Não deve ser o bastante para
irritar a Associação de Moradores, mas me sinto um pouco
como um monitor de escola enquanto fico dando a volta
pedindo para todos fazerem menos barulho e garantindo que
nada saia do controle.
Como essa brincadeira de cavalinho na piscina que de
repente virou topless.
“Ei, não pode tirar o biquíni”, repreendo a ruiva cuja parte
de cima do biquíni está na cintura de repente. “Aqui é um
ambiente familiar.”
Com uma piscadinha, ela cobre o belíssimo par de peitos e
volta a amarrar os cordões do biquíni.
“Desculpa, senhor.”
Não é que meu pau se anima com isso?
Acho que não tenho nenhum fetiche em ser chamado de
senhor, mas gosto de mandar na cama. Não em um sentido
agressivamente dominante; nunca pediria para uma mulher vir
rastejando até mim ou coisa parecida. Mas ditar as regras me
excita sim.
“Não acredito que Kenji desistiu da competição”, Fátima está
dizendo quando me junto ao pequeno grupo. Ela está com
Will, Beck e Dixon, uma presença com a qual estou chocado.
“Kenji largou você?” Pergunto a Diana, erguendo uma
sobrancelha. “Ele finalmente ouviu a voz da razão? Bom para
ele.”
Ela me mostra o dedo do meio.
“Não teve nada a ver comigo e com o fato de que eu sou
maravilhosa. Ele conseguiu um emprego novo.” Ela me ignora
com uma olhada, voltando os olhos verdes cheios de esperança
para Will. “Alguma chance de querer ser meu parceiro de
dança de salão?”
Ele quase cospe a cerveja rindo.
“Não. Jamais.”
“Por favor? Divido o prêmio em dinheiro pela metade se a
gente vencer.”
“Espera, você não dividiria com meu parceiro Kenji?”,
questiono.
Ela faz cara feia.
“É claro que dividiria. Só estou tentando fazer parecer que é
uma proposta melhor.”
“É, não vai rolar”, Will diz. “Não tem nada que eu goste
menos do que dançar.”
Diante da recusa insistente, ela volta a atenção para Beckett,
fazendo charminho.
“Não. Vou para a Austrália.” Ele estremece. “Graças a Deus
porque não sei dizer não para mulher bonita. Eu toparia se
estivesse aqui.”
“Cancela a viagem”, ela implora.
“Não.”
Diana faz biquinho e dá um gole no líquido em seu copo que
é tão rosa que chega a dar aflição. Quando viu que só tínhamos
cerveja na geladeira e algumas garrafas de uísque para shots,
voltou correndo para casa e chegou com uma garrafa cheia
dessa coisa rosa. É realmente esse o nome: Coisa Rosa. Segundo
as meninas, é o coquetel de vinho do momento, mas ainda não
provei e nem pretendo. Não estou a fim de vomitar hoje.
Enquanto ela bebe, eu a observo com expectativa.
“Quê?”, ela diz sobre a borda do copo.
“Não vai me pedir para ser seu parceiro?”
Em vez de responder, Diana começa a rir.
“Qual é a graça?”
“Você achou mesmo que eu pediria para você.” Ela ainda está
rindo quando dá outro gole. “Que fofo.”
Cara, meu ego costuma ser inabalável, mas Diana é muito
boa em fazer furos nele.
O que me lembra do que ela aprontou ontem.
“Aliás, aquilo não foi legal”, resmungo. “Me banir do grupo
do condomínio.”
“Não fui eu”, ela mente antes de abrir um sorriso presunçoso
e pegar a mão de Fátima. “Amiga, vamos dançar.”
“Eu vi que foi você!” Resmungo enquanto ela sai andando.
“Para de fazer gaslighting comigo!”
Ignoro a risada de Will e Beckett às minhas custas e decido
socializar com pessoas que não são traidoras.
É a noite perfeita de verão. Quase nenhuma brisa. Nenhuma
umidade. Apenas ar quente, uma lua brilhante e gente do bem.
Quer dizer, em sua maioria. Diana não conta.
Quando chega perto da meia-noite, diminuo a música de
novo, mas nenhum dos casais dançando na grama parece notar.
O corpo de Diana se move sensualmente contra o de Beckett,
que não tira as mãos dela. Observo com um sorriso. Ela está a
fim de dançar, e ele está a fim dela.
Acho que entendo o porquê. Claro, ela pode ter a língua
afiada e um ranço injustificado contra mim, mas sem dúvida é
linda. Sua camiseta listrada larga deslizou, expondo seu ombro.
O cabelo claro cai entre as omoplatas enquanto joga a cabeça
para trás, perdida na faixa de r&b sensual que toca baixinho sob
o ar da noite.
Meu olhar se fixa no shortinho jeans de Dixon que revela a
parte de baixo da bunda dela, depois desce por suas pernas
p p p p
bronzeadas, panturrilhas definidas e pés descalços. Suas unhas
estão pintadas de rosa. É fofo.
Will, que está ao meu lado enfiando um pedaço de pizza na
boca, segue meu olhar. Admiração transparece em seu rosto ao
ver Diana e Beckett. Seus olhos seguem o caminho provocante
das mãos de Beck enquanto se curvam sobre a bunda de Dixon.
Sorrio para ele.
“Ah, vocês acabaram de encontrar o terceiro elemento para
hoje?”
Ele faz cara de pânico.
“Nossa. Claro que não.”
“Verdade. Acho que com ela vocês não podem se meter. Gigi
mataria vocês.”
“Com certeza.” Ele termina o restante da fatia e pega a
cerveja em cima da mesa.
Joey e Ray, dois caras da cidade que conhecemos no
Malone’s, se aproximam para me dizer que estão indo embora.
Eles me dão tapinhas nas costas e soquinhos antes de
desaparecerem pela trilha. Tomara que não se percam na
propriedade. A última coisa de que preciso é que um dos meus
vizinhos encontre dois caras desmaiados nos arbustos amanhã
de manhã.
À meia noite, a festa diminui ainda mais. As únicas pessoas
que restam são Will, Beck, Dixon e duas das amigas dela, Lily e
Gia. As luzes da piscina se apagam, envolvendo-nos na
escuridão, mas não nos deixamos desanimar. As garotas
conversam em duas espreguiçadeiras, enquanto eu e os caras
nos sentamos no deck da piscina, com os pés na água. Estamos
falando sobre nossa vitória no Frozen Four na primavera,
revivendo o lance vencedor de Case Colson.
“Porra, quando ele lançou aquela bomba.” Beckett se arrepia.
“Quase gozei na cueca.”
“Do caralho”, Will concorda.
“Vocês acham que temos chance de duas vitórias
consecutivas no campeonato?”, reflete Beck.
“Comigo, Ryder e Colson no time?”, respondo. “Claro.”
g y p
“Nossa, valeu”, Will diz, seco. “Não me sinto valorizado.”
Estendo a mão para dar um tapinha nas costas dele.
“Não se subestima. Você é quase tão bom quanto nós.”
Ele me mostra o dedo do meio.
Mas é verdade. Will e Beck são ótimos jogadores, mas
nenhum deles vai para a nhl. Virar profissionais não é o plano
de vida deles como é para mim, Ryder ou mesmo Colson.
“Com os pais dele na cama ao lado!”
“Credo. Que horror.”
A conversa de Diana e Lily nos faz trocar sorrisos.
“Pois é. E não estou falando de uma suíte com quartos
adjacentes. Estou falando do mesmo quarto. Duas camas de casal.
A mãe e o pai numa cama. Todd e a namorada, em pleno
sexozão na outra.”
“Acho que vou vomitar.”
Me viro para encarar as meninas.
“Que merda de conversa estranha é essa?”
“Você não entenderia”, Dixon responde, me dispensando
como sempre.
“Acho que não quero entender”, Beckett diz, francamente.
“É um dos segredos que alguém revelou no Casinho ou casório
de ontem”, Gia explica. “Revelam as coisas mais malucas
durante os jogos de bebida deles.”
“Viram que colocaram aquele jogo de bebida no aplicativo?”
Gia diz para as amigas, a expressão brilhando de entusiasmo.
Juro, as mulheres se empolgam com as maiores bobagens.
“Sério?” Lily está igualmente eufórica enquanto pega o
celular da mesa entre as espreguiçadeiras. Ela e Gia encaram a
tela com entusiasmo.
“Tá, a gente precisa jogar”, Gia declara. “Podemos nos dividir
em dois times como no CoC.”
Lily sorri.
“Aaah, meninos contra meninas.”
E é assim que eu e os caras somos coagidos a participar de
um jogo de festa. É muito simples. Um comando aparece na
tela e o jogador da vez tem sessenta segundos para completar a
j g g p p
tarefa, que pode ser uma verdade ou um desafio. Se conseguir,
ganha um ponto. Se não, o outro time ganha.
“Então… vamos jogar verdade ou desafio”, Will diz, rindo.
“Não tem limite de tempo em verdade ou desafio.” O tom de
Gia é desdenhoso.
“Tem razão”, Beckett diz, solene. “É completamente
diferente.”
Nós nos sentamos ao redor de uma das mesas, as meninas do
lado oposto ao nosso. Estou surpreso que Dixon permita isso.
Achava que ela diria algo dramático, sobre como preferia
comer vidro numa banheira cheia de aranhas a jogar um jogo
de festa comigo. Mas aqui está ela, sentada tranquilamente em
sua cadeira, o cabelo loiro caído sobre um ombro, os olhos
verdes brilhando.
Lily é a primeira. Ela se levanta e espera Gia mostrar a tela
do celular para ela. O primeiro comando está escrito em letras
grandes garrafais, e o cronômetro começa assim que ele
aparece. Sessenta segundos em contagem regressiva.

ENCENE SUA POSIÇÃO SEXUAL FAVORITA COM ALGUÉM


DA EQUIPE ADVERSÁRIA.
“Fácil”, ela diz, sorrindo enquanto puxa Beckett da cadeira
dele. “De quatro.”
Estamos todos rindo enquanto ela se debruça na mesa e Beck
chega por trás dela, as mãos apertando seu quadril.
“Menina, você terminou em quatro segundos.” Gia está
impressionada.
Lily dá de ombros.
“Sei do que gosto.”
Rio.
O aplicativo marca os pontos, e o time das meninas agora
tem um ponto contra nós. Não estou preocupado em ficar em
desvantagem, considerando que esse jogo não exige muito
esforço ou concentração. A maioria dos comandos são
parecidos com o primeiro. Encene algo safado. Revele algo
sexy. Faça algo maluco. Beckett recebe a missão de despejar
uísque na bunda de Gia e lamber. Diana e Will têm que pular
na piscina sem tirar a roupa; o primeiro a entrar ganha o
ponto. Ganho um ponto contra Diana quando tomo um shot
de uísque antes dela, enquanto ela ameaça vomitar porque,
aparentemente não suporta o gosto de uísque.
Beckett precisa contar sua melhor piada para as oponentes e
tirar pelo menos uma risada para conseguir o ponto. Sua
contribuição é boa.
“Como se chama um limpador de piscina que não come a
dona da casa?”
“Como?” Diana pergunta, com cautela.
“Will.”
“Isso não é uma piada! É a afirmação de um fato!” Diana diz,
mas Gia estraga para as mulheres dando uma gargalhada alta.
“Traidora”, Diana a acusa.
“Foi engraçado”, argumenta Gia.
O próximo comando de Lily aparece na tela.

BEBA SE JÁ BEIJOU ALGUÉM DO MESMO SEXO.


A EQUIPE COM MAIS BEBEDORES GANHA O PONTO.
Das mulheres, Lily e Gia bebem. De nós, Beckett leva a
garrafa aos lábios. Quando Diana ergue uma sobrancelha para
ele, ele dá uma piscadinha. Ele está com Lily no colo agora,
enquanto passa a mão na coxa nua dela. Ainda sem nada além
do biquíni, ela reclamou que estava com frio e pediu o calor do
corpo dele.
Noto que Will não bebeu. O que significa que ou está
mentindo ou que todas as suas atividades extracurriculares
ilícitas com Beckett envolvem a regra de não se tocar.
“Sua vez”, Gia me diz, e volto a atenção para o celular.
ELOGIE A PARTE MAIS SEXY DE ALGUÉM DA EQUIPE
ADVERSÁRIA.
“Faz com a Diana”, Lily diz com uma gargalhada.
A contagem regressiva começa, e fico examinando o rosto de
Diana com exagero. Inclino a cabeça para o lado, estreito os
olhos, dou uma bela de uma encarada.
“Ah, vai se foder”, ela resmunga. “Todo mundo sabe que você
vai dizer alguma coisa vulgar, como minha…”
“Seu sorriso.”
Sua desconfiança é visível.
“Sério?”
“Você tem um sorriso muito bonito.” Minha voz de repente
soa um pouco áspera aos meus ouvidos.
“A pergunta era a parte mais sexy, não a mais bonita”, Gia
retruca. “Vocês não marcam ponto.”
“Ah, nesse caso, adoro a bunda dela.”
“Estava demorando”, Diana diz, com um suspiro.
Depois de mais algumas rodadas, o jogo está empatado. Só
falta um turno: o de Dixon. E o brilho determinado em seus
olhos me faz abafar o riso. Claro que ela é insanamente
competitiva. Não esperava menos.
“Pronta?” Gia diz.
“Pode mandar.” Diana volta a atenção para a tela.

BEIJE UM JOGADOR DA EQUIPE ADVERSÁRIA POR PELO


MENOS 20 SEGUNDOS.
“Shane!” Will e Beckett dizem ao mesmo tempo, e trocam
sorrisos.
Diana os encara, horrorizada.
“Como vocês são capazes?”
A contagem regressiva na tela diz cinquenta e seis segundos.
“Tique-taque”, provoco, batendo no relógio imaginário no
meu punho.
“Beija logo de uma vez”, Lily encoraja Diana. “Ele é gato.”
“Prefiro comer conchas do mar moídas.”
Viu? O drama.
“Isso é estranhamente específico”, Will comenta, olhando
para ela.
“Quarenta e cinco segundos…” Beckett cantarola.
Enquanto Diana continua paralisada na cadeira, olho para as
outras meninas, sorrindo.
“Entreguem logo a vitória para a gente. Ela se recusa. Vai
contra tudo em que acredita.”
“Não acredito que Casinho ou casório se voltou contra mim”,
Diana declara. Ela é muito melodramática.
A contagem regressiva está em trinta e oito segundos.
“Falei”, eu me vanglorio. “Ela vai se recusar. Sabe que vai
curtir demais.”
Seus olhos se inflamam.
“Ah, vai sonhando. Se minha língua estivesse na sua boca, só
um de nós estaria curtindo.”
“Sim. Você.”
Com isso, solto o dragão. Diana salta da cadeira e vem até
mim. Pisco e, de repente, ela está se sentando.
Ela se acomoda em meu colo, e minhas mãos envolvem sua
bunda por instinto para a equilibrar. Um arrepio desce por
minha espinha assim que faço contato.
Lambendo os lábios, Diana leva a boca à minha e me beija.
Quando nossos lábios se tocam, um raio percorre meu corpo.
Sua língua desliza para tocar a minha, e chamas disparam e
queimam em meu sangue. Meu coração pulsa nos dedos
enquanto os deslizo por debaixo da camiseta dela e toco a pele
suave da sua lombar. Ela geme baixo em resposta. Sua língua
gira levemente sobre a minha, provocante, até que solto um
som rouco de desespero.
Não sei o que está acontecendo agora, mas quero mais.
Quero sentir o gosto de cada centímetro dela.
Mas tudo para.
“E… tempo!” Lily declara, e ela e Gia começam a comemorar
que as meninas marcaram o ponto.
Já eu estou ocupado demais tentando compreender como um
beijo de Diana Dixon me deixou tão duro.
“Lindley”, ela sussurra, a palma da mão subindo por meu
braço nu.
Recuo, a cabeça um pouco confusa. Não consigo desviar o
olhar dela. Seus olhos verdes são viciantes.
Engulo em seco. Não consigo encontrar minha voz. Meu pau
está duraço, e não tenho como disfarçar. Sei que ela o sente
cutucando sua coxa.
“Oi?” Minha garganta está rouca.
Ela leva a boca perto do meu ouvido.
“Ganhei.”
9

diana

Ei, meu melhor amigo pode te comer?

A festa está acabando, mas meu coração ainda está


completamente descontrolado.
Beijei Shane Lindley.
Foi por birra e para ganhar um jogo, mas mesmo assim.
O que fiz foi inaceitável. Foi escandaloso. Foi…
O melhor beijo da minha vida?
Ai, meu Deus, cala a boca, ordeno à minha voz interior
traiçoeira. Como meu subconsciente me trai assim?
Mas o pensamento persiste. Talvez tenha sentido uma leve
excitação por causa do beijo. Como não, se sua ereção estava
pressionada contra mim? E era… substancial. Um pênis
generoso, como minha amiga Brooke descreveu o volume do
namorado uma vez.
Infelizmente, esse pênis generoso pertence ao arrogante e
insuportável Shane Lindley. Portanto, não vou fazer uso desse
pênis, muito obrigada.
Will Larsen me puxa de lado enquanto estou jogando
garrafas de cerveja vazias numa lata de lixo. Não sei como me
arrastaram para a limpeza se a festa nem era minha.
“Ei, posso dormir na sua casa hoje?”, ele pergunta, baixo.
Lanço um olhar estranho para ele.
“Por quê? Você mora tão perto. E não parece bêbado demais
para andar alguns quarteirões.”
“É, não estou nem alto.” Ele olha por sobre o ombro.
Sigo seu olhar e encontro Beckett e Lily. Eu a ouvi concordar
em ir para a casa com ele hoje, e ela está em cima dele como
um cachecol de caxemira.
“Por favor, Di. Me deixa dormir aqui. E, hum, dá para fingir
que a gente vai ficar?”
Bufo.
“É sério”, Will diz. “Só… sabe… faz parecer que tenho um
motivo para subir com você.”
O brilho suplicante em seus olhos castanhos é motivo de
preocupação. Não faz muito tempo desde que ele se mudou
para o apartamento com Beck e Ryder, logo depois que Shane
veio para Meadow Hill. Então, por que não quer voltar para
casa? Faz uma semana. Eles não podem estar tendo problemas
de convivência tão cedo.
Mas não consigo ignorar um homem em apuros, então,
quando Shane chega perto, passo o saco de lixo para ele e pego
a mão de seu companheiro de equipe.
Com uma piscadinha, Will entrelaça os dedos nos meus e
grita para Beckett.
“Ei, pode ir sem mim. Vou dormir aqui.”
Beckett parece surpreso por um momento. Depois nota
nossas mãos dadas, e os cantos da boca dele se erguem.
“Saquei. Até amanhã.”
Quando Beckett e Lily vão embora, puxo a mão de Will.
“Vamos lá.”
O queixo de Shane cai.
“É sério isso? Vocês vão ser escrotos e não ajudar?” Ele
aponta para as mesas ainda cheias de caixas de pizza e garrafas
vazias.
Abro um sorriso debochado para ele.
“Não é minha festa, não é minha responsabilidade.”
Will só dá de ombros.
“Foi mal, cara. Tenho outros planos.”
Shane lança um olhar fulminante para o companheiro de
equipe.
“Não faz isso, cara. Ela vai acabar com você. Ainda dá tempo
de tomar a decisão certa.”
“Ele só está com inveja”, tranquilizo Will. “Juro, esse cara é
obcecado por mim.”
“Vai sonhando”, Shane rosna. “E não esquece quem beijou
quem.”
“Não esquece que pênis estava duro e que vagina estava
seca.”
“Você estava mais molhada que o Atlântico”, ele dispara em
resposta.
“Mais seca que o Saara. Mas tudo bem. Tenho certeza que um
dia você vai conseguir excitar uma mulher. É só continuar
treinando com sua boneca inflável.”
Dando um tchauzinho indiferente com a mão livre, puxo
Will da área da piscina na direção da trilha para casa. Um olhar
de relance por sobre o ombro revela um Shane de mau humor,
os ombros largos curvados, limpando o resto da bagunça.
“Você poderia ser mais gentil com ele”, Will me diz. A lua
cheia revela claramente o sorriso divertido em seu rosto.
“Poderia”, concordo. “Mas não vou.”
Também não vou dar a ele a satisfação de saber como gostei
do beijo. Por que os babacas arrogantes sempre beijam bem?
Quando entramos no Bétula-Vermelha e fecho a porta do
apartamento, Will me lança um olhar sincero e diz:
“Obrigado por fazer isso.”
“Vai mesmo ficar?”
Ele faz que sim.
“Posso?”
“Sim, mas…”
“Não esquenta, não estou esperando que aconteça nada.”
“Que bom. Porque não vai acontecer. Mas preciso de uma
explicação em troca de casa e comida.”
“Você tem um lençol e uma coberta sobrando para eu
colocar no sofá?”
“Para de bobagem. Você vai dormir na minha cama. É grande
para nós dois. Mas vai ter que aturar minha rotina de skincare.
p q
Me recuso a deitar sem cuidar da pele.” Eu o observo. “Na
verdade, não faria mal você cuidar um pouco do rosto. Você
está meio queimado.”
“Trabalhei a semana toda ao ar livre.”
“Tá. Vem que eu cuido disso.”
Ele sorri, chamando a minha atenção para sua aparência de
bom moço. Ele é o típico rapaz estadunidense, que usa a
jaqueta do time do colégio no ensino médio, se forma na
faculdade com um curso bem prático e se casa com uma
mulher que vai dar de dois a cinco filhos a ele e assar biscoitos
nos fins de semana. No outono, vão juntos a plantações de
abóbora e tiram fotos em família, posando com suéteres laranja
combinando.
“Tudo bem?”
Volto do devaneio.
“Desculpa. Estava imaginando você numa plantação de
abóbora.”
“Eu estava pelado?”
“Claro que não. Isso assustaria as outras famílias.”
Ele fica confuso.
“Eu estava lá com uma família?’
“Longa história.”
Will ri.
“Beleza.”
Entramos no banheiro, onde pego o esfoliante que uso uma
vez por semana. Tiro a tampa do pote com a substância branca
rosada.
“Primeiro, esfoliamos a pele”, explico.
Pelo menos, ele não reclama. Segue minhas instruções, e
morremos de rir enquanto esfrego a substância granulada no
rosto dele. Depois que lavamos o esfoliante, pego o próximo
produto.
“Agora, aplicamos a máscara. Precisa ficar por quinze
minutos.”
Ele hesita ao me ver espremer uma porção da substância
preta nas mãos.
p
“Que porra é essa? Carvão?”
“Tem carvão aqui. Confia em mim, suas olheiras vão me
agradecer de manhã.”
Depois que aplico a máscara em nós dois, vamos para o
quarto para esperar.
Will baixa os olhos para o calção de banho, depois para a
cama.
“Ainda está molhado. Por acaso você tem alguma cueca
aqui?”
“Na verdade.” Sorrio. “Tenho sim.”
Ele estreita os olhos.
“Por favor, diz que está limpa.”
“Está sim. Meu irmão mais novo tem uma gaveta para
quando dorme aqui’, digo, indo até a cômoda. Na gaveta de
baixo, encontro uma samba-canção xadrez. Eu a ergo pelo
elástico e observo o quadril de Will. “Ele tem mais ou menos
seu tamanho, então deve caber. Talvez fique um pouco
apertado, mas quer dizer que posso ficar olhando sua mala.”
Ele sorri e pega o tecido xadrez quando o jogo para ele. Pego
meu próprio pijama e me troco no banheiro, voltando para o
quarto para encontrar Will à vontade na cama. Suas pernas
nuas, cobertas por pelos castanho-claros, estão estendidas na
frente dele. Ele também tem um pouco de pelos no peito, mas
não muitos, e, claro, possui o tanquinho de jogador de hóquei.
“Então, qual é o problema? Não está curtindo morar com
Ryder e Beckett? Cheio demais ou algo assim? Porque Ryder
vai sair depois do casamento”, eu o lembro. “Gigi e o marido
assinaram o contrato de aluguel de um apartamento que fica
livre em setembro.”
“Não, eu adoro lá. É mil vezes melhor do que o alojamento
universitário. E Ryder quase nunca está em casa.”
“Saquei. É Beckett que estamos evitando.”
“Não estamos evitando ninguém.”
“Por que você não ir para casa, então?”
“Não estava a fim de andar.”

É
“É isso que fazemos agora? Mentimos um para o outro?
Somos melhores amigos, William.”
Ele ri.
“Não, não somos.”
“Tá. Quase melhores amigos. Você e Gigi são próximos.
Portanto, eu e você somos próximos.” Me sento ao lado dele no
colchão. “Conta pra mim.”
“Não, prefiro falar do beijo que você deu em Lindley hoje.
Acho que ele curtiu.”
“Ah, sim. Tinha coisas me cutucando no calção dele.”
“Que coisas?”
“Bom, uma coisa só. O pinto”, respondo, prestativa.
Will solta uma gargalhada.
“Sim, isso eu notei.”
“Enfim, para de fugir do assunto. Por que estamos evitando
Beckett?”
“É… complicado.”
Ele solta um longo suspiro que desperta meu interesse.
“Espera. Vocês dois estão…?” Ergo a sobrancelha com o ar
sugestivo.
“Não.”
“Tem certeza? Às vezes sinto uma energia bi nele. Mas não
de você.” Encolho os ombros. “Enfim, longe de mim julgar.”
“Não, não é isso.”
“O que é, então?”
Will morde o lábio, visivelmente sem jeito. Mas consigo ver
pela sua expressão que ele quer conversar sobre o assunto.
“Não vou contar para ninguém”, garanto. “Nem mesmo para
Gigi.”
“Não acredito em você.”
“É sério. Sou muito boa em guardar segredos. Me pergunta o
que Brooke Sato fez no México no último inverno.”
“O que ela fez?”
“Não vou contar. É segredo.”
Isso tira mais uma gargalhada dele.
“Tá, você passou no primeiro teste.”
p p
“Não vou dar um pio, juro.”
Will passa as duas mãos no cabelo antes de coçar a nuca.
“Eu e Beckett temos feito essa, hum, coisa nos últimos
tempos. Quer dizer, desde que viramos amigos.”
“Que coisa?”
“Tipo…” Ele encolhe os ombros, constrangido. “Ménages.”
Tento manter o rosto imparcial.
“Tá…”
Eu talvez já soubesse disso, graças às informações das minhas
fontes, também conhecidas como Gigi, de que Will e Beck
ficaram com a mesma menina algumas vezes. Mas essa
informação me foi dada em segredo, então finjo que é a
primeira vez que a escuto.
“Ménages podem ser divertidos”, digo, neutra.
“Uma delícia”, ele admite.
“Aham.”
“Muito delícia.”
“Tá.” Mantenho o tom encorajador, na esperança de fazer
com que ele formule frases de mais do que duas palavras.
“Então, qual é o problema?”
Ele responde com um resmungo frustrado.
“O problema é que eu não devia achar uma delícia.”
Mordo o lábio para não rir. Ele parece tão atormentado.
“Você pode gostar de ménage, Will. Não te torna gay nem
nada, se é essa sua preocupação.”
“Não estou preocupado com isso. É só que…” Ele perde a voz
e, antes que eu possa insistir para ele completar, ele aponta
para o rosto e diz: “Não precisa tirar isso?”
“Ai, droga. Sim.” Saio da cama. “A gente precisa lavar agora
ou vai ressecar a pele.”
Voltamos ao banheiro para esfregar o rosto. Depois, pegou
um potinho prateado da gaveta de hidratante.
“Esse é nosso toque final. O melhor hidratante que você vai
experimentar na vida. Tem colágeno, mas é basicamente o
único ingrediente confirmado. O fabricante mantém a receita
exata em segredo, então, até onde sei, é feito de lágrimas de
zebra e sêmen de jacaré…”
Will se dobra de tanto rir.
“… mas, seja lá o que for, vai mudar sua vida. Confia em
mim, você vai amar. Me dá seu rosto.”
Ele obedece e baixa a cabeça para não ficar tão alto
comparado a mim, e passo o gel de colágeno em sua pele
recém-esfoliada. Sua barba rala das bochechas e ao longo da
linha do queixo arranha a ponta dos meus dedos. Seu maxilar é
esculpido. Entendo por que as mulheres ficam tão loucas por
ele quanto por Beckett.
“Enfim”, digo, estudando seu reflexo no espelho enquanto
hidrato o rosto. “Voltando aos ménages que você está tendo
com Beckett e dos quais não quer gostar.”
“Não é só isso. É que… tipo, estou transando desde sempre,
sabe?”
“Desde sempre? Quando você começou?”
Ele revira os olhos.
“Você entende o que quero dizer. Não sou nenhum virgem
que está começando agora. Dormi com mulheres suficientes
para saber que adoro transar.”
“Entendi. Já deu para entender que você ama sexo.”
“Então, no fim de semana passado, fui ver meu primo em
Boston, e conhecemos umas meninas no bar. Curtimos a noite
toda com elas. Elas moravam juntas e nos convidaram para o
apartamento delas, então é óbvio que fomos. Meu primo e uma
das meninas desapareceram no quarto dela. Fiquei com a
outra. Ela era linda e divertida e exatamente meu tipo. Uma
coisa levou à outra… e foi bom. Não me entenda mal, ruim não
foi. Mas…” Ele murmura algo muito baixo.
“O quê?”
Suas bochechas estão vermelhas agora, e acho que isso não
tem nada a ver com a rotina de cuidados com a pele.
“Demorei um tempo para chegar aos finalmente.”
Reviro meu arsenal em busca de um pouco de tato.

É
“Ah. Tá. Bom. É completamente normal. Ela achou que você
gozaria quando ela mandasse ou coisa assim? Ejaculasse assim
que ela estalasse os dedos?”
“Não, ela não estava reclamando. Era um problema
totalmente meu. Sei que alguns homens podem demorar
muito tempo, mas nunca tive esse problema.” Ele sorri com
tristeza. “Aliás, acho que eu poderia sim gozar quando alguém
mandasse.” Ele encontra meu olhar pelo espelho. “O motivo
pelo qual demorei mais é que não conseguia parar de pensar
que seria muito mais excitante se Beckett estivesse lá.”
Fico olhando para nossos reflexos.
“Ah.”
“Pois é.”
“Ah”, digo de novo, saindo do banheiro atrás dele.
“Pois é.”
“Mais excitante em qual sentido?” Não consigo deixar de
perguntar.
Ele só responde quando voltamos a nos sentar na cama.
“Eu ficava pensando que ela curtiria mais se ele estivesse,
sabe, brincando com os peitos dela. Ou beijando a boca dela
enquanto eu metia. Ou com o pau dele na boca…”
Envergonhado, Will desvia os olhos. “Sério, isso mexeu com
minha cabeça. Me distraiu. Daí perdi a ereção e demorei um
tempo para recuperar.”
Ele afunda o rosto recém-hidratado entre as mãos e solta um
resmungo.
“Ahhh.” Chego mais perto dele. Entrelaçando os braços,
apoio a cabeça em seu ombro. “Tem razão. Parece estressante.”
“Estressante é pouco. Não consegui dormir à noite porque
minha cabeça ficava questionando o que aconteceu. E foi aí
que cheguei à conclusão que acho que prefiro sexo quando é…”
“Mais interativo?”, completo.
Apesar da risada dele, sua expressão é aflita.
“Não é normal, Diana. É coisa de pervertido.”
“Quem disse?”
“Sei lá. A sociedade.” Ele resmunga de novo. “Enfim, preciso
dar uma pausa de tudo isso. Sei exatamente o que aconteceria
se fosse para casa com Beck e Lily hoje. Tipo, ela é um tesão.”
“Maravilhosa”, concordo.
“E ela estava interessada nos dois, disse com essas palavras.
Se eu tivesse ido embora com eles, nós três acabaríamos na
cama juntos e… não quero mais isso.”
“Mas você disse que curte.”
“Não pode virar um hábito.” Seu tom continua firme. “Quero
namorar em algum momento. Se estiver com alguém, não
posso exatamente pedir: ei, meu melhor amigo pode te comer?”
“Faz sentido. Se meu namorado dissesse isso para mim, eu
perderia o tesão.”
“Viu?”
“Entendo o que você quer dizer, de verdade. E, embora eu
não ache que você deva parar completamente com os ménages,
talvez não fizesse mal dar uma pausa. Ter um pouco de sexo a
dois de vez em quando.”
Ele parece aliviado com a minha concordância.
“É o que eu estava pensando. Beck vai embora amanhã à
noite e vai passar um mês fora. Vai ser um bom respiro. Talvez
eu encontre alguém em Boston quando estiver trabalhando…”
Ele boceja abruptamente. “Porra, bateu um cansaço de
repente.”
O bocejo é contagioso.
“Em mim também.” Deslizo para longe dele e puxo o canto
da coberta. “Fica do seu lado da cama ou você vai perder seus
privilégios de pernoite para sempre.”
“Não vou nem respirar na sua direção”, ele promete.
Eu me levanto para apagar as luzes, depois volto a me deitar
e me aconchego embaixo do edredom. Will é fiel à sua palavra,
ficando no lado oposto e pegando no sono instantaneamente.
Fico um tempo deitada, parte de mim desejando ter pedido
para ficarmos de conchinha. Platonicamente, claro. Sinto falta
de ficar abraçada com um homem embaixo das cobertas.
Apesar dos seus defeitos, Percy era bom de conchinha.
p y
Por incrível que pareça, não apenas caio no sono pensando
em Percy, mas também acordo ouvindo sua voz.
É só quando os fios tênues do sono se dissipam que percebo
que não estou sonhando. Alguém está batendo à porta, e é
definitivamente a voz do Percy dizendo:
“Diana, está em casa?”
Eu me sento, assustada, esfregando os olhos. O despertador
diz que são nove horas. Não é super cedo, mas é domingo de
manhã e ele apareceu sem avisar.
Ai, diabos.
“Diana?” Percy de novo, sua voz abafada do corredor.
Outra batida.
Dou uma olhada em Will, que está começando a despertar.
“Merda.”
“Que foi?”, ele murmura, sonolento.
Saio da cama e passo os dedos no cabelo desgrenhado,
ajeitando-o atrás das orelhas.
“Não fala nada”, aviso. “Preciso resolver isso.”
10

diana

Olha quem fala

Abro a porta da frente com cuidado, fazendo questão de deixar


parcialmente fechada para Percy entender que não vou
convidá-lo para entrar. Eu o cumprimento com uma pergunta
em vez de um oi.
“O que você está fazendo aqui?”
Mas a resposta está em suas mãos. O saco de papel pardo que
ele está segurando tem o logo do Della’s Diner, e a mancha de
gordura no fundo me diz que os sanduíches de café da manhã
que adoro estão lá dentro.
É um belo gesto, mas não pedi por isso e não estou
particularmente interessada.
“Trouxe café da manhã para você”, meu ex diz com um
sorriso tenso.
“Obrigada. É muito gentil. Mas acabei de acordar e não estou
com fome.” Franzo a testa quando algo passa pela minha
cabeça. “Como você entrou no condomínio?”
“Louis me liberou. Falei que você não se incomodaria.”
Ranjo os dentes porque me incomodo sim e, agora, preciso
conversar com Louis. Ele trabalha no turno diurno aos fins de
semana na recepção do Sicômoro e sabe que não pode deixar
ninguém entrar na propriedade sem antes interfonar para o
morador. Sim, Percy foi uma visita constante nos últimos seis
meses em que namoramos, mas eu nunca disse a Louis que
poderia deixar Percy entrar quando quisesse.
Aliás, talvez eu tenha que fazer uma reclamação na reunião
da Associação de Moradores de hoje. Que começa daqui a
pouco, aliás. Brenda bate o martelo pontualmente às dez.
Merda, quase perdi a hora. Isso é inaceitável. Não perco
reuniões de condomínio se puder evitar. Talvez eu devesse
agradecer Percy por me acordar.
… Não, ainda estou irritada.
“Olha, agradeço o gesto, mas você não deveria ter vindo.”
Ele não consegue esconder a frustração a tempo.
“Você ainda está brava comigo”, ele diz, seco.
“Não estou brava. Nunca estive brava.”
“Quando vim durante a semana, parecia brava.”
“Não, eu só estava explicando por que não éramos um bom
casal.”
Ouço um barulho atrás de mim, virando para entrever uma
sombra passando pela cozinha. Will está indo ao banheiro.
Merda. Fecho mais um centímetro, de modo que a porta fica
encostada em meu ombro. Percy não deixa de notar minha
reação.
“Tem alguém aí?”, ele questiona.
“Não”, minto.
“Pode me dizer se tiver.”
Não, não posso. Porque você vai surtar como sempre.
Mas não digo isso em voz alta. Está na cara que uma amizade
com Percy não é viável. E está na hora de ele saber.
Ao contrário da maioria das pessoas, não sou avessa a
conflito. Conheço meus limites, sou autoconfiante desde
pequena e minhas palavras sempre foram acompanhadas por
atitudes.
Falo com um tom firme.
“Acho que não podemos ser amigos.”
Ele recua como se eu tivesse batido nele. Seus ombros se
curvam e seu pomo de adão se move enquanto ele engole a
saliva em desespero.
“Então você está sim brava.”
“Já falei, não estou. Mas tive muito tempo para refletir desde
que terminamos, e acredito que essa não é mais uma situação
saudável. Nós dois devemos tentar seguir em frente. Você não
deveria me trazer café da manhã.” Aponto para o saco
engordurado do Della’s. “Não vamos voltar, e não há
sanduíches de ovo frito que mudem isso.”
“É um gesto de amizade”, ele insiste.
“Se fosse um gesto de amizade, você não ligaria se tivesse
alguém no meu apartamento.”
“Quer dizer que tem.” Seus olhos faíscam, e os pelos da
minha nuca se arrepiam.
Curvo os dedos na borda da porta.
“Não.”
“Acho que você está mentindo. Acho que tem um homem aí
dentro.” Acusação transborda em seu tom. “É seu vizinho? O
jogador de hóquei?”
“Percy.” Frustração cresce dentro de mim, tensionando meus
músculos. “Todas as palavras que você está dizendo agora são o
motivo por que não podemos ser amigos. Sinto muito que
terminamos e que não era isso que você queria, mas não
estamos mais juntos. Então, por favor, preciso que respeite isso.
Preciso que respeite meus limites e saia.”
Ele fica completamente imóvel por um momento. Um
segundo se passa. Dois. Três. Suas maçãs do rosto já salientes
ficam ainda mais destacadas quando suas bochechas se
encovam. Ele está rangendo os dentes. No mais absoluto
silêncio.
Por fim, balança a cabeça e murmura:
“Estou desapontado com você. Pensei que você fosse
diferente.”
Não estou nem aí! Só vai embora!
Em voz alta, digo:
“Sinto muito que se sinta assim.”
Com um último olhar desdenhoso, ele dá meia-volta e sai
andando a passos firmes. Leva consigo o saco de café da
manhã, como se eu não fosse mais digna dele.
g
Os passos de Percy ecoam na escada, mas só saio do vão da
porta quando ouço o som característico lá embaixo. O barulho
que a porta da frente faz sempre que alguém entra ou sai do
Bétula-Vermelha.
Quando não resta nada além do silêncio abençoado, solto um
longo suspiro. Deus. É por isso que sou tão dividida em relação
a relacionamentos. Às vezes, adoro. Outras, quando explodem
na minha cara como uma granada, por exemplo, são um puta
de um incômodo e digo a mim mesma que deveria estar
fazendo muito mais sexo casual.
A porta do apartamento 2B se abre de repente. Noto o
movimento pelo canto do olho quando Shane bota a cabeça
para fora.
“Caramba, Dixon. Que frieza! Coitadinho.”
“Aquele ‘coitadinho’ está me incomodando há meses”,
retruco. “E não fica escutando a conversa dos outros. Não é
uma qualidade atraente em uma pessoa.”
“Eu não estava escutando. Todo mundo escuta tudo nesse
prédio. Sério. A gente precisa ter uma conversa com quem fez
as paredes porque economizaram no material de qualidade. O
coitado do Niall deve estar puto com você agora.”
Um grito abafado vem debaixo.
“Não fale por mim!” Há uma pausa. “Mas estou puto sim. E é
com você, 2B! Sua festa ontem à noite foi a gota d’água.”
“É, 2B”, zombo. “A gota d’água.”
Shane está com um olhar assassino.
“O que você fez com eles?”
“Com quem?”
“O prédio todo. E não só o Bétula-Vermelha. Sei que você
falou mal de mim para o Meadow Hill inteiro.”
“Lamento dizer, mas você mereceu sua reputação.”
“Até parece.”
Ouço passos atrás de mim e me assusto quando Will aparece,
completamente vestido.
“Tudo bem aqui?” Ele sorri com ironia. “Foi uma manhã
muito caótica.”
“Um pé no saco, isso sim.”
“Will ainda está aí?” Shane pergunta, esticando o pescoço
enxerido na direção da minha porta.
“Não é da sua conta.”
Volto para dentro do apartamento e bato a porta.
“Odeio que ele mora aqui”, digo, irritada. “Odeio com todas
as minhas forças.”
Will ri.
“Meio que gosto.”
“Rindo da minha desgraça, hein?”
“Prefiro a desgraça dele, na verdade. É divertido ver você
enchendo o saco dele. Aposto que ele fica a noite toda
remoendo isso, pensando em como ter a última palavra.”
Há uma batida muito alta na porta.
Will sorri.
“Viu?”
Dito e feito, quando abro a porta, Shane passa por mim com
passos pesados e entra no meu apartamento como se morasse
aqui.
“Estava pensando sobre ontem à noite e decidi que, se não
tenho permissão de dormir com líderes de torcida, você não
pode dormir com jogadores de hóquei. Regra nova. A regra
Lindley. Você não pode transar com meus companheiros de
equipe.”
“Por que não?”, questiono, embora nada tenha acontecido
entre mim e Will.
“Raiva”, Shane retruca. “E vingança. É pura retaliação.”
“Você é tão infantil.”
“Olha quem fala.”
“Ai, meu Deus, é exatamente o que uma criança diria.”
“Ah, e outra regra. Você não pode voltar o condomínio
contra mim.”
“Tarde demais”, digo, orgulhosa.
“Então você disse alguma coisa para eles!”
O olhar de Will se alterna entre nós como uma bola de
pingue-pongue.
p g p g
“Vocês estão flertando?”
“Não”, digo, horrorizada.
“O que você fez com os nossos vizinhos?”, Shane insiste.
“Nada, juro.”
Ele fecha a cara.
“Você está mentindo?”
“Claro.”
Will começa a rir. Ele dá um tapinha no braço de Shane,
depois olha para mim.
“Hum. Acho que vou deixar vocês à vontade. Obrigado por
me deixar dormir aqui.”
“Por favor, não me deixa sozinha com ele”, imploro, mas Will
já está a caminho da porta. “Viu o que você fez? Você afasta
todo mundo com sua personalidade. Não tenho amigos por sua
causa.”
Seus lábios se contraem.
“Você é tão dramática.”
“Olha quem fala”, imito. “Dito isso, vai embora. Preciso me
arrumar para a reunião de condomínio. Podemos terminar essa
conversa… me deixa ver na minha agenda… nunca.”
“Não esquenta a cabeça, podemos terminar na reunião do
condomínio”, Shane diz com um sorriso. “Estou planejando ir.”
“Não se atreva.”
“Ah, me atrevo. Tenho algumas questões para levantar com o
conselho.”
“Não tem conselho.”
“Vai ter quando eles se verem comigo.”
“O que isso quer dizer?” resmungo, mas Shane dá uma de
Will e vai em direção à porta.
“Volto em vinte minutos para buscar você para a reunião”,
ele chama sobre o ombro.
“Não se atreva”, rosno atrás dele.
“Ah, me atrevo pra caralho”, é tudo que ouço enquanto a
porta se fecha.
Ai, meu Deus. Odeio esse moleque. Não acredito que meus
lábios tocaram os dele na noite anterior. E sua língua estava na
g
minha boca. E eu gostei.
A memória só piora a manhã infernal. Fico resmungando
palavrões enquanto me arrumo. Escovo os dentes com raiva e
depois coloco um vestido azul leve com florezinhas brancas.
Enquanto espero a cafeteira fazer seu trabalho, dou uma olhada
no celular e encontro algumas mensagens do meu irmão e
uma de Gigi.
Thomas está mandando notícias do Peru, onde faz trabalho
voluntário em uma organização de ajuda humanitária. Ele me
garante que está vivo e que ainda planeja voltar para casa no
final do verão para o churrasco anual do papai. Que bom.
Estou com saudades dele.
A mensagem de Gigi é de vinte minutos atrás. Ela mandou
do aeroporto, dizendo que estão esperando no portão e que
está entediada porque Ryder está lendo um livro em vez de
conversar com ela.
Respondo primeiro para ela porque é óbvio que ela precisa
de mais atenção do que Thomas.

Beijei Shane ontem à noite como desafio em um


jogo. Foi a pior experiência da minha vida e peço
privacidade durante este momento de grande
vergonha e sofrimento.

GIGI
HAHAHA beijou de verdade?

Infelizmente.

GIGI
Ele beija bem?

De 0 a 10? 5

Mentira. Foi um belo de um oito. Poderia até chegar a nove


se não tivéssemos plateia. Ou talvez a plateia tenha elevado de
sete para oito. Foi estranhamente sexy ter olhares voltados para
nós.
GIGI
Ele tentou te agarrar?

Não. Mas senti alguma coisa.

GIGI
Meu Deus, você gostou?

Não, eu literalmente SENTI alguma coisa. Ele estava


de pau duro, e era… impressionante.

GIGI
Ah, sei bem. Já topei com ele no caminho para o
banheiro e ele estava pelado.

E DURO?

GIGI
Não, não. Estava flácido. Mas mesmo flácido
chamava a atenção.

Não sei por que, mas fico estranhamente ofendida


com a palavra flácido.

GIGI
Concordo. É muito desagradável. Vamos trocar para
“não duro”.

Tá, então era grande mesmo não duro?

GIGI
Pois é. Comparável com o de Ryder não duro, e o de
Ryder é enorme.
É
É a primeira vez que ela menciona que Ryder tem um
volume grande, e fico naturalmente curiosa.
Enorme quanto?

GIGI
Não é da sua conta.

Vai, conta logo. Compartilha com a turma. Defina


enorme.

Há uma longa pausa. E então:


GIGI
25 centímetros.

Quase engasgo com o café. Ai, meu Deus. Olha esse cara.
Uma lenda de um metro e noventa com um pau de vinte e
cinco centímetros.
Nunca mais vou conseguir olhar para o pau dele.
Ainda estou admirada pelas partes baixas de Ryder quando
Gigi diz que é hora de embarcar e promete me mandar
mensagem do Arizona. Termino o café, levando a xícara para a
pia bem quando, pela milésima vez esta manhã, ouço uma
batida na porta.
Impressionante. Shane vai cumprir a ameaça de invadir
nossa reunião.
Ele sorri com sarcasmo quando abro a porta.
“Pronta?”
“Não”, respondo de mau humor.
“Ótimo. Vamos.”
11

diana

Suíte dos Doces

“Diana, você tem um registro das atas da última reunião?”,


pergunta Brenda, a síndica.
“Aqui.” Ergo o caderno no colo.
“Ótimo.”
A sala de conferência está lotada, como sempre acontece com
as reuniões de condomínio. Na frente da sala está uma mesa
comprida onde se sentam os membros do comitê. Brenda
comanda o espetáculo enquanto o silencioso Jackson e a
sempre monossilábica Tracey seguem a liderança de Brenda
para não colocarem os seus na reta. Brenda é um dragão
humano que os reduzirá a cinzas se ousarem contrariá-la.
O resto da sala é composto de fileiras de cadeiras de metal.
Estou sentada na frente, com Shane à minha esquerda. Quando
entramos, Veronika o chamou, dando um tapinha na cadeira
ao lado dela. Ou ele não viu ou fingiu não ver e, em vez disso,
se sentou ao meu lado, impondo sua presença sobre mim.
“Por que tem tanta gente aqui?”, ele sussurra. “Essas coisas
não costumam ser chatas?”
“Dá dez minutos e você vai entender por que a palavra chata
não tem espaço neste ambiente”, sussurro em resposta, antes
de perceber o que estou fazendo.
Não. De jeito nenhum. Não posso ficar cochichando com ele
como se fôssemos cúmplices. Somos inimigos.
Brenda se levanta para se dirigir à sala.
“Olá a todos. Vamos começar. Antes de tudo, vejo um rosto
novo entre nós.” Ela lança um olhar incisivo a Shane.
Em resposta, ele abre seu sorriso arrogante de sempre.
“Pego no flagra. Sou Shane Lindley. Moro no…”
“Sabemos quem você é”, ela diz com frieza.
Shane fecha a boca, surpreso.
“Preferimos que recém-chegados observem e escutem em
sua primeira reunião.” A expressão dela sugere que ela vê a
mera existência dele como um insulto. “A participação não é
incentivada.”
Priya está à minha direita, mordendo o lábio para não rir.
Essa não é uma regra de verdade da Associação de Moradores,
então fica óbvio que a exclusão agora se estende à nossa
síndica. Pelo que soube, a fábrica de fofocas do Meadow Hill
tinha espalhado algumas histórias bem absurdas sobre o nosso
mais novo morador. Marnie e Dave, do Salgueiro-Chorão, me
contaram que ouviram dizer que Shane foi escoltado para fora
de um avião no ano passado por intimidar a tripulação.
Sinceramente, não faço ideia de como esse boato sequer
começou.
“Continuando”, Brenda diz. “Há algum problema que precise
ser abordado?”
A mão de Niall se levanta, como em toda reunião.
“Sim. Não vi mudança no nível de barulho desde o último
mês. Acho necessário instituir uma lei do silêncio a partir das
oito da noite.”
Ray, um homem robusto que sempre participa das reuniões
com sua esposa quietinha, levanta a voz:
“Que absurdo! Alguns de nós têm vidas, filhos. Como vou
fazer meus filhos ficarem em silêncio depois das oito da
noite?”
“Sei lá, talvez colocando seus filhos para dormir às sete. Não
é um bom horário para colocar os filhos na cama?” Niall
pergunta.
“Está tentando me ensinar como ser pai?” A voz de Ray fica
mais alta.
“Estou tentando dizer como ser um bom vizinho.”
Ray está em pé agora, e Niall cruzou os braços, quase sem
fazer contato visual sob os óculos escuros grossos. A esposa
meiga de Ray, Lisa, está puxando a camisa dele para fazer com
que ele se acalme.
“Caramba”, Shane murmura para mim “é sempre tão
dramático?”
“Espera só para ver”, murmuro em resposta “o principal
item da pauta é contratar um novo limpador de piscina porque
Veronika foi pega dando para o último no banheiro perto das
churrasqueiras.”
Ele ri baixo, e não consigo conter o sorriso. Apesar de toda
minha resistência, há uma desenvoltura inata quando converso
com Shane. Mesmo quando estamos brigando ou nos atacando,
existe essa… sintonia.
E agora que reconheci isso, acho a constatação incrivelmente
desconcertante.
“Chega!” Brenda quase grita. “Parem, vocês dois. O comitê
ouviu a sugestão de Niall e vai levar em consideração.” Ela
respira para se acalmar. “O próximo item da pauta: a moção de
Carla para negar o pedido de Liam e Celeste Garrison de
anunciar seu apartamento on-line para aluguel de curtas
temporadas. Jackson?”, ela diz, olhando para o homem barbudo
ao seu lado.
Jackson se levanta um pouco da cadeira, franze a testa para a
mulher mandona e careta que todos tentamos evitar, e
murmura:
“Pedido negado.”
Carla se levanta.
“Vocês não têm direito de fazer isso!”
“Na verdade, temos sim”, Brenda responde. “Votamos sobre
isso na última reunião. A maioria concordou que os Garrison
podem anunciar o apartamento durante as seis semanas que
vão estar em Atlanta.”
“Eu votei contra!” Carla bufa. “Por que a minoria não tem
voz?”
“Porque não é assim que funcionam as votações de maioria e
minoria”, Brenda diz com frieza.
“Senta, Carla”, Jackson rosna da mesa principal. “Ou faço
você sentar.”
“Quero ver você tentar!”
Pelo canto do olho, vejo Shane se tremendo de tanto rir.
Droga. Ele está gostando demais disso. E se começar a
participar regularmente? Não posso permitir que isso aconteça.
Essas reuniões são minha razão de viver.
“Tenho uma moção”, anuncio, erguendo a mão.
Brenda acena para mim.
“Pois não?”
“Moção para proibir todas as festas no condomínio.”
“Apoio”, Niall diz no mesmo instante.
“De jeito nenhum”, Veronika dispara, furiosa.
“Não acredito que vou dizer isso, mas concordo com
Veronika”, diz Elaine, uma advogada poderosa de um escritório
de advocacia de Boston. “‘Todas as festas’ é um termo amplo
demais. Vamos limitar a abrangência. Isso inclui festas de
aniversário de crianças? E os churrascos comunitários
mensais?”
Brenda bate o martelo.
“A moção de Diana está negada. Não precisa de votação.”
Shane sorri para mim.
“Valeu a pena tentar”, digo, dando de ombros.
“Por falar no próximo churrasco.” Isso vem de Carla.
“Gostaria de discutir as restrições alimentares. Meu filho não
pode chegar a quinze metros de melancia. Senão ele morre.”
Shane pergunta, curioso:
“Desculpa, a gente pode recapitular? Quando é esse
churrasco?”
Todos se calam imediatamente.
Brenda ignora a pergunta.
“Podemos guardar todas as discussões sobre o churrasco para
o grupo. Próximo item…”
“Sobre esse grupo”, Shane interrompe, se virando para
Jackson. “Você com a camisa do Bruins: te dou dois ingressos
para a abertura da próxima temporada se me adicionar nesse
negócio. Acho que fui removido sem querer.”
Ergo a mão.
“Moção para expulsar Shane Lindley de Meadow Hill por
tentar subornar um membro do comitê.”
“Apoiado”, Priya intervém porque ela está sempre do meu
lado.
“Moção negada”, Jackson resmunga. “Quero esses ingressos.”
Shane cutuca minhas costelas alegremente.
“Ha.”
Brenda bate o martelo de novo.
“Vamos tratar do item mais importante da pauta. Precisamos
decidir sobre uma empresa de limpeza da piscina.”
“Isso”, murmuro. “Lá vamos nós.”
“Não entendo o problema com a empresa de limpeza antiga”,
Veronika diz descaradamente.
“Está falando sério?”, Priya pergunta, virando a cabeça para
encarar nossa loba residente. “Estamos todos perdendo tempo
com serviços de piscina por sua causa, e você quer perder
ainda mais?”
“Por minha causa?”, Veronika pergunta com uma surpresa
exagerada. “Mas o que eu fiz?”
Carla entra na briga.
“Você fez o coitado do Niall testemunhar sua indiscrição ao
lado de um mictório!”
“Não entendo o problema.”
“Diana, pode por favor ler as atas da última reunião para
podermos lembrar exatamente o que aconteceu entre Veronika
e o limpador da piscina? Já que ela não sabe por que temos que
contratar um novo?”, Brenda não se preocupa em esconder sua
exasperação.
Viro uma página no caderno e pigarreio.
“Bom, Niall detalhou que entrou no banheiro masculino
durante nosso churrasco comunitário para encontrar Arvin, o
p
limpador da piscina, erguendo Veronika entre dois mictórios.
Ela gritou, abre aspas: ‘Limpa essa safadinha imunda como
você limpa a piscina’.”
Isso leva Shane ao limite. Ele se curva na minha direção, a
cabeça praticamente colada em meu braço enquanto treme de
tanto rir em silêncio. Seu peito sobe e desce enquanto ele tenta
recuperar o fôlego. Sua reação é contagiante, e preciso engolir
meu próprio riso histérico.
“Está claro agora, Veronika, por que seria inadequado
continuar com nossa antiga empresa de piscinas?”, Brenda
pergunta com frieza.
“Na verdade, não”, ela responde com a voz sedutora. “Pode
ler de novo?”
“Chega!”, Jackson dispara. “Diego, você tem as cotações de
preço das outras empresas de piscina?”
“Tenho. Vou abrir aqui.” Na segunda fileira, Diego do
Pinheiro-Branco mexe no celular.
O resto da reunião segue sem contratempos, exceto pelo
momento em que Veronika manda um beijo para Shane e não
consigo controlar o riso de novo. Quando Brenda nos dispensa,
saio da sala de conferência com Priya e Niall, deixando Shane à
mercê do comitê. Brenda o encurralou na entrada.
“Bom trabalho lá dentro”, digo a meus vizinhos do Bétula-
Vermelha. “Sei que Lindley é divertido, mas não se deixem
levar.”
“Não me deixei levar”, Niall diz com firmeza.
“Que bom, Niall. Aguenta firme.”
Ele estende o punho com expectativa. Eu o encaro. Até que
suspiro e dou um toque com o meu. Então é isso que fazemos
agora, eu e Niall. Trocamos soquinhos.
Shane nos alcança enquanto saímos pelas portas dos fundos
do Sicômoro.
“Essa foi a melhor experiência da minha vida!”, ele exclama.
“Dixon! Por que não me contou como essas reuniões são
demais? Nunca mais vou perder uma. Ai, meu Deus, e se eu
tiver jogos de domingo nessa temporada? O que faço? Pode
filmar para mim?”
“Brenda não permite câmeras na sala de conferência”, Niall
diz, ríspido.
Shane solta um suspiro.
“É claro que não. Tão Brenda isso.”
Contenho meu próprio suspiro, mas escapa dos meus
pulmões quando vibra uma notificação no meu celular.

JACKSON DELUTE ADICIONOU SHANE LINDLEY AO


GRUPO “VIZINHOS”.
Traidor!
Shane olha o celular e comemora.
“Adivinha quem conseguiu uma segunda chance no grupo?”
Priya lança um olhar frio para ele.
“Parabéns. Tenta não mandar nenhuma mensagem insensível
de término nele.”
Ele estreita os olhos para ela, mas ela e Niall já estão
andando à nossa frente.
“O que foi isso?”, Shane pergunta para mim.
“Ah, desculpa, espera aí.”
Estou ocupada mexendo no celular.

Gente, Shane pediu para ser removido do grupo. Ele


fica aflito com interação humana. Não o adicionem
de novo, por favor. Ele acha situações em grupo
super estressantes e estava envergonhado demais
para dizer alguma coisa na reunião.

VOCÊ REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO “VIZINHOS”.


Aparece um alerta no seu celular. Shane fica boquiaberto de
indignação.
Sorrio para ele.
“Pois é. Não tenho medo de abusar dos meus poderes de
administradora.”

À noite, ouço uma batida na porta. Atendo para encontrar a


cara amarrada de Shane. Sua expressão é tão sombria quanto a
camiseta preta que marca seu peito musculoso.
“Desculpa. Não tenho pão velho”, digo com a voz doce.
Ele passa por mim para atravessar o vão da porta.
“Sobre o que foi aquele comentário de Priya?”
“Quê?”
Shane entra na sala, as sobrancelhas franzidas de
consternação.
“Aquele comentário que Priya fez depois da reunião sobre
mensagens insensíveis de término. Fiquei o dia todo pensando
nisso e não consegui entender. Sei que fiz piada sobre você
voltar os vizinhos contra mim, mas você ficou falando mal de
mim pelas costas? Tipo me difamando?”
“Te difamando? Não. A verdade? Sim.”
“O que isso quer dizer?”
“Quero dizer que o jeito como você tratou a situação com a
Crystal foi insensível. E, francamente, muito maldoso.”
Ele me encara, confuso.
“Crystal? Isso é por causa da Crystal?”
Volto para a cozinha para continuar a tarefa que eu estava
fazendo antes de Shane aparecer à minha porta. Pego uma
garrafa de tequila do armário ao lado da pia e a coloco ao lado
do liquidificador.
Shane me segue, furioso, sua raiva se intensificando. Vejo na
tensão dos seus ombros e na forma como ele envolve os dedos
da mão sobre a borda do balcão de granito branco.
“Por que exatamente lidei mal com aquela situação?”
Irritação e incredulidade se misturam em sua expressão.
“Tá me zoando? Li sua mensagem, Lindley. Foi dura pra
caralho.”
“Você tá me zoando? Hoje cedo ouvi você falar para o seu ex
que não está interessada. Por que isso é diferente?”
“O que eu disse para Percy veio depois de meses dele
aparecendo e mandando mensagem. Fui dura porque ele não
estava entendendo o recado. Na primeira vez que terminei com
ele, não foi só um: foi mal, some, boa sorte.”
Revirando os olhos, coloco o mix de margarita de morango,
a tequila e o gelo no liquidificador e aperto o botão de ligar. Os
ingredientes colidem com a lâmina, cubos voando pelo jarro
como caquinhos de vidro de uma janela quebrada. Seguro o
botão mais do que o necessário. É meu jeito passivo-agressivo
de irritar Niall.
Quando o barulho para, Shane fala de novo, a boca torcida de
descontentamento.
“Não foi isso que eu disse para ela.”
“Até parece. Eu li sua mensagem.”
Ele balança a cabeça, parecendo ainda mais irritado.
“Então, o que você está dizendo, é que leu a conversa toda,
mas só está me julgando com base na última mensagem? Que,
sim, admito, foi dura, mas ela estava falando umas paradas
bem pesadas antes disso.”
“Última?”, repito, franzindo a testa. Penso na conversa que
Crystal me mostrou. “Só tinha uma mensagem naquela
conversa, Shane.”
“Não, tinha umas vinte. Se não mais.”
Desconfiança me atravessa. Não sei de quem estou
desconfiada, Crystal ou Shane. Notando minha expressão, ele
curva o lábio e tira o celular do bolso da calça de moletom
azul-marinho.
“Não acredita em mim? Toma. Lê essa porcaria você
mesma.”
Eu o vejo deslizando por blocos assustadores de textões até
finalmente me dar o celular.
“Começa aqui”, ele resmunga. “Quando ela diz que foi o
melhor encontro da vida dela.”
Quando começo a ler, uma pontada de culpa me atravessa.
Quanto mais leio, mais culpada me sinto.
Shane na verdade é bonzinho na maioria das mensagens. Ele
dá um fora gentil. Mesmo quando ela o acusa de ter dado
esperanças falsas, ele lida com isso com tato e delicadeza.
Em resposta, ela… Ai, Deus. Crystal parece um pouco
descontrolada aqui. Mas quem estou enganando? Não posso
dizer que nunca fiz o mesmo. Acho que a maioria das
mulheres tem no histórico alguma troca de mensagens
constrangedora que beira o stalking e, se não tiver, tem toda
minha admiração por nunca ter sucumbido à insegurança ou
ao desespero.
Consigo entender totalmente por que Crystal deletou tudo
que veio antes daquela última mensagem de Shane. As
mensagens dela vão de piegas a ridículas a extremamente
broxantes.
Quando Shane escreve “Não tenho interesse em ver você de
novo. Boa sorte”, fica claro que ele estava farto das agressões
verbais de Crystal.
Aliás…
Ergo os olhos da tela.
“Vocês não transaram?”
“Não.” Indignação transparece em sua expressão. “Ela disse
que transamos?”
Tento lembrar as palavras exatas dela. Acho que ela usou o
termo “ficar”, mas, quando eu disse que não acreditava que ele
trataria alguém assim depois de transar, ela não me corrigiu.
“Deu a entender”, admito.
Agora que sei que foi só um beijo, eu me sinto ainda pior
por Shane ter aturado o surto de Crystal. Ela tinha ameaçado
contar para todo mundo que ele era um aproveitador.
Isso também me irritaria. Entendo que ele tenha perdido a
paciência. Assim como perdi hoje com Percy. Quando alguém
não consegue ser racional ou se recusa a ouvir, às vezes você
acaba perdendo o controle. Não estou justificando o
comportamento, mas entendo.
p
Devolvo o celular sem dizer nenhuma palavra. Shane cruza
os braços diante do peito. Seus bíceps se contraem, atraindo
meu olhar para a pele lisa. Meio que gosto que ele não tenha
tatuagens. A falta delas destaca todos os músculos e veias
quando ele cruza os braços.
“Estou esperando”, ele diz.
Ranjo os dentes.
“Desculpa.”
Seus lábios se curvam.
“Pelo quê?”, ele provoca.
“Por tirar conclusões precipitadas e achar que você foi um
escroto com Crystal. Em minha defesa, você é um imbecil
insuportável na maior parte do tempo, então imaginei que
estivesse sendo consistente.”
“Isso é lá um pedido de desculpa?”
Argh. Beleza. Sei ser madura quando preciso.
“Desculpa. Acho que você lidou com essa conversa de
maneira quase impecável.” Minha curiosidade se atiça. “Você
estava falando sério quando disse para Crystal que não superou
sua ex?”
Incômodo franze a testa dele.
“É complicado.”
“Isso é um sim.”
Shane encolhe os ombros, os dedos de uma mão passando
sobre a superfície brilhante do balcão. Está na cara que esse
assunto o deixa desconfortável.
“Ficamos juntos por quatro anos. Não é algo que dá para
superar num estalar de dedos.”
“Cara, tá tudo bem. Não precisa justificar por que ainda está
sofrendo pela sua ex.” Tiro um copo alto de plástico da lava-
louças e volto para o liquidificador. “Dito isso, pode ir. Tenho
uma margarita para beber e quatro episódios de Casinho ou
casório para assistir.”
“Show. Quer pedir uma pizza? Vou buscar umas cervejas no
meu apartamento.”
Eu o encaro.
“Não te convidei.”
“Ah, eu me convidei. Não ficou claro?”
E é assim que eu e Shane acabamos no sofá, com bebidas nas
mãos e uma caixa aberta de pizza de pepperoni em cima da
mesa de cabeceira, enquanto faço um resumo para ele dos
casais atuais na casa de campo.
“Então, Leni é minha favorita. Mas a gente odeia o Donovan.
Ele não é bom o bastante para ela. E Zoey e O Connor são meu
casal favorito do momento.”
“O Connor?”
“Eu sei. É repulsivo, mas, por sorte, ele não pede para ela o
chamar assim. Ele é um locutor de rádio em Nashville. O
típico playboyzinho. Muito babacão.”
“O que nossa Zoey está fazendo com ele, então?”
“Acho que os opostos se atraem.”
Shane pega outra fatia, mastigando devagar enquanto
assistimos à interação que se desenrola na tela. Como sempre,
fico fascinada.
“Só estou dizendo que eu estaria aberta a isso.” A voz de Zoey
é suave mas firme. “Não estou completamente fechada.”
Connor fica aborrecido. Ele passa a mão nos cachos escuros,
inclinando-se para a frente na beira da espreguiçadeira.
“Como assim, Zoey? É sério que você ficaria de boa se Ben
escolhesse você?”
“Quem é Ben?”, questiona Shane.
Pauso a série para explicar.
“Ben é o cara novo. Toda semana, chegam um menino e uma
menina novos, e cada um tem que fazer com que um casal
existente termine.”
“Caramba. O que acontece com quem leva um fora?”
“Tá, eles…” Estou começando a ficar animada. “Vão para a
Cabana dos Doces.”
Shane ri.
“Quem inventa essas paradas?”
“Os maiores produtores de todos os tempos.”
Dou play.
p y
“A Cabana dos Doces parece um lugar aonde as pessoas vão
para transar”, ele comenta.
Aperto pause de novo.
“Não, essa é a Suíte dos Doces.”
Ele solta uma risada grave.
“De tantos em tantos episódios, o público vota em qual casal
pode passar a noite na Suíte dos Doces. Acho que é por isso
que Connor está tão chateado agora, porque Zoey e Connor
acabaram de dormir lá. E! Eles fizeram coisas.”
“Que tipo de coisas?” Shane parece intrigado.
“Não sei. Não podem mostrar. Mas parecia que a mão dele
estava mexendo embaixo do edredom. As pessoas ficam muito
apegadas depois que vão para a Suíte dos Doces.”
“Bom, ainda mais alguém como Zoey”, Shane concorda. “Ela
é tão sensível.”
Tento avaliar se ele está tirando sarro de mim.
“Quê?”, ele diz, envergonhado. “Dá para ver. Você viu como
ela ficou chateada quando Jas tirou sarro dos pelos no peito de
Todd? Ela puxou Todd de lado e disse que eram bonitos.”
“Se ela é tão sensível, por que está aberta a Ben?”,
argumento. “Nós dois sabemos que, se Ben a escolher, O
Connor pode acabar sozinho porque Erica é que não vai
escolher O Connor.”
“Não, ele não é alfa o suficiente para Erica.”
“Vou dar play de novo. Fica quietinho.”
Shane ri enquanto pega a cerveja.
“Você é mandona pra caralho.”
Quando o episódio acaba, devoramos a pizza e tomamos uma
bebida cada.
“Vou pegar outra cerveja antes de você colocar o próximo”,
Shane diz, levantando-se do sofá. “Quer mais?” Ele acena para
o meu copo vazio.
Passo para ele.
“Sim, por favor.”
Em vez de sair, ele me observa, pensativo.
“O quê?” digo.
q g
Shane aponta para a caixa de pizza, a cerveja, a tv.
“Isso é uma trégua, né?”
“Não.” Rio. “E você é ingênuo por perguntar.”
“Eu sei. Eu me senti idiota assim que disse.” Ele solta um
suspiro. “Vou lá pegar as bebidas.”
12

shane

Não me excita a essa hora da manhã

Passo quase a semana inteira jogando golfe e treinando, os dois


pilares básicos do Verão de Shane. Até agora, a vida está sendo
fenomenal. Tenho pena dos Wills, limpadores de piscina, e dos
Ryders, operários de construção, do mundo. Bebi algumas com
Will ontem à noite no Malone’s e ele estava tão cansado e
queimado de sol do trabalho que quase desmaiou em cima da
mesa.
Na quinta à noite, quando voltei da academia do Meadow
Hill para o meu apartamento, recebi uma mensagem que fez
meu coração disparar.
LYNSEY
Ainda está de pé aquela oferta de dormir no seu
sofá?

Fico encarando a mensagem por uma eternidade. Não quero


parecer ansioso demais. Não posso responder com um “Pode
crer. Vem logo para Hastings, sua gostosa”. Porque teoricamente
somos amigos, e eu não deveria chamar minha amiga de
gostosa. Também não posso responder rápido demais, então,
em vez de testar minha força de vontade, deixo o celular no
sofá e vou tomar banho.
Minha camiseta suada ainda está colada ao peito. Eu teria
ficado mais na academia e feito mais algumas repetições de
agachamento terra, mas, perto do fim do treino, eu estava
acompanhado por duas moradoras de meia-idade cujos olhares
descarados estavam começando a me dar medo. Juro: todas as
mulheres desse condomínio estão na seca.
Depois do banho, coloco um short de basquete e volto para a
sala. Passaram-se dezessete minutos. Parece um tempo longo o
suficiente.

Com certeza.

LYNSEY
Posso te ligar?

Claro.

Um momento depois, sua voz rouca enche meus ouvidos. É


tão familiar que faz com que eu me sinta em casa.
“Marquei uma visita em Briar no sábado de manhã. Um dos
estudantes de verão vai me mostrar o campus e, depois, tenho
uma reunião com a chefe do departamento de Artes Cênicas.”
“Uau. Essa transferência é para valer, hein?” Meu pulso
acelera com a expectativa de tê-la por perto o tempo todo.
Quer dizer, é um campus grande e provavelmente nunca
vamos nos ver, mas só de saber que ela está aqui…
Mas não posso me precipitar.
“Acho que sim. Mas quero falar com os chefes de
departamento e alguns professores antes de tomar qualquer
decisão. Tem um curso de verão em andamento agora. Balé
avançado. Vão me deixar participar da aula à tarde.”
“Que demais. Tomara que dê certo”, digo com naturalidade,
tentando fingir que não tem um estádio de hóquei cheio de
torcedores vibrando dentro de mim.
“Devo sair de Connecticut por volta da hora do almoço
amanhã e chegar na sua casa por volta das sete ou oito. Pode
ser?”
“Claro. Vou te mandar o endereço.”
“Obrigada. Ah, talvez eu leve alguém, se não tiver problema.
Mas ainda não tenho certeza.”
“Está bem.” Ignoro a dor resultante da decepção porque não
posso exatamente pedir para ela não trazer Monique ou alguém
da turma antiga. Primeiro, pareceria suspeito, e segundo, eles
também eram meus amigos durante todo o ensino médio. De
toda forma, será bom rever o pessoal.
“Mando mensagem amanhã quando estiver saindo”, ela diz.
“E obrigada de novo, Lindy. Vai ser muito mais fácil do que
arrumar um hotel em Boston, já que você está a apenas dez
minutos do campus.”
“Claro. Como eu disse, pode contar comigo.”
Meu coração está se debatendo no peito quando encerro a
chamada. Cheio de energia, dou uma examinada rápida no
ambiente. Meu apartamento está limpo, mas Lynsey tem um
pouco de mania de limpeza. No ensino médio, ela passava o
dedo na camada de poeira no parapeito da janela do meu
quarto e dizia: “É assim que você quer viver, Shane?”. Era fofo.
Quer dizer, na maioria das vezes. Não posso negar que às vezes
podia ser irritante.
Durante minha missão de limpeza, percebo que não tenho
um aspirador. Não faço ideia de como minha mãe permitiu
que essa atrocidade acontecesse. Provavelmente porque paga
uma faxineira e supôs que eu nunca tentaria limpar a casa
entre uma diária e outra.
Não tem grandes lojas em Hastings, apenas butiques
pequenas, mas a loja de ferragens deve vender aspiradores.
Posso ir amanhã de manhã, quando abrir.
Uma voz zombeteira na minha cabeça aponta que estou
fazendo muito esforço por Lynsey, que pode nem vir, mas
informo a essa voz que todos precisam de um aspirador, então,
por favor, vai se ferrar.
Na manhã seguinte, acordo bem cedinho, saindo do
apartamento no mesmo momento que a porta de Diana se
abre.
“Bom dia”, ela diz quando nossos olhares se cruzam.
q
“Bom dia.”
Ela está de short branco e camiseta amarela com as palavras
academia de animação estampadas em letras azuis. Seu cabelo
loiro platinado está amarrado num cabo de cavalo alto.
“Indo para o trabalho?”, pergunto enquanto começamos a
caminhar juntos.
Segurando um copo para viagem, ela desce a escada
praticamente correndo.
“Sim, e estou atrasada. Dormi demais, e tenho quase certeza
que perdi o ônibus.”
“Onde é esse programa de animação de torcida? Te dou uma
carona.”
Sua expressão é cheia de desconfiança.
“Fala logo. Onde você precisa estar?”
“A escola de ensino médio de Hastings. E só estou aceitando
porque estou desesperada.”
“Agradeço por me dar a honra.”
No estacionamento, Diana revira os olhos para minha
Mercedes prateada reluzente.
“Nossa, você é tão mimado. Mamãe e papai compraram para
você?”
“Claro.” Destravo as portas e entro, esperando que ela se
sente no banco de passageiro. Depois que ela se senta, inclino a
cabeça e pergunto. “Está me dizendo seriamente que, se
ganhasse um carro caro dos seus pais na formatura do ensino
médio, você recusaria?”
Ela aperta os lábios. Depois suspira.
“Nem fodendo. Eu pegaria a chave das mãos deles antes que
mudassem de ideia.”
“Exato”, digo e ligo o motor.
A escola fica a apenas cinco minutos de carro. Passo pelos
portões automáticos na lateral do condomínio e entro na rua.
Árvores centenárias cercam os dois lados da rua, com os
jardins residenciais em plena floração. Tudo por onde
passamos é verde e colorido. Adoro o verão.
“Por que você perdeu a hora? Foi para cama tarde?”
q p p
“Fiquei acordada assistindo a vídeos de comentários sobre
Casinho ou casório. A internet está chocada que Ben escolheu
Jasmine.”
“Sabia que ele faria isso.”
“Eu tinha certeza que ele pegaria a Zoey.”
“Não. Estava na cara que a Zoey queria Connor porque ele
deu um orgasmo para ela na Suíte dos Doces. Aliás, aquela
briga com Ben e Jas foi do caralho. Os produtores sabem o que
estão fazendo… claro, levaram Ben a escolher a garota que
causaria mais drama. Zoey é doce demais.”
“Ainda não sei se você está tirando sarro de mim.”
Nem eu. Até começou assim, mas depois de quatro episódios
consecutivos estou estranhamente envolvido no
relacionamento de Zoey e Connor.
“Aonde você está indo hoje?” Diana pergunta com um olhar
de esguelha. “Você não está usando suas roupas de golfe
esquisitas.”
“Minhas roupas de golfe não são esquisitas. E vou comprar
um aspirador. Preciso limpar a casa para uma visita.”
Ela bufa.
“É o dia de folga de Niall. Pode filmar a reação dele para
mim?”
“Ele não gosta de aspirador… Espera, por que estou
perguntando? O cara não gosta de nada que faça mais do que
zero vírgula dois decibéis.”
Nosso trajeto curto acaba quando chego à frente da escola,
um prédio amplo de estuque cinza com janelas brancas.
Estaciono para ela poder sair.
“Até mais, Dixon.”
“Obrigada pela carona, papai.”
“Não me excita a essa hora da manhã, por favor.”
Ela está rindo quando sai. Podemos não ter feito uma trégua
oficial, mas ela parece muito menos hostil desde que
desmascarei as mentiras de Crystal. Ainda machuca que
Crystal tenha não apenas levado Diana a acreditar que fizemos
sexo como que eu lhe dei um fora através de uma mensagem
de uma linha depois. Eu nunca trataria uma mulher assim.
Depois que deixo Diana, compro um aspirador que
provavelmente só vou usar uma vez e passo as horas seguintes
limpando e torcendo para não ser em vão.
Quando finalmente desligo o aspirador, ouço um grito
irritado do andar de baixo.
“Finalmente.”
“Niall, supera!”, grito, mostrando o dedo para a porta. Porra,
Niall.
Por volta das três, Lynsey manda mensagem para dizer que
está saindo. Ou, melhor, que estão saindo. Acho que quer dizer
que Monique também vem. Mas talvez seja uma coisa boa. Faz
mais de um ano que eu e Lynsey não ficamos a sós. Nós nos
vimos depois do término, mas só com outras pessoas por
perto.
De repente me passa pela cabeça que talvez ela esteja
trazendo uma vela de propósito. Mas teoricamente somos
amigos agora. Amigos não precisam de uma vela. O que me
leva a pensar que ela tem medo de ficar sozinha comigo. E a
única razão para isso dar medo nela é porque… ela ainda sente
alguma coisa por mim também.
Ou talvez eu esteja exagerando.
Passo o resto da tarde fazendo compras na cidade, depois
arranjo tempo para um treino rápido na academia do
condomínio. Lá pelas sete, Lynsey me manda mensagem
dizendo que chegaram em Boston. Isso me dá uma hora para
tomar banho e me vestir. Faço um esforço para não parecer
desleixado. Nada de short de basquete, nada de camiseta
surrada. Coloco jeans, uma camisa limpa e um boné na cabeça.
O boné tem o logotipo dos Warriors, nosso antigo time de
futebol americano da escola. Talvez isso desperte alguma
nostalgia nela.
Logo depois das oito, Richard do Sicômoro interfona para
dizer que chegaram minhas visitas e que ele deu a elas o cartão
do estacionamento noturno. Logo depois, recebo mais uma
g p
chamada no celular, um pedido de liberação das portas do
Bétula-Vermelha.
“Sou eu.” A voz cheia de estática de Lynsey enche meus
ouvidos.
“Pode subir.”
Minhas palmas estão um pouco úmidas, então as seco na
calça jeans. Porra, passei quatro anos com essa garota. Eu a
conheço melhor do que ninguém. Não era para ficar tão
nervoso.
Pelas paredes finas, escuto passos na escada.
Abro a porta e lá está ela. Linda, como sempre. Um vestido
florido envolve seu corpo torneado, revelando um par de
pernas esculturais, definidas por anos de balé. Ela alisou o
cabelo preto brilhante, que está solto sobre os ombros, em vez
de preso num rabo de cavalo, como de costume.
Um sorriso hesitante se abre em seus lábios. Entendo
instantaneamente sua hesitação quando meu olhar passa para o
homem ao lado dela.
Eu me recupero rápido, forçando um sorriso descontraído.
“Oi. Que bom que você chegou inteira.” Depois de um
segundo, chego perto para dar um abraço rápido. “Você está
linda.”
Talvez seja só um amigo.
Por que não seria?
Mas vi a mão possessiva que ele manteve no quadril dela
antes de ela retribuir o abraço.
Ignorando a tensão constrangedora no ar, estendo a mão para
o homem.
“E aí, cara. Sou Shane.”
Lynsey engole em seco.
“Ah, desculpa, sou péssima com apresentações. Shane, esse é
Tyreek. Meu namorado.”
13

diana

O rico enredo do nosso amor

Volto do trabalho para casa na sexta à noite querendo só vestir


uma roupa confortável, pedir comida chinesa e assistir a CoC.
Quase nunca consigo assistir ao vivo, então estou animada.
Significa que hoje vou poder votar para alguém da Cabana dos
Doces voltar à casa de campo.
Encontro o entregador no saguão do Bétula-Vermelha, pego a
sacola de plástico que ele me dá e levo para o andar de cima.
Estou tirando e colocando pequenos potes de papelão no
balcão quando meu celular toca. Estico o pescoço para ver a
tela, reprimindo um suspiro quando vejo o nome da minha
mãe. Conversas com minha mãe são dolorosas ou muito
dolorosas.
Eu a coloco no viva-voz, continuando a tirar minha comida
das embalagens.
“Oi, mãe.”
“Oi, querida. Pensei que faz tempo que não falo com você,
então liguei para ver como você estava.”
“Estou bem. Ocupada com o trabalho. Como você está?”
“Bem. Acabei de sair do telefone com seu irmão.” É claro que
ela ligou primeiro para Thomas. É o favorito. “Estou pensando
em fazer companhia para ele em Lima por uma semana ou
duas. Ele disse que está adorando o trabalho lá.”
Ela passa os cinco minutos seguintes se derretendo em
elogios ao meu irmão mais novo. Que está orgulhosa dele por
ter entrado na sua primeira opção de faculdade. Que ele vai se
tornar um médico brilhante. Que ela torce para ele fazer um
PhD além da especialização, afinal, o que é melhor do que um
diploma de doutorado? Dois doutorados!
Finalmente, como se só lembrasse de mim agora, ela
pergunta:
“Quais são seus planos para hoje?”
“Comida chinesa e reality show ruim”, respondo. Isso
mesmo, mãe. Thomas não é o único da família com grandes
ambições!
“Não sei como você consegue assistir a essa porcaria.” A
desaprovação é evidente em suas palavras. “Você poderia estar
fazendo coisas tão mais produtivas com seu tempo.”
“Bom, passei o último mês ensaiando muito, mas Kenji me
deixou na mão.”
“Kenji?”, ela diz sem entender.
“Meu parceiro de dança.”
“Parceiro de dança?”
“Da competição de dança de salão, lembra?”
“Ah, sim. Claro. Você competiu no ano passado. Você ficou
em…?” Ela deixa a pergunta no ar.
“Décimo quinto”, respondo com vergonha. Para alguém tão
ambiciosa como minha mãe, décimo quinto lugar é uma
desgraça. Uma mancha na reputação da família. “Enfrentamos
alguns casais incrivelmente talentosos, mas foi superdivertido
mesmo assim. Meu pai, Thomas e Larissa estavam lá para
torcer por nós.”
E você não, é meu lembrete implícito. Até minha madrasta,
Larissa, se importa com meus interesses.
Mas minha mãe é inteligente demais para não captar e não é
do tipo que não responde. Minha mãe não tolera
comportamento passivo-agressivo.
“Querida, acho que nós duas sabemos que tenho atividades
mais relevantes para fazer no meu tempo.”
Sim. Esqueci. Dança é uma atividade inútil e trivial. Perdão.
Lembro quando comecei a demonstrar interesse na infância.
Implorei para os meus pais me colocarem nas aulas, e minha
p p p
mãe bateu o pé e disse: “Não vou ser mãe de uma bailarinazinha,
Diana”. Como se isso fosse muito inferior a ela. Meu pai a
convenceu a me deixar fazer dança e ginástica, mas era ele
quem me levava e buscava dos treinos, e o único que
comparecia às competições e aos recitais.
O irônico é que, quando me apaixonei por dança de salão há
alguns anos, pensei que seria o tipo de coisa que finalmente
atrairia a aprovação da minha mãe. Dança de salão é vista
como “séria”, não tão trivial quanto a dança moderna e o hip-
hop que eu curtia quando era criança. Mas a aprovação da
minha mãe não parece estar no meu destino. Pelo contrário,
praticar dança de salão só me torna ainda mais frívola aos
olhos supersérios dela de professora universitária.
Olhe, não me entenda mal. O meio acadêmico merece
respeito. Acredito muito nisso. Mas também cria pessoas muito
pretensiosas e, por acaso, minha mãe é uma delas. Ela parece
ter ficado ainda mais insuportável desde que saiu do mit para
dar aulas na Columbia. Embora eu ache que o lado bom é que
não está mais no mesmo estado que eu.
Sentindo que estou a dois segundos de desligar na cara dela,
minha mãe muda de assunto para um que é ainda menos
interessante.
“Tem falado com Percival?”
“Não.” Não comento que ele tentou me trazer café da manhã
na semana passada e eu basicamente disse para ele sumir.
“Não sei por que você terminou com ele.” O tom
desaprovador retorna.
“Porque não somos compatíveis.”
Há uma longa pausa.
“Que foi?”, digo, a irritação crescendo.
Quando ela volta a falar, é com cautela.
“Diana, sei que namorar intelectuais pode ser desafiante…”
Intelectuais? Ai, meu Deus. Que palhaçada. Claro, Percy
poderia dar uma aula de física avançada com o pé nas costas,
mas quando o assunto é inteligência emocional ou habilidades
interpessoais, ele não tem nenhuma. Tentei apresentá-lo aos
p p
meus amigos uma vez, e ele deu respostas monossilábicas o
tempo todo.
Particularmente, acho que existem tipos diferentes de
inteligência.
Minha mãe, porém, acredita na teoria de que existe apenas
uma medida de intelecto que é determinada por um teste de
qi.
“… acreditar que ele é um bom partido para você.”
Ah, ela ainda está falando.
Eu me forço a prestar atenção, interrompendo-a antes que
ela continue a exaltar as virtudes geniais de Percy.
“Não nos comunicávamos bem, mãe. E ele era inseguro
demais. Essa é a qualidade menos atraente num homem.”
Para meu espanto, ela concorda. Mas, enfim, até um relógio
quebrado está certo duas vezes ao dia.
“Sim, entendo que isso possa ser irritante. Construir
confiança é fundamental para o desenvolvimento humano.”
Felizmente, a conversa acaba não muito depois disso, e
consigo redirecionar minha atenção aos planos mais
simplórios e mundanos da noite.
Jantar e casa de campo, baby.
Como sempre, o episódio é cheio de drama, suor e tensão
sexual. Quando chega a hora da votação, tenho uma grande
decisão a tomar. Os dois solteiros da Cabana dos Doces com
mais votos podem voltar, mas não têm permissão para separar
um casal ou se reunir com seu ex-parceiro. Eles formam um
casal entre si, então às vezes é preciso votar estrategicamente.
Esse programa é muito besta.
Quando meus votos estão confirmados, meu celular toca de
novo e, dessa vez, é Shane.
“O que você quer?”, digo no lugar de oi.
“Oi, preciso da sua ajuda.” Sua voz está estranhamente baixa.
“Não.”
“Você nem sabe do que eu preciso.”
“É, mas não acho que vou gostar.”
“Acho que vai amar. Parece o tipo de brincadeira que você
curte.”
“Tá, estou curiosa.”
Ele murmura alguma coisa.
“Desculpa, quê? Não consigo ouvir.”
Ele murmura de novo.
“Shane! Não consigo ouvir.”
“Estou tentando falar baixo. Eles estão no outro cômodo.”
“Quem está no outro cômodo?”
“Minha ex-namorada e o namorado novo dela”, ele murmura
como se estivesse falando entre dentes. Ouço um silvo de ar.
“Ah. Ah, não.”
“Consigo ouvir seu sorriso, Dixon.”
“Então, você limpou a casa para ela.”
“Não, pelo visto, limpei a casa para eles. Mas tudo bem. Fiz
um controle de danos.”
“Que controle de danos?”
“Eu disse que estava namorando.”
Começo a rir.
“Esse é o melhor dia da minha vida.”
“Ah, melhora ainda mais, Dixon. Eu disse que era com você.”
Meu queixo cai. Fico tão chocada que perco a voz por um
momento.
“Eu?”
“Sim. Disse que você morava do lado, mas que saiu com as
amigas.” Ele solta um resmungo baixo. “Acho que eles não
acreditaram em mim.”
“Claro que não. Está na cara que é mentira.”
“Pois é. E agora estou parecendo ainda mais otário. Então,
por favor, preciso da sua ajuda. Pode vir aqui, mas, tipo, se
arrumar antes? Eu disse que você foi para a balada.”
“Uhum. Legal. Você quer que eu coloque uma roupa de
balada, passe aí e… faça o quê?”
“Seja minha namorada, Diana!”, ele rosna. “Por favor.”
Ele me chamou de Diana. E pediu por favor.
Deve ser grave.
É
g
“É constrangedor pra caralho.”
Muitos homens seriam orgulhosos demais para admitir isso.
Shane parece tão angustiado que acabo amolecendo por sua
situação.
“Quais são as regras?”, pergunto devagar. “Como nos
conhecemos?”
“Não ligo. Pode inventar a história que quiser. Só me faz esse
favor.”
“Por que não estou na balada?”
“Sei lá. Diz que Gigi teve uma intoxicação alimentar.”
“Gigi estava na balada comigo?”
“Estou cagando para quem…” Ele volta a baixar a voz
abruptamente, suas palavras seguintes são pouco mais do que
um sussurro. “Não me importa a história que você vai
inventar.”
“Onde você está agora?”
“Estou no quarto. Fingindo procurar o anuário do ensino
médio para mostrar para o namorado dela.”
“Eita.”
“Pois é.”
“Tá, então, para recapitular, sou sua namorada de mentira e
tenho liberdade total sobre o que dizer? Posso criar o rico
enredo do nosso amor?”
“Se você vier e me ajudar, pode fazer o que quiser.”
Não consigo parar de sorrir.
“Me dá uma hora.”
14

diana

Top dez motivos para sair comigo

Precisamente sessenta minutos depois, chego ao apartamento


de Shane com o mais dramático dos suspiros.
“Estou tão chateada agora, amor! Tipo, uma coisa seria se ela
tivesse intoxicação alimentar ou coisa assim, mas me dar cano
por causa de macho? Fazia semanas que a gente estava
planejando isso. Não vou a Boston há séculos. Estava ansiosa
para dançar e…” Finjo de repente notar o casal sentado no sofá
de Shane. “Ah. Desculpa.” Volto o olhar para Shane. “Era hoje?”
Sou uma atriz fenomenal.
“Sim.” Ele está contendo um sorriso. “Te falei pelo telefone
mais cedo.”
“Verdade, desculpa. Não estava prestando atenção. Ocupada
demais ficando assim.”
Subo e desço as mãos apontando para meu vestido preto
justo. Tem um decotão nas costas e é sexy para caramba. Como
eu toda, modéstia à parte. Meu cabelo está preso num coque.
Os lábios estão vermelho-sangue. Brincos pendentes enfeitam
minhas orelhas, e sandálias com tiras cruzadas destacam
minhas pernas bronzeadas, com saltos que não são altos
demais para eu não conseguir dançar com eles. Embora eu
ache que, na verdade, poderia dançar com qualquer coisa.
Dou uma olhada na ex-namorada de Shane, nem um pouco
surpresa ao descobrir que ela é absolutamente linda. Tem o
cabelo escuro e brilhante, liso e com um pouco de volume.
Seus traços são impecáveis, assim como sua pele. Ela tem
lábios carnudos e olhos castanhos que piscam com curiosidade
quando encontram os meus. E talvez eu esteja imaginando
coisas, mas tenho a impressão de ver também um traço de
irritação.
“Oi”, digo, com um sorriso radiante para o casal. “Sou Diana.
Desculpa interromper.”
Ela sorri em resposta. O que quer que eu tenha visto em
seus olhos passou, substituído por uma expressão simpática.
“Sou Lynsey. Esse é Tyreek.”
“Prazer.” Eu me viro para Shane. “Por favor, me diga que você
tem um pouco de álcool aqui porque preciso muito de uma
bebida.”
“Está a fim do quê?”
“Você sabe do que gosto”, digo, fazendo charme, me sento no
lado menor do sofá. Enquanto me inclino para começar a
desamarrar os sapatos, olho para o outro casal. “Zero lealdade”,
digo.
“Como assim?” Tyreek pergunta, achando graça. Ele é um
homem atraente com o cabelo raspado e um sorriso bonito,
mas nem de longe tão gato quanto Shane.
“Minha melhor amiga”, explico. “Ela não tem lealdade. Me
trocou por um cara hoje.” Suspiro. “Está na fase da lua de mel.
Literalmente, porque eles acabaram de se casar.”
“Ah, sim.” Lynsey me surpreende ao acenar. “Luke.”
Hesito por um segundo antes de me tocar que é óbvio que
ela deve conhecer os amigos de Shane. Preciso tomar cuidado
sobre o que digo a respeito de Ryder.
“Isso, minha melhor amiga, Gigi, se casou com ele”,
respondo. “O que é, sabe, romântico e tal. Mas agora eles estão
grudados, e essa é a segunda vez que ela cancela a noite das
meninas em três semanas.”
“Em que balada vocês iam?” Tyreek pergunta.
“Mist. As mulheres entram de graça sexta à noite.”
Sim, fiz minha pesquisa antes de vir. Não sou nenhuma
amadora.
Shane retorna, sorrindo de leve. Entendo por que quando
noto o que ele está segurando. Preciso morder a língua para
não rosnar para ele.
“Uísque. Puro. Do jeitinho que você gosta.” Ele arqueia uma
sobrancelha.
Ah, então é assim que vai ser? Ele sabe que não suporto o
gosto de uísque. Cretino. Só dei carta branca para ele escolher
a bebida porque imaginei que ele faria alguma coisinha fofa
para deixar Lynsey com ciúme. Como trazer uma batida de
vinho com um guarda-chuvinha.
Seu semblante perverso me faz conter um olhar fulminante.
“Obrigada, namorado.”
Aceito o copo de uísque cheio até a borda. Com um sorrisão,
dou um golinho e tento não vomitar.
Uísque em temperatura ambiente é horrível.
“Essa é sua bebida favorita?” Tyreek parece impressionado.
“Nunca conheci uma mulher que tomasse uísque puro.”
“Ah, sim. Eu curto. Adoro.” Meu estômago está em chamas. É
isso que ganho por fazer um favor a Shane Lindley.
“Espera, deixa que eu ajudo, gatinha.”
Quando dou por mim, Shane está de joelhos desamarrando
as alças do meu outro salto.
Involuntariamente, um calafrio sobe por minha perna e
formiga entre minhas coxas.
“Obrigada”, digo, a garganta um pouco rouca.
Sua mão fica no meu tornozelo. Shane faz um carinho de
leve antes de se levantar para se sentar ao meu lado no sofá.
Senta com as pernas abertas e me puxa para seu lado,
colocando um braço musculoso ao redor de mim. Ele cheira
bem. Como sabonete e sândalo, e um toque de pós-barba
intenso.
“Sei que você está chateada por causa da balada, mas não
estou exatamente reclamando por não ter dado certo.” Ele leva
os lábios muito perto do meu ouvido. “Você está gata pra
caralho.” Ele sussurra essas palavras, mas alto suficiente para
eu saber que Lynsey e Tyreek conseguem ouvir.
q y y y g
“Ah, obrigada, amor.” Viro um pouco a cabeça e nossos lábios
ficam subitamente a milímetros de distância.
Meu coração dá uma cambalhota e, por um segundo, penso
que ele vai me beijar. Mas ele apenas sorri e pisca. Sua mão se
move distraidamente pelo meu braço nu em um carinho lento.
Engulo em seco.
“Então, o que vocês estavam fazendo antes de eu aparecer?”
“Nada demais. Só conversando, botando o papo em dia”,
Shane responde.
“Vocês estudaram juntos no ensino médio, certo?” Digo,
alternando o olhar entre Shane e Lynsey. “E você?” Pergunto a
Tyreek. “Também é de Vermont?”
“Não” Tyreek responde. “Sou de Boston. Estudo na
Universidade de Boston.”
“Legal. Qual seu curso?”
“Cinesiologia.”
“Sério? O meu também!”, exclamo.
“Não brinca. Você é atleta?” Tyreek pergunta.
“Líder de torcida.”
Lynsey entra na conversa com um sorriso educado.
“Ah, que demais. Estudo artes cênicas. Não temos nenhuma
equipe da AAUN, então não entendo muito dessas coisas, mas
ginástica de torcida é reconhecida agora como esporte?”
“Não, não é.” Não sei se ela quis ser maldosa, mas pareceu.
Mesmo assim, retribuo seu sorriso. “Mas deveria. A gente sua
muito a camisa.”
Mas ela não é a primeira pessoa a sugerir, intencionalmente
ou não, que ginástica de torcida não é um “esporte” oficial. A
aaun, ou Associação Atlética Universitária Nacional, ainda não
a reconhece, o que é um absurdo, afinal, alguém consegue
mesmo dizer que líderes de torcida não são atletas? Treinamos
muito. Somos flexíveis para caramba. Porra, consigo fazer
séries de acrobacias que um jogador de hóquei como Shane
não faria a menor ideia de como executar. O que não significa
que ginástica de torcida seja mais exigente do que hóquei. Só
que somos atletas e merecemos esse reconhecimento.
q
O programa de líderes de torcida da Briar é muito
competitivo. Assim que o ano letivo começa, já estamos a todo
vapor. Nos matando e levando nossos corpos ao limite para nos
prepararmos para as regionais em novembro. Depois, se
tivermos a sorte de avançar, é rumo às nacionais na primavera.
Surpreendentemente, o namorado de Lynsey me apoia.
“Boto fé. Nossa equipe é sinistra.”
“Você joga futebol americano na Universidade de Boston?”,
pergunto.
“Basquete. E, mano, as coreografias que aquelas mulheres
mandam durante o intervalo? Incríveis.”
“Confia em mim, eu sei. A Universidade de Boston tem uma
equipe de peso. Quase nos derrotaram nas regionais do ano
passado.” Volto o olhar para Lynsey. E você? “Shane disse que
você dança balé?”
“Sim”, ela responde. “Treino no Conservatório Liberty em
Connecticut.”
“Ah, que demais. Eles têm um programa excelente.” Levo a
mão ao copo de novo até lembrar o que tem nele. Então ele
continua na mesa de centro e recuo a mão discretamente. “Na
verdade, estudei balé até os catorze.”
“Jura?” Ela parece interessada agora. “Parou por quê?”
“Era muito…” Eu me contenho porque quase disse pretensioso.
“Rígido”, completo. “Gosto de pensar que tenho disciplina, mas
o balé exigia mais do que eu estava disposta a dar. O mesmo
vale para a ginástica. Quando eu era criança, sonhava em ir
para as Olimpíadas. Até perceber que você não tem uma vida.
Precisa viver e respirar ginástica. Para ser sincera, prefiro
ensinar a praticar. Estou passando o verão dando aulas num
programa de cheerleading para crianças e é muito gratificante.”
Lynsey torce o nariz.
“Nunca conseguiria dar aulas. Não tenho esse tipo de
paciência, muito menos com crianças. Fico irritada quando
vejo que estão fazendo alguma coisa errada.”
Seu comentário não me surpreende. Não está demorando
para eu formar uma opinião sobre a ex de Shane, e não é lá
p p
muito positiva.
“Não me incomodo”, digo. “Claro, as crianças cometem
muitos erros… porque são pequenas. Mas elas são tão loucas
para aprender. Não tem nada que eu ame mais do que vê-las
dominar uma habilidade.”
Ela encolhe os ombros.
“Sinto mais satisfação em dominar minhas próprias
habilidades.”
Não deixo de sentir os dedos de Shane ainda acariciando
meu braço. Quando acabo de falar, ele se inclina e esfrega o
nariz no meu pescoço antes de me dar um rápido beijo na
bochecha. Ele está sendo tão afetuoso. Chega a ser
desconcertante. E está tão cheiroso que não dou conta.
“Aposto que você sente falta de ter esse aqui para dançar”,
brinco, sorrindo para Lynsey enquanto dou uma tapinha na
coxa de Shane. “É difícil tirar esse cara da pista de dança.”
Suas sobrancelhas se erguem.
“Sério?”
“Ah, sim. Aliás, foi assim que a gente se conheceu. Ele
esvaziou toda a pista e tentou me conquistar na base da dança.
Apresentou um solo e tudo. Querido, conta para ela.”
Shane vira a cabeça de leve para me encarar. Parece querer
me matar, mas, quando desvia o rosto, está com um sorriso
tímido.
“É, fiz papel de palhaço.”
“Não, foi uma gracinha.” Eu me inclino para a frente para
pegar meu uísque, dessa vez me forçando a dar um bom gole.
A mente controla o corpo. É só fingir que não está
queimando minha garganta e espumando feito lava no meu
estômago. Mal bebi um quarto do copo e já estou ficando alta.
Ofereço para Shane.
“Quer um pouco?”
“Não, vou ficar na cerveja.”
Babaca.
“Quero ouvir o resto dessa história”, Lynsey diz.
Tyreek ri.
É
y
“Mano, eu também. É sério que você fez uma coreografia
maluca para conquistar a mina?”
“Seríssimo”, respondo por Shane. “A gente estava numa
balada de música latina em Boston. Não lembro o nome, mas
foi logo depois da vitória do Frozen Four, e fomos todos lá para
comemorar. Já fazia uns meses que o Shane estava tentando
ficar comigo.
“Não fazia tanto tempo assim. Só chamei você para sair uma
vez.”
“Claro, uma vez por semana desde setembro. Ele estava
gamado”, digo, sorrindo para Lynsey e Tyreek. “Eu vivia
recusando, e ele ficava cada vez mais desesperado.”
“Desesperado não. Determinado”, Shane interrompe. Ele me
lança um olhar fulminante de brincadeira, mas só eu sei que
de brincadeira não tem nada.
“Ele me mandava umas mensagens… eram tão cafonas. Eram,
tipo, top dez motivos para sair comigo.”
Tyreek engasga no meio do gole de cerveja.
“Quais eram os motivos?”
“Não lembro todos.” Finjo vasculhar a memória. “Alguns
eram muito ridículos. Como… consigo durar até vinte minutos na
cama.”
Isso faz Tyreek se dobrar de tanto rir. Lynsey mal esboça um
sorriso.
Noto que ela não é muito engraçada. Não que seja um
defeito. Nem todo mundo tem o senso de humor incrível desta
que vos fala. Mas pessoas sérias me deixam incomodada às
vezes. Me lembram demais minha mãe, que não sabe o
significado da palavra piada.
“Tinha motivos românticos também”, Shane se defende antes
que eu solte mais alguma revelação humilhante. “Eu disse que
era gentil e amoroso, lembra?”
“Verdade. Disse mesmo. Tem razão.”
“Disse que sabia tratar bem uma mulher, que era muito
cavalheiro.”
“Verdade também.” Dou de ombros. “Mas o motivo número
um era que ele dançava muito bem e, à noite, paguei para ver.
Falei para ele me impressionar. Então, Shane foi até o dj e
pediu para ele tocar uma faixa ridícula, um remix rap-pop
muito horrível do Vizza Billity. E entrou no meio da pista de
dança e começou a fazer seus, digamos, ‘passos’.” Faço aspas no
ar. Tyreek e Lynsey estão rindo agora. “Foi muito fofo.”
“Estava todo mundo torcendo”, Shane acrescenta, criando
todo um grupo de incentivo para a história.
“E ele veio rebolando até mim, estendeu a mão e disse: me
concede essa dança?”
Tyreek ri de novo.
“Não sei se é cafona ou charmoso.”
“Charmoso, certeza.” Shane pega minha mão e entrelaça
nossos dedos. Mas, quando o outro casal não está olhando, ele
pressiona o polegar no centro da palma da minha mão. É um
aviso. “E olha só no que deu. Acho que fazer papel de palhaço
na frente de Boston inteira valeu a pena.”
Tá, até que isso foi romântico. Noto a expressão de Lynsey
mudar de sorridente para… não sei dizer o quê. Ela é muito
competente em mascarar suas emoções.
“Quer dizer que agora você dança?”, ela fala para Shane.
Acho que era para ser uma piada, mas percebo o tom cortante
em sua voz.
“Acho que sim”, ele responde, dando de ombros. Para minha
mais absoluta surpresa, ele acrescenta: “Eu e Diana vamos
participar daquela competição de dança. A cndsaa.”
Seus olhos faíscam.
“Você não está falando sério.”
Eu me recupero rápido da surpresa.
“Pois é, consegui convencer o menino”, confirmo, me
aconchegando ainda mais em Shane. “Por quê? Você também
vai competir?”
“Competi todos os anos desde os dezesseis.” Seu maxilar está
tenso. “Desde quando você se interessa por dança de salão,
Lindy?”
y
Ah, sim, ela está puta por Shane estar fazendo dupla comigo.
Aposto que ele nunca quis fazer com ela. Não que ele seja meu
parceiro de verdade. É uma mentira e está claramente fazendo
efeito.
“Diana fez pressão.” Ele abre um sorriso meio culpado. “É
difícil dizer não para ela.”
“Pode apostar que é.” Dou um beijo em sua bochecha
barbeada.
O celular que deixei em cima da mesa de centro apita com
um alerta de repente, e me desvencilho de Shane para dar uma
olhada.
“Tudo bem?”, ele pergunta.
“Sim, desculpa. É uma notificação de que a votação de
Casinho ou casório acabou.”
“Putz, era a liberação da Cabana dos Doces? Você votou?”
“Óbvio.”
“Quem você escolheu para voltar para a casa?”
“Todd e Ky.”
“Todd!” Shane resmunga. “O infiel de plantão?”
“Ele é divertido!”
Do outro lado do sofá, Tyreek nos encara com um sorriso.
“Casinho ou o quê? É um reality show? Ah, espera.” Ele
cutuca a coxa dela. “Amor, não é aquele que você assiste?”
Ela acena distraidamente, mas está concentrada na gente.
“Você o fez dançar e acompanhar reality show? Estou
impressionada.”
Dessa vez ela nem tenta disfarçar com humor. Seu tom é
cortante e carrega um quê de ressentimento.
Tenho quase certeza que essa garota me odeia, mas não sei
quanta empatia consigo sentir por ela. Ela está ali sentada com
o namorado ao lado. Não tem o direito de ser abertamente
hostil com a namorada de mentira do ex-namorado.
Até que isso é divertido. Estou arrasando nesse papel. E mal
comecei.
Shane vai me matar.
15

shane

Você sempre foi tão gata?

Vou matar Diana.


Sabia que ela me zoaria e teria o maior prazer em fazer isso,
mas não esperava que nossa história de amor épica envolveria
cortejar Diana por meio da dança. Agora, enquanto Lynsey usa
o banheiro e Tyreek está na cozinha fazendo uma ligação, ela
coloca uma música e vem saltitante na minha direção com os
pés descalços. Seus saltos estão abandonados no chão perto do
sofá.
“O que você está fazendo?”, pergunto, desconfiado.
“Estou a fim de dançar.” Ela me puxa na direção da janela ao
lado da porta da sacada.
Deixo que me arraste só porque quero um segundo a sós
com ela, e isso me dá a oportunidade de dizer:
“Te odeio.”
“Odeia nada. Você me ama. Sou sua namorada e estamos
perdidamente apaixonados.”
Radiante, ela coloca uma mão no meu ombro e a outra na
palma da minha mão. Por instinto, seguro a cintura dela e a
puxo para perto e, nossa, ela é muito mais baixinha do que eu
imaginava. Sempre que eu dançava com Lynsey, eu não
precisava abaixar tanto a cabeça para ficar na altura dos olhos
dela. Com Diana, sou quase trinta centímetros mais alto.
Porra, ela está um verdadeiro furacão nesse vestido justo.
Muito gostosa. Quase compensa toda a dor e o sofrimento que
está me causando esta noite. Mas acho que é o que mereço por
ter pedido a ajuda dela.
“Não precisa exagerar tanto”, aviso com a voz baixa.
“Por quê? Ela está com ciúme.”
Isso me faz hesitar.
“Você acha?” Eu estava com essa impressão, mas Lynsey pode
ser difícil de decifrar.
“Certeza”, Diana diz. “Quando você disse que participaríamos
da competição?” Ela aponta dois dedos para os olhos. “Armas
de fogo. Eu me senti fuzilada. Me gira.”
Sorrindo, ergo nossas mãos dadas para ela poder executar
um pequeno giro, depois a puxo na minha direção.
Diana observa nossos pés, como se estivesse me avaliando.
“Até que seus passos não são tão ruins.”
“A gente está só andando para trás e para a frente de um lado
para o outro.”
“Olha, muitos homens não conseguem fazer nem isso.”
Tyreek volta para a sala, sorrindo para nós. Para ser sincero,
ele é uma cara bacana. Tranquilão e fácil de conversar. Queria
estar com raiva dele, mas não consigo.
“Diana, achei a coreografia que eu estava comentando”, ele
diz. Ele estava procurando um vídeo de uma das coreografias
de cheerleading que a equipe da Universidade de Boston
apresentou no ano passado.
“Ah, perfeito. Estou louca para ver.”
Diana me solta e corre para o sofá. Ela se senta ao lado de
Tyreek enquanto ele reproduz o vídeo para ela.
Lynsey sai do corredor um momento depois, parando perto
de mim ao lado da porta da varanda. Ela segue meu olhar para
nossos respectivos namorados. Quer dizer, o dela. O meu é
uma farsa.
Não acredito que ela tem um namorado. E não acredito que
teve a coragem de aparecer com ele. É um tapão na cara. Me
deixa com raiva toda vez que paro para pensar, mas não posso
demonstrar. Sem falar que não quero que Tyreek pense que
tenho algo contra ele. É tudo contra Lynsey.
g y y
“Um aviso teria sido legal”, murmuro para ela. Esse é nosso
primeiro momento a sós desde que eles chegaram. Ela não saiu
do lado dele.
“Sim. Teria”, ela concorda, tensa.
Lanço um olhar surpreso para ela.
“Sério? Você acha que eu deveria ter avisado você ?”
Nossas vozes são sussurradas, mas acho que Diana e Tyreek
nem notam. Eles estão concentrados no vídeo.
“Você não me contou que estava com alguém.”
“Nem você, Lynz. Sem falar que não apareci com Diana na
sua casa pedindo para passar a noite.”
“Desculpa. Achei que não seria nada demais. Faz um ano que
terminamos, Shane.”
“Está saindo com ele faz tempo?”
“Um mês. A gente se conheceu numa festa em Boston. Ele é
amigo do primo de Monique.”
Então, ela estava com ele quando nos falamos ao telefone
algumas semanas atrás. Teria sido gentil se ela tivesse
aproveitado para me contar. Entendo… ela não me deve nada.
Não precisa me atualizar sobre sua vida amorosa. Mas me sinto
um lixo por não saber de nada e ser pego de surpresa na
minha porta.
“Você não está bravo, está?” Ela examina minha expressão.
“Não, claro que não.” Dou um passo para longe. “Vou pegar
outra cerveja. Quer alguma coisa?”
“Não, obrigada.”
Cruzo a sala na direção da cozinha e torço para ela não notar
a tensão nos meus passos. Estou irritado pra caralho. Eu nunca
a teria pegado desprevenida assim. Nunca teria sonhado em
levar minha mais nova namorada para passar a noite no
apartamento de Lynsey. E me dou conta de que vou ter que
oferecer minha própria cama agora. É a coisa educada a fazer.
Maravilha. Agora vou ter que queimar aqueles lençóis.
Quando Diana me vê na cozinha, ela dá um tapinha no braço
de Tyreek e diz que já volta. Um momento depois ela está do
meu lado, pulando para se sentar na bancada.
p p
“Vem cá, namorado”, ela provoca.
Fechando a geladeira, faço minha cara de namorado e ando
até ela. Não consigo deixar de notar que seu vestido subiu
tanto que suas coxas estão praticamente nuas. Se ela abrir um
pouquinho a perna, vai dar para ver sua calcinha.
Se é que ela está usando uma.
O pensamento evoca uma onda de calor que faz meu pau se
contrair.
Diana me segura pelas alças do cinto e me puxa para o meio
daquelas coxas bronzeadas. Ela entrelaça as mãos ao redor do
meu pescoço para aproximar meu rosto do dela.
“Você está bem?”, ela pergunta baixo. Há preocupação
sincera em sua voz.
“Estou.”
“Sua máscara está começando a cair.”
“Eu sei”, admito.
Planto as mãos em seus joelhos e olho para ela.
Reparo de repente em como ela é gostosa. Quando abri a
porta para ela hoje, percebi que ela estava linda, mas agora
estou realmente absorvendo a visão dela, e é de tirar o fôlego.
Seus olhos verdes parecem ainda mais brilhantes. Aquele
batom vermelho está um espetáculo. O decote dela é
sensacional. Ela é uma arma de sedução.
“Por que você está me encarando?” Suas bochechas estão
vermelhas, por causa do uísque ou da dança. Mas ela não
parece muito bêbada.
“Você sempre foi tão gata?”, pergunto.
Seu queixo cai. Uma risada escapa.
“Bom, sim. Sempre.”
“Você está linda, Dixon.”
“Eu sei.”
Fixo meu olhar no dela. Minha boca está um pouco seca.
Ela ergue uma sobrancelha.
“Está esperando que eu retribua o elogio?”
“Não. Sei que estou bonito. Sempre estou.”
Diana ri de novo. Algo naquele som suave e melodioso faz
meu corpo se enrijecer. Antes que eu consiga me conter, passo
o polegar em sua bochecha. Porra, como a pele dela é macia!
Olho por sobre o ombro. Lynsey e Tyreek estão rindo de
alguma coisa no celular dele. Se o olhar de Lynsey estivesse em
mim agora, não sei se estaria lambendo os lábios e
murmurando:
“Tenho uma confissão a fazer, Dixon.”
Acho que ela também está afetada por essa tensão estranha
que paira entre nós. Quando nos beijamos durante o jogo de
desafio, ela fingiu não se excitar, mas suas reações diziam o
contrário. A respiração ofegante. O pulso acelerado quando
toquei seu punho. As pupilas dilatadas.
Estou vendo todos esses mesmos sinais agora.
“O quê?”, ela pergunta.
“Meio que quero te beijar.”
“Você está bêbado?” Ela parece achar graça.
“Talvez um pouquinho. E você?”
“Talvez um pouquinho.” Ela sente um arrepio visível quando
envolvo sua bochecha, depois inspira quando uso a outra mão
para fazer um carinho de leve na sua coxa nua. Sua pele arde
sob o ao toque.
“Você quer?” A pergunta sai rouca pelo desejo repentino em
minha garganta.
Diana faz uma cara pensativa.
Depois se inclina um pouco para a frente e encosta os lábios
nos meus.
É um beijo suave. Uma exploração. Como colocar um pé na
jacuzzi para testar a temperatura. Começa como uma onda
quente borbulhando ao seu redor. Depois, quando você percebe
que está gostosa pra caralho, mergulha. Se deixa consumir.
Acontece em um piscar de olhos. Estou submerso e
consumido. Ela tem sabor de uísque e tentação, e quero que
isso não acabe nunca. Esse beijo é um incêndio.
Nossas bocas se fundem, deslizando uma sobre a outra, seus
lábios se abrindo, sua língua saindo para tocar a minha. Meu
g p
coração está batendo rápido demais. Diana solta um som baixo.
É difícil ouvir com a música. Mas vibra em meus lábios.
“Ei, Shane, qual é mesmo o Wi-Fi? Me desconectei… ah,
desculpa.” Tyreek ri baixo.
Eu e Diana nos separamos. Passo a mão na boca, enquanto
ela ajeita às pressas um fio de cabelo que se soltou do coque
atrás da orelha.
“Não, desculpa”, respondo. Pigarreio. “Esqueci que a gente
não estava sozinho.”
Não estou mentindo. Esqueci completamente que Lynsey e
seu namorado estavam aqui. Eu estava tão absorto naquele
beijo que um meteoro poderia ter atingido Meadow Hill e eu
teria morrido distraído e feliz com a língua na boca de Diana.
O beijo da festa na piscina foi gostoso. Mas esse? Escaldante.
Meu pau nunca ficou tão duro por causa de um beijo.
Umedecendo os lábios subitamente secos, olho para o sofá. O
olhar de Lynsey encontra o meu. Não consigo decifrar sua
expressão.
Mas a de Diana eu consigo entender — um misto de tesão e
choque.
Sei exatamente como ela se sente.
16

diana

Falta de controle

Agora são duas.


Duas vezes.
Duas vezes que beijei Shane Lindley.
É sábado de manhã e estou deitada em uma espreguiçadeira,
contemplando as nuvens e pensando sem parar que beijei
Shane ontem à noite. De novo. E, dessa vez, não foi porque ele
me desafiou e eu estava tentando ganhar um jogo de festa.
Mas porque eu queria.
Cerro os dentes e fixo o olhar furioso numa formação de
nuvens em particular, que lembra dois cisnes se beijando.
Malditos cisnes de nuvem. Esfregando na minha cara.
A culpa do meu beijo com Shane é daquele uísque horrível.
Eu estava muito, muito bêbada.
Não estava muito, muito bêbada.
Ai, meu Deus. Verdade. Estava altinha, no máximo.
Ouço o som de chinelos no concreto e ergo os olhos para
encontrar Shane de calção de banho vermelho e camiseta
branca. Ele coloca uma caneca de café cheia na mesa ao meu
lado e estende uma toalha listrada enorme sobre a
espreguiçadeira ao lado da minha.
Só tem mais uma pessoa aqui nesta manhã. Veronika está
sentada do outro lado da piscina retangular, lendo um livro
romântico com um cara sem camisa na capa. Por mais que eu
goste de tirar sarro por ela transar com todos os limpadores de
piscina, admiro sua atitude de quem está pouco se fodendo.
Está na casa dos cinquenta e está vivendo sua melhor vida de
solteira depois de um divórcio arrastado. Sem marido, sem
filhos. Vivendo seu sonho.
Sua cabeça se ergue assim que Shane chega, admiração
enchendo seus olhos. Maravilha. Acho que vou ter que ter essa
conversa constrangedora na frente de uma plateia.
“Oi.” Sua voz é um pouco rouca, e ele parece cansado.
“Oi.”
Quando Shane se deita e estica as pernas, não posso deixar
de notar que seu corpo simplesmente domina a
espreguiçadeira. Parece que não tem fim. Mas acho que é o que
acontece quando você tem um metro e oitenta e cinco com
pernas absurdamente longas e um peito largo e escultural.
Viro a cabeça para ele.
“Cadê seus hóspedes?”
“Foram embora, graças a Deus. O tour pela Briar de Lynsey
começou às nove.”
“Eles vão voltar mais tarde?”
“Não.” Seu tom está cheio de alívio de novo. “Ela vai voltar
direto para Connecticut depois das entrevistas.”
Estudo seu perfil acinzentado, sem conseguir conter a
memória de como foi a sensação de deslizar os dedos por
aquele maxilar definido. Como os pelinhos em sua nuca eram
macios antes de eu envolver minha mão em torno do pescoço
dele para tornar o beijo mais intenso.
Desvio rápido o olhar. Ai, meu Deus. Apesar do
comportamento traiçoeiro da minha boca nos últimos tempos,
não estou a fim dele. Ele me irrita.
Alheio à minha turbulência interior, Shane começa a mexer
no celular. Me ignorando completamente.
Solto um suspiro.
“Sério que não vamos conversar a respeito?”
Ele dá uma risadinha.
Do outro lado do deck, Veronika se empertigou um pouco
mais e baixou o livro. Ela nos observa descaradamente agora.
Tomara que não saiba ler lábios.
q
“A gente ficou, Dixon. Nada demais.” Ele parece
despreocupado.
“Nunca mais vai acontecer.”
“Beleza.”
“Como assim, beleza?”
Ele baixa o celular e ergue uma sobrancelha.
“Você quer que aconteça de novo?”
“Claro que não. Só quero me certificar de que estamos na
mesma página. Só beijei você porque me deixei levar pelo meu
papel de namorada.”
“Não precisa se explicar. Estou na mesma página.”
“Então você também estava representando um papel?”
“Não, eu queria te beijar.”
Isso me faz calar a boca.
Shane ri.
“Dixon. Foi um beijo. Você está fazendo uma tempestade em
copo d’água.”
“Não estou fazendo tempestade em copo d’água.”
“Legal, beleza.”
“Ótimo.”
“Excelente.”
“Brilhante.” Ele ri de novo. “Obrigado, aliás.” Ele volta o
rosto para a água. “Sei que você não gosta muito de mim, mas
mesmo assim você foi e me ajudou. Sou muito grato.”
“Por nada. E sei a maneira perfeita de você me recompensar.”
Ele me olha com desconfiança.
“Tá, imagina só”, começo com um sorriso radiante.
“Não.”
“Imagina só. Eu e você. Deslizando juntos pelo salão de dança
numa valsa vienense elegante.”
“Não.”
“Não terminei!”
“De jeito nenhum. Você me perdeu em valsa.”
O desespero me toma e me vejo fazendo biquinho.
“Por favor? Kenji me largou e agora estou totalmente ferrada.
Você mostrou uma boa coordenação ontem à noite. O talento
ç
bruto você tem, tenho certeza. E você já disse para Lynsey que
vai entrar comigo na competição.”
“Sim, disse no momento.” Ele parece achar graça. “Não
estava planejando levar adiante.”
“O que você vai dizer para ela, então?”, desafio.
“Sei lá. Vou dizer que não deu certo. Você encontrou um
novo parceiro. O treinador não me deixou participar durante a
temporada de hóquei.” Ele dá de ombros. “Tem muitos motivos
pelos quais eu poderia ter que desistir.”
“Vai, Shane, por favor.”
Ele dá outra risadinha.
“Você nem gosta de mim e quer ser minha parceira de
dança?”
Ergo o queixo.
“Ninguém precisa gostar do seu parceiro de dança.”
“Não vou aceitar.”
“Que tal um boquete?”
“Sou todo ouvidos.”
Sorrio para ele.
“Ótimo. Vou encontrar um bom serviço e ver se mandam
alguém para você na surdina…”
“Um boquete seu, Dixon”, ele interrompe com um sorriso. “É
sua boca ou nenhuma.”
“Tarado. Eu nunca te chuparia.”
“Eu sei. É por isso que estou satisfeito em nunca ser seu
parceiro de dança.”
Solto um gemido alto.
“Toda vez que começo a gostar de você, você vai lá e decide
estragar minha vida.”
Shane se curva de tanto rir, o que só intensifica minha
irritação. Lá estava eu, oferecendo um ramo de oliveira para
esse homem na forma de dança, e ele joga de volta na minha
cara. Rindo de mim.
O toque do meu celular nos interrompe. Contenho um
resmungo depois que olho a tela. É Percy. Meu ex me mandou
mensagem umas dez vezes desde que falei que não podemos
g q q p
ser amigos e ele está mais ou menos a uma mensagem de ser
bloqueado.
PERCY
Sei que você está me evitando. Podemos conversar,
por favor?

Ignoro a mensagem e resmungo, irritada.


“Más notícias?”
“Não. Só meu ex.”
“Ainda incomodando você?”
“Sim. Ele ainda acha que tem chance de me reconquistar.”
Faço um barulho exasperado. “Sério, qual é o problema de
vocês? Por que vocês não podem simplesmente sumir depois
que levam um fora? Por que não entendem o recado?”
“Eita.”
“Ai, não estava falando de você. Estava falando de…” Eu me
lembro de repente o que estávamos fazendo ontem à noite e
por quê. “Ah, opa. Acho que estava falando sim de você.
Desculpa.”
“Não estou tentando reconquistar minha ex”, ele insiste.
“Não? Quer dizer que não me beijou ontem à noite para
fazer ciúmes nela? Mostrar o que ela está perdendo?”
A voz de Shane fica rouca de novo.
“Posso dizer sinceramente que, naquele momento, Lynsey
era a última coisa que eu tinha na cabeça.”
Nossos olhares se cruzam por um segundo. Uma onda de
calor me atravessa.
Ah, não. Nem pensar. Essa pulsação entre minhas pernas não
é um bom sinal.
“Mas você quer voltar com ela”, digo, insistindo na questão.
Ele demora um longo tempo para responder, o que é a
resposta de que preciso.
“É só que eu tinha todo esse futuro em mente, sabe? Para
nós dois.”
Isso me pega desprevenida.
“Futuro? Não sabia que cafajestes pensavam no futuro.”
“Não sou um cafajeste.”
Ergo uma sobrancelha.
“Sei que parece que sou. Tenho certeza que Gigi contou que
fiquei meio louco por sexo esse ano.”
“Você tentou comer a equipe inteira de cheerleading
sozinho.”
“Que exagero. Mas, sim, transei muito.” Ele suspira. “Mas
não é isso que quero. Acho que precisava passar por tudo
aquilo para aceitar que sou um cara que gosta de
relacionamentos.”
Não sei se acredito nele, mas não posso negar que parece
sincero.
Preciso me arrumar para o trabalho, então deixo Shane na
piscina e subo para casa, onde coloco meu uniforme na
mochila porque nem morta eu seria vista indo trabalhar com
ele. O Della’s Diner é definitivamente o lugar mais
ultrapassado do mundo. É muito retrô. Os uniformes são
muito cafonas, mas os clientes parecem adorar o traje de
poliéster azul com colarinho branco e avental combinando.
Pelo menos, os gerentes nos deixam usar tênis brancos em vez
de patins. E, embora eu tenha certeza de que eles adorariam
que usássemos penteados elaborados, rabos de cavalo são
aceitos.
Meu turno passa voando. Noites de sábado são sempre assim.
Fico tão ocupada que nunca olho as horas, então é sempre uma
surpresa agradável quando a lanchonete se esvazia de repente,
e me dou conta que faltam trinta minutos para fechar. É meu
momento favorito da noite.
Estou limpando atrás do balcão das tortas quando toca o sino
sobre as portas e um cliente entra no salão iluminado por
lâmpadas fluorescentes.
Percy.
Meu maxilar se cerra. Estou empilhando copos e, agora, bato
um com força demais. Não era minha intenção colocar tanta
força, mas, felizmente, o vidro não se estilhaça.
ç ç
“Você está bem?”, pergunta Dev, o outro garçom. Todos os
outros já saíram.
“Estou.” Aceno bruscamente na direção do recém-chegado.
“Deixa que eu cuido desse. Eu o conheço.”
Vou até Percy, que se senta a uma mesa.
“O que você está fazendo aqui?”, pergunto, com raiva.
Ele ergue as duas mãos em sinal de rendição.
“Pegando um café.”
“Percy.”
“E torcendo para ter uma conversa rápida com você.”
“Eu disse tudo que precisava dizer.”
“Bom, eu não disse tudo que precisava dizer.” Sua voz se
ergue, chamando a atenção de Dev.
Meu colega ergue o queixo numa pergunta silenciosa, e
respondo levemente em negação. Consigo resolver isso.
Lanço um olhar de advertência para Percy.
“É meu ambiente de trabalho. Por favor.”
“Tudo bem. Vou embora… se você concordar em conversar
comigo depois do seu turno.” Determinação endurece seus
olhos. “Te encontro lá fora?”
Solto um grito interno. Ai, meu Deus. Alguns homens já
ficaram obcecados por mim no passado, mas nunca a esse
ponto. Não sei o que fazer com isso. Será que conta como
stalking? Acho que ainda não se classifica como, mas é a
segunda vez que ele aparece sem avisar.
Está me deixando constrangida, e não gosto dessa sensação.
A apreensão, a falta de controle. Normalmente sou mestre em
lidar com situações difíceis. Desde sempre. Meu pai diz que é o
que ele mais gosta em mim. Com a exceção de consertar um
chuveiro, se tem uma situação que precisa ser resolvida, pode
contar com Diana Dixon. Se precisar de alguém para defender
você, xingar ou acabar com outra pessoa, pode contar com
Diana Dixon.
Pensei que tinha sido firme com Percy no último fim de
semana, mas está na cara que não fui firme o suficiente. E essa
é a única razão pela qual concordo em encontrá-lo depois do
meu turno. É hora de colocar os pingos nos is.
Percy espera na calçada quando saio da lanchonete trinta
minutos depois. Suas bochechas estão um pouco coradas e,
quando ele me cumprimenta, sinto um cheiro de álcool em
seu hálito.
“Você estava bebendo?”, pergunto, com um pé atrás.
“Tomei uma cerveja no Malone’s enquanto te esperava. Mas
não se preocupa, estou bem para dirigir. Vou te dar uma
carona. A gente pode conversar no carro.”
“Não. Quero andar.”
Uma ruga se forma na sua testa.
“Não estou bêbado.”
“Não achei que estivesse. Só prefiro andar.” A última coisa
que quero agora é ficar presa em um carro com Percy.
“Beleza, então. Vamos andar.”
Meu peito está tão apertado que consigo sentir minhas
costelas tentando atravessar minha pele.
Mais dez minutos da minha vida, garanto a mim mesma,
enquanto saímos da calçada. Consigo aguentar por mais dez
minutos.
“Tenho uma coisa importante para dizer”, ele começa, seu
tom sincero. “Assumo total responsabilidade pelo fracasso do
nosso relacionamento, Diana. Tive meses para refletir sobre
minhas ações, mas foi só na nossa última briga, quando você
apontou minhas inseguranças que finalmente consegui olhar a
situação inteira do seu ponto de vista. E compreendi. O quanto
odiaria se você me acusasse de transar com outras mulheres…”
“Percy”, intervenho. Ele está gastando saliva à toa aqui.
“E você tem razão, as acusações foram desnecessárias. É algo
em que vou ter que trabalhar. E estou trabalhando…”
“Percy”, interrompo de novo.
“Só peço uma chance. Me deixa provar que ainda sou o pós-
graduando nerd e engraçado que você conheceu no Coffee Hut
e não sabia a diferença entre uma porta de empurrar e uma de
puxar.”
p
Dou um riso fraco.
“Sei que você é aquele cara.”
“Então me dá uma chance de provar.”
Não estamos longe de Meadow Hill agora, e conto os passos
ansiosamente. Percy acredita que tem uma chance de me
convencer, mas não tenho interesse em voltar com ele. Quero
que esse suplício acabe. Nunca tive um namorado tão carente e
inseguro. E agora peguei ranço.
“Vou ser sincero, Diana. Você é a mulher mais bonita com
quem já estive, e isso me intimida. É difícil namorar alguém
como você, sabe?”
Mais dois minutos. Tento apertar o passo, mas sou baixa e
não consigo me mover tão rápido.
“Então, tenta entender do meu ponto de vista? É difícil saber
que você chama a atenção e que os outros homens estão
olhando para você. Porque, sério, a gente sabe o que eles estão
pensando. Estão todos imaginando você pelada.”
“Quem liga para o que eles estão pensando?”, digo, irritada.
“Não é porque eles talvez estejam me imaginando pelada que
vou dormir com eles. Você deve ter uma péssima visão de mim
se acha que não consigo andar dez passos sem abrir as pernas
para alguém. Isso é ridículo. É ofensivo.”
“Não é isso que estou dizendo.” Ele ajusta o ritmo para
alcançar meus passos rápidos, resmungando de frustração. Há
uma nota de raiva também, da qual não gosto.
“Percy, entendo o que você está dizendo.” Na verdade, não
entendo nem um pouco, mas tanto faz. Vamos fazer a vontade
dele. “Mas não estou interessada em voltar.”
“Mesmo se eu estiver trabalhando nos meus problemas?”
“Mesmo assim.”
“Então, o quê? Passamos seis meses juntos e você
simplesmente me joga fora? Casais resolvem as coisas juntos.
Ajudam um ao outro com seus problemas.”
“Não é minha responsabilidade ajudar você com suas
inseguranças!”
Agora estou sim brava. E, agora que minha raiva foi
despertada, não dá para voltar atrás. Essa deve ser minha pior
característica, mas agora não há nada que eu possa fazer a
respeito. Ele realmente esgotou até meu último pingo de
paciência.
“Vou ser bem sincera com você agora. Não quero estar com
você. Não quero te ajudar a resolver seus problemas.” Estamos a
uns quinze metros do portão principal de Meadow Hill, mas
estou nervosa demais para andar. Paro no meio da calçada e
coloco as mãos no quadril. “Não estamos mais juntos. Nunca
mais vamos estar juntos.”
“Tem outra pessoa?”, ele questiona.
Ai, meu Deus!
Quero gritar. Mas é óbvio que esse homem não tem nenhum
respeito pelos meus limites e ainda mais óbvio que ele nunca
vai compreender que simplesmente não quero estar com ele.
Para Percy, se eu não o quero, deve ser porque existe outro
homem.
E, como está na cara que essa é a única forma que o cérebro
dele vai registrar o que estou dizendo, grito:
“Sim!”
Ele recua como se eu tivesse batido nele.
“Como assim?”
“Sim, tem outra pessoa. Estou saindo com outra pessoa.”
Ele solta o ar.
“É o jogador de hóquei?”
“Sim. Isso mesmo. Terminamos, tá? Então, por favor, só
supera. Como eu já superei.”
Começo a andar, mas ele segura meu braço e me puxa para
trás. Não sei se ele é tão agressivo de propósito, mas sinto
como se meu braço tivesse sido arrancado da articulação.
“Me solta.”
“Sua vadia de merda”, ele grita, e a máscara cai por
completo, revelando olhos vermelhos furiosos, as bochechas
coradas e os lábios retorcidos de desprezo. Seus dedos apertam
meu antebraço como aço. “Você me fez rastejar e implorar e
ç ç j p
esse tempo todo estava fazendo exatamente o que eu sabia que
estava fazendo!”
“Me solta”, repito.
Quando tento me desvencilhar de sua mão, ele aperta mais.
“Me solta.” Minha mão livre se estende para tentar empurrá-
lo para longe.
“Vadia de merda.”
Quando dou por mim, seu punho se ergue.
E me atinge.
17

shane

Se me quiser, sou todo seu

“Oi, Lindy.”
Essa é a primeira vez que Lynsey me liga desde que
terminamos. Ela mandou algumas mensagens, claro, para dizer
“espero que esteja bem” ou alguma outra frase vazia, mas nunca se
esforçou para entrar em contato e ouvir minha voz. Até agora.
“Oi”, digo, escondendo um sorriso. “Tudo bem?”
Faz alguns dias que eu e Diana mandamos bem na nossa
atuação incrível de Namorados: Loucos de Amor. Embora
talvez loucos de tesão seja mais fiel à trama, considerando que
acabei dando uns beijos nela na minha cozinha. Na hora, achei
que Lynsey parecia incomodada por eu estar com outra
mulher, mas, depois de dias de completo silêncio, deixei essa
ideia de lado.
E olha só quem está ligando agora.
“Obrigada por nos deixar passar a noite aí no último fim de
semana.”
“Sem problemas. Tyreek parece um cara legal.”
“Sim.” Lynsey hesita. “Diana também pareceu gente boa.”
“Ela é.”
“Ela… fala bastante.”
Meu sorriso se abre.
“Nem tanto. Ela só parece falar muito porque você fala
pouco.”
“Não estou falando só de quantidade. É só que ela é tão
direta. Parece ter uma personalidade forte.”
É
É uma crítica a Diana? O tom de Lynsey é completamente
benigno, então não sei dizer.
“Enfim, liguei para dizer que protocolei oficialmente o
pedido de transferência para minha orientadora da Liberty.
Vou estudar em Briar no outono.”
“Puxa, legal, grande mudança. E quanto à moradia?”
“Quando fiz a entrevista, a chefe do departamento disse que
tem alguns quartos individuais vagos no alojamento dos
veteranos. Não me lembro qual era o nome do prédio, mas ela
disse que é onde todos os alunos de dança moram.”
“Você vai morar no campus? Não com Tyreek?”
Ela ri.
“Muito cedo para isso. Mal faz um mês que estamos saindo.
Sem falar que não quero me deslocar de Boston. Sei que é só
uma hora mais ou menos, mas mesmo assim é um pé no saco.
Por que acordar cedo para fazer o trajeto se posso acordar cedo
para ensaiar?”
Admiro a ética profissional dela. Sempre admirei.
“Mas vou ter que dar um jeito de ensaiar com Sergei. Talvez
encontrar algum lugar no meio do caminho entre Liberty e
Briar.”
“Verdade. A cndsaa. Como vocês vão fazer isso?”
“Passamos nas preliminares, então já estamos na competição.
Acho que ensaios de fim de semana devem dar conta. Ou…”
Ela faz uma pausa em tom de brincadeira. “Sempre posso
roubar você.”
Mordo o lábio para suprimir o riso.
“Ah, é?”
Certo, ela definitivamente está flertando agora.
“Talvez.” Ela pausa por um segundo. “Mas, sinceramente…”
Seu tom fica um pouco cortante. “Estou um pouco irritada que
você tenha formado dupla com ela considerando que chamei
você para fazer isso durante anos e você recusava toda vez.”
O arrependimento me aperta por dentro. Eu não deveria ter
mentido sobre a competição. Acho que me deixei levar pelo
papel de Namorado. E, sim, queria deixar Lynsey com ciúme.
p p q y y
Mas não era minha intenção magoá-la, e a próxima pergunta
dela, baixa e dolorida, mostra que magoei.
“Não entendo. Você simplesmente criou interesse por dança
de repente?”
“Não, não é isso. É que…” Decido colocar a culpa em Dixon.
Ela não vai ligar. “É difícil dizer não para Diana.”
Há uma pausa longa e tensa.
“É”, Lynsey diz finalmente. “Parece mesmo que ela está com
você na palma da mão, pelo jeito como manda em você.”
“Ela não manda em mim.”
“Shane, ela manda muito em você. Durante todo o nosso
relacionamento, acho que não ouvi você discutir comigo por
nada. Já na única noite em que estive na sua casa, vocês
passaram o tempo todo discutindo por uma coisa ou outra.
Não é saudável.”
“Pode ser.” Franzo a testa. “Mas a gente não estava discutindo
de verdade. Era tudo brincadeira…”
“Enfim, gosto que você esteja competindo.” Ela me
interrompe como se eu não tivesse falado nada. “Mostra muito
crescimento. Mostra que você pode ser capaz de apoiar alguém.
Priorizar o outro.”
Seu comentário desperta um misto de alegria e irritação.
Gosto que ela esteja vendo algo bom em mim, mas me
incomoda a facilidade com que ela ignora as vezes em que a
apoiei. Não é porque não quis entrar em competições de dança
com ela que eu não estava sentado na primeira fileira de todas
as suas apresentações, torcendo por ela.
Mas talvez eu pudesse ter feito mais. Me esforçado mais. É
provável que eu seja mais egoísta do que a maioria das pessoas,
mas isso é por causa do hóquei. Ele te torna egoísta. Você
devota todo seu tempo e energia a um esporte e não a uma
namorada. Nesse sentido, ela tem razão. Talvez eu nem sempre
a tenha priorizado. Talvez não tenha conseguido achar o
equilíbrio perfeito entre hóquei e namoradas, mas, se eu tiver
a oportunidade, sei que consigo lidar melhor com esses dois
mundos agora. Vi pessoas ao meu redor fazerem isso. Como
g p
Ryder, que sempre só se importou com hóquei a vida toda e
mesmo assim conseguiu convencer uma mulher a se casar com
ele. E, pelo que sei, o casamento não mudou seu desempenho
no gelo, e o gelo não afetou seu casamento.
Então por que eu não conseguiria?
“Acho que amadureci um pouco”, digo com uma risadinha
irônica. “Ou muito, considerando que estou disposto a dançar
tango na frente de uma plateia.”
“Ah, tango é uma das suas provas? Em que categorias você
entrou?”
“Na verdade, não sei direito. Ainda estamos trabalhando no
nosso vídeo para as preliminares.” Olha só para mim,
mandando ver no jargão da cndsaa.
“Bom, me avisa se vocês se classificarem.”
“Por quê? Está se sentindo ameaçada? Você e Sergei vão
tentar nos sondar? Espionar para roubar nossas coreografias?”
“Não estou preocupada”, ela diz, orgulhosa.
“Pois deveria porque vamos acabar com você, garota.”
“Ah, é?”
“É.”
“Pode vir.” Ela ri. “Enfim, vou te falando sobre a
transferência. Depois a gente conversa, Lindy.”
Desligamos e meu corpo está todo vibrando. Quero contar
para alguém sobre isso, mas ninguém vai estar nem aí que
minha ex-namorada me ligou. Todos os meus amigos me
zoariam sem dó nem piedade.
Mas… minha “namorada” nova poderia ser compreensiva.
Sorrio com a ideia. Ouvi os passos de Diana a manhã toda. Não
sei o que ela anda fazendo, mas parece estar andando de um
lado para o outro pelo apartamento há horas.
De bom humor, vou para o apartamento ao lado e bato alto.
“Oi, sou eu. Me deixa entrar.”
“Vai embora. Estou ocupada”, é sua resposta abafada.
Bato de novo. Mais alto.
“Silêncio!”, vem um grito do andar de baixo.
“Ah, deixa disso, Niall!”, grito em resposta. “Anda logo,
Dixon, tenho novidades.”
Depois de um breve silêncio, eu a ouço chegar perto da
porta.
“Tá, mas não se assusta quando vir meu rosto.”
“Por que eu ficaria assustado…”
A porta se abre, e eu solto uma respiração chocada.
Ela está com um belo de um hematoma. Não chega a estar
roxo, mas está machucado e inchado embaixo do olho e acima
do ossinho da bochecha. A cor é um azul-avermelhado, em vez
de preto e roxo, o que me indica que o hematoma tem alguns
dias.
Tento lembrar há quanto tempo não a vejo. Desde sábado de
manhã, percebo. Merda, como não nos esbarramos nenhuma
vez em quatro dias? Não fiz nada além de jogar golfe, treinar e
nadar, e duas dessas atividades acontecem em nosso
condomínio. Onde é que Diana estava?
“O que aconteceu?”, exclamo. “Você está bem?”
“Programa de cheerleading”, ela diz com tristeza.
Meu queixo cai.
“O que eles fazem lá? Obrigam vocês a competir em esportes
sangrentos?”
“Eu e as outras orientadoras estávamos ensinando as
meninas a formar uma pirâmide, e eu estava no topo. Levei
uma cotovelada na cara quando a pirâmide caiu.”
“Caramba. Colocou gelo?”
“Sim. Mas é uma merda. Enfim, o que rolou?”
Entro atrás dela no apartamento. Noto que ela empurrou a
mesa para longe do sofá e enrolou aquele tapete bordô
superbrega; está encostado na parede ao lado do aquário. Olho
o grande espaço vazio que ela criou.
“O que você estava fazendo aqui? Ouvi seus barulhos a
manhã toda.”
“Estou treinando uma coreografia que quero ensinar para as
crianças amanhã.”
“Já encontrou um parceiro de dança de salão?”
J p ç
“Não”, ela diz, triste.
“Não é verdade.” Ergo a cabeça para ela, sorrindo.
“Encontrou sim.”
Diana estreita os olhos. Quer dizer, o outro olho. O esquerdo
já está estreitado devido ao inchaço.
“Acabei de sair do telefone com Lynsey. Ela me disse que
estou exibindo muita maturidade e crescimento entrando
nessa competição de dança. Então…” Encolho os ombros. “Se
me quiser, sou todo seu.”
Pela primeira vez desde que me mudei para o apartamento
ao lado, um sorriso sincero enorme, direcionado a mim, se abre
em seu rosto.
“Está falando sério?”
“Sim. Vamos dançar, Dixon.”
Diana me surpreende mais uma vez: ela dá um passo à frente
e envolve os braços ao redor da minha cintura. Encostando o
lado não machucado do rosto em meu peito, ela me abraça
com força. Estou tão atônito que fico parado com os braços
balançando ao lado do corpo.
“Obrigada”, ela diz baixo. “Estava precisando disso.”
Não sei se ela está falando da dança, do abraço ou de outra
coisa completamente diferente, mas a forma como sua voz
embarga desperta uma pontada de preocupação.
Eu me obrigo a deixar isso de lado porque conheço Diana e
sei como ela fica irritada quando se metem demais na vida
dela.
Então me limito a retribuir o abraço e digo:
“Vamos arrasar.”
18

diana

Um pesadelo que passou

“Certo, minhas águias majestosas”, anuncio. “Vamos executar


esses saltos uma última vez e paramos por hoje, beleza?”
Enquanto eu e Fátima contamos, as garotas começam a pular,
dando o melhor de si. Os saltos toe touch, em que elas precisam
tocar os pés no ar, têm sido difíceis para algumas,
especialmente para Chloe e Harper. Elas conseguem levantar as
pernas, mas não esticá-las para a frente, ou vice-versa.
“Por que meu toe touch é tão baixo?”, Chloe choraminga
depois que pousa. Sua testa está reluzindo de suor.
Vou até ela.
“Porque suas pernas não estão abertas o suficiente. Quanto
mais afastadas estiverem, mais alto seu toe touch vai ser. É por
isso que continuamos insistindo sobre alongamento. Essa
flexibilidade precisa começar desde cedo.”
Fátima bate as palmas.
“Vamos fazer os saltos com os joelhos dobrados no peito.”
“Esses são chatos”, Harper resmunga.
“São ótimos para o abdome”, digo ao grupo, batendo na
minha barriga. “Acrobatas…” Olho para Tatiana e Kerry, nossas
melhores ginastas. “Vocês, em particular, precisam praticar
mais os saltos com joelhos levantados. Quanto mais força no
abdome vocês conseguirem desenvolver, melhores acrobatas
vocês vão se tornar.”
Treinamos a série final de saltos, e estão todas sorridentes e
suadas quando as dispensamos. As garotas correm para o
vestiário enquanto Fátima as segue.
“Você vem?”, ela pergunta por cima do ombro.
“É minha vez de guardar os colchonetes”, respondo.
“Legal. Se eu já tiver ido embora quando você terminar, até
amanhã.”
Assim que o ginásio se esvazia, meu sorriso desaba como
uma barraca barata.
Manter esse sorriso estampado no rosto a semana toda é uma
das coisas mais difíceis que já fiz na vida.
Estou um caco desde que Percy me bateu.
Segundo ele, foi um acidente. Ele alegou que foi
involuntário. Que, quando o empurrei, seu primeiro instinto
foi se defender. Talvez seja verdade. Provavelmente não. Seja
como for, não quero fazer escândalo por causa disso. Não
quero. Não consigo.
Não consigo nem fodendo.
Lágrimas brotam e pisco para dispersá-las. Empilho os
colchonetes, ansiosa para voltar para casa.
Rezo para que as outras orientadoras já tenham saído
enquanto me arrasto para o vestiário. Felizmente, está vazio e,
como me troco em casa, pego minhas chaves, meus óculos de
sol e minha bolsa do armário e corro para a saída.
Hesito no meio do caminho quando meu reflexo na parede
de espelhos chama a minha atenção. Meu olhar se fixa no
hematoma feio ao redor do meu olho esquerdo. Um soluço
angustiado se prende em minha garganta, e o engulo com
força. Por um segundo, não consigo respirar. De repente, volto
para lá. Para aquela noite. Completamente zonza, atordoada
pela dor do soco de Percy em meu rosto.
Ninguém nunca me bateu antes.
Não importa se foi um acidente. Ainda dói pra caralho. Disse
a todos no programa de cheerleading que levei uma cotovelada
sem querer de Kenji durante o ensaio de dança. Disse a Shane,
assim como à Gigi quando a vi no outro dia, que aconteceu o
mesmo no acampamento durante a queda de uma pirâmide.
Não sei por que não consigo simplesmente contar a verdade.
p q g p
Você sabe por quê.
Sim. Eu sei. É pelo mesmo motivo por que não liguei para o
meu pai assim que aconteceu, embora todos os instintos do
meu corpo estivessem me mandando fazer isso.
Todos os instintos exceto um: medo. Assim que o punho de
Percy acertou meu rosto, o mecanismo de lutar ou fugir
entrou em ação, e o segundo venceu de forma esmagadora. Eu
não conseguia fazer nada além de fugir. Fugir de Percy, fugir da
vergonha, fugir da vontade de ligar para meu pai pedindo
ajuda. Porque meu pai teria me feito ir à polícia, e essa era a
última coisa que eu queria naquele momento.
Ainda não quero. Me recuso a fazer disso algo maior do que é.
E a verdade é que, sim, eu o provoquei. Tentei empurrá-lo.
Então de que adianta denunciar para a polícia se é muito
provável que não resulte em nada além de um depoimento
constrangedor?
Quero tirar todo esse incidente humilhante da cabeça. Está
morto e enterrado. Acho que Percy nunca mais vai chegar
perto de mim. Embora ele tenha passado a semana toda
mandando pedidos de desculpa, deixei claro que não quero
mais nada com ele. Também guardei todas as suas mensagens,
os prints salvos em uma pasta no celular.
Sinto os joelhos bambos demais para andar, então me sento
no longo banco de madeira e releio as mensagens agora.
A primeira foi enviada menos de cinco minutos depois que
entrei no apartamento naquela noite e subi a escada às pressas
para colocar gelo no rosto.
PERCY
Diana, perdão. Foi completamente sem querer. Eu
NÃO tinha a intenção de bater em você. Foi uma
reação totalmente instintiva ao seu empurrão.

Tentei te empurrar porque você agarrou meu braço.


E não soltou quando pedi três vezes para soltar.
NUNCA MAIS entre em contato comigo. NUNCA
MAIS.

PERCY
Foi um acidente. Por favor, acredite em mim.

Como não respondi, suas mensagens continuaram se


acumulando. Chegaram todos os dias, cheias de desculpas.
PERCY
Foi um reflexo. Completamente involuntário.

Você está bem?

Entendo que esteja brava comigo, mas desculpa de


verdade. Você me empurrou e minha reação foi
puramente instintiva.

Não queria machucar você.

Não bato em mulheres.

Você sabe que não sou essa pessoa.

Esta é minha última mensagem para ele. Em termos muito


claros, coloco os pingos nos is.

Você precisa me deixar em paz. Senão, vou à polícia.


Estou falando muito sério. Vou te bloquear agora e
não quero mais você na minha vida. Adeus, Percy.
Tenha uma boa vida. Vai à merda.

Cumpri a ameaça e o bloqueei. Não sei se ele continuou a


mandar mensagens depois disso. Só me resta imaginar que
sim. Mas, da minha parte, está completamente fechado.
Além dos prints, também estou monitorando meu hematoma.
Tirei fotos dele na primeira noite e todos os dias desde então.
Não sei por quê. Não planejo fazer boletim de ocorrência.
Acredito nele quando ele diz que não foi sua intenção, mas não
consigo apagar a lembrança dos olhos dele. Por um momento
assustador, aquelas íris castanhas tinham ficado absolutamente
selvagens. Embora talvez isso só apoie sua defesa, de que foi
um instinto animal de se defender porque ele achou…
O quê? Que você era uma ameaça? Você tem um e cinquenta e cinco
de altura e pesa cinquenta quilos! O que você faria com ele?
A voz incrédula em minha cabeça está correta, claro. Mas
mesmo assim a silencio. Não quero ficar remoendo isso. Não
quero mais pensar sobre Percy ou lembrar daquela sensação
estranha e surreal de medo sufocando minha garganta.
Eu me forço a levantar do banco e sair do vestiário. Não
posso me esconder aqui para sempre. Também não posso me
esconder no meu apartamento, algo que estou fazendo há dias
e, enquanto sigo a calçada para longe da escola, faço uma
promessa a mim mesma de que o que Percy fez não vai me
transformar em algo que não sou. Uma covarde e uma reclusa.
Um caso perdido.
Quando o celular toca na minha mão, eu tremo
instintivamente. Por sorte, Percy não encontrou um jeito de
entrar em contato comigo. Mas é meu pai que está ligando, o
que talvez seja ainda pior. Preciso me fazer de forte quando
falo com ele. Não é bem que eu precise; não é algo que ele
explicitamente exige de mim. Mas desabar na frente do meu
pai não é uma opção. Não consigo lembrar a última vez em
que chorei na frente dele ou demonstrei sequer um pingo de
vulnerabilidade.
“Oi, filhota”, ele diz quando atendo.
“Ei, ligou na hora certa. Acabei de sair do acampamento.
Estou caminhando para casa.”
“Perfeito. Queria ver como estão as coisas. Confirmar se a
temperatura do chuveiro ainda está do seu agrado.”
“Sim, está ótima.”
“Como vai a vida? Tudo bem?”
“Tudo ótimo.”
“Certeza?” Preocupação enche sua voz. “Não me pareceu
muito convincente.”
Merda. Fiz um esforço para soar mais animada, mas não sei
mentir direito, então opto por uma meia-verdade.
“Quase tudo”, corrijo. “Percy ainda está me incomodando.”
“O ex?”
“Sim. Ele não entende que não quero reatar.”
Meu pai ri.
“Bom, eu me ofereceria para dar uma surra nele, mas sei que
você é perfeitamente capaz de se virar sozinha.”
“Pois é.” Dou uma risada forçada. “Não esquenta a cabeça. Já
falei para ele ir se foder.”
“Essa é minha filha.” Meu pai muda de assunto. “Ah, sobre o
churrasco do Dia do Trabalho… Larissa perguntou se você vai
fazer sua salada de batata com bacon.”
“Claro. Na verdade, não sei cozinhar mais nada.”
Sua risada é música para os meus ouvidos.
“Ainda não acredito que sua mãe pagou todo aquele dinheiro
para você fazer aquele curso de culinária uns meses atrás.”
“Um grande erro”, concordo.
O pior de tudo foi que o único motivo pelo qual aceitei foi
porque minha mãe deu a entender que faríamos o curso
juntas. Como uma trouxa, me deixei enganar ao acreditar que
ela realmente queria passar tempo comigo. A verdade é que ela
nunca teve a intenção de fazer isso juntas. Ela me inscreveu
porque minha avó, a mãe dela, fez um comentário depreciativo
no Natal anterior sobre como era uma pena eu ser uma
péssima cozinheira, e minha mãe não podia passar uma má
impressão na frente da sua família tradicional sulista. Era
inaceitável.
“Mal posso esperar para ter você em casa”, meu pai diz com
a voz grossa.
Um nó de emoção se forma em minha garganta.
“Eu também.”
“Certo, preciso ir, filhota. Depois a gente se fala. Te amo.”
“Também te amo.”
As lágrimas ameaçam cair de novo. Meu pai confia tanto em
mim. Desde sempre, minha vida inteira, ele sempre elogiava a
minha resiliência. Dizia que não havia ninguém que ele
preferisse ter ao seu lado.
Ir para a polícia por causa de Percy seria muito humilhante.
Meu pai conhece todas as autoridades, então, mesmo se eu
quisesse esconder que estava prestando queixa, a notícia
acabaria chegando até ele. E depois minha mãe também ficaria
sabendo e, como eu a conheço, sei que diria que foi culpa
minha por provocar Percy. Minha mãe sempre me recrimina
por precisar controlar a raiva.
Em casa, lembrando da minha promessa de não deixar que
as ações de Percy fizessem com que eu me escondesse, troco as
roupas do acampamento por um maiô. Eu e Shane
combinamos de repassar os detalhes da competição, então
mando mensagem para ele me encontrar na piscina em vez do
meu apartamento, depois me forço a sair.
Meu pulso acelera à medida que me aproximo. Evitei todos
os vizinhos essa semana por causa do meu rosto, mas me
tranquilizo dizendo a mim mesma que está tudo bem. Se
alguém perguntar, posso dar a mesma desculpa que dei a Shane
e Gigi.
Para meu alívio, a área da piscina está deserta quando chego.
Encontro duas espreguiçadeiras, me sento e abro o site da
cndsaa no celular. Preciso reavaliar toda minha estratégia. Eu e
Kenji dançaríamos o tango para nosso vídeo de audição, mas,
pela altura de Shane, acho que podemos ter mais chance de
classificação com uma dança latina.
Ainda não consigo acreditar que ele aceitou ser meu
parceiro. Quando Shane apareceu no outro dia, eu ainda estava
atordoada pelo que aconteceu com Percy e, de repente, alguém
estava me oferecendo uma tábua de salvação, uma distração.
Tudo bem que esse alguém era Shane Lindley, mas passei o ano
todo ansiosa para competir e, agora, a oportunidade estava de
volta ao meu alcance.
“Meu Deus, Dixon”, Shane resmunga cinco minutos depois.
Ele está deitado na espreguiçadeira ao lado da minha, também
navegando pelo site. Com um palavrão, ergue a cabeça em
choque. “Isso é intenso. O que é isso? American Nine? Dixon!
Diz que precisamos fazer nove danças! Quatro de dança de salão
e cinco latinas.”
“Relaxa. Não estamos inscritos nessa prova.”
“Como estamos inscritos em alguma coisa se nem fomos
classificados ainda?”
“Porque você manda a inscrição antes da pré-seleção. Eu e
Kenji nos inscrevemos para o American Smooth Duo e o
American Rhythm Solo.
Ele relaxa.
“Ah, beleza…” Depois fica pálido. “Espera. Como assim? São
duas provas?”
“Sim.”
“Vamos fazer duas danças?”
“Três, na verdade.”
Ele me encara com um olhar de acusação horrorizado.
“Vai dar tudo certo. Você consegue. O evento de dupla é
tango e valsa. O solo é o chá-chá-chá.”
Shane parece prestes a vomitar.
“Dixon.”
“Quê?”
“Não vou, nem agora nem nunca, fazer uma dança chamada
chá-chá-chá.”
“Beleza.” Dou de ombros. “Pode ligar para Lynsey e dizer que
desistimos.”
“Merda.”
Sorrio.
“Vamos fazer o chá-chá-chá para a audição. Acho que você
vai curtir mais.”
Shane me encara.
“O que está acontecendo aqui?”, uma voz rouca pergunta.
q q p g
Erguemos os olhos para ver Veronika se aproximar. Nossa
femme fatale de plantão está usando uma saída de praia branca
translúcida sobre um biquíni de oncinha bem indecente, com
seu cabelo pintado de vermelho solto sobre os ombros.
Ela balança o dedo com ar travesso.
“Vocês dois andam passando muito tempo juntos. Será que
temos romance no ar?”
“Ai, meu Deus, jamais. Mas vamos entrar numa competição
de dança juntos.”
“Não, não vamos”, Shane nega imediatamente. Sua expressão
é de alerta.
Entendi o que é. Ele tem vergonha da nossa conexão rítmica.
“E daí?”. Dou de ombros. “Vão ver a gente ensaiando de
qualquer forma. Vamos fazer muitas sessões na academia.”
“Aaah, parece tentador”, Veronika diz.
Seguro o riso.
“Bom, divirtam-se”, ela diz alegremente antes de seguir para
sua espreguiçadeira e seu guarda-sol de sempre, que oferecem
uma visão clara da trilha, permitindo que ela observe todas as
idas e vindas do Meadow Hill.
“Enfim, voltando ao assunto”, Shane resmunga, erguendo o
celular. “Não vou fazer mais do que uma dança.”
“Vamos fazer três, e isso não é uma negociação.” Ergo a
cabeça. “Qual é o problema, Lindley? Acha que não consegue
dar conta?”
“Ah, você sabe que consigo.”
“Exato. É por isso que vamos fazer três danças. Vou dar um
mergulho agora. Pode fazer birra à vontade.”
Mergulho na parte funda, curtindo a sensação da água fria
envolvendo meu corpo. Pela primeira vez em dias, me sinto
confiante de novo. Forte. É como se tudo o que rolou com
Percy nunca tivesse acontecido. Só um pesadelo que passou e
nunca mais vou precisar revisitar. Assim que o hematoma
desaparecer, não vai restar mais nenhum vestígio daquela noite
horrorosa.
Uma calma me inunda enquanto nado. Eu me desligo,
movendo o corpo pela água, desfrutando o ardor nos músculos.
Quando paro para recuperar o fôlego na parte rasa da piscina,
noto que alguns vizinhos chegaram. Adoro os verões em
Meadow Hill. Existe um verdadeiro espírito de comunidade
aqui.
Nado de costas em direção à parte funda, onde saio da água
para poder cumprimentar Priya, que está sentada em uma
mesa com Marnie e Dave.
“É um universitário”, Dave está dizendo.
“Quem é um universitário?” Pergunto, curiosa, pegando a
conversa no meio. Água escorre do meu corpo enquanto me
aproximo da mesa. “Ei, Lindley, pode me trazer uma toalha?”
“Pede por favor”, ele grita.
“Não”, respondo.
Priya acha graça.
“Espera, a gente gosta dele agora?” Ela fala um pouco alto
demais.
“Sabia!” Shane, que está se aproximando de nós com minha
toalha, me fuzila com os olhos. “Sabia que você promoveu um
programa de exclusão.”
“Não promovi programa de exclusão nenhum”, minto.
“Promoveu?” Shane pergunta a Priya.
“Sigilo médico”, ela responde com um tom presunçoso.
“Marnie?”, ele questiona.
Olho para Marnie, dando uma piscadinha. Com a cara séria,
ela diz:
“Você está imaginando isso, querido. Ninguém está
excluindo você.”
“Pura maldade. Todos vocês”, ele acusa antes de jogar a
toalha para mim. “Você não merece essa toalha.”
Dave ri baixo.
Marnie traz o grupo de volta ao assunto em questão.
“O inquilino do Bétula-Doce 1A chegou hoje”, ela me conta.
Veronika se aproxima com sua saída de praia branca.
“Estamos falando sobre o inquilino dos Garrison?”
q
“Sim”, Marnie responde. “Acabamos de vê-lo no
estacionamento descarregando algumas caixas. Vai passar seis
semanas. Rapaz bonito. Jovem.”
Veronika se empertiga.
“Quão jovem?”, ela pergunta. Porque é a Veronika e ela não
presta.
“Não sei, talvez de vinte cinco a trinta anos?” Marnie
responde. “Disse que é estudante de pós-graduação em Briar.”
De orelha em pé, aperto a toalha com mais força.
“Perguntaram o nome dele?”
Dave suga os lábios.
“Peter qualquer coisa?”
Sua esposa solta uma gargalhada.
“Querido. Peter? Como você pode esquecer o nome dele? Era
Percival.”
O choque é imediato. Puta que pariu.
Não.
De jeito nenhum.
“Percival?”, disparo, raiva crescendo dentro de mim. “Tem
certeza que era esse o nome dele?”
“Ao contrário desse pateta aqui”, Marnie aponta para o
marido “não é um nome que eu esqueceria.”
Priya me observa com preocupação.
“Qual é o problema?”
“É meu ex.” Aperto a toalha com mais força ao redor do
corpo, já me afastando da mesa. “Desculpa, preciso ir e
descobrir o que é que está rolando.”
Shane corre atrás de mim enquanto me apresso em direção
às nossas espreguiçadeiras para colocar minhas roupas. Junto
minhas coisas e saio da área da piscina, seguida por Shane
enquanto entramos na trilha principal.
“Não é possível que seu ex esteja se mudando para o nosso
condomínio”, ele diz, rindo. “É?”
“Parece que sim”, murmuro, e quero dizer que não tem a
menor graça. De engraçado não tem nada. Mas não posso dizer
uma palavra porque já menti para ele sobre como consegui
p p q j p g
esse hematoma. “Você conhece algum outro Percival que é
estudante de pós-graduação em Briar?”
“Não, mas tenho certeza que deve ter algum outro.”
“Ah, vai se foder, Shane. Fala sério.”
“Ei, não desconta em mim.”
Pânico enche minha garganta e entorpece minhas mãos.
“Desculpa. Não queria descontar em você. É só que…”
Paro de andar e coloco o rosto entre as mãos por um
momento, tentando me acalmar. Se Percy está mesmo no
Meadow Hill, não sei o que vou fazer. O que posso fazer?
Outra coisa me passa pela cabeça de repente, uma lembrança
do que eu disse para Percy na noite em que ele me bateu.
“Ai, meu Deus”, resmungo, contra as palmas das mãos.
Levanto a cabeça e olho em desespero para Shane. “Da última
vez que vi Percy, eu disse que estava namorando com você.”
O bom humor de Shane volta na forma de uma risada alta.
“O quê? Por que você faria isso?”
“Porque parece que é o que fazemos agora, beleza? Falamos
para nossos exes que estamos namorando.”
Minhas mãos ainda estão tremendo. Eu as aperto contra meu
corpo e torço para Shane não perceber. Qual é a do Percy? Ele
me dá um soco e depois se muda para o meu condomínio?
Quero chorar, mas adoto uma expressão impassível e finjo que
estou brava com a mudança dele e não com o soco.
“Lindley”, digo, angustiada. “Antes de ir até o Bétula-Doce
para confrontar Percy, preciso que você concorde em ser meu
namorado.”
Ele encolhe os ombros.
“Beleza, sem problemas. Eu te devo essa.”
“Não só por hoje. Estou falando de todo o tempo em que ele
estiver aqui.”
“Marnie não disse que ele está alugando o apartamento por
seis semanas?” Shane questiona.
Mordo o lábio.
“Você mesmo falou que me deve uma.”
“Dixon. Pedi para você ser minha namorada por uma noite.
Você está me pedindo para abrir mão do meu verão inteiro.”
“Abrir mão do quê? Você mesmo disse que não quer dormir
com ninguém, então não vai ficar trazendo mulheres aleatórias
para casa o verão todo. Não é?”
“É, mas…”
“E tudo que você estava planejando fazer neste verão era
relaxar. Ser meu namorado de mentira não muda nem um
pouco seus planos. E dá mais oportunidade para deixar sua ex
com ciúme”, concluo, usando todos os argumentos possíveis.
“Então você está tentando deixar Percy com ciúme?”
“Não, quero que ele me deixe em paz!”
A testa de Shane se franze com meu desabafo.
“Dixon…”, ele começa, cauteloso. “O que está acontecendo?”
Sinto o desespero crescer de novo, apertando as garras no
meu pescoço. Não posso deixar que Percy more aqui, mas
também não posso deixar que Shane saiba que Percy é o
responsável pelo roxo no meu rosto. É humilhante pra caralho.
Volto a andar. Ficar parada está me deixando tonta. Shane
acompanha meu passo e sinto seu olhar fixado na lateral do
meu rosto.
“Não quero ele aqui.” Odeio o tom vacilante em minha voz.
“Terminei com Percy e ele não consegue aceitar isso. Por favor,
Lindley, são só seis semanas. Depois que ele for embora,
podemos dizer para todo mundo que terminamos.”
“Espera, você quer mentir para as pessoas que conhecemos?
Até para Gigi e Ryder?”
“Só enquanto Percy estiver aqui. Não quero que ele desconfie
que podemos estar mentindo.”
É mentira. O motivo pelo qual não quero contar para Gigi
que eu e Shane estamos fingindo por causa de Percy é porque a
primeira pergunta dela vai ser por quê.
Por que estou fazendo joguinhos em vez de mandar Percy ir
se foder? Por que estou criando uma farsa em vez de entrar em
guerra de cabeça erguida?
E esses por quês envolvem revelar a verdade.
p q
Que ele me bateu.
Que estou com medo de tê-lo por perto.
Que nunca me senti tão envergonhada na vida.
Meu cérebro é um emaranhado de pensamentos. Alguns
podem ser irracionais. Reconheço. Mas não consigo fazer isso.
Não consigo contar para meus amigos que meu ex-namorado
me bateu. E olha que eu tentei. Vi Gigi essa semana. Abri a
boca, totalmente preparada para confessar que Percy me deu
esse olho roxo, mas as palavras se recusaram a sair. Em vez
disso, contei para ela a mentira.
“Gigi nunca vai acreditar”, Shane diz com ironia.
“Claro que vai. Além disso, ela vai estar distraída com o
casamento e a lua de mel.” Imploro para ele. “Por favor? Eu me
sentira mais… segura… se ele achar que tenho um namorado.”
“Mais segura?” Shane repete, desconfiado de novo.
“Quero dizer no sentido de que ele não vai me incomodar
aparecendo na minha porta com café da manhã”, digo
tranquilamente.
Por falar em incomodar, o diabo em pessoa aparece de
repente na trilha. Vestido de calça cáqui e camiseta branca, os
braços de Percy carregam duas caixas de papelão que com a
palavra apostilas escrita com caneta preta.
Paro. Nossos olhares se cruzam, e não há como negar o
vislumbre de culpa nos olhos dele. É a primeira vez que o vejo
desde a noite do Della’s e, embora estar perto dele de novo
provoque uma indignação profunda, também sinto uma
pontada de medo. E é isso o que mais me irrita.
Eu me recuso a ter medo desse imbecil.
Parto para cima, sem medir as palavras.
“Não sei o que você está tramando…”
“Não estou tramando nada”, ele interrompe baixo. “Você
sabia que eu estava procurando um lugar para morar, Diana.”
“E precisava se mudar para cá?”
Minhas mãos estão tremendo novamente, dessa vez de raiva.
Como ele ousa? Como esse filho da puta ousa?
“Era isso ou passar semanas naquele hotel imundo na
periferia. Não tenho como pagar a pousada na rua principal
por seis semanas. Essa é a melhor opção até meu sobrado novo
ficar disponível em setembro.”
Parece verdade, mas não acredito.
Noto seu olhar se fixar em meu rosto. No hematoma que ele
causou.
Shane está a poucos metros, então sei que Percy nem sonha
em comentar o que aconteceu na outra noite, mas ele baixa a
voz e pergunta:
“Você está bem?”
Ignoro a pergunta.
“Quer saber? Não estou nem aí para o motivo por que você
está aqui. Isso não muda nada entre nós. Minha última
mensagem para você deixou clara minha posição.”
Crispando-se, ele tem a decência de parecer envergonhado
de novo.
“Ah, e aproveitando.” Chamo Shane para perto, ele pega
minha mão e, muito ostensivamente, entrelaça nossos dedos.
“Esse é meu namorado, Shane.”
Shane não oferece um aperto de mão. Ele acena e diz:
“Prazer.”
Percy aperta os lábios por um segundo.
“Prazer também. Se me dão licença…” Ele levanta um pouco
as caixas. “Preciso terminar de desempacotar.”
Quando ele passa, me viro para observar suas costas se
afastando. Seus ombros estão mais rígidos do que tábuas. Como
se ele fosse a parte injustiçada.
“Você está bem?” Shane pergunta com a voz grossa. Ele ainda
está segurando minha mão, quase como se soubesse que
preciso do apoio para não cair.
Não, não estou bem, quero dizer.
A necessidade de contar para alguém o que aconteceu é
quase sufocante. Quero contar para Shane. E para Gigi. E ao
meu pai. Mas não consigo encontrar as palavras. Estão
entaladas.
A confissão arde em minha garganta e, por um segundo de
pânico, me sufoca por completo. Não entra ar e, de repente,
não consigo respirar. Aconteceu mais de uma vez essa semana.
“Estou”, consigo dizer. Por milagre, minha voz sai
completamente normal.
Shane parece alheio ao pandemônio que se revira dentro de
mim enquanto caminhamos até o Bétula-Vermelha, subindo a
escada para o segundo andar.
“Quando você quer começar a ensaiar?”
“Para o quê?” Estou distraída demais com meu coração
acelerado para prestar atenção nele.
“A competição?”, ele responde, rindo. “E quando vamos
filmar essa pré-seleção?”
“Ah, é. Desculpa. Precisamos mandar o vídeo até o fim de
agosto, mas seria bom começarmos a nos mexer. Que tal
ensaiar no sábado? No fim de semana, só trabalho nos turnos
de café da manhã e almoço, então estou livre nas duas noites.”
“Beleza. Me manda uma mensagem.”
Nós nos separamos no corredor, e praticamente pulo para
dentro do conforto do meu apartamento, onde posso
hiperventilar à vontade.
“Ai, meu Deus, Skip”, resmungo para o meu peixe. “O que
está acontecendo?”
Ofegante, desabo no sofá e luto contra o turbilhão de
sensações. Meu estômago revira. Sinto que realmente posso
vomitar. Respiro fundo, depois mais uma vez, até que a
sensação de torpor e náusea começa a se dissipar. Mas meu
coração ainda está batendo rápido demais para o meu gosto.
Não deve ser saudável o coração bater tão forte assim.
Por que isso continua acontecendo?
Você está tendo ataques de ansiedade.
Não, caramba. Não pode ser.
Nunca sinto ansiedade. Mesmo antes de uma competição de
cheerleading, o nervosismo vem na forma de uma empolgação
eufórica. Medo não é algo que eu sinto com frequência, e
quando sinto, é completamente justificado. Como naquela vez
q p j q
em que Gigi e eu estávamos andando por um beco escuro em
Boston e ouvimos um carro estourar. Achei de verdade que
fosse um tiro, e o choque de adrenalina no meu sangue foi
intenso.
Ou quando o cachorro do vizinho do meu pai se soltou
durante o churrasco de Dia do Trabalho no último verão. O
Doberman imenso saiu em disparada na direção de um grupo
de crianças e, por um segundo, meu coração subiu pela
garganta porque pensei de verdade que ele as atacaria. Na
verdade, o cachorro era ótimo com crianças. Tudo o que fez foi
roubar a bola delas e fazê-las correr atrás dele enquanto
gritavam de tanto rir.
Esses dois episódios provocaram medo, o que faz sentido. Eu
pensei que estava em perigo. Mas não estou em perigo agora.
Não existe motivo para uma pontada de pânico.
Eu me sento no sofá, inspirando e expirando, desejando que
meu coração desacelere.
Por fim, a ansiedade passa, mas o aperto no peito permanece.
Não posso deixar que isso continue. Não sou uma pessoa fraca.
Não tenho medo de nada, muito menos de um homem
ridículo e inseguro como Percy Forsythe.
A partir de agora, preciso encontrar uma maneira de deixar
isso para trás.
GIGI
Ainda está de pé amanhã? Se sim, estava pensando
em jantar no restaurante indiano perto de Fenway.
Depois, drinques no bar de martínis que gostamos?

Sim, tô dentro!

Aaah, sim, adoro esse restaurante. Quero muito


voltar lá

Shane e eu estamos namorando agora


Qual bar de martínis? O perto do Ritz?

GIGI
Espera. Quê?

Como assim, você e Shane estão namorando??

Me responde!

digitando…
19

shane

Namorado Experimental

“Não quero mais casar.”


A declaração dramática vem de Ryder, que está sentado na
outra ponta do sofá, com o rosto inexpressivo.
Faço o possível para não rir dele.
“Lamento informar, mas você já está casado.”
É sexta à noite, e estou no sobrado que, até algumas semanas
atrás, eu dividia com Ryder e Beckett. Agora, Will está no meu
antigo quarto e, em breve, Ryder vai morar com a esposa. Que
ele já está querendo abandonar, pelo visto.
Mas entendo o que ele quis dizer. Pelo que me contou, a
família de Gigi está passando dos limites com esse casamento.
Um que só vão fazer porque o pai dela, o célebre Garrett
Graham, tem um coração de manteiga e quer levar sua única
filha ao altar. Longe de mim criticar; consigo imaginar meu pai
fazendo o mesmo com Maryanne. Não que ela vá se casar
algum dia. Maryanne é um tesouro único. Já decidi que,
quando ela fizer dezesseis anos, vou me sentar com ela e falar
sobre os benefícios de virar freira. Acho que um convento seria
um ótimo lugar para ela.
“Talvez não seja tarde demais para se divorciar”, Ryder diz, o
tom tão esperançoso que não consigo segurar o riso.
“Você não quer um divórcio. É obcecado por aquela mulher.”
Dou de ombros. “Além disso, a cerimônia não vai ser tão ruim
assim. Eu, por exemplo, mal posso esperar para encher a cara e
ver com quantas madrinhas Beckett consegue ficar.”
“Bom, a madrinha principal você já está pegando, então está
aí pelo menos uma que ele não tem como conquistar.”
Não exatamente, mas agora que Dixon disse para Gigi que
estamos namorando, é compreensível que Ryder pense que já
nos pegamos. Acho que posso deixar que ele continue
pensando isso, mas também não quero manchar a reputação de
Diana.
“Na verdade, ainda não transamos”, digo.
“Até parece.”
“É sério. Estamos indo devagar.”
“Desde quando você vai devagar?” A pergunta vem de Will,
que sai da cozinha. Só ele e Ryder estão aqui enquanto Beckett
está na Austrália.
Ele entra bebendo uma garrafa d’água e vestido como se
fosse sair. Calça jeans escura envolve suas pernas compridas, e
sua camisa azul de botão tem o mesmo tom claro dos seus
olhos.
“Vai sair?” Ryder pergunta.
“Sim, vou para a cidade”, Will diz. “Aliás, vou encontrar sua
esposa e sua namorada”, ele aponta a cabeça para mim “para
beber.”
Ryder estreita os olhos.
“Gisele disse que era a noite das meninas.”
“O que posso fazer? Diana me convidou.” Ele me lança um
olhar metido. “Sua namorada gosta mais de mim do que de
você.”
“Provavelmente”, concordo. “Ela vive de saco cheio de mim.”
Ryder ri.
“Como isso foi acontecer, aliás?”
“Ah, já estava na cara”, Will diz. “Eles ficaram na festa da
piscina, e todo mundo fingiu que foi por causa de um desafio.”
Ignoro o sorriso sarcástico de Will e olho para Ryder.
“Sei lá. Meio que foi rolando e agora tenho uma namorada.”
Ele ergue as sobrancelhas.
“Virou exclusivo bem rápido.”
“Não posso exatamente não ser exclusivo. Ela é a melhor
amiga de Gigi e não estou a fim de ser morto. Mas não leva tão
a sério. Namoro é só por falta de um termo melhor.”
“Cara, ele está minimizando”, Will diz para Ryder. “É sério
pra caralho. Ele entrou numa competição de dança com ela.”
Meu melhor amigo vira a cabeça para mim. Contenho um
grunhido. Estava torcendo para esconder isso por mais tempo.
“Como assim, entrou numa competição de dança? O que
aconteceu com você desde a mudança? Quem é você?”
“Você está perguntando quem sou eu? Você se casou”,
retruco. “Você mudou primeiro, cara. Não coloca a culpa disso
em mim. Foi você quem estragou nossa amizade.”
Ele ri e me mostra o dedo do meio.
“Como você sabia sobre a história da dança?” Dirijo a
pergunta a Will. Agora estou com a pulga atrás da orelha.
“Diana anunciou no Ride or Dance.”
“Que porra é Ride or Dance?” A ficha cai com a memória
dela e Kenji filmando naquele dia na piscina. “Ah, não. Ela não
fez uma coisa dessas.”
Will sorri para mim.
Eu me inclino para a mesa de cabeceira e pego o celular. Um
minuto depois, a tela mostra o vídeo mais recente da conta de
dança ridícula de Diana. Meu estômago revira quando vejo que
ela tem mais de cem mil seguidores. Quero morrer.
O celular está no modo silencioso, então aumento o volume
e aperto o play. A voz aguda e animada de Diana sai do celular.
“Olá, dançarinos! Queria dar a vocês uma atualização rápida
sobre a cndsaa. Kenji caiu fora. Não, não tem drama nenhum.
Não brigamos nem nada. Ele só decidiu que superiates são
mais importantes do que eu. Mas quem sou eu para julgar?
Superiates devem ser mais importantes do que eu mesmo. Mas,
sim, ele vai passar o verão no Mediterrâneo, o que significa
que não vai poder competir, então arranjei um parceiro novo.
E acho que, julgando por todos os comentários no nosso
último vídeo, muitos de vocês vão ficar felizes com essa
revelação de parceiro. Isso mesmo, estou falando do Vizinho
Mala.”
Ryder ri no meio do gole de cerveja.
“Ah, e vocês vão amar isso também. O Vizinho Mala agora
também é Namorado Experimental.”
“Experimental?” Rosno.
Will começa a rir. Meus amigos são babacas.
“Decidi dar a ele uma chance de provar que é digno do meu
amor. Então, sim, estamos dançando e estamos namorando. É
um namoro dançante. Vai ser maravilhoso. Nossos ensaios
começam neste fim de semana, então fiquem ligados para mais
conteúdos do Vizinho Mala e toda a dor de cabeça que imagino
que ele vá me trazer. Certo, vou para a cama. Boa noite,
dançarinos.”
“Ela é muito sem noção”, resmungo.
“Acho engraçadinha”, Will diz.
“Por que não fica com ela, então?”
“Vou lembrar de contar para ela que você disse isso quando
estivermos bebendo hoje. Bom, é isso, preciso ir.” Ele olha para
Ryder. “Não precisa me esperar acordado. Acho que vou
dormir na casa do meu primo Rob, em Boston. Acho que ele
vai tomar umas com a gente.”
Balanço a cabeça.
“Como assim, você e ‘Rob’…” Faço aspas com os dedos.
“Por que está fazendo aspas no ar? Está insinuando que Rob
não existe?”
“… vão sair de casal com a esposa de Ryder e a minha
namorada, enquanto eu e ele estamos aqui, e não saindo com
elas?” digo, incrédulo.
“Não sei. Alguns homens têm sorte.” Will encolhe os ombros
com exagero e sai da sala.
Depois que a porta se fecha, os olhos azul-escuros de Ryder
ficam sérios de novo.
“Olha, sobre você e Diana. Cuidado, beleza? Como você disse,
ela é a melhor amiga de Gigi.”
“Confia em mim, não precisa se preocupar.”
p p p
Literalmente. Porque é de mentira.
“De verdade”, insisto quando noto sua expressão desconfiada.
“Não acho que vá durar muito.”
“Não?”
“Ela não faz muito meu tipo. Você sabe que prefiro garotas
mais sérias. Alguém que esteja na mesma página que eu.”
“E que página é essa?”
“A de um relacionamento a longo prazo.” Encolho os
ombros. “Dixon é ótima, mas vive no momento. Age por
capricho, mergulha em projetos novos aleatórios. É o tipo de
pessoa que vai fugir para Budapeste por um ano, saca? Não
acho que ela queira compromisso tão cedo. A gente está só se
divertindo.”
“Justo.” Ele esfrega o lado do rosto, pensativo. “Mas, se você
não vê nada a longo prazo com ela, não deixa a menina se
apegar.”
“Não se preocupa. É ela quem está insistindo em manter o
relacionamento casual”, minto. “O rótulo de namorados é só
mais fácil de dizer do que ‘essa é minha amiga colorida’, sabe?”
Ele relaxa.
“Entendi. Então é mais um esquema de amigos coloridos.”
“Exato.”
“Mas vocês não fizeram sexo.” Ele parece cético de novo.
“Ainda não. Mas acho que vamos transar, tipo, amanhã.”
Ele ri.
“Tá.”
“E você?” Digo, louco para mudar de assunto. “Como vai a
vida de casado? Ainda não cansou da Gisele?”
“Jamais.” Seu rosto relaxa sempre que Gigi é mencionada. E,
sempre que esse amor puro e sincero enche seu rosto, você
quase sente que está invadindo um espaço íntimo. Como se
tivesse uma visão de algo muito pessoal que não pertence a
você.
Mas ele simplesmente não consegue disfarçar seus
sentimentos por ela, o que é engraçado, porque Luke Ryder é
especialista em esconder suas emoções. Desde que o conheço,
p ç q ç
nunca estive cem por cento certo sobre o que passa na cabeça
dele. Mas com Gigi não há dúvidas. Ele ama aquela mulher. A
idolatra. Ela é a vida dele e ele morreria por ela. Fica claro em
seus olhos assim que alguém menciona o nome dela.
“Mas não estou nada animado para essa cerimônia”, ele
admite com a voz angustiada.
“Sinto muito. Mas estou aqui, cara. Para o que você precisar.”
Ele suspira.
“Valeu, irmão. Vou precisar que me encha de bebida para eu
esquecer quantas pessoas vão estar lá. E talvez que faça carinho
nas minhas costas enquanto vomito.”
Rio.
“Vai dar tudo certo.”
“Ah. Esqueci de perguntar: está a fim de ajudar no programa
Hockey Kings? É daqui a algumas semanas.”
“Ah, sim. É em agosto. Que cara de Harvard eles escolheram
para ensinar com você?”
“Troy Talvo.”
“Ele é bom”, digo, relutante.
“Os meninos vão jogar uma partida no último dia e
precisamos de atacantes. Você topa?”
“Garrett e Connelly vão estar lá?”
“É o programa deles.”
“Então sim.”
Rindo, ele revira os olhos para mim.
“É só assim para você topar? Não por bondade no coração?”
Sorrio para ele.
“Vou seguir fielmente meus próprios interesses e nunca vou
me justificar.”
“Cara, a Diana merece coisa muito melhor do que você.”
“Ha. Como se a Gigi tivesse conquistado um príncipe.”
“Acho que você está certo. As duas são areia demais para os
nossos caminhõezinhos.”
20

diana

Sexo vertical

Volto do trabalho para casa na tarde de sábado toda animada


para ensaiar com Shane, mas descubro que ele ainda está
jogando golfe com Will. Argh, que moleque mimado. Sei que
ele gosta de brincar que é filhinho de papai, mas aquele cara
está realmente vivendo o sonho. Que outro jovem de vinte e
um anos tem o luxo de passar o verão inteiro jogando golfe e
esculpindo o corpo?
Enquanto espero ele voltar, vou me atualizando em Casinho
ou casório, fascinada por uma briga épica entre Faith e Ky.
Donovan ainda está dando um golpe em Leni, e posso estar
paranoica, mas essa menina nova, Marissa, está tentando cravar
suas garras no Connor. Cai fora, garota.
Lá pelas sete, Shane manda mensagem para dizer que está
pronto, e descemos. Decido fazer nosso primeiro ensaio ao ar
livre, já que está uma noite tão perfeita. Quente, mas não
demais, e com uma brisa para refrescar o suor. Meadow Hill
tem uma quadra de tênis, mas acho que vai ser mais fácil
praticar na grama, então eu e Shane arrumamos um lugar
numa pequena clareira em frente às quadras. Estou usando um
shortinho preto e uma blusa esportiva laranja neon, e trouxe
uma caixa de som, meu notebook e um tripé.
“Como foi a noite das garotas com Gisele e Will?” Shane
pergunta, seco, enquanto ajusto a altura do tripé.
“Foi divertida. Vou encontrar Gigi de novo amanhã depois do
turno do café da manhã para uma prova do vestido e depois ela
vem dar um mergulho.”
“Excelente. Lembrem de usar seus menores biquínis.”
“Só se você usar sua sunguinha.”
“Combinado.” Ele baixa a cabeça, distraído por um momento
com o celular. Parece estar digitando uma redação.
“Para de mandar mensagem para sua ex”, brinco. “Temos
trabalho a fazer.”
Ele ergue a cabeça, revirando os olhos.
“É meu pai.”
“Você manda textões para o seu pai?”
“Sim. Ele é meu melhor amigo. A gente conversa sobre tudo.
Algum problema?”
Quero chamá-lo de infantil, mas não posso negar que é fofo.
Eu e meu pai também somos próximos, mas não temos com
frequência longas conversas por mensagem.
“Certo, vamos começar.” Eu me aproximo de Shane, toda
séria. “Imagino que saiba os passos básicos do chá-chá-chá?”
Ele me encara.
“Não. Por que você imaginaria isso?”
“Você namorou uma dançarina por quatro anos.”
“Ela é bailarina. E não é porque ela dança balé que eu
entendo de balé. Não era eu que estava fazendo piruetas e jetés
e… eita porra, acho que conheço sim alguns passos.”
Seguro o riso. Shane até que é engraçado às vezes, admito. E
ele está um gato com as roupas de ensaio. Pedi para ele usar
algo mais colado ao corpo, então ele está de camiseta branca
justa e calça jogger preta. A calça é de um material mais leve
do que moletom e, mesmo não sendo superjusta, fica apertada
na região da virilha quando ele anda, marcando seu pênis
generoso. Ainda penso na sensação dele pressionado contra
mim quando eu estava no seu colo. Por que é tão grande? E…
ai, meu Deus, algo me vem à mente. E se for ainda maior? E se
ele só estivesse meia-bomba na festa da piscina? Ele pode ter o
maior pênis do planeta. Pode ter uns sessenta centímetros.
“Dixon.”
Volto a mim.
“O que deu em você? Sua cara está mais vermelha que um
tomate. Está tendo uma reação alérgica ou algo assim?”
Maravilha. Meu rosto ficou vermelho pensando no pau de
sessenta centímetros de Shane.
Eu me recomponho. Não sei do que gosto menos, corar
pensando nas partes íntimas de Shane ou essa onda recente de
ataques de ansiedade porque meu ex-namorado me deu um
tapa na cara.
Acho que a palavra certa é soco.
Ranjo os dentes e viro de costas para Shane, para que ele não
testemunhe o misto perigoso de raiva e desamparo que começa
a inundar meus olhos.
É como se existissem duas Dianas dentro de mim. Uma está
furiosa, e diz: Qual é seu problema? Vai até a polícia. Faça aquele
moleque pagar. E a outra está encolhida e paralisada pela
vergonha, pedindo para eu não gastar mais energia nessa
catástrofe maldita. O hematoma já cicatrizou, e o contato de
Percy continua bloqueado.
Na verdade, está tudo bem agora.
Tem que estar.
“Deixa eu me preparar para a gente começar”, digo, ficando
de costas para Shane enquanto monto o tripé.
“Precisa mesmo filmar?”
Sua voz sai tão chateada que viro a cabeça para conferir sua
expressão. E não é que seu descontentamento parece sincero?
Hesito ao me dar conta que nunca pedi seu consentimento.
“Ah, merda.” Remorso me atravessa. “Acho que a gente não
precisa filmar se você realmente não quiser.”
“Não quero passar vergonha na frente do seu zilhão de
seguidores.”
Entreabro um sorriso.
“Você sabe quantos seguidores tenho?”
“Dei uma olhada na conta na outra noite.” Ele fecha a cara.
“Namorada experimental.”
Rio, mas meu bom humor passa quando percebo o que isso
quer dizer.
q
“Olha, vou ser sincera. Ganho um dinheirinho monetizando
meus posts.” Dou de ombros com constrangimento. “Ajuda a
pagar as contas e tal. Não espero que você entenda porque
tenho certeza que você não paga nada…”
Ele franze a testa.
“Desculpa, não estou tentando ofender. De verdade. Estou só
declarando um fato. Duvido que eu e você tenhamos os
mesmos gastos.”
“Não, eu entendo”, ele diz, seco. “Não temos.”
“Tá.” Mordo o lábio. “Só estou dizendo que esses vídeos
bobos de dança me ajudam em termos de grana.”
Faço o possível para ignorar a sensação incômoda causada
pela minha confissão. Odeio admitir fraqueza ou mostrar
vulnerabilidade, ainda mais na frente de alguém como Shane,
que vem de família rica. Não que a minha seja pobre. Herdei
uma grande quantia na forma deste condomínio, que, sim, eu
poderia vender como Thomas fez com o outro imóvel da tia
Jennifer e pegar o dinheiro. Mas gosto de ter uma casa. Algo
que é meu. Dinheiro é fácil de torrar, mas um apartamento é
para sempre. Pode ser um investimento para a vida toda.
“Então, sim, consigo contornar isso. Postar algumas coisas
solo quando estiver ensaiando sozinha. Mas o conteúdo comigo
e com Kenji fazia um sucesso absurdo.” Volto um olhar
esperançoso para ele. “Se ajudar, divido toda a receita de
anúncios com você. Não é muito, mas…”
“Não”, Shane interrompe. “Não preciso. Tudo bem, pode
filmar. Mas quero aprovar tudo que você postar para não
parecer um completo idiota. Não confio na sua edição.”
Não deveria confiar mesmo. Eu com certeza o faria parecer
mala na edição. Escondo um sorriso e monto o equipamento.
“Beleza.” Me aproximo. “Nosso ritmo básico é lento, rápido-
rápido, lento, rápido-rápido.”
“Até que é fácil.”
“Segura a onda. O chá-chá-chá é uma questão de ritmo. Um
passo em falso e você estraga tudo.”
“Mas sem pressão.”
p
“Nossa posição inicial é de frente um para o outro, e o único
passo que você precisa saber agora é o chassé. Começa com o
peso no pé esquerdo. Esquerdo, Lindley!”
“Desculpa, estava olhando o seu pé.”
Posiciono suas mãos — a direita na minha escápula
esquerda, a esquerda na minha mão direita. Ele tem mãos
grandes, provavelmente proporcionais ao seu pau de sessenta
centímetros. Enquanto praticamos os passos devagar, calor
percorre meu corpo, e sei que não é por causa da brisa quente
que sopra. Eu preciso mesmo parar de especular sobre o pênis
dele.
Normalmente, adoro chá-chá-chá. É rápido e animado e faz
eu me sentir como uma criança. Mas a expressão de Shane é
tudo menos jovial.
“É para ser uma dança divertida!” Eu o repreendo. “Você
parece estar em um presídio se apresentando para os
carcereiros. Sorria.”
Ele mostra os dentes.
Quase caio de tanto rir, o que nos faz perder o ritmo de
novo.
“Desculpa, vamos recomeçar. E para de olhar para os pés.
Precisamos manter contato visual o tempo inteiro. É como nos
comunicamos. Olha para mim, não para os pés.”
“Mas como vou saber se eles estão fazendo o que deveriam
estar fazendo?!” Ele parece desesperado, a testa franzida de
frustração.
“Pronto?” Reinicio a música e faço a contagem para começar.
“Passo lento para a direita, rápido-rápido para a esquerda.
Lento, rápido-rápido, lento, rápido-rápido.” Dou um gritinho
quando Shane quase esmaga meus dedos dentro do tênis. “Tá,
para. Não era nada disso. Precisamos treinar nossa
coordenação.” Suspiro porque essa vai ser a parte mais difícil,
fazer isso em sincronia. “Seu passo rápido precisa ser mais
rápido.”
Ele resmunga.
“Essa é a pior experiência da minha vida.” Ele vira para a
câmera. “Não me julguem.”
“Não, a gente consegue”, prometo. “Confia em mim.”
Embora seus passos sejam melhores na vez seguinte, seu
corpo continua duro como uma rocha.
“O foco do chá-chá-chá é o quadril. A cada passo, balança o
quadril. Assim.” Demonstro para ele.
“Não vou fazer isso.”
“Vai sim. Empurra o quadril para fora quando fizer o chassé.
Depois traz de volta no chá-chá-chá.”
“Não.”
“Sim.”
“Não.”
“É só um movimento de quadril”, encorajo. “Você consegue.”
Ele rosna para mim.
“Sou um jogador de hóquei. Meu quadril não se mexe
assim.”
“Juro que mexe.”
Coloco as mãos na sua cintura, depois as levo para o alto da
bunda dele.
“Dixon”, ele diz com um sorriso. “O que você está fazendo?”
“Está tudo no quadril e nos glúteos. Juro. Posso tocar na sua
bunda?”
“Óbvio.”
Desço as mãos para envolvê-lo. Meu Deus. É a bunda mais
dura e musculosa que já peguei na vida. Já fiquei com atletas
antes, mas o bumbum de Shane é excepcional.
“Você tem a bunda de uma estátua de mármore”, digo,
admirada.
Ele sorri com malícia.
“Eu sei.”
“Tá, sem querer ser vulgar…” Olho por sobre o ombro na
direção da câmera “… tampem os ouvidos das crianças, pessoal.
Mas dançar é praticamente sexo vertical. Você está rígido
demais, Lindley. Precisa mover seu quadril como se a gente
estivesse… sabe.”
Seus olhos brilham.
“Está me pedindo para te comer na vertical?”
“Shane”, repreendo. Dou um leve tapa em sua bunda. “Anda,
vamos repetir esse passo.”
“Com você apertando minha bunda?”
“Sim, confia em mim. Vou mostrar para você como relaxar o
quadril.”
“Parece a premissa de uma cena pornô muito ruim.”
“Vai sonhando.”
Depois que faço a contagem para recomeçarmos, Shane
empurra o quadril como se estivesse tentando transar. Isso me
faz rir.
“Não, você tem que girar o quadril.” Aperto os lados da sua
bunda. “Aqui. Mexe a partir daqui.”
Tentamos de novo e, dessa vez, seus movimentos são um
pouco mais soltos e menos pornográficos.
“Viu? Sentiu a diferença, não sentiu?”
Uma voz indignada interrompe nosso momento de
progresso.
“Que pouca-vergonha é essa?”
Olho por sobre o ombro para ver nossa vizinha Carla se
aproximando.
“Ah, oi, Carla. Estamos ensaiando para uma competição de
dança.”
Ela cruza os braços sobre a blusa de seda com estampa
florida.
“Apalpar o traseiro um do outro é um dos requisitos?”
“Não, mas assim é mais gostoso”, Shane diz, dando uma
piscadinha para ela.
Minhas mãos saem do traseiro em questão.
“Desculpa. Não é o que parece.” Seguro o riso enquanto abro
um sorriso tranquilizador para Carla, que está furiosa. “Juro
que esse não é nenhum comportamento obsceno.”
“Acho bom”, ela responde num tom formal. “Dito isso, vou
levantar essa questão na próxima reunião do condomínio.”
“Não esperava menos, Carla.” Aceno enquanto ela sai
andando, furiosa.
“Não entendo as pessoas nesse condomínio”, Shane divaga,
observando Carla ir.
“Às vezes acho que é algum experimento bizarro do governo
onde juntaram todas essas pessoas aleatórias só para ver no que
ia dar. Cada um tem um papel específico a desempenhar, mas
ninguém sabe exatamente qual é.”
“Por que eu e você estamos aqui?” Ele parece intrigado.
Penso um pouco.
“Você está aqui porque…”
“Sou o elemento imprevisível.” Seus olhos se iluminam.
“Todo mundo pensa: o que diabos ele vai fazer?”
“Claro.” Dou um tapinha no seu braço. “Você é o elemento
imprevisível.”
Praticamos por mais trinta minutos e, por mais que eu não
queira aceitar, acho que o chá-chá-chá é uma causa perdida,
pelo menos para as audições. Não duvido nem um pouco da
minha capacidade de elevar as habilidades de Shane até um
nível decente a tempo da competição em si em outubro, mas o
vídeo de pré-seleção é para daqui a algumas semanas. É
impossível que ele fique bom o suficiente até lá, e meu medo é
não nos classificarmos se continuarmos com o chá-chá-chá.
Vou tentar mais algumas sessões, mas desconfio que teremos
mais chances com o tango.
“Vai fazer o que agora?” Shane pergunta na caminhada de
volta ao Bétula-Vermelha.
“Preciso terminar de assistir ao CoC de ontem. Estou doida
para ver quem é solto da Cabana de Doces.”
“Posso contar se quiser. Assisti ontem à noite.”
Viro a cabeça para ele.
“Desculpa, quê?”
“Sei lá”, ele responde. “Não tinha nada melhor para fazer.
Enfim”, ele diz, ignorando as risadinhas que estou soltando às
suas custas “por que não compro o jantar para a gente?
Terminamos de assistir ao seu episódio, depois assistimos ao
novo. E depois, talvez, quem sabe…”
Paro no meio da trilha e olho para ele, rindo.
“Não, não sei.”
Shane arqueia as sobrancelhas.
“Vamos para o quarto e…”
“Você está me pedindo para transar com você?”
“Não precisa fazer essa cara de nojo.”
Rio da cara dele.
“Nem gostamos um do outro.”
“A gente se tolera”, ele reclama.
“Uau, que belo discurso para me levar para a cama! Eu te
tolero, Diana. Por favor, me deixa fazer amor com você.”
“Não foi isso que eu quis dizer. Só estou dizendo que
deveríamos considerar uma amizade colorida.”
“Pensei que você não queria mais saber de sexo casual.”
“Não seria casual. Seria a longo prazo. Quer dizer, se já temos
que fingir que estamos nos pegamos por causa de Percy, é
melhor ficarmos de verdade. O que você tem a perder?”
“Minha paciência. Minha dignidade. Minha inocência.”
Shane solta um suspiro exasperado.
“Precisa mesmo continuar fingindo que isso não te afeta?”
Ele faz um gesto vago para o próprio corpo.
“Para o que você está apontando?”
“Meu pau. Você precisa parar de fingir que não te dá tesão.”
“Ai, meu Deus, você é tão arrogante.”
Ele apenas sorri.
“Então… o que acha de sermos amigos coloridos?”
Dou uma palmada na testa de maneira dramática, como se
tivesse me lembrado de algo de repente.
“Ah, merda, esqueci de contar. Na verdade, seleciono todos
os meus amigos coloridos de maneira muito, muito criteriosa.
Tem todo um processo de inscrição.”
Shane entra na brincadeira.
“Ah, tem? Pode me dar uma cópia do formulário?”
“Infelizmente, estou editando para deixá-lo mais detalhado,
então, não estou aberta a candidatos no momento. Mas quem
sabe você não se candidata no ano que vem?”
Ele dá um aceno solene.
“Por favor, me avisa quando reabrir a vaga.”
“Você vai ser a primeira pessoa que vou notificar”, prometo.
“E, quando digo a primeira, quero dizer a última.”
Estamos passando pelo Bétula-Doce quando Percy sai de
repente pela porta. A parte paranoica do meu cérebro se
pergunta se ele estava de tocaia. Escondido no saguão à espera
da oportunidade certa para sair. Mas meu lado lógico diz que
isso é loucura. Ele não teria como calcular tão bem.
A cara dele fecha ao nos ver, mas ele se recupera
rapidamente e estampa um sorriso fraco no rosto.
Shane para, mas pego sua mão puxando-o para a frente.
“Continua andando”, murmuro.
“Diana”, Percy chama atrás de nós. “Tem um segundo?”
Eu o ignoro e acelero o passo, praticamente arrastando Shane
comigo. A ansiedade volta a crescer, comprimindo minha
garganta. É uma sensação já familiar a essa altura, e odeio que
tenha virado rotina. Graças a Percy, me sinto indefesa e
encurralada. Quero ligar para meu pai e implorar para ele vir,
erguer Percy pelo colarinho e arremessá-lo em outro estado.
Mas não posso pedir para meu pai resolver meus problemas.
Preciso resolvê-los sozinha.
Inspiro o máximo de ar possível, mas me sinto ainda mais
zonza quando chegamos ao saguão.
Não sei o que Shane vê em meu rosto — torço para que não
seja medo —, mas o que quer que seja deixa seu maxilar tenso.
“Quer que eu tenha uma conversinha com ele?”
“Não. Tenho esperança de que ele vá embora se eu continuar
ignorando.”
Isso não parece satisfazer Shane, mas, depois de um segundo,
ele dá de ombros.
“Beleza. Me avisa se mudar de ideia.” Chegamos ao topo da
escada. “O que vamos pedir para o jantar?”
q p p j
Percebo que perdi completamente o apetite. Ver a cara de
Percy acabou com minha fome.
“Quer saber, mudei de ideia sobre jantar. Estou com dor de
cabeça”, minto. “Acho que vou tomar banho e me deitar um
pouco.”
“Tem certeza…”
“Até mais, Lindley.” Entro no meu apartamento antes que
Shane possa argumentar.
21

shane

Viralizamos

Diana e Gigi voltam de sua prova de vestido por volta das duas
horas no domingo. Ainda está muito quente, e Ryder também
acaba vindo para a piscina de Meadow Hill, nós quatro
ocupando um conjunto de espreguiçadeiras e nos lambuzando
de protetor solar.
Enquanto as meninas tomam sol, acabo com a raça de Ryder
em uma corrida que anima a torcida dos adolescentes
bagunceiros que estão na piscina. Os filhos de Dave e Marnie
têm permissão para falar comigo agora que os vizinhos não me
odeiam mais. Veronika, claro, está deitada na espreguiçadeira
de sempre, olhando descaradamente para mim e Ryder. É um
dia perfeito de piscina com bons amigos, sol e cerveja.
O único problema é que eu e Diana sempre esquecemos que
estamos fingindo namorar. Perto dos nossos melhores amigos,
voltamos aos nossos antigos papéis. Que são: Diana odeia
Shane, e o único objetivo na vida de Shane é encher o saco de
Diana.
Saindo da piscina, observo enquanto Diana aponta algo nas
nuvens para Gigi.
“Ali. Ali. Está vendo?”
Gigi ergue os óculos de sol para ter uma visão melhor.
Eu me seco e me acomodo na espreguiçadeira ao lado da de
Diana, enquanto Ryder se deita ao lado da esposa.
“O que estamos olhando?”, pergunto, curioso.
“Aquela nuvem lá em cima tem o formato de um mágico. Ele
está usando uma cartola e segurando um coelho numa mão e
uma faca de açougueiro na outra.”
“Que pesado”, digo.
“Ei, não fui eu quem fez isso. É o que as nuvens estão
dizendo hoje.”
Reviro os olhos para ela.
“Você tem problemas.”
“Você nem tentou ver”, Diana acusa.
“Por que eu tentaria? Não está lá.”
“Tenta.”
“Beleza. Onde?”
“Está vendo aquele espaço entre as duas nuvens que
acabaram de sair da frente do sol?”
Puxo o ar.
“Puta que pariu. Aquele coelho vai ter a garganta cortada
logo, logo.”
O rosto de Diana se ilumina.
“Está vendo mesmo?”
“Não. Não, Dixon. Claro que não.”
Ela resmunga com irritação.
“Por que você fingiu ver?”
“Porque é divertido te deixar empolgada e depois destruir
seus sonhos.”
“Te odeio imensamente.”
“Ah, não. Como vou dormir à noite sabendo disso?”
Uma voz seca nos interrompe.
“Têm certeza de que vocês estão juntos?” Gigi pergunta,
erguendo uma sobrancelha.
Embora ela esteja brincando, não deixo de notar um brilho
de ceticismo em seus olhos cinzentos.
E, embora eu tenha dito para Ryder que estávamos
namorando, parece errado fazer essa encenação na frente dos
nossos melhores amigos.
Viro para Diana com um olhar de talvez a gente devesse abrir o
jogo. Sua expressão culpada confirma que ela também está
j g p p q
achando difícil mentir assim. Resignação surge em seus olhos
verdes, e suspeito que ela esteja prestes a contar a verdade… até
que o ex dela entra na área da piscina.
“Puta que pariu”, ela murmura baixo.
Gigi se endireita.
“Quê?”
Diana aponta com a cabeça para o outro lado do deck.
“Quem é aquele?” Ryder pergunta.
“Meu ex-namorado”, ela responde, sombria. “Ele decidiu
alugar o apartamento três blocos depois do meu. Porque é um
sociopata.”
Ryder se empertiga. Está de óculos escuros, mas a tensão em
seu maxilar revela o que ele pensa sobre o assunto.
“É esse babaca que está perseguindo você?”
O olhar de Diana está fixo em Percy. Embora estejamos
falando baixo, ele deve imaginar que estamos falando dele.
Do outro lado da piscina, ele estende a toalha e tira a camisa.
Para um estudante de física, não está em má forma. É alto e
magro, com alguns músculos. Não tanto quanto eu e Ryder,
mas imagino que ele não passe tanto tempo na academia ou
jogando hóquei competitivo.
Ele se deita na espreguiçadeira e apoia um livro de bolso nos
joelhos. Não consigo enxergar o título, mas aposto cem pilas
que ele está fingindo ler.
“Ele disse que não tinha para onde ir”, Diana conta para
Ryder. “O sobrado dele só estará disponível em primeiro de
setembro, e ele está dando aula na Briar durante o verão, então
precisa ficar por perto.”
“E você não acredita nele?” Ryder diz.
“Não. Ele não consegue superar esse término. E…” Ela hesita,
visivelmente frustrada. “Enfim. Ele vai embora logo menos.”
“Ele sabe sobre vocês dois?” Gigi pergunta, apontando o dedo
para mim e Diana.
“Sim”, Diana responde. “O que é mais um motivo para ele
estar ali fingindo ler enquanto nos encara.”
Olho discretamente para Percy. Acho que não o vi virar
nenhuma página ainda.
“Vem, namorada”, digo. “Vamos nos refrescar. Estou vendo
que você já está ficando com o sangue quente.”
“Beleza.” Ela me deixa puxá-la da espreguiçadeira. Seu corpo
escultural mal está coberto por um biquíni vermelho
minúsculo. Ela ajeita os dois triângulos enquanto caminha em
direção à parte rasa da piscina.
Sei que meu próximo passo pode se voltar contra mim e
provocar ainda mais sua raiva, mas seguro seu braço e a puxo
na minha direção.
“Aonde você pensa que vai?”, brinco.
Um gritinho escapa dos seus lábios quando a pego nos
braços e corro na direção da piscina. Pulo, e ficamos no ar por
um segundo antes de cairmos na água com impacto. Diana está
se engasgando de tanto rir quando sua cabeça sai da água.
“Ah, seu cretino”, ela diz, batendo no meu peito. Mas seus
olhos estão brilhando.
Viu? Sei como animar a Dixon. Nadamos lado a lado por um
tempo até pararmos no meio da piscina. Consigo ficar em pé
nesse pedaço, mas ela não, então enlaça as pernas e os braços
ao meu redor, envolvendo meu corpo como um coala
pendurado em uma árvore.
“É sério que você não consegue encostar no chão aqui?”,
pergunto.
“Não! Sou baixinha.”
“Deve ser horrível viver assim.”
Ando para trás até minhas escápulas encostarem na lateral da
piscina perto das nossas espreguiçadeiras. Diana se vira e suas
costas ficam coladas ao meu peito. Envolvo os braços ao redor
dela, inclinando a cabeça para o céu. Não vejo nenhum mágico
assassino, mas de repente estou procurando formas em toda
parte. Dixon me influencia das maneiras mais estranhas.
“Que tipo de pensamentos você acha que uma nuvem teria
se fosse consciente?”, pergunto.
“Não consigo nem começar a responder essa pergunta.”
g ç p p g
Brinco distraidamente com a ponta do seu rabo de cavalo
molhado.
“Acho que ela pensaria: o que diabos estou fazendo aqui em
cima?”
Há um momento de silêncio, e Diana cai na gargalhada,
ondas espirrando para tudo quanto é lado enquanto ela se
sacode em meus braços.
“Ai, meu Deus, por que você é tão estranho?”
“Cala a boca.”
Ouço a risada de Gigi da cadeira.
“Tá, retiro o que disse.”
“Como assim?” Diana diz, olhando para ela.
“Vocês foram feitos um para o outro.”
Não sei se Percy ouviu isso, mas noto seus olhos turvos se
voltarem para nossa direção antes de retornarem ao livro.
“Por que ele não vai embora?” Diana murmura para mim.
“Quer que eu vá lá e fale alguma coisa? Porque eu faria isso
com o maior prazer.”
“Não. Ele alugou legalmente o apartamento dos Garrison. O
que podemos fazer em relação a isso?”
“Você não pode apresentar algum tipo de reclamação para
Brenda?”
“Ele não fez nada que justifique ser expulso do condomínio.
Confia em mim, eu li o manual.”
Claro que leu.
“Já, já ele vai embora”, garanto. “Até lá, vou servir fielmente
como seu namorado.”
“Obrigada.” Uma gratidão sincera suaviza seu rosto.
É estranho ver isso. Eu não achava que Diana fosse capaz de
se desestabilizar por causa de ex-namorado, mas, para alguém
que gosta de conflito, ela definitivamente não quer um com
esse cara.
“Tem falado com a Lynsey ultimamente?”, ela pergunta,
ainda usando meu corpo como cadeira.
“Não.” Mantenho a voz baixa porque não quero que Ryder
ouça. Ele passou o último ano me alfinetando por não ter
ç p p
superado minha ex.
“Deveríamos postar algumas fotos nas redes sociais para ela
ficar com ciúmes”, Diana diz, diabólica. Antes que eu possa me
opor, ela se apoia na beira da piscina e grita para Gigi. “Ei, G,
pode tirar uma foto nossa?”
“Claro.” Ouço um barulho enquanto Gigi sai da
espreguiçadeira. Ela ri. “Hum. D? Você tem cinco mil
notificações. Literalmente.”
“Até parece.”
“É sério.”
Confusa, Diana seca as mãos com a toalha que Gigi passa
para ela e confere o celular. Um momento depois, ela começa a
rir de novo.
“Ai, meu Deus. Lindley. Viralizamos.”
Pavor revira meu estômago.
“Não.”
“Nosso último vídeo tem… você não vai acreditar… dois
milhões e meio de visualizações. Até agora.”
Ai, Jesus. Dois milhões e meio de pessoas me viram dançar o
chá-chá-chá e rebolar o quadril?
Quero morrer.
“Isso é incrível!” Ela ainda está rindo, balançando a cabeça de
espanto enquanto devolve o celular para Gigi. “Vamos
comemorar mais tarde.”
“Não vamos, não”, respondo, mas ela já está colocando os
braços ao redor do meu pescoço de novo e me forçando a
posar para uma foto.
“Dá um beijinho”, Gigi diz, erguendo o celular.
Obedeço, abaixando a cabeça e encostando os lábios nos de
Diana. Quando nos afastamos, Diana olha para Gigi.
“Valeu, G.”
“Sem problema. É para isso que estou aqui, sou sua fotógrafa
particular, seguindo você de um lado para o outro.”
“Faz parte dos deveres de melhor amiga!” Diana grita
enquanto Gigi volta à espreguiçadeira.
Continuamos na água, nadando em direção à parte rasa. Mas,
embora Diana consiga alcançar o chão aqui, ela envolve de
novo as pernas ao meu redor. Seguro sua bunda, enquanto o
sol bate em nossa cabeça.
Estou obcecado pelos lábios de Diana. Me lembro de beijar
esses lábios na minha cozinha. Do seu sabor delicioso. Da
sensação gostosa da sua língua na minha boca. De como ela a
usou, dando aquela deslizada provocante…
“Por que você está me encarando?”
“Estava pensando naquela deslizada que você deu com a
língua quando a gente se beijou.”
Ela dá um soquinho de leve no meu ombro. Gotículas de
água espirram no meu braço.
“Ei, você que perguntou.” Com os dedos traço de maneira
provocante o contorno da sua bunda. “Vai me dizer que não
pensa nisso?”
“Nenhum pingo da minha energia mental é gasta com aquele
beijo.”
“Mentira. Não sou o único afetado.”
“Lamento dizer, mas é.”
Dou uma apertada discreta na bunda dela. Quando os lábios
dela se abrem, aproveito a oportunidade e encosto minha boca
na sua, deslizando a língua para dentro. Apesar de soltar um
muxoxo de surpresa, Diana corresponde ao beijo. Fico duro
como pedra em questão de segundos, e sei que ela consegue
sentir.
Afasto a boca quando ouço passos altos no deck. Viramos
para ver as costas de Percy se afastando enquanto ele sai da
piscina.
“Recado dado”, ouço Gigi dizer da espreguiçadeira.
Porra. Para ser sincero, esqueci completamente do ex de
Diana. Não havia recado nenhum a ser dado. Queria apenas dar
um beijo nela e provar que a excito.
“Viu”, murmuro. “Afeta você tanto quanto me afeta.”
Ela abaixa a mão entre nós, e meus lábios mal contêm um
gemido quando ela aperta minha ereção.
g q p ç
“Será mesmo? Se estamos os dois tão afetados, por que eu
sou a única que pode sair da piscina?”
Ela ri e sai nadando na direção da escadinha. E está certa.
Não posso sair sem dar abertura para as zoações impiedosas de
Ryder. Tudo que posso fazer agora é ficar na água com minha
ereção e esperar que passe.
22

shane

Minha filha nunca vai namorar um jogador de hóquei

agosto

“Sou só eu ou esses dois são os homens mais atraentes que já


vi na vida? São mais atraentes do que a maioria dos famosos.”
“São lindos sim”, concordo.
“Não sei se homens gostam de serem chamados de lindos.”
“Não é problema meu. Eles são.”
Do banco afastado no centro do gelo, Will e eu estamos de
patins, admirando Garrett Graham e Jake Connelly. Dois
superastros da nhl. Um deles membro do Hall da Fama. Dois
homens bonitos.
Já mandei para o meu pai algumas fotos que tirei
discretamente deles quando ninguém estava olhando. Ou pelo
menos espero que ninguém tenha notado, porque isso é coisa
de stalker. Mas sei que meu pai vai adorar ver isso.
“Tá… um para transar, um para casar, um para matar”, digo.
“Quem a gente vai matar?” Will franze a testa. “Só tem dois.”
“A esposa daquele com quem você quiser se casar.”
Levando o pedido estranhamente a sério, ele estuda os dois
dos pés à cabeça enquanto conversam do outro lado do rinque.
Eles estão de calça preta e moletom azul-marinho idêntico à
primeira vista, até você observar com mais atenção e ver que o
moletom de Graham tem o logotipo dos Bruins, enquanto o de
Connelly é dos Oilers. Jake franze a testa enquanto ouve
Garrett com atenção.
Will finalmente responde.
“Transo com Graham. Caso com Connelly. E mato a esposa
de Connelly antes que ela me mate por roubar o marido dela.”
“Bem pensado.” Brenna Connelly é aterrorizante. Eu a vi
destruir homens duas vezes maiores que ela em seu programa
esportivo da tsbn. Ela conhece hóquei melhor do que todos os
analistas da rede juntos.
“Eita. Reviravolta”, Will murmura. “Saca só o corpo dele.”
John Logan patina para formar o trio. Ele também vai
arbitrar o jogo de hoje. Outro vencedor da Copa Stanley. Outra
lenda.
Como vim parar aqui?
“Cara, o shape dele é absurdo”, elogio.
“Vocês estão ligados que a gente está aqui, certo?”
Eu e Will nos viramos para a fileira de garotos adolescentes
no banco atrás de nós. Eles têm de dezesseis a dezoito anos, e
nos encaram como se fôssemos loucos.
“Vocês não deveriam objetificar os homens assim”, um
menino diz.
“Além disso”, o cara ao lado acrescenta, “se é para dar
prêmios para o mais bonito, aquele ali ganha fácil.”
Ele aponta para o quarto homem que está patinando na
direção do grupinho. O recém-chegado é alto, loiro e parece
um modelo. Está colocando um capacete preto enquanto se
junta aos outros.
“Cara”, reclama o jogador sentado na ponta do banco.
“Aquele é o meu pai.”
Examino o adolescente, logo notando a semelhança. Seu
nome é Beau e, embora seu cabelo seja um tom mais escuro do
que o do pai, ele tem os mesmos olhos verdes e traços
esculpidos. Ainda nem terminou de se desenvolver, mas já é
alto e musculoso. Tenho pena dos oponentes que ele vai
enfrentar daqui a alguns anos.
“Árbitros!” Graham sopra seu apito para chamar a nossa
atenção. Ele acena para mim e Will.
Will olha para mim com nervosismo.
p
“Não me deixa passar vergonha.”
“Idem.”
Garrett nos cumprimenta com um sorriso e nos apresenta
para John Logan, que dispensa apresentações, e Dean Di
Laurentis, que descobrimos ser o técnico do time feminino de
hóquei de Yale. Como eu e Will, Logan e Dean estão vestidos
com camisetas listradas de manga longa, capacetes pretos e
apitos pendurados no pescoço. Mas os dois também usam
braçadeiras laranjas, já que eles são os árbitros e nós, meros
assistentes.
Ryder e Troy Talvo completam o grupo. Como assistentes
técnicos, eles tiveram a difícil tarefa de ajudar Garrett e Jake a
selecionar as duas equipes de hoje. Ryder disse que escolheram
os jogadores com base em seus pontos fortes e fracos, tendo
trabalhado com eles durante toda a semana.
Garrett está prestes a nos passar as instruções quando seu
olhar desvia bruscamente para o banco do time da casa.
“Ei, G”, ele grita. “Espera aí. Quero falar com você antes de
ir!”
“Porra, esqueci que elas estavam saindo. Me deem um
minuto também.” Ryder toma impulso com os patins e sai
atrás do sogro.
Gigi espera por eles no banco, inclinando-se para dar um
beijo rápido em Ryder antes de se virar parar falar com o pai.
Ela não está sozinha; uma menina de cabelo castanho-claro se
afasta de Gigi em direção ao outro banco para falar com alguns
dos meninos. Ela usa um short de barra desfiada e uma regata
preta que deixa sua barriga à mostra, e não tem nenhum
moleque naquele banco que não esteja reparando nela.
Eu e Will esperamos sem jeito com os outros árbitros
enquanto tento não ficar olhando para os ombros de John
Logan. São enormes. Como ele ainda está tão sarado nessa
idade? Quer dizer, claro, ele não é nenhum idoso. Talvez esteja
na casa dos quarenta e poucos. Mas mesmo assim. Está em
melhor forma do que muitos caras da minha idade.
“Você está atrasado”, Dean grita para mais um recém-
chegado.
Um homem ruivo se aproxima, suas lâminas chiando ao
parar. Ele revira os olhos para Dean.
“Calma. Nem estou apitando. Só estou aqui por diversão.” Ao
olhar para mim e Will, ele sorri. “Oi. Sou o Tucker.”
“Shane”, digo, estendendo a mão para apertar a dele. “Esse é
Will.”
“Vocês jogaram juntos na faculdade?” Troy Talvo pergunta
apontando para os três. “Ouvi Garrett comentar algo assim.”
“Hóquei em Briar”, Dean confirma, abrindo um sorriso
branco perfeito. “Éramos imbatíveis.”
Logan acena, os olhos azuis brilhando.
“Vitórias consecutivas no Frozen Four. Porra. Foi demais,
hein?”
“Esse é nosso plano para esta temporada”, digo a eles.
“Arrebentamos no ano passado, então agora nós…”
Levo um susto quando Logan rosna de repente.
“Não. Nem fodendo, Dean. Não vai rolar. Vai segurar seu
moleque.”
Sigo seu olhar e vejo Beau Di Laurentis abraçando a menina
de regata. Eles estão claramente felizes em se ver.
“Relaxa. É só um abraço”, Dean responde, despreocupado.
“A mão dele roçou na lombar dela.”
“A mão dele não roçou em porra nenhuma.”
O tom de Logan permanece letal.
“Não vou deixar que um Di Laurentis a corrompa.”
“Ele só tem dezesseis anos e não vai fazer nada.”
Tentando não rir, interrompo sua discussão acalorada.
“Imagino que sejam sua filha e seu filho?”, pergunto a
Logan.
“Não, aquela é minha filha e aquele é o futuro filho galinha
dele.”
“Na verdade, ele já tem idade para ser um galinha”, pondero,
enquanto Will ri baixinho.
Logan me lança um olhar fulminante. Dean também.
É
g ç
“Desculpa.” Ergo as mãos. “É verdade. Dezesseis é idade
suficiente, cara. Com quantos anos vocês perderam a
virgindade?”
“Nunca”, Dean diz com um tom formal. “Nunca tive o prazer
de me deitar com uma mulher.”
Eu, Will e Tucker começamos a rir, mas a expressão de
Logan não tem nenhum vestígio de bom humor.
“Eu tinha catorze.” Ele está visivelmente contrariado. “Ah,
puta que pariu. Por que fomos ter filhos? Sabíamos que havia
cinquenta por cento de chance de ser mulher.”
Dean sorri para o drama de Logan.
“Relaxa. Olha… Blake está abraçando aj agora. Vai encher o
saco de Connelly.”
“Minha filha nunca vai namorar um jogador de hóquei”,
Logan diz com a voz ameaçadora. “Sei como eles são.”
“E você?”, pergunto a Tucker. “Alguma filha correndo o risco
de ser corrompida?”
Ele passa a mão pela barba avermelhada, bufando alto.
“Minhas meninas acabariam com a raça desses moleques.”
“Destruidoras de corações”, Dean concorda.
Garrett e Ryder voltam ao grupo, e repassamos a estratégia.
“Certo, todos cientes do que arbitrar ou não?” Graham
pergunta aos árbitros.
“Só pedir penalidades contra meu filho. E deixar que ele
soque a cara das pessoas que quiser”, Dean diz, sério.
Todos rimos.
“É, vamos fazer o oposto disso”, Connelly diz com um
suspiro.
“Podemos ser agressivos?”, pergunto.
“Até onde as regras permitem. Alguns desses meninos vão
direto para a nhl no mês que vem. Não vamos pegar leve com
eles.”
Às vezes me arrependo de não ter escolhido esse caminho
também, mas não acho que aos dezoito anos estivesse
preparado para jogar hóquei profissional. Jovem e bobo demais.
Queria um pouco de experiência na faculdade, antes de ir para
Chicago e me jogar no mundo.
Garrett bate as mãos.
“Vamos tratar isso como um jogo de verdade. Três tempos
completos. Alta pressão.”
“Vamos lá”, Jake concorda.
“Preparem-se para o massacre”, Garrett diz a Connelly com
um sorriso largo. “Eu e o genrão vamos acabar com isso.”
“Até parece. Os homens de Harvard é que sabem fazer as
coisas.”
“Ele te chama de genrão?” Sorrio para Ryder enquanto os
homens saem patinando.
Ele suspira.
“Pois é. Isso ou sr. Ryder.”
“Pelo menos ele gosta de você agora”, Will diz, tentando
ajudar.
“‘Gostar’ é forçar um pouco a barra. Está mais para tolerar.
Mas ele sabe que eu morreria pela filha dele, então é isso o que
importa.”
A partida começa. Parte do trabalho de Ryder e Talvo era
organizar a escalação como se estivessem montando sua
própria equipe. A primeira escalação do Time Graham conta
com Beau Di Laurentis. O Time Connelly teve sorte de ter aj, o
filho de Jake, e Gray Davenport na mesma escalação.
Não acompanho tanto o hóquei colegial, mas até eu já ouvi
falar desse trio. São os três melhores jogadores do país, e soube
que eles já se comprometeram a jogar pela Briar daqui a alguns
anos. Com esse nível de estrelas no elenco, vão ser precisos
muitos imprevistos e surpresas para arrancar o troféu do
Frozen Four das mãos de Jensen. Há uma razão para ele ser o
treinador com mais vitórias no hóquei universitário e
provavelmente o de maior salário. Ele não só recruta os
melhores jogadores, mas depois que eles saem, consegue os
filhos deles também. Cara de sorte.
É muito divertido assistir aos meninos jogarem. Eles me
fazem lembrar de mim mesmo quando era adolescente. A forte
q
determinação. A garra. A coragem de fazer jogadas arriscadas
antes que seus treinadores universitários tirem essa
imprudência deles.
Logo fica na cara que Beau possui talento. Proteção de disco,
manejo de bastão, arremesso. Seus instintos são incríveis, e fico
impressionado com sua capacidade de manter a calma sob
pressão. aj tem velocidade, assim como seu pai. E embora o pai
de Gray tenha jogado como atacante, ele é um zagueiro
implacável. Gray não deixa Di Laurentis se aproximar do gol
em nenhum dos seus tempos de jogo.
Estou começando a achar que a equipe de Graham vai levar
uma surra histórica, mas subestimei Ryder e seu sogro. A
estratégia de Connelly e Talvo foi encher a primeira escalação
com todos os superastros. Graham e Ryder, por outro lado,
colocaram um em cada escalação, de modo que houvesse
sempre grande jogador no gelo.
Quando a primeira escalação de Connelly sai, o superastro da
segunda escalação de Graham marca um gol assim que
Davenport pisa fora do gelo.
Eu e Will estamos em lados opostos, de olho na situação do
jogo. A certa altura, apito um impedimento do filho de
Connelly. Connelly quase voa do banco na minha direção, um
misto de treinador e pai de jogador de hóquei. Já vi muitos
como ele, gritando com o rosto vermelho nas laterais dos
meus jogos de ensino médio.
“Ele estava na linha, imbecil!” Connelly rosna para mim.
Patino até ele educadamente.
“Mais um ataque seu, e vou botar o senhor para fora do jogo,
treinador.”
Ai, meu Deus. Não acredito que disse isso para Jake
Connelly. É o melhor dia da minha vida.
Ele resmunga, mas está envergonhado.
“Você não pode sair por aí chamando as pessoas de imbecis”,
ouço Talvo repreender Connelly depois e seguro o riso. “Somos
de Harvard. Somos melhores do que isso.”
“Desculpa, perdi a cabeça.”
p p ç
O jogo continua nesse nível de intensidade até o último
segundo do terceiro tempo. A estratégia de distribuir o
protagonismo do time de Graham dá certo — eles vencem por
3 a 2, graças a um gol decisivo de Beau, que demonstra por que
ele tem a reputação de brilhar em situações críticas. O pai de
Beau patina até ele e o abraça, dizendo:
“Meu garoto.”
Patino até o banco e dou uma olhada no celular, mas meu
pai não respondeu a nenhuma das mensagens que mandei hoje
à tarde, nem mesmo a foto de Graham e Logan rindo tanto que
estão quase caindo. Isso me faz franzir a testa porque meu pai
nunca demora mais do que uma hora mais ou menos para
responder. Mas deixo para lá. Vai ver ele e minha mãe só estão
ocupados com Maryanne.
Ryder se afasta dos outros treinadores e patina até mim e
Will.
“Garrett e os outros vão levar todo mundo para beber”, ele
diz. “Topam?”
Eu e Will o encaramos.
“Como assim?”
“Que merda de pergunta é essa?” Digo. “Claro que sim.”
“Idiota”, Will murmura.
Olho para Will.
“Você ficou muito mais maldoso depois que virou amigo do
Beck. Eu adoro isso.”
Ele sorri.
“Obrigado.”
23

diana

Quer que eu bote para fora?

Às onze e meia, Shane atravessa minha porta antes que eu o


convide para entrar. O que eu não pretendia fazer porque é
quinta à noite e estou no meio de uma maratona de CoC. Estou
dois episódios atrasada.
“Estou bêbado”, ele anuncia.
Eu o encaro enquanto ele entra descaradamente na minha
sala. Ele está de bermuda cargo e regata e, por algum motivo,
segura um saco de papel pardo nas mãos.
“Você sabe que não mora aqui, né?”
“Eu deveria morar aqui”, ele diz, sem falar coisa com coisa.
Seus olhos castanhos se voltam para a tela da tv, que está
pausada no rosto britânico repulsivo de Donovan.
“Show! Eu topo. Precisamos ficar em dia até sábado.”
Aperto os lábios para segurar o riso.
“Por quê?”
“Porque sábado é a liberação da Cabana dos Doces.
Superimportante.” Ele levanta uma sobrancelha arrogante ao ver
minha expressão. “Isso mesmo, agora eu manjo dos termos. E
quer saber? Não tenho vergonha de dizer que gosto desse
programa. É divertido. As mulheres são gostosas. E alguns dos
caras são engraçados. Como o Connor. Não tem um episódio
em que ele não me faça chorar de rir.”
É um esforço não cair na gargalhada. Shane está bêbado
mesmo. Jamais ele admitiria isso sóbrio.
“E olha! Até comprei refrescos. E precisei entrar na loja de
bebidas com John Logan e pedir ajuda para o funcionário
porque não conseguia achar isto na prateleira. Eu parecia um
mané. John Logan riu de mim, Dixon. Por sua causa.”
Com um gesto dramático, ele tira uma garrafa de Coisa Rosa
da sacola de papel.
Surpresa transparece em meus olhos.
“Você parou para comprar minha bebida favorita?”
“Só o melhor para minha namorada de mentira.”
Um sorriso surge no meu rosto apesar da minha resistência.
Droga. Odeio admitir, mas esse bobão está me conquistando.
“Tá”, amoleço, pegando a garrafa rosa dele. “Vou buscar umas
taças para nós.”
Enquanto vou até a cozinha, Shane anda até o aquário.
“E aí, Skip?”, ele cumprimenta o peixinho-dourado. “Ei,
Dixon”, ele chama por sobre o ombro. “Tem certeza que ele
está saudável? Ele parece gordo.”
“Ah, a saúde dele é péssima. Ele está comendo ração light.”
“Existe ração light para peixe?”
“Sim, preciso encomendar de uma mulher esquisita da
Flórida. Ela mesma faz. Mas não importa o que eu faça para
tentar ajudar esse palhaço. Ele não perde peso.”
“Ahh, deixa ele assim. Ele é só um gorducho que ama seu
baú de pirata.”
Sorrio quando vejo Shane espiando o aquário com a cara
grudada no vidro.
“Ele tem, tipo, olhos mortos.”
“Eu sei. Dá medo.” Levo duas taças de vinho cheias até a
borda com o líquido rosa e as coloco na mesa de centro.
“Como foi seu jogo de hóquei?”
“Lendas, Dixon. Passei o dia e a noite com lendas.” Ele
suspira, feliz. “Foi foda!”
“Que bom que se divertiu.” Pego o controle. “Tá. Tem uma
cerimônia de seleção no fim do episódio. Algum palpite sobre
quem Marissa vai escolher?”
“Cem por cento o Steven.”
p
“Lamento informar, mas certeza que ela vai se jogar em cima
do Connor.”
“Sem chance. A Zoey é querida demais. Você não pode ser
responsável por mandar Zoey embora e querer ganhar algum
voto na final. Nem Marissa é tão burra assim. Continuo
apostando no Steven.”
Dou um gole da bebida e me concentro na tela. Depois de
dez minutos, Ky e o menino novo, Juan, passam a noite na
Suíte dos Doces.
E não vou mentir.
A coisa esquenta.
Bebo um pouco mais quando o casal começa a se beijar em
uma cama branca decorada com pétalas de rosa. Não tem
nenhuma nudez explícita, mas vemos imagens provocantes de
Ky jogando o sutiã de renda vermelha no chão. Juan descendo
a calcinha dela pelas pernas bronzeadas. A boxer de Juan sendo
atirada para o outro lado da suíte.
Um segundo depois, o casal está debaixo do edredom, e
parece que ele está operando uma britadeira lá embaixo.
“Isso sim é veloz e furioso”, comento. “E eles foram de beijo
a superpenetração em cinco segundos. Cadê as preliminares?”
“O que é superpenetração?”
“Aquilo. A cama toda está sacudindo. Como isso é prazeroso
para ela? Não tem como ela ter um orgasmo assim.”
“Sei lá. Vai ver ela pediu. Vai ver ela falou: Não me chupa, Juan.
Preciso ser macetada, de preferência a uma velocidade de cem
quilômetros por hora, para conseguir gozar.”
Caio na gargalhada, quase cuspindo a bebida no sofá.
“E você?” Shane pergunta, curioso.
“Eu o quê?”
“O que te dá tesão?”
“Não.” Coloco a taça na mesa. “Não vamos falar sobre isso.”
“Por que não?”
“Porque estamos num relacionamento de mentira. Não
somos amigos que falam sobre suas preferências na cama.”
“Acho que deveríamos reavaliar suas obrigações de namorada
de mentira.”
“Minhas únicas obrigações são fazer você parecer um pouco
mais aceitável para sua ex-namorada.”
“Ah, vai se ferrar.” Ele termina o resto da bebida e se inclina
para encher a taça novamente.
“Você está mandando ver na coisa rosa”, digo, levantando
uma sobrancelha.
“Bêbado eu já estou. Que diferença faz ficar um pouco
mais?”
“Que língua você está falando?”
Shane não está mais prestando atenção.
“Puta merda, sério que essa menina acabou de falar para o
Connor que ele seria mais feliz com ela do que com a Zoey?
Juro por Deus, se ela escolher esse cara, eu vou… cala a boca,
Dixon! Cala a boca. Jeff está prestes a escolher.”
“Não estou falando nada. Quem está falando é você!”
Posso dizer sinceramente que o Shane Bêbado talvez seja
meu Shane favorito.
Comemoramos quando Jeff escolhe Leni, rompendo o
vínculo dela com Donovan. Então chega a hora da verdade.
Marissa, a morena que causou alvoroço na casa de campo, se
levanta e alisa a barra do minivestido branco. A câmera passa
do rosto de Steven para o de Connor. São os dois com quem ela
mais conversou e os que estão nos relacionamentos mais
sólidos.
“Se Steven for escolhido, eu e você viramos amigos
coloridos”, Shane comenta. “Se for o Connor, vou para casa
bater uma.”
Bufo.
“De um jeito ou de outro, você vai para casa bater uma,
queridinho.”
“Não devo nada a ninguém aqui”, Marissa diz ao grupo.
“Cheguei sabendo que agitaria as coisas. Hoje, preciso seguir
meu coração e escolher a pessoa com quem sinto a conexão
mais forte. Então, o cara com quem quero trilhar o caminho
do casório é…” A música fica dramática. “… Connor.”
Shane resmunga, indignado, quando o rosto arrasado de
Zoey enche a tela.
“Eu avisei”, digo com um suspiro.
A apresentadora do programa se dirige ao grupo com seu
sotaque britânico elegante.
“Zoey e Donovan, seus vínculos foram rompidos. Vocês vão
se juntar aos outros solteiros na Cabana dos Doces. Sinto
muito, mas foi só um casinho. O resto de vocês ainda está no
caminho do casório.”
Shane está pasmo, tão chateado com a expulsão de Zoey que
não consigo evitar estender a mão para apertar seu braço. Claro
que ele escolhe esse momento para mover o braço, e minha
mão acaba em seu colo.
Sorrindo, ele baixa os olhos para a virilha.
“Se queria tirar minha calça, era só pedir.”
Puxo a mão de volta.
“Não vou tirar sua calça.”
“Custa tanto assim admitir que você se sente atraída por
mim?”
Custa. Porque não me atraio por homens como Shane. Do
tipo irritante e arrogante. Já saí com atletas antes, mas me
atraio por um tipo específico de personalidade. Alguém com a
cabeça mais equilibrada. Alguém mais maduro que eu, para ser
sincera. Alguém para me manter na linha quando minha raiva
aflora. Shane só a desperta. Seríamos intensos demais juntos.
Por um lado, isso significa que o sexo tem tudo para ser
incrível.
Por outro, não vou abrir essa porta. Não porque eu seja
contra sexo casual. Às vezes até prefiro dependendo do
homem. Mas entrar nessa com Shane parece uma má ideia. Ele
é o melhor amigo do marido da minha melhor amiga e mora
no apartamento ao lado. Se um relacionamento sexual acabar
em desastre, o que parece bem provável, considerando nossas
personalidades conflitantes, só vai criar uma situação
p ç
constrangedora, e aí eu vou ter duas pessoas para evitar em
Meadow Hill. É melhor para mim resistir a essa tentação.
“Não acha que está na hora de ser sincera consigo mesma?”
A pergunta de Shane transborda sedução.
Tento me afastar, mas ele me impede pegando minha mão.
As pontas de seus dedos roçam nos meus.
“Você já me beijou três vezes”, ele continua.
Deixo escapar uma risada.
“Três, hein?”
“Uhum.” Aqueles olhos escuros se fixam em mim, me
observando de cima a baixo. Ele está me imaginando pelada?
Parece que está.
“A primeira vez por um desafio, a segunda pela sua ex, a
terceira pelo meu.”
“Não importa qual foi a motivação. O que importa é o
resultado.”
“E qual foi o resultado?” Pergunto.
“Você ficou excitada.”
Um calor me atravessa.
Caí direitinho nessa.
Engulo em seco.
“Não, não fiquei.”
“Dixon, não mente para mim. Você é melhor que isso.
Consigo ver na sua expressão que estou certo.” Ele solta um
resmungo ofegante. “Por que você tem que ser tão cabeça-
dura? Você quer isso tanto quanto eu.”
Isso me pega de surpresa.
“Você quer?”
“É sério isso? Claro que quero.”
Minha cara arde em resposta.
“Bom, não importa porque não vai rolar.”
Frustração engrossa sua voz.
“Então não tem nada que eu possa dizer para convencer você
a entrar naquele quarto comigo? Nadinha?”
“Nada”, respondo, fingindo que minha boca não está mais
seca do que algodão. “Você está perdendo tempo.”
q g p p
“E se eu te beijar?”
“Você teria que me pedir primeiro, e não tem meu
consentimento.”
“E se eu tirar a calça?”
“Daí você ficaria sem calça.”
“Você me tira do sério.”
“Porque não vou transar com você?”
“Não, porque você não consegue admitir que quer.”
“É uma sensação nova para você, né? Rejeição.”
“Rejeição eu aguento, mentira é que não.”
“Você não viu mal algum em mentir para Lynsey sobre
nosso relacionamento falso.”
“Você tem resposta para tudo.”
Solto um suspiro.
“Não é uma boa ideia. Para ser sincera, metade das vezes
acho que você está de sacanagem comigo. Não confio em você.
Você é muito inconstante, Lindley. Um dia você é um cafajeste,
no outro quer um relacionamento, no seguinte quer ser amigo
colorido. Não consigo confiar no que você diz.”
Ele fica incrédulo.
“É sério que você não acredita que estou atraído por você?
Olha isso.” Ele passa a mão sobre a bermuda, estendendo o
tecido para eu conseguir ver a ereção marcando. “Estou meia
bomba, e isso é só de discutir com você.”
Quase engasgo com a língua. Isso é meia-bomba? Nossa, eu
estava certa. Seu pênis generoso é mais do que generoso. O que
é maior do que generoso? Considerável? Substancial?
“Você gosta do que está vendo”, ele diz, percebendo.
Ao me dar conta de que estava encarando sua virilha, desvio
o olhar.
“Admite. Você quer que seja a sua mão fazendo isso.” Ele
envolve a ereção e sorri com malícia.
Minha garganta fica seca. Tusso quando ele começa a subir e
descer a mão pelo membro.
“Ai, meu Deus”, digo, rouca
“Ai, meu Deus, o quê? Quer que eu pare?”
q q p
Estou colada no sofá, observando-o com atenção. E nem
sequer estou bêbada. Não há desculpas para esse
comportamento.
“Me manda parar.” Desejo está estampado em seu rosto
enquanto sua mão continua os movimentos lentos.
Abro a boca. Quero tentar formar a palavra para. Mas
nenhum som sai.
“Sabe o que acho? Acho que você quer saber como é”, Shane
diz com a voz arrastada.
Engulo em seco de novo.
“Como é o quê?”
“Estar com alguém quando não é você quem manda no
quarto.”
Não esperava essa resposta.
“O que faz você pensar e eu mando no quarto?”
“Sua personalidade.” Ele ri baixo. Ainda se alisando. E, sim, o
volume está maior agora. Ele vê para onde foi meu olhar e
arqueia uma sobrancelha. “Quer que eu bote para fora?”
Consigo gaguejar a resposta:
“Não.”
Ele passa a língua sobre o lábio superior.
“Beleza. Vamos guardar para depois. Enfim, voltando a como
você é mandona na cama.”
“Não sou mandona na cama.”
Mas ele tem razão. Sou sim. Gosto de comandar a situação,
controlar o ritmo. Percy era bom em me deixar fazer isso. No
começo, eu pensava que ele seria mais dominador por causa da
idade, mas ele era bastante submisso na cama. Na verdade,
tentava tornar tudo mais emocional. Mais suave. Sempre que
eu queria algo mais safado, ele me fazia sentir vergonha só por
pedir.
Shane não seria submisso.
E talvez por isso estou resistindo tanto. Porque ele não está
errado: meu corpo está pegando fogo. Estou sim molhada, e
meu clitóris está latejando. Quero sua boca em mim. Quero
seu pau em mim.
p
Tusso de novo, me contorcendo no sofá.
“É só dizer”, ele provoca. “É só dizer e dou o que você quer.”
Não sei como, mas consigo recuperar minha clareza mental.
“Não.”
Depois de um longo silêncio tenso, ele solta um palavrão
frustrado.
“Beleza. Se me der licença, vou ali do lado resolver isso
aqui.”
“Beleza”, repito, com a voz fraca.
Continuo sentada e o deixo ir.
24

shane

Qualquer coisa é coisa de tango se você fizer ser

“Não esquece: tango não é uma dança”, Diana explica,


apoiando as duas mãos no quadril esguio. Está chovendo lá
fora, então estamos ensaiando na academia do Meadow Hill. O
que normalmente não seria um problema, mas assim como
atraio uma plateia nesta maldita academia, Diana também
parece atrair, pelo visto.
Tem três homens aqui fingindo treinar, o que significa três
pares de olhos fixos na bunda de Diana enquanto ela busca
uma garrafa de água. Eu e ela nos instalamos no tatame onde
faço meus agachamentos terra. Estamos na linha de visão de
Ralph, que está usando a esteira no fim da fileira, andando
incrivelmente devagar. Liam Garrison está representando o
papel de “homem que faz supino”. E completando o trio está
Dave, do Salgueiro-Chorão, que passou mais tempo observando
Diana se alongar do que remando em sua máquina.
Não os censuro. A bunda dela fica incrível nesse short justo.
E, embora o top esportivo tenha certo acolchoamento, isso não
impede seus peitos de balançarem sempre que ela se mexe.
Tudo nela merece ser admirado. Sua barriga à mostra. A pele
bronzeada. O cabelo em um rabo de cavalo alto.
Ela é de dar água na boca. E quero morder.
“Lindley, presta atenção.”
Volto a mim.
“Tango não é uma dança. Saquei.” Faço uma pausa. “Espera. É
o que, então?”
É
“É uma promessa.”
“Promessa de quê?”
“Do melhor sexo da sua vida.”
Não é que isso faz minha virilha se contrair?
“Você está dançando, mas, na verdade, queria estar na cama.
Mas não pode, então precisa descontar toda essa frustração
sexual na pista de dança.”
Ela está querendo ensinar o padre a rezar a missa. A
frustração sexual virou a história da minha vida. Justamente
por causa de Diana Dixon. Estamos ensaiando tango todas as
noites essa semana, e está ficando cada vez mais difícil ter o
corpo dela tão perto do meu e não tirar sua roupa.
Aprendi os passos de tango muito mais rápido do que os do
chá-chá-chá, então os ensaios estão entrando em uma nova
fase. Não demora muito para entrarmos em posição, dançando
para cima e para baixo nos tatames da academia uma
coreografia que estou dominando rapidamente.
“E um, dois, três, quatro, cinco-seis, sete, oito. Um, dois,
três, quatro, cinco-seis, sete, oito. Perfeito. Boa, nós conseguimos.
Lembra de ir um pouco mais rápido no cinco.”
Tango é uma dança de andar. Em teoria, parece simples, mas
é mais difícil do que parece. Precisa dobrar muito os joelhos.
Exige bastante flexibilidade.
“Ai, meu Deus, Shane, você tá indo muito bem!”
“Você é muito líder de torcida”, resmungo, mas não estou
reclamando.
Confissão: fazer isso com Diana é divertido. Ela é um poço
sem fundo de entusiasmo. Um turbilhão de energia. Ela não
para, e meio que adoro quando esse seu lado líder de torcida
aparece. Essa mulher simplesmente exalta você. Se sofresse de
baixa autoestima, eu a contrataria para me seguir o dia todo e
me motivar, dizendo que sou incrível.
Segunda confissão: gosto de dançar.
Claro, ainda não consigo fazer meu quadril se mover
exatamente como Diana quer, mas sempre tive ritmo, e sinto
essa música de tango meio cafona no meu sangue enquanto
g g q
conduzo Diana para a frente, deslizo minha mão sobre suas
costas e a faço descer.
Queria que pudéssemos fazer alguns levantamentos bacanas,
mas quando menciono a ideia de novo, Dixon diz que não é
bem “coisa de tango”.
“Acho que qualquer coisa pode ser ‘coisa de tango’ se você
fizer ser”, retruco. Eu me viro para a câmera, presente o tempo
todo. “Certo, pessoal?”
“Errado, pessoal”, Diana diz, apontando para o tripé com
raiva.
Não estamos filmando ao vivo, mas é desconcertante pensar
que esse vídeo vai ser visto por centenas de milhares de
pessoas. Desde nosso primeiro vídeo viral, a contagem de
seguidores de Ride or Dance disparou dos meros cem mil para
mais de quatrocentos e cinquenta mil. Tivemos outros três
posts com mais de um milhão de visualizações, e Diana não
para de falar da receita de anúncios.
“A gente precisa seguir a coreografia. Recebeu nota dez de
todos os juízes em Dance Me to the Moon” Diana diz,
mencionando o reality show do qual rouba as coreografias.
“Sim, mas a gente não precisa copiar passo por passo. Vamos
pensar fora da caixinha. Um levantamento”, imploro. “Por
favor?”
Ela cede.
“Tá. Vamos tentar. Vamos fazer as mesmas duas batidas lentas
por uma contagem de quatro e, no cinco-seis rápido, você pode
me levantar.”
“Gosto da ideia.” Aprovo com a cabeça.
Diana ergue os braços para apertar o elástico do rabo de
cavalo, o que leva meu foco para seus peitos naquele top
esportivo rosa neon. Ela usa muito neon. Combina com ela. E
seus peitos empinados também. Ela parece um aviãozinho sexy
e compacto.
Não ligo que ela ainda esteja fingindo não sentir atração por
mim. Preciso de alguém que me faça me esforçar um pouco.
Sou um homem que adora correr atrás. Mas odeio que o
q q
controle esteja todo nas mãos dela. Deixei claro na outra noite
que estava disponível para… qualquer coisa. Literalmente
qualquer coisa. Mas Diana é cabeça-dura demais. Não faço ideia
do que vai ser preciso para conquistar essa mulher. Ela só
precisa, sei lá, engolir o orgulho. E depois o meu pau.
Sufoco uma risada.
“Do que você está rindo?”
“Nada.”
Diana estreita os olhos.
“Você está tendo pensamentos impuros?”
“Claro. Eu e todo mundo nessa academia.”
Ela olha de relance para o trio de homens, e todos desviam o
olhar. Liam fica mexendo no peso. Dave começa a apertar
botões aleatoriamente para mudar a configuração do aparelho
de remo. E aquele sem vergonha do Ralph, pai de três filhas
não muito mais novas do que Diana, finge estar no celular.
“Certo. Vamos testar um levantamento”, Diana diz. “Quero
avaliar a altura que devemos tentar atingir.” Ela se posiciona
em frente à parede de espelhos. “Vem por trás.”
Sim, por favor.
Dou um passo atrás ela.
“Mãos na minha cintura.”
Deus, por que estamos usando roupas para isso?
Engulo em seco e obedeço, colocando as duas palmas no
quadril dela.
“Não, assim.” Ela cobre minhas mãos com as dela e as puxa
alguns centímetros para baixo. “Você precisa me levantar
daqui. Dá uma base mais estável. Certo, no três, me levanta em
linha reta. Não alto demais.”
Faço o que ela diz, segurando-a suspensa no ar, e nos
examinamos no espelho. Seus braços estão estendidos, as
pernas juntas, as pontas dos pés apontadas para baixo.
“Bela execução”, digo.
Ela ri.
“Para de falar merda.”
“Na verdade, execução excelente. E saca só essa técnica de
pouso”, elogio depois que a coloco no chão.
“Vamos fazer de novo, doido. Quero ver uma coisa.”
Aperto seu quadril e a levanto.
“Não me coloca no chão ainda.” Ela parece pensativa
enquanto examina nosso reflexo.
Admiro sua barriga chapada e as linhas perfeitas do seu
corpo. Como meus dedos se curvam perfeitamente ao redor da
sua cintura. Meu pau se contrai sob a calça.
“Sou só eu ou você também está imaginando a gente
pelado?”, pergunto ao espelho.
Diana resmunga.
“Ai, meu Deus. Me põe no chão.” Ela desce deslizando pelo
meu corpo, e não sei se faz de propósito, mas sua bunda
encosta no meu pau de maneira torturante. “Isso é importante.
Vamos filmar daqui a uma semana.”
“Acho que se filmássemos agora ficaria ok.”
“‘Ok’ não é bom o suficiente!” Ela exclama. “Está tentando
nos sabotar? Você é um sabotador?”
“Não sou um sabotador, sua psicopata. Só estou dizendo que
acho que estamos bons o bastante para mostrar aos jurados que
não vamos passar vergonha na organização idiota deles. Não é
esse o objetivo da pré-seleção? Porque um bando de esnobes da
dança de salão se irritou porque vários amadores ruins estavam
entrando na sua preciosa competição?”
“Sim, mas não quer dizer que vou fazer essa audição de
qualquer jeito. Não se pode correr riscos com a dança.”
“Dançar é correr riscos.” Eu me viro para a câmera. “Certo,
pessoal?”
“Errado, pessoal”, ela ordena. “Dança é disciplina. E paixão.
Disciplina apaixonada.”
Eu a encaro.
“Por que você é assim?”
Ela ignora.
“Vamos repassar a coreografia toda de novo e encerramos
por hoje.”
p j
Pela última vez neste ensaio, repassamos nossa coreografia de
tango ao som da música que sai da caixinha de som de Diana.
Quando chegamos ao último passo, estamos os dois ofegantes.
Terminamos com uma porção de aplausos. Olho para nossa
plateia que consiste em três homens que só querem comer
Diana e faço uma pequena reverência.
“Obrigado, gentis cavalheiros.” Vou até o banco onde deixei a
toalha e seco o rosto. Diana faz o mesmo. Seu pescoço está
arqueado enquanto ela passa a toalha sobre a camada de suor
no decote.
Noto os olhos de Ralph se fixarem.
“Cara”, repreendo, “você tem três filhas. Mostre um pouco
de respeito. Ou discrição.”
Ele sai da academia, envergonhado.
“Jantar e CoC hoje?”, pergunto a Diana quando voltamos ao
Bétula-Vermelha. Meio que virou nossa rotina agora.
“Não posso. Vou jantar com Will.”
Fecho a cara.
“Você vai sair com meu companheiro de equipe?”
“Sim.”
“E não estou convidado?”
“É algo entre ele e eu.”
Não sei por que, mas isso deixa meus ombros tensos.
“Mas sou seu namorado. Ele está tentando ter um encontro
com você?”
“Claro que não. Somos amigos.”
“Mas sou seu namorado”, repito.
“Namorado de mentira”, ela corrige.
“Ele não sabe disso.” Franzo a testa. “Will está chamando
você para sair?”
Ela para à porta do 2A.
“Ele me chamou, como amigo, para jantar com ele hoje. Não
é um encontro. Sou a namorada de mentira mais leal que você
vai ter. Eu te amo de mentira, Shane. Quero me casar de
mentira com você e ter seus filhos de mentira. Beleza?”
Eu a encaro.
“Desnecessário. Não acredito que você enfiou nossos filhos
de mentira nessa história.”
“Por que você é assim?” Ela suspira. “Te vejo no ensaio
amanhã.”
Ela me deixa no corredor encarando sua porta fechada.
Destranco a porta e entro no meu apartamento, sem saber ao
certo por que estou tão irritado. Estou incomodado porque
Larsen pode estar tentando dar em cima da mulher que ele
pensa ser minha namorada? Ou estou chateado porque Diana
está escolhendo passar tempo com ele em vez de comigo hoje?
Puta que pariu.
Acho que é a segunda opção.
Acho que essa sensação desagradável percorrendo minhas
veias é ciúme.
E se ela decidir que gosta de Larsen e quiser ficar com ele
para valer? Meu cérebro finalmente se reconciliou com o fato
de que eu talvez esteja um tiquinho interessado em começar
algo com ela. Certo, mais que um tiquinho. Desde que
adivinhei os fetiches dela, não consigo parar de pensar em
transar com ela.
Vi em seus olhos o quanto ela quer abrir mão do controle, e
isso não para de me intrigar. Nunca conheci uma mulher que
quisesse explorar esse tipo de coisa comigo. Lynsey com
certeza não queria. Mas Diana quer um cara que assuma o
controle. Que possa realizar suas fantasias mais safadas e
obscuras.
Por que diabos Will Larsen deveria explorar isso com ela?
De jeito nenhum. Se alguém vai ter essa honra, sou eu.
25

diana

Você venceu

WILL
Parece que o restaurante tem código de vestimenta.
Usa alguma coisa meio chique.

Will me dá essa rasteira vinte minutos antes de vir me


buscar. Homens! Como ele espera que eu fique “meio chique”
em vinte minutos?
Suspirando, deixo a calça jeans e a blusa de alcinha na cama
e vou até o guarda-roupa para procurar algo mais adequado
para um jantar elegante. Passo os olhos pelos cabides até
encontrar um vestido vermelho cintilante. Tiro o tecido
aveludado do cabide e me visto, prendo o cabelo em um coque
arrumado e aplico um batom vermelho que combina
perfeitamente com o vestido.
Pronto. Meio chique.
Will me busca, estiloso em uma camisa branca de botão e
calça preta. Seu cabelo castanho está mais curto do que da
última vez que o vi, deixando-o com mais cara de menino.
“Uau.” Ele assobia enquanto entro no lado do passageiro.
“Tomara que Lindley não tenha visto você sair de casa assim.
Senão, vai achar que estou te levando para um encontro e me
dar uma surra.”
“Ele já acha que é um encontro”, respondo, sorrindo. “Passei
por um interrogatório pesado para vir aqui.”
Conversamos no caminho para o restaurante, uma esquina
muito familiar na rua principal.
“Aqui não era um lugar de café da manhã na semana
passada?”, pergunto, confusa.
“Mês passado”, ele corrige, rindo. “Semana passada era um
restaurante japonês.”
Tomara que este empreendimento vingue, porque somos
recebidos por um ambiente muito agradável quando entramos.
É um restaurante mediterrâneo agora, oferecendo pequenas
mesas isoladas escondidas entre palmeiras que daria para
encontrar na Grécia e fotografias emolduradas de Santorini e
das ilhas gregas decorando as paredes de estuque branco. Tem
até uma banda ao vivo. Quer dizer, um violonista e um cara
tocando um bongô suave. Mas é legal. Gosto daqui agora.
Will não tem a oportunidade de puxar minha cadeira: um
garçom muito ansioso aparece do nada para fazer isso por ele.
Ele acomoda Will na sequência e abre nossos guardanapos com
um floreio sofisticado, entregando-os para que nós os
coloquemos no colo. Estamos os dois tentando não rir quando
ele termina seu show extravagante nos oferecendo um par de
cardápios encadernados em couro vermelho.
Depois que ele sai, ficamos examinando os cardápios.
“Bom.” Will levanta a cabeça e exibe um sorriso inocente. “É
tudo grego para mim.”
Rio tão alto que sai como um ronco.
“Ai, meu Deus, que idiota.”
Mas errado ele não está. O cardápio inteiro está escrito em
grego. Não consigo entender os caracteres estrangeiros na
página. Não há nenhuma opção em inglês abaixo.
Aperto os lábios.
“Acho que sei por que esse proprietário vive se
reinventando.”
“É, acho que sei também.”
Somos obrigados a pedir para o garçom traduzir cada item, o
que leva um tempão. Finalmente, pedimos nossos pratos e nos
recostamos nas cadeiras, enquanto a música suave de violão
q
nos cerca. Will passa um tempo reclamando do pai, que está se
opondo ao desejo dele de passar um ano na Europa depois de
se formar. Descubro que o sr. Larsen é um congressista que
divide o tempo entre Washington e Connecticut com a
madrasta de Will. Acabamos no aproximando no tópico
madrastas, pois descobrimos que nós dois gostamos das nossas.
Mas os pais dele não são divorciados; a mãe morreu quando ele
tinha quatro anos, e ele foi criado por uma série de babás até o
pai se casar de novo.
Acabo direcionando o assunto para Beckett porque a
curiosidade está me matando.
“Como estão as coisas com Beck? Ele está para voltar, né?”
“Semana que vem.”
Não deixo de notar como o semblante de Will fica tenso.
“Ih, aquela situação ainda está te incomodando?”
“Um pouco. Talvez fosse diferente se eu tivesse ficado com
alguém desde que ele foi embora. Mas não conheci ninguém
com quem rolasse química.”
“Então a última vez que você ficou naquele encontro
estranho no qual você não parava de pensar no Beck?”
“Pois é.” Ele parece abatido.
“Entendi. Bom. Onde estamos na escala de excitação agora?
Quando você pensa em ficar com Beckett e uma mulher, dá
menos tesão? Ou mais?”
Ele suspira.
“Mais, né?”
“Essa porra não sai da minha cabeça”, ele resmunga.
“Sinceramente, acho que você está se estressando demais
com isso. Cada um com seu fetiche.”
“Ah, é?”, ele questiona. “Qual é o seu?”
“Não é da sua conta.”
Will sorri.
“Vai fazer o que quando Beckett voltar?”
“Não sei.”
“Chegou a conversar com ele depois que ele foi embora?”
A pergunta o surpreende.
p g p
“Claro. A gente troca mensagens todo dia. Ele é meu melhor
amigo.”
“Não acha que deveria estar conversando com ele sobre tudo
isso? Contar o que está te incomodando?”
“Talvez.”
Ele soa evasivo. Típico de homem. Sim, vamos continuar
reprimindo tudo. É sempre uma ideia maravilhosa.
O resto do jantar passa com comida boa e uma conversa
excelente. Gosto muito de Will. Ele começou como um amigo
de Gigi, mas ficamos mais próximos agora que estamos os dois
passando o verão em Hastings. E pode ser que eu seja uma
cretina por isso, porque ele está muito estressado, mas estou
adorando essa situação entre Will e Beckett. Não sei se
conseguiria fazer um ménage, mas não posso negar que a
fantasia seja interessante. Além disso, Will e Beck são dois
jogadores de hóquei absurdamente atraentes. Dá para entender
por que qualquer garota ficaria tentada a ser esmagada entre
aqueles dois corpos musculosos.
O garçom está tirando nossos pratos quando recebo uma
mensagem de Shane. Imagino alguma reclamação emburrada
sobre eu estar saindo com o Will. Em vez disso, encontro um
link para um documento. Ok. Estranho.
Preciso fazer xixi, então decido abrir a mensagem no
banheiro. Primeiro, porque é falta de educação olhar na frente
de Will e, segundo, porque tenho medo de olhar na frente de
Will.
E estou curiosa demais para esperar até chegar em casa.
Depois de usar o banheiro e lavar as mãos, encontro uma
segunda mensagem de Shane, dizendo apenas: você venceu.
Clico no link e quase morro de rir no piso frio.
É uma inscrição.
Uma inscrição literal para a vaga de amigo colorido.
Campos engraçadíssimos enchem meus olhos. Nome.
Tamanho do pênis. Habilidades… ai, meu Deus. Ele listou todas
suas posições favoritas na ordem em que se considera mais
habilidoso a menos habilidoso. Sentada de costas está em
último lugar.
Minha risada ecoa pela acústica do banheiro. Se não tivesse
acabado de fazer xixi, faria nas calças. Mesmo assim, apesar do
absurdo do que estou lendo, não consigo resistir à onda de
excitação que inunda minha corrente sanguínea.
No campo “Curto”, ele escreveu:

Dominar.
Não me incomodo em ser observado.
Perco o ar, calor formigando as pontas dos meus seios. Sob
considerações finais, ele foi mais articulado:

Como seu namorado de mentira e amigo colorido de verdade, levo


muito a sério o dever de te proporcionar prazer. Garanto pelo menos
um orgasmo por sessão, seja com a língua, os dedos ou com o pau.
Meu corpo todo se contrai. A ideia de sua boca, seus dedos
ou sua língua em qualquer lugar do meu corpo faz meu
coração acelerar.

Vou venerar e respeitar seu corpo e te foder como nunca te foderam


antes. Grato pela consideração.
Encaro a tela até ela se apagar e ficar preta. Inspiro um
fôlego longo e vacilante, bem quando outra mensagem aparece.
SHANE
E aí? A vaga é minha?
26

diana

Iniciativa

“Foi isso que você usou para sair com ele?” Shane resmunga
quando abre a porta.
Fico plantada no vão da porta.
“Sim.”
“E você ainda insiste que não foi um encontro?”
“Não foi. Só fomos a um restaurante bacana.”
Shane não consegue tirar os olhos de mim.
“Por favor, diz que é esse vestido que você vai usar para o
vídeo de pré-seleção.”
“Não, vai ser transparente para poder ver o collant por
baixo.”
“Porra”, ele geme. Então nota que não me movi um
centímetro. “Vai entrar?”
Não saio da soleira.
“Não até discutirmos as regras Dixon.”
“Você e suas regras. A gente pode pelo menos discutir dentro
de casa, para que Niall não opine?”
Bem observado. Entro na sala atrás de Shane, onde
mantenho certa distância entre nós. Ele tomou banho e se
trocou depois do nosso ensaio, porque está cheirando a
sabonete e usando uma camiseta cinza do Eastwood College e
uma calça preta de moletom de cintura baixa em seu quadril
esculpido. Um oblíquo definido está à mostra, e meus dedos
coçam de vontade de tocar nele.
“Gostou da minha inscrição?” Seus olhos estão brilhando.
“Está muito bem redigida”, respondo, relutante.
“Sabia que você curtiria.” Piscando, ele dá um passo na
minha direção. “Então, vamos falar sobre as regras.”
Dou um passo para trás.
“Uma regra só. Respeito.”
Shane fica espantado.
“O que você quer dizer?”
“Quero dizer que respeitamos um ao outro em todos as
áreas. Sim, é só sexo. Não, não vai ter sentimentos envolvidos.
Mas até uma situação de amigos coloridos exige certo nível de
respeito. Não sou seu brinquedo sexual.”
Ele fica atônito.
“Meu Deus. Claro que não.”
“E não quero você dormindo com outras pessoas.”
“Não vou.” Segurança ressoa em seu tom. “Já falei que não
tenho mais interesse em ir para a cama com qualquer uma, e
nunca colocaria você em risco.”
“Ótimo. Ah. E camisinha”, completo.
“Óbvio.”
“Dito isso, tomo pílula, então, se nós dois nos testarmos,
topo transar sem.” Solto um suspiro. “Porque meio que odeio
camisinha.”
Ele geme de novo.
“É sério que você está me dizendo que quer transar sem
camisinha? Está tentando me fazer ejacular?”
“Só se os exames de saúde derem negativo”, reitero.
Ele inclina a cabeça.
“Qual foi sua parte favorita da inscrição? O que fez com que
eu me destacasse como candidato?”
Escondo um sorriso.
“Não vou responder isso.”
“Não, acho que deveria responder sim. Você sabe do que
gosto. É justo que eu saiba do que você gosta. Alguma parte se
destacou?”
Hesito.
“Eu talvez tenha gostado da parte em que você me
dominaria.”
Seu lábio se curva.
“É. Tive um pressentimento sobre isso. Por que será?”
É uma pergunta muito fácil de responder. Porque em todos
os aspectos da minha vida, sempre estou no controle absoluto.
Virei capitã do time de cheerleading no segundo ano, o que era
algo inédito. Dou as ordens nos treinos e comando minha
equipe como uma máquina bem sincronizada. Para meu pai e
meu irmão, sou uma força indomável da natureza. Corro atrás
do que quero. Dou cem por cento de mim em todos os
projetos que assumo.
Isso não quer dizer que eu seja inflexível. Gosto de controle,
mas não sou controladora; posso tranquilamente entregar as
rédeas se necessário. Sou perfeccionista, mas não vou
desmoronar se algo não sair perfeito.
E, quando o assunto é sexo, não tem nada que eu gostaria
mais do que receber ordens.
Com respeito, claro.
“Porque passo mais tempo no controle do que fora. E os
homens com quem namorei nunca tomaram muita iniciativa
na cama”, confesso a Shane.
“É isso que você quer ver? Iniciativa?”
Faço que sim devagar.
“Tá, então. Vai para o quarto”, ele diz com a voz baixa.
“Espera por mim lá.”
“Esperar por você”, repito, hesitante.
Ele fica parado, me provocando com seu corpo alto e largo.
Consigo ver o volume grosso do seu pau marcado sob a calça.
É preta, então é difícil saber se está completamente duro.
Graças à sua inscrição, agora sei exatamente o tamanho dele, e
minhas coxas se contraem só de pensar nele dentro de mim.
“Quarto”, ele repete, num tom mais cortante.
Respiro fundo. Depois vou para o quarto sem dizer uma
palavra.
Examino o ambiente, observando a cama feita, o tapete cinza
e a cômoda de mogno lustrosa. Não consigo acreditar que
estou fazendo isso. Por que estou no quarto de Shane Lindley?
Qual é meu problema?
E onde é que ele está?
Eu o escuto na cozinha. Ouço água corrente. Ele está
tomando um copo d’água? Indignação cresce dentro de mim,
acelerando meu pulso. Tenho medo de que ele esteja me
fazendo de palhaça, mas, ao mesmo tempo, a expectativa que
está criando é insuportável. Sinto uma dor real entre as pernas.
Um nó de agonia. Tudo parece quente e tenso, meu corpo
inteiro se contraindo de desejo enquanto espero por ele.
Finalmente, Shane entra pela porta. Ele me observa por um
momento, os olhos cada vez mais pesados. Tira a camiseta pela
gola, todos os músculos do seu peito se contraindo ao jogar a
camisa sobre uma cadeira estofada no canto.
“Solta o cabelo”, diz, brusco.
Engulo em seco. Não estava esperando que minha noite
acabasse assim. Ou que estaria seguindo as ordens de Shane
Lindley sem resistir. Sem brigar ou discutir com ele nem
mandar que faça as coisas por mim.
Sem uma palavra, puxo o elástico que está prendendo meu
coque. Eu o coloco no punho e solto o cabelo. Eu o ajeito com
os dedos para que caia sobre os ombros.
Calor acende nos olhos de Shane. Ele se senta na beira da
cama, com as coxas musculosas abertas.
“Vem cá.”
Paro na frente dele. Uma mão grande se estende e toca meu
joelho, depois sobe, escorregando por baixo da barra do
vestido, erguendo o tecido até revelar minha calcinha. Ele
coloca um dedo sob a alça e puxa com ar provocante, mas não
a tira.
Ele ergue os olhos para mim. Com a luminária do teto
brilhando sobre seu rosto, percebo de repente que seus olhos
não são simplesmente castanhos. São de um castanho avelã
escuro, com pontinhos verdes intensos em suas íris, como uma
floresta tropical exuberante à noite.
Fico em silêncio. Esperando.
Ele ri. Um som baixo e rouco. Aprovação transparece em
seus olhos lindos.
“Gosto muito dessa Diana Dixon”, ele diz com a voz
arrastada.
“Não brinca com a sorte”, alerto, embora minha voz esteja
trêmula. “Ou a mulher durona vai voltar.”
“A mulher durona não foi a lugar nenhum. Ela está aqui.
Doida para me dar.”
Mordo o lábio enquanto uma onda de desejo percorre meu
corpo. Se você me dissesse no ano passado que um dia eu
estaria no quarto de Shane, esperando sua próxima ordem, eu
teria rido na sua cara.
“Tira a calcinha.” Sua mão sai debaixo da minha saia. “Mas
fica com o vestido.”
Com o coração acelerado, deslizo a calcinha fio dental pelas
pernas e a chuto para longe. O pedaço de renda fica caído no
chão perto dos meus pés descalços.
“Nossa, você é obediente pra caralho.” Ele lambe o lábio
inferior. “Senta.”
Estou ofegante enquanto me sento nele. Shane coloca as
mãos na minha cintura e as sobe devagar, pausando para
apertar meus seios de leve antes de parar nas alças finas do
meu vestido. Ele as tira dos ombros, e me arrepio. Seus dedos
são ásperos, calos raspando minha pele, enquanto ele puxa o
corpete do meu vestido para baixo.
Ele geme quando vê que estou sem sutiã. Normalmente não
uso, pois nem sempre preciso.
“Que bonitinhos”, ele murmura.
“Está chamando meus peitos de bonitinhos?”
Seus lábios se curvam em um sorriso.
“Qual é o problema?”
“Não deveriam ser bonitinhos”, argumento. “Deveriam ser
sexys. Gostosos.”
y
“Ah, pode crer, são sexys. E gostosos. E empinados. E
bonitinhos pra caralho.”
Ele traça o contorno de cada seio com os polegares. O toque
delicioso em minha pele sensível é quase insuportável. Quando
o polegar dele desliza sobre um dos mamilos, solto um som
desesperado e meu quadril se empina.
“Interessante”, ele diz.
“O quê?”
“Você é sensível.”
Ele aperta meu mamilo entre o polegar e o indicador,
girando de leve, e sinto a umidade escorrer entre as pernas. Se
acumulando.
“Muito sensível”, ele se corrige, sorrindo. “Já teve um
orgasmo só de chuparem seus mamilos?”
“Não, mas já cheguei bem perto”, admito.
Ele leva a boca a um dos seios e envolve meu mamilo com os
lábios, passando a língua sobre ele. Contenho um gemido e me
contorço sem rumo em seu colo.
“Safada”, Shane provoca.
Ele ri com a boca em minha pele, as vibrações pulsando
através do meu corpo. Depois leva a boca para meu outro
mamilo e o chupa suavemente, enquanto suas palmas
envolvem meus seios, apertando.
Quando estou me contorcendo demais, roçando demais, ele
coloca uma mão no meu quadril para me parar.
“Porra, você está louca por isso.”
Acho difícil encontrar a voz.
“Preciso…”
“Me diz o que você precisa”, ele murmura, passando a língua
sobre meu mamilo.
“Preciso que você me toque.”
“Onde.”
“Entre as pernas. Por favor. Toca em mim.”
Meu Deus, estou realmente implorando. O que está
acontecendo comigo?
“Não.” Shane dá um tapa na minha bunda. “Levanta.”
p
Saio de seu colo. Meus joelhos estão tremendo. O coração
acelerado. Consigo sentir a pulsação nas têmporas. No pescoço.
Latejando no clitóris.
Ele sorri, sabendo perfeitamente o que está acontecendo com
meu corpo.
“Tira minha calça.”
Meus dedos tremem enquanto toco em sua cintura. Esse é o
encontro sexual mais excitante da minha vida, e nem estou
pelada. Nem ele está pelado… ainda. Ele fica um segundo
depois, quando puxo sua calça para baixo.
Perco o fôlego ao ver seu pau. É tão substancial quanto eu
esperava. E provoca uma sensação peculiar de nervosismo que
atravessa meu corpo e lateja entre minhas pernas. Eu o quero
dentro de mim. Preciso dele dentro de mim. Embora, para ser
sincera, nem sei se vai caber.
Shane passa a mão devagar e conscientemente em seu pau
ereto. Ele fixa o olhar em mim e diz:
“Ajoelha, Diana.”
27

shane

Pede com jeitinho

Diana parece ter saído diretamente das minhas fantasias. Das


minhas fantasias mesmo. Ela está me deixando dar ordens sem
reclamar, e nós dois sabemos que ela está adorando. Um rubor
de desejo cora suas bochechas. Ela ainda está com aquele
vestido vermelho sexy, agora abaixado para revelar seus peitos
deliciosos. Mas não a mando tirar o vestido. Gosto que ainda
esteja semicoberta. Que eu ainda não tenha visto sua buceta.
Por algum motivo, torna as coisas ainda mais excitantes.
Ela se ajoelha. Estou tão excitado que sei que não vou
aguentar mais do que três segundos metendo se não aliviar a
tensão primeiro.
“Coloca a mão em volta.”
Ela geme e faz o que eu mando. A sensação da sua mão
quente ao meu redor é incrível.
“Põe a língua”, murmuro. “Deixa bem molhado e pronto para
sua boca.”
Outro gemido.
Meu pulso acelera quando ela começa a lamber a cabeça do
meu pau, cercando-o com a língua. Sua mão se move com
delicadeza ao longo do meu pênis.
“Pode apertar.”
Ela aperta, e gemo. Enquanto isso, sua língua obediente
continua a lamber, fazendo meu pau reluzir.
“Sua boca, Dixon. Preciso dela agora.”
Sei que é grande, mas, porra, ver seus lábios ao redor do
meu pau é tão excitante que faz minha cabeça girar.
“Me faz gozar.” Minha voz é baixa. Rouca de tesão e cheia de
promessa. “Se fizer um bom trabalho, vai ganhar uma
recompensa.”
Ela me solta com um leve estalo. Interesse cintila em seus
olhos, misturando-se com o calor do desejo.
“Que recompensa?”
“Vou deixar você decidir.” Sorrio para ela. “Minha língua ou
meus dedos.”
Ela prende a respiração. E passa a mão em mim de novo.
“Isso não?”
“Não. Você não está pronta para isso. Vamos ter que ir
devagar.”
“Sei não, já estou bem molhada.”
Gemo de novo.
“Para de me distrair. Me dá o que eu quero.”
Ela aperta meu pau e volta a chupar. Jesus, ela mal consegue
enfiar tudo na boca. Talvez até a metade. Então precisa usar a
mão também.
Tenho que me esforçar para não meter com força na boca
dela. Deixo que ela guie, confio que vai me levar aonde
preciso. A verdade é que não vai demorar muito para eu gozar.
De tão incrível que ela fica de joelhos na minha frente.
O cabelo platinado despenteado.
A boca sedenta me chupando.
Os sons que ela faz.
Meu Deus.
Minhas bolas estão tão contraídas que desapareceram dentro
do corpo. Todos os músculos estão tensos também. Vou gozar
mais rápido do que nunca. Não tenho como me controlar. Ela
me dá mais tesão do que qualquer outra pessoa em muito
tempo.
“Vou gozar”, aviso. Vou deixar que ela decida como quer.
Diana solta meu pau e me masturba durante o orgasmo.
Gemo e gozo em seus peitos. Ela não parece ligar. Está
g p p g
mordendo o lábio. Sua outra mão está entre as pernas.
“Não disse que você podia se masturbar”, rosno, embora
ainda esteja soltando as últimas gotas do orgasmo mais
alucinante. Foi rápido e intenso, como uma chuva repentina, e
não estou nem perto de estar saciado. Ainda estou muito duro
e pronto para outra.
Mas fiz uma promessa para ela.
Diana se levanta, com o vestido em volta da cintura. Puxo o
tecido pelas pernas e o tiro.
“Na cama”, digo.
Ela sobe no colchão. Tenho a impressão de que essa é a única
vez que vou ver Diana Dixon submissa, e vou aproveitar cada
segundo.
Ainda ofegante, brinco com meu pau. Ainda tem uma gota
de porra na ponta, e passo o polegar por ela enquanto meu
olhar percorre o corpo nu de Diana.
“Língua ou dedos?” Minha voz é rouca.
“Língua”, ela diz.
“Boa escolha.”
Eu me ajoelho na frente da cama e passo as duas mãos sobre
suas pernas lisas. Ela estremece quando acaricio suas
panturrilhas e canelas antes de apertar seus tornozelos e puxar
seu corpo para frente, de modo que suas coxas fiquem a
centímetros do meu rosto.
“Me pede para te chupar.”
Ela perde o fôlego. Ergo os olhos para encontrá-la me
observando, as pupilas dilatadas, as pálpebras pesadas.
“Pede”, repito.
Seu peito sobe com uma inspiração profunda.
“Me chupa”, ela sussurra.
Sorrindo, abro suas coxas e coloco a boca entre suas pernas.
Quando passo a língua para sentir seu gosto, meu cérebro
entra em curto-circuito. Ela é deliciosa demais. Queria cair de
boca, mas não posso. Preciso provocar um pouco. Estive com
mulheres suficientes para saber que preliminares são
necessárias, não opcionais. Elas precisam estar prontas para
mim.
Lambo sua buceta enquanto ela roça em mim. Não falamos
nada. Os únicos sons no quarto são seus gemidos ansiosos e os
meus, vorazes, porque ela é como uma droga, e preciso de
mais. Enfio um dedo e, quando ela o aperta, percebo que isso
vai demorar um pouco. Enfio o segundo dedo, e ela geme tão
alto que não consigo segurar o riso.
“Caramba, Dixon. Você está desesperada.”
“Eu sei. O que tem de errado comigo?” Sua voz soa
angustiada.
Ergo a cabeça. Meus lábios estão cobertos por sua excitação.
“Não tem nada de errado com você. Essa buceta é a coisa
mais certa que já experimentei na minha vida.”
Não é difícil adivinhar do que Diana gosta. E, se estiver
fingindo, está fazendo um trabalho e tanto. Sons ofegantes.
Suspiros baixos. Os palavrões sussurrados que solta quando
coloco e tiro os dedos.
Coloco mais um dedo.
“Me avisa se for demais.” Estamos em três agora.
Ela se apoia nos cotovelos e olha para mim. Seus olhos estão
completamente turvos. Ela morde o lábio enquanto observa o
que estou fazendo com ela. Enquanto deslizo aquele terceiro
dedo e o enfio em um espaço incrivelmente apertado.
“Você aguenta tão bem, gatinha. Mal posso esperar para estar
dentro de você.”
Ela geme.
“Você vai gozar para mim agora, tá? Quando me der esse
orgasmo, vou te dar meu pau.”
Ela puxa o ar de novo.
“Vou tentar.”
“Muito bem.”
Enfio os dedos devagar dentro dela e volto a brincar com seu
clitóris com a língua. Sei que ela está quase lá, mas continua se
contorcendo e gemendo em desespero, sem chegar aonde
precisa.
p
Lembrando a convulsão quase violenta do seu corpo quando
chupei seus mamilos, ergo a mão para apertar um deles com
firmeza. E Diana explode como um foguete. Ela goza perdendo
o fôlego, e me pego sorrindo com a boca em sua buceta
enquanto ela absorve cada gota de prazer que tenho a oferecer,
roçando na minha cara.
Quando tiro os dedos e ergo a cabeça, ela está ofegante. Sua
buceta está inchada e reluzente.
“Prontinho”, murmuro com aprovação. “Você fez um
excelente trabalho.”
Meu pau está duro como ferro. Eu a deixo na cama,
extasiada. Seus olhos me acompanham quando pego uma
camisinha e a coloco. Ela observa enquanto reviro a primeira
gaveta.
“Está procurando o quê?”
“Talvez a gente precise de lubrificante.”
“Confia em mim, não precisa.” Ela ri, cansada. “Vem logo
aqui.”
É a única ordem que ela deu desde que essa interação
extremamente erótica começou, então deixo passar. Além
disso, errada ela não está. Enfio um dedo em sua abertura e
descubro que ela está encharcada.
“Aquele orgasmo não foi o suficiente?” Sorrio para ela. “Você
quase esmagou minha cara.”
“Nem perto de suficiente. Estou louca para saber como é
gozar com isso.” Seu olhar se fixa na minha ereção.
Subo na cama e cubro seu corpo com o meu, baixando os
lábios para beijá-la. Mas não entro nela ainda. Estou encaixado,
latejando, meu pau buscando um alívio, meu quadril se
movendo para encontrá-la. Nossas línguas se enroscam
enquanto intensifico o beijo. Seu beijo é fenomenal. E esses
sons. Não me canso desses sons. Não curto muito aqueles
gemidos e gritos exagerados de estrelas pornô. Diana não faz
nada disso. Ela geme sim, mas vem de um lugar mais
primitivo.
Pego um travesseiro.
g
“Levanta”, digo, e o posiciono embaixo dela. Sei por
experiência própria que essa é a melhor forma para ela me
receber nessa posição.
Seguro meu pau e vou entrando nela. Basta alguns
centímetros para nos fazer suar feito loucos. Enfio mais alguns
centímetros. Ela fica fora de si.
“Puta que pariu, Lindley. Me dá mais.”
“Pede com jeitinho.”
Calor cintila em seus olhos. É a primeira vez que ela me
desafia.
“Quero mais agora.”
“Quem manda aqui sou eu, e não você. Se quiser gozar, vai
ter que pedir com muito jeitinho para eu meter em você. Pede
mais um centímetro e diz por favor.”
Ela engole em seco.
“Me dá mais um centímetro, por favor.”
Meus lábios se curvam em um sorriso. Ver Dixon submissa a
mim é a coisa mais excitante que já me aconteceu na cama.
Dou mais um centímetro, e ela deixa escapar um suspiro.
“Outro”, ela implora.
“É? Quer mais?”
“Por favor.”
Muito devagar, vou empurrando.
“Está na metade, gatinha.”
“Metade!” Ela geme. “Ai, meu Deus. Já me sinto tão
preenchida. Como não está tudo dentro? Me dá mais.”
Coloco mais.
“Mais. Por favor, Shane.”
Cada pedido ofegante me enlouquece. Vou metendo, não
tudo, mas fundo o suficiente para sentir ela me apertando. O
suficiente para fazer seus olhos revirarem e ela se agarrar em
mim. Ela começa a rebolar.
“Devagar”, aviso. “Vai se acostumando.”
“Estou acostumada”, ela diz, teimosa.
“Dixon…”
“Me fode. Por favor. Por favor, Shane, por favor.”
p
Diana Dixon está implorando para ser fodida por mim. Eu
nunca teria imaginado isso quando ela tirava sarro de mim por
causa do meu comportamento cafajeste, jurando que nunca
sairia comigo. Bom, agora ela me tem. Por inteiro. Quer dizer,
quase por inteiro.
Mas não vou usar isso contra ela. Não se trata de nenhum
fetiche de humilhação. O ponto é dar prazer para ela. Assumir
o controle para ela não precisar assumir. Mostrar para ela que
seu prazer importa tanto quanto o meu.
Vou devagar apesar dos seus pedidos. Porque a expectativa é
incrível. Estocadas profundas e lentas. Seus dedos apertam
minha bunda, e seus dentes mordem meu ombro.
“Você é selvagem”, gemo.
Ela responde me mordendo com mais força. A dor aguda
provoca outra onda de prazer. Acelero. Pois é, não tem mais
volta. Não consigo mais controlar o ritmo. Ninguém está no
controle além do meu quadril e da sua buceta me engolindo.
Mas ainda resta um pouco de autocontrole em mim.
“Vai gozar de novo?”, pergunto com esforço. Estou prestes a
explodir. Ela me deixa tão duro.
“Acho que sim. Continua batendo nesse ponto.”
Ajusto o quadril.
“Esse?”
“Uhum. Sim. Bem aí. Não para.”
Meto com força. Meu corpo está em chamas. O coração
acelerado. Estou oficialmente na zona de perigo. Aquele
momento em que a mulher me diz para não parar o que estou
fazendo porque ela está prestes a gozar, o que significa que eu
estou prestes a gozar, e logo vou parar exatamente o que estou
fazendo porque já é tarde demais.
Seguro o máximo que consigo, tentando pensar em qualquer
coisa que não seja sua buceta prestes a pulsar ao meu redor. Eu
a beijo, contendo um xingamento quando ela morde meu lábio
inferior. Caralho. Meu autocontrole se desfaz, e peço a Deus que
ela também goze porque para mim já deu. O prazer explode
dentro de mim. Eu me tremo todo, perdendo o ritmo,
enquanto o orgasmo escorre.
Estou acabado, destruído e exausto, ofegando intensamente.
Desabo em cima dela e sinto nosso coração batendo em
sincronia. Um ritmo rápido e pulsante.
Rosno em seu ouvido:
“Por favor, me diz que você gozou.”
Sua risada ofegante vibra em meu peito.
“Sim.”
“Graças a Deus.” Rolo para o lado e coloco seu corpo quente
e amolecido em cima de mim. “Esse foi o melhor sexo de
mentira da minha vida”, digo, e ela ri ainda mais.
28

diana

Festa da linguiça de setembro

Transei com Shane Lindley, e não me arrependo.


Porque o sexo com Shane é meio que incrível.
Tá, meio não, totalmente incrível.
Foi com certeza o melhor sexo da minha vida. E agora que
essa bola de orgasmo está em campo, não posso impedir que
role por cima de mim. Transamos todas as últimas três noites,
embora eu tenha nos proibido de passar a noite juntos, porque
eu é que não vou dormir de conchinha com Shane Lindley
como se fôssemos um casal de verdade. Eu só estou usando ele
para… bom, para tanta coisa que já perdi as contas.
Eu estou usando Shane como parceiro de dança.
Como guarda-costas contra Percy.
Como pau amigo.
Ah, e ele é um telespectador de reality shows melhor do que
Gigi. Não perde um episódio. Gigi diz que não tem tempo para
assistir a um episódio por noite, afinal, que tipo de programa
exige esse tipo de compromisso dos seus telespectadores e, a
isso, respondo que um verdadeiro fã assume o compromisso. E
Shane está se revelando um verdadeiro fã. Ele é estranhamente
protetor em relação a Zoey. E nem é porque quer transar com
ela! Perguntei, e ele insistiu que ela não faz o tipo dele.
No domingo de manhã, acordo com uma mensagem
habitual. A mesma que recebo há três dias seguidos.
SHANE
Sexo matinal?

Digito a resposta com preguiça.

Não posso. Reunião de condomínio.

SHANE
Eita porra. Estava esquecendo. Vai se vestindo. Te
encontro no corredor.

Ele vai a outra reunião?


É compreensível. Literalmente não existe entretenimento
melhor. Fico ansiosa para essas reuniões como imagino que os
cidadãos com sede de sangue em Roma ficavam quando
entravam no Coliseu domingo sim, domingo não.
A caminho do Sicômoro, comento com Shane:
“Se minha tia não tivesse morrido, eu nunca teria conhecido
os prazeres das reuniões do condomínio Meadow Hill.”
“Um, isso é macabro pra caralho. E, dois, depois da reunião:
eu e você, pelados?”
“Não, preciso trabalhar. Mas com certeza vamos ficar pelados
quando eu voltar.” Um resmungo escapa. “Ai, meu Deus, por
que sou assim? Você e sua maldita pica movediça.”
“Pica movediça?”
“Sim, tipo areia movediça. Mas a armadilha é seu pau, e
agora estou presa no fundo.”
“Não era para sua buceta ser a areia movediça já que sou eu
que meto meu pau no fundo dela?”
Ficamos nos encarando por um momento.
“Por que a gente é assim?”, ele suspira.
“Não sei, mas… espera, não, não vem com essa de a gente.
Você. O esquisito é você.”
Se bem que a forma como entendemos as excentricidades
um do outro é um pouco perturbadora. A última pessoa com
quem quero formar uma conexão estranha é Shane Lindley.
“Seu ex vai estar aqui, não?” Shane pergunta quando
entramos no prédio.
Meu estômago revira com a menção de Percy.
Parece que só consigo manter minha ansiedade sob controle
se não me permitir lembrar que Percy existe. Mas então o vejo
na trilha ou alguém comenta dele, e o pânico volta. Num
instante, sinto aquela dor fantasma em meu olho, aquele
aperto sufocante na garganta, e lembro que não sou a mesma
Diana de um mês atrás.
Sou a Diana que deixou que um homem batesse nela.
“Dixon?” Shane está alheio ao meu conflito interior.
“Ah, desculpa. Não, Percy não é um proprietário. Inquilinos
não podem participar dessas reuniões.”
A sala de conferência está cheia quando entramos, mas Priya
guardou meu lugar de sempre na primeira fileira. Estou
prestes a dizer para Shane que ele foi relegado ao fundo
quando, do outro lado de Priya, Veronika dá um tapinha na
cadeira vazia ao lado dela e diz:
“Shane, guardei um lugar para você.”
Baixo a mão e dou um tapa discreto na bunda dele.
“Vai pegar sua loba, tigrão.”
“Te odeio”, ele resmunga.
Nós nos sentamos, e Brenda começa a reunião com um item
da pauta com que não me importo nem um pouco.
A Festa da Linguiça de Setembro.
Era de se esperar que Shane ficasse tão entediado quanto eu,
mas, para meu mais absoluto espanto, meu namorado de
mentira e contatinho de verdade fica mais empolgado do que
uma adolescente falando sobre seu astro do pop favorito. Ele
começa a falar animadamente sobre seu açougueiro predileto
de Boston e que, se quisermos experimentar linguiças de
verdade, precisamos falar com Gustav, que recentemente
começou a vender uma linguiça italiana doce, temperada com
erva-doce e alho, que é quase tão boa quanto a kielbasa de porco
dele, com seu sabor salgado e ligeiramente defumado.
“Quer saber”, Shane diz, interrompendo-se no meio da frase.
“Acho que eu deveria ser adicionado no grupo dos vizinhos.
Vou mandar todos os detalhes por lá.”
À mesa principal, Brenda olha para ele com desconfiança.
“Pensei que você achasse grupos muito estressantes.”
“Amadureci bastante desde nossa última reunião. Me sinto
bem confiante de que consigo lidar com a pressão do grupo
agora.” Ele pisca para Veronika, que ri baixo.
“Vou te adicionar”, Niall fala, ainda relutante. “Mas só
porque gosto de uma boa kielbasa.”
Shane sorri para ele.
“Todos gostamos, meu chapa.”
Niall não retribui o sorriso.
Como é impossível passar por uma reunião inteira sem
drama, a confusão começa depois que Brenda abre espaço para
preocupações e queixas.
Na ponta da primeira fileira, Carla se levanta.
“Tenho uma queixa. Tudo tem limites”, ela se dirige ao
comitê. “Ela precisa ser proibida de vez de usar a piscina!”
Ninguém precisa perguntar quem é “ela”.
Veronika é rápida em se defender.
“Como assim? Tenho o direito de nadar como qualquer outra
pessoa.”
“Sabem como ela não tira os olhos do meu filho Carl? Ele
não consegue mais nadar, fica nervoso demais.”
“Talvez ele não fique nervoso por minha causa mas porque a
mãe dele, Carla, é tão narcisista que batizou o próprio filho de
Carl.” Veronika cruza os braços.
Shane tenta segurar o riso mas não consegue, e acaba saindo
como um ronco abafado.
O queixo de Carla cai.
“O que isso quer dizer?”
“Pelo amor de Deus, é esquisito. Todo mundo acha que é
esquisito, não é?” Veronika pergunta para os presentes.
“Odeio concordar com Veronika”, Niall murmura “mas
sempre pensei isso.”
p p
“Argh!” Carla resmunga. “Juro que, se não impuserem limites
a ela, vou sair do condomínio. Vou para algum outro lugar.
Não posso conviver com essa vagabunda estragando nossa
comunidade dia após dia.”
“Carla”, Brenda diz “não dá para expulsar Veronika da
piscina. Ela já pagou a multa dela e não quebrou nenhum
regulamento da piscina que justifique suspensão.”
“Está bem, então”, Carla bufa. “Quero propor uma regra
nova. Diana, pode colocar nas atas?”
“Sim, claro.” Viro às pressas a página do meu caderno de
atas.
“Moção para criar uma regra formal proibindo a presença de
piranhas na piscina.”
“Ah, sua insolente”, Veronika grita, indo para cima de Carla.
Carla grita em desespero, pulando da cadeira e tentando se
proteger atrás da mesa dos membros do comitê. Mas Veronika
não para e, agora, Brenda está com as mãos estendidas entre
elas. Niall se levanta para segurar Veronika, mas ela está uma
fera.
“Já chega!” Nunca ouvi Brenda perder o controle, mas ela
está gritando para o salão inteiro agora. “A reunião está
cancelada hoje! Não sei por que não conseguimos passar por
uma reunião de condomínio sem um incidente grave! Vai todo
mundo para casa! Veronika, desce da mesa, caramba!”
Shane e eu saímos aos tropeços. Preciso me apoiar em seu
braço de tanto que estou rindo.
“Não acredito no que acabou de rolar!” Lágrimas escorrem
do canto dos meus olhos.
“Não quero me mudar nunca desse condomínio”, ele diz,
entre uma e outra risada grave e ofegante.
Quando nos acalmamos, saímos para o sol. Os outros
vizinhos já estão se dispersando, saindo do Sicômoro e
desaparecendo pela trilha.
“Acho que você deveria faltar ao trabalho”, Shane diz. “Não
dá para ignorar o desejo em seus olhos.”
“Não. Não é assim que empregos funcionam.”
q p g
“Beleza, então. Quer uma carona?”, ele oferece.
“Obrigada, mas acho que vou a pé. Está um dia tão gostoso.”
“Está bem, te vejo depois.”
Ele se curva para a frente e eu, para trás.
“O que foi isso?”, questiono.
Shane encara.
“Meu Deus. Eu ia te dar um beijo de despedida.”
“Não. Não vai rolar.”
Estou rindo sozinha enquanto saio para o meu turno no
Della’s. No horário de almoço, olho o celular e encontro certa
movimentação no grupo de vizinhos. Niall, o traidor, cumpriu
a promessa e adicionou Shane, que já mandou algumas
mensagens. Ah, olha ele participando!
Faço minha magia.

Gente, Shane derrubou o celular na piscina e ele


parou de funcionar. E não sei como, mas ele também
perdeu todas as mensagens e os contatos e não dá
para saber se ele vai conseguir recuperar.

VOCÊ REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO “VIZINHOS”.


Logo recebo uma mensagem de Shane.
SHANE
Por que você não me deixa participar?!!

Porque você quer muito.


29

shane

Aimodeuso

“Obrigado por isso”, meu pai diz enquanto Maryanne entra


saltitante no meu apartamento. Ela puxa uma mala roxa de
rodinhas. Não uma bagagem de mão, mas uma mala grande
que um adulto levaria em uma viagem de um mês pela
Europa. Está coberta de adesivos com slogans ridículos de
ciências como: ao átomo e além!
E: ciência é meu superpoder.
E o meu favorito: feminicientista em formação.
“Imagina”, digo ao meu pai. “Você sabe que adoro passar
tempo com a pivetinha.”
Maryanne puxa minha mão.
“Shane, qual é o meu quarto?”
“Só tem um quarto, lembra? E é seu.”
“Sério?”
“Sim, todo seu pelas próximas duas noites.” Aponto para o
sofá em l, onde já empilhei lençóis e um cobertor. “Vou ficar
no sofá.”
Ela entra saltitante no quarto, puxando a mala atrás de si.
“Vou desfazer a mala!”, ela grita.
Viro para o meu pai.
“Quanta coisa ela colocou na mala? Ela só vai passar o fim de
semana.”
“Pois é, sua mãe até tentou acalmá-la, mas ela estava
empolgada demais em passar o fim de semana com o irmão
mais velho. Está se achando toda crescidinha.”
É
É o aniversário de casamento dos meus pais. Eles vão dar um
festão no fim de semana que vem, mas também queriam uma
comemoração a sós, então meu pai vai passar o fim de semana
fora com minha mãe. Maryanne costuma ficar com nossa tia
Ashley quando eles viajam, mas é verão e não tenho
absolutamente nada para fazer, por isso me ofereci para cuidar
dela.
Meu pai se apoia no balcão da cozinha e, quando ergue o
braço para passar a mão no cabelo loiro desarrumado, noto que
seus braços parecem ainda mais magros do que na última vez
em que o vi. Ele deve estar treinando quase tanto quanto eu
nesse verão. Conversamos sobre o acampamento Hockey Kings,
e conto como foi surreal estar no gelo com verdadeiras lendas.
“Vai ser você no ano que vem, filho.”
“Mal posso esperar.” Adrenalina dispara em meu sangue.
“Vou me certificar de que você tenha ingressos para todos os
jogos fora de casa porque vai que você decide pegar um voo
para assistir a algum.”
O olhar dele é um misto de alegria e nostalgia.
“Vou cobrar, hein. Ei, princesa, vem cá. Dá um abraço no
pai.”
Maryanne sai correndo e se agarra na cintura dele.
“Não dá muito trabalho para Shane.”
“Pode deixar. E também vou cuidar para ele não se meter em
encrenca.”
Nossa, como amo essa menina!
Depois que ele sai, viro para Maryanne.
“Tá, o que você quer fazer? Pensei em passar no Della’s para
jantar. Eles têm um zilhão de opções de torta e copos de
milkshake à moda antiga.”
Seus olhos se iluminam.
“Tá legal!”
“Mas só daqui a algumas horas. A menos que esteja com
fome agora.”
“Não, não estou com fome. Quero fazer um vulcão.”
“Fazer o quê?”
q
“Um vulcão.” Ela sorri de orelha a orelha. “Não se preocupa!
Trouxe todas as instruções e materiais necessários.”
Um minuto depois, entendo exatamente por que a bagagem
dela é tão grande. Em algum momento, quando minha mãe
não estava olhando, Maryanne colocou um verdadeiro arsenal
dentro da mala. Estou falando de jornal, bicarbonato de sódio,
vinagre, tubos de tinta acrílica, detergente, e todos os outros
ingredientes e ferramentas necessários para seu projeto
secreto.
“Ai, meu Deus. Como você pode ser minha irmã?” Suspiro.
“Só porque sou muito mais legal que você? Eu sei. Também
me pergunto isso às vezes, mas não questiono por que Deus
decidiu dar você para mim.”
Caio na gargalhada. Essa menina é demais!
“Então por que vamos fazer um vulcão?”
“Porque eu e o papai assistimos a um programa muito legal
ontem à noite sobre uma erupção vulcânica imensa.” Seus
olhos se arregalam. “Já ouviu falar de Pompeia?”
Tento não rir de novo.
“Talvez. Por quê?”
“Foi totalmente destruída por um vulcão. A erupção durou
dezoito horas! E cobriu tudo de cinzas. Pessoas de pedra por toda
parte!”
“Quanto mais te conheço, mais acho que você é mesmo uma
psicopata.”
“Elas morreram, Shane. Não dá para mudar o passado.
Enfim, queria muito fazer um vulcão. Fizemos um na escola
no ano passado e estou louca para fazer outro desde então, e aí
assistimos ao programa sobre Pompeia e pedi para a mãe e para
o pai de novo, mas eles estavam ocupados brigando…”
“Espera, por que eles estavam brigando?”
“Não sei. Mas aí a mamãe finalmente entrou no meu quarto e
disse que não tínhamos nem tempo nem os materiais.”
Maryanne abre um sorriso enorme e dentuço. “Adivinha quem
tem tempo e os materiais?”
Alerta de spoiler: somos nós.
p
Não demora para estarmos colando tiras de papel machê
num vulcão que construímos usando jornal amassado e uma
forma de bolo. Na zona de desastre que antes era minha
cozinha, Maryanne molda nosso Vesúvio em miniatura para
que a parte de cima fique mais estreita que a base, enquanto
me esforço para criar a mais épica maquete da cidade de
Pompeia na base do vulcão. Maryanne é mais artística que eu,
mas acho que minhas árvores de papel machê estão bem
impressionantes. Apesar do que certas pessoas diriam, elas não
parecem gosmas.
Quando meu celular vibra em cima do outro balcão, minhas
mãos estão grudentas demais, então viro para minha irmã.
“Pode ver quem é?”
Ela dá uma espiada.
“É uma mensagem de Dixon. Alguma coisa sobre Zoey.”
Minha irmã rapidamente recita a mensagem de Diana antes
que eu possa impedir, mas, por sorte, essa não é proibida para
menores.
“‘Não esquece de assistir a CoC hoje. Vamos torcer para Zoey
voltar.’” Maryanne franze o nariz. “O que é CoC? Quem é Zoey?
Quem é Dixon?”
“Minha vizinha Diana. Ela só está falando de um programa
bobo de relacionamento a que assistimos.”
“Você assiste?” Maryanne começa a rir.
“Ei, não critica antes de assistir.”
“Tá, vou falar para ela vir e assistir aqui.”
“Não…”
Maryanne já está digitando. Não faço ideia do quê, mas é
tarde demais para impedir. Ela manda a mensagem e volta
correndo para nossa estação de trabalho.
Minhas desconfianças são despertadas quando, alguns
minutos depois, há uma batida hesitante na porta. Seguida pela
voz cautelosa de Diana.
“Lindley, você está bem?”
“Sim, estou”, grito na direção da porta. “Por quê?”
Há uma longa pausa antes de ela responder:
g p p
“Quer que eu chame o Lucas?”
Do que ela está falando? Quem é Lucas? Ela está falando de
Ryder?
“Você está falando de Ryder?” Digo, confuso.
“Shane. Como sua namorada, preciso dizer que estou muito
preocupada.”
Maryanne abre a boca de espanto.
“Namorada?”
“Quem está aí?” Diana grita. “Shane!”
Olho feio para minha irmã.
“Vai lá abrir para ela, por favor?”
Um momento depois, Diana aparece na cozinha. Com o
cabelo preso em um rabo de cavalo, ela está de regata branca e
short rosa.
Por que ela sempre precisa usar shorts tão curtos? Me
deixam louco. Toda vez que ela se abaixa com esses shorts, sua
bunda fica quase toda à mostra. E eu sou obcecado por aquela
bunda. Passo as mãos e a boca nela todas as noites, e não estou
nem perto de me acostumar.
O sexo com Diana só melhora. A memória de cada encontro
é como um gole de água gelada depois de um treino intenso —
é tão satisfatória que você solta um suspiro. E faz mais de uma
semana que ela é meu copo de água gelada.
Estou adorando esse nosso esquema de amigos coloridos. E
não só porque ela é uma gostosa, embora seja mesmo. Já
transei com muitas mulheres atraentes, e só isso não basta para
me manter interessado. Não, o que mais gosto é como ela é
espevitada. Adoro uma mulher que sabe se impor e me colocar
no meu lugar. Dixon faz isso como ninguém. Nunca sei que
maluquice vai sair da boca dela, e meio que adoro isso.
“Que história de Lucas foi aquela?” Pergunto, confuso.
“Ah, eu estava tentando usar um código”, ela explica. “Se
você agisse como se o nome dele fosse Lucas, eu saberia que
você estava em perigo. Sendo sequestrado ou coisa parecida.”
“Por que você achou que eu estava em perigo?”
Ela me ignora, seu olhar descendo mais de meio metro.
g
“Oi, sou Diana. E você é?”
“Sou Maryanne. Muito prazer.” Minha irmã estende a mão.
“A educação dessa menina. Gostei.” Diana responde com um
aperto de mão vigoroso, depois observa nosso projeto com um
sorriso. “O que vocês estão fazendo?”
“Estamos recriando a erupção de Pompeia.”
A boca de Diana se abre por um segundo, depois se fecha,
depois se abre de novo.
“Olha, sou completamente a favor da ciência. Mas não é um
pouco insensível? Muitas pessoas morreram.”
“Vamos fazer uma oração em homenagem a elas antes da
erupção”, Maryanne diz, séria.
Suspiro. Essa menina é tão incrível que não dá nem para
chamar a atenção dela por ser politicamente incorreta.
“Claro”, Diana diz, contendo um sorriso. “Acho que faz
sentido.”
“Por que você achou que eu estava em perigo?” Repito, não
deixando o assunto morrer. Vou até a pia para lavar a
substância viscosa das mãos.
“Por causa da sua mensagem.”
Seco as mãos antes de pegar o celular. Rio quando vejo o que
Maryanne escreveu.

Aimodeuso. Vem e a gente assiste aqui. Aimodeuso.


Torcendo tanto por Zoey!

A resposta de Diana é igualmente engraçada.


DIXON
Não gostei do sarcasmo.

“Não falo coisas como ‘aimodeuso’, nem em três palavras


nem em uma”, resmungo para Maryanne.
“Mas economiza tempo.” Minha irmã observa Diana como se
ela fosse uma de suas lâminas de microscópio. “Você é mesmo
a namorada do meu irmão? Ele disse que você era a vizinha
dele.”
“Sou as duas coisas.” Diana vira para mim para confirmar,
como se quisesse verificar se deve falar a verdade.
Aceno discretamente porque minha irmã parece muito
empolgada com a ideia e acho melhor deixar que ela acredite.
Posso dizer que terminamos depois que o verão acabar.
“Você é tão bonita quanto a última namorada dele”, ela
anuncia. “Talvez mais.”
Os lábios de Diana se apertam.
“Fico lisonjeada. Conheci a última namorada dele, e ela era
linda.”
“Você também é linda”, Maryanne diz com firmeza.
“Bom, obrigada. Mas acho que você ganha de nós duas.”
Maryanne sorri com o elogio e oferece um ainda maior em
resposta.
“Quer ajudar a gente com Pompeia?”
“Claro. Me põe para trabalhar.”
Não fico nem um pouco surpreso que Diana e minha irmã
logo viram amigas. Nosso vulcão acaba sendo um sucesso
estrondoso, com a solução de lava de Maryanne causando o
máximo de estrago enquanto sai borbulhando pelo topo e
escorre pelas laterais. O corante alimentício vermelho dá um
toque extra de morbidez ao projeto.
Mais tarde, quando Maryanne descobre que Diana é
cheerleader e ensina meninas da idade dela no acampamento
de cheerleading, ela implora para que Diana a ensine alguns
movimentos. Quando dou por mim, estamos ao ar livre
praticando cambalhotas, o que logo se transforma em Diana
me forçando a mostrar a Maryanne a coreografia de tango que
gravamos para nossa audição no cndssa. Ainda estamos
aguardando os resultados, mas estou com um bom
pressentimento em relação a isso.
Diana vai jantar conosco, e Maryanne está exausta quando
chegamos em casa, dizendo que quer ir para a cama cedo. Ou
assim pensava eu. Pelo visto, ela está acordada o bastante para
p p
mandar mensagem para nossa mãe contando nosso dia inteiro
tintim por tintim. Sei disso porque, dez minutos depois de
Maryanne ir para o quarto, recebo uma mensagem da minha
mãe.
MÃE
Desculpa, meu único filho homem tem uma
namorada e preciso descobrir isso por meio da irmã
dele de dez anos? E vocês entraram em uma
competição de dança? Essa é uma traição ao código
de mãe e filho, e vamos discutir isso em detalhes
quando vier para nossa festa de aniversário de
casamento no fim de semana que vem.

Ela continua.
MÃE
Pensando bem, traz sua namorada. Vamos adorar
conhecê-la.
30

diana

Mudança interessante

“Não precisava fazer isso”, Shane diz enquanto saímos da


rodovia interestadual. É a décima vez durante nossa viagem de
três horas que ele me informa que não preciso ir. Parece até
que está se arrependendo da nossa excursão de fim de semana.
Já eu estou feliz da vida no banco de passageiro da sua
Mercedes. Amo esse carro. Queria poder roubá-lo para mim. Os
bancos são absurdamente confortáveis e o cheiro é incrível.
Seria de se esperar que ter uma bolsa de hóquei o tempo todo
no porta-malas deixaria aquele cheirinho de homem suado,
mas o carro ainda mantém o aroma de couro caro. É
inebriante. Juro que um dia vou ter grana o suficiente para
comprar uma Mercedes.
“Nós dois sabemos que eu não tinha como dizer não para sua
irmã”, digo a Shane.
No fim de semana passado, Maryanne ouviu Shane rindo por
sua mãe querer que eu fosse à festa de aniversário de
casamento deles e, quando dei por mim, aquela menina fofa
estava puxando minha mão e pedindo: “Vai, por favor!”.
Sério, aqueles olhos grandes e escuros? Não dá para dizer
não para eles. Além disso, adoro uma boa festa.
“Ei, Lynsey vai estar lá?”
“Na festa de aniversário de casamento dos meus pais? Hum,
não.” Seu tom é seco.
“Seus pais gostavam dela quando vocês estavam juntos?”
“Acho que sim.” Ele mantém o olhar fixo na estrada
enquanto dá seta. “Diziam que sim.”
A resposta não é convincente. Interessante. Meu lado curioso
desperta. Tomara que eu consiga interrogar um pouco os pais
de Shane nesse fim de semana e descobrir a verdade. Porque,
se eles não estavam animados para receber a menina com
quem ele namorou por quatro anos, com certeza a história não
acaba por aí.
Shane me olha de esguelha.
“É sério que você não está incomodada em ir a um evento de
família comigo?”
“Não. Por que estaria?”
“Você não está nervosa?”
“Não fico nervosa.”
Ele parece impressionado.
“Nunca?”
“Não.”
Bom, tirando aqueles ataques de ansiedade irritantes que
pareço ser incapaz de controlar. Pensei que, se eu
simplesmente não pensasse em Percy, eles passariam. Mas, nos
últimos tempos, estou acordando com acessos de pânico
aleatórios. Hoje cedo, por exemplo, abri os olhos e o primeiro
pensamento que surgiu foi a memória do soco de Percy. Eles
começaram a acontecer também à noite, quando estou
trabalhando no turno noturno do Della’s. Acabei precisando
comunicar meu gerente que faria menos turnos noturnos,
colocando a culpa da mudança de horário nos meus ensaios de
dança.
O único ponto positivo nessa situação toda é que Percy tem
mantido distância em Meadow Hill. Imagino que seja por
causa de Shane, e sou mais do que grata por ter Shane no
condomínio…
… palavras que nunca pensei que diria em toda minha vida.
Mas, se Shane não estivesse por perto, mal consigo imaginar
como seria insuportável topar com Percy na trilha ou na
piscina. Eu ficaria trancada no meu apartamento,
p p
provavelmente sofrendo com ainda mais ataques de ansiedade
do que já estou tendo.
“Quando estivermos lá, vamos tentar dar uma segurada nas
brigas, pode ser?”
A voz de Shane me traz de volta ao presente.
“Brigas?”, repito.
“Sabe.” Ele sorri. “Como você vive me criticando por uma
coisa ou outra.”
“Não critico você.”
“Claro que critica.”
“Simplesmente aponto verdades que você não gosta de ouvir.
Não é culpa minha que seu ego não consiga aguentar.”
“Meu ego está indo muito bem, obrigado… isso”, ele se
interrompe, acenando a mão entre nós. “É disso que estou
falando. As discussões. Meus pais não são assim. Eles são muito
tranquilos e completamente apaixonados. Eles não brigam nem
tiram sarro um do outro.”
“Não sei se isso é entediante ou fofo.”
“Confia em mim, eles são companhias divertidas. Não são
entediantes. Só estou pedindo para dar uma segurada nisso.”
“Você está falando de mim.” Tento não deixar transparecer a
irritação. “Você quer que eu me modere.”
“Ah, você entendeu o que eu quis dizer.”
Não, não entendi. Mas dane-se. Ainda bem que não estamos
juntos de verdade porque está aí uma coisa que eu nunca
gostaria de ouvir de um namorado. Que eu deveria segurar
alguma parte da minha personalidade. Quer dizer que ele não
me ama como sou. Quer dizer que…
E por que estou dissecando o que Shane sente por mim? Tudo
o que importa é o prazer que ele proporciona para mim… na
cama. E, nossa, ele sabe exatamente o que está fazendo nesse
campo.
Aliás, a única coisa que me “incomoda” sobre passar o fim de
semana em Heartsong, Vermont, com a família de Shane é que
provavelmente isso significa que não vamos transar.
Uma estrada rural sinuosa se estende diante de nós enquanto
Shane passa por uma placa azul que nos dá as boas-vindas a
Heartsong. Não muito depois, me vejo em um verdadeiro
conto de fadas. Uma cidadezinha charmosa situada entre
colinas ondulantes e emoldurada por uma cobertura de
carvalhos. O ar traz o cheiro de grama e flores silvestres pela
minha janela aberta.
Mais à frente, encontro outra placa: uma de madeira antiga
declarando orgulhosamente o nome da cidade de novo.
“Ai, meu Deus, essa é a coisa mais Vermont que já vi na
vida.”
Ele suspira.
“Eu sei.”
Seguimos pela rua principal, que está cercada de fachadas
congeladas no tempo: uma mercearia, uma farmácia, uma loja
de sidra artesanal, uma taverna. Cada prédio é decorado com
toldos coloridos e metais ornamentados. Quando a praça da
cidade aparece, juro por Deus que eu perco o ar. Ela tem uma
torre de relógio e uma fonte.
Passamos por um parquinho onde crianças estão gritando de
rir e por uma sorveteria com uma fila de clientes esperançosos
virando o quarteirão.
“Nossa, é como se uma cidadezinha charmosa tivesse
engolido uma cidadezinha charmosa menor e vomitado em
cima de uma terceira cidadezinha charmosa para criar uma…”
“Entendi”, ele interrompe, rindo.
“É fofa até demais. Foi aqui que você cresceu?”
“Sim. Nasci em Burlington, onde meus pais se conheceram.
Mas eles se mudaram para cá depois que me tiveram. E você?”
“Não muito longe daqui, na verdade”, digo. “Cresci em uma
cidade pequena também. Oak Ridges. Fica no norte de
Massachusetts, bem na fronteira com Vermont.”
“Ah, nossa, é perto. Sempre passo por lá.”
“Meu pai e minha madrasta moram lá. Minha mãe é de
Savannah, mas foi para o mit e depois arranjou um trabalho
em Boston. Conheceu meu pai lá.”
p
“Ele é policial, né?”
“swat.”
“Que massa.”
“Pois é. Se um dia vocês se conhecerem, pede para ele te
contar algumas histórias. Ele já esteve envolvido em dois
sequestros com reféns, um em que tiveram que atirar no
sequestrador.”
Shane assobia baixo.
“Porra. Foi ele quem apertou o gatilho?”
“Não, um dos snipers, mas ele deu a ordem. Meu pai diz que
às vezes isso é ainda mais difícil. Saber que você ordenou a
morte de alguém, mas mandou outra pessoa fazer o trabalho
sujo.”
“É, não consigo nem imaginar.”
Ele entra em uma rua residencial cercada por mais árvores
antigas. A luz do sol atravessa as folhas, projetando desenhos
de luz e sombra na rua. Essa cidade é deslumbrante.
“É aqui”, Shane diz, parando na frente de uma bela casa
vitoriana com um alpendre e uma garagem larga de três
carros. “Pronta, namorada?”
“Nasci pronta, namorado.”
Ao entrarmos, somos recebidos pelos pais de Shane e o
furacão Maryanne que coloca os braços ao redor da minha
cintura num abraço extasiado.
“Você veio!”, ela exclama. “Estou tão feliz!”
Fico obcecada pelos pais de Shane a partir do momento em
que os conheço. O pai, Ryan, é cheio de piadas e sorrisos, e a
mãe dele é mais acolhedora do que eu esperava. Costumo me
dar bem com os pais de namorados, enquanto as mães me
interrogam a todo momento. Mas April Lindley, embora faça
algumas perguntas curiosas sobre o meu relacionamento com
o filho, me trata desde o começo como uma filha que não vê
há muito tempo.
Eu me sinto um pouquinho mal por mentir sobre nosso
relacionamento, mas, quanto mais conversamos, mais me dou
conta de que não estou mentindo tanto assim. Rio sobre como
q
ele me aporrinhou o ano todo. Como parte de mim ainda não
acredita que o deixei me convencer a ser sua namorada. E nada
disso é mentira — se trocar namorada por amiga colorida, foi
exatamente o que aconteceu.
Deus me ajude, mas somos amigos agora. Temos uma série
de tv a que assistimos juntos toda noite. Somos até parceiros
de dança. Um fato que a mãe de Shane acha engraçadíssimo
quando comentamos sobre isso durante o jantar.
“Não quero nem saber como você fez aquele menino aceitar
uma coisa dessas”, April diz, rindo por trás do copo d’água.
“Você deve ser especial mesmo”, o pai concorda, sorrindo
para mim.
Os Lindley formam um casal improvável. April é elegante.
Extremamente arrumada. Está vestindo uma calça bege e uma
blusa de seda para um jantar na própria casa. Ryan, por outro
lado, passa um ar mais desleixado com sua calça de moletom e
seu cabelo loiro-escuro até o queixo. Ele parece mais alguém
que deveria estar surfando em vez de administrando um
negócio bem-sucedido multimilionário.
E Maryanne, bom, é Maryanne. Ela me mostra seu quarto, os
troféus de ciências, os livros favoritos. Minha cabeça está zonza
quando me leva ao quarto de hóspedes, onde vou ficar. Fico
um pouco aliviada pela regra da casa Lindley: é proibido
dormir no mesmo quarto. Se eu dividisse a cama com Shane,
seria impossível que seu pênis considerável não aparecesse e
ainda mais impossível que eu não fizesse barulho quando ele o
usasse em mim. Melhor resistir à tentação.
“Oi.” Shane aparece no batente da porta. “Minha mãe disse
que, se precisar de mais travesseiros ou lençóis, eles estão no
armário de roupas de cama ao lado do banheiro de hóspedes.”
“Obrigada. Fecha a porta? Quero me trocar.”
Ele entra e fecha a porta atrás de si. Enquanto tiro minha
regata justa e a substituo pela camiseta larga, Shane inclina a
cabeça, os olhos brilhando de sedução.
“Você quer que eu entre de fininho depois que todos
estiverem dormindo?” Eu estava pensando agorinha que não
p g q
deveríamos transar. O que significa que a resposta para essa
pergunta deveria ser não.
Mas, quando abro a boca, o que escapa é o monossílabo
errado.
“Sim.”

A festa de aniversário de casamento dos Lindley está


acontecendo no grande cômodo privativo de um restaurante
que também funciona como salão de festas. Quando entramos,
somos recebidos pelo burburinho animado de conversas e pelo
aroma convidativo de comida italiana. O grande espaço, de
iluminação suave, tons terrosos e móveis rústicos de madeira,
proporciona uma atmosfera acolhedora que traz um sorriso aos
meus lábios. No fundo da sala, uma bandinha toca música
bluegrass acústica.
Acho que estou apaixonada por Heartsong, e por Vermont.
Deve haver umas sessenta pessoas presentes, mas Shane só
tem tempo de me apresentar a algumas antes de sermos
conduzidos até nossa mesa de jantar. Todas as mesas são
decoradas com centros de mesa simples, e fomos colocados
junto com os pais e a irmã dele, a irmã gêmea da mãe, Ashley,
e os avós maternos de Shane.
Como disse a Shane ontem, não fico nervosa nesses eventos.
Hoje não é exceção, embora isso possa ter algo a ver com o fato
de todos serem muito simpáticos e acolhedores.
Enquanto os funcionários do restaurante se movem
graciosamente entre as mesas, a família de Shane nos entretêm
com histórias que me fazem chorar de rir. Pelo visto, os pais de
Shane eram namoradinhos de escola. A avó dele me conta
sobre a primeira vez que April levou o pai de Shane para
conhecer os pais dela e que o jovem Ryan de dezessete anos
estava tão desesperado para causar uma boa impressão que não
quis admitir que seu estômago não aguentava comida
apimentada. Então, quando a mãe de April serviu um chili
mega picante no jantar, ele comeu até a última garfada — e
acabou todo vermelho, com o nariz escorrendo e vomitando
no banheiro de cima.
O avô de Shane intervém, dizendo que foi aí que ele soube
que “o branquinho era para casar”. Segundo o pai de April,
você sabe que um homem realmente ama uma mulher quando
está disposto a se humilhar na frente da família dela.
Não sei se estou imaginando, mas juro ver certa tristeza no
rosto do sr. Lindley enquanto seus sogros contam a história.
Ele pega a mão de April e sei que não estou imaginando
quando ela aperta a mão dele, quase como um aviso. Mas,
quando seus olhares se encontram durante o brinde da irmã
dela, não há como disfarçar o amor que sentem um pelo outro.
“Você tem sorte”, sussurro para Shane enquanto os
funcionários começam a tirar nossos pratos. “Amo minha
madrasta, mas às vezes a criancinha dentro de mim ainda
queria que meus pais tivessem ficado juntos.”
“Sinceramente, não consigo nem imaginar o que eu faria se
meus pais se divorciassem. Eles foram meu exemplo a vida
toda, sabe? Mostraram como o amor realmente deve ser.” Em
um momento raro de vulnerabilidade, a voz de Shane embarga.
Meu coração amolece com isso. É bonito ver o amor
profundo pelos pais refletido nos olhos de Shane. Tenho a
impressão que ele é muito mais complexo do que aparenta.
Que é mais do que o jogador de hóquei convencido e irritante
que só quer transar comigo.
Então, é claro que ele estraga o momento olhando para os
meus peitos.
“Para de olhar para o meu decote”, repreendo.
“Não consigo evitar. Como pode ser tão bonito? Seus peitos
nem são tão grandes.”
“Não se deve comentar sobre o tamanho dos seios de uma
mulher. É indelicado.”
“Não disse que não gosto deles.” Ele passa a língua nos
lábios. “Não discrimino ninguém. Todos os tamanhos e
formatos são bem-vindos na Lindleylândia.”
y
“Credo, Shane.”
Ele apenas ri, incorrigível.
Depois do jantar, começa a dança. O salão se transforma de
um ambiente tranquilo com música acústica para uma festa
animada, com a banda tocando um misto de blues, country e
soul.
A pista de dança, sempre um espetáculo à parte, chama por
mim. Acho que é por isso que nunca me sinto deslocada em
festas. Mesmo em festas como esta, em que não conheço quase
ninguém. Enquanto houver música no ar e chão sob meus pés,
sempre vou me sentir à vontade.
Estou prestes a arrastar Shane para dançar comigo quando
seu pai me surpreende me convidando primeiro.
“O que me diz, Diana?” Ryan me estende a mão e um
sorriso.
“Com certeza.”
Entramos no grupo crescente de pessoas na pista de dança. O
pai de Shane apoia uma das mãos na minha cintura e segura a
minha mão com a outra, e começamos a nos mover ao ritmo
animado da música. A música alta, combinada com o
burburinho das conversas e o tilintar de copos, torna difícil
ouvirmos um ao outro, então ele aproxima o rosto do meu
ouvido.
“Você é uma mudança interessante”, ele brinca. “Diferente.”
“Em que sentido?”
Ele dá de ombros e me gira, exibindo passos muito bons.
“Ei, você dança bem”, elogio, com uma surpresa agradável.
“Melhor do que Shane.” Sorrindo, inclino a cabeça. “Quer
participar da competição no lugar dele?”
“De jeito nenhum”, ele diz, bem-humorado.
Rio.
“Justo. Não é para todo mundo.”
“Ainda não consigo acreditar que você convenceu meu filho
a participar.”
“Pois é, mas ele está indo bem”, digo, relutante. A
curiosidade continua me incomodando. “Por que você disse
q
que sou diferente?”
Basta dizer essa palavra, diferente, para causar um leve aperto
de insegurança no meu peito. Porque sei que ele está certo.
Sou mesmo diferente. Sempre senti isso, e não só por ter um
temperamento forte.
Sou diferente da minha família em Savannah, que me vê
como uma garota desbocada e agressiva, corrompida pelo
norte, que não sabe quando se calar e manter as aparências.
Sou diferente do meu irmão mais novo, que é tão
incrivelmente inteligente e determinado a salvar o mundo.
E com certeza sou diferente da minha mãe, que não me acha
inteligente o bastante para estar no mesmo ambiente que ela.
Talvez seja por isso que eu ame a forma como meu pai me vê
— imbatível, invencível. Sei que só existe uma opinião que
deveria importar, a minha. Mas, para mim, a lente através da
qual eu gostaria de me enxergar é a do meu pai. Porque a visão
que ele tem de mim é a melhor.
“Você o faz rir muito”, o pai de Shane diz, sua voz grossa me
tirando dos meus pensamentos deprimentes.
Abro um sorriso.
“Acho que só encho muito a paciência dele.”
“Isso também.”
“Obrigada”, digo, fingindo estar magoada.
Ryan sorri.
“Mas ele precisa disso. Meu filho precisa do desafio.” Seu
olhar se volta para o outro lado do salão. “Todos os homens da
família Lindley precisam.”
Ele está olhando para a mãe de Shane, que conversa com a
irmã gêmea e algumas outras mulheres às quais não fui
apresentada. Um sentimento incômodo me invade quando
noto a nostalgia nos olhos dele. O leve toque de tristeza. Tenho
certeza agora, e me pego torcendo para que os pais de Shane
não estejam tendo problemas. Eles parecem um casal muito
incrível.
Ryan me gira de novo.
“Também notei que ele está muito mais relaxado. Com você,
digo.”
Comparado à Lynsey? Quero perguntar.
Mas resisto ao impulso. Já sei a resposta, afinal vi com meus
próprios olhos como Shane agia quando Lynsey estava por
perto. Naquela noite, ele estava mais sério. Contido,
escolhendo as palavras. Não sei se era para impressionar
Lynsey ou não irritá-la, mas com certeza notei a diferença. É
um alívio saber que os pais dele também notaram a mudança
de comportamento dele com a ex. Pelo menos desconfio que
tenham notado.
“Gosto de vocês dois juntos”, Ryan diz. “Acho que…”
“Posso interromper?”
Shane, é claro.
Seu pai me entrega sem reclamar, batendo no ombro do filho
antes de sair. Shane assume seu lugar, colocando um braço ao
redor da minha cintura para me puxar para perto.
“Vamos apresentar nosso tango para os convidados?”, brinco.
“Prefiro morrer.”
Encosto o rosto em seu peito para segurar o riso.
“E depois a dramática sou eu.”
Quando levanto a cabeça, ele está de novo concentrado em
meu decote. Calor se espalha pelo meu corpo, e não só porque
seus olhos estão revelando o quanto ele quer me ver nua.
Dançar com Shane é muito gostoso. Como ele é muito alto e
eu sou muito baixa, não era para funcionar, mas de alguma
forma funciona. Nós nos encaixamos.
“O que meu pai estava dizendo?”, ele pergunta, curioso.
“Ah, sabe. Que sou maravilhosa e que ele adora nos ver
juntos e que sou a melhor namorada que você já teve.”
“Sim. Tenho certeza que ele disse isso tudo. Exatamente com
essas palavras.”
“Bom, ele disse que gostava de nos ver juntos. Essa parte é
verdade.”
“Sabe quem mais gostaria de nos ver juntos?” Shane pisca
para mim.
p
“Seu pau.”
“Exatamente.”
Para: [email protected]
De: [email protected]
Prezada sra. Dixon,
Temos o prazer de informar que sua inscrição para o Campeonato Nacional de Dança de Salão
Amadora Avançada deste ano foi aprovada. Você está inscrita nas seguintes categorias:
American Smooth Duo
American Rhythm Solo
Por favor, consulte o pacote de boas-vindas em anexo para mais informações.
Atenciosamente,
Susan Hiram
Diretora de Operações
31

diana

Pau movediço

Uma semana depois da minha visita à família de Shane, fiz a


prova final do vestido para o casamento de Gigi em Boston.
Quando acabamos, saio para jantar com ela e sua prima Blake,
outra madrinha. Blake vai estudar na Briar a partir do mês que
vem, entrando no primeiro ano, e estou animada em tê-la por
perto. Poucas pessoas nesse planeta chegam aos pés do
sarcasmo de Blake Logan.
Como estou nadando em dinheiro graças aos anúncios do
Ride or Dance, decido me dar ao luxo de pegar um Uber de
volta a Hastings em vez do ônibus. Mando mensagem para
Shane enquanto entro no Sicômoro. Fizemos planos de
celebrar esta noite a notícia mais importante que alguém já
recebeu na história de toda a civilização humana.
cndsaa, pessoal! Aqui vamos nós.

Quase chegando.

SHANE
Está de vestido?

É uma pergunta estranha e, ao mesmo tempo, não se vinda


de Shane.

Sim. Por quê?


SHANE
Fica de vestido. Tira a calcinha. Deixa a porta
destrancada.

Essas três frases concisas me dão um frio na barriga. Nossa.


Não imaginava o quanto curtiria isso. Todos sabem que quem
manda no relacionamento sou eu.
Mas adoro não mandar na cama.
Nem na minha própria calcinha, pelo jeito.
Como ele pediu, deixo a porta destrancada. Shane entra não
muito depois de mim. Está sem camisa e descalço, com uma
calça jeans velha de cintura baixa ao redor do quadril. Ele é tão
absurdamente lindo que não consigo desviar os olhos.
“Seguiu minhas instruções?”, ele pergunta, erguendo o
queixo.
“Sim.”
“Me deixa ver.”
Curvando os lábios, ergo a barra do vestido para revelar que
estou sem nada por baixo.
“Muito bem”, ele elogia.
Ele se aproxima, colocando uma mão ao redor da minha
cintura, a outra em volta da minha nuca enquanto se abaixa
para me beijar. Nossas línguas se encontram e, como sempre,
isso provoca um choque elétrico lá embaixo. Ele aperta minha
bunda e me levanta, e minhas pernas se enroscam ao redor
dele instintivamente enquanto nos beijamos.
Devagar, vai para a frente até minhas costas estarem
encostadas na parede ao lado da porta da sacada. Seu quadril
está se movendo, o zíper e o botão da calça jeans roçando sobre
o tecido fino do meu vestido, criando uma fricção deliciosa em
minha buceta.
“Quero te comer aqui nessa parede”, ele murmura no meu
ouvido.
“Me come”, imploro.
Estou sem ar. Não preciso nem de preliminares. Estou muito
molhada e, quando ele tira a mão da minha bunda e a coloca
entre minhas pernas, geme alto. Ele sente como estou pronta.
“Estava esquecendo, tenho uma coisa para te mostrar”, ele
diz de repente.
Para minha decepção, ele me coloca no chão. E pega o
celular no bolso de trás da calça.
“Isso lá é hora?”, questiono.
“Confia em mim, é sim.”
Ele abre uma foto e me dá o celular. Meu coração dá uma
cambalhota ansiosa. É um relatório médico de dois dias atrás.
Exames de saúde negativos.
“Olha só você, sem clamídia”, brinco. Nós dois cumprimos
meus requisitos agora. Mandei meus resultados para ele na
semana passada. Fui testada no posto de saúde quando fui
pegar meu anticoncepcional.
“Mas”, ele diz, levando a mão ao outro bolso “trouxe uma
camisinha por via das dúvidas.”
Ele ergue o quadradinho de plástico. Eu o pego da mão dele,
virando-o entre os dedos algumas vezes. Shane me observa.
Depois o lanço para longe. Faz um barulhinho ao bater em um
porta-retrato ao lado da tv e cai no chão.
Os olhos de Shane ardem.
“Tem certeza?”
“Tenho.”
E nos beijamos de novo. Agora suas mãos estão frenéticas,
apalpando meus seios por cima do vestido, deslizando entre
minhas coxas novamente, um dedo longo dentro de mim.
Eu o aperto, gritando de prazer antes de me dar conta que a
porta da sacada está aberta.
“Espera, vamos fechar”, digo, tirando minha boca da sua.
“Daí você pode me comer na parede à vontade.”
“Ou”, ele responde. Seu olhar malicioso se volta para o vão.
“Vai para a sacada.”
“Como assim? Não. Não podemos.”
“Podemos sim. Na verdade, acho que precisamos estar lá
fora.”
Meus pés se movem por vontade própria até eu estar do lado
de fora. Minha sacada dá para a piscina, mas é de noite, e não
tem ninguém lá. As áreas externas de Meadow Hill estão
sossegadas. Além das luzes difusas na trilha e do brilho azul da
piscina, o pátio está envolto em sombras.
“Fica aqui”, Shane diz com a voz baixa.
Meu coração acelera enquanto ele volta para dentro do
apartamento. Uma a uma, eu o vejo apagar todas as luzes.
Quando volta, já está desabotoando a calça jeans.
“Shane”, aviso. “Qualquer pessoa pode ver a gente.”
“Talvez antes. Aquelas luzes eram como um farol. Agora, se
alguém olhar para cima, está escuro demais para ver o que
vamos fazer agora.”
Engulo a expectativa que se forma na minha garganta.
“E o que vamos fazer?”
Em vez de responder, ele ergue meu vestido por trás.
“Mãos na grade.”
Meu corpo está pulsando com a mais pura necessidade
quando dou um passo à frente e coloco as duas mãos sobre a
beira da sacada. É só um andar acima, mas parece uma altura
vertiginosa. Ou talvez eu esteja tonta de desejo.
Shane chega por trás. Viro a cabeça. Ele ainda está de calça,
mas está desabotoada. Com uma mão, ele coloca o pau para
fora.
“Olha para a frente”, ele sussurra.
Engolindo em seco, viro a cabeça e olho para a piscina. De
frente, estou completamente vestida. Atrás, minha bunda está
exposta aos toques de Shane. Sinto a ponta do seu pau subindo
e descendo na minha bunda.
Ele aproxima a boca do meu ouvido.
“Se der um pio, eu paro.”
Ai, meu Deus.
Estamos ao ar livre. A brisa morna de fim de verão sopra
sobre nós, acariciando minhas bochechas ardentes. Shane
desce o pau pela minha bunda em direção ao lugar que está
louco por ele. Mordo o lábio com força para não gritar quando
É
p ç p g q
a cabeça entra em mim. É ele quem faz barulho, para minha
satisfação. Um gemido estrangulado.
“Quietinho ou vamos parar”, tiro sarro.
Ele responde se inclinando para a frente para morder meu
ombro.
“Você não faz ideia de como é incrível a sensação. Você está
encharcando meu pau.”
Ele tem razão, estou mesmo. É a primeira vez que transamos
sem camisinha, e estou muito molhada. Tudo nessa transa está
me excitando. O ar da noite. O fato de estarmos ao ar livre.
Para um transeunte, parece que estou simplesmente na sacada
com Shane atrás de mim. Admirando as estrelas, talvez.
Só eu sei que metade do pau dele está dentro de mim.
Ele recua, até a cabeça pairar na entrada. Depois, com um
movimento igualmente lento, empurra de volta, centímetro
por centímetro. Faz isso uma, duas, dez vezes. É torturante. O
ritmo é puro tormento. Não há nada que eu queira mais do
que empinar a bunda e dar para ele de maneira intensa e
agressiva, mas quando tento empurrar para trás, ele crava os
dedos na minha bunda esquerda em repreensão.
“Não se mexe. Fica paradinha e aceita.”
Isso deveria me irritar, mas não irrita. Quero aceitar tudo.
Quero ficar paradinha e deixar que ele me coma. Depressa,
devagar, como ele quiser.
Seus lábios estão no meu ouvido de novo.
“Confia que te faço gozar.”
Mordo o lábio. É difícil ceder porque conheço meu corpo
melhor do que ele. Sei do que preciso.
Mas estou enganada. Shane também sabe do que preciso. Ele
prova isso me empurrando um pouco para a frente, me
posicionando diretamente em frente de uma das grades
verticais do guarda-corpo.
“Dobra um pouco os joelhos.” Suas mãos ainda estão na
minha bunda. Seu pau ainda está dentro de mim.
Enquanto faço o que ele manda, ele me empurra para a
frente e meu clitóris toca a grade.
g
Gemo.
“Diana”, ele alerta.
“Desculpa.” Engulo em seco, fora de mim.
Ai, meu Deus. Agora, a cada vez que ele mete, há uma leve
pressão da grade em meu clitóris. Isso passou de tormento a
pura tortura. Meu coração está batendo rápido demais. Só
existe um pensamento em minha cabeça: mais, mais, mais.
Ele me dá mais, tirando, depois voltando a meter até o talo,
girando o quadril a cada vez. Ouço sua respiração acelerar. Ele
não está nem me tocando com as mãos. Está com as duas mãos
na grade ao redor do meu corpo, os dedos ao lado dos meus
punhos cerrados.
Meu clitóris está latejando. Na vez seguinte em que é
pressionado contra a grade, começo a sentir um ardor
impaciente de urgência. Esse é o sexo mais ousado que já fiz.
Quero me mover mais rápido, mas ele me pediu para confiar,
então confio. E não demora muito para ele estar me comendo
com estocadas longas e profundas. Sinto o orgasmo tentando
chegar à superfície. Se ele for um pouco mais rápido, só um
pouquinho mais rápido…
“Boa noite.”
Congelo. Shane fica completamente imóvel.
Lá embaixo, Dave e Marnie estão seguindo a trilha segurando
raquetes de tênis.
Agora? Agora é a hora que eles decidem jogar tênis?
Tudo bem, as quadras ficam iluminadas até a meia-noite, e
eles são uma família de tenistas, então acho não é algo tão
incomum assim. Mas mesmo assim.
“Noite agradável, hein?” A voz de Shane sai um pouco rouca.
“Linda”, Dave confirma.
“O que vocês estão aprontando?” Marnie pergunta.
Estou dando neste exato momento, quase deixo escapar.
Não consigo decidir se essa é a situação mais constrangedora
ou a mais sexy que eu já vivi. Minha respiração acelera. O pau
de Shane está dentro de mim. E esse casal está lá embaixo,
conversando como se eu não estivesse prestes a ter um
orgasmo na frente deles.
“Eu e Diana estávamos discutindo se aquele é o cinturão de
Órion ou um conjunto de estrelas aleatório. Ela tem certeza
que é Órion.”
Dave e Marnie esticam o pescoço para o céu escuro.
Pensei que isso fosse um truque de Shane para ter a
oportunidade de tirar, mas ele não sai. Continua dentro de
mim. Sua mão roça meu quadril imperceptivelmente. Sinto
um calafrio. Rebolo nele muito devagar e ouço um palavrão
abafado.
“Não. Desculpa, Diana, aquele não é o cinturão de Órion”,
Dave confirma. “Você perdeu.”
Não, acho que ganhei. Porque, puta que pariu, que delícia.
“Enfim, quem sabe um dia não podemos jogar em duplas”,
Marnie diz com um sorriso radiante. Ela ergue a raquete de
tênis.
“Sim, com certeza”, Shane diz sem hesitar.
“Maravilha. Enfim, bom fim de noite”, ela diz, e eles seguem
caminho, andando devagar demais para o meu gosto.
Depois que eles vão embora, Shane envolve os braços ao
redor do meu peito e me guia de volta ao apartamento. Dessa
vez, ele fecha a porta da sacada.
“Você é perverso”, acuso. “Acha que eles perceberam?”
“Ah, eles não fazem ideia. Eles são o casal mais ingênuo que
já conheci na vida. Sem falar que nem devem lembrar o que é
sexo. Ouvi Dave contar para Ralph na academia outro dia que
eles não transam.”
“Ah, que triste.”
Ele parece estar tentando não rir.
“Podemos parar de falar sobre a falta de vida sexual de Dave
e Marnie e focar no fato de que ainda estou dentro de você?”
“Ah, sim. Esqueci.” Abro um sorriso inocente para ele.
Ele me responde com um tapa na bunda. Depois me
empurra na direção do sofá e me inclina de modo que fico
dobrada sobre o braço.
ç
“Desculpa, gatinha. Já aviso que vai ser rápido.”
“Tudo bem”, digo, e aperto uma das almofadas do sofá
enquanto ele volta a me comer.
É um ritmo implacável, seu quadril se movendo com força,
me preenchendo com estocadas longas e profundas que fazem
pontos pretos surgirem na minha visão. Minha pelve roça no
sofá. Eu não conseguiria segurar o orgasmo nem se tentasse. É
quase avassalador, ondas de clímax me atingindo até eu não
passar de uma massa de prazer. Eu o ouço gemer enquanto
jorra dentro de mim. Nós dois estamos ofegantes.
Continuamos nessa posição, recuperando o fôlego. Nossa. Só
melhora com esse cara. Não é justo. Não era para ele ser tão
bom de cama.
Finalmente, ele tira com toda a delicadeza.
“Fica aí”, ele diz com a voz grossa. “Vou pegar alguma coisa
para te limpar.”
Isso me lembra que não usamos camisinha, e entendo por
que meu cérebro está em curto-circuito. Sexo sem camisinha é
diferente para mim. É alucinante.
Depois que nos limpamos, Shane pergunta se quero entrar
embaixo da coberta e assistir a um filme, mas faço que não.
“Não”, digo. “Podemos pegar no sono.”
“E daí?”
“E daí que não vamos passar a noite juntos”, eu o lembro.
Aponto para minha sala. “Este é o meu espaço.” Aponto para a
parede que separa nossos apartamentos. “Aquele é o seu
espaço.” Aponto para nossos genitais. “E esse é nosso espaço.”
Shane ri.
“Entendi. Amigos coloridos. Mas dormir juntos… não é uma
vantagem.”
“Exato.”
“Tá. Nesse caso, vou deixar você em paz, Dixon. Amanhã,
mesmo horário?”
Suspiro. Quero responder que não, mas nós dois sabemos
que seria da boca para fora.
Estou envolvida demais com seu pau movediço.
32

diana

Quanto maior, melhor

“Minha maquiagem já era. Está mortinha da Silva. Pode


enterrar e fazer o discurso fúnebre”, suspiro olhando para meu
reflexo no espelho.
Acho que meu rosto não tinha a menor chance,
considerando que acabei de assistir à cerimônia de casamento
mais emocionante de todos os tempos. E as emoções
desenfreadas nem vieram dos noivos! Claro, Gigi estava com
lágrimas nos olhos quando recitou seus votos, e juro ter
ouvido a voz de Ryder embargar várias vezes, mas as
verdadeiras comportas emocionais foram abertas pelos pais de
Gigi, que choraram o tempo todo. Garrett Graham segurando o
choro enquanto entregava a filha para Ryder deve ter sido a
coisa mais linda que já vi na vida.
“Confia em mim, todas as maquiagens estão arruinadas”,
Mya Bell diz, irônica. Linda e escultural, a outra madrinha para
ao meu lado na frente do espelho de corpo inteiro, passando
delicadamente o dedo sobre o rímel borrado.
“Sério, preciso retocar para sair nas fotos da festa.” Isso vem
da mulher mais bonita do mundo: Alessandra Tucker.
Com seu cabelo escuro brilhante, olhos castanhos, e traços
impecáveis e simétricos, ela é perfeita. É uma loucura que eu
esteja ao lado de uma supermodelo. Sempre que vejo aquelas
modelos influenciadoras na internet, suponho que todas as
partes da aparência delas foram photoshopadas ao extremo.
Com Alex, eu sabia que ela não devia ser tão diferente
pessoalmente, já que a vi em desfiles, onde não é tão fácil
aplicar filtros, mas juro que ela é ainda melhor ao vivo.
Estando aqui do lado dela, não consigo encontrar nenhum
defeito.
E, quando dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo
lugar, mal sabem eles. Cai sim. Porque a irmã mais velha de
Alex, Jamie, também é deslumbrante. Jamie herdou o cabelo
ruivo do pai, e seus traços são um pouco mais suaves do que os
de Alex, mas, para ser sincera, eu não gostaria de estar na
posição de escolher quem é mais bonita. É impossível.
Jamie está do outro lado do ambiente conversando com a
mãe, Sabrina. As duas são advogadas. A genética Tucker é
impressionante. Beleza e inteligência.
Molly Fitzgerald quase derruba as duas. Ela está saltitante de
entusiasmo depois de arrasar na sua primeira vez como dama
de honra. A mãe de Molly, Summer, finalmente a segura e diz:
“Gosto da energia. Mas será que podemos dar uma
acalmada?”
“Sim, porque você é perfeitamente capaz de controlar sua
energia”, Brenna Jense diz com sarcasmo para a loira vestida de
maneira impecável. Nenhuma dessas mulheres estava no grupo
de madrinhas, mas, como amigas próximas da família, têm a
vantagem de usar a sala de madrinhas.
São muitas mulheres bonitas nessa sala. Chega a me deixar
insegura. Acho que Mya sente o mesmo porque me puxa de
lado e sussurra:
“Sou a única intimidada aqui?”
“Não.”
Ela ainda está olhando para Alex Tucker.
“Que bom. Porque isso é meio surreal.”
É mesmo. E fica ainda mais surreal quando chegamos à festa,
que está sendo dada ao ar livre nos jardins bem cuidados do
clube de campo. A área toda está decorada com luzinhas
delicadas que piscam como estrelas no céu do crepúsculo. Até
o clima parece encantado pelos Graham, dando a eles um
anoitecer perfeito. Uma noite quente, sem nuvens e sem um
pingo de umidade no ar.
A mesa principal fica sob uma pérgula de madeira decorada
com flores brancas e trepadeiras verdes. As outras mesas,
cobertas com toalhas de seda marfim e centros de mesa florais
em tons de sálvia e branco, rodeiam uma pista de dança
resplandecente.
Entro de braços dados com Beckett. Ele voltou da Austrália
bronzeado, gato e absolutamente pegável em seu terno preto.
Nós nos sentamos à mesa dos padrinhos, todos com os olhares
voltados para a mesa principal, onde Gigi e Ryder estão
sentados como membros da realeza junto com seus pais. Como
Ryder não tem pais, Hannah está sentada ao lado dele
enquanto Garrett está sentado ao lado de Gigi.
Estou grata por não ter que fazer um discurso; Mya assume o
ônus de encantar os quinhentos convidados presentes. Não
costumo ter medo de falar em público, mas isso é intimidante
demais. Realeza do hóquei. Supermodelos. Personalidades da
mídia com quem Garrett trabalhou e fez amizade ao longo dos
anos. Vamos ser sinceros: este casamento é para os pais. Mas
Gigi os ama o bastante para dar a eles esse presente depois de
se casar às escondidas, e Ryder a ama o suficiente para dar a ela
tudo que ela quiser.
Eu me sento ao lado de Shane, cujos olhos admirados me
percorrem.
“Você está tão linda”, ele murmura no meu ouvido.
“Você também.”
Sério, ele veste aquele terno como ninguém. Eu o vi malhar
o verão inteiro, e os resultados são visíveis. Ele está mais largo
do que no ano passado. Seu peitoral está mais definido. Os
bíceps estão enormes. A bunda está mais musculosa quando
cravo os dedos nela enquanto ele me faz gozar…
“Para de pensar safadeza.” Sua bochecha barbeada acaricia
meu queixo enquanto ele fala de novo em meu ouvido. Ele me
conhece bem demais.
Os discursos depois do jantar se arrastam
interminavelmente. Todos os seis padrinhos de Gigi insistem
em subir ao palco para dizer algo. O meio-irmão e padrinho de
Ryder, Owen McKay, faz um discurso emocionante que leva
todos às lágrimas. Não tem mais como arrumar minha
maquiagem. Esta é a minha vida agora.
Durante o jantar, converso com Mya, falo com Blake Logan
sobre sua grade no primeiro ano em Briar e fico discutindo
com Shane.
“Não acredito que isso vingou.” Mya aponta os dedos de
francesinha entre nós.
“Pois é!” Shane ironiza. “Ela se deu bem.”
“Ah, vai se foder. É você quem está se dando bem. Sou areia
demais para o seu caminhãozinho.”
“Verdade”, Beckett diz, erguendo sua taça de champanhe.
As mesas vizinhas são ainda mais animadas que a nossa. O
programa todo de hóquei de Briar está aqui, os times
masculino e feminino. Champanhe corre solto, o tilintar de
taças de cristal e gargalhadas ecoando ao nosso redor.
Havia um quarteto de cordas tocando durante o jantar, mas
agora uma banda ao vivo sobe ao palco. Gigi e Ryder se
levantam, e consigo ver a resignação nos olhos azuis de Ryder
enquanto o noivo de um metro e noventa e pau de vinte e
cinco centímetros é obrigado a ser o centro das atenções de
novo.
Um coreto coberto por tecidos ondulantes serve como pano
de fundo para a primeira dança dos recém-casados. É
espetacular. A tia de Gigi arrasou na organização desse
casamento, fez um trabalho de outro mundo.
Enquanto eles dançam sob o céu enluarado, cercados pelo
brilho suave das luzinhas, Gigi e Ryder só tem olhos um para o
outro.
E, justo quando penso que não tenho como chorar mais, a
dança deles termina e Hannah Graham sobe ao palco. Ela está
absolutamente deslumbrante em um vestido cinza ardósia que
se ajusta ao seu corpo, o tecido tremeluzindo a cada passo. Ela
j p p
exala a mais pura elegância, e o silêncio que se instala no
ambiente me dá calafrios.
Assim que as primeiras notas do piano enchem o ar, Hannah
começa a cantar. Até hoje, nunca vou entender por que ela
escolheu se concentrar em compor em vez de se apresentar.
Sua voz é muito linda. Intensa e emocionante, cada nota
atravessando sua alma. Mal presto atenção na letra, embora
Blake sussurre para mim que é uma antiga canção de ninar
que Hannah cantava para os gêmeos quando eles eram
pequenos. Gigi está aos prantos, e seu irmão, Wyatt, está com
lágrimas nos olhos.
Esse casamento está espetacular.
As últimas notas de Hannah pairam no ar. Há um momento
de silêncio mortal antes de os convidados irromperem em
aplausos.
E então a festa começa.
A pista de dança tem os mesmos cordões de luzinhas
pendurados, criando uma cobertura estrelada. Rio de encanto
quando Shane me puxa antes mesmo de eu pedir para dançar
com ele.
“Converti você!” Acuso.
Ele entrelaça nossos dedos e me puxa para a pista.
“Tenho uma confissão a fazer”, ele diz com remorso.
“Sempre gostei de dançar.”
“Sério? E mesmo assim resistiu tanto?”
“Eu disse dançar, não essa tortura a que você está me
submetendo. Só estou dizendo que gosto de dançar em geral.
Beber champanhe, me soltar em uma festa de casamento. É
bom pra caralho.”
Ele tem razão. Não tem nada que eu ame mais do que uma
boa festa de casamento. E uma batida envolvente. E a sensação
das mãos grandes de Shane percorrendo meu corpo. Mas não
há nada de sexual no seu toque. É uma delícia.
“Mal posso esperar para ter um desses”, ele confessa.
Encaro Shane.
“Um casamento?”
“Sim.”
“Ah, tá. Até parece.”
“É sério.” Seus olhos têm um brilho sincero.
“Você quer uma festa de casamento”, digo, cética.
“Bem grande”, Shane confirma. “Quanto maior, melhor.” Ele
dá uma piscadinha. “Foi o que me disseram pelo menos.”
Dou um empurrãozinho nele, mas ele só me puxa para mais
perto de novo. Não me incomodo em dançar uma música
lenta. Não me incomodo nem um pouco em ter seu corpo
musculoso colado ao meu.
“E quando pretende fazer esse casamento?” Pergunto.
“Sei lá”, ele responde com um dar de ombros.
“Sinceramente, quanto antes, melhor. Sempre quis me casar
jovem. Também não me importaria em ser pai jovem.”
Minhas sobrancelhas se erguem.
“Sério?”
“Claro. Desde que não interfira no hóquei, por que não?”
Sorrio.
“Você é ingênuo se acha que não vai interferir no hóquei.
Essas coisas que você diz querer… esposa, filhos, precisam ser
prioridade, você entende isso, né? Como pretende equilibrar
isso com sua carreira na nhl?”
Ele franze a testa.
“Muitos jogadores da nhl têm esposas e família e ainda
jogam.”
“Eles sairiam de um jogo se a esposa precisasse deles?”,
questiono.
“Essa é uma pergunta complexa. Depende do que ela
precisa.”
“Ela vai dar à luz.”
Shane dá de ombros.
“Russell Doolie perdeu o parto do primeiro filho por causa
de um jogo das eliminatórias. A esposa ficou de boa com isso;
foi ela quem disse para ele terminar a série.”
“Justo. Então acho que você precisa tomar o cuidado de se
casar com alguém que tope fazer esses sacrifícios. Não são
g q p
muitas as mulheres que topariam.”
Ele me lança um olhar curioso.
“Você toparia?”
“Não sei”, respondo com sinceridade. Dou de ombros. “Mas
não importa porque não pretendo ter filhos antes dos trinta.
Você sabe o trabalho que aqueles pestinhas dão?”
Shane ri. Somos interrompidos um momento depois por
Beckett, que pega Shane e o arrasta para tomar shots
comemorativos com todo o time masculino de hóquei.
Eu me lembro de repente do casamento a que fui com Percy
no ano passado. Por mais que eu deteste ter seu nome dentro
do meu cérebro, por ser um gatilho para minha ansiedade, a
lembrança continua. Uma amiga do ensino médio se casou, e
levei Percy como acompanhante. Ele mal falou com ninguém o
tempo todo e ficou apertando minha mão ou manteve um
braço possessivo ao redor dos meus ombros sempre que
alguém com pênis tentava conversar comigo. Terminei com ele
não muito depois disso. Eu estava começando a notar que esse
comportamento acontecia com frequência demais para o meu
gosto.
Ao contrário de Percy, Shane não está nem aí se converso ou
danço com alguém. Durante a hora seguinte, a pista de dança
pega fogo. Os meninos do hóquei estão só um pouco alegres,
mas imagino que vão ficar bêbados de verdade assim que o
pessoal mais velho começar a sair e só restarem os mais jovens
fechando o clube de campo.
Mas já é quase meia-noite, e a multidão ainda não se
dissipou. Na verdade, os convidados mais velhos estão tão
bêbados quanto os jovens. Já perdi a conta de quanto
champanhe tomei, e uma parte de mim se pergunta se estou
ouvindo direito quando me deparo com Shane e Garrett perto
do bar discutindo Casinho ou casório. Porém não é nenhum
segredo que o pai da Gigi é fã do programa.
“Ele é muito ardiloso”, Garrett está dizendo.
“Sim, mas não merecia ser passado para trás.”
Faço um barulho exasperado enquanto encaro os dois.
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“Não é porque Donovan é britânico que vocês também são!
Parem de falar com esse sotaque. Está ridículo.”
Shane rebate:
“Então você acha tranquilo Donovan dar em cima de Ky?”
“Ai, meu Deus, não estou defendendo Donovan! Leni é um
tesouro nacional. Só estou dizendo para pararem de agir
estranho!”
Shane ergue uma sobrancelha para Garrett.
“E ela se considera uma superfã.”
“Vou sair daqui.” Reviro os olhos e saio para encontrar
alguém normal com quem conversar. Dou uma olhada nos
convidados socializando no gramado bem cuidado e vejo Ryder
na beira da pista de dança.
Chego perto dele, seguindo seu olhar até Gigi, que dança
com as amigas. Ela está absolutamente radiante.
Resplandecente. Seu vestido de festa, um modelo longo de
cetim, se ajusta ao corpo como se fosse uma segunda pele. O
cabelo está solto, caindo em ondas escuras pelos ombros.
Dou um tapinha no braço de Ryder.
“Preciso dar um sermão ou já está subentendido?”
Ele olha para mim com ironia.
“O quê, se eu a machucar, você me mata?”
“Tá, então você já sabe.”
“Confia em mim, já ouvi isso de todos os tios, tias, primos.
Do pai dela, óbvio…”
“Óbvio.”
“Até Hannah me deu esse sermão, embora o dela tenha sido
acompanhado por um abraço, então não sei se levo a sério.”
“Ah, melhor levar. Ela acabaria com sua raça.”
Ryder ri.
Antes da minha incursão seguinte à pista de dança, tomo um
pouco de água, uso o banheiro e depois volto ao meio da
multidão. Enquanto Shane dança com Mya, danço com
Beckett, depois com Will e, depois, com o irmão gêmeo de
Gigi, que me dá um sorriso conquistador.
“Oi, gatinha”, ele diz, descontraído, colocando o braço em
volta da minha cintura. Seus olhos verde-escuros se estreitam
com admiração enquanto percorrem meu corpo.
Wyatt tem olhos sensuais. Ele sempre parece sedutor,
mesmo quando não está flertando.
“Oi, gatão”, respondo enquanto pouso as duas mãos em seus
ombros largos.
É uma pena que Gigi imponha uma regra rígida sobre não
tocar no irmão dela. Quando o conheci no primeiro ano, ela
deixou isso bem claro. Suas palavras exatas foram: “A menos
que você se veja casando com ele, você não vai para a cama
com ele”.
Eu poderia ter testado essa regra ao longo dos anos, mas,
apesar da química óbvia entre nós, eu e Wyatt nunca fomos
além disso. Porque, embora eu pudesse me divertir com ele
por uma noite, definitivamente não me imagino me casando
com ele. Ele é sossegado demais. Não só eu o comeria vivo
como imagino que sua atitude de “deixar a vida me levar”
acabaria me enlouquecendo.
Wyatt e eu conseguimos dançar por um minuto antes de
Shane interromper.
“Vai mijar em mim agora para marcar território?”, zombo
enquanto coloco os braços ao redor de seu pescoço.
Shane aperta minha bunda para me deixar rente ao seu
corpo. Estamos mais parados, com os corpos colados um ao
outro, do que dançando propriamente.
“Então, você e Wyatt Graham”, ele começa.
“O que é que tem?”, eu me faço de boba.
“Você já transou com ele?”
Ergo uma sobrancelha para ele.
“O que você faria se eu dissesse que sim?”
Shane esfrega a parte inferior do corpo contra a minha,
baixando o queixo sobre meu ombro para sussurrar no meu
ouvido.
“Eu te levaria para casa e te comeria com tanta força que
você não se lembraria de um momento sequer em que meu
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pau não estivesse dentro de você.”
Meu Deus.
Engulo em seco a água súbita que enche minha boca.
“Dormiu ou não?” Ele examina meu rosto.
“Não”, admito. Depois, só para irritá-lo, acrescento: “Mas
talvez eu devesse. Talvez eu vá para casa com ele hoje.”
Um rosnado soa em meu ouvido.
“Que foi?”, pergunto com inocência.
Shane passa a mão pelo meu braço, roçando de leve a lateral
do meu seio, e envolve minha bochecha com a palma da mão.
As pontas dos seus dedos brincam na lateral da minha
mandíbula.
“Nenhum homem além de mim pode encostar em você,
Dixon.” Sua voz é baixa. Carregada de desejo. “E, se algum
tentar, arranco as mãos do filho da puta.”
Um calafrio excitante me atravessa. É estranho porque agora
há pouco eu estava pensando em como a possessividade de
Percy era desagradável, como esse comportamento levou ao
nosso término. E, no entanto, a ameaça rosnada de Shane não
me faz nem pestanejar. Lindley não me dá medo.
Mas o que estou começando a sentir por ele sim.
Para: [email protected]
Assunto: Barulhos indecentes
Brenda,
Gostaria de registrar uma reclamação formal contra meus vizinhos de cima, moradores dos
apartamentos 2A e 2B do Bétula-Vermelha. Estou citando os regulamentos de ruído descritos
na Seção 3, Parágrafo 2 do Manual dos Proprietários de Meadow Hill.
Nas últimas duas semanas, ouvi barulhos na forma de expressões vocais (gemidos,
grunhidos), linguagem indecente (palavrões como “porra” e “caralho”) e perturbações
estruturais (batidas fortes contra as paredes, rangidos excessivos de molas de cama).
De acordo com a Seção 3, Parágrafo 2, a medida para tal conduta deve resultar em multa,
como você deve saber. Por favor, trate desse assunto na próxima reunião da associação de
moradores. Estou disponível na maioria das noites e nos fins de semana se quiser discutir mais
a respeito.
Atenciosamente,
Niall Gentry
Bétula-Vermelha, 1B
33

shane

Shane é o rei da linguiça

setembro

“Esse é o maior sonho da minha vida.”


“Qual?” Diana pergunta, desconfiada, do banco do motorista.
Fiz a gentileza de deixar que ela dirigisse para Oak Ridges, mas
só porque preciso ler um monte de e-mails que o treinador
Jensen mandou sobre a próxima temporada. Os treinos
começam na semana que vem.
“Conhecer a família de verdade da minha namorada de
mentira”, explico com um sorrisão.
O irônico é que ela nem precisou me pedir para vir a esse
churrasco de fim de verão na casa do pai. Eu me convidei. Mas
o que mais eu faria depois de saber que não é uma festinha
qualquer, mas um evento em que cada um traz sua própria
carne. E, sim, há um milhão de piadas que eu poderia fazer
sobre o tipo de linguiça que posso levar para Diana, mas quem
tem tempo para piadas quando se pode pensar em todas as
linguiças que comprei de Gustav.
“Já passei o fim de semana com a sua”, ela diz. “A essa altura,
era para a gente estar anunciando o noivado.”
“Eu é que não vou anunciar nosso noivado de mentira para o
seu pai líder da swat. Ele vai acabar com a minha raça quando
eu largar você no altar.”
Diana bufa.
“Nós dois sabemos que sou eu que não vou aparecer no
nosso casamento.”
“Ei, sua mãe vai estar lá hoje?”
Ela começa a rir.
“Nem pensar. Mesmo se ela e meu pai tivessem um
relacionamento excelente, e olha que é no máximo cordial, ela
não vai muito com a cara da minha madrasta. Larissa é comum
demais para ela.”
“O que isso quer dizer?”
“Ah, minha mãe é uma acadêmica esnobe e pretensiosa, e
Larissa é cabelereira, então imagina.”
“Sei lá, se eu tivesse que escolher, acho que prefiro um corte
de cabelo a uma aula de filosofia ou algo do tipo. Mais prático.”
“Fala isso para minha mãe se um dia a conhecer. Aliás,
tomara que isso nunca aconteça porque acho que ela te
odiaria.”
Fico um pouco tenso.
“Por quê? Porque sou negro?”
“Não, porque você joga hóquei, e ela acha jogadores de
hóquei burros. Minha mãe não é racista. É esnobe.”
Agora rio.
“Menos mal.”
O tom de Diana fica mais preocupado.
“Deve ser muito difícil entrar em certas situações sem saber
se alguém vai ser racista ou não.”
“Divertido não é”, admito. “E é estranho, porque parte de
mim tem uma puta sorte de ter crescido com o privilégio e os
pais que tive. Mas é como se nada disso importasse quando
entro na seção de eletrônicos de uma loja e os seguranças
começam a me seguir.”
“Cuzões do caralho.” Diana rosna por mim, o que é fofo.
“Pois é. É foda. Mas tento lembrar que sou mais privilegiado
do que a maioria, e manter isso em mente, acho.” Olho com
curiosidade. “Sua mãe vai me achar mesmo burro?”
“Provavelmente. Ela não leva atletas a sério. Namorei um
jogador de futebol americano no ensino médio e, toda vez que
j g q
ele vinha em casa, ela reclamava que estava perdendo
neurônios só de estar perto dele. E olha que ele é uma das
pessoas mais inteligentes que conheço. Está se formando em
matemática na Notre Dame.”
“Ela parece meio insuportável.”
“Às vezes, sim.”
Diana passa por um buraco, fazendo a Mercedes sacudir.
“Ei”, resmungo. “Cuidado.”
“Desculpa…”
“Estamos com um cooler cheio de linguiça no porta-malas.”
“Ah. Você está preocupado com a linguiça. Pensei que fosse
com os pneus.” Ela balança a cabeça para mim. “Não acredito
que você gastou todo aquele dinheiro em linguiça.”
“Você disse que seu pai gosta.”
“Você é muito puxa-saco.”
“Ele é seu pai e é policial. Não sou idiota. Não estou muito a
fim de criar problemas com ele. E confia em mim: quando
provar aquelas bratwursts, você vai entender por que custam tão
caro.”
Ela dá de ombros e diminui a velocidade quando nota outro
buraco.
“Tanto faz. Você sabe que não ligo muito para comida.”
Sim, notei. Diana come o que tiver.
“Não entendo. Comida é demais.”
“Comida é combustível. Não ligo para o gosto. E consigo
comer qualquer coisa porque meu reflexo de vômito é
inexistente.”
“E eu não sei?” Dou uma piscadinha.
Ela revira os olhos.
Mas é verdade, Diana é muito boa no boquete. Porra. Tremo
só de pensar.
“Não fica excitado”, ela avisa. “Não vamos parar para transar
no carro.”
“Ou podemos parar sim para transar no carro.”
“Não.” Ela está rindo de novo.
“Deveríamos ter vindo ontem à noite em vez de hoje cedo”,
resmungo. “Assim estaríamos fazendo sexo matinal.”
“Eu precisava trabalhar”, ela me lembra.
“Você poderia ter dito que estava doente.”
“Shane. Nem todo mundo é desocupado que nem você.”
Rio.
“Sério.” Ela me olha de esguelha. “Você precisa parar de fazer
isso.”
“Fazer o quê?”
“Mandar todo mundo faltar ao trabalho. Você vive fazendo
isso. Comigo, com seus amigos. Algumas pessoas não podem.”
“É brincadeira. Sei que ninguém vai fazer isso de verdade.”
“Sim, mas o problema é o seu desdém em relação a essas
coisas. Tipo, sim. Todos sabemos que você poderia faltar ao
trabalho. É um pouco ofensivo às vezes a maneira como você
age como se ter um emprego fosse desprezível para você.”
Caramba. Levei um fecho.
E, de repente, minha mente está repassando todas as
conversas que tive com todas as pessoas que conheço.
Será que faço isso mesmo?
“Acho que ando tirando sarro do Will nos últimos tempos”,
digo, pensativo, com um mal-estar se revirando dentro mim.
“Sobre como ele está economizando para o mochilão. Mas ele
também é rico! Por que viajar com um orçamento tão apertado
se o pai dele é deputado?”
“Talvez ele queira se virar sozinho.” Ela ergue a sobrancelha
para mim. “Ao contrário de certas pessoas.”
Eu a encaro. Mas sei que ela não está errada, e agora estou
me sentindo um cuzão.
“Para de me fazer refletir”, resmungo.
Ela só dá risada.
Oak Ridges é parecida até demais com minha cidade natal.
Eu não esperava ter tanto em comum com Diana Dixon, mas
parece que temos. Nós dois crescemos em cidades pequenas.
Nós dois temos irmãos mais novos. E somos tão compatíveis
sexualmente que chega a ser ridículo.
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Diana estaciona o carro na garagem de uma casa modesta
com revestimento branco e um gramado aparado. Somos
recebidos na entrada pelo pai de Diana, que não é nem de
longe o que eu esperava. O queixo quadrado e o cabelo loiro
curto fazem sentido, mas eu estava imaginando um grandalhão
imponente usando roupas de camuflagem com pelo menos
dois metros de altura. Tom Dixon é mais baixo do que eu,
talvez tenha um e setenta e cinco. Mas o que não tem de
altura, ele compensa em músculo. Ele tem ombros largos, um
peito volumoso e bíceps do tamanho das minhas coxas.
“É esse o namorado novo?”, ele diz depois que Diana nos
apresenta.
“Sim.”
“Bem-vindo.” Ele observa o cooler nas minhas mãos. “O que
você trouxe hoje, rapaz, vai determinar se gosto ou não de
você.”
Rio.
“Confia em mim, você vai amar.”
“Shane é o rei da linguiça”, Diana diz.
“Conheço um cara em Boston”, revelo ao sr. Dixon.
“Ninguém sabe sobre ele. Ele tem um pequeno açougue em
Back Bay entre uma lavanderia e…”
“Um karaokê coreano”, ele completa.
Meu queixo cai.
“O senhor conhece Gustav?”
“Garoto, compro de Gustav desde antes de você nascer.
Conheço o Gustav pai!”
“Não brinca!”
Ele praticamente arranca o cooler da minha mão.
“Ah, preciso ver o que Gustav te deu.”
Entramos correndo na cozinha como dois moleques. Tom
abre o cooler, o rosto inteiro franzido de concentração
enquanto examina a seleção de linguiças que comprei.
“E aí?”, digo, prendendo a respiração.
Ele levanta a cabeça.
“Somos melhores amigos agora. Diana, se nos der licença.”
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Ela revira os olhos.
“Vou atrás de Thomas. Vocês, malucos, que se entendam.”
Depois que ela sai, o pai de Diana me olha de cima a baixo.
Depois de um silêncio perturbadoramente longo, pergunta:
“Você trata minha filha com respeito?”
A pergunta me surpreende.
“Claro”, digo com sinceridade.
Ele acena.
“Você parece gente boa.”
E esse é o único momento em que a chapa esquenta, tirando
a hora em que acendemos a churrasqueira.
Passamos pelas portas corrediças e saímos para um quintal
dos fundos amplo onde o aroma tentador de carne crepitante
paira no ar. Uma churrasqueira enorme, envelhecida pelo uso,
está no pátio de pedra, ao pé do deck de madeira, soltando
colunas volumosas de fumaça para o céu azul-claro.
“Nossa, que evento gigante”, comento.
Mesas coloridas de piquenique estão espalhadas pelo
gramado, cobertas por toalhas xadrez. Crianças brincam na
grama, seus risos se misturando ao burburinho de dezenas de
conversas acontecendo ao mesmo tempo e ao tilintar ocasional
de talheres em pratos.
A churrasqueira está sendo pilotada por dois homens que
descubro serem os snipers da equipe da swat do sr. Dixon, mas,
em vez de rifles, estão armados com espátulas longas e pincéis
de churrasco. Dou uma espiada na churrasqueira. Chamas
dançam sob uma grelha cheia de diversos cortes de carne.
Costelinhas, espetinhos de frango marinado e hambúrgueres
grossos e suculentos chiam e crepitam enquanto cozinham à
perfeição. O cheiro tentador de molho barbecue e temperos
paira no ar, fazendo minha boca salivar de expectativa.
“Estou no paraíso”, digo a Diana quando ela se junta a nós.
“Você se redimiu mesmo aos meus olhos.”
Isso me rende um soco no braço.
Desviamos de um grupo de crianças brincando de pega-pega
pelo quintal e nos aproximamos de uma série de mesas com
p q p
um banquete impressionante de acompanhamentos, desde
purê de batata cremoso a tigelas de saladas frescas.
Diana me apresenta sua madrasta, Larissa, uma morena de
olhar descontraído. Ela está do lado de um jovem de cabelo
loiro penteado para o lado e rosto liso de bebê. É o irmão mais
novo de Diana, Thomas, que voltou da América do Sul para
participar dessa festa e vai pegar o avião de volta amanhã cedo.
Eu o encaro com espanto.
“Não é muita viagem para poucas horas de churrasco?”
Ele sorri, meio sem graça.
“Sem exagero, eu seria deserdado se não voltasse para casa
para o churrasco. Você tem que estar morto ou à beira da
morte para não vir.”
“É verdade”, Larissa confirma.
Apesar da aparência juvenil, Thomas é muito maduro e mais
sarcástico do que eu imaginava. Ele estuda medicina, mas tirou
um ano sabático para trabalhar como voluntário em uma
organização de direitos humanos.
Enquanto conversamos, coloco o braço ao redor do ombro
nu de Diana, acariciando distraidamente sua pele quente.
Apesar do fato de haver um número perturbador de policiais
aqui, estou me divertindo. A comida é incrível, e nos
empanturramos tanto que me forço a parar de comer antes que
fique com dor de barriga. Jogamos um jogo de arremesso de
saquinhos, chamado cornhole, com dois policiais de Boston. Um
deles me puxa de lado depois para falar sobre hóquei, e,
quando percebo, já está chamando os amigos.
“Ei, Johnny! Esse menino vai jogar pela nhl na próxima
temporada.”
“Sério?”
Vários homens se aproximam, todos grandes fãs de hóquei.
O bar de policiais favorito deles em Boston também é um bar
do Bruins, e eles começam a me zoar por ir para Chicago.
“Não é como se eu pudesse escolher quem me contrata”,
argumento.
“Vou deixar essa passar”, um deles diz, bebendo o resto da
sua cerveja.
Descubro que um deles quase virou profissional. E estudou
na Universidade de Connecticut mais ou menos na mesma
época que meu pai.
“Conhece Ryan Lindley?” Pergunto.
“Claro que sim. Por quê?”
“Ele é meu pai.”
“Não brinca? Você é filho dele?”
Eu me preparo para a próxima pergunta: então por que você não
é branquelo que nem ele? Eu e meu pai ouvimos essa pergunta
algumas vezes quando encontramos velhos conhecidos dele
que não sabiam que ele estava em um casamento interracial.
Embora meus pais tenham sido recebidos com tolerância quase
universal em Heartsong, sei que nem todos têm a mente tão
aberta.
Mas esse cara parece indiferente ao meu tom de pele.
“Como Ry está?”, ele me pergunta.
“Está ótimo. Comprou alguns imóveis em Vermont e
administra uma imobiliária.”
“Bom para ele. Foi uma pena o que aconteceu naquele jogo.”
“Você assistiu?”
“Sim, claro. Eu era alguns anos mais novo do que ele, mas
jogávamos na mesma equipe. Eu e o resto do time ficamos
felizes pra caralho quando ele virou profissional. Foi muito
impactante, sabe? Quando ele caiu daquele jeito. Fico feliz que
tenha dado a volta por cima.”
“É o que jogadores de hóquei fazem.”
Ele me dá um tapa no ombro.
“É o que fazemos, rapaz.”
Volto à churrasqueira para ver se o pai de Diana precisa de
ajuda. O sol está se pondo, projetando longas sombras sobre o
gramado. As pessoas começam a ir embora, aproximando-se
para abraçar Tom e Larissa. Elas apertam a mão de Tom e
dizem que ele se superou esse ano.
Vasculho o quintal atrás de Diana, querendo saber onde ela
foi parar e, finalmente, a vejo conversando com um jovem
corpulento de short e uma regata da polícia de Boston.
Thomas se junta a nós na churrasqueira.
“Quer dizer que minha irmã enfiou você naquela história de
dança, hein?”
“Pois é”, digo, meio cabisbaixo.
O garoto sorri.
“Ela me mandou o vídeo de audição. Nada mau aquele tango,
cara.”
“Desculpa, como é que é?” Tom pergunta, com um sorriso.
Thomas atualiza o pai.
“Shane está fazendo par com Di naquela competição dela de
dança de salão. Kenji deixou a coitada na mão.”
Larissa me dá um aceno de aprovação.
“Bom para você. É preciso muita autoconfiança.”
“Sou um exemplo de autoconfiança”, respondo distraído
enquanto desvio o olhar de novo para Diana e o Sr. Polícia de
Boston.
Uma pequena tempestade interna se forma em meu peito.
Não sei por que vê-la rindo com esse cara me deixa ardendo de
raiva, mas deixa.
Thomas nota minha distração.
“Eles só estão conversando”, ele diz com outro sorriso.
Eu o encaro.
“Não me incomoda.”
“Claro que não. Por isso que você fica olhando para ela.
Encarando os dois tanto quanto meu pai.”
Viro a cabeça para o Tom pai.
“Você também não gosta dele, então?”
“Ahá”, Thomas diz com satisfação. “Sabia que você não
gostava dele.”
“Ele é filho do meu sargento. Acabou de passar na academia.
Um mero policialzinho de rua e acha que merece uma vaga na
swat. Esse tipo de arrogância me incomoda.” Tom dá de
ombros. “Mas Di sabe se defender. Ela é durona.”
“Ela é”, concordo.
Thomas sorri.
“Ela te contou da vez que deu uma surra num moleque duas
vezes maior que ela no parquinho porque ele tentou fazer com
que ela comesse formigas?”
O pai de Diana solta uma gargalhada.
“Ai, caramba, tinha esquecido disso. Acho que ela tinha uns
onze anos. Doze, talvez. A escola me ligou no trabalho, e
precisei sair de um seminário de treinamento com armas para
buscar Di porque a mãe dela estava viajando. Cheguei à escola
e ela estava sentada na sala do diretor, sem um arranhão.
Enquanto isso, o nariz do moleque sangrava e um monte de
formigas grudaram no sangue porque ela enfiou a cara dele na
terra depois de bater nele. Disse que só um deles comeria
insetos naquele dia, e que não seria ela.”
Diana chega a tempo do fim da história, suspirando quando
vê minha cara.
“Não é tão psicótico quanto parece.”
“Meu Deus. Sabia que você era selvagem”, acuso.
“Para de assustar o menino com histórias sobre eu bater nas
pessoas, pai.” Ela parece envergonhada, mas algo mais atravessa
sua expressão. Ansiedade, talvez? “Não queremos dar a ideia
errada a ele. Sou uma grande fracote, na verdade.”
Tom pai coloca o braço ao redor dos ombros da filha e dá um
beijo na testa dela.
“Não tem nem um pingo de fraqueza em você.” Ele olha para
mim com um sorriso. “Essa é a mulher mais forte que você vai
conhecer na vida.”
Diana também abre um sorriso, mas noto que não se reflete
em seus olhos.
34

shane

Último ano, galera

O hóquei voltou, rapaziada!


Passei o verão todo ansioso para esse dia. É por isso que
treinei tanto, e minha força e meu condicionamento
definitivamente deram resultado. Ganhei massa e muitos
músculos. Pô, até mais ágil devo estar, graças àquelas aulas de
dança. Não que eu esteja disposto a admitir isso para Dixon.
É muito bom voltar ao Graham Center, o centro de hóquei
ultramoderno de Briar. O time feminino também usa esse
rinque, mas elas só começam a praticar oficialmente na
semana que vem.
Entro no prédio, inspirando o cheiro familiar do saguão
enquanto inclino a cabeça e deixo meu olhar percorrer as
flâmulas e os uniformes pendurados nas vigas do teto. Nosso
último troféu do Frozen Four está na vitrine da parede dos
fundos, além de todos os anteriores que o treinador Jensen e os
treinadores antes dele conquistaram para a Briar. Jensen
ganhou mais campeonatos do que qualquer outro treinador na
história da universidade. É incrível de ver e uma herança
impressionante para deixar se um dia ele se aposentar.
Sigo pelo corredor, me sentindo nas nuvens.
Entro no vestiário e vejo que alguns dos meus companheiros
de equipe também chegaram cedo, incluindo Ryder. É estranho
não vir com ele, agora que não moramos mais juntos. É ainda
mais estranho que, na semana passada, eu estivesse dançando
no seu casamento absurdamente extravagante.
“Olá, sr. Graham”, digo com um tom formal.
Ele revira os olhos enquanto tira a camisa, revelando um
peito largo e um tanquinho comparável ao meu. Não sou o
único que manteve a forma durante o verão.
Outros vão entrando. Case Colson, ex de Gigi e nosso co-
capitão. Nazzy e seu amigo, Patrick. Austin e Tristan, que agora
são do segundo ano. Beckett entra bronzeado e em ótima
forma. Não demora para ele e Will estarem rindo de algo na
frente do armário do Will. Todos os alunos do terceiro ano são
veteranos agora, e é uma pena não ver nossos antigos veteranos
na sala, como Micah, Rand e nosso goleiro Joe.
“Estou prontíssimo para essa temporada”, digo aos meus
amigos. “Último ano, galera. A gente só precisa trazer aquele
troféu para casa, depois é partir para ser profissa.”
“Você, né”, Beckett diz enquanto desabotoa a calça jeans.
Olho para ele.
“Já decidiu o que vai fazer depois de se formar?”
“Nem ideia, cara.”
Beckett estuda ciências ambientais, mas nunca foi muito de
falar sobre que tipo de emprego vai procurar quando terminar
a faculdade. Sei que Will quer viajar. Ryder vai estar em Dallas.
Eu, em Chicago. Colson, em Tampa. Ano que vem vai ser
interessante.
Tiro minhas roupas e as enfio no armário. Nossos uniformes
de treino preto e prateado estão recém-lavados. Os patins,
recém-afiados. Mal posso esperar para ir para o gelo.
O ar no rinque é fresco, com aroma de gelo recém-lustrado.
As luzes fluorescentes se refletem na superfície polida
enquanto nos reunimos ao redor do treinador Jensen no
centro do rinque. Ele é um homem alto e imponente, com o
cabelo raspado, os olhos astutos e uma aversão a palavras. Nos
cumprimenta com um simples “Bem-vindos de volta”. E só.
Durante o aquecimento, noto que alguns dos jogadores estão
meio fora de forma. E isso fica mais evidente quando Jensen
nos manda fazer alguns exercícios de patinação. Entendo que
os novatos demoram um pouco para pegar o jeito, afinal, é a
p p p g j
primeira temporada deles em Briar e os nervos estão à flor da
pele. São os alunos do segundo e do terceiro ano que deveriam
estar mais preparados. Eles sabem exatamente o que esperar.
Vendo o que estou vendo, o treinador sopra o apito e patina
das laterais na nossa direção. Aponta para o garoto que está ao
lado de Austin Pope. Phillip Donaldson, que não era titular no
ano passado.
“O que é que você está fazendo?” Jensen questiona. “Fez
alguma flexão durante a pré-temporada?”
Donald murmura alguma coisa.
“Como é?”
“Eu disse ‘desculpa, treinador’.”
“E você?” Jensen aponta um dedo assustador para Nazem.
“Parecendo um pouco sem fôlego aí, Talis.”
Ao lado de Nazzy, Patrick não consegue segurar o riso.
“É o que acontece quando você passa o verão todo festejando
no lago Milford.”
“Passei o verão com você e sua família idiota”, Nazzy rosna
para ele. “Você bebeu tanto quanto eu.”
Jensen vocifera para os dois:
“É, dá para ver. Donaldson, Kansas Kid, Nazem. Voltas no
rinque pelo resto do treino.”
Levanto uma sobrancelha. Nossa. Se Jensen acha que eles
não estão prontos para os treinos de hoje, quer dizer que estão
mesmo fora de forma.
“Ok”, o treinador dispara. “Vamos fazer um treino de contra-
ataque rápido. Preciso ver quem mais decidiu ser preguiçoso
no verão.”
Ryder e eu trocamos um olhar rápido. Treinos de contra-
ataque rápido são de alta intensidade e não costumam ser
feitos no primeiro dia. Servem para ensinar os jogadores a
trabalharem juntos sob pressão extrema e exigem passes
precisos, transições ágeis e decisões imediatas.
Jensen organiza o treino com movimentos bruscos enquanto
ouvimos com atenção, nossa respiração se condensando no ar
gelado.
g
“O segredo é a velocidade”, ele conclui, seu olhar cortante
passando pelos jogadores. Como se estivesse tentando julgar
quem pode estar um pouco fora de forma sob o uniforme de
treino. “Quero o disco na zona ofensiva antes que a defesa
entenda o que os atingiu. Vamos!”
A expectativa é palpável enquanto nos espalhamos pelo gelo.
Aceno para Colson e Pope, meus companheiros de formação
para esse treino. A descarga de adrenalina que sempre vem
antes de um desafio me percorre. Quando o disco cai, o rinque
ganha vida com o som dos patins deslizando no gelo.
Deslizo em disparada na direção do disco. Case o pega
primeiro, mostrando suas habilidades com o bastão. Quando os
defensores avançam para interromper o contra-ataque, Colson
passa o disco para Pope, que o repassa para mim.
Mandamos muito bem nesse exercício. Nossos passes
ultrarrápidos mantêm os defensores longe, com o disco
deslizando entre nós como um borrão preto sobre o gelo
branco. Estou arrasando quando passo pelos defensores com
uma combinação de técnica e força bruta, deixando-os
completamente atrapalhados para me acompanhar.
Quando passamos da linha azul, Colson faz um movimento
cruzado no momento perfeito, desorientando Beckett e os
demais defensores, enquanto nosso novo goleiro titular, Todd
Nelson, se prepara para o ataque iminente. Desfiro um slapshot
que escapa de Nelson e acerto a rede com um estalo
gratificante.
Os jogadores do banco vão à loucura com gritos e aplausos.
“Porra, Lindley”, Jordan Trager grita enquanto patina para
assumir meu lugar. “O que foi isso?”
Sorrio para ele, curtindo a sensação de total domínio. Nunca
estive tão afiado, e isso não passa despercebido.
Depois do treino, Jensen apita para me chamar.
“Lindley! Que suco foi esse que você tomou no verão?”
Encolho os ombros com modéstia.
“Nada. Só segui um regime de exercícios de alta intensidade.
Incluí natação nos meus treinos também. Faz muita diferença.”
ç ç
Ele ergue uma sobrancelha escura.
“Só isso?”
Uma ruga se forma na minha testa.
“Por quê? Acha que estou tomando bomba ou alguma coisa
assim? Não sou idiota.”
“Não acho que seja, mas, porra, você está em excelente
forma. E, se eu percebo, as autoridades também vão perceber.
Então, não saia da linha esse ano. Podemos ter muitos testes de
doping aleatórios por sua causa.”
Caramba. Mandei tão bem que ele está com medo de as
pessoas desconfiarem que estou usando anabolizantes? Acho
que isso é ao mesmo tempo um elogio e uma ofensa.
No vestiário, alguns dos jogadores estão marcando de beber
no Malone’s. Nazzy é um deles, mostrando que não aprendeu
porra nenhuma com o sermão de Jensen durante o treino.
“Você topa?”, ele me pergunta.
“Não posso. Tenho um lance hoje.”
Em frente ao seu armário, Will sorri.
“Por que não conta para eles sobre seu lance?”
“Por que você não faz o favor de ir à merda?”
“Espera, o que tá rolando?” Patrick se aproxima com
entusiasmo. Ele e Nazzy adoram encontrar novos motivos para
zoar os outros. São os dois caras mais competitivos do time e
os maiores palhaços. Competitivos entre si e palhaços com os
outros.
“Lindley entrou numa competição de dança”, Will revela a
todos.
Olho para ele, furioso.
“Traíra.”
“Que foi? Eles descobririam mais cedo ou mais tarde.”
“Você está em uma competição de dança?” Patrick cai na
gargalhada.
Nazzy, porém, parece estranhamente impressionado.
“Sério?”
“Sim, vou participar com…” Paro abruptamente.
“Vai, termina essa frase”, Ryder diz, seco.
y
“Minha namorada”, murmuro.
Nazzy me encara, boquiaberto, como se eu fosse um animal
raro de zoológico.
“Você está namorando agora? Que porra é essa? A gente não
se vê por um verão e você vai de cafajeste a dançarino de salsa
monogâmico?”
“Em primeiro lugar, não entramos na categoria de salsa”,
digo com frieza.
Patrick ri alto.
“Vamos dançar tango e valsa.”
Ele ri mais alto ainda.
“Acho que você está esquecendo uma”, Ryder comenta com
deboche. “Não tem uma terceira dança?”
“Sabe, preferia quando você não falava nada. Volta a ser
aquele carrancudo emburrado, faz favor.”
“Qual é a terceira dança?” Beckett ri enquanto amarra os
cadarços dos tênis. Mechas loiras caem na sua testa.
“Chá-chá-chá”, solto entre dentes. Em seguida, mostro os
dois dedos do meio. “E vão à merda. Todos vocês.”
Suas risadas ainda me incomodam enquanto saio batendo o
pé do vestiário. Além de ser nosso primeiro treino, também é
o primeiro dia de aula. Tenho a aula de Ética da Comunicação
em trinta minutos na ponta oeste do campus, então preciso
atravessar o grupo de prédios que abriga a maioria das salas de
aula de ciências sociais.
Cinco minutos depois de começar a andar rápido, cruzo com
Lynsey.
Sinto um rompante de choque genuíno. Embora ela tivesse
confirmado que estudaria em Briar, juro que não pensei que a
veria no campus. Além disso, ela não entrou em contato
comigo desde a última vez que ligou no final de julho.
Nós dois paramos de repente.
Seus olhos escuros se apertam ao me ver, os lábios se
curvando.
“Oi.”
“Oi.” Aquele sorriso que conheço tão bem amolece algo em
meu peito.
Nenhum de nós parece saber se deveríamos nos abraçar,
então ficamos parados por um momento até que ela
finalmente dá um passo à frente para me dar um abraço
constrangido.
“Como você está?”, ela pergunta depois que nos soltamos.
“Estou bem. E você? Está se adaptando bem? Já se mudou
para o alojamento?”
“Sim”, Lynsey responde. “Tenho um quarto individual na
Casa Halston, perto do centro de artes cênicas. Tyreek me
ajudou com a mudança no fim de semana.”
“Legal”, respondo. “Como ele está?”
“Está ótimo. Animado para a temporada de basquete.” Ela
hesita. “E Diana, como está?”
“Ótima também.”
“Então vocês ainda estão juntos.” Sua expressão é difícil de
decifrar.
“Sim”, confirmo.
Há mais um silêncio constrangedor. Alguns meses atrás, eu
estava desesperado para ouvir sua voz. Agora, não sei o que
dizer para ela. Não posso flertar, afinal, ela namora. E, mesmo
se quisesse flertar, seria um desrespeito com Diana. Eu e ela
podemos não estar juntos, mas ainda transamos quase toda
noite.
Lynsey finalmente acaba com a tensão.
“Vamos nos encontrar agora que estamos no mesmo
campus? Talvez tomar um café na semana que vem?”, ela
sugere.
Por mais que eu não queira, meu coração dá uma
cambalhota, e me irrita que ela ainda tenha esse efeito sobre
mim. Não queria que tivesse.
“Claro”, digo, acenando devagar. “Boa ideia.”
35

diana

Socorro

“O segredo são os passos rápidos. Finge que estamos em um


conto de fadas. Como no baile da Cinderela.”
“Como é que isso me ajudaria com os passos? Não estamos
em um desenho animado. Estamos fazendo isso de verdade.”
Shane tenta imitar meus passos, soltando um palavrão
quando erra pela terceira vez. É quinta-feira, e nós dois fomos
liberados antes das quatro de nossas aulas, então arrumamos
um tempinho para um ensaio de valsa.
“Por que você não pode conduzir?”, ele resmunga.
“Porque o homem conduz.”
“Não estamos tentando acabar com o patriarcado?”
“Sim, mas o mundo competitivo da dança de salão ainda não
sabe disso. Portanto, o homem conduz.”
Recomeçamos, dançando pela academia do Meadow Hill
enquanto o ritmo acelera.
“Que diabos!” Shane dá um berro. “Por que está acelerando?”
“É a valsa vienense.”
“E daí?”
“E daí que é uma dança de elegância e velocidade.”
A música atinge seu clímax e terminamos com uma
escorregada desanimadora.
“É”, comento. “Tem muito o que melhorar.”
“Você acha?”
Shane sai, decepcionado, para usar o banheiro do corredor. Já
bebemos duas garrafas d’água cada um durante o ensaio.
Estamos numa situação difícil agora. Praticamente
arrebentamos nossa coreografia de tango. Estamos
razoavelmente bem no chá-chá-chá.
Mas a valsa está horrorosa.
“Ei, dá uma olhada nisso”, digo quando Shane retorna.
Estou deitada no colchonete, uma perna cruzada sobre o
joelho e meu celular apoiado em cima dela. Shane se senta ao
meu lado, estendendo o braço grande para pegar o celular.
Não consigo tirar os olhos dos seus bíceps, que como sempre
se contraem quando ele move os braços. Ele é tão definido e
isso é sexy pra caralho. Fica difícil me concentrar.
Paro de olhar e aperto o play no vídeo.
“Assiste”, digo, séria.
Uma voz feminina fala pelo fone de ouvido.
“Somos Martinique e Viktor, e isso é o que temos a dizer a
Ride or Dance!”
Shane sussurra.
“Somos nós. Ride or Dance somos nós!”
“Sei bem”, respondo, tentando não rir.
O vídeo corta para um casal dançando tango. Martinique é
uma mulher de etnia ambígua, de pele marrom impecável e
olhos amendoados, e beleza deslumbrante. E é alta. Tem
aquelas pernas compridas que sempre cobicei, o que significa
que ela e seu parceiro, o loiro Viktor, combinam perfeitamente
para o tango. A naturalidade com que se movem juntos apenas
realça meu maior medo: a discrepância de altura entre mim e
Shane. Nosso tango é bom, mas poderia ser muito melhor.
“O tango é nosso Everest”, murmuro.
“O que você quer dizer?”
“Kenji é baixo. Esse é um dos motivos por que gostávamos
de tango. Mas nosso maior impedimento, Shane, é… sua
altura.”
“Talvez nosso maior impedimento seja a sua altura.”
“Não, minha altura é perfeita. Permite que você faça todos os
levantamentos legais.”
“Não tem isso de ser alto demais para dançar tango”, ele diz,
convencido.
Suspiro.
Na tela, Martinique executa um giro gracioso, sua mão se
estendendo em um gesto elegante. Viktor a segura, e os dois se
voltam para a câmera.
“Vamos acabar com vocês, Ride or Dance”, Viktor diz com
um sorriso presunçoso.
Shane fica pasmo.
“Esses cuzões estão trolando a gente!”
“Viu? Falei.” Abro o perfil deles e dou um gritinho de
indignação. “Eles têm cem mil seguidores.”
“Dane-se. Estamos com quatrocentos e oitenta e dois mil.”
“Você sabe o número exato?” Brinco.
“Estou chutando. Mas era quatrocentos e oitenta e dois mil
na última vez que olhei. Agora deve ser oito milhões.”
Adoro o talento de Shane para hipérboles. Combina com o
meu. No churrasco, meu irmão fez piada sobre eu estar
apaixonada por Shane, e isso tem me assombrado desde então.
No começo, fiquei repetindo para mim mesma que era
bobagem. Claro que não estou apaixonada por ele. Estamos
apenas dançando. E fazendo um sexo incrível. E curtindo a
companhia um do outro. Por que alguém acharia que há
sentimentos envolvidos? Aff.
Mas…
Bom. Está ficando cada vez mais difícil fingir que não curto
Shane. Ele é engraçado. Ótimo na cama. Bom de papo.
Carinhoso quando quer ser.
Recentemente, comecei a me questionar se talvez eu queira
mais do que apenas um esquema de amigos coloridos. Talvez
eu queira…
“Puta que pariu”, Shane diz, me afastando dos meus
pensamentos. “E estão recrutando haters nos comentários.”
“Como assim?”
“Estão dizendo para os seguidores deles irem para nossa
página e comentarem que Viktor e Martinique são melhores do
p g q q
que nós.” Shane solta um palavrão. “Quem esses imbecis
pensam que são? E olha só esse cara. Consigo levantar o peso
dele no supino. E daí que ele tem um metro e noventa e
pouco? É um palito.”
“Calma aí, grandão.”
“Ok, baixinha.”
Sorrio para ele.
“Esses não vão virar apelidos.”
“Sei não. Gosto de grandão. Bastante.” Ele me olha com
malícia.
Eu me levanto de um salto.
“Tá, acabou o ensaio. Preciso repensar a coreografia para essa
valsa antes de avançarmos mais. Talvez fazer uma ou duas aulas
de dança.”
“Não é isso que estamos fazendo? Aulas de dança?”
“Quero dizer com profissionais.”
Shane me encara.
“O que foi?”
“É uma competição amadora, Dixon. Precisa mesmo se
dedicar tanto a isso?”
“Você não me conhece? Não consigo fazer nada malfeito,
nem se eu quisesse. Ou estou cem por cento dentro ou estou
fora.”
“É, entendo”, ele concorda. “Sinto o mesmo em relação ao
hóquei.”
“Beleza. Vou pensar em uma coreografia mais fácil.”
“É isso que você quer fazer no futuro? Coreografia?”
“Não sei”, respondo. “Não tenho nenhuma formação para
coreografar dançarinos de verdade, mas adoraria ser treinadora
de cheerleading e criar coreografias para competições. Acho
que eu seria muito boa nisso.”
“Também acho.” Ele me segue em direção à porta. “Vou
tomar um banho antes de passar na sua casa para assistirmos à
final. Se esse ainda for o plano para hoje.”
“Óbvio.” Os vencedores de Casinho ou casório vão ser
anunciados hoje.
j
No andar de cima, tomo um banho rápido para lavar o suor
da dança, depois coloco uma roupa confortável, percebendo
que fazia meses que não me sentia tão leve. Sei que grande
parte disso tem a ver com o fato de Percy não estar mais no
Meadow Hill. Os Garrison retornaram de Atlanta e estão de
volta à Bétula-Doce, e Percy está do outro lado da cidade em
seu sobrado novo.
É um peso enorme tirado das minhas costas poder pegar a
trilha sem me preocupar em cruzar com ele. Sem me
preocupar em dar de cara com ele na piscina. Já consigo sentir
minha ansiedade diminuindo. Agora, quando penso em seu
rosto, minha garganta fecha só um pouco, e não
completamente. Minhas mãos tremem, mas consigo controlá-
las.
Tomara que, quanto mais o tempo passe e maior seja a
distância física entre mim e Percy, eu sinta cada vez menos
ansiedade. Até que um dia eu não sinta nada.
Eu e Shane nos reencontramos uma hora depois no meu
apartamento. Sirvo uma taça de Coisa Rosa para mim, já que
hoje é basicamente minha última chance de beber sem me
preocupar com ressacas. Sábado é o primeiro jogo de futebol
americano do ano, e a equipe precisa estar em ótima forma
para a abertura da temporada. Mas sei que Shane tem treino de
hóquei amanhã cedo, então ergo uma sobrancelha quando ele
pega uma cerveja.
“Acha uma boa beber se você tem treino?”
“Só uma. Você vai ter que ficar bêbada por nós dois.”
O episódio começa com Zoey e O Connor em seu último
encontro a bordo de um iate luxuoso. Depois que votaram para
Zoey voltar da Cabana dos Doces para a casa de campo, Connor
parecia um novo homem. Percebendo como tinha chegado
perto de perdê-la, ele fez de tudo para provar que ela era a
única mulher para ele. A transformação dele foi incrível. Nós o
vimos passar de um locutor de rádio babaca que avaliava os
seios das mulheres em uma escala de “para lamber” a “para
enfiar a cara” para um homem apaixonado, doce, atencioso e
maduro.
Pelo menos, era o que eu pensava.
No meio do episódio final, Jamine diz para Zoey que Connor
confessou para Ben que talvez não esteja pronto para um
compromisso sério.
“Como assim?”, grito para a tela. “O que é isso agora? Para de
tentar sabotar o casal!”
Shane está boquiaberto.
“Acha que Connor disse mesmo isso? Não me lembro de
mostrarem essa cena.”
“Jas só está criando confusão”, digo, firme. “Não é possível.”
Mas então Ben confirma a versão de Jasmine, dizendo para
Zoey que Connor falou isso mesmo.
“Ai, meu Deus”, suspiro.
“Que merda ele tinha na cabeça?” Shane resmunga.
Zoey começa a chorar. Pelos próximos quinze minutos,
ficamos colados à tela. O Connor faz um controle de danos,
tentando tranquilizar Zoey ao garantir que ele e Ben tiveram
essa conversa sobre compromisso quase um mês antes. Mas
Ben e Jas insistem que foi “um dia desses”.
“Eles estão mentindo”, Shane diz. “Estão tentando tirar Zoey
e Connor do páreo de Casal de Casório.”
“Sabotadores de merda.”
Ainda estamos reclamando de Jas e Ben quando Will me
manda um pedido de socorro. É literalmente o que a
mensagem diz. “Socorro” e nada mais.
Sorrindo, destravo o celular.
“Quem é?” Shane pergunta.
“Will”, digo enquanto digito uma mensagem.

Que foi?

WILL
Beck acabou de convidar alguém para casa hoje.
E você quer ficar com eles.

WILL
Pra caralho.

Então fica.

WILL
Não posso. Preciso ser forte. Posso dormir na sua
casa?

Você não pode vir pra cá sempre que quiser evitar


ménages.

WILL
Ela é a menina mais gostosa que já vi na vida, Diana.

Pensei que eu fosse a menina mais gostosa que você


já viu na vida.

WILL
Sim, claro. Perdão.

Shane espia por sobre meu ombro.


“Você está trocando mensagens de safadeza com meu colega
de equipe?”
“Não.”
“Vi sua última mensagem! Você está pedindo para ele te
chamar de gostosa.”
“Foi uma piada.”
“Não. Nem pensar.” Ele aponta o dedo em alerta. “Você não
vai me chifrar, Dixon.”
Bufo.
“Não vou te chifrar.”
“Estou falando sério. Você não pode querer que eu seja seu
namorado de mentira e depois flertar com meus amigos. Me
faz parecer idiota.”
“Beleza. Tem razão”, cedo. “Quer saber? Desculpa. Não vou
flertar com Will quando ele estiver aqui.”
“Como assim, quando ele estiver aqui?”
“Ele vai passar a noite aqui.”
“De novo?” Shane estreita os olhos. “Por que ele precisa
dormir aqui? Ele mora num sobrado de três quartos. Mesmo se
ele estiver bêbado no bar e precisar andar para casa, ele pode
simplesmente andar para casa. Dele.”
“Longa história”, digo, vagamente.
“Elabora, por favor”, Shane diz, exasperado.
Não quero trair a confiança de Will, mas… talvez isso seja
algo com que Shane possa ajudá-lo. Porque o fato é que Will
não pode continuar fugindo de seus problemas e se
escondendo de Beckett no Meadow Hill toda vez que o cara
levar uma mulher para casa.
Shane costuma ser bom em não julgar. Talvez ele consiga
fazer Will entender o que eu não estou conseguindo.
“Tá, então…” Hesito. “Vou te contar uma coisa, mas você não
pode dizer nada para ninguém.”
Pelo jeito, sou a pior pessoa do mundo para guardar
segredos. Mas confio que Shane não vai dizer nada. Afinal, ele
não contou sobre nosso relacionamento de mentira, e já se
passaram meses.
“Will não quer estar em casa quando Beckett estiver com
uma mulher”, digo.
Ele franze a testa.
“Por que não?”
“Você sabe que os dois gostam de…?” Deixo a pergunta no ar.
“Comer a mesma mulher ao mesmo tempo?” Shane
completa, seco.
“Viu?”, acuso. “É por isso que ele está com a cabeça toda
confusa. Ele tem medo do julgamento. A sociedade julga
demais.”
“Ei, não estou julgando. Cada um com seu fetiche.” Shane
sorri. “Você gosta quando mando em você e eu gosto de
mandar em você.”
“Mas você não curte ménages?”
“Não, não dividiria você com ninguém.” Ele encontra meu
olhar curioso. “Mas eu deixaria alguém assistir.”
Calor arde entre minhas pernas.
“Olhar mas não tocar?”
“Exato.” Shane chega mais perto, apoiando a mão na minha
perna. Um brilho pensativo aparece em seus olhos enquanto
ele acaricia minha coxa de leve. “Você deixaria alguém me ver
te comendo?”
Engulo em seco.
“Talvez. Acho que depende de quem.” Engulo em seco de
novo. “Mas estamos desviando do assunto. Estamos falando de
Will. Os ménages estão fazendo com que ele sinta que tem algo
de errado com ele. Ele está tentando dar um tempo.”
“Então ele vem aqui hoje para não pensar com a cabeça de
baixo?”
“Basicamente, sim.” Suspiro. “Não sei se ele vai entrar no
assunto com você, mas, se entrar, talvez você consiga fazer com
que ele entenda que não tem nenhum problema em ele ter
fetiche por ménage.”
“Vou ver o que consigo fazer.” Ele volta a olhar para a tela.
“Eita porra. A apresentadora britânica voltou. É agora.”
Eu e Shane assistimos ao resto da final. Dou um suspiro de
alívio quando Zoey e O Connor fazem as pazes, depois grito de
triunfo quando é revelado que Ben e Jasmine estavam
mentindo em relação à quando o comentário sobre
compromisso foi feito.
“Eu te amo”, Connor diz para Zoey agora. “Com todo o
coração. Um mês atrás, eu não estava pronto para me
comprometer com você. Nem com ninguém, na verdade. Mas
agora estou pronto, Zoey. Quero que você seja minha
namorada. Não só na casa mas no mundo real.”
“Também quero”, Zoey diz baixinho.
q y
A apresentadora britânica pede para os dois casais finais
subirem ao coreto, onde a votação é revelada. Eu e Shane
comemoramos quando Zoey e O Connor ganham a votação
final para serem coroados o Casal de Casório. Bom, eu estou
comemorando. Mas Shane parece contente, e tenho certeza que
ele está pulando e gritando por dentro.
Lá pelas dez, Richard do Sicômoro interfona para avisar que
Will chegou e, alguns minutos depois, abro a porta para ele
entrar no apartamento. Ele me dá um abraço, depois vai
cumprimentar Shane.
“O que estamos assistindo?” Will olha para a tv.
“Nada”, Shane mente.
Noto que ele mudou de canal do trn para o tsbn quando fui
atender a porta. Os destaques da pré-temporada de futebol
americano aparecem na tela agora. Aaah. Alguém não quer que
Will nos veja assistindo ao episódio de reencontro de CoC.
“Já estou indo para casa, na verdade”, Shane diz. “Queria
dormir cedo hoje.”
Will franze a testa.
“Você não vai dormir aqui?”
“Por que ele dormiria aqui se tem a cama dele?” Respondo
por Shane. “Não preciso dele grudado em mim a noite inteira
me sufocando com seu amor.”
“Você adora meu amor”, Shane resmunga. Ele volta um olhar
firme para Will. “Ela adora meu amor.”
Will ri.
“Precisa de uma carona para o treino amanhã cedo?” Shane
pergunta.
“Sim, seria ótimo”, responde Will.
“Legal. O alarme está para as sete e meia. Vou bater na porta
às oito. Se não estiver pronto, vou sozinho.”
“Vou estar acordado”, Will promete.
“Vou te levar até a porta”, digo, cruzando o braço com o de
Shane.
À porta, ele me dá um beijo intenso e excessivo com mais
língua do que o necessário.
g q
“Não precisa exagerar tanto. Ele já acredita que estamos
namorando”, murmuro em seus lábios, mas longe de mim
reclamar. Os beijos de Shane derretem meu cérebro.
“Não acredito que não vamos transar hoje”, ele murmura em
resposta.
Se dependesse da libido de Shane, transaríamos pelo menos
duas vezes por dia. De novo, longe de mim reclamar. Nunca
tive um sexo tão bom em toda minha vida.
Tranco a porta depois que ele sai e volto para seguir minha
rotina noturna de cuidados com a pele. Dessa vez, não obrigo
Will a fazer também, mas ele fica no vão da porta do banheiro,
me observando pelo espelho.
“Sua relação com Lindley continua firme e forte, hein?”
“Quem imaginaria, né?”
“Sério, ninguém.” Will ri. “Você pegava muito no pé dele no
ano passado.”
“Sim, porque ele é insuportável. Isso não mudou.”
“Exato. Isso não mudou. O que está diferente agora?”
“O pau dele”, confesso. “Caí no pau movediço.”
Will dá um aceno solene.
“Sinto muito.”
Depois que meu rosto está bem hidratado, instalo Will no
sofá com lençóis limpos, dois travesseiros e uma coberta
grossa. Apesar do que certas pessoas pensam, respeito Shane o
bastante para não dividir a cama com seu companheiro de
equipe. Relacionamento de mentira ou não, ainda somos
amigos com benefícios exclusivos, e eu não ficaria feliz se ele
estivesse dormindo com outra mulher na cama, mesmo que
fosse platônico. Mas isso é porque sou possessiva. Até com
meu homem temporário.
“Obrigado de novo”, Will diz com sua voz grossa. “Desculpa
por ficar incomodando.”
“Não é incômodo nenhum, juro.” Dou um beijo na bochecha
dele e vou para o quarto deitar embaixo das cobertas.
Mas não consigo dormir. Porque… puta merda, quero transar.
Me acostumei tanto a ter um orgasmo com Shane antes de
g
dormir que agora meu corpo está vibrando embaixo do
edredom.
Lá pelas onze e meia, ainda não consigo dormir e, agora,
estou com sede, então saio do quarto e vou para a cozinha.
Enquanto passo pelo sofá na ponta dos pés, dou uma olhada
em Will, que está dormindo de costas, roncando baixo. Está
completamente capotado.
Sirvo um copo d’água e, enquanto me apoio na bancada para
bebê-lo, meu olhar se volta a Will. Talvez não haja mal
nenhum em uma rapidinha. Posso dar uma passada no
apartamento ao lado, gozar e voltar. Will não vai nem notar. Ele
está dormindo como pedra.
De volta ao quarto, pego o celular e mando uma mensagem
para Shane.

Mudei de ideia. Rapidinha?

SHANE
Graças a Deus. Não estava conseguindo dormir.
Estava prestes a bater uma.

Estou indo.

Mas o Will está aqui.

SHANE
Sim, e a parede do meu quarto dá para sua sala, bem
onde ele está dormindo.

Não precisamos usar sua cama, começo a digitar, mas ele já


mandou: Estou indo.
36

diana

Vão mesmo fazer isso, então?

Atravesso a sala na ponta dos pés para deixar Shane entrar.


Assim que abro a porta, aperto os dedos em seus lábios para
indicar que ele precisa ficar quieto. Não acendi as luzes,
estamos banhados em sombras enquanto passamos em silêncio
pela cozinha. Tento deixar que a luz azulada do aquário de Skip
me guie, mas mesmo assim é difícil enxergar, e solto um
palavrão quando meu joelho bate na pequena ilha. Uma dor
sobe pela minha perna.
“Está bem?”, ele pergunta.
“Não”, choramingo, me curvando para apertar a mão no
joelho. “Puta que pariu.”
“Não se preocupa. Vamos para o seu quarto e vou beijar até
passar.” Há uma pausa. “Ou…”
Ergo a cabeça para ver seus olhos brilhando no escuro.
“O quê?”
“Talvez eu te beije agora.”
Olho para o sofá em direção a Will, que está dormindo.
Quando viro a cabeça, lá está a boca de Shane. Ele me beija, sua
língua deslizando por meus lábios entreabertos para tocar a
minha. Ele a cerca, explorando enquanto suas mãos se movem
para baixo, os dedos descendo sob a cintura do short.
“Shane.” Um aviso sussurrado.
Ele interrompe o beijo. Sinto que está examinando meu
rosto.
“É só dizer e vamos para o quarto.”
É
É exatamente o que deveríamos fazer, levar isso para o
quarto. Mas a excitação ardendo no meu clitóris me diz para
ficar onde estou. A ideia de ser pega é mais eletrizante do que
eu pensei que seria.
“Me diz o que você quer”, ele insiste, baixo. “Ficar aqui ou ir
para o seu quarto?”
É difícil falar com o nó de excitação na minha garganta.
Finalmente encontro minha voz, conseguindo emitir uma
única palavra rouca.
“Ficar.”
Seus lábios se curvam. Ele me empurra para trás com
delicadeza até minha bunda encostar na beira da bancada. Sua
mão volta para dentro do meu short de pijama, brincando com
o tecido da minha calcinha. Seus dedos chegam ao topo do
meu púbis bem quando ouço um barulho rouco vindo do sofá.
Congelo. Mas Will está só mudando de posição, virando de
lado.
Eu e Shane esperamos vários segundos agoniantes. Meu
coração nunca bateu tão forte.
Enfim, ele retoma suas carícias, esfregando com toques
lentos e sem pressa. Como se tivesse todo o tempo do mundo
para brincar com a minha buceta. Como se seu colega de
equipe não estivesse deitado a poucos metros e pudesse
acordar a qualquer segundo.
Solto um gemido ao sentir Shane deslizar a mão para dentro
da minha calcinha. Minhas pernas se abrem enquanto seus
dedos buscam e encontram minha buceta encharcada.
Ele traça um dedo pela minha abertura, e minhas pernas
parecem perder toda a força. Eu me inclino para frente. Shane
me segura, rindo baixo.
“Sobe”, ele diz e, quando vejo, está me colocando em cima da
bancada.
Eu me apoio nos cotovelos e olho para ele. Lambendo os
lábios, ele se ajoelha na minha frente, baixando meu short e
minha calcinha. Apreensão me invade, pois não esperava estar
nua da cintura para baixo. Achei que ficaríamos de roupa, que
só nos provocaríamos através das camadas.
Mas não posso negar que me excita estar deitada aqui na
bancada, totalmente exposta.
“Will está ali”, sussurro com uma objeção pouco
convincente. “E se ele estiver acordado?”
“Daí pode ver você gozar.”
Prendo a respiração.
Shane observa meu rosto e curva os lábios em outro sorriso.
“Você gosta da ideia.”
Engulo em seco outro nó de desejo implacável.
“Toda aquela conversa de ménage sobre ele e Beckett entrou
na minha cabeça.”
“Safadinha.” Shane continua a me observar. “É o que você
quer? Acordar Will para ele participar?”
Não deixo de notar a maneira como ele leva a mão à virilha
para ajeitar embaixo da calça de moletom.
“É o que você quer?” Rebato.
“Falei que não gosto de dividir.”
“Você não está dividindo. Está se gabando.”
“Me gabando do quê?”
Abro as pernas.
“De como essa buceta é gostosa.”
Minha ação provocante tira um gemido da sua garganta.
Olhamos no mesmo instante para o sofá. Will ainda está
deitado de lado, o rosto virado em nossa direção mas com os
olhos fechados. Seu peito sobe e desce em intervalos regulares.
“Meu Deus, Dixon”, Shane diz entre dentes. “Para de falar
essas coisas. Estou salivando.”
Sinto uma contração entre as pernas.
“Me deixa provar.”
Meu pedido o faz gemer de novo, mas, dessa vez, o som é
abafado pelos seus dentes se cravando no lábio inferior. Sem
dizer uma palavra, ele se levanta e posiciona o corpo na frente
do meu rosto. De costas para o sofá, ele abaixa a frente da calça
de moletom e bota o pau para fora, que salta, grosso e pronto.
De fato, umidade se acumula na ponta.
Sua respiração é ofegante enquanto ele aperta o pau ereto e o
leva lentamente até minha boca ansiosa. Passo a língua na
ponta, e ele se contrai para mim enquanto minha língua o
explora.
Shane solta um barulho baixo e abafado. Coloco os lábios ao
redor dele e deixo que enfie alguns centímetros na minha
boca. Nunca consigo engolir muito fundo por causa do
tamanho imenso do seu pau. Mesmo com metade do
comprimento, consigo senti-lo no fundo da minha garganta.
Seus dedos se entrelaçam no meu cabelo, guiando minha
cabeça ao longo de seu membro. Estou cada vez mais molhada.
É difícil não me excitar com o som de suas exalações instáveis
e o gosto dele na minha língua.
“Chega”, ele avisa quando intensifico a sucção dos meus
lábios.
Quase choro quando ele tira o pau da minha boca. Mas ele se
redime desse pecado voltando para o meio das minhas coxas e
ficando de joelhos. Meu quadril se arqueia com as chupadas da
sua boca voraz, recebendo todo o prazer que ele tem a oferecer.
Estou esparramada na bancada da cozinha, seminua, um
banquete para a língua de Shane e os olhos de Will, caso ele os
abra. Mas não ligo para Will. As sensações eletrizantes que
Shane está causando em meu corpo são tudo em que consigo
focar.
Consigo sentir o orgasmo prestes a vir à tona. Pontos pretos
atravessam minha visão, e tudo ao redor ameaça desaparecer,
mas pisco e me obrigo a ficar no presente. Não quero perder
um segundo disso. Quando a língua de Shane passa pelo meu
clitóris, todas as terminações nervosas no meu corpo ganham
vida. Em potência máxima.
Ofego, muito perto de detonar. Tão perto…
Ele tira a boca, e quase gemo de decepção.
“Por favor, não para”, sussurro, suplicante.
Mas ele já está em pé, segurando seu pau com as feições
tensas e sedentas.
“Desculpa, gatinha, não aguento mais. Preciso de você.”
Apesar da pulsação persistente em meu clitóris, um orgasmo
que agora está me escapando, não consigo criticá-lo. Nunca o
vi tão desesperado. Seus lábios estão tensos sobre os dentes, os
olhos em chamas enquanto ele se posiciona entre minhas
pernas.
“Me coloca dentro de você.”
Estendo a mão entre nós para pegá-lo. Estou tão encharcada
que ele entra deslizando sem dificuldade. Puxo o ar enquanto
ele vai metendo, meu quadril se movendo junto com ele por
reflexo. Nunca me senti tão preenchida como agora por
homem nenhum. A fricção dele dentro de mim estimula
nervos que eu nem sabia que existiam.
“Vão mesmo fazer isso, então?”
Eu me sobressalto com a voz resignada de Will.
Ai, Deus.
Minhas bochechas estão ardendo quando viro a cabeça na
direção dele. Seu rosto está quase todo iluminado pelo brilho
do aquário. Engulo em seco quando vejo a expressão evidente
de excitação.
“Desculpa, te acordamos?” Shane pergunta com a voz
arrastada.
“Óbvio”, Will diz, seco.
Shane volta o olhar para o sofá.
“Eu mandaria Dixon cobrir você e cantar uma canção de
ninar, mas estamos um pouco ocupados agora.”
“É, estou vendo.”
Shane pausa, pensativo.
“Você gosta do que está vendo?”
“O que você acha?”
“Gosta me ver comendo minha mina?”
Will não responde. Depois solta o ar.
“Não querem levar isso para o quarto ou coisa assim?”
Nenhum de nós se mexe. Shane ainda está dentro de mim.
Isso é loucura. Quero pedir para ele parar, me cobrir, correr
para o quarto. Mas continuo imóvel. Meu pulso lateja entre as
pernas. Sei que Shane consegue me sentir palpitar ao redor
dele.
“Estamos bem onde estamos”, ele murmura, seu olhar
sedento fixo em meu rosto. “Mas pode se esconder no quarto
se isso ofende seus olhos delicados.”
Vejo Will se mexer sob o cobertor enquanto mantém contato
visual comigo. Há uma pergunta em sua expressão.
“Lembra que conversamos sobre fetiches?”, digo com ironia.
“Esse é o dele. Gosta de ser observado.”
Will lambe o canto da boca.
“E você, Di? Quer que eu fique e te veja transando?”
Um calafrio sobe por minha espinha. Sua voz é baixa.
Sedutora.
Aceno devagar.
Will acena em resposta.
“Diz em voz alta.” É um comando, não uma sugestão.
“Preciso ouvir seu consentimento.”
Limpo o tesão da garganta.
“Sim. Fica.”
Sorrindo, Shane tira e mete o pau dentro de mim com uma
estocada rápida e profunda, arrancando um gemido
involuntário dos meus lábios.
Will solta um som abafado.
“Meu Deus, Lindley.”
“Você não faz ideia de como ela está molhada”, Shane diz,
seu pau acelerando enquanto tira e volta a meter. “Meu pau
está encharcado.”
Will não responde. Está completamente concentrado em
mim. Eu deveria me sentir exposta, mas não me sinto. Estou
em chamas, todas as terminações nervosas crepitando em
expectativa. Shane tira de novo, subindo e descendo a ponta
pela minha abertura enquanto continua a falar com Will.
“Aposto que você adoraria poder estar aqui agora, não é,
Larsen?”
Aquele pau grosso me preenche de novo. Gemo.
Como Will não responde, Shane lança outro olhar para ele.
“Sei o que você está pensando. Quer seu pau na boca da
minha mina enquanto como ela.”
“Sim”, é a resposta rouca.
Ai, meu Deus.
“Bom, que pena. Não divido”, Shane zomba. “Mas pode
continuar assistindo.”
Ele acaricia meu clitóris e sinto uma onda de prazer. Tiro os
olhos de Will para me concentrar em Shane. Nos seus traços
esculpidos tensos de desejo. No pau enorme enfiado dentro de
mim.
Ele se inclina para a frente, a calça de moletom abaixada
expondo sua bunda. Mãos grandes sobem por minha barriga
para envolver meus seios por cima da camiseta do pijama,
apertando meu mamilo entre os dedos. O que desperta uma
corrente elétrica através do meu corpo. Meus seios são
absurdamente sensíveis.
“Está gostoso?”, ele pergunta, brincando com meus mamilos
enquanto me come bem devagar.
“Uhum.”
Shane curva seu corpo musculoso sobre o meu trêmulo e
baixa a cabeça para me beijar sem nenhuma inibição. Gemo em
sua língua ávida, apertando seus ombros, arranhando suas
costas com as unhas. Seu quadril não para de se mexer em
nenhum momento.
Ele lambe os lábios enquanto se endireita, uma mão
espalmada na barriga enquanto ele passa a ponta do dedo em
meu clitóris.
“Você gosta que ele esteja vendo você ser preenchida pelo
meu pau?”
Faço que sim em silêncio.
“Você me recebe tão bem, gatinha.” Seus dedos me
provocam, apertando aquele ponto sensível. “Olha só você,
p p q p
Dixon. No formato do meu pau. Você é tão apertadinha.”
Meu quadril começa a rebolar também. Porra, ele nem está
todo dentro. É grande demais. Mas meu corpo está insaciável.
Solto um barulho baixo e desesperado, tentando me empurrar
contra ele.
Shane ri.
“Will”, ele diz sem olhar para trás.
“Oi?”
“Bate uma vendo a gente.”
Ouço um gemido abafado.
Vejo movimentos pelo canto do olho. Com o pulso acelerado,
viro a cabeça a tempo de ver Will colocando a mão embaixo da
coberta. Essa é a coisa mais safada e excitante que já fiz na
vida. Eu deveria me sentir suja e objetificada, mas não.
Will vira de barriga para cima. Baixa a boxer. Vejo de relance
sua mão se movendo pelo seu membro, com o rosto voltado na
minha direção. Ele está mordendo o lábio.
“Se gozar antes da Diana, vou deixar você decidir onde vou
gozar.”
Will geme.
Eu também.
Ai, meu Deus.
Shane apoia as mãos na bancada e me fode tão fundo que
vejo estrelas de novo. Meu corpo se contrai ao redor do seu
pau, arrepios de prazer se espalhando pela minha pele.
“Mas é melhor se apressar”, Shane avisa. “Ela está quase. Está
me apertando tanto que é só uma questão de segundos.”
Como não estar quase lá se Shane está atingindo o ponto
mais incrível e Will está se masturbando com movimentos
longos e constantes enquanto nos observa?
Shane desliza as mãos sob minha bunda, erguendo-a um
pouco para poder meter mais fundo. Ele vai cada vez mais
rápido, e não consigo conter a enxurrada de sensações. O
orgasmo está chegando. Sinto o formigamento familiar ficando
mais intenso.
Tomo ar.
“Você vai me fazer gozar.”
“Goza. Mostra para Larsen como você gosta de receber esse
pau.”
Apertando minha bunda com uma mão, Shane usa a outra
para acariciar meu clitóris de novo, enquanto mantém aquele
ritmo torturante de estocadas fundas.
Uma onda de êxtase me revira. Não tento conter; não
conseguiria nem se tentasse. Meus dedos se abrem na bancada,
arrepios consumindo meu corpo todo enquanto tenho um dos
melhores orgasmos da minha vida.
Shane não para de meter depois que meu orgasmo passa. Ele
ainda não teve o dele. Mas está quase… sei pelos gemidos
primitivos que saem da sua boca.
“Desculpa, Will, você não foi rápido o bastante”, Shane
murmura, depois geme quando meus músculos internos o
apertam, ainda se contraindo pelo orgasmo.
Will também está gemendo, batendo uma com o olhar fixo
em mim e em Shane. No lugar onde estamos juntos. No
polegar de Shane ainda roçando em meu clitóris.
“Vou gozar”, Will murmura, e uma onda de desejo me
atravessa em resposta.
Não sei para onde olhar. Para Will, que está se masturbando
até gozar em cima do tanquinho, ou para Shane, que agora está
tremendo enquanto goza dentro de mim?
Leva uma eternidade para meu coração se regular. Sinto os
músculos na barriga de Shane relaxarem enquanto ele sai
devagar de dentro do meu corpo. Ele está ofegante, seus olhos
ainda me devorando.
“Está bem aí, Will?”, ele pergunta tranquilamente.
“Pra caralho.”
Rindo, Shane sobe a calça de moletom antes de me passar
um papel-toalha com delicadeza para eu me limpar. Sem dizer
uma palavra, pega meu short e minha calcinha do chão e os
coloca em mim. Minhas pernas estão bambas enquanto ele me
ajuda a sair da bancada. Meus pés descalços tocam o chão.
Shane baixa a cabeça para dar um beijo nos meus lábios.
ç p j
“Fui”, ele diz, dando uma piscadinha para mim. “Boa noite,
Dixon.”
Um riso abafado me escapa.
“Boa noite, Lindley.”
Ele dá alguns passos na direção da entrada, depois olha por
sobre o ombro.
“Boa noite, Larsen.”
37

diana

Casa velha

Uma semana após o início do novo semestre, cruzo com a ex-


namorada de Shane no pátio arborizado. Sei que Shane já a viu,
mas esse é meu primeiro encontro com Lynsey no universo de
Briar.
Como sempre, seu sorriso transmite certa frieza. Não sei se
esse ar distante é simplesmente seu estado natural ou se é
porque namoro seu ex.
Lynsey se aproxima, caminhando em minha direção com sua
calça jeans skinny azul-escura e regata preta com detalhes em
renda. Seu cabelo está preso num coque apertado. Juro, essa
mulher é a elegância em pessoa. Em comparação, me sinto
quase juvenil no meu uniforme de líder torcida preto e
prateado de Briar.
“Oi, Diana.”
“Oi.” Estampo um sorriso simpático no rosto. “Como foi sua
primeira semana?”
“Estressante”, ela admite. “Esse campus é muito maior do
que o da Liberty. Vivo tendo que consultar o mapa.” Ela mostra
a tela do celular, que está aberta em um mapa de Briar.
“Aonde você precisa chegar?” Dessa vez meu sorriso não é
forçado. Eu entendo. Lembro como era ser caloura aqui. Eu me
atrasei para todas as aulas por uma semana.
“No edifício Greenley. Diz que é por aqui.”
“Vem comigo. Estou indo nessa direção.”
“Obrigada. Você tem aula?”, ela pergunta.
“Treino de líderes de torcida. O centro esportivo e as
academias ficam no caminho para o Greenley.”
Seguimos juntas, desviando de um grupo de garotos com
camisetas de futebol americano da Briar. São torcedores, não
jogadores, e todos assobiam para mim quando passo com
minha saia plissada de líder de torcida. Eu os ignoro e
continuo andando.
“Como estão as coisas com Shane? Ele disse que vocês ainda
estão se vendo.”
“Estamos sim. E está indo muito bem.”
Mais do que bem, na verdade. Nosso esquema de amigos
coloridos tem se revelado proveitoso e resultou em alguns dos
sexos mais safados que já fiz na vida. Como Will nos
observando enquanto Shane me comia na bancada da cozinha.
Nunca pensei que faria algo assim.
“Como vai Tyreek?” Pergunto.
“Está bem.” Seu tom é evasivo.
Levanto uma sobrancelha.
“Estou sentindo uma hesitação. Está tudo bem mesmo?”
“Sei lá.” Ela dá de ombros. “A Universidade de Boston fica a
só uma hora de distância, mas tenho a impressão que toda vez
que o chamo para vir aqui, ele me convence a ir para Boston.
Não é uma distância tão longa, mas ele vai ter que vir durante
a semana porque ainda tenho ensaios.”
“Não acredito que você entrou no American Nine”, digo,
sem conseguir conter certo tom de respeito e inveja. “Você
deve ser fenomenal.”
“Não acredito que você conseguiu convencer Shane a entrar
em uma prova, que dirá três.” Seu tom fica melancólico. “É
bom ver que ele está amadurecendo. Virando o homem que eu
sempre soube que ele poderia ser.”
Eu me eriço por ele.
“Como ele era antes?”
“Egoísta”, ela diz, curta e grossa. “Ele só tinha uma coisa na
cabeça: o hóquei.”
“Ainda é assim.” Dou de ombros. “Mas talvez agora ele tenha
aprendido a incorporar outras coisas na agenda.”
“É, bom, comigo ele não fazia isso.” Irritação transparece em
seu rosto. “Sem ofensas, mas é frustrante, sabe? É como se
você tivesse uma casa velha em que estivesse investindo todo
seu tempo e energia e, quando está toda reformada, você nem
chega a morar nela.”
É difícil manter a boca fechada. Sério mesmo que ela está
comparando Shane a uma casa capenga? Só passar uma camada
de tinta e pronto? Megera.
Ele sempre foi ótimo, quero retrucar.
Mas, ao mesmo tempo, não tenho ideia de como ele era no
ensino médio. Talvez fosse um completo idiota e um péssimo
namorado.
“Outra pessoa está desfrutando dos benefícios”, ela diz,
acenando a mão para mim enquanto continua com sua
analogia insensível. “E isso faz você querer torrar suas
economias e comprar a casa de volta.”
Não sei se ela está brincando ou não, mas rio mesmo assim
porque é muito ridículo. Ela acha mesmo que pode estalar os
dedos e tê-lo de volta?
“Não acho que vai ser tão fácil assim.” Aponto para mim
mesma. “Sabe, por causa da namorada dele.”
“Foi uma piada.”
“Não”, digo, calma. “Não acho que tenha sido.”
A leveza da conversa desaparece.
“Foi uma piada”, ela repete. “De verdade.” Nós nos
encaramos por mais um minuto. Seu olhar firme não me
incomoda. Aponto um dedo na direção do prédio coberto de
hera a uns vinte metros dali.
“Aquele é o seu.”
“Obrigada.” Lynsey dá um passo à frente antes de parar e
olhar por sobre o ombro. “Não quero Shane de volta, Diana.”
Ela faz uma pausa incisiva, um sorriso se formando em sua
boca carnuda. “Mas, se quisesse, não seria difícil para mim.”
Ela sai andando depois dessa.
p
Estou completamente furiosa quando entro na academia
alguns minutos depois. Que merda foi essa? Essa garota acha
mesmo que pode roubar meu homem?
Ele não é seu homem.
Beleza, mas ela não sabe disso.
E ela tem o próprio namorado! Que tipo de megera egoísta
sai por aí ameaçando roubar o namorado das outras se tem um
em casa?
Ele não é seu namorado de verdade.
Pois deveria ser, porra, retruco mentalmente para a voz na
minha cabeça.
Minha resposta volátil à ameaça de Lynsey me faz parar para
pensar. É isso que realmente quero? Que Shane seja meu
namorado? Minha mente vira uma bagunça de repente.
Minha única certeza é que não suporto a ex de Shane.
Entro no vestiário e abro a porta do meu armário para enfiar
minha mochila. Depois respiro fundo para me acalmar.
Não posso entrar no treino tão irritada. É preciso manter a
calma executando acrobacias e saltos em que um passo em
falso pode causar um osso quebrado ou uma concussão. Não só
isso, mas tenho uma dose extra de pressão com relação a essa
equipe. Não apenas sou a capitã, mas também uma das três
flyers e a garota do topo da pirâmide. O que dá medo pra
caralho. A pressão pode ser sufocante.
Como capitã, sempre chego cedo ao treino para conversar
antes com a treinadora, Nayesha. Então fico surpresa quando
escuto passos se aproximando da porta do vestiário. Vários. O
que é ainda mais estranho. Uma ou outra menina pode chegar
uns trinta minutos antes, mas não as três que entram um
momento depois.
De repente, eu me vejo alvo de três expressões graves.
“Senta, capitã”, Audrey diz.
É um trio meio aleatório. Crystal e Audrey se dão bem, mas
não são próximas, e Madison não é muito de interagir com
nenhuma delas. A única coisa que elas têm em comum é…
Shane.
Porra, Lindley.
Será que o fã-clube dele vai me dar uma surra no vestiário
por ficar com ele? Contei para Crystal durante nosso primeiro
treino de cheerleading essa semana que estava saindo com
Shane. Foi uma conversa totalmente transparente que eu não
queria ter, mas me forcei porque sabia que uma hora ou outra
a notícia se espalharia.
“Senta”, Crystal insiste, e é então que percebo que elas não
parecem bravas.
Estão preocupadas.
“Vou continuar em pé, se não se importam.”
Todas cruzam os braços em posturas idênticas. Crystal é a
primeira a falar, com o tom firme:
“Essa é uma intervenção, Diana.”
38

shane

Espera, você está dando em cima de mim?

Nosso primeiro jogo é só no próximo fim de semana, então


posso assistir ao primeiro jogo da temporada de futebol
americano no nosso estádio com Ryder, Gigi e alguns outros
companheiros de equipe. A caloura Blake Logan também vem.
No caminho para buscá-la no alojamento, Gigi me conta que
prometeu ao pai de Blake que cuidaria dela.
O pai de Blake é ninguém menos do que John Logan. É
surreal para mim a ideia de ter John Logan, um dos melhores
defensores das últimas décadas, como pai.
Fico pensando como seria minha vida se a jornada do meu
pai na nhl tivesse terminado de outra forma. Talvez eu nem
estivesse aqui. Talvez ele tivesse ficado tão envolvido pelo estilo
de vida do hóquei profissional que decidisse esperar alguns
anos para ter filhos. Ou nunca tivesse.
Nas arquibancadas perto da linha de cinquenta jardas, eu me
sento entre Patrick Armstrong e Blake, que tem aquele ar de
boa moça com sardas e usa o cabelo castanho numa trança
lateral. Mas aquele corpo é um perigo, destacado por jeans
justos e uma blusa de alcinha que exibe seu abdome. Entendo
por que John Logan recrutou seguranças. Os moleques vão cair
matando em cima dessa menina.
No campo, o time de futebol americano parece incrível. É só
o primeiro jogo, mas estou impressionado com o entrosamento
deles. Nosso quarterback faz passes perfeitos, e nosso wide
receiver, que é o verdadeiro astro, está com tudo hoje. Ele está
no terceiro ano agora, mas sua temporada no ano passado foi
igualmente explosiva. Não consegui assistir a tantos jogos
quanto gostaria, mas lembro que todos no campus não
paravam de falar sobre Isaac Grant no ano passado.
Durante o intervalo, Diana lidera sua equipe em uma
coreografia animada e cheia de acrobacias, dando um show,
obviamente. Não consigo tirar os olhos dela. Aquele uniforme
curto de cheerleader revela muito das suas pernas e da sua
barriga enquanto ela é lançada no ar pelos homens da equipe.
Mal posso esperar para transar com ela hoje à noite.
Depois do jogo, Diana nos encontra no estacionamento,
saltitando em seus tênis brancos. Ela ainda está de uniforme, o
cabelo preso em um rabo de cavalo alto, os olhos brilhando.
“Você arrasou”, Gigi diz.
“Obrigada, amiga.” Ela abraça as meninas. “Pronta para sua
primeira festa de fraternidade, Blakey?”
“Sim, animada para a festa, Blakey?”, tiro sarro.
Blake revira os olhos para mim.
“Primeiro, nunca mais me chame de Blakey. Di é a única que
pode. E, segundo, estou sendo arrastada para esse evento
contra a minha vontade. Me prometeram a experiência
universitária completa e parece que isso envolve caras de
fraternidade bêbados.”
“Ela precisa ser iniciada na vida do campus”, Diana diz com
firmeza. “Não é a faculdade sem caras de fraternidade
bêbados.”
Diana, Blake, Patrik e Austin Pope entram na minha
Mercedes. Não estou planejando beber hoje então sou o
motorista da rodada, dirigindo para a rua das fraternidades e
irmandades.
“Viu como Madison estava me encarando no
estacionamento?”, resmungo para Diana. Ainda consigo sentir
o olhar severo da líder de torcida cravado em mim.
Ela estende o braço no banco de passageiro, apoiando a mão
na minha coxa.
“Não dá para agradar todo mundo, baby.”
p g y
“Ainda não acredito que as líderes de torcida fizeram uma
intervenção para você. Sobre mim.”
Patrick ri no banco de trás.
“Sério mesmo?”
Diana vira para sorrir para ele.
“Foi demais. Devia ter filmado.”
“Elas te odeiam ou coisa parecida?” Blake pergunta, curiosa.
“Quando estavam gemendo meu nome, não me odiavam”,
ironizo.
Diana bate no meu braço.
“Grosso!”
“Saquei”, Blake diz com um sorriso. “Então você partiu o
coração delas.”
“Não era nem para o coração delas estar envolvido na
história”, argumento. “Sério. É por isso que acho sexo casual
uma piada doentia. Uma farsa em que a sociedade nos fez
acreditar. Só serve para magoar as pessoas.”
“Para ser sincera, eu merecia a intervenção”, Diana suspira.
“Foi a vingança por todas as vezes em que falei para elas que
você era péssimo. Para elas, deve parecer que perdi a cabeça.”
Estamos perto da fraternidade, e estaciono na rua a vinte
metros da festa. Quero certa distância entre minha Mercedes e
bêbados babacas, muito obrigado.
A música reverbera tão alto que consigo sentir a batida da
calçada na frente da Kappa Nu. As pessoas entram e saem,
algumas já tropeçando embora seja apenas oito horas. Luzes
neon aparecem na porta da frente, e a música ensurdecedora
combinada com a iluminação inadequada é uma desgraça
anunciada. Meio que queria estar bebendo.
Diana dá o braço para Blake.
“Agora, como essa é sua primeira festa universitária oficial,
não deixe que os meninos lá dentro te deem a ideia errada
sobre os homens”, ela avisa. “Eles não são homens; são
moleques. Acham que piadas de peido são engraçadas e
paquerar para eles é segurar suas pernas enquanto você bebe
cerveja de cabeça para baixo e dizer ‘belos peitos’.”
É
j ç p p
“É verdade”, Patrick confirma para Blake. “Aliás, belos
peitos.”
Ela sorri para ele.
Entramos na fraternidade, Diana vai na minha frente,
balançando o quadril e rebolando naquela saia minúscula.
Pego sua cintura e a puxo para trás.
“Quer subir e sentar na minha cara?”, sussurro no seu
ouvido.
Ela estremece.
“Para de me tentar.”
Enquanto os outros vão entrando, continuamos na entrada,
meu corpo colado às costas dela. Deslizo as duas mãos sob sua
saia e aperto sua bunda. Diana se contorce.
Apoio o queixo no seu ombro.
“Sabe, considerando todas as líderes de torcida com quem já
fiquei…”
“Todas as cinco mil?”
“Todo o milhão. Nunca comi nenhuma de uniforme.”
Sua resposta é provocante.
“Quem disse que eu vou deixar você me comer?”
“Sua mão está dentro da saia dela?” Beckett pergunta,
chegando perto de nós junto com Will.
“Não”, minto.
“Dá para ver.”
“Você está tendo alucinações.”
Diana ri. Dou um tapinha na bunda dela antes de tirar as
mãos. Will olha de esguelha para mim. Ele não diz nada, mas
tenho certeza de que está pensando sobre o que aconteceu no
apartamento de Diana naquela noite. Penso nisso com
frequência.
Também não foi constrangedor quando fomos juntos de
carro para o treino na manhã seguinte. Pensei que seria, mas
conversamos no carro como se nada tivesse acontecido. Acho
que Will está acostumado a ficar de boa depois de uma noite
de safadeza. Deus sabe que ele tem experiência com isso hoje
em dia.
“Dixon!”, alguém grita quando entramos na sala cheia.
Levo um susto porque sou eu que a chamo assim. Isaac
Grant, o wide receiver que é a estrela do time, se aproxima de
nós com um copo vermelho cheio de cerveja e um sorriso
vitorioso. Ele tem todo o direito de se achar. Terminou o jogo
com dez recepções para cento e oitenta e duas jardas e dois
touchdowns. É imbatível.
Isaac coloca um braço ao redor de Diana e dá um beijo na
bochecha dela.
Tento ignorar o ciúme escaldante que faz meu sangue ferver.
A equipe de líderes de torcida participa de todos os jogos de
futebol americano, então sei que os jogadores e as líderes de
torcida passam muito tempo juntos. Diana deve ser próxima de
alguns jogadores.
Mas ele desperta meu lado possessivo. É bonito. Pele
bronzeada, maxilar esculpido, pelo menos um e noventa e
pouco de altura, e musculoso. A única característica que faz
com que ele não seja padrão é o cabelo ruivo. Mas admito que
está mais para castanho-avermelhado com mechas loiras do
que para um laranja fluorescente.
Cumprimento Isaac com um aceno.
“E aí, mano. Belo jogo.”
“Valeu.” Ele percebe como estendo a mão para pegar a de
Diana.
“Dixon, é o seu namorado?”
“Sim.”
Ele continua me observando de cima a baixo.
“Basquete?”
“Hóquei.”
“Legal. Vocês do hóquei são cabulosos.”
“Pode crer.”
O olhar interessado de Isaac desvia para Blake.
“Quem é sua amiga?”, ele pergunta a Diana.
“Essa é Blake. Blake, Isaac.”
Ele começa a jogar charme na hora.
“O que achou do jogo, gata?”
q j g g
Blake parece achar graça.
“Por que acha que fui ao seu jogo?”
“Não foi?”
“Fui sim.” Ela ergue uma sobrancelha. “Aquele segundo
touchdown foi impressionante.”
“Estou aqui para agradar.” E vai daí para baixo, falando sobre
o jogo e dizendo várias coisas com duplo sentido para sugerir
que sua habilidade vai além do campo.
Ele está no meio da frase quando Blake o interrompe.
“Espera, você está dando em cima de mim?”
Isaac parece assustado.
Rio com a cara no copo.
“Ah, você estava. Entendi. Pensei que a gente só estava
escutando você falar como é o bonzão, mas daí você comentou
sobre mãos fortes e dedos ágeis e pensei: porra. Ele está dando em
cima de mim.” Ela olha para Diana. “Desculpa. Isso foi chato. Ele
é seu amigo próximo?”
Racho o bico porque esse cara pode conquistar a garota que
quiser, e uma caloura acabou de destruir o ego dele em cinco
segundos.
Isaac estreita os olhos.
“Como você chama mesmo?”
Diana não consegue conter o riso.
“Ah, agora ele está fingindo que não sabe seu nome”, ela diz
a Blake. Rindo, ela passa a mão reconfortante sobre o ombro
largo de Isaac. “Está tudo bem, querido. Desiste. Vai para outro
lugar lamber suas feridas.”
Com os olhos estreitados, ele sai para manter a dignidade.
Mesmo assim, durante a hora seguinte, noto seus olhares para
Blake. Diana também nota.
“Acho que você intrigou nosso superastro”, ela diz. “Mas
cuidado, porque a reputação dele é merecida. Acho que ele já
transou com todas as líderes de torcida do time, até com as
que namoram.”
“Incluindo você?”, resmungo.
“Não.” Ela diz, mas depois suspira. “A gente só deu uns
beijos.”
Blake ri com a cara na cerveja. Sei que ela não tem idade
para beber, mas até agora ela só tomou uma, e estou de olho.
“Não precisam se preocupar”, Blake nos garante. “Sou
alérgica a homens arrogantes.”
Como Diana avisou, os meninos das fraternidades vão
ficando mais e mais infantis à medida que ficam bêbados, mas
a festa não fica tão descontrolada quanto eu esperava. Tirando
um novato da Kappa Nu correndo pelado pela rua e outro
pulando do telhado para a piscina do quintal, está até que
tranquilo para uma festa de fraternidade.
Danço com Diana e Blake. Troco ideia com Ryder e os outros
caras. Chamo Will para jogar golfe comigo amanhã cedo e,
quando ele diz que não pode, Diana puxa meu braço.
“Vou com você se quiser”, ela oferece.
“Sério?”
“Claro. Você passou quase todos os dias do verão naquele
clube. Quero entender qual é a graça.”
Mais tarde, estamos assistindo a uma partida acirrada de beer
pong na sala de jantar quando Isaac Grant volta a enfrentar a
língua afiada de Blake e se junta a nós. Seu bíceps se flexiona
sob a camiseta preta com o logo do time de futebol americano
da Briar.
“O que você vai querer de café da manhã?”, ele pergunta
para Blake.
Uma ruga se forma na testa dela.
“Café da manhã?”
“Você vai passar a noite na minha casa… é justo que eu pague
seu café da manhã.”
“Sutil”, digo.
Blake continua indiferente.
“Foi mal. Tenho outros planos.” Ela aponta a cabeça para
Diana. “Acho que cansei dessa festa. Está pronta para ir
embora?”
39

shane

Livro aberto

Na manhã seguinte, paro o carro no estacionamento de


membros do clube de campo e me viro para minhas duas
companheiras. Blake dormiu no apartamento de Diana ontem à
noite, então veio também. Nós três tomamos café da manhã —
sem Isaac Grant, coitado — antes de virmos para o campo de
golfe.
“Já jogou golfe?”, pergunto a Blake.
“Sim.” Ela aperta os lábios. “Detesto.”
Não é um bom sinal. E sei que Diana nunca jogou. Nem
vestida para golfe ela está. Ela está de cropped e uma calça de
yoga que acaba perto das panturrilhas. Uma trança loira cai
pelas costas e um par de óculos escuros grandes está apoiado
em seu nariz perfeito.
Blake está aproveitando o tempo quente de setembro com
uma regata branca fina e um shortinho jeans. Ela não está
indecente nem nada, pelo menos não o bastante para provocar
a ira dos puritanos do clube, mas com certeza vai atrair alguns
olhares.
Como só tenho um conjunto de tacos masculinos, paramos
antes no quiosque de aluguel para pegar alguns para as
meninas.
“Posso pagar”, Diana oferece.
“Não, é por minha conta. Sou membro.”
Depois que o menino do quiosque passa o aluguel na minha
conta, carrego as duas bolsas nos ombros enquanto seguimos a
trilha florida na direção do campo de golfe. O cheiro de grama
recém-cortada paira no ar. Encontramos um lugar mais
afastado dos outros golfistas.
Diana me encara com expectativa.
“Que foi?”, pergunto enquanto tiro meu driver da bolsa.
Removo a capa e passo a mão sobre a superfície lustrosa.
“Você disse que me ensinaria a jogar golfe”, ela me lembra.
“A gente acabou de chegar.”
“É, mas pensei que já começaríamos.” Ela faz beicinho.
“Pensei que você faria alguma coisa muito sexy.”
“Sim”, Blake concorda. “Pensei que chegaria por trás e
colocaria os braços ao meu redor de um jeito sedutor e
sussurraria: O segredo está na pegada.”
Jogo a cabeça pra trás e rio.
“Tá… primeiro, vou usar essa cantada daqui para a frente. E,
segundo, tenho quase certeza de que seu pai arrancaria minha
língua se algum dia eu dissesse isso e amputaria minhas mãos
se eu tocasse em você. Portanto, só vou te instruir a uma
distância respeitosa.”
Blake ergue uma sobrancelha.
“Covarde.”
“Covarde”, Diana repete, com ironia.
“Sério, Dixon? Quer que eu coloque as mãos em outra
mulher e sussurre de forma sedutora para ela?”
“Em nome do golfe, eu aceitaria.”
Rio.
“Tá, peguem o driver. Vamos treinar seu swing.”
Diana coloca a mão dentro da bolsa feminina.
“Ouvi dizer que o segredo para um swing perfeito é a
pegada.” Dou uma piscadinha para ela. “E sei que você tem
uma pegada fenomenal.”
Blake suspira.
“Sei que você está falando de punheta e não estou curtindo.”
Dou de ombros.
“Não me arrependo.”
“Ele nunca se arrepende”, Diana diz para ela.
p p
Fico ao lado de Diana e mostro para ela como segurar
corretamente o driver. Quando ela imita a pegada que
demonstro, baixo a mão para ajustar seus dedos.
“Pronto. Perfeito. Agora afasta mais os pés. É para ficarem na
largura dos ombros. Relaxa os ombros também.”
Viro para dar o mesmo conselho para Blake, a tempo de vê-
la lançar a bola a cento e quarenta jardas.
Meu queixo cai.
“Como assim, Logan?”
“Ah, não sou ruim no golfe”, ela diz com um sorriso de
canto. “Só disse que odeio.”
“Nunca mais me engane.”
Rindo, ela coloca outra bola no suporte. Vendo que não
precisa da minha ajuda, deixo que ela se vire sozinha.
Coloco a bola de Diana para ela e dou um passo para trás.
“É tudo questão de timing e coordenação”, explico. “Fica de
olho na bola. Você consegue.”
Ela não consegue.
Pelo menos não de cara. Diana erra sua primeira tacada,
fazendo tufos de grama caírem em cima do meu sapato. Mas o
erro só a estimula. De repente, ela está com aquela ruguinha
fofa na testa que me diz que está prestes a superar um desafio
ou morrer tentando.
Ela acerta sua segunda tacada, lançando a bola a umas
sessenta jardas.
“Você viu isso?” Diana se vira. “Foi lindo.”
“Foi lindo sim”, digo, tentando conter um sorriso. “Agora
vamos tentar melhorar sua distância.”
Ela ergue os braços em uma pose de vitória, e noto alguns
caras de vinte e tantos anos olhando descaradamente para ela.
Sim, minha namorada de mentira é uma gata.
Mas, para falar a verdade… essa relação não está mais com
cara de fingimento. Claro, somos amigos com benefícios, mas
esses benefícios não se limitam mais ao campo sexual.
Trocamos mensagens o tempo todo. Ligamos um para o outro.
Dançamos juntos. Pô, até a trouxe comigo na minha última
ç j g
manhã de tempo livre antes de a temporada de hóquei
começar oficialmente. E não só ela não está reclamando de
passar a manhã no campo de golfe, como está fazendo um
esforço sincero para aprender.
A única outra mulher com quem já joguei golfe é Lynsey.
Sim, minha ex me dava a honra de me acompanhar uma ou
talvez duas vezes por ano se eu tivesse sorte. E uma dessas
vezes foi em meu aniversário, quando implorei para ela jogar
dezoito buracos comigo.
Lembro muito bem desse aniversário. Lynsey ficou sentada
no carrinho de golfe na maior parte do tempo olhando o
celular, sem nem ver quando acertei uma tacada de primeira
no campo. Ela até esboçou algum entusiasmo com meu grito
de orgulho, mas dava para ver que não estava nem aí.
Agora, imagina se eu acertasse uma tacada de primeira com
Diana ao meu lado no campo. Meu Deus. É provável que Dixon
fizesse toda uma coreografia de torcida para comemorar minha
proeza. Só de pensar nisso, sinto uma onda de satisfação.
Ai, caramba. Meu peito está apertado de emoção agora. Sou
sentimental pra caralho.
Enquanto troco por um taco de ferro nove para poder
trabalhar em meu jogo mais curto, sorrio ao ver Diana
torcendo por Blake.
“Você consegue, Blakey. Acho que consegue aumentar mais
umas cinco jardas nessa sua próxima tacada.”
“Nossa, você é uma cheerleader mesmo”, Blake diz, seca.
“Não consigo evitar.” Diana balança sobre os calcanhares. “Só
quero que as pessoas se saiam bem.” Quando ela vem até mim,
uma empolgação sincera brilha em seus olhos verdes. “É muito
divertido. Obrigada por nos trazer.”
“Estou feliz que vieram”, digo com a voz embargada.
O que quer que ela tenha visto em meu rosto faz um sorriso
curvar seus lábios.
“É mesmo?”
“É sim. E estou feliz que esteja curtindo.”
“Estou adorando. Acho que na próxima deveríamos jogar
uma partida inteira.”
Engulo em seco o nó repentino na garganta.
“Sim, deveríamos. É, hum, muito legal ter você aqui.”
É difícil expressar como me sinto agora. Chega a ser quase
ridículo sentir esse nível de alegria e ternura por algo tão bobo
como ter uma mulher demonstrando entusiasmo por um dos
meus hobbies.
Diana franze a testa, e sei que ela está lendo minha mente.
“Lynsey odiava golfe ou algo assim? A família dela morreu
em um trágico acidente de golfe e ela não pode jogar nunca
mais?”
“Não, está todo mundo vivo e bem na família dela.” Dou de
ombros. “Ela jogava golfe no meu aniversário se eu pedisse,
mas era só isso. Ela não demonstrava muito interesse pelas
coisas que eu curtia.”
“E aposto que você assistia a todas as competições de dança
dela e sentava na primeira fileira segurando um cartaz enorme
que dizia dança, gatinha, dança.”
“Não, não tinha cartaz nenhum.” Rio. “Mas sim, claro que eu
ia às apresentações dela.”
“Não me entenda mal, mas…” Seu tom é cuidadoso. “Essa
relação parece ter sido bem unilateral.”
Olho para Blake, que está mexendo no celular a alguns
metros. Depois abaixo a voz.
“O que você quer dizer?”
“Quero dizer que você fazia todo o trabalho emocional. Todo
o trabalho de se adaptar.”
“Não é verdade.”
Diana fica quieta por um momento. Quando fala, é num tom
de mágoa.
“Lembra no caminho para a casa dos seus pais, que você
disse para eu dar uma segurada? Quando a gente estava
conversando no carro?”
Sua acusação provoca uma faísca de culpa. Merda. Não
lembro de dizer isso. Mas peço desculpa mesmo assim.
p ç p
“Desculpa. Foi um comentário infeliz.”
“Sim, foi. E Percy fazia a mesma coisa às vezes, me dizendo
que eu precisava mudar algo em mim.” Diana estremece com o
som do nome dele, como se doesse a sair da sua boca. “Mas
não é essa a questão. O que estou tentando dizer é que, pelo
que vi e ouvi, quem estava dando uma segurada é você.”
“O que você quer dizer?” Pergunto, cauteloso.
“Desculpa a expressão clichê, mas é como se Lynsey apagasse
um pouco da sua luz.”
Faço uma careta.
“Parece que você estava se esforçando muito para
impressionar aquela menina ou coisa assim.”
“Tá, desse jeito eu pareço ridículo.”
“Não é. É natural querer deixar a pessoa com quem você está
feliz. Você quer impressionar essa pessoa. Mas parece que você
fazia todas as concessões. Tinha que ser seu aniversário para ela
fazer uma atividade que você gostava. O que ela fazia para
apoiar você? Ela assistia aos seus jogos de hóquei?”
Eu me ajeito, sem graça.
“Ela estava ocupada com os ensaios.”
Diana não comenta, mas sua expressão diz: Tudo explicado.
Ela fica em silêncio de novo, depois solta o ar.
“Só tenho a impressão de que esse relacionamento talvez não
tenha sido tão mágico quanto você se lembra. Porque, vendo de
fora, não parece o mais saudável.” Ela dá de ombros. “E
desconfio que eu não seja a única pessoa que pensa isso.”
Franzo a testa ainda mais.
“Por que você diz isso?”
“Só algumas coisas que seu pai disse. Ele me falou que você
ri muito quando está comigo. Que age diferente. Ele não
mencionou Lynsey especificamente, mas deu a entender que
talvez você não fosse você mesmo quando estava com ela.”
Contesto:
“Eu e Lynsey nos divertíamos juntos.”
“Não estou dizendo que não. Mas não sei se você realmente
era você mesmo com ela. Você se abria de verdade para ela?
p
Mostrava todos os seus lados para ela?”
“Ai, meu Deus, Diana”, Blake interrompe. “Vem ver isso.”
“Desculpa. Já volto.” Diana aperta o meu braço e vai olhar o
celular que Blake está estendendo para ela.
Suas palavras deixam um gosto ruim na minha boca e uma
confusão no meu cérebro.
Será que eu nunca me abria de verdade com Lynsey?
A questão é que… sim. Eu me abria. Eu era vulnerável com
ela, compartilhando meus pensamentos mais íntimos.
Confessei alguns fetiches; ela não quis satisfazer. Eu a
convidava para tudo; ela não queria ir. E, quando ia, deixava
claro que não estava se divertindo.
Porra. Me incomoda que meu pai pense que eu agia diferente
perto de Lynsey. Como se eu fosse um trouxa que deixasse
uma mulher me fazer de gato e sapato.
Mas nunca vi nossa relação dessa forma. Sim, tinha seus
problemas e, talvez, pensando bem, fiz sim a maior parte das
concessões, mas…
“Shane, dá uma olhada nisso.”
Deixo esses pensamentos inquietantes de lado e me
aproximo. Blake me mostra uma foto do casamento de Gigi e
Ryder de um homem de cabelo escuro tentando abrir espacates
na pista de dança.
“É um antigo companheiro de equipe do meu pai dos
tempos de Briar. Mike Hollis.” Blake não consegue parar de rir.
“Essa foi logo antes de ele arrancar a calça e daí a esposa dele
começou a gritar com ele e o obrigou a ir para casa.”
Rio. Ah, sim. Lembro desse cara. Ele e a esposa dominaram a
pista de dança a noite toda. Blake rola para ver as outras fotos
da sequência, que mostram uma mulher baixinha de pele
marrom e cabelo escuro dando bronca no homem de calça
rasgada.
“São muito engraçadas”, digo, antes de me dar conta de uma
coisa. “Sabe que não vi nenhuma das fotos do casamento, além
das que eu tirei?”
“Ah, estou com uma pasta inteira no celular”, Diana me diz.
p
“Está? Cadê seu celular?”
“Está em cima da nossa bolsa de golfe.”
“Beleza. Vou pegar.” Estou prestes a ir quando Blake dá um
grito de surpresa.
“Ai, caralho.”
“Que foi?” Diana pergunta.
“Isaac acabou de me mandar mensagem.”
Agora é Diana quem fica surpresa.
“Isaac Grant?”
Ergo uma sobrancelha, sorrindo.
“O famoso wide receiver? Olha só você, Logan. Chamando a
atenção dos grandes nomes.”
“Como ele conseguiu seu número?” Diana parece estar
segurando o riso.
Com profunda resignação, Blake lê em voz alta.
“Oi, aqui é Isaac. Não me pergunta como consegui seu número. Levei
um tempão e precisei passar por uns canais bem obscuros.”
Rio.
“Depois continua. Aqui ele diz: Vamos ser diretos. Quero te ver
de novo.”
“Nossa.” Estou impressionado de verdade. “Bom pra ele.”
Blake me encara.
“Bom pra ele coisa nenhuma. Isso é quase assédio!”
“Nada. Ele só está tentando a sorte. Você deveria aceitar.”
“Não acredito que vou apoiar isso”, Diana intervém “já que
ele é um grande mulherengo, mas concordo. Acho que no
fundo ele tem coração.”
“É? Se gostam tanto dele, vão lá ficar com ele, então.” Blake
revira os olhos. “Jogadores de futebol americano metidos não
fazem meu tipo.” Ela faz uma pausa. “Mas acho que prefiro isso
a um jogador de hóquei metido.”
“Qual é o problema com jogadores de hóquei?”, questiono.
“Eu e minha mãe somos torcedoras de futebol americano.”
Eu a encaro, boquiaberto.
“Que blasfêmia! Seu pai é John Logan.”
“Sim, é. Torci em todos os jogos dele na infância, e garanto
que sei mais sobre hóquei do que a maioria dos seus
companheiros de equipe. Mas, se eu tiver que escolher um
jogo para assistir, prefiro estar sentada atrás do banco dos
Patriots do que no centro do gelo do td Garden.”
“Você está deserdada.” Balanço a cabeça para ela.
Elas passam a me ignorar e Diana tenta convencer Blake a
não responder Isaac com “Passo”.
Não me importo mais com a conversa agora que sei que
Blake é uma traidora, então vou pegar o celular de Diana.
Quero me mandar aquelas fotos do casamento.
“Está nos seus álbuns?”, pergunto sobre o ombro.
“Sim. Numa pasta chamada ‘Casamento de G’.”
“Legal.”
Pego o celular e o destravo; sei a senha porque já usei o
celular dela antes. Está aí outra diferença entre ela e Lynsey.
Minha ex nunca me daria a senha do seu celular. Mas não acho
que ela estivesse me traindo nem nada. É só a personalidade de
Lynsey. Ela é uma pessoa fechada. Reservada. Diana, por outro
lado, é um livro aberto.
Volto na direção das meninas, passando pelos álbuns de fotos
de Diana.
E é assim que descubro que ela não é um livro aberto coisa
nenhuma.
40

shane

Não sou essa pessoa

É difícil manter a compostura enquanto eu e Diana levamos


Blake de volta ao campus. Sem dizer uma palavra, entro no
estacionamento atrás da Casa Burton, o alojamento de Blake, e
desligo o motor.
“Valeu pela carona”, ela diz, levando a mão à maçaneta da
porta. “Foi divertido.”
“Não ignora o Isaac”, Diana aconselha enquanto Blake desce
do banco de trás. “Dá uma chance para ele.”
“Acho que não, hein.”
Diana baixa a janela, gritando para ela.
“Dá uma chance para ele.”
“Nem pensar”, é a resposta que fica no ar.
Diana vira para mim e sorri.
Sou incapaz de rir com ela. Não consigo desver o que vi no
celular dela. É como uma marca de ferro quente no meu
cérebro.
Seu sorriso se desfaz devagar.
“O que foi?”
Respiro fundo. Não consigo encontrar as palavras.
Sinceramente não sei nem por onde começar de tão puto que
estou.
“Shane, ei.”
Ela tenta pegar minha mão.
Eu me desvencilho.
“Sério, qual é o problema?” Uma preocupação intensa enche
sua voz. “Você está me assustando.”
“Dixon.” Respiro fundo de novo para aliviar a dor nos
pulmões. “Estou me esforçando muito para não explodir e
fazer algo de que vou me arrepender.”
“Se arrepender?” Seus olhos se arregalam de preocupação.
“Do que você está falando?”
“Preciso que você seja sincera comigo. Vou te fazer uma
pergunta e tudo que quero de você é sinceridade. É sim ou
não. E estou falando sério. Não mente para mim.”
Ela engole em seco.
“O quê?”
“Seu ex-namorado bateu em você?”
Um silêncio mortal recai sob o carro. O rosto de Diana fica
pálido, sua expressão em pânico. Já sei a resposta antes mesmo
de ela abrir a boca.
“Por que você está me perguntando isso?”
“Não”, corto. “Pedi um sim ou um não. Percy bateu em
você?”
Depois de um longo silêncio cheio de tensão, ela diz:
“Sim.”
A raiva dispara dentro de mim.
Seguro o volante com as duas mãos, apertando até os dedos
ficarem brancos. Não consigo nem pensar em ligar o carro
agora. Não posso correr o risco de sair desse estacionamento.
Porque, se sair, vou caçar aquele bosta do Percy e passar com o
carro em cima dele até não sobrar nada embaixo dos pneus. E
foda-se se isso faz de mim um psicopata. Saber que ele colocou
as mãos em Diana dissolveu minha visão em uma névoa
vermelha. Sou capaz de matar nesse momento.
“Como você…” Ela perde a voz.
“A pasta de fotos no seu celular”, disparo. “Você deveria ter
colocado em uma das pastas ocultas.”
“Não achei que alguém fosse mexer no meu celular”, ela diz,
tensa.
“Não mexi de propósito. Cliquei sem querer. E daí? Precisava
fingir que não tinha visto seu rosto espancado?”
“Foi… foi só um olho roxo.”
“Só um…” Paro, respirando para me acalmar. Aperto o
volante mais uma vez antes de baixar as mãos devagar. “Me
deixa ver de novo.”
“Por quê?”
“Porque só passei os olhos nas mensagens. E acho que vai ser
mais fácil ler do que você me contar porque estou explosivo
pra caralho agora e…”
“Não, eu entendi”, ela interrompe. Com as mãos tremendo,
ela me passa o celular.
Meu coração bate forte enquanto leio tudo. Diana guardou
tudo. Pelo que entendi, aconteceu depois do trabalho. Percy
apareceu no final do turno dela. Depois a levou para casa.
E bateu nela, porra.
Ele colocou aquelas mãos imundas e patéticas nela e…
Solto o ar de novo. Calma.
Nas mensagens, Percy insiste que foi um reflexo. Instintivo.
Mas vi a foto do rosto dela. Vi o olho roxo com meus próprios
olhos. Aquilo não foi instintivo. Foi um filho da puta doente
que machucou uma mulher indefesa.
Diana documentou todas as mensagens em que ele admite a
agressão. Mas ele continua colocando a culpa nela, dizendo que
ela o empurrou.
“Você encostou nele?”, pergunto, brusco.
O rosto dela fica desolado.
“Não fiz nada. Percy segurou meu braço e aí tentei empurrar
ele.”
“Mostra para mim”, ordeno. Não porque não acredite nela,
mas porque preciso de uma imagem na minha cabeça. Para ter
algo para contar à polícia depois que matar aquele cara. “Foi
assim que ele fez?”
Estendo a mão sobre o painel central e a seguro pelo
antebraço. Delicado mas firme.
“Ele segurou você assim?”
g
Ela acena, timidamente.
“E o que você fez?”
Com a mão livre, Diana empurra meu ombro.
“E ele deu um soco na sua cara.” A raiva volta a ferver. “Essa
foi a reação dele quando você empurrou o ombro dele?”
“Sim.”
Cai um silêncio.
“Por que você não foi até a polícia, porra?”
Ela se assusta.
Recupero a calma imediatamente.
“Desculpa. Não, Dixon, desculpa. Isso não é com você. É com
ele. Eu…” Ouço meu sangue pulsando em meus ouvidos. “Não
entendo por que você não denunciou isso. Por que você
mentiu e disse que se machucou no programa de
cheerleading?” Ela me falou que levou uma cotovelada no
rosto, pelo amor de Deus.
“Porque me dá vergonha!”
Sua voz embarga. E meu coração se parte. Nunca vi Diana
tão destruída. Ela está sentada no banco de passageiro, sem
nenhum pingo da confiança que aprendi a adorar, com
lágrimas escorrendo pelo rosto.
“Não sou essa pessoa, tá?”
“Como assim?”
“Eu sei me virar.” Sua voz treme descontroladamente. “Você
ouviu as histórias que meu pai conta. Sou aquela que acaba
com a raça das pessoas. Não sou a mulher que apanha de um
homem, beleza? Não denunciei porque não posso ser aquela
mulher.”
“Baby.” Desafivelo o cinto de segurança, depois me inclino
para desafivelar o dela. “Vem cá.”
“Não.” Ela tenta se desvencilhar de mim.
“Vem cá”, repito, levando a mão até ela.
Dessa vez, não há resistência. Ela sobe no meu colo e afunda
o rosto no meu pescoço. Ficamos sentados no estacionamento
do alojamento, e a abraço com força enquanto a raiva mal
contida ferve em meu sangue.
g
Diana se endireita, seu rosto cheio de lágrimas partindo meu
coração.
“Sou forte”, ela murmura. “Sou imbatível, e um filho da puta
me deu um soco na calçada. Não posso ir até a polícia.”
“Pode sim. E deve”, digo com firmeza.
Ela morde o lábio inferior, que ainda está tremendo.
“Você precisa, Dixon. Não pode deixar que ele saia impune
dessa, e acho que no fundo você quer denunciar.”
Lágrimas surgem em seus cílios de novo.
“Quer sim. É por isso que você guardou essa pasta no celular.
Você documentou o que ele fez e guardou porque sabia que
poderia precisar usar. Na verdade, não, não poderia… você sabia
que deveria usar.”
Diana começa a chorar de novo, tremendo em meus braços.
“Não posso ir até a polícia. Meu pai vai descobrir…”
“Tem razão. Ele vai descobrir e, quando souber o que
aconteceu, vai ficar tão furioso quanto eu. Mas ele te ama. E
vai saber, assim como eu sei, que você não fez nada de errado.”
Ela volta a morder o lábio.
“Eu o provoquei.”
“Você não provocou nada. Você terminou com ele e falou
para ele deixar você em paz. Ele seguiu você no seu trabalho e
depois agrediu você. É só isso que você precisa dizer para a
polícia. Confia em mim, ninguém vai culpabilizar a vítima ou
pensar que você fez alguma coisa para causar o que aconteceu.”
“O advogado dele vai me culpar sim se formos ao tribunal.
Ai, merda.” Pânico se acende em seus olhos. “Não vou ao
tribunal, Shane. Não vou dar depoimento.”
“Duvido que chegue a esse ponto”, garanto. “Não se
preocupa; ele vai pedir um acordo.” Aponto para o celular que
deixei no porta-copo. “Você tem fotos. Tem mensagens. As
palavras dele admitindo. É caso ganho.”
“Você diz isso agora e, depois, daqui a um ano ou sabe-se lá
quanto tempo, ainda vou estar lidando com isso.” Ela faz um
barulho desesperado no fundo da garganta. “Não quero mais
esse cara na minha vida.”
“Eu também não.” Toco seu queixo com delicadeza,
forçando-a a encontrar meu olhar. “Mas me deixa perguntar
uma coisa: você quer que ele encontre uma nova namorada? E
se ele ficar puto com a namorada nova e der um soco nela?”
Algo brilha nos olhos de Diana. Acho que é raiva.
“Isso”, estimulo. “Boa. Sente essa raiva, gatinha.” Ela precisa
sentir raiva. “Você não fez nada de errado. Não pediu isso. Não
mereceu isso. E precisa denunciar. Se denunciar, prometo que
vou com você. Levo você até a delegacia de Hastings agora e
não vou sair do seu lado.” Acaricio sua bochecha. “E, se quiser,
vou estar lá quando você conversar com seu pai. Mas isso é
algo que você não pode varrer para debaixo do tapete e…”
Paro de repente.
“O que foi?”, ela diz.
“É por isso que você queria que eu fingisse ser seu namorado
quando ele apareceu no Meadow Hill”, me dou conta, soltando
um palavrão baixo. “Você estava com medo dele.”
Inspiro pelo nariz e tento me acalmar porque, de novo, se
Percy estivesse na minha frente, eu estaria quebrando seu
pescoço com minhas próprias mãos.
“Você deveria ter me contado”, digo com a voz pesada.
Ela evita meu olhar.
“Estava com vergonha.”
“Você não tem nada do que se envergonhar.”
“Sou a menina que apanhou do namorado. É ridículo.”
“Diana, para. Sei que é a emoção falando, mas, quando você
conseguir dar um passo para trás e olhar para isso
racionalmente, vai entender que essa não é você. Você não tem
nem nunca vai ter nada de ridícula.”
“Jura?”
“Juro. E juro que vou te apoiar no que você decidir fazer,
mesmo se eu discordar. Dito isso…” Seguro seu queixo para
forçar contato visual. “Posso te levar para a delegacia?”
Sua boca começa a tremer de novo.
Ela faz que sim.
41

diana

Você é humana

Delegacias de polícia são um saco. E não só por causa do cheiro


de café velho e das luzes fluorescentes que dão enxaqueca. Elas
fazem você sentir como se estivesse em apuros, mesmo que
não tenha feito nada de errado. Sei que é uma reação
irracional, mas não consigo evitar sentir que estão todos me
julgando enquanto passo o domingo na delegacia de Hastings.
Sou obrigada a dar meu depoimento várias vezes. A detetive
responsável imprime todas as fotos e mensagens do meu
celular, depois me informa de que vão precisar entrar em
contato com minha operadora de telefonia e verificar as coisas
do lado deles também. Horários e tal. Diz que vão fazer o
mesmo com o celular de Percy depois que conseguirem um
mandado e que vão levá-lo à delegacia ainda hoje.
Pretendo estar bem longe antes que isso aconteça. A ideia de
dar de cara com ele me dá vontade de vomitar. Sim, topei com
ele o verão inteiro. Mas é diferente. Era como se tivéssemos
um armário cheio de esqueletos e os dois concordassem em
trancar a porta. E, então, sem a permissão dele, eu a
destranquei e joguei luz sobre o que ele fez.
Percy não vai ficar nada feliz, e acho que a detetive Wendt
prevê isso porque também me aconselha a pedir uma medida
protetiva contra ele. O que significa que preciso repetir a
história de novo para outro policial e dar mais um depoimento.
Enquanto isso acontece, meu pai finalmente chega.
Não sei como Shane conseguiu o número dele, mas, quando
meu pai se junta a nós na delegacia, diz que foi Shane quem
ligou para ele. Fiel a sua palavra, Shane não saiu do meu lado o
dia todo.
Os policiais disseram que eu poderia arranjar um advogado,
mas não quero ficar horas esperando até o advogado do meu
pai aparecer. Além disso, meu depoimento é cem por cento
verídico. Se o advogado de Percy quiser distorcer minhas
palavras depois, ele que tente. Vou contratar um na próxima
etapa. Segundo a detetive Wendt, é tudo muito preliminar
ainda. Ela é muito simpática, e não havia nada além de empatia
em seu rosto quando expliquei por que esperei meses para
denunciar a agressão. Ela entendia.
Cercada por dois policiais uniformizados, Wendt se aproxima
enquanto estamos saindo da delegacia. Diz que estão indo
buscar Percy agora para ser interrogado.
Mas é só quando estamos só eu, ele e Shane nos degraus à
frente da delegacia que meu pai solta a bomba.
Ao que parece, Percy tem outra acusação de agressão nos
antecedentes dele.
Shane solta um palavrão.
“É sério isso? Por que a detetive Wendt não mencionou isso
quando Diana estava dando o depoimento dela?”
“Eles não podem revelar isso a essa altura da investigação”,
meu pai diz com um tom neutro. “Mas pedi para o meu chefe
pesquisar o nome de Percival no sistema da delegacia enquanto
estava vindo para cá. Apareceu na busca.”
“Quem ele agrediu?”, pergunto baixo.
“Uma ex-namorada. O chefe Stanton não tinha acesso à
queixa toda, então só sabemos o básico.”
De repente, fica difícil respirar.
“Não acredito que ele já fez isso antes.”
Meu pai baixa a cabeça.
“A culpa é minha. Eu deveria ter buscado os antecedentes
dele quando vocês começaram a namorar.”
“Ai, pai, fala sério.” Não consigo segurar o riso apesar da
gravidade da situação. “É claro que você não vai verificar os
antecedentes de todos os meus namorados.”
“É o que qualquer bom policial faria.”
“Pai, para.”
“O que sabemos exatamente sobre o caso?” Shane pergunta.
Meu pai conta, mas ele estava certo: não há muito a saber.
Parece que Percy agrediu uma mulher com quem saía quando
estava cursando a graduação em Nova York. E, embora o
advogado de Percy tenha tentado fazer com que as acusações
fossem retiradas por ele ser réu primário, o caso seguiu em
frente porque a mãe da vítima era alguém importante que
lutou por isso. Mas Percy ficou em liberdade condicional.
Não me surpreende que ele tenha decidido não revelar esse
detalhe curioso. Por que contaria? Ah, aliás, também bati na
minha última namorada.
Mas isso demonstra um histórico de violência e, por mais
horrível que seja pensar que outra mulher possa ter sofrido a
mesma coisa, isso faz com que eu me sinta um pouco melhor
sobre minha situação. Me faz pensar que talvez o que
aconteceu comigo tenha sido inevitável.
Embora eu tenha vindo para a delegacia com Shane, meu pai
insiste em me levar para casa. Enquanto ele vai buscar o carro,
fico no meio-fio com Shane, franzindo a testa para ele.
“Como conseguiu o número do meu pai?”
Ele hesita.
“Shane.”
“Pedi para Gigi”, ele finalmente revela.
Uma onda de ansiedade me invade.
“Você contou para ela o que Percy fez?”
“Não de primeira. Só falei que estava na delegacia com você
e que precisava ligar para o seu pai. Disse que você estava bem,
mas ela ficou insistindo em vir de Boston para cá a menos que
eu desse alguma resposta. No fim, acabei tendo que contar a
verdade.”
Pego o celular dentro da bolsa. Estava desligado durante o
depoimento e, ao ligá-lo, encontro uma enxurrada de
mensagens de Gigi.
GIGI
Você está bem?

Tomara que esteja bem.

Vou ficar com o celular na mão o tempo todo,


esperando você me responder. Te amo.

“Tá brava?” Shane pergunta, nervoso.


“Não, tudo bem. Eu teria que contar para ela de qualquer
forma agora que prestei queixa.”
A picape do meu pai para na nossa frente.
“Te vejo em casa?” Shane pergunta. “Posso ir para a sua.”
“Talvez mais tarde?”
“Tá bem”, ele diz. “Manda mensagem se precisar de mim.”
Depois de um momento de hesitação, dou um passo à frente
e o abraço.
Ele retribui o abraço, e há algo quase desesperado em como
me aperta.
“Obrigada por me trazer aqui”, digo baixo.
Shane ajeita meu cabelo atrás da orelha, a voz embargada.
“Espero que você não tenha se sentido pressionada por mim
a fazer isso.”
“Não, você estava certo. No fundo, sempre soube que era a
coisa certa a fazer. Precisava ser feito.”
Não é à toa que guardei todas as evidências. Acho que eu
sabia que um dia estaria aqui, nessa delegacia. Meu único
arrependimento é não ter feito isso antes. Torço para que o
advogado de Percy não tente me retratar como uma namorada
vingativa que quer revanche depois de tudo acabado.
“E mais uma coisa”, Shane diz, puxando minha mão antes
que eu possa sair. “Você é sim imbatível. Não deixa o que
aquele imbecil fez te convencer que você é qualquer coisa além
de imbatível. Você é Diana Dixon, pelo amor de Deus.”
Esboço um sorriso.
“Sim, eu sou, porra.”
Mas, na caminhonete, não me sinto forte. Meu pai não diz
muito no caminho para Meadow Hill além de perguntar como
estou pelo menos quatro vezes. Na quinta vez que pergunta,
estamos seguindo a trilha na direção do Bétula-Vermelha, e
paro para suspirar, exasperada.
“Pai, não é como se tivesse acontecido ontem. Aconteceu
meses atrás.”
Seu maxilar se contrai.
“Tá. E ainda não entendo por que você não denunciou.”
“Já expliquei por quê.” Volto a andar.
Ele vem atrás de mim.
“Diana, você sabe o que faço da vida. Protejo pessoas. Se
tivesse me contado, eu poderia ter te protegido.”
“Já tinha passado. O roxo sumiu.”
“Não tinha passado. O filho da puta se mudou para o seu
condomínio!”
“Eu sei, mas eu tinha Shane.”
“Graças a Deus que você tinha Shane!” O rosto do meu pai
fica vermelho, mas sei que ele não está bravo comigo. Está
angustiado. “E se Percy tivesse te encurralado no seu
apartamento? Você viu o caminho que a gente acabou de
percorrer? Aquela merda de bloco Sicômoro e agora essa trilha
sinuosa como se a gente estivesse na porra do Caribe? O que
sua tia tinha na cabeça quando comprou um apartamento
aqui? Que tipo de pesadelo de segurança é esse?”
“Tem câmeras por toda a parte”, eu o lembro. “E não dá para
pisar no condomínio sem passar pelo bloco Sicômoro antes.”
“Ele estava no condomínio, Diana. Você não entende isso?”
Desespero embarga minha garganta.
“Não, eu entendo. Desculpa. Você tem razão.”
p
“Não. Não precisa pedir desculpa. Não estou culpando você
por nada”, ele diz enquanto entramos no Bétula-Vermelha e
subimos para o segundo andar. “Só estou preocupado. Você é
minha filha. Não quero que nada parecido aconteça com você
de novo.”
“Não vai acontecer.”
“Tem razão. Não vai. E agora vamos garantir que não
aconteça com mais ninguém.”
“Desculpa ter esperado tanto tempo para contar para a
polícia.”
“Não entendo por que não me contou.”
É difícil falar com o nó na minha garganta.
“Porque você me acha forte.”
Meu pai observa enquanto destranco a porta, uma expressão
incrédula no rosto.
“Você é forte, filhota. Mesmo depois do que aquele filho da
puta fez com você, você ainda é a pessoa mais forte que
conheço.” Ele entra atrás de mim, pegando minha mão para
me impedir de ficar de costas para ele. “Admitir fraqueza às
vezes não quer dizer que você não é forte. Quer dizer que é
humana.”
“Eu não queria que me visse com os outros olhos.”
“Eu nunca veria você com outros olhos. Você não fez nada de
errado. Não pediu por isso. Apesar do que tentou dizer no seu
depoimento, você não provocou aquele desgraçado. Você estava
se defendendo, e a reação dele foi desproporcional e perigosa.
Ele deixou marcas em você”. Meu pai rosna um xingamento
baixo.
Suspiro.
“Vamos precisar pedir uma medida cautelar contra você para
te manter longe dele?”
“É provável”, ele diz, extremamente sério. “Estou precisando
de toda minha força de vontade para não juntar o pelotão. Ir
até a casa dele e dar um sumiço no cara.”
“Dar sumiço nas pessoas não é uma tática da swat. Para de
exagerar.”
g
“Quando mexem com sua filha, é sim.” Ele ri baixo. “E, se
você acha que estou exagerando, espera só para ver quando sua
madrasta ouvir o que aquele psicopata fez. Ela vai fazer
picadinho dele como uma mãe urso.”
“Argh, não”, resmungo de repente. “Vou ter que contar para
minha mãe também, né?” Sinto um frio de pânico na barriga.
“Pode contar por mim?”
Ele franze a testa, relutante.
“Di. Acho que precisa ser você a…”
“Por favor?” Imploro. “Não posso ter essa conversa com ela.
Não agora. Não consigo lidar com isso. Você pode só resumir e
dizer que converso com ela quando estiver pronta.”
“Se quer mesmo que eu faça isso, eu faço.” Ele solta um
suspiro. “Mas preciso que entenda uma coisa. Você consegue
lidar com qualquer coisa que a vida coloque no seu caminho.
Você sempre vai ser a pessoa mais forte que eu conheço. Mais
forte até do que eu, pô.”
“Não é verdade.”
“Olha, eu me divorciei da sua mãe. Você ainda tem que lidar
com ela.”
Consigo rir.
“Ela não é tão ruim assim”.
“Não”, ele concorda. “Mas sei que você coloca uma máscara
quando está com ela porque sua mãe desperta suas
inseguranças. E coloca essa máscara comigo e com seu irmão,
de que não se deixa abalar por nada. Mas coisas vão sim abalar
você, e coisas ruins vão acontecer. Acontecem o tempo todo,
infelizmente. E me dói saber que não posso impedir que
aconteçam com você. Você e Tommy são tudo pra mim.”
Um nó de emoção aperta meu peito.
“Mas aí é que está. Mesmo você sendo forte e capaz de se
virar, e olha que eu acredito muito nisso, você também precisa
ser forte o suficiente para saber quando pedir ajuda.” Sua
expressão fica mais séria. “E quando algo assim acontecer? Peça
ajuda, Diana.”
Mordo o lábio com tanta força que sinto dor.
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“Tá bom.”
Nós nos sentamos no sofá, e meu pai me explica o que
provavelmente vai acontecer com Percy. Meu papel nessa
história está encerrado por enquanto. Agora, cabe aos detetives
investigarem e depois ao tribunal decidir, caso o promotor leve
o caso adiante.
Depois que meu pai sai, tomo um banho e reflito sobre esse
dia infernal. Começou tão promissor. Jogando golfe com Shane
e Blake, me divertindo. E sei lá como acabou comigo sentada
numa sala de interrogatório estéril, expondo minha
humilhação para estranhos.
Esfrego o rosto, deixando a água do chuveiro bater na minha
testa. Merda. Sei que preciso começar a mudar a forma como
vejo isso, mas é difícil não enxergar como algo constrangedor.
Só preciso me lembrar que o que aconteceu comigo não me
torna fraca nem ridícula. Eu nunca nem sonharia em olhar
para vítimas de violência doméstica e pensar: nossa, que ridícula!
Eu as defenderia até a morte. Então, por que não consigo fazer
o mesmo por mim?
Embora esse pensamento não seja novo para mim, por
algum motivo ele realmente cria raízes dessa vez. Um
companheiro íntimo não deve fazer isso com você, muito
menos um ex. Não é certo.
O que Percy fez não foi certo.
Saio do banho e me seco, depois dou comida para Skip. Ele
me olha com cara de peixe morto, e olho para ele com cara de
peixe morto de volta. Depois que sua barriga gorda está cheia
de comida light, ligo para Gigi e passamos a hora seguinte
falando sobre tudo o que aconteceu. Ela fica chateada por eu
não ter contado para ela sobre Percy e ainda mais chateada
quando fico choramingando sobre a vergonha e a humilhação
que senti. Mas, assim como meu pai e Shane, ela me
tranquiliza dizendo que não fiz porra nenhuma para provocar
isso.
Quando desligamos, vejo uma mensagem do meu pai.
PAI
Contei para sua mãe. Falei que você vai entrar em
contato com ela quando estiver pronta para
conversar. Ela disse que tudo bem.

Sinto uma pontada de mágoa com a ausência evidente do


nome da minha mãe na minha lista de notificações. Ela sabe o
que aconteceu com Percy e nem entrou em contato comigo?
Sim, eu disse que falaria com ela quando estivesse pronta, mas
ela poderia pelo menos ter perguntado como estou. Uma
simples mensagem teria bastado. Olha, sei que você não quer
conversar, mas estou aqui para o que precisar.
Mas isso não faz o estilo da minha mãe. Ela não é emotiva.
Toda essa situação deve deixar minha mãe extremamente
incomodada.
Também há uma mensagem de Shane, perguntando se estou
bem. Digito uma resposta de duas palavras.

Pode vir.

Nem um minuto depois, ele está no meu apartamento.


Também tomou banho e trocou de roupa, agora está de
camiseta e uma calça de moletom, os pés descalços.
Seus olhos castanho-escuros vasculham meu rosto.
“Dia difícil, hein?”
“Nem me diga.”
“É, sei bem.” Ele me puxa para o sofá e coloca o braço ao
meu redor. “Quer assistir alguma coisa?”
“Pode ser.”
Enquanto Shane passa pelos títulos no canal de filmes, ele
olha para mim, tristonho.
“Nem acredito que vou dizer isso, mas estou com saudade de
Casinho ou casório.”
“Eu também”, resmungo.
“Precisa mesmo esperar até maio?”
“Maio? De que planeta de esperança você vem? A próxima
temporada só começa em julho.”
“Julho? Nem para ser em junho?”
“É trágico. Os fãs vivem pedindo duas temporadas. Alguns
reality shows têm uma temporada de verão e uma de inverno,
mas, até agora, a trn não cedeu. Não sei se tem orçamento.”
“Que orçamento? Eles não fazem nada de muito
extravagante.”
“A casa de campo é bem extravagante. E aquele iate em que
Zoey deu para O Connor pela primeira vez deve ter custado
uma fortuna para alugar.”
“Pode ser.” Ele desliza os dedos distraidamente pelo meu
ombro, passando pelas opções de filme. “Argh. Não tem nada
de bom aqui.”
Tiro o controle dele e desligo a tv.
“Vamos para a cama.”
“Ainda são só nove horas. Está cansada?”
“Não disse que a gente vai dormir.”
Seus lábios se curvam.
“Ah. Entendi.”
“Só preciso…” Volto um olhar sincero para ele. “Preciso de
um carinho. Pode ser uma noite minha?”
“Gata, toda noite é sua. Mesmo quando sou eu que estou
dominando, é por você. Você é a única que importa para mim
lá dentro.”
Ai, meu Deus. Quando ele fala essas coisas, é impossível
negar meus sentimentos.
Shane me surpreende me pegando no colo. Rindo, coloco as
pernas ao redor da sua cintura e me seguro em seu pescoço.
Ele me carrega como se eu não pesasse nada e me deita na
cama com toda a delicadeza do mundo.
“Não vou quebrar”, provoco. “Levei até um soco na cara e
sobrevivi.”
“Meio cedo para esse tipo de piada”, ele murmura. “Ainda me
deixa puto.”
“Desculpa.”
p
“Você teve meses para lidar com isso, mas eu descobri hoje
cedo. Ainda é recente para mim.”
“Entendo. Não vou mais fazer piadas sobre isso. Prometo.”
“Obrigado.”
Seu corpo grande e musculoso paira sobre o meu, apoiado
nos cotovelos. Ele começa a me beijar e um arrepio me
percorre.
“Shane?”
“Hummm?” Seus lábios exploram os pontos sensíveis do
meu pescoço.
“Obrigada por me acompanhar hoje.”
Seu hálito é quente na minha pele.
“Você é minha namorada. Onde mais eu estaria?”
Ele não disse de mentira. Normalmente quando estamos
sozinhos, nós nos referimos um ao outro como namorados de
mentira.
Em vez de chamar a atenção para isso, fecho os olhos e me
perco nas suas carícias. Seus lábios traçam minha clavícula.
Suas mãos levantam minha blusa e sua boca desce para beijar
minha barriga. Ele beija meu abdome e minhas costelas. E o
vale entre meus seios quando tira minha blusa. Quando estou
deitada só de calcinha de algodão, ele passa a mão pelas
minhas pernas nuas, apoiado em um cotovelo enquanto admira
meu corpo.
“Você é linda.”
“Obrigada.”
As sobrancelhas de Shane se erguem.
“Nossa. Você agradeceu.”
“O que digo normalmente?”
“Eu sei.” Ele bufa.
Dou uma risada.
“Você sabe que estou brincando quando faço isso.”
“Sim. E você sabe que estou falando sério quando digo que
você é linda. Porque você é.”
Sua mão sobe de novo, passando por minha barriga enquanto
sobe mais e mais até envolver meu seio. Ele aperta de leve, os
p
dedos brincando com o mamilo. Depois abaixa a cabeça e
começa a beijar meus seios.
Shane desencadeia uma enxurrada de sensações no meu
corpo. Não deixa nenhum centímetro de pele sem ser beijado.
É doce, lento e exatamente o que eu preciso. Estou ofegante
quando sua boca enfim chega entre minhas pernas. Ele me dá
um beijo por cima da calcinha, sorrindo enquanto ergue a
cabeça, depois coloca os dedos sob o elástico e a desliza por
minha bunda e minhas pernas, jogando-a longe. Ele me abre e
lambe delicadamente ao redor do meu clitóris antes de passar a
língua pela minha abertura.
“Adoro fazer isso”, ele diz, rouco. “Adoro como você reage.
Os barulhos que faz.”
Mordo o lábio enquanto o observo. Ele está sendo tão gentil.
Sei que deve achar que estou um caco hoje, mas não estou.
Toparia se ele quisesse ser bruto. Mas essa versão doce de
Shane não me incomoda. Esses beijos suaves não me
incomodam. A ternura da ponta dos seus dedos dançando
sobre meu quadril enquanto sobem até meus seios não me
incomoda nem um pouco. Com a boca no meu clitóris, ele usa
sua outra mão para introduzir um dedo em mim. É a mais
sublime tortura.
“Não para”, imploro enquanto meu quadril começa a se
mexer.
“Nunca”, ele promete.
Quando sinto o formigamento característico, o prazer
ondulando e se intensificando dentro de mim, começo a me
contorcer de agitação. Minhas coxas tremem, abrindo e
fechando por conta própria. Shane dá uma risadinha. Ele sabe
que estou quase lá. E sabe o que está acontecendo comigo
agora. O desespero que sinto quando preciso gozar, mas, por
algum motivo, meu corpo não me permite.
Ele também sabe exatamente do que preciso para chegar lá.
Aperta meu mamilo e pronto. Já era. O orgasmo inunda meu
corpo. Não é uma explosão, mas ondas deliciosas de prazer que
se espalham por mim de maneira lânguida. Eu me sinto
p p g
aquecida e aconchegada enquanto Shane sobe pelo meu corpo
para me beijar. Sinto meu gosto em seus lábios quando nossas
línguas se encontram.
Ele segura meu rosto, e encaixo a perna sobre seu quadril.
Estou completamente nua, colada ao seu corpo vestido.
Suspiro, contente.
“Que delícia.”
Fico esperando que ele tire a calça, mas ele continua vestido,
voltando a beijar meu pescoço devagar.
“Não vai me comer?”, reclamo.
“Ainda não.” Sua respiração faz cócegas no meu queixo. “Só
quero curtir esse momento.”
Ficamos deitados nos beijando pelo que parecem séculos, até
que ele enfim tira a roupa e enfia o pau grosso dentro de mim.
A sensação dele entrando sem camisinha é maravilhosa. Não
gozo de novo, mas ele sim, gemendo no meu cabelo enquanto
estremece pelo orgasmo. Depois, saio para me limpar e fazer
xixi antes de voltar para deitar na cama ao seu lado. Shane
coloca a coberta sobre nós, e olho para ele, sorrindo.
“Vai dormir aqui?”
“Uhum. Tudo bem?”
“Sim.”
Nos três meses desde que começamos com isso, nunca
passamos a noite juntos. Era nossa forma de não deixar que a
relação ultrapassasse o “amigos com benefícios”. Ou, melhor,
amigos com a maioria dos benefícios menos dormir juntos,
porque parece um pouco íntimo demais.
Deito a cabeça em seu peito, e é tão bom deixar que ele me
abrace. Por um segundo, quase pergunto o que somos. Não vou
mais resistir aos meus sentimentos por esse homem. Quero
um relacionamento de verdade com ele, mas ainda não sei se
ele quer algo sério comigo. Mas não quero estragar o
momento. Podemos mergulhar nisso outra hora.
Agora, minha única preocupação é me dissolver em seus
braços. Não quero que ele saia hoje. E está na cara que ele
também não quer sair porque me aconchega ainda mais e não
me solta a noite toda.
42

shane

Uma atividade de fim de semana que gente estranha faz

outubro

Nem passou pela minha cabeça que talvez eu precise faltar à


competição de dança.
Pois é.
A cndsaa está marcada para o meio da temporada de hóquei.
Por sorte — e sorte mesmo, porque Dixon teria me matado
— acho que dá tempo. A competição é em Boston e termina no
fim da tarde e, por coincidência, o time vai enfrentar o Boston
College à noite, então os horários se encaixam. O único
problema é que não vou poder pegar o ônibus da equipe e
também vou ter que jogar uma partida extremamente intensa
logo depois de uma tarde inteira de dança de salão. Não sei se
o treinador Jensen vai ficar de boa com isso.
Mas estamos prestes a descobrir.
Tamborilo os dedos na porta aberta do seu escritório.
“Ei, professor. Preciso conversar com o senhor sobre uma
coisa.”
Seus olhos se enchem de desconfiança.
“Por que está me olhando assim?”
“Porque toda vez que um de vocês vem falar comigo sobre
alguma coisa, já sei que vou perder a paciência.” Ele acena para
eu entrar. “O que é?”
Paro na frente da sua escrivaninha, colocando as mãos nos
bolsos, sem jeito.
“Hum.”
“Desembucha, Lindley.”
“Então, tem essa competição de dança”, começo.
“Puta que pariu.” Ele solta a caneta. “Viu? O que eu falei?”
“Tá, sei que parece…”
“Idiota?”, ele completa.
Escolho ignorar sua crítica preconceituosa em relação às
minhas ambições na dança.
“Eu e minha namorada passamos o verão todo ensaiando
para isso, mas só me liguei ontem, quando estávamos
finalizando alguns detalhes, que nunca perguntei quando
seria.”
Ele me encara.
“Você nunca perguntou quando seria”, ele repete.
“Sabia que era em outubro, mas nunca perguntei a data.”
Baixo a cabeça, envergonhado.
O treinador Jensen suspira.
“Não sei por que, mas por algum motivo imaginei que fosse
numa noite no meio da semana.”
“Por que uma competição de dança seria feita numa noite no
meio da semana? Parece uma atividade de fim de semana que
gente estranha faz.”
“Ei, eu vou fazer e não sou estranho.”
Ele me encara de novo.
“Enfim.” Engulo em seco. “É no sábado. E, como eu disse,
ensaiamos muito para isso. Mandamos nossa fita de pré-seleção
no fim de agosto. Estamos mais do que prontos.”
“Lindley. Você é um jogador de hóquei. Não estou nem aí
para o tipo de dança que você quer fazer no seu tempo livre.
Mas você joga pelo time masculino de hóquei no gelo da
Universidade Briar”, ele pronuncia devagar, como se estivesse
tentando ensinar o abecê para uma criança pequena “e,
portanto, você vai estar no jogo.”
“Ah, não”, garanto. “Acho que consigo chegar para o jogo.”
“Acha?”
“Não, sei que consigo chegar para o jogo.” Nossa, tomara
mesmo que eu consiga chegar para o jogo. “Só não vou estar
no ônibus. Nossa primeira prova é ao meio-dia, depois tem o
American Smooth Duo às quatro, então duvido que eu consiga
voltar para o campus às seis para embarcar no ônibus. Mas!”
Abro um sorriso radiante para ele. “Já vou estar em Boston,
então só vou precisar…”
“Dançar até o rinque?”, ele faz o favor de completar.
Eu o encaro.
“Sabe, o senhor poderia me apoiar mais. Já não basta todo
mundo tirar sarro de mim. Mas os caras do time veem o
senhor como uma figura paterna. O senhor deveria tratar
nossas carreiras de dança com respeito, não com desprezo.”
“Por mais que eu adore o sarcasmo…” Um músculo se
contrai no seu maxilar. “Com meu calendário de hóquei não se
brinca. E o que acontece se você se machucar enquanto estiver
dançando mambo?”
“Não vamos dançar mambo. Vamos dançar tango, valsa e…
quer saber? Deixa quieto. Não importa. Mas juro que
mandamos muito bem nas nossas coreografias. Estamos bem.
Sem risco de lesão.”
Ele arqueia uma sobrancelha.
“Por que está fazendo isso?”
É uma pergunta muito boa.
Originalmente, aceitei ser par de Diana para deixar Lynsey
com ciúme, mas não lembro a última vez em que pensei na
minha ex. Fiquei absorto com o hóquei, Diana e a faculdade.
Hoje em dia, quando eu e Diana marcamos um ensaio de
dança, a única coisa que passa na minha cabeça é como vamos
nos divertir.
“Estou fazendo isso porque curto.” Mordo o lábio inferior. “E
porque sei que ela adora.”
O treinador se recosta na cadeira, examinando-me com
aqueles olhos astutos.
“Olha”, ele diz finalmente. “Posso parecer durão às vezes.”
“Às vezes?”
Ele ignora.
“Mas não tem nada nada que eu respeite mais do que um
homem que valoriza sua mulher.”
“Ahh. Professor. Que fofo.”
“Cala a boca.” Ele aponta o dedo no ar. “Enfim, foi o que
aprendi depois de duas décadas de casamento. Valorize sua
mulher. Tenha respeito por ela. Mostre interesse pelos
interesses dela. E torça para ela fazer o mesmo por você.”
“Ela faz.”
Ele acena, apertando os lábios por um momento.
“Precisamos estar no rinque às seis e meia. A patinação de
aquecimento é às sete. Você consegue chegar?”
“Com certeza. Os vencedores vão ser anunciados às cinco e
meia. E procurei como ir do hotel à arena. Dá para chegar ao
rinque com tempo de sobra.”
“Tempo de sobra, é?”
“Sim.” Fico com um pé atrás. “Por quê?”
Ele inclina a cabeça, pensativo.
“Só estou me lembrando de uma conversa que tive com a
minha netinha. Morgan. Ela me perguntou se levo vocês em
excursões.”
“Não”, digo com medo.
“E eu respondi: por que eu faria uma excursão com eles?
Eles são adultos e jogadores de hóquei. Não precisam ir para a
porra do zoológico. Quer dizer, não falei porra. Mas pensei”, ele
resmunga. Sua expressão ganha um brilho de que eu não gosto
nem um pouco. “Mas conversar com você, Lindley, abriu meus
olhos. Me fez reconsiderar todo meu posicionamento sobre
excursões.”
“Não”, repito, o medo se transformando em pavor.
Numa ocorrência tão rara quanto um eclipse solar, o
treinador Jensen sorri para mim.
43

shane

Confi-Dança

“Que intenso!”
Olho ao redor pelo salão do Silverwood Hotel e me pergunto
se ainda dá tempo de sair correndo. O salão cavernoso está
banhado pela luz cristalina dos lustres, projetando sombras
sobre as fileiras de cadeiras brancas dispostas num quadrado
com um palco elevado no meio. Espelhos dourados e molduras
de gesso ornamentadas decoram as paredes, e a pista de dança
na qual vamos dançar tango e chá-chá-chá é de madeira polida
e brilhante.
Alguns pares são corajosos o bastante para fazer o
aquecimento na frente dos concorrentes. As notas suaves de
música clássica flutuam pelo salão enquanto um casal de meia-
idade desliza pelo piso numa valsa. Seus pés mal tocam o chão.
Meu Deus. Eles são incríveis. Mas a contagem deles está toda
errada.
Ou será que…
“Dixon.” Franzo a testa, cutucando suas costelas.
“Cometemos um erro.”
“Como assim?”
“Nossa valsa é rápida demais!” Acuso. “A gente vai fazer papel
de palhaço. Você não pesquisou a contagem certa de…”
“Relaxa”, ela interrompe, rindo. Então dá um tapinha no
meu braço. “Eles estão fazendo uma valsa tradicional. Nós
vamos fazer a vienense. A nossa é para ser mais rápida.”
Relaxo. Depois fico tenso de novo quando tento respirar e
não consigo puxar ar o suficiente. Puxo a gravata-borboleta
apertada demais. Por que estou usando isso? Por que é que
estou aqui?
O pânico e as incertezas correm soltos até eu notar o rosto
de Diana, corado de entusiasmo, e é então que lembro por que
estou aqui. Porque ela se esforçou muito por isso. E porque me
comprometi.
“Não se preocupa. Vamos mandar bem.” Diana vira de costas
para a pista de dança e leva as mãos aos meus ombros, fazendo
uma massagem firme neles, como se estivesse me preparando
para entrar num ringue de boxe. “E se for um fracasso total,
quem liga? Não me inscrevi pensando que ganharíamos.
Nunca me diverti tanto na minha vida.”
“Também não”, admito. E não estou mentindo.
Um cabelo loiro-branco chama minha atenção.
“Gata”, digo baixo. “Não olha agora, mas nossos inimigos
chegaram.”
“Quem…” Ela para e estreita os olhos. “Confi-Dança.”
Filhos da puta.
Viktor e Martinique, do Confi-Dança, o nome nada criativo
do canal deles nas redes sociais, se aproximam de nós com
uma confi-dança injustificada. Martinique está realmente
deslumbrante, ainda que um pouco exagerada. Seu conjunto é
composto por um collant justo enfeitado com lantejoulas e
strass, o que parece um tanto excessivo, mas se ajusta ao seu
corpo e realça seus seios fartos. A saia é transparente e tem
mais lantejoulas em lugares estratégicos. Imagino que o brilho
seja para chamar a atenção. Diana disse que nossas roupas
precisavam “deslumbrar”.
Particularmente, prefiro a roupa de Diana. A dela é puro
drama e estilo, enquanto Martinique só apostou no brilho.
O collant vermelho de Diana, um tecido elástico com apenas
alguns enfeites, tem mangas rendadas com uma padronagem
delicada que passam pelos dedos médios até se prenderem aos
pulsos. Tem um decotão na frente e as costas abertas e, ao
p
contrário de Martinique, ela não precisa ter medo de ficar com
os peitos balançando. Os de Dixon são pequenos e firmes e
estão bem sustentados. Ela está usando uma saia fluida com
uma fenda alta e, quando praticamos nossos giros hoje cedo, o
tecido esvoaçava ao seu redor, a fenda destacando seus passos.
Ela diz que é para acentuar seus movimentos. Tudo que sei é
que consigo ver muita coxa, e isso deixa meu pau feliz.
“E não é que você está uma graça?” Martinique cantarola
para Diana. Ela ergue uma sobrancelha grossa e escura para
mim. “Essa calça não é um pouco justa?”
É. Diana me vestiu hoje e reclamei o tempo todo. Mas é
imperativo mostrar uma frente unida diante dos nossos
inimigos.
“A minha?”, rebato, voltando o olhar para Viktor. “Estou
vendo o contorno das suas bolas, amigo. Tem certeza que usar
branco foi uma boa ideia?”
Viktor aperta os lábios.
“Não tenta me desestabilizar. Não vai dar certo.”
“Jura? Porque você parece bem abalado.”
“Não me abalo.”
“Se você diz.”
“Não me abalo.”
Sorrio para ele.
“Claro, amigo.”
“Atacando todo mundo ao redor como sempre, hein, Ride or
Dance?” Martinique ironiza.
“Como sempre?” Diana repete, achando graça. “Nunca nem
falamos com nenhum outro competidor da cndsaa em toda
nossa vida.”
“Exato.” A voz de Martinique é maldosa. “Esnobes não são
bem-vindos aqui, Ride or Dance.”
“Dá para parar de chamar a gente pelo nome do nosso
canal?” Pergunto educadamente. “É muito desumanizante.”
Os dois me encaram.
“Beleza, então. Até mais, Confi-Dança.” Olho para minha
parceira. “Podemos nos retirar desse confronto esquisito?”
p q
“Nossa, sim.”
Deixamos os dois na pista de dança lançando olhares
fulminantes para nós.
“Acho que eles devem ser meio birutas mesmo”, digo a
Diana.
“Totalmente.” Ela ainda está balançando a cabeça. “Vamos
para os bastidores. Quero conferir a maquiagem.”
O hotel está permitindo que os competidores usem o salão
de festas adjacente como uma área de bastidores. O espaço
enorme está cheio de dançarinos em vários estados de nudez.
O que não faltam é lantejoulas e volumes masculinos no
ambiente.
Os sapatos de Diana estalam no piso de azulejos a caminho
da área onde deixamos nossas coisas. Para mim, parecem
sandálias de salto baixo, mas Diana me jurou que são sapatos
de dança de verdade.
Ela se aproxima de um dos espelhos na área de maquiagem e
passa uma unha de francesinha embaixo do olho para
uniformizar a linha de maquiagem.
Nossa, como ela está gata. Queria que ela tivesse deixado o
cabelo solto, mas ela disse que seria distração demais. Está com
um rabo de cavalo preso na altura da nuca. Uma flor vermelha
está presa sobre sua orelha esquerda. Com seus lábios
vermelho-sangue e a sombra esfumada, tudo que quero é
curvar seu corpo sobre a mesa de maquiagem e meter bem
aqui, na frente de todo mundo.
Quando está satisfeita com a maquiagem, ela se vira para
mim.
“Repete comigo”, ela diz, firme. “Vamos cativar a plateia.”
“Não vou repetir isso. E não vou cativar os babacas do meu
time.”
Diana não consegue segurar o riso.
“Ainda não acredito que o treinador Jensen vai trazer o time
todo para nos assistir. Por que ele faria isso?”
“Porque ele é o diabo”, resmungo. “Falei para você entrar em
contato com o pessoal da cndsaa e garantir que eles não
p g q
dessem ingressos para ele.”
“Eles não teriam topado. Vem sempre menos gente à tarde.
Eles querem encher aqueles assentos.”
“Meus companheiros de equipe vão ficar importunando a
gente o tempo inteiro. Espero que você saiba disso.”
Ela fica pálida.
“Tomara que não. Isso pode afetar nossas pontuações!”
Está um caos aqui atrás. Continuo observando nossos
concorrentes, mas é difícil saber quem está inscrito em qual
categoria. Mas sei que as categorias Solo e Duo são as
primeiras, enquanto os pares competindo nos eventos de cinco
ou nove danças só começa a se apresentar à tardinha e à noite.
Isso inclui Lynsey e seu parceiro, Sergei, então fico surpreso
quando a vejo na multidão.
Lynsey está vindo na nossa direção quando encontra meu
olhar. Ela está de moletom, mas sua maquiagem está perfeita e
seu cabelo, preso no coque que a vi usar umas mil vezes
durante apresentações de balé. Meticulosamente penteado com
presilhas brilhantes sobre as têmporas porque essa é Lynsey.
Meticulosa.
Vendo as duas juntas, percebo que Diana é cheia de glamour
enquanto Lynsey é pura elegância. Elas são completamente
diferentes.
“Só queria vir aqui e desejar boa sorte”, minha ex-namorada
diz. Ela cumprimenta Diana com a cabeça, mas seus olhos
escuros estão fixados apenas em mim.
“Obrigado”, respondo. “Para você também.”
O momento constrangedor é interrompido quando um
oficial da cndsaa anuncia que os competidores das categorias
Duo e Solo devem assumir seus lugares na seção dos
participantes. Eu e Diana voltamos ao salão e encontramos
nosso lugar ao lado da dupla Confi-Dança, que nos olha com
raiva. Essas pessoas precisam transar mais.
No meio da seção de cadeiras está a mesa de jurados. São
seis, todos com a expressão impassível e uma prancheta diante
de si. Música clássica reverbera no salão enquanto um casal
q
após o outro assume o palco. Alguns pares são muito bons,
enquanto outros dançam de maneira mais desajeitada, como
atletas profissionais se movendo com dificuldade naqueles
programas de dança com famosos.
“Acho que somos melhores do que a maioria desses casais”,
Diana sussurra para mim. “O nível de talento desse ano não
está tão alto quanto o do ano passado. É um bom sinal.”
“Gata”, sussurro em resposta. “Não vamos ganhar nem ficar
entre os primeiros. Você sabe disso, né?”
Minha previsão se confirma quando Viktor e Martinique
executam um foxtrote impecável que deixa todos os jurados
acenando positivamente com a cabeça. Filhos da mãe. E, como
todos os vinte pares da nossa categoria precisam apresentar sua
primeira dança antes de alguém apresentar a segunda, eu e
Diana somos obrigados a dançar logo após Confi-Dança, o que
eu odeio. Não quero que a última lembrança na cabeça dos
jurados seja aquele maldito foxtrote perfeito.
Nossa primeira dança é o tango porque Diana quer dar um
show logo de cara. Ainda não consegui dominar aquela merda
de valsa vienense.
Estou completamente nervoso quando a gente se levanta.
Nunca fiquei assim em um jogo de hóquei, nem mesmo
durante os campeonatos, mas estou suando de ansiedade agora.
Gritos altos de torcida enchem o salão quando subimos à
pista.
“Vamos lá, Lindley!”
“o que é seu ninguém tira, lindley!”
Diana olha para mim com tristeza.
“Por que os meus amigos não podem estar aqui?”, ela
murmura. Suas líderes de torcida estão em um jogo fora de
casa com o time de futebol americano, do qual Diana precisou
pedir permissão especial da treinadora para se ausentar. E Gigi
e o time de hóquei feminino estão jogando em Providence.
“Pelo menos temos um setor de fãs”, murmuro em resposta,
mas saber que meus colegas de equipe estão lá só agrava meu
estado ansioso.
Meu coração está acelerado. Meu estômago, embrulhado.
Que merda estou fazendo aqui? Sou o homem mais confiante
que você vai conhecer. Totalmente seguro na minha
masculinidade. Mas essa calça é apertada demais, e a camisa
também, e a gravata-borboleta é simplesmente ridícula…
“Você está bem?”
Ver o rosto de Diana me faz esquecer o pânico. Ela está
corada de empolgação, e preciso me lembrar de não vomitar.
Não posso decepcionar essa mulher.
“Estou sim”, digo, rouco.
Uma voz ecoa pelo sistema de som.
“Próximo par, por favor, assuma sua posição.”
Por favor, alguém me mata.
Eu e Diana andamos para lados opostos da pista polida.
Engulo em seco, esfregando a palma das mãos na parte da
frente da minha calça, que é tão justa que chega a ser
indecente. Sussurros e o farfalhar de roupas ecoam ao nosso
redor enquanto todos esperam para começarmos.
“estou vendo sua mala, lindley!”
A voz de Jordan Trager quebra o silêncio, e queria que
homicídio fosse legal em Massachusetts porque eu o mataria se
pudesse.
Enquanto esperamos a música começar, o ar está carregado
de expectativa. Finalmente, a melodia enche o salão.
Rezem por mim.
Eu e Diana nos olhamos. Ela está um espetáculo de vermelho
e preto, seda e renda. Seus lábios se curvam em um sorriso.
Sorrio em resposta.
Nós dois deslizamos para a frente, andando na direção um
do outro no que Diana gosta de chamar de “nossa jornada pelo
palco”.
Estendo a mão.
Diana pousa a dela na minha.
Ela apoia sua outra mão no meu ombro e, de repente, somos
cercados pela música mais melodramática, graças à minha
mulher melodramática. Comando a pista de dança com uma
p ç
confiança que não sinto nem um pouco. Não tenho tempo para
pensar se estou ridículo. Para me importar se estou fazendo
papel de bobo na frente do meu time de hóquei. Vou mandar
bem nessa porra dessa coreografia ou morrer tentando. Diana
segue minha liderança, entregando-se da mesma forma como
se submete na cama. Ela é a melhor dançarina, mas quem
conduz sou eu.
Seus passos são precisos. Os meus nem tanto, mas não
chegam a ser ruins a ponto de dar vergonha. Nos
comunicamos com o olhar, sabendo exatamente o que precisa
ser feito. Ensaiamos essa coreografia tantas vezes que eu a sei
de cor, mas hoje ela parece mais sedutora.
Minha mão encontra a lombar dela. Eu a acaricio e sua
respiração acelera.
Nossos peitos se encontram e se afastam.
Ouço gritos de aprovação na plateia e a torcida barulhenta
dos meus companheiros de equipe, mas ignoro tudo. Eu me
concentro apenas em Diana, nos meus passos e na porra do
tango. Com as pernas entrelaçadas, conduzo com uma
confiança crescente, seguindo os passos sedutores que ela
coreografou para nós. O ritmo sensual entra na minha veia. É
inebriante. Me faz querer transar.
Meus dedos roçam de novo nas suas costas, acariciando de
maneira sedutora. Meu Deus, a tensão sexual é incrível. Uma
descarga elétrica prestes a incendiar o salão. Nem me importo
que o treinador Jensen deva estar tendo um ataque de pânico.
Os saltos de Diana estalam no chão e meus pés se esforçam
para acompanhar cada passo dela. Cada inclinação e giro nos
aproxima do fim, e percebo que a plateia está em silêncio
agora. Só assistindo. Diana é o drama em pessoa, então nosso
tango tem muitas pausas dramáticas, tanto que escuto uma
mulher conter um grito de admiração em determinado ponto
da música.
Todos prendem a respiração quando levanto Diana. Ela
desliza pelo meu corpo e prendo a perna dela imediatamente, e
então voltamos a andar. O corpo dela é como líquido nos meus
p q
braços, entusiasmo e sensualidade irradiando em seus
movimentos. Ela é muito sexy.
Nossos corpos se arqueiam e nossas pernas se entrelaçam
quando a música chega ao clímax. Se estivéssemos sem roupa,
eu estaria gozando dentro dela agora.
Executamos uma inclinação final sob os aplausos da plateia.
A ponta do rabo de cavalo de Diana roça o chão enquanto a
seguro lá embaixo. Ela está suspensa como um anjo sexy. Com
nossos olhares fixos, a pose final é íntima e sensual pra
caralho. Nós a seguramos até a música acabar.
Meu coração está acelerado. Estou ofegante, sentindo como
se tivesse jogado um tempo inteiro de hóquei sem descanso.
Há um breve silêncio antes de o salão de baile se encher de
aplausos.
É isso aí. Mandamos muito bem.
Diana sorri para mim. Ela também está sem fôlego.
“Conseguimos!” Ela me abraça.
Eu a levanto do chão, olhando de canto de olho para os
jurados que estão anotando sem parar nas pranchetas.
“Merda”, digo enquanto saímos do palco. “Queria que essa
pontuação não fosse combinada com a valsa. Acho que só com
o tango poderíamos ficar entre os primeiros.”
“Ah, olha só quem está envolvido agora”, ela brinca.
Sorrio.
“Dixon. Nós mandamos muito bem naquele tango. Você sabe
disso, né?”
Prova disso são as caras emburradas de Viktor e Martinique
quando passamos por eles. Ah, alguém está confi-triste.
“Bom trabalho”, Martinique solta, como se as palavras
tivessem um gosto ruim.
“Obrigada”, Diana diz, magnânima.
Contornamos a área dos assentos porque Diana precisa de
uma troca rápida de figurino. A área dos bastidores ainda está
movimentada. Alguns monitores na parede mostram imagens
ao vivo das coreografias sendo apresentadas no salão, e vejo
Lynsey perto de um deles com seu parceiro, Sergei. Quando
y y p p g
seu olhar encontra o meu e ela me dá um sorriso e um joinha,
não consigo decifrar sua expressão.
“Você foi incrível”, Diana me diz, com admiração na voz.
“Sem brincadeira, Lindley. Foi fenomenal.”
Não posso negar que meu ego dá uma boa elevada ao ouvir
isso.
Diana abre sua bolsa de roupas e tira outra saia. Ela troca a
vermelha fina por uma plissada que vai até os tornozelos. É
branca e cintilante, e o collant preto combinado com a saia
parece transformá-la.
Eu estava enganado. Diana é glamour e elegância. Ela é as
duas coisas.
“A valsa é mais fluida”, ela explica, notando meu olhar.
“Todos aqueles movimentos longos. Os plissês vão destacar.”
“Claro”, concordo. “E vai exibir esses tornozelos indecentes.
Deixar todo mundo de pau duro.”
“Exato.”
Faltam a valsa vienense e o chá-chá-chá, mas agora que uma
dança já foi, meu nervosismo está passando.
“Desculpa se a gente não ganhar nem ficar entre os
primeiros”, digo, relutante.
“Sinceramente, não estou nem aí. Só estou feliz de estarmos
fazendo isso.” Seu olhar se abranda e seu tom perde a ironia
típica de Diana. “Obrigada.”
“Pelo quê?”, digo, com a voz embargada.
Ela fica na ponta dos saltos e me dá um beijo nos lábios.
“Por tudo. Por me convencer sobre Percy. Por me
acompanhar nessas coisas bobas.” Ela aponta para os bastidores.
“Eu estava errada sobre você, Lindley. A verdade é que você é
sim um cara do bem.”
44

shane

Passado

Entro no vestiário sob aplausos ensurdecedores. Nazzy e


Patrick saltam do banco e giram toalhas no ar. Trager enrolou
sua camisa e está batendo com ela nas bundas dos outros. Até
parece que eles acabaram de ganhar a final da Copa Stanley, em
vez de terem me assistindo dançar numa roupa muito justa.
Meus companheiros de equipe estão todos comemorando e
gritando e dizendo que mandei bem pra caralho. Eu me sinto
mal por ter deixado Diana lá para o anúncio dos vencedores.
Os resultados de todas as provas da tarde estão sendo
anunciados agora, enquanto os vencedores da noite vão ser
revelados mais tarde na festa de encerramento. Não sei se uma
festa cheia de dançarinos de salão amadores seria o melhor
evento do mundo ou o mais vergonhoso. Seja como for, não
vou descobrir, porque tenho uma partida de hóquei para jogar.
“Cara, foi surpreendentemente bom.” Nosso vice-capitão,
Case Colson, aperta meu ombro. “E surpreendentemente sexy.”
“Sim. Meu pau deu um pulo”, Trager confirma.
Bufo.
“Sem brincadeira”, ele insiste. “Nossa, sério. Você e Dixon
estavam pegando fogo.”
Estávamos mesmo.
“Obrigado por irem”, digo, colocando a mochila no armário.
Ainda estou com o figurino de dança. Nem me preocupei em
colocar roupas normais no hotel porque eu teria que me trocar
de novo quando chegasse ao rinque. Desabotoo a camisa e
arranco a gravata-borboleta.
“Quando vocês vão saber quem são os vencedores?” Will
pergunta curioso, enquanto coloca o protetor peitoral.
“A Diana vai me mandar mensagem. Deve ser a qualquer
momento.”
Coloco o celular na prateleira de cima do armário e começo
a me vestir. Estou com todos os equipamentos menos os patins
quando escuto a notificação.
Um momento depois, solto um grito alto que chama a
atenção de todos.
Beckett levanta uma sobrancelha.
“E aí?”
“Quinto lugar, porra!”
Todos vão à loucura de novo.
Trager, que não me suportava no último semestre, me ergue
com um abraço. Depois me coloca de novo no chão e franze a
testa.
“Espera, quinto lugar é bom? Parece meio ruim.”
“Nada, cara, é foda! A Diana achou que a gente não chegaria
nem no top dez.”
Por falar nela, outra mensagem aparece. Meus olhos se
esbugalham ao ler.
DIXON
O prêmio do quinto lugar é DEZ MIL!

Caralho. Que tipo de competição de dança amadora barra-


pesada é essa? Vi no site que o primeiro lugar ganha cinquenta
mil e lembro de ver que o top cinco também ganhava alguma
coisa, mas imaginei que fosse, sei lá, uns seiscentos dólares.
Quem está financiando essa porra? A máfia?
DIXON
Dá CINCO MIL DÓLARES para cada!

É
Sorrio. É óbvio que pretendo deixar o valor total com ela.
Tenho certeza de que ela vai insistir para dividirmos, mas vou
insistir de volta, daí eu deixo ela pagar um jantar chique para
mim ou algo assim.

Confi-Dança ficou em qual posição?

DIXON
Não fica bravo.

Terceiro lugar.

Filhos da puta.
Mas não dá para negar que Viktor e Martinique mandaram
muito bem. E, embora nosso tango tenha sido explosivo, nossa
valsa foi mediana, e o chá-chá-chá foi quase um desastre.
Ainda estou surpreso que eu e Diana tenhamos conseguido
ficar entre os cinco primeiros. É o resultado gratificante de um
verão inteiro de ensaios. Quinto lugar é uma bela de uma
conquista, e estou orgulhoso de nós. Estou orgulhoso de Diana,
que se dedica de corpo e alma aos seus projetos. Ela comentou
comigo ontem à noite que seu próximo objetivo é aprender
espanhol, e não tenho dúvida de que ela vai estar fluente até o
final do ano. Ela é esse tipo de pessoa. Pura dedicação.
Não acredito que cheguei a pensar que ela não passasse de
uma líder de torcida superficial. Eu estava redondamente
enganado sobre essa mulher.
O treinador entra para repassar algumas estratégias de última
hora, seu olhar afiado buscando por Beckett.
“Dunne, vou colocar você na escalação de Lindley hoje.”
Boa. Adoro quando Beck está no gelo comigo. Ele é gigante
pra caralho. Sempre sei que vou conseguir o disco porque
Beckett vai manter todos os atacantes adversários enroscados
nas laterais. Ele deve ser o melhor defensor do time.
Eu e ele batemos o punho, sorrindo um para o outro. Não
jogamos na mesma formação desde o Eastwood College.
Quando nos transferimos para Briar, ele foi colocado na
primeira formação com Ryder, Case, Will e David Demaine.
Mas agora que Demaine e vários veteranos se formaram, o
treinador e sua equipe reorganizaram as escalações, tentando
encontrar uma configuração que funcione. Hoje, vou jogar
com Austin Pope, que foi a estrela entre os novatos do ano
passado e agora está no segundo ano, e alguns outros alunos do
segundo ano que estão um pouco verdes. O Beck será uma
adição bem-vinda.
“Ei, professor”, Nazem chama. “Lindley ficou em quinto
naquela parada de dança.”
Jensen me lança um olhar fulminante.
“Se não ficou em primeiro, ficou em último.”
“Cara. Quinto lugar é ótimo para minha primeira competição
de dança. Diz que eu fiz um bom trabalho, vai. O senhor
consegue, professor… só um parabéns.”
Ele apenas me encara. Mas, enquanto está virando as costas,
eu o escuto murmurar “Parabéns”.
Morro de rir. Sempre soube que ele tinha um coração mole.
Ele me surpreende ainda mais quando me para na porta do
vestiário, colocando a mão pesada no meu ombro. Ele espera
todos os outros saírem antes de dizer:
“É bom ver que você se esforça no mesmo nível de dedicação
a todas as suas atividades, Lindley. Mas preciso dizer: seu chá-
chá-chá estava uma merda.”
Meu queixo cai.
“O que o senhor sabe sobre chá-chá-chá?”
“Eu e minha esposa fizemos aulas de dança antes do
casamento”, ele revela. “Tivemos que aprender cinco danças
latinas.”
“Americanas ou internacionais?”
“Internacionais. Foi o pior ano da minha vida”, ele
resmunga.
Não consigo segurar o riso.
g g
“Mas o resultado foi que me casei com minha esposa e
dancei um chá-chá-chá de respeito, então…” Ele encolhe os
ombros. “Você consegue mais, Lindley. Vai ensaiando.”
Ele sai andando, e não tiro os olhos dele. Chad Jensen é uma
caixinha de surpresas e, sinceramente, uma fonte que nunca
seca. Mal posso esperar para contar para os meninos que…
No meio do corredor, o técnico se vira e abre um sorriso
cheio de sarcasmo.
“Se contar para alguém, vou negar. Você vai fazer papel de
idiota.”
Puxa vida.
Como ele sabia?

O jogo é acelerado desde o início. Ainda sinto a adrenalina


da competição de dança, e nada mais do que justo que eu faça
o gol da vitória. Essa é minha noite. Quem manda aqui sou eu,
porra!
“Isso”, Ryder rosna, batendo no meu capacete enquanto passo
por cima da barreira. Sua formação já acabou por hoje, então
ele está no banco curtindo a ação sem precisar se sentir
pressionado.
Restam apenas quarenta segundos no terceiro tempo. Claro,
o Boston College é capaz de marcar dois gols nesse tempo,
afinal, milagres acontecem. Mas é improvável. O técnico sabe
disso e ordena que nossa terceira escalação trate o resto do
jogo como um penalty kill, enquanto o restante de nós fica
sentado no banco torcendo para eles manterem a formação de
defesa.
Quando o apito toca, marcando o fim do terceiro tempo,
todos no banco da Briar se levantam de um salto, saboreando o
gostinho da vitória. Estávamos a todo vapor hoje. Invencíveis.
O clima no vestiário é de puro triunfo.
“Gigi e Mya estão lá fora com Diana”, Ryder me avisa,
colocando a bolsa de hóquei no ombro. Mya veio para o jogo
de Gigi contra o Providence. A gente vai voltar para Hastings e
se encontrar no Malone’s.
Perfeito. Nem sabia que ela estaria aqui, mas uma olhada
rápida no celular confirma que Diana pegou um Uber para cá
depois do anúncio dos vencedores. Está esperando por mim no
saguão.
Mas, quando entro no corredor, não é Diana que encontro
esperando por mim.
É Lynsey.
“Oi.” Estou surpreso em dar de cara com ela, ainda mais de
calça jeans e suéter preto em vez do figurino de dança que
estava usando no hotel. “Não vai à festa de encerramento da
cndsaa?”
“Achei melhor não ir.”
“Mas não vão anunciar os vencedores da American Nine?”
“Sergei vai me avisar por mensagem se ficarmos entre os
melhores.”
Ela dá de ombros, o que é estranho para Lynsey. Ela costuma
ser muito direta. Em todos os anos desde que a conheço, ela
nunca deixou de comparecer a um evento importante. Pelo
menos, não um evento que fosse importante para ela.
Estou completamente perplexo.
“Cadê Tyreek?”, pergunto. “Ele não estava na plateia
torcendo por você?”
“Não. Na verdade, a gente terminou.”
“Sério?”
“Sim”, ela responde. “Mês passado.”
“Ah.” Que estranho. Eu e ela nos cruzamos algumas vezes no
campus de lá para cá, e ela não disse nada.
“E não fui à festa de encerramento porque queria assistir ao
seu jogo. Consegui ver o último tempo.”
Escondo o choque.
“Você veio para me ver jogar?” E então não consigo me
conter. “Nunca demonstrou muito interesse antes…”
“Eu sei. Foi péssimo da minha parte.” Ela parece sem graça.
“Podemos ir para algum lugar conversar?”
p g g
Hesito.
“Tem um barzinho não muito longe daqui. Vamos tomar
alguma coisa rápida?” Ela hesita. “Ah. A menos que você tenha
que pegar o ônibus do time.”
“Hoje não. Vim de carro por causa da competição.”
“Beleza. Ótimo.” Seu alívio é claro. “Então você pode tomar
algo.”
“Tenho planos. Vou encontrar todo mundo em Hastings para
comemorar a vitória.”
“Não vou tomar muito do seu tempo, Lindy. Você ainda pode
encontrar todo mundo lá. Você só vai atrasar… o quê? Quinze?
Vinte minutos?”
Seu olhar é tão sincero e, por um momento, ela parece
insegura. Eu me lembro de repente do nosso primeiro beijo.
Apesar de toda a sua pose — desde a adolescência, ela agia
como se fosse tão segura de si —, quando a beijei pela primeira
vez, segurando sua bochecha, ela estava com o mesmo olhar.
Insegurança e esperança. Desejo misturado com medo.
“Refleti muito desde que eu e Ty terminamos, e preciso
desabafar algumas coisas. Por favor.” Quando hesito de novo,
ela solta um suspiro frustrado. “Não quero apelar para o nosso
passado, mas, por favor, Shane. A gente se conhece desde a
oitava série. Você pode me dar vinte minutinhos.”
Ela tem razão, posso sim.
Antes que eu possa responder, reconheço um rabo de cavalo
platinado no fim do corredor. Quando vejo Diana abrir
caminho pela multidão, olho para Lynsey e digo:
“Te encontro lá na frente. Vou tirar o carro.”
“Tudo bem”, ela responde, agradecida.
Quando Lynsey passa por Diana, ela a cumprimenta com um
aceno. Não deixo de notar a desconfiança que surge nos olhos
de Diana enquanto ela se aproxima. Abro os braços e, por mais
que ela se jogue neles para me abraçar, sinto a tensão
crescente.
“Quinto lugar, porra!”, exclamo. “Falei que nosso tango era
sensacional.”
Ela sorri.
“Não acredito no tanto de dinheiro que a gente ganhou! Vai
me ajudar muito.”
“Pois é. Que loucura! Quanto o quarto lugar ganhou?”
“Vinte mil.”
Aceno com determinação.
“Já sei qual é nosso objetivo para o ano que vem.”
Diana sorri e pega na minha mão. Então, como se lembrasse
o que acabou de ver, seu sorriso se fecha de repente.
“Por que Lynsey estava aqui?”
“Ela quer conversar.” Pauso por um segundo. “Gigi está aqui,
né? Ryder disse que ela está de carro?”
“Sim”, Diana responde, apreensiva. “Por quê?”
“Você se importa de voltar para Hastings com ela e Mya? Vou
beber alguma coisa rápida com Lynsey, mas encontro vocês no
Malone’s logo em seguida. Vou estar trinta minutos atrás de
vocês, juro.”
Diana me encara.
“Que foi?” Passo a mão no cabelo curto.
“Você vai beber alguma coisa com Lynsey.” Seu tom é seco.
“Eu disse: ela quer conversar.”
“Sei, aposto que quer.”
“Não é nada disso que você está pensando”, garanto.
A tensão entre nós continua a aumentar. Consigo ver a
mente de Diana girando, seu maxilar se movendo enquanto ela
range os dentes. Ela quer dizer alguma coisa. Não, ela quer
dizer muitas coisas, e conheço seu gênio bem o suficiente para
saber que está sendo difícil para ela se controlar e não explodir
comigo.
Ela solta o ar devagar.
“Não quero que você vá com ela.”
Minhas sobrancelhas se erguem.
“Quê?”
Seu rosto se franze de aflição.
“Não estava planejando dizer isso agora, nesse corredor,
mas… não é mais de mentira para mim, Shane.”
p
“Eu sei.” Minha voz é um pouco áspera.
“Estou apaixonada por você. Apaixonada de verdade. E não
acredito que estou dizendo isso para Shane Lindley se no ano
passado você era a última pessoa com quem eu queria
conversar. Mas é isso. Essa é a verdade. E eu entendo, tá? Sei
que essa história toda começou porque você queria fazer ciúme
nela e tenho certeza que, no fundo, você estava torcendo para
ela terminar com Tyreek e voltar para você…”
“Ela e Tyreek terminaram.”
Diana balança a cabeça com desdém.
“Tá vendo? É por isso que você não pode ir! Ela está tentando
voltar com você.”
Infelicidade toma conta de mim.
“Talvez sim. Talvez não. Seja como for, não tenho a menor
intenção de voltar com ela. Independente do que ela queira
conversar, ela parecia bem chateada e tenho que ouvir o que
ela tem a dizer. Devo isso ao nosso passado.”
“Você não deve nada a ela. Ela te deu um fora.”
Estendo a mão para Diana, mas ela dá um passo para trás, as
bochechas corando de raiva.
“Não quero que você vá. Por favor. Estou te pedindo para não
ir.”
“É uma conversa. Só isso.”
Silêncio cai entre nós. Vozes do saguão chegam ao corredor,
conversas animadas e risos abafados, mas eu e Diana estamos
num impasse, os dois em silêncio.
Finalmente, ela abre a boca. Sua voz é mais fria do que o
Atlântico.
“Tá bom, Shane. Já entendi.”
Frustração aperta minha garganta.
“O que você quer dizer?”
Ela ri com amargura.
“Eu acabei de dizer que estava apaixonada, e você não
respondeu nada. Então, já sei a resposta. Estou vendo que não
estamos na mesma página. Estou vendo o que isso é para mim
e o que é para você. E quer saber? Vai com a Lynsey. Espero
que vocês se divirtam.”
Diana dá meia-volta e sai andando sem olhar para trás.
45

diana

Não é um relacionamento

“Você não vai com Shane?”, Gigi diz quando praticamente a


arrasto para fora da arena e digo que estou pronta para ir.
Mya corre atrás de nós, vestida como se estivesse em uma
galeria de arte em vez de um jogo de hóquei. Ela usa botas de
couro salto agulha, uma calça preta justa e um suéter de
caxemira cinza sob o casaco. O cachecol é de grife, claro. Mya
Bell é deslumbrante. Ela quer ser cirurgiã, e não tenho a
menor dúvida de que seus pacientes vão adorar a vista dessa
criatura maravilhosa fazendo uma incisão neles.
“Di?” Gigi insiste.
“Shane tem outro lugar para ir”, digo com frieza.
Ela me olha em dúvida.
“Tá…?”
É uma pergunta. Não respondo.
Chegamos à suv de Gigi, e entro no banco de trás sem
disputar com Mya quem vai ficar na frente, como
normalmente faria.
Gigi liga o motor e arranca. Fico olhando para a nuca dela e
tento não chorar. Mal percebo que ela e Mya não estão
conversando, tanto que, quando Gigi para num sinal vermelho
alguns minutos depois e as duas se viram para me observar,
fico confusa.
“Que foi?” Pergunto.
“Exatamente, o que foi! Que houve com você?” Gigi
questiona.
“Sério”, Mya concorda.
Dou de ombros.
“Nada.”
“Você não disse uma palavra em cinco minutos”, Gigi diz,
incrédula. “Acabou de ficar em quinto lugar na sua competição
de dança favorita! Passou um ano obcecada por isso. Sei que
você e Kenji só começaram a ensaiar no verão, mas você estava
trabalhando nessa coreografia praticamente desde a competição
do ano passado.”
“E daí?”
“E daí que era para você estar nas nuvens.”
“Era para você estar falando sem parar sobre como vai
dominar o mundo”, Mya diz com sua voz sarcástica. Ela
sempre gosta de me encher o saco, mas tudo bem, porque
também encho o dela.
“Mas você está sentada aí olhando para o nada. Nem no
celular você está. O que houve?”
Shane não me quer.
A confissão está desesperada para vir à tona, mas a seguro.
Não. Não vou dar a Lindley a satisfação de chorar sobre ele na
frente das minhas amigas. Tornaria isso real.
É real.
Para ele, não.
Para meu mais completo horror, lágrimas ardem em minhas
pálpebras. Começo a piscar rapidamente numa tentativa
desesperada de contê-las.
“O que aconteceu com seu rosto?” Mya questiona, e percebo
que ela está me observando pelo retrovisor.
Engolindo o nó na garganta, passo a manga do casaco nos
olhos, que começaram a arder de repente.
“Ei, Diana, sério. O que está rolando?” Gigi parece
preocupada. “Você brigou com Shane?”
“Não exatamente.” Minha voz treme um pouco. “Quer dizer,
ele foi encontrar a ex-namorada depois que pedi para ele não
ir.”
“Eita.” Mya assobia baixo.
y
“E ela acabou de terminar com o namorado e está na cara
que quer voltar com ele. Mas, sabe…” Meu tom é carregado de
sarcasmo. “Ele tem que ouvir o que ela tem a dizer porque
‘deve isso ao passado deles’.”
O queixo de Mya cai.
Gigi solta um palavrão.
“Sério isso? Como assim, ouvir o que ela tem a dizer? É óbvio
que ela quer voltar com ele.”
“Sim, foi o que eu disse.” Cerro os dentes para impedir meus
lábios de tremerem. “Mas tanto faz. Não importa. Ele pode
fazer o que quiser.”
“Ele é seu namorado.”
“Na verdade, não.” Um riso cansado me escapa. “Nunca foi.”
A confissão paira no carro. Uma buzina alta nos assusta. O
homem no carro atrás de nós está puto porque Gigi não está
entrando no cruzamento. Ela levanta a mão num gesto de
desculpas e segue em frente, indo na direção da rodovia. A
viagem de volta a Hastings leva cerca de uma hora e, depois da
bomba que acabei de soltar, sei que não vai ser uma viagem
confortável.
“Começou com ele querendo não perder a pose quando
Lynsey apareceu no apartamento dele com o namorado novo.
Aí eu fui lá e, sabe, fiz de conta que estávamos namorando. E
depois ele me retribuiu o favor quando Percy começou a me
importunar.”
“Gigi me contou disso”, Mya diz, chateada. “Como é que
Percy foi virar um stalker?”
“Pois é.” Escondo o rosto entre as mãos e gemo contra as
palmas.
Quando levanto a cabeça, sinto uma mistura de ansiedade,
tristeza e raiva. Eu estava tão animada antes. Ainda mais depois
do tango. Claro, o chá-chá-chá foi mediano, e a valsa vienense
poderia ter sido melhor, mas, meu Deus, aquele tango.
Nunca senti nada parecido. A emoção que me atravessou
enquanto Shane comandava o palco com sua presença,
praticamente me comendo na frente de todo o público sem
p p
tirar nenhuma peça de roupa. Depois disso, tudo mais perdeu a
graça. Aquele tango ficou gravado em mim. Não me
surpreende termos ficado em quinto.
O que me surpreende é ele ter escolhido Lynsey em vez de
mim. Pode ser ingenuidade minha, mas acreditei de verdade
que ele não queria mais nada com ela.
Digo isso em voz alta agora, com um suspiro triste.
“Vi a mudança dele desde o verão até agora. Até cruzamos
com ela uma vez no campus e ele não parecia mais a fim dela.
Estava me dando sinais de que estava gostando de mim.”
Gigi morde o lábio.
“Acho que ele está sim curtindo você.”
“Então por que ele foi atrás da ex-namorada?”, Mya
argumenta.
“Você não está ajudando”, repreende Gigi.
“Estou ajudando sim porque não vamos iludir a menina a
pensar que o cara está a fim dela. Tudo começou porque ele
usou Diana para deixar a ex com ciúme.” Mya vira no banco.
“Ele disse que ainda era apaixonado por ela, não disse?”
“Não com essas palavras, mas sim.”
“Sentimentos não passam de uma hora para outra.”
“Passam sim”, Gigi insiste. “Sentimentos passam, e aí você
conhece uma pessoa nova e surgem novos sentimentos, e os
antigos deixam de importar.”
“Está claro que esses ainda importam porque ele foi atrás da
ex.”
As duas continuam a discutir por mim. São como o diabo e o
anjo, uma em cada ombro, só que elas estão sentadas no banco
da frente. E não sei em qual delas acreditar.
Finalmente, interrompo com um resmungo alto.
“Estou do lado da Mya aqui, Gigi. Era um relacionamento de
mentira e não significava nada para ele.”
“Ele entrou em uma competição de dança com você. Ele não
teria feito isso você não significasse nada para ele.”
“Sim, como amiga. Mas o objetivo dele desde o começo era
voltar com a ex. E implorei para ele não ir com ela hoje e ele
p p j
escolheu ir. Isso é prova das intenções dele.”
“Concordo”, Mya diz.
Meu coração se parte. Não acredito que ele foi embora. Não
acredito que ele a escolheu. Estamos juntos há meses. Nós nos
víamos todos os dias. É como dizem os casais de Casinho ou
casório, o tempo lá é diferente. Um dia na casa de campo
corresponde a três meses de namoro. Ter Shane no
apartamento do lado, estar em contato diário com ele, acelerou
nosso relacionamento.
Não é um relacionamento.
É. Parece que não.
“Vamos deixar para lá”, murmuro. “Ele fez a escolha dele.
Vocês podem me deixar em casa primeiro? Não estou a fim de
sair.”
“Sem problema”, Gigi diz baixo.
Mal digo uma palavra pelo restante da viagem. Depois de um
tempo, Gigi coloca uma música, e ela e Mya conversam baixo.
Elas tentam me incluir aqui e ali, mas aceno ou murmuro sim
ou não até elas desistirem.
E bem quando penso que essa noite não tem como ficar pior,
no momento em que Gigi entra na rua em direção ao meu
condomínio, vejo algo que faz meu sangue gelar.
Mantive o olhar fixo na janela para evitar a conversa, o que
significa que estou atenta à paisagem e reconheço o veículo
estacionado perto da entrada do Meadow Hill. Um hatchback
cinza-escuro com um adesivo da Universidade de Nova York
no para-choque traseiro. Quando passamos por ele, vejo um
movimento no banco do motorista.
“Para o carro”, digo de repente.
“Por quê?” Gigi pergunta, preocupada. “Qual é o problema?”
“Era Percy lá atrás. No carro cinza.”
Ela continua dirigindo e eu bato no banco dela.
“Gigi, para o carro.”
“Não. Você tem uma medida cautelar contra ele.”
“Exato, e ele não pode estar aqui.”
“A distância mínima da medida cautelar é cem metros, e ele
está estacionado a três metros da entrada do meu condomínio.
O que ele está pensando?”
“Para o carro, porra. Quero ver o que ele está tramando.”
“Não”, Gigi repete, com um tom que não admite discussão.
“A única coisa que você vai fazer agora é chamar a polícia.”
46

shane

Eu era um acessório

“Obrigada por vir”, Lynsey diz.


Estamos num barzinho de esquina escondido em uma rua
charmosa de paralelepípedos. O interior é uma combinação de
paredes de tijolos expostos, vigas de madeira escura e um
conjunto de mesas, bancos e poltronas de couro desgastado nos
cantos do salão. Encontramos um par de poltronas vazias e nos
sentamos de frente um para o outro.
Não está tão cheio como se esperaria de um sábado à noite.
Apenas o murmúrio de conversas e gargalhadas ocasionais
enche o ar, oferecendo um ambiente mais intimista. O que faz
isso parecer um encontro. Mas não é. E estou distraído porque
sei que Diana está puta comigo. Vai ser preciso muito esforço
para me redimir com ela.
“O que está rolando?”, pergunto a Lynsey.
“Sinto sua falta.”
Minha boca se fecha.
Quê?
Lynsey abre um sorriso autodepreciativo.
“Desculpa, não queria lançar essa logo de cara, mas é
basicamente isso. Sinto sua falta.”
Não sei o que dizer, mas sou poupado pela chegada da
garçonete. Peço uma ipa. Lynsey pede um chá. Ela não é muito
de beber.
Depois que a garçonete sai, coço a bochecha e o lado do
pescoço antes de baixar o braço com nervosismo.
“Não sei o que fazer com essa informação”, admito.
“Você poderia dizer que também sente minha falta.”
“Eu disse”, eu a lembro. Ressentimento me atravessa. “Falei
que sentia sua falta quase todas as vezes em que conversamos.
E você só me disse isso agora.”
“Eu sei.”
“O que é um pouco conveniente, não?” Aquela pontada de
rancor se transforma num nó na garganta. “Até algumas
semanas atrás, você estava namorando.”
“Não era nada sério com Tyreek.”
“Não importa se era sério. Você estava com outra pessoa. E
tenho quase certeza que, se você não estivesse com ele, não
teria nem considerado pedir transferência para Briar.”
Seus olhos ficam incrédulos.
“Você acha que pedi transferência de faculdade por causa de
homem? Você sabe que não sou assim, Lindy. Meu futuro é
importante demais para mim para agir por impulso.”
Alguma coisa na sua resposta indignada me incomoda. É
uma palavra. O problema é uma palavra. O futuro dela. Todo o
nosso relacionamento girava em torno do futuro dela, da
agenda de balé dela, dos amigos dela. Nossa vida girava em
torno do que ela queria fazer e aonde ela queria ir.
A constatação me atinge na cara como um disco de hóquei
desgovernado.
“Eu era um acessório”, digo.
“Do que você está falando?”
“No nosso relacionamento. Eu era um acessório. Eu fazia
tudo por você, e chega a ser ridículo quando paro para pensar.
Todos os eventos de dança, eu estava lá. Na primeira fileira. E,
em quatro anos, dá para contar numa mão o número de jogos
de hóquei a que você foi.”
“Não é verdade”, ela reclama.
“Três”, digo, seco. “Quatro se contar hoje. Mas hoje não
conta porque ainda não sei o que aconteceu hoje. Mas tenho
uma boa ideia.”
“Como assim?”
“Você não gosta de ver outra pessoa brincando com seus
brinquedos.”
Ela fecha a cara.
“É exatamente isso.” Dou de ombros. “Você está com ciúme
da Diana.”
“Ah, fala a sério. E eu lá vou me sentir ameaçada por uma
líder de torcida tapada…”
“Não a insulte. Não vou aceitar isso.”
Ela recua na mesma hora.
“Eu me expressei mal. O que quero dizer é: você também é
ambicioso. Tem um plano para o futuro. Um bom plano.”
“E daí?”
“E como essa menina se encaixa nele? Naquela noite no seu
apartamento, toda vez que eu fazia uma pergunta séria para ela,
como o que ela quer fazer depois de se formar ou quais são
seus objetivos, ela dava de ombros e dizia sei lá ou vamos ver.
Conheço você, Shane. Você não pode estar com alguém que
leva a vida na base do improviso.”
“Posso estar com quem eu quiser. E, só para você saber, ela
tem ambição, sim. Qualquer coisa que aquela mulher coloca na
cabeça, ela conquista.”
É verdade. Seja na competição de dança, treinando para o
campeonato nacional, fazendo as atas da reunião de
condomínio… Diana leva a vida ao máximo, independente do
que estiver fazendo, por mais mundana que seja a atividade.
Ela é inteligente e determinada, e se importa com as pessoas ao
seu redor. Com a família, os amigos. Embora seus sábados
sejam ocupados pelos jogos de futebol americano, ela
conseguiu ir a todos os meus jogos de sexta-feira. É isso
mesmo: Diana Dixon já foi a mais jogos de hóquei meus do
que Lynsey durante todo o tempo em que estivemos juntos.
Ela foi jogar golfe comigo simplesmente porque sabe que
gosto.
“Nosso relacionamento era todo sobre você”, digo a Lynsey.
“Eu cedia em tudo. Cuidava para que todas as suas
necessidades fossem atendidas. E você não conseguia nem
g
fingir interesse pelo meu esporte.” Balanço a cabeça. “Não era
de todo ruim…”
“Jura?”, ela interrompe, cortante. “Porque você está falando
como se fosse o pior relacionamento do mundo. Por que você
ficou comigo por quatro anos, então, se era tão horrível
assim?”
“Você não era horrível. Não é isso que estou dizendo.
Tivemos um bom relacionamento. Às vezes era até ótimo. Mas
estou começando a entender que você tinha razão em terminar
comigo.”
“Talvez eu tenha cometido um erro.”
“Não cometeu”, digo. “Não éramos feitos um para o outro.
Pensei que fôssemos, pelo menos no sentido de que éramos os
dois ambiciosos e sabíamos o que queríamos para nosso futuro.
Mas a questão é que você não me queria no seu futuro. Foi por
isso que você terminou comigo. E agora estou feliz com outra
pessoa.”
A garçonete volta com nossas bebidas. Mas já acabei por aqui.
“Desculpa, Lyns. Sempre vou valorizar o que a gente teve e
vou ter o maior prazer em manter a amizade, se e quando você
estiver pronta para isso. Mas…” Pego a carteira do bolso e tiro
uma nota de vinte. “Isso deve cobrir tudo. Desculpa. Não posso
ficar. Minha namorada está esperando por mim.”
Deixo minha ex no bar e saio correndo. Na calçada, ligo para
Diana, mas seu celular cai imediatamente na caixa postal. É, ela
tá puta.
Merda.
Tento Gigi na sequência. Caixa postal. Dois a zero.
Na terceira ligação, consigo que Ryder atenda.
“Ei, minha namorada está com a sua esposa? Se sim, pode
colocá-la na linha?”
“Elas não estão aqui.”
Aperto os lábios.
“Como assim? Por que não?”
“Diana não quis vir ao Malone’s, então Gigi a levou para casa.
Mas eu e os caras estamos aqui.”
q
“Merda, ela está tão brava assim?”
“Quem, Diana? Não sei. Gisele não disse nada.”
“Certo, beleza. Valeu.”
Volto para a arena e corro na direção da minha Mercedes.
Faço o percurso de uma hora de volta a Hastings batendo os
dedos no volante o tempo inteiro. Estou impaciente e
desesperado para sair do carro. Quero encontrar Diana e
explicar por que precisava falar com Lynsey. E que eu não
tinha a menor intenção de voltar com ela. Sei que vou levar
uma bronca e talvez ser xingado por um bom tempo, mas
espero que ela consiga ver que estou sendo sincero.
Saio da rodovia, pegando as ruas residenciais para contornar
o centro de Hastings até chegar à rua sem saída onde fica
Meadow Hill. Tenho que passar pela entrada principal para
chegar ao estacionamento dos moradores, e fico tenso quando
noto o veículo que está saindo ao mesmo tempo em que entro.
É uma viatura da polícia.
47

shane

Minha namorada de verdade

Passo às pressas pelo saguão do Sicômoro e sigo correndo pela


trilha em direção ao nosso bloco. Dei ao Richard da portaria
uns três segundos para me responder quando perguntei:
“Qual era a da viatura?”
Tudo que ele conseguiu dizer foi “Aconteceu uma situação com
a Diana e…” antes de eu sair correndo na direção do Bétula-
Vermelha.
Subo os degraus de dois em dois. Mesmo com o barulho
estrondoso dos meus passos e do meu coração acelerado,
escuto a voz abafada de Niall.
“Anda baixo!”
Eu o ignoro. À porta de Diana, testo a maçaneta, mas está
trancada, então começo a bater na porta.
“Dixon, me deixa entrar. Você está bem?”
Passos se aproximam da porta. Ela se abre, e vejo Gigi.
“O que aconteceu?”, digo imediatamente. “Cadê ela?”
“No banho.”
O semblante carregado de Gigi me diz que o que quer que
tenha acontecido hoje não foi coisa boa. Entro apressado,
espiando por sobre os ombros dela para encontrar Mya Bell,
ex-colega de apartamento de Gigi, no sofá de Diana. Eu a
cumprimento com a cabeça. Ela ergue a mão e me dá um
aceno rápido.
“Foi aquele arrombado?” questiono. “Percy?”
“Sim”, Gigi responde. “Ele estava meio que vigiando o
apartamento quando chegamos.”
“Como assim, vigiando?”
“Não sei, é o melhor jeito que tenho para explicar. Ele não
estava no condomínio, mas a alguns metros da placa do
Meadow Hill.” Raiva tinge suas bochechas. “Diana viu o carro
dele e queria sair para confrontar o cara.”
“Espero que não tenha deixado.”
“Claro que não. Entramos direto e ligamos para a polícia.
Eles chegaram em três minutos, o que foi impressionante. Mas
acho que não deve ter muitos crimes em Hastings.
Provavelmente eles só estavam esperando alguma coisa
acontecer. Os policiais questionaram Diana e depois foram
procurar Percy, que negou ter quebrado a medida cautelar. Ele
alegou que estava além da distância mínima.”
“Ele tem que ficar a cem metros dela. Se ele estava
estacionado perto da entrada, não dá cem metros.”
“Segundo ele, o local onde ele estava estacionado, em relação
ao Bétula-Vermelha e a este apartamento está a exatamente
cento e oito metros de distância. Diz ele que mediu usando
imagens por satélite.”
“Desgraçado escroto.”
“Pois é, Diana ficou puta. Então é uma questão de semântica,
e a medida cautelar está sendo revisada para incluir esse
apartamento, e o condomínio todo. Foi uma merda atrás da
outra, e Diana não aguenta mais. É por isso que eu acho que
você deveria ir embora.”
Fico boquiaberto.
“Nem pensar que eu vou embora. Vou ficar aqui para quando
ela sair do banho.”
“Shane”, Mya diz, hesitante.
Olho para ela.
“Quê?”
“Não precisa mais fingir”, Gigi explica. “A gente sabe que
esse não é um relacionamento de verdade.” Ela aponta para
mim e para o banheiro no fim do corredor.
p
“Ela contou tudo pra gente”, Mya confirma.
“E entendo”, Gigi diz baixo. “Foi muito legal da sua parte
fingir ser namorado dela enquanto Percy estava morando aqui.
E você fez bem em convencer Diana a denunciar o que
aconteceu com ela. Mas…”
“Mas o quê?”, retruco.
“Mas você a iludiu.”
Meu peito se aperta.
“É isso que ela pensa?”
“O que mais ela pensaria?” Os olhos cinza de Gigi se voltam
para mim. “Ela disse que estava apaixonada por você, e você
virou as costas para ir correndo encontrar sua ex-namorada.”
“Sim, para fechar esse ciclo”, murmuro.
“Que ciclo você precisava fechar? Ela não te deu um pé na
bunda há um ano?”, Mya comenta do sofá.
Faço cara feia para ela.
“Dá para parar de julgar?” Passo as duas mãos na cabeça.
“Sim, vacilei e sei que ela está chateada. Mas não tem nada
entre mim e Lynsey. Deixei bem claro hoje que não quero
voltar.”
“Mesmo assim, não sei se agora é o melhor momento para
lidar com… seja lá o que isso for. Esse relacionamento de
mentira…”
“Não é de mentira!”, exclamo. “É real pra caralho. Vocês não
entendem? Eu amo aquela mulher.”
Gigi me encara.
“Eita. Sério?”
Passo a mão pelo rosto, constrangido sob o olhar surpreso de
Gigi e Mya. Faz meses que meus sentimentos por Diana vêm
crescendo, mas esta é a primeira vez que consigo dar um nome
a eles. Amor. Amo aquela mulher com todas as minhas forças.
Não pensei que a ficha cairia na frente de uma plateia, só
queria que as amigas dela fossem embora de uma vez e me
deixassem ver Diana.
“Sério”, murmuro para Gigi. “Então me faz um favor e me
deixa assumir daqui. Por favor.”
q
“Não vou embora.”
“Você disse que ela está bem, não é? Está brava, mas não
abalada. Ele não encostou nela. Então, por favor, só vai. Muito
obrigado por terem dado uma carona para ela e ficarem com
ela enquanto os policiais estavam aqui, mas estou pedindo, por
favor, para vocês irem e me deixarem ficar a sós com a mulher
que eu amo.”
Após uma longa pausa, Gigi consente.
“Tá. Mas vou ligar para ela em uma hora, e se ela parecer um
pouquinho chateada que seja, volto e boto você para fora.”
“Justo. E, sério: obrigado por ficarem com ela. Você é uma
boa amiga. Vocês duas.”
Depois que elas saem, tranco a porta e volto para a sala. Solto
um resmungo de frustração contra as mãos enquanto tento
ignorar a pontada de medo que pergunta: e se Gigi e Mya não
estivessem com ela? E se ele tivesse encontrado um jeito de…
Não, não consigo nem pensar nisso.
Mas era para eu estar aqui, porra.
“Quer dizer que você me ama.”
Ergo os olhos e encontro Diana parada na entrada do
corredor. Ela está enrolada na mesma toalha rosa que a vi
usando na primeira vez que entrei nesse bloco. Suas bochechas
estão vermelhas pelo banho. Ela se aproxima de mim com os
pés descalços.
“Ouviu isso, então?”, pergunto, resignado.
“Sim.” Seus olhos verdes percorrem meu rosto. “Era
verdade?”
“Já te falei alguma coisa que não fosse verdade?”
“Sei lá”, ela diz, dando de ombros. “Você parecia estar
falando a verdade quando escolheu sua ex em vez de mim.”
“Eu não a escolhi em vez de você. Sei que parece isso, mas
precisava conversar com ela. Eu tinha uma suspeita que
precisava confirmar.”
“Que suspeita?”
“Que a minha relação com Lynsey não era tão boa quanto eu
pensava.”
p
Minhas palavras trazem um brilho de humor aos olhos dela.
Ela morde o lábio.
“Está tentando não rir?”, pergunto.
“Mais ou menos. Quer dizer, estava na cara. Com tudo que
você disse sobre ela, parecia que o relacionamento era o Show
da Lynsey e você era só um coadjuvante.”
“Eu entendo isso agora. E queria conversar com ela hoje para
poder dizer isso tudo a ela. E deixar claro que não quero
reatar.”
“Mas ela tentou, né? Como eu te avisei.”
“Eu também estava com esse pressentimento”, admito.
Diana me lança um olhar fulminante.
“E mesmo assim você agiu como se a ideia fosse muito
absurda quando comentei isso.”
“Olha, quando ela disse que terminou com Tyreek, passou
pela minha cabeça que ela poderia tentar reatar, mas não era
por isso que eu queria falar com ela.”
“Sério? Você não queria a dose de autoestima de saber que
sua ex está louca para voltar com você?”
“Não. Não queria. Eu precisava ter esse último momento
com ela. Ficamos juntos por quatro anos. E eu queria que ela
soubesse que não éramos feitos um para o outro e que eu me
apaixonei pela minha namorada. Minha namorada de verdade.”
Diana está mordendo o lábio de novo. Mas não consegue
conter o sorriso. Ele se abre, iluminando seu rosto todo.
“Não acho que você esteja mentindo para mim.”
“Não estou”, digo baixo. “Não quero mais ninguém, Dixon.
Quero você.”
“Por quê?”
Franzo a testa.
“Estou falando sério. Por que você me quer?” Ela está
mordendo o lábio inferior, e quase dá para ver as inseguranças
emanando dela. “Sou dramática, lembra? Eu precisava dar uma
segurada antes de conhecer sua família…”
Meu peito se aperta.
“Merda. Desculpa ter te feito pensar que eu queria que você
mudasse.”
Ela segura a parte de cima da toalha para não cair.
“Não vou”, ela diz, firme. “Mudar, digo. Sou melodramática e
esquisita, e discuto muito, e essa é minha personalidade. Se
isso assusta alguém…”
“Não me assusta”, interrompo. “Não quero que você mude.
Quero você como você é. Dramática e tudo.” Sorrio para ela.
“Então, quer ser minha namorada de verdade?”
Diana coloca uma mão no quadril.
“Vou ter que pensar.”
“Vai me fazer suar a camisa, é?”, rio baixinho.
“Um pouco. Mas não estou mais brava com você.”
“Que bom.”
“E…” Ela ergue uma sobrancelha. “Talvez eu esteja me
apaixonando por você.”
“Se apaixonando?” Finjo indignação. “Mas eu já estou
apaixonado.”
“Não vou dizer ‘eu te amo’ no dia em que você escolheu sair
com sua ex-namorada.”
“Beleza. Vou ficar no suspense.” Chego perto do seu corpo de
toalha e toco seu rosto. “Você está bem? Gigi me contou o que
rolou com Percy.”
“Estou sim.” Ela balança a cabeça, incrédula. “Só não consigo
acreditar na arrogância dele. Aquele chorão desgraçado sentado
no carro. Ele disse para os policiais que estava dando uma volta
de carro e por acaso acabou perto do Meadow Hill, então
estacionou porque queria lembrar do nosso relacionamento.
Segundo ele, não houve nenhuma intenção maldosa. Não era
para ser uma ameaça.”
“Que mentira.”
“Eu sei. Mas os policiais não vão fazer nada porque quem
escreveu a medida cautelar não foi claro na redação, então ele
escapou por uma brecha. Ele não violou a ordem. Mesmo
assim, vou ligar para a detetive Wendt amanhã cedo.”
“Não se preocupa, não vou deixar aquele maluco chegar
perto de você. Se ele aparecer aqui de novo, vai ter uma
conversinha com Shane Júnior e Shane Neto”, digo, erguendo
o punho direito e o esquerdo.
“A gente precisa de nomes melhores para os seus punhos”,
Diana diz com franqueza.
“Eu sei. Em minha defesa, eles nunca tiveram nomes antes,
então eu estava meio que improvisando.”
“Vamos pensar juntos.”
“Talvez levar para a próxima reunião de condomínio”, sugiro.
“Boa ideia.” Ela está sorrindo.
Abro os braços. Assim que ela entra neles, sua toalha cai no
chão.
Rio e baixo os olhos.
“Já começou a sedução?”
Ela bufa.
“Não estou te seduzindo. Mas… já que estou pelada… acho
que você pode pagar pelos pecados de hoje me dando um
orgasmo.”
Rindo, ergo seu corpo nu, vou até a bancada da cozinha e
sento sua bunda nela.
“Vou começar é agora.”
48

shane

R. Lindley

novembro

Eu e Diana passamos o feriado de Ação de Graças com as


famílias um do outro. Minha família faz o jantar na quinta-
feira, enquanto os Dixon fazem o deles na sexta e, como nossas
cidades são bem perto uma da outra, conseguimos ir nos dois.
Gosto de estar namorando de novo. De verdade, agora que
estou completamente envolvido, percebo que nunca fez sentido
resistir a isso no ano passado. Esse é o meu estado natural. Sou
um cara que gosta de namorar. É como eu sou.
Na quinta à noite, vamos para Heartsong, onde minha
irmãzinha cumprimenta Diana como uma velha amiga, se
jogando em cima dela. Ela arrasta Diana para o andar de cima
para lhe mostrar alguma coisa, enquanto vou para a cozinha
ajudar minha mãe.
“Cadê o papai?”, pergunto.
“Está no escritório.”
“Legal. Vou dar oi para ele e depois venho ajudar você com o
jantar.”
“Pode ser, querido. Obrigada.”
Noto uma tensão ao redor dos seus olhos antes de ela se
virar para o fogão. Dou um passo à frente para tocar em seu
braço.
“Está tudo bem?”
“Está sim. Cozinhar me estressa, você sabe disso. Vai ver seu
pai.”
O escritório é o domínio do meu pai, parte salão de jogos,
parte ambiente de trabalho. Gaveteiros ocupam uma parede
inteira. Em outra está uma série de monitores de computador
sobre uma mesa de mogno em L, com fotografias emolduradas
e colecionáveis de hóquei pendurados acima dela. A terceira
parede ostenta uma lareira a gás com duas poltronas e uma
mesa de centro.
Encontro meu pai ajoelhado no assoalho de madeira,
revirando uma grande caixa de papelão.
“Ei. O que você está fazendo?”, pergunto, curioso.
“Oi, filhão.” Ele se levanta para me dar um abraço rápido.
“Feliz Dia de Ação de Graças.”
Dou um tapinha nas costas dele.
“Feliz Dia de Ação de Graças, meu velho.”
“Quem você está chamando de velho? Estou na flor de
idade.”
“Jovens não falam na flor da idade.”
“Essa doeu.” Ele aperta o peito como se eu o tivesse ferido.
Aponto para as duas caixas no chão.
“O que é isso tudo?”
“Ah, tenho uma coisa para você. Lembra que no mês passado
eu finalmente esvaziei as caixas do sótão? Trouxe algumas para
cá porque achei umas coisas legais que quero dar para você e
Maryanne. Não tem por que deixar tudo em um sótão
empoeirado.”
Ele vai até a escrivaninha e pega um tecido dobrado. Ele o
desdobra e segura a roupa vermelha e preta pela gola. É uma
camisa do Chicago, uma das antigas, anteriores troca pelos
uniformes novos. Sorrindo, ele a dá para mim. O nome
lindley está costurado nas costas.
“Caralho”, exclamo. “É sua camisa do Blackhawks de quando
você jogou lá?”
“Quer dizer quando joguei cinco minutos de um jogo?”, ele
diz, seco.
“Mesmo assim, muito foda!” Pego a camisa dele, passando os
dedos sobre as costuras do logo. “É a que você estava usando
no seu primeiro jogo da nhl?”
“Sim. A que eu estava usando na noite em que minha
carreira acabou.”
Ele não parece tão abatido com isso, mas me encolho ao
ouvir suas palavras diretas e francas.
Ele nota e dá de ombros.
“Faz tempo que já chorei o que tinha para chorar por isso.
Criei algo ainda melhor. Algo para deixar para você e para sua
irmã que vale mais do que dinheiro de hóquei.”
Sorrio.
“Bom, daria para investir o dinheiro do hóquei.”
“Ei, dá para investir o dinheiro de imóveis também.”
“Brincadeira. É sério que você está me dando isso?”
“Sim, mas vou mandar enquadrar primeiro.”
“Você vai autografar?”
“Com certeza.”
Com um brilho nos olhos, meu pai pega uma caneta
prateada da gaveta da escrivaninha e escreve seu nome na parte
preta da camisa.
R. Lindley.
Ele parece tão orgulhoso que lágrimas ardem em meus
olhos. Caralho, não consigo nem imaginar como é perder seu
sonho dessa forma. Num instante. Um segundo e já era.
“Cadê a Diana?”, ele pergunta.
“Está lá em cima com Maryanne.”
Meu pai coloca o braço ao meu redor e passa a mão na
minha cabeça. Não tenho muito cabelo, então ele só esteja
esfregando a palma da mão no meu couro cabelo raspado.
“Estou feliz que você esteja em casa. Feliz que trouxe Diana
também. Ela é uma boa pessoa.”
“Também acho.”
“Que bom que você acordou para a vida.”
Ergo uma sobrancelha.
“Como assim?”
“Eu e sua mãe estávamos receosos de que você poderia voltar
com Lynsey.”
“Nossa.” Não consigo conter o riso. “Vocês não gostavam
mesmo dela, hein?”
“Não é que a gente não gostava dela. A gente não gostava dela
para você. Ela não era boa para você. Séria demais. Ambiciosa
demais.”
“Minha mãe é séria e ambiciosa”, aponto.
“Sim, e ela combina perfeitamente comigo. Porque sou um
vagabundo folgado que precisa de uma mulher para me
motivar.” Meu pai se apoia na escrivaninha, com os braços
cruzados. “Mas você não é como eu. Você é extrovertido,
impulsivo e cabeça-dura. Precisa de alguém como Diana para
colocar você no seu lugar. Lynsey nunca fez isso porque…” Ele
dá de ombros. “Porque, bom, acho que estava concentrada
demais no próprio umbigo para notar o que você estava
aprontando.”
Não vou mentir: machuca ouvir isso. E suas palavras
dissipam qualquer ideia de que eles gostassem dela. Está na
cara que eles só eram bons em ficar de boca fechada.
“Queria que vocês tivessem me dito isso quando a gente
namorava”, admito. “Quatro anos, cara. Vocês poderiam ter me
poupado tempo.”
Meu pai ri.
“Você não teria dado ouvidos. Cabeça-dura, lembra?” Ele se
afasta da escrivaninha. “Vamos lá com elas.”
O Dia de Ação de Graças é muito divertido. Não chamamos
ninguém de fora esse ano, mas recebemos os pais da minha
mãe, minha tia Ashley, alguns primos por parte de pai e mais
primos por parte de minha mãe. Assistimos a futebol
americano, enchemos o bucho de comida e jogamos mímica
depois do jantar.
É o dia perfeito, exceto por um momento de tensão entre
meus pais. Meu pai quer dar uma volta depois que nossos
hóspedes saíram, mas minha irmã está tão elétrica de açúcar
que minha mãe sugere assistirmos a um filme em vez disso.
q g
Meu pai insiste, e minha mãe acaba cedendo, resmungando de
raiva enquanto eles se agasalham e saem, deixando-me a sós
com Diana em casa.
Não perco tempo e pego sua mão.
“Sobe! Agora! Rapidinha!”
Diana não consegue parar de rir enquanto subimos
correndo. Sei que temos pelo menos trinta minutos, mas, por
via das dúvidas, passo reto pelo quarto e a puxo para o
banheiro do corredor.
“Aaah, sexo no chuveiro?” Seus olhos verdes brilham com
malícia enquanto ligo a água.
Ajusto a temperatura para quente e tiro o suéter, jogando-o
no chão de azulejos.
“Acho que o jato vai abafar todos os seus barulhos.”
“Ah, os meus, é? Você é o homem mais barulhento com
quem já transei. Você e seus gemidos masculinos.”
“Você adora quando gemo no seu ouvido”, digo com
arrogância, desabotoando a calça.
Um momento depois, minha cueca cai no tapete do banheiro
e entro no box. Com a cortina ainda aberta, coloco a cabeça
embaixo do jato e deixo a água escorrer pelo meu corpo nu.
“Você vem?”
Diana tira a roupa rapidamente e entra no chuveiro. Vejo sua
bunda balançar enquanto ela entra, e não contenho o impulso
de dar um tapão. Enquanto ela rebola contra minha cintura
nua, meu pau começa a subir, cutucando aquela bunda firme.
Eu poderia entrar nela agora e meter com força. É o que meus
instintos estão me implorando para fazer. Mas resisto porque,
se fizer isso, a transa toda não vai durar nem dois minutos. E
quero que dure.
Começo a beijar seu pescoço e, como previ, o jato de água
abafa o gemido que ela solta.
“A gente devia usar esse truque do chuveiro em casa com o
Niall”, digo enquanto meus lábios continuam a percorrer seu
pescoço.
“Ele vai nos ouvir mesmo assim”, ela murmura. “Ele tem as
orelhas de um guepardo.”
Paro de beijá-la.
“Guepardos têm uma audição muito boa?”
“Sei lá. Imagino que seja melhor que a humana. Você pode
parar de pensar sobre Niall e fazer algo útil?”
Rio em seu cabelo, erguendo as mãos para acariciar seus
seios. Sua pele é macia sob meus dedos. Eu a viro para mim
porque não quero apenas tocar seus peitos. Quero ver. Quero
ver o desejo ardendo nos seus olhos.
“Está esperando o quê?” Diana sussurra.
Meu deus, eu poderia passar a noite inteira olhando para ela,
mas, se ela me quer tanto, fico feliz em ajudar. Coloco a mão
entre suas pernas, confirmando sua umidade. Completamente
molhada. Sei que ela vai aguentar meu pau sem problemas.
Mas o espaço do box é limitado, então a pego no colo e a
ergo para fora da banheira. Ela enrosca as pernas ao meu redor
enquanto a levo até a bancada, onde a apoio com cuidado.
A água do chuveiro ainda está caindo, mas não estou nem aí.
O banheiro fica cheio de vapor ao nosso redor. Mal consigo ver
nossos corpos no espelho embaçado.
Eu a puxo para a beira da bancada enquanto seguro o pau
com uma mão.
“Pede”, digo com a voz rouca.
Um barulho baixo de desespero sai da sua boca.
“Me come. Por favor.”
Sorrindo, vou metendo, chegando até a metade. Ela geme,
suas mãos se estendendo ao lado do corpo em busca de algo
em que se segurar. Ela derruba o porta-escovas e o frasco de
sabonete, que caem na pia.
“Queria ter mais tempo para te provocar”, digo, com pesar,
os dedos acariciando seu quadril. “Mas não tenho, então acho
que vou ter que fazer você gozar.”
Diana perde o fôlego no meio do riso quando meto mais
fundo. Várias e várias vezes, até ela gemer descontroladamente.
Cada vez que a penetro, seus seios saltam e balançam e, a cada
q p ç
estocada, fico inspirado a fazer com que se movam de novo.
Então, vou mais forte, mais rápido.
Coloco uma mão no espelho do banheiro para me segurar
melhor, que escorrega por causa da umidade. A marca da
minha mão me permite ver nosso reflexo e, agora, não estou
olhando só para ela, mas me vendo meter nela. Caralho, como
a gente fode bem!
“Mais forte”, ela geme.
Sua respiração fica instável, misturando-se com o vapor que
enche o espaço pequeno. Ouço seus gemidos cada vez mais
roucos, metendo com mais força toda vez que ela implora.
Não tiro os olhos dela, adorando como ela perde o ar a cada
estocada funda.
“Me dá esse orgasmo, amor. Eu quero.”
Mas sei do que ela precisa. Levo um polegar ao seu clitóris,
massageando de leve, e o outro ao mamilo, beliscando nem tão
de leve assim, e o orgasmo de Diana explode. Eu também estou
quase, o orgasmo iminente apertando minhas bolas e me
atravessando. Jato após jato jorra dentro dela enquanto ela
pulsa em meu pau. Suas pernas me apertam com mais força,
me puxando mais fundo.
Levo um momento para recuperar o fôlego.
“Por que somos tão bons juntos?”, sussurro.
“Pau movediço”, ela murmura.
“Buceta movediça”, corrijo.
Mas não importa qual de nós está certo. Nossa vida sexual é
incomparável. É de outro mundo.
Pela primeira vez em muito tempo, estou completamente em
paz com todos os aspectos da minha vida. Família. Namorada.
Sexo. Carreira. Sinto que estou arrasando em todos os
departamentos.
Incluindo o hóquei, considerando que ganhamos mais um
jogo na tarde de sábado. O time não tem o feriadão todo do Dia
de Ação de Graças. Nossa programação segue como sempre.
Então, um dia depois de visitarmos a família de Diana em Oak
Ridges, estou de volta ao gelo, disparando slapshots no goleiro
g g p p g
da Universidade de Connecticut e sendo jogado contra a
parede por um defensor brutamontes do time adversário.
No vestiário depois da vitória, demoro um pouco para me
trocar por causa de uma forte pancada no ombro que levei no
segundo tempo.
“Tudo bem?” Ryder pergunta, notando o cuidado com que
visto o moletom.
“Tudo certo. Só vou colocar gelo quando chegar em casa. E
pedir um beijo de Diana para sarar.”
Ele bufa.
Pego o celular do armário e encontro um número assustador
de ligações perdidas da minha mãe.
Preocupação me invade de repente. Uma ligação ou duas não
seriam motivo de grande preocupação. Mas ela ligou quatro
vezes, sabendo que eu estava jogando uma partida à tarde e que
provavelmente não conseguiria ligar de volta.
“Ei, encontro vocês lá fora” digo a Ryder e Beckett. “Preciso
ligar para a minha mãe.”
Clico no nome dela para retornar a ligação, e ela atende no
primeiro toque.
“Oi”, digo, apreensivo. “Está tudo bem?”
Há uma leve pausa.
“Não, não está.”
“O que foi?”
“Shane…” A voz da minha mãe treme. Ela faz outra pausa,
pigarreando. “Você precisa vir para casa.”
Medo sobe por minha espinha.
“Por quê? O que está rolando?”
“Seu pai está no hospital.”
49

shane

Desamparado

Faço o percurso até Vermont em menos de três horas. Meu pai


não está no hospital pequeno perto de Heartsong. Minha mãe
me pediu para ir para o maior da cidade. Ela se recusou a dar
mais detalhes, então não faço ideia do que está acontecendo.
Será que ele sofreu um acidente de carro?
Ela não atende nenhuma das minhas ligações durante as três
horas em que estou no carro. Sou obrigado a ficar sentado
atrás do volante num estado de total pânico. O time de futebol
americano da Briar também está jogando no feriadão do Dia de
Ação de Graças, e queria ter pensado em passar no estádio e
arrastar Diana para fora do campo para que ela pudesse vir
comigo. Mas essa não é a família dela nem a responsabilidade
dela.
Estou uma pilha de nervos quando deixo o carro no
estacionamento de visitantes em frente ao hospital. Minha mãe
finalmente decide lembrar que existo, respondendo à minha
última mensagem para dizer que vai me encontrar no saguão.
O vento passa assobiando pelos meus ouvidos enquanto
corro na direção da entrada. Está frio, então coloco as mãos no
bolso do moletom. Não trouxe luvas. Nem casaco. Só saí
correndo do rinque com as chaves e o celular, deixando tudo
para trás feito um idiota.
Entro no saguão, procurando e, quando encontro o rosto
familiar da minha mãe, avanço na direção dela.
“O que está acontecendo? Estou te ligando faz três horas.”
“Desculpa. A gente estava conversando com o médico do seu
pai.”
“Sobre o quê? O que está rolando?”
Noto as marcas fundas no rosto dela, que se aprofundam ao
redor da boca e enrugam seus olhos. Ela parece… envelhecida.
Abatida. Penso nos últimos meses, nas pequenas discussões que
eles andavam tendo, nos momentos de tensão que flagrei entre
os dois. Olho para o rosto dela agora, e a ficha cai. Não foi um
acidente de carro.
“Ele está doente, não está?”, digo, seco.
“Sim.”
“O que é? O que ele tem?”
Minha mãe morde o lábio.
“Mãe”, esbravejo, depois respiro fundo quando ela se assusta.
Massageio a testa. “Desculpa, não queria gritar.” Minha voz
treme. “Só me diz o que ele tem, por favor? Não, esquece. Só
me leva até ele? Onde ele está?”
Começo a andar na direção do elevador, mas ela pega minha
mão, me puxando para trás.
“Ainda não”, ela diz baixo. “Preciso te preparar.”
“Me preparar?” O medo me atinge com uma força mil vezes
maior do que o golpe que levei hoje. O hematoma no meu
ombro não é nada. Uma simples picadinha comparada à dor
aguda que sinto agora. “É muito grave?”
“É.”
Ela me guia pelo corredor na direção de um banco vazio, e
pede para eu me sentar. Ela pega minha mão, seus dedos são
gelados em minha pele.
“Ele está com câncer de pâncreas.”
Eu a encaro, sem entender direito.
“Quê? Como assim?” Não consigo conter o sarcasmo. “Não
se desenvolve um câncer pancreático assim do nada…” Perco o
ar, horrorizado, quando cai a ficha. “Há quanto tempo vocês
sabem?”
“Seis meses.”
Não sou de me assustar fácil, então tudo que estou sentindo
nesse momento é novo para mim. E é mais do que medo. É
pavor. É uma agonia que nunca senti. É a raiva que sinto
enquanto encaro minha mãe.
“Seis meses?” Solto sua mão, sem conseguir entender o que
ela está dizendo. Como pôde fazer isso comigo? “Você sabia
sobre isso há seis meses e não me contou?”
“Foi a decisão dele.” A voz da minha mãe soa cansada.
Derrotada. “Ele não queria que você soubesse. Nenhum de
vocês.”
Eu me lembro de repente da minha irmãzinha.
“Cadê Maryanne?”
“Está na sala de espera lá em cima com a sua tia.”
“Ela viu ele? Sabe o que está acontecendo?”
“Sim. Contamos para ela hoje cedo quando ele precisou ser
internado.”
Mordo dentro da bochecha, com força suficiente para tirar
sangue. O sabor acobreado enche minha boca.
“Por que ele foi internado? Precisa de cirurgia?”
“Não”, minha mãe diz. “Não dá para operar.”
Engulo em seco.
“Tá. Então, quimio? Radioterapia?”
“Não tem tratamento.”
Minha testa se franze.
“Ele está morrendo?’
“Sim.”
“Porra, por que não…” Paro rapidamente quando vários olhos
se voltam na nossa direção. Uma enfermeira de jaleco verde
franze a testa para mim enquanto passa por nós.
Enfio a cara entre as mãos e solto um grito silencioso.
Depois, levanto a cabeça e olho para minha mãe. Desamparado.
“O que está acontecendo, pelo amor de Deus?” Minha voz
também sai derrotada agora.
Com a voz baixa, ela descreve tudo o que eles enfrentaram
nos últimos seis meses. Começou com um inchaço e, depois,
dor abdominal. Uma dor de barriga que parecia vir do nada.
g q p
Eles presumiram que a perda de apetite resultante decorresse
da dor. E, claro, comer e beber menos levou à perda de peso. E
quero me bater porque notei que ele estava ficando mais magro.
Meu Deus, pensei que ele estava se exercitando. Ele tinha
deixado de se cuidar nos últimos anos, ocupado demais com o
trabalho para ir à academia ou jogar golfe comigo.
E eu estava pensando que meu pai estava bem, dando
parabéns para ele pela perda de peso.
Meu Deus.
Minha idiotice provoca uma crise de riso frenético. Minha
mãe me lança um olhar cortante.
“Sou tão idiota”, digo, ofegante, sem conseguir parar de rir.
“Pensei que ele estava perdendo peso porque estava se
exercitando. Mas, porra, ele estava morrendo de câncer.”
Morrendo.
A palavra paira em minha cabeça. Ecoa dentro dela. Como a
batida de um tambor. Morrendo, morrendo, morrendo. Meu pai
está morrendo.
Minha mãe continua falando. Diz que meu pai foi fazer um
check-up quando a dor persistiu. Os médicos fizeram um
monte de testes e então veio o golpe. Câncer pancreático em
estágio quatro. Com metástase. Já se espalhou para além do
pâncreas do meu pai.
“O que vamos fazer?”, pergunto, rouco. “O que dá para
fazer?”
“Tudo o que pode ser feito é paliativo. Ela pega minha mão
de novo. Nossos dedos estão gelados. Somos como dois cubos
de gelo se tocando. “Querido, estamos falando de fase terminal
aqui. Não temos tempo para preparar a casa para cuidados
paliativos domiciliares, então ele vai ficar aqui até…” Ela se
interrompe.
“Terminal?”, repito com um gemido estrangulado. “É sério
isso?”
Ela faz que sim.
Como isso está acontecendo? E por que está acontecendo
com ele? Meu pai é o melhor homem que conheço. Ele sempre
p q ç p
pensa primeiro nos outros. Nos filhos. Na esposa. Nos
funcionários. Até em estranhos que ele encontra na rua.
Que se foda o câncer. Que se foda essa merda que está
tentando roubar o meu pai. Eu me recuso a acreditar que não
existe nada a ser feito.
“Deve ter alguma coisa”, digo alto.
“Não tem. Está nos órgãos dele. É generalizado.” Ela solta um
suspiro cansado. “O oncologista deu alguns dias para ele.”
Eu a encaro em choque. A raiva volta a subir.
“Por que você não contou para a gente antes?”
“Porque ele não queria”, ela insiste, com tom firme. “Ele não
queria que os filhos soubessem que estava morrendo. Não
queria que vocês o tratassem de forma diferente. Não queria…”
“Não, já chega.” Eu me levanto bruscamente. “Quero ver
meu pai.”
50

shane

As coisas ruins

Mamãe me leva para o andar de oncologia. Damos uma passada


rápida na sala de espera para eu ver minha irmã. Maryanne
corre até mim e me dá um abraço apertado. Ela não está
chorando, mas parece assustada enquanto inclina a cabeça para
me observar.
“Papai vai morrer”, ela diz, e quase me desfaço em lágrimas.
“Eu sei”, digo, me ajoelhando para retribuir o abraço. “Já
volto, pivetinha, beleza?”
Minha mãe me guia pelo corredor e para na frente de uma
porta fechada.
“Ele está aqui. Vou dar um tempo para vocês a sós.”
Aceno com a cabeça e abro a porta. O quarto é branco e
estéril, o zumbido de máquinas pontuado por bipes
esporádicos e pelos sons abafados de passos do corredor. As
cortinas estão fechadas, e a iluminação fluorescente logo
machuca meus olhos.
Eu me obrigo a olhar para o leito. Para o meu pai deitado
nele.
Não consigo acreditar que o vi poucos dias atrás. Ele está
com olheiras fundas sob os olhos agora. As rugas em seu rosto,
gravadas por anos de risadas, parecem mais fundas. Ele parece
ter perdido vinte quilos da noite para o dia.
Como isso foi acontecer? Como ele se deteriorou tão rápido?
“Ei, filhão.” Sua voz, embora baixa, não vacila. Ele tem a
mesma voz de sempre. A voz do meu pai.
“Você deveria ter me contado”, digo, apático.
Paro ao pé da cama. Não tenho coragem de me sentar na
cadeira ao lado do leito. Olho para suas mãos, seus braços, as
intravenosas e os tubos. Minha mãe disse que ele está sob o
efeito de muitos analgésicos, mas seus olhos estão alertas.
“Não queria que você se preocupasse.”
“Como não? Olha só você!”, grito antes de respirar fundo.
Meu coração está descontrolado.
“Senta aqui.”
“Não.”
“Shane.”
O desamparo em minha garganta é sufocante. Estou a
segundos de cair no chão aos prantos. Não sei o que fazer, mas
não posso simplesmente me conformar com isso. Assim que
eu aceitar que isso está acontecendo, passa a ser verdade.
Mas ele está me implorando com os olhos. Aqueles seus
olhos amendoados. Sem dizer uma palavra, vou até a cadeira e
me afundo nela. Sinto o corpo todo fraco. Inalo o cheiro de
antisséptico e resisto à vontade de vomitar.
“Eu não quis falar para você e sua irmã porque daí vocês
passariam todo nosso tempo juntos tristes e preocupados e se
torturando. Não é assim que eu quero que vocês se lembrem
de mim. Não queria nem que vocês estivessem aqui agora.”
“Ah, valeu.”
“Não é isso que estou dizendo. Estou dizendo que… queria
que acontecesse quando eu estivesse dormindo ou coisa assim.
Rápido. De repente. Para não ter que ficar deitado aqui
enquanto vocês me veem morrer.” Ele vira o rosto, e vejo seus
lábios se curvando. A raiva. Quando ele se vira de volta, é com
resignação. “Queria poupar vocês da dor.”
“Mas não tem como. Você não tem como proteger a gente
disso.”
“Protegi vocês a vida toda. É o que faço. Sou seu pai. Tento
garantir que as coisas ruins não cheguem em vocês.”
Uma navalha de dor se crava em meu coração. As coisas
ruins chegaram em nós. Meu pai está ali deitado com os olhos
g p
encovados e tubos nos braços. Inoperável e sem tratamento.
Sem salvação.
Morto.
A dor turva sua expressão por um momento, e observo
enquanto ele respira até passar. Não consigo nem imaginar o
que está acontecendo com seu corpo agora enquanto as células
cancerígenas o devoram de dentro para fora. E fico com raiva
de novo. Porque ele enfrentou essa batalha corajosa. Enfrentou
completamente sozinho e não me pediu para lutar ao seu lado.
“Os últimos seis meses foram muito bons”, ele me diz. “Vi
você ganhar o Frozen Four na primavera. Vi você se apaixonar
por uma grande mulher. Vi você ser feliz. Isso é tudo que eu
quero.”
“Se você tivesse me dito…”
“O quê?”, ele questiona. “Só teria sido uma sentença de
morte mais longa para nós dois. Você teria sentido seis meses
de agonia em vez dos poucos dias que vai sofrer agora até esse
veneno finalmente me tirar de você.”
Quase engasgo com o nó na minha garganta.
“Não contei nada para você e Maryanne porque queria que
ela curtisse os programas de ciências e a escola dela. Queria
que você aproveitasse o hóquei. Não queria que nenhum de
vocês se preocupasse. E não quero que culpe sua mãe ou fique
chateado com ela depois que eu morrer porque…”
“Para de falar isso”, disparo. “Para.”
Não consigo enxergar mais. O brilho das lágrimas me cegou.
“Não, tenho que falar. E você tem que ouvir. Sei que sua vida
foi fácil até agora. Eu e sua mãe queríamos isso para você.
Tentamos tornar as coisas o mais fáceis possíveis para você
poder realizar seus sonhos. Deixar que se dedicasse ao hóquei,
garantir que não precisasse se preocupar com aluguel ou
despesas, nem passasse dificuldades. Você vai continuar não
precisando se preocupar com dinheiro, mas vai enfrentar
dificuldades agora porque não vou estar mais aqui, e sua mãe e
sua irmã vão precisar de você.”
“Para”, murmuro.
“Não. Preciso que me prometa vai sempre cuidar e estar ao
lado delas, principalmente a Maryanne.”
Não consigo.
“Dá para parar de falar como se você estivesse prestes a
morrer a qualquer segundo? Você não vai morrer agora. Só me
deixa absorver isso.”
“Não. Agora é a hora de eu dizer isso.” Ele levanta um braço
com dificuldade. “Antes que essa morfina transforme meu
cérebro em mingau. Agora consigo pensar e ver com clareza, e
quero que saiba que tenho muito orgulho do homem que você
se tornou. Você e sua irmã são tudo para mim.”
Sua voz está finalmente começando a tremer, e as lágrimas
escorrem sem parar pelo meu rosto.
“Por favor, para de falar isso”, imploro.
“Não, você vai ouvir. Vai ouvir que te amo. Vai ouvir que
tenho orgulho de você. Vai ouvir que me dói saber que não
vou estar lá para sua temporada de estreia, sentado na
arquibancada central no seu primeiro jogo pelo Blackhawks.”
Estou acabado. Não aguento mais. Me curvo sobre o leito
com a cara encostada em seu braço, incapaz de segurar as
lágrimas. Começo a tremer ainda mais quando sinto sua mão
acariciando meu cabelo e minha nuca suavemente.
“Está tudo bem. Está tudo certo, filho.”
“Não, não está tudo certo”, murmuro, tomado pela dor.
“Como você pôde esconder isso de nós?”
Mas entendo agora. De verdade. Por mais bravo que esteja,
acho que eu faria exatamente o mesmo no lugar dele. Não
gostaria que as pessoas passassem seis meses com pena de
mim, se preocupando e se metendo. De repente, lembro que
minha mãe não queria que ele fosse caminhar depois do jantar
de Ação de Graças, dizendo que já tinha sido atividade demais.
Na hora, achei que ela estava preocupada com Maryanne.
Agora entendo que ela estava se referindo ao meu pai. Ela
queria que ele pegasse leve.
Fecho bem os olhos e respiro fundo. Meu coração pulsa na
ponta dos meus dedos, e é mais adrenalina do que preciso
p q p
agora. Quando minha respiração se acalma o suficiente para eu
abrir os olhos, o peso nas minhas costas é maior do que nunca.
Levanto a cabeça devagar, secando as lágrimas com a manga
do moletom.
“Você não pode ir embora”, digo. “Não existe alternativa, só
isso.” Não pode.
“Vou ter que ir, filhão. Mas juro que você vai ficar bem.”
“Não, não vou.” Meus olhos ainda estão ardendo.
“Vai sim porque é o homem mais forte que conheço. Eu te
amo desde o segundo em que você abriu os olhos. A
enfermeira me entregou seu corpinho minúsculo e
gosmento…”
Seguro o riso.
“E você me olhou com uma cara de que sabia exatamente
quem eu era. Sua mãe diz que eu estava imaginando coisa, que
você não tinha como ter me reconhecido. Diz que os bebês
nem conseguem focar os olhos assim que nascem, mas eu sabia
que você me viu. E naquele dia você virou meu melhor
amigo.”
Preciso engolir o uivo de dor que quer escapar.
“Você também é meu melhor amigo”, digo. “E é o melhor
pai que alguém poderia ter. Sério, você deixa os outros pais no
chinelo. Eles devem se sentir humilhados.”
Ele abre um sorriso.
“Pode apostar.” Sua respiração fica superficial de novo,
enquanto a voz treme de emoção. “Quero que se lembre que,
onde quer que eu esteja, sempre vou estar com você. Cuidando
de você.”
Aperto sua mão, sentindo o peso insuportável dessa perda
iminente. Não consigo fazer isso. Não consigo me despedir
dele. Meu coração dói só de pensar que essa pode ser uma das
últimas conversas que vamos ter. Esse homem moldou minha
vida. Me ensinou os valores que carrego. O que é que eu vou
fazer sem sua sabedoria? Sem sua orientação?
“E preciso que prometa que vai seguir o caminho que
tentamos te ajudar a criar. Você vai para Chicago e aparecer
j p g p
para a concentração. Vai pisar naquele gelo para o seu primeiro
jogo da nhl e, quando fizer isso, vai olhar para cima e eu vou
estar lá, olhando por você.”
Começo a chorar de novo.
“Promete, Shane.”
Consigo acenar com a cabeça, apertando sua mão com mais
força.
“Prometo.”
“Que bom.” Ele ri baixo. “Só mais uma coisa e depois juro
que não vou pedir mais nada.”
Não consigo retribuir o riso. Estou sofrendo demais.
“Preciso ouvir você dizer que vai cuidar da sua mãe e da sua
irmã.”
“Claro que vou. Sempre vou cuidar delas.”
“Que bom”, ele diz de novo.
Caimos em um breve silêncio. Escuto sua respiração. Parece
superficial. Fraca. E seus olhos estão começando a ficar turvos.
“Você está bem?”, pergunto.
“Só cansado. Talvez eu tire um cochilo.”
“Quer que eu chame a mãe?”
“Sim.”
Seco os olhos e me dirijo à porta, mas sua voz me detém
antes que eu saia.
“Te amo, filhão”, ele diz da cama.
“Também te amo, pai.”
Três dias depois, meu pai morre.
51

shane

Não quero ficar aqui

“Você está bem?” Diana pergunta, preocupada.


É domingo. Cinco dias depois de meu pai falecer no hospital,
quando estávamos minha mãe, minha irmã e eu ao seu lado.
Não sei se ele planejou assim. Se ele sabia que aconteceria
naquele momento. Era de manhã, e estávamos no hospital
assistindo à tv, eu na cadeira, Maryanne abraçada em seu peito.
Minha mãe estava no café lá embaixo trabalhando no seu
notebook, quando meu pai disse de repente para Maryanne: “O
que você acha de buscar sua mãe? Vamos passar um tempinho juntos,
nós quatro”.
Maryanne saiu correndo, voltou com a nossa mãe e, quinze
minutos depois, ele se foi.
Acho que ele sabia.
Agora estamos na casa de Heartsong. Está abarrotada de
pessoas que vieram prestar condolências, o luto pairando no ar
como uma nuvem densa e sufocante de fumaça. Fungadas
esporádicas quebram o murmúrio baixo das conversas. No
canto da sala, há uma mesa coberta de flores e coroas, com
uma grande foto em preto e branco do meu pai. Não consigo
olhar para ela sem chorar, então estou mantendo distância
daquela parte da sala.
O enterro em si foi só para a família mais próxima. Meu pai
foi enterrado em Burlington ao lado dos pais dele. Os dois
também morreram jovens; percebi isso quando estava no
cemitério, olhando para as lápides. Meu vô morreu com
sessenta e pouco, minha vó na casa dos cinquenta. Os dois
sofreram ataques cardíacos. Já meu pai teve a porra de um
câncer que nem histórico na família tem. O universo tem um
senso de humor macabro.
Diana estava esperando por nós em casa quando chegamos
de Burlington. Ela chegou cedo para ajudar os pais da minha
mãe a prepararem a casa para o velório. Agora, está ao meu
lado, usando um vestido preto na altura dos joelhos,
observando meu rosto com preocupação.
“Hã? Ah, estou sim.”
Olho ao redor, me perguntando até que horas precisamos
estar aqui, quanto tempo essas pessoas vão ficar na minha casa,
falando comigo com essas caras tristes e essas condolências
vazias. Há rostos por toda parte, alguns conhecidos e outros
não, todos se misturando num mosaico de tristeza.
Tento manter a calma e a compostura, mas suor está se
formando no meu pescoço. A sala sai de foco. Só quero escapar
antes de ser puxado para outra conversa com algum parente
distante que não vejo há anos, dizendo o quanto lamenta que
eu não tenha mais pai. Tudo vai se dissolvendo devagar até
uma voz me trazer de volta à realidade.
“Shane. Você não parece bem.”
“Não quero ficar aqui”, sussurro para Diana.
“Eu sei.” Ela pega minha mão e aperta. Minha mãe está perto
da mesa de comes e bebes com sua irmã gêmea, minha tia
Ashley. Seus olhos estão vermelhos. Ela segura um lenço,
secando o rosto distraidamente enquanto as pessoas se
aproximam para prestar condolências.
Do outro lado da sala, Gigi e Ryder estão falando com minha
irmã.
Meu Deus, minha irmã. Ela perdeu o pai. Nós dois
perdemos. Mas ela ainda é tão nova. Pelo menos eu o tive por
quase vinte e dois anos. Ela só teve por dez.
Maryanne encontra meu olhar, os cantos da boca se
erguendo num sorriso triste. Meu coração se parte. Aperto a
mão de Diana com mais força.
ç
Beckett está aqui, e também alguns caras do time. Até o
treinador Jensen fez a viagem. Ele está com a esposa, Iris; eu os
vi conversando com minha mãe por muito tempo. Muitos
amigos do ensino médio também apareceram, um rosto
conhecido se aproxima agora.
Os olhos escuros de Lynsey se enchem de solidariedade
enquanto ela se aproxima de nós.
“Lindy”, ela diz.
Diana solta minha mão, e dou um passo à frente para abraçar
minha ex-namorada.
Ela encosta a bochecha na minha e sussurra:
“Meus pêsames. Eu amava muito seu pai.”
“Eu sei. Obrigado por vir.” Depois que a solto, ela acena para
Diana. “Diana. Oi.”
“Oi”, Diana responde.
Não é constrangedor nem nada. Só deprimente. Tudo aqui é
deprimente. Então, quando minha mãe pergunta se pode
conversar comigo a sós, aceito de bom grado. Exceto que ela
me leva para o escritório, o que é como entrar numa sala de
tortura.
Para onde quer que eu olhe, vejo meu pai. Vejo nossas fotos
de família. Vejo seus livros. Vejo aquelas caixas de papelão em
que ele estava mexendo no Dia de Ação de Graças.
“Ele não estava limpando o sótão por acaso, estava?”, digo,
baixo.
“Não”, minha mãe responde. “Estava procurando as coisas
mais importantes dele para dar a você e sua irmã.”
Um soluço quase me sufoca. Quando dou por mim, minha
mãe me abraça com força, envolvendo seus braços ao redor da
minha cintura.
A perda é… profunda. Nunca passei por nada parecido. Esse
buraco no peito, como se alguém tivesse arrancado algo que faz
parte da minha essência, um pedaço de mim, e não restasse
nada além de dor e vazio.
“Está tudo bem, querido”, ela diz.
“Não, não está tudo bem. Ele morreu.”
“Eu sei.”
“Então como pode estar tudo bem?”
“Tem que estar. Senão, vou me afogar”, ela sussurra.
Pela primeira vez em dias, dou uma boa olhada nela. Eu
estava tão preocupado comigo, com Maryanne e com meu pai
no leito do hospital que não prestei atenção de verdade na
minha mãe. Agora vejo como ela está completamente arrasada.
“Você não está bem.” Pego sua mão e a guio para uma das
poltronas, obrigando-a a se sentar.
“Não”, ela admite. “Não estou. Ele era meu namorado de
escola.” Sua voz embarga. “O que vamos fazer agora, Shane?
Como vou viver sem ele?”
Estendo a mão, mas ela sai da poltrona e vai até a
escrivaninha dele.
“Como posso morar nessa casa?” Ela aponta ao redor. “Não
posso continuar aqui.”
“Não precisa”, garanto a ela. “Vamos pensar em alguma
coisa.”
Ela continua de costas para mim, e vejo seus ombros
subirem enquanto ela respira fundo e devagar.
Está aí uma coisa que admiro na minha mãe. Eu já a vi se
emocionar ao longo dos anos, mas ela é capaz de se controlar
muito rápido, de se acalmar num piscar de olhos. Eu a observo
arquear as costas, endireitar os ombros. Está no comando de
novo. No controle. Ela é a administradora municipal de
Heartsong, Vermont. Ela sabe como resolver as coisas, e adoro
isso nela.
“Preciso de um favor seu”, minha mãe diz.
“Qualquer coisa.”
“Maryanne só vai voltar para a escola em janeiro. Não teria
por que voltar agora, até porque as férias de fim de ano já vão
começar de qualquer jeito. Ela pode passar algumas semanas
com você enquanto resolvo as questões da herança e procuro
uma casa nova?”
“Ah, uau. Você está falando sério.”
“Não posso continuar aqui”, ela repete.
É
p q p
E eu entendo. Ele está em todos os lugares. É a casa da
minha infância e eu vou sentir uma falta enorme dela, mas a
ideia de estar aqui sem ele é insuportável.
“Pensei em fazermos as festas de fim de ano na casa da sua
tia. Se não tiver problema para você, vou avisar o resto da
família.”
Concordo com a cabeça. Normalmente recebemos todos
aqui, mas entendo por que ela não quer.
“E claro que Maryanne pode ficar comigo”, digo para minha
mãe. “Vou falar com meus professores, ver se ela pode ir para
algumas aulas comigo.”
“Acho que ela pode até gostar.”
“Também acho. Ela é muito nerd.”
É a primeira risada sincera que damos juntos nos últimos
dias.
“Vou ver se Diana ou alguns dos meus amigos pode ficar
com ela nos fins de semana em que eu tiver jogos.”
“Parece uma boa. Obrigada.”
“Imagina.”
Ela me dá outro abraço.
“É melhor a gente voltar.”
“A gente precisa mesmo?”
Minha mãe morde o lábio.
“Mais uns cinco minutos?”
Sem dizer uma palavra, nós nos sentamos de frente um para
o outro nas poltronas do meu pai. A mesa de centro, ainda
cheia com seus livros, está entre nós. Aqui dentro, quase dá
para fingir que ele não se foi. Que só saiu para visitar um dos
seus imóveis, que vai voltar logo mais e vamos jantar todos
juntos. Ficamos sentados até que, depois de um tempo, uma
batida na porta interrompe a fantasia e nos obriga a voltar à
triste realidade.
52

diana

O abismo entre nós

dezembro

Shane está sofrendo. Com razão, claro. Ele acabou de perder o


pai, e estou fazendo de tudo para ajudar. O que, neste
momento, significa fazer o papel de mãe de Maryanne
enquanto Shane faz o de pai.
Não que seja ruim. Ela é uma das melhores crianças do
mundo. Mas também é Maryanne. Não dá para colocar uma
criança como ela na frente da tv o dia todo, não com um
cérebro como o dela; ela precisa de estímulo mental. Então
estou tentando fazer atividades divertidas com ela sempre que
consigo. Shane também, mas ele tem treino de hóquei todos os
dias e eu, de cheerleader todos os dias. Como Maryanne não
pode ficar sozinha em casa, estamos dividindo os cuidados com
a caçula.
“Passo no ginásio para buscar Maryanne antes do seu treino”,
ele diz na manhã de quinta, uma semana antes do fim do
semestre de inverno. “Que horas? Às quatro?”
“Isso. A aula termina às três e meia, então vou estar lá umas
quatro. Maryanne vai ficar comigo na minha aula de fisiologia.
Não duvido nada que aquela menina consiga entender
fisiologia avançada.”
Dou um passo à frente e o abraço. Depois de um momento,
ele retribui o abraço, apoiando o queixo em meu ombro.
“É muito pesado”, ele diz.
“Eu sei.”
Meu coração dói por ele. Vejo a tristeza em seus olhos toda
vez que eles encontram os meus. O único momento em que
não está lá é quando fazemos sexo. Estamos transando muito
toda noite no meu apartamento enquanto Maryanne dorme no
dele. Acho que essa válvula de escape o ajuda. E me ajuda
também porque, bom, o sexo com Shane é o melhor da minha
vida.
“Vamos jantar na lanchonete quando você voltar?”, ele
pergunta.
“Não”, respondo. “Vou encontrar a detetive Wendt.”
“Puta merda. É hoje?” O arrependimento transparece em
seus olhos. “Eu iria com você, mas acho que minha mãe não ia
gostar que eu levasse uma criança para a delegacia.”
“Não, tudo bem. Só vamos repassar algumas coisas do meu
depoimento. Meu advogado vai estar lá.”
“E seu pai?”
“Ele não pode, mas, como eu disse, não é nada de mais.”
Estou mentindo. Essa reunião pode não ser nada de mais,
mas a situação em si é. O promotor vai levar o processo
adiante contra Percy, já que essa é a segunda acusação de
agressão dele. Não era nem para eu estar envolvida a essa
altura, mas o advogado dele entrou em contato com o meu
várias vezes no último mês. Percy está puto com o que fiz
acontecer. Mas, mesmo se eu quisesse retirar as acusações, a
polícia não vai fazer isso. E parece que Percy continua se
recusando a fazer um acordo.
“É muito chato”, digo a Shane. “Ele poderia simplesmente
fazer um acordo e ficar em condicional. Ele só precisa admitir
culpa e não precisamos perder tempo no tribunal.”
“Eu pensei que ele faria um acordo. Mas acho que um
narcisista como ele não consegue admitir que está errado. Na
mente deturpada dele, você mereceu pelo que fez com ele —
terminar o relacionamento, ficar com outra pessoa.”
“Inaceitável”, digo, sarcástica. “Como ouso tentar viver
minha vida sem ele?”
Shane se abaixa para me beijar.
“Me manda mensagem se precisar de alguma coisa. Posso
levar Maryanne para a lanchonete e pagar uma das garçonetes
para ficar de olho nela enquanto corro para a delegacia.”
“Vou ficar bem, prometo. Eu te amo.”
Digo essas três palavras para ele todo dia agora, e parte de
mim ainda se culpa por não as ter dito na noite em que Percy
estava estacionado na frente do Meadow Hill. Eu já sentia na
época, mas ainda estava irritada por Shane ter saído com
Lynsey. Agora entendo como isso foi infantil. Se você ama
alguém, sempre deve dizer. A vida é curta demais e nunca se
sabe o que o amanhã nos reserva. E se eu tivesse guardado
meus sentimentos naquela noite e algo tivesse acontecido com
ele na manhã seguinte? Nem consigo imaginar como seria
viver com esse tipo de arrependimento.
“Também te amo”, Shane diz antes de me beijar de novo.
Ele sai para o treino, e volto para a cozinha, onde Maryanne
está sentada na bancada tomando a vitamina que fiz para ela.
Ela faz barulho enquanto suga a bebida com o canudinho.
“Vocês são muito melosos”, ela acusa.
“Eu sei.” Suspiro. “Dá nojo.”
Maryanne dá uma risadinha. Ela ri com muito mais
frequência do que Shane. Não sei se é porque as crianças são
mais resilientes ou se ela é muito boa em esconder sua dor.
Mas, embora ela fale sobre a falta que sente do pai e tenha
momentos em que chora, ela não carrega o grande peso como
Shane nos últimos dias.
“Tá”, digo. “Vamos nos agasalhar para a caça às rochas. Ainda
faltam algumas horas antes de precisarmos ir para o campus.”
Vamos dar uma volta, almoçar, assistir à aula de fisiologia e,
depois, eu e Shane vamos fazer a troca da refém. Vai ser um
dia cheio.
A mãe de Shane liga enquanto estamos almoçando, e preciso
interromper Maryanne no meio da frase. Ela está falando sobre
as pedras que encontramos no passeio.

É
“Espera. É a sua mãe.” Atendo a ligação rapidamente. “Oi,
April.”
“Oi, querida. Só queria dar um oi. Saber se vocês estão bem.”
“Estamos ótimas. Obrigada.” A mãe de Shane liga todo dia, o
que é mais ou menos, humm, um milhão de vezes mais do que
a minha própria mãe. Tenho sorte se ouvir notícias da minha
mãe uma vez a cada tantos meses.
“Como está indo a procura pela casa?”, pergunto a April.
“Bem. Acho que encontrei alguma coisa. Pode dizer para
Shane que vou mandar o anúncio para ele depois. Espero que
ele tenha tempo de dar uma olhadinha. Podemos discutir
durante as festas e também resolver as coisas da herança.”
Não consigo nem imaginar quantas “coisas” são. Ryan
administrava várias empresas, tinha um monte de imóveis, e
agora tudo vai para Shane e Maryanne.
“Quer falar com a sua mãe?”, pergunto, cobrindo o celular.
“Não”, ela responde. “Vou ligar para ela à noite.”
“Maryanne diz que te liga à noite”, digo a April.
“Tudo bem. Obrigada pela ajuda, Diana. Significa muito ter
você como parte da família.”
Não tem como isso não me causar um nó na garganta. Sim,
tenho uma família. Tenho meu pai, Larissa, Thomas. Mas ouvir
essas palavras de… uma mãe, penso. Tem um peso diferente.
Ainda estou meio sensível por causa disso mais tarde,
quando Shane e eu trocamos a guarda de Maryanne antes do
treino de líderes torcida. E continuo pensando nisso depois do
treino. Ao sair do vestiário com Crystal e Brooke, me pergunto
de repente se essa distância em relação à minha mãe, esse
abismo entre nós, é em parte culpa minha. Afinal, com que
frequência eu ligo para ela? O que eu faço para diminuir nosso
afastamento?
Quando paro para pensar, percebo que, em algum momento,
simplesmente desisti por causa do desinteresse dela em mim.
Saber que nunca vou ser inteligente o bastante para ela teve
suas consequências e parei de me importar.
Mas eu deveria me importar. Não culpo ninguém que corta
relações com um familiar — existem muitos motivos para isso
— e nunca julgaria se alguém dissesse: ah, não falo com a minha
mãe. Não questionaria porque partiria do princípio de que a
pessoa teve lá suas razões.
Mas, no fundo, a minha mãe não é tão ruim assim.
No saguão do centro esportivo, me dirijo a um banco vazio
em vez da porta, dando tchau para as meninas. Eu me sento e
disco o número da minha mãe.
Estou preparada para deixar uma mensagem de voz, então
fico surpresa em ouvir sua voz.
“Diana. Está tudo bem?”
Como se você ligasse é meu primeiro pensamento e, quando
me dou conta, é toda a confirmação de que preciso. Sou sim
parte do problema. Talvez ela se importe sim. Por que imagino
automaticamente que não?
“Aconteceu alguma coisa com Percival?”, ela pergunta,
preocupada.
Eu me dou conta de repente de que nem cheguei a conversar
com ela sobre o que aconteceu com Percy. Falei para o meu pai
que entraria em contato com ela quando estivesse pronta para
conversar e, embora eu tenha dado um alô rápido, nunca
cheguei a conversar com ela sobre isso.
Está ficando mais óbvio que o fracasso dessa relação é de
duas vias.
“Sou uma imbecil”, solto.
“Quê?” Ela está assustada.
“Nunca cheguei a ligar para falar sobre o que aconteceu.”
“Não”, ela diz, tensa. “Não ligou.”
Apesar da minha epifania, o velho tom de acusação se
insinua.
“Mas você também não ligou.”
“Você disse para o seu pai que conversaria quando estivesse
pronta. Não sou de pressionar.”
Frustração aperta minha garganta.
“Mas você deveria pressionar, mãe. Deveria.”
p
Ela não responde.
“Meu ex-namorado me deu um soco na cara. Você deveria
ter pegado o primeiro avião de Nova York para vir me ver.”
Suspiro. “Não estou brava por isso…”
“Jura? Porque parece.”
“Não. Desculpa. Estou tendo uma explosão de pensamentos.”
“Uma explosão de pensamentos.” Há um sorriso na sua voz.
“Sim, só… me deixa organizar isso.” Respiro fundo. “Eu não
queria falar com você sobre o Percy porque estava com
vergonha. Achei que você me culparia.”
Ela se assusta.
“Querida. Você acredita mesmo nisso?”
“Sim. Mas estou percebendo agora que eram minhas próprias
inseguranças que me faziam acreditar nisso. Estou tão
acostumada a pensar que sou uma decepção para você, que não
sou inteligente o bastante para você que, quando Percy partiu
para cima de mim, fiquei pensando que você ficaria
desapontada ou acharia que fui burra por deixar isso
acontecer…”
“Diana!” Ela parece sinceramente magoada. “Eu nunca
pensaria…”
“Eu entendo isso agora”, interrompo. “Era tudo irracional.
Mas…” Solto o ar de novo. “O pai do meu namorado morreu.”
“Ah.” Ela fica surpresa pela mudança abrupta de assunto.
“Meus sentimentos. É o jogador de hóquei?”
“Sim, o jogador de hóquei. Ele é muito mais do que isso,
aliás. Mas, sim, ele acabou de perder o pai. A irmã dele está
passando a semana na casa dele, e a mãe dela liga todo santo
dia.”
Ouço um suspiro do outro lado da linha.
“Não me diga que você quer que eu ligue todos os dias,
porque essa nunca foi a natureza da nossa relação.”
“Não”, concordo. “E não estou dizendo que é isso que eu
quero, mas um pouco de interesse pela minha vida não é pedir
demais.”
“Eu demonstro interesse.”
“Não, mãe, não demonstra. Você me critica quando falo
sobre cheerleading ou minha competição de dança. Entendo
que não se interesse, mas, quer saber? Dá para fingir.” Começo
a rir. “Finjo o tempo todo. Não me interesso por hóquei, mas
faço um esforço para ouvir meu namorado falar sobre isso.
Porque é a paixão dele. E, quando o pai fala sobre aquelas
benditas linguiças e o açougueiro dele, finjo que me importo.
Mas adivinha? Não dou a mínima para linguiça!”
Minha mãe ri.
“Ai, meu Deus. Ele ainda fica falando sobre Gustav?”
“Sim, é insuportável. Mas é isso que você faz quando ama as
pessoas. Apoia seus interesses. Não estou dizendo que quero
que você comece a ir às minhas competições de cheerleading.
Sei que somos diferentes. Mas não quero perder a relação com
você só porque somos pessoas completamente diferentes. Tipo,
alguma coisa a gente deve ter em comum. Algum interesse em
comum. Acho que a gente só não se esforçou o bastante para
encontrar.”
“Não”, ela diz baixo. “Acho que não.”
“Bom, estou disposta se você estiver. Estou disposta a fazer
esse esforço.”
“Eu adoraria.”
“Mesmo?” Nunca sei dizer com minha mãe. Ela é muito boa
em esconder suas emoções.
“Mesmo.” Sua voz embarga. “Me magoou quando você
escolheu morar com seu pai depois do divórcio. Eu entendo,
claro. Ele é divertido. Eu sou rígida. E, mesmo na época, como
você disse, não tínhamos muitos interesses em comum. Nossas
personalidades são tão diametralmente opostas. Mas eu sentia
que você não queria passar tempo comigo e uma hora acabei…
você tem razão, acabei desistindo de tentar. Vivo falando com
seu irmão.”
Ouvir isso machuca um pouco.
“Mas, com minha filha, minha primogênita, mal pego no
telefone. É inaceitável.”
“A culpa é das duas”, digo.
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“Não, eu sou a mãe. Levo noventa por cento da culpa.”
Rio ao celular.
“Certo. Vou aceitar os dez por cento.” Minha voz fica séria de
novo. “Talvez eu possa ir ver você durante as férias de fim de
ano. Sei que você disse que está com muito trabalho
preparando suas aulas de janeiro, mas…”
“Posso separar umas horinhas.” Ela está brincando.
“Ah, valeu. Quanta generosidade.” Também estou brincando.
“Tem um spa excelente no Upper East Side que descobri faz
pouco tempo. Posso marcar um dia de spa para nós?”
“Desde quando você gosta de spas?”
“Desde sempre, Diana. Você sabe que faço massagens todo
mês. Você achou que isso significava o quê?”
“Nunca passou pela minha cabeça que era uma coisa tipo
spa.”
“Ah, é uma coisa tipo spa.”
Nós nos despedimos e, embora meu namorado ainda esteja
com um grande peso nas costas, sinto como se outro tivesse
sido tirado das minhas.
53

shane

Não vou desistir

Não consigo.
O pensamento estranho e frenético se infiltra pela primeira
vez enquanto estou me vestindo para o jogo de hoje, meu
primeiro desde que meu pai morreu. Ignoro esse pensamento
porque é ilógico. Claro que consigo fazer isso. Estou fazendo
isso por mais da metade da minha vida. O hóquei está no meu
sangue.
Então eu o empurro para longe e sigo minha vida. Coloco as
minhas ombreiras, o uniforme. Amarro meus patins. Sento
com o time no banco da Briar. E jogo hóquei.
Não consigo.
Me atormenta de novo na metade do primeiro tempo.
Enquanto patino entre adversários e companheiros de equipe,
corrói minhas entranhas como um cachorro mordendo um
galho. E consigo sentir o ressentimento na boca. Não é a
primeira vez que sinto essa amargura desde que meu pai
morreu, mas hoje parece diferente. Os aplausos da torcida, a
adrenalina do jogo, o cheiro familiar do gelo. O que antes era
libertador agora parece sufocante.
Maryanne está em casa com Diana, e estou aqui nesse
rinque. Estou jogando uma partida idiota e sem sentido
quando deveria estar cuidando da minha irmãzinha.
Não consigo.
No segundo tempo, é um mantra na minha cabeça.
“Vamos trocar”, Jensen grita, e Beckett dá um tapinha no
meu ombro.
Saio em disparada do banco e me lanço no gelo para o
próximo turno. Não estou distraído. Não estou jogando mal.
Mas estou meio no piloto automático enquanto sou empurrado
contra as barreiras, a superfície fria me arrepiando através da
camisa. Os sons dos patins cortando o gelo e dos tacos se
chocando ecoam ao meu redor. Ganho o controle do disco,
avançando em direção ao gol de Harvard. Quando o defensor
adversário avança, dou um toque para trás para Austin, que
arremessa o disco como um foguete para dentro.
Gol!
Nossos companheiros de equipe comemoram aos gritos
enquanto trocamos de formação de novo. Will bate no meu
braço, me elogiando pelo passe.
Não consigo estar aqui.
Mal ouço o apito final com o zumbido incessante no meu
cérebro. Meu mantra evoluiu.
Depois do jogo, eu me troco às pressas e procuro o treinador
Jensen, pedindo para falar com ele em particular. Acho que ele
sabe o que vou dizer antes mesmo que eu diga. Ele vê nos
meus olhos.
“Preciso ir para casa, professor.”
Ele fica quieto por um momento. Depois suspira.
“Por quanto tempo?”
“Não sei.”

“Como assim, você largou o time?” O rosto de Diana está


cheio de preocupação enquanto me segue pelo quarto, vendo-
me colocar peças de roupa numa mala.
“Não larguei. Quer dizer, acho que larguei.”
“Shane. Você não está falando coisa com coisa.”
Vou até a escrivaninha e abro a gaveta de cima, pegando um
punhado de cuecas boxer. As coisas da minha irmã estão
espalhadas pelo quarto inteiro, que ela está usando desde que
veio se hospedar aqui. Ela também vai ter que fazer a mala,
mas eu queria conversar com Diana sobre isso primeiro, então
coloquei Maryanne na frente da tv com um documentário
sobre asteroides.
“Preciso ir para casa, Dixon. Não consigo ficar aqui agora.”
“Tá.” Ouço enquanto ela respira fundo. “Eu entendo. Mas… é
hóquei. Hóquei é sua vida. E se vocês chegarem às
eliminatórias? Você não pode abandonar seu time.”
Uma dor atravessa meu peito. Ela está certa. Não posso.
Mas é o que estou fazendo.
Soltando o ar, deixo as boxers na mala e me afundo na beira
da cama. Diana se senta comigo, virando o corpo de frente para
mim, esmiuçando minha expressão.
“Qual é o problema?”, ela insiste.
“Prometi para ele que cuidaria delas”, digo bruscamente.
“Você está cuidando delas.”
“Como? Minha mãe está sozinha lutando para vender a casa
antes do Natal para não ter que passar as festas de fim de ano
com o fantasma dele. Sem contar a tratativa com advogados e
contadores e executores para resolver a herança enorme do
meu pai. E Maryanne está aqui, sendo passada entre você e
Gigi, enquanto estou nos treinos, nas aulas ou na academia.
Como é que estou cuidando delas?”
Diana acaricia minha bochecha. Seu toque é tão caloroso e
reconfortante que cedo. Desabo em minha namorada, e ela me
envolve em seus braços, me abraçando com força. Dixon tem
sido minha âncora desde que esse pesadelo começou. Ela é a
única luz neste túnel escuro e claustrofóbico cuja saída não
consigo encontrar.
“Fiz uma promessa para ele.” Minha voz é áspera. “Não tenho
como cumprir essa promessa e continuar no time. Preciso
voltar a Heartsong por um tempo.”
“Por quanto tempo?”
Saio de seu abraço e vejo a ruga funda em sua testa. Ergo a
mão e a aliso antes de encostar a testa na sua.
“Pelo menos até depois das festas. Talvez mais. Talvez eu tire
o próximo semestre de folga, dependendo do que minha
família precisar de mim.”
Diana morde o lábio.
“Você não vai conseguir se formar se perder o semestre.”
“Daí eu volto no outono.” Pego sua mão, precisando do seu
calor. Ela sabe disso e entrelaça nossos dedos. “Não vou embora
para sempre. É só pelo tempo que elas precisarem de mim.”
“Queria poder fazer mais”, ela diz com um suspiro.
“Você já está fazendo até demais.” Seguro sua bochecha,
chegando perto para dar um beijo nela. É um selinho, um
gesto tranquilizador. “Você me ajudou demais cuidando de
Maryanne. Mas você também tem uma vida. Tem seu próprio
esporte para se concentrar e suas próprias aulas. Não é justo te
pedir isso.”
Ela engole em seco.
“Tá. Preciso perguntar. Você está terminando comigo?”
Meu queixo cai.
“É o quê? Nem fodendo.”
Seu olhar se enche de alívio.
“Tá. Que bom. Só confirmando.”
Dou uma risadinha. Tenho rido muito pouco nessas últimas
semanas, mas Dixon sempre consegue me trazer um pouco de
leveza.
“Eu te amo”, digo com um tom forte e tranquilizador. “Não
vou desistir de você. Nunca.”
“Nunca, é?”
“Bom, pelo menos não enquanto você me quiser.”
Ela sorri com isso.
“E, se você topar, pensei que você poderia me levar para casa
e depois ficar com meu carro enquanto estou fora. Vou ficar
com a caminhonete do meu pai…” Minha voz embarga. Não
consigo pensar nele sem desabar. “E minha mãe tem o carro
dela. A Mercedes vai ficar parada na garagem, então pensei que
você poderia usar aqui.”
“Não faz isso, Lindley. Se você me emprestar aquele carro,
nunca mais vou devolver.”
“Ah, vai sim.” Sorrio. “Eu te amo, mas nem tanto.”
Ela se aconchega no meu colo, entrelaçando as mãos atrás do
meu pescoço.
“Tem certeza de que quer ir?”
Aceno com a cabeça.
“Preciso ir.”
Ela também acena.
“Tá bem. Apoio o que você decidir. E agora que a temporada
de futebol americano vai terminar, vou poder ir todo fim de
semana ver você.”
“Vou cobrar.”
OS MENINOS TUDO EM MAIÚSCULA
BECKETT DUNNE
Estou com saudade

LUKE RYDER
Você tá bem?

SHANE LINDLEY
Sim, tudo certo

Achamos uma casa nova, então estou ocupado com


a mudança

LUKE RYDER
Quando você vai voltar?

BECKETT DUNNE
Estou com saudade

WILL LARSEN
Cara. Para de ser esquisito
54

diana

Não vim aqui para te machucar

janeiro

Sinto uma saudade enorme de Shane. Não consegui passar as


festas com ele porque precisava ficar com meu pai e a família
de Larissa e, depois, fui visitar minha mãe em Nova York.
Consegui encaixar uma visita de quatro dias a Heartsong
depois do Ano-Novo, mas não foi nem de longe o suficiente.
Agora estou de volta a Meadow Hill e ele está a três horas de
distância, e isso é um saco.
O semestre novo começa amanhã, e estou passando meu
domingo à noite no sofá, assistindo a vídeos de coreografias de
campeonatos nacionais antigos. O time de Briar passou
tranquilamente pelo regional, então, assim que as aulas
voltarem, precisamos dar um gás ainda maior na preparação
para os nacionais. Estou trabalhando com nossa treinadora,
Nayesha, para aperfeiçoar nosso número. Nayesha e nossa
coreógrafa cuidam da coreografia em si, mas valorizam minha
opinião, e nós três vamos nos reunir amanhã antes do treino.
Como meu aquecedor vive ligando e desligando sem motivo
— realmente preciso trazer meu pai aqui para ontem —, estou
enrolada no meu edredom grosso, como um burrito humano.
O brilho suave da tv projeta sombras pelo aquário do Skip.
Nem percebi que já tinha escurecido lá fora, mas agora me dou
conta de que o mundo ficou em silêncio. Niall deve estar num
casulo orgástico de paz agora.
Quando um miado choroso corta o silêncio de repente, dou
um pulo tão rápido que meu cobertor quase cai do sofá.
Porra, Lucy! Como ela escapou de novo?
Não quero sair, mas apoio Priya mesmo que signifique lidar
com sua felina obstinada. Jogo o cobertor para o lado e vou
para a entrada. Quando ouço passos do outro lado da porta,
penso que Priya já está cuidando disso.
Já estou falando com ela enquanto abro a porta.
“Ei, te ajudo a pegar…”
Fico paralisada.
Percy está na minha frente.
A ansiedade me aperta com força e minha respiração se
prende na garganta.
“Diana”, ele começa, mas já estou reagindo.
Empurro a porta, mas Percy é igualmente rápido. Ele enfia a
bota preta antes que a porta possa se fechar.
“Espera…”
“Não”, digo com raiva. “Vai embora. Não era pra você estar
aqui.”
Ai, meu Deus, como ele conseguiu entrar no condomínio?
“Não vou a lugar nenhum”, Percy dispara. “A gente precisa
conversar.”
Só um pedaço do seu rosto enfurecido está visível, distorcido
pelo vão enquanto tento fechar a porta na cara dele. Ele a
empurra, e meu coração acelera. Empurro de volta, e a
madeira treme com estrondo enquanto ambos lutamos.
“Para”, ordeno. Estou com medo agora. “Você precisa sair.”
“Não antes de conversamos.”
Ele dá outra cotovelada na porta, e a força faz com que ela
trema nas dobradiças.
“Não”, repito, enquanto meu coração bate forte contra as
costelas. Por que ele está aqui? E por que está tremendo de
raiva? Quando vi Wendt e meu advogado, eles me garantiram
que o caso estava avançando bem. A primeira audiência de
Percy está marcada para essa semana, e Wendt disse que,
quando falou com ele, ele parecia resignado. Derrotado, até.
q p g
Agora, ele parece um barril de pólvora prestes a explodir.
“Você precisa ir até a promotoria”, Percy diz. “Precisa fazer
essa merda de caso ser arquivado, Diana.”
“Eu não poderia nem se tentasse. A promotoria decidiu
prosseguir…”
Ele dá outro empurrão na porta, ganhando a batalha e me
fazendo cambalear para trás.
Ele está no meu apartamento.
Com o coração disparado, corro para a sala. Talvez eu esteja
exagerando, talvez ele esteja aqui apenas para conversar, mas da
última vez que ele tentou conversar, me deu um soco na cara.
Não caio mais nessa porra.
Corro para a mesa de café, com as mãos tremendo enquanto
procuro o celular.
“Diana!” Ele entra, furioso. “Para.”
Pego o celular. A medida cautelar era minha última defesa,
um escudo frágil contra o furacão descontrolado que é Percy,
mas hoje ela não é suficiente. Ele a descumpriu. Está no meu
apartamento, e preciso que ele saia.
“Larga o celular. Você vai sentar e ouvir o que tenho a dizer.
Porque não vou sair daqui até encontrarmos uma solução.”
Ignoro sua voz desesperada. Meus dedos apertam
freneticamente o dois primeiros números da polícia.
“Vou ligar para polícia, Percy, então é melhor sair daqui
antes que…”
O celular é derrubado da minha mão antes que eu aperte o
último dígito. Grito quando ele sai deslizando pela sala.
O medo me atinge. Olho para seu rosto vermelho, depois
para meu celular caído e tomo uma decisão.
Eu me lanço para frente, para chegar à porta.
Percy me agarra antes que eu consiga passar por ele. Dor
dispara pelo meu braço enquanto ele quase o tira fora do lugar.
“Para com isso. Não vim aqui para te machucar. Você está
sendo ridícula.”
Não ligo para o que ele diz. Não me sinto segura. Não posso
ficar aqui. E, embora a medida cautelar tenha fracassado, sei
q
algo que não vai me decepcionar.
Os ouvidos de Niall.
“niall!”, grito, batendo os pés com força no chão. “Liga para
a polícia! Percy Forsythe está no meu apartamento e ele está…”
O primeiro golpe faz minha cabeça virar para o lado.
Dor dispara pelo meu rosto. Os nós de seus dedos acertaram
exatamente minha boca, rachando meu lábio.
“Sua vagabunda! Isso é tudo culpa sua! Vim aqui para
conversar, para sentar e discutir como dois adultos sensatos, e
você está me tratando como um criminoso! Vai se foder,
Diana!”
Enquanto o sangue escorre do meu lábio, ergo os antebraços,
protegendo o rosto de novo por instinto. Mas ele usa minha
postura defensiva contra mim e me dá um soco no estômago.
O golpe forte me atordoa, o ar saindo do meu corpo. Quase
caio, mas recupero o equilíbrio no último segundo.
“Fui expulso da Briar”, ele esbraveja. “Sabia disso? Foi isso
que sua palhaçada com a polícia fez! O reitor descobriu sobre
as acusações de agressão contra mim e me expulsou da pós
hoje cedo. Me chamou para sala dele em pleno domingo para
me dizer que eu estava fora. Você me fez perder minha bolsa.
Minha carreira!”
Ele tenta me agarrar de novo, mas, dessa vez, consigo desviar
dele. Dou um soco com a mão esquerda que passa de raspão na
sua bochecha, provocando um gemido de dor. Não estou
tentando brigar com ele, só causar uma distração para
conseguir sair correndo do apartamento.
Quero chamar Shane, mas ele não está aqui. Está em
Vermont. Então grito para Niall de novo, para Priya e até para a
maldita gata enquanto corro na direção da porta.
Mal consigo correr dois metros antes de Percy me pegar pelo
rabo de cavalo, me puxando para trás. Ele me joga no chão.
Caio com força, o impacto fazendo uma onda de dor atravessar
meu ombro.
“Você precisa sair”, imploro, sentindo o sangue do meu lábio
escorrendo pelo pescoço. “Você não quer fazer isso, Percy. Por
p p ç q y
favor.”
Mas ele já perdeu o controle. Está em frenesi. Ele me chuta
quando estou no chão e, por instinto, fico em posição fetal. Ele
não se detém. Lágrimas enchem meus olhos quando suas botas
acertam minhas costelas. Agonia explode dentro de mim.
“Você destruiu minha vida”, ele rosna. “Não queria te
machucar naquela noite. Você sabe que foi um acidente.
Mesmo assim, pegou aquele único lapso e usou para destruir
minha vida.”
Quando ele chuta meu ombro, o calcanhar da sua bota toca o
lado do meu rosto, fazendo meu nariz doer.
Gemo de dor. Sangue escorre do meu lábio rachado e do
meu nariz. Não sei se quebrou, mas dói muito. Um gosto
metálico arde em minha língua enquanto tento rastejar na
direção da porta.
Percy para diante de mim, observando.
“Você destruiu minha vida”, ele diz de novo.
Sei que deveria ficar de boca fechada, mas meu sangue está
fervendo. Agonia se espalha por cada músculo. Meu rosto.
Minhas costelas.
Encontro seus olhos furiosos e digo:
“Acho bom.”
A última coisa que lembro é seu pé chutando a lateral da
minha cabeça.
55

shane

Seu lugar não é aqui

Quando entro na sala, minha mãe está sentada no sofá, as


costas eretas, o olhar fixo na lareira crepitante.
Eu a encontrei nessa posição muitas vezes durante esse
último mês, deparando com momentos de silêncio estarrecido.
Eu também tenho esses momentos. Sinto um peso nas costas
desde que meu pai morreu, que fica me puxando para baixo,
me prendendo nesse poço de dor infinita. O único momento
em que esse peso se alivia é quando vejo Diana, que cumpriu
sua promessa de vir aos fins de semana.
Quando ela não está aqui, estamos todos nos mantendo
ocupados. Minha mãe voltou ao trabalho. As aulas de
Maryanne começam amanhã. Estou lidando com o corretor de
imóveis e com a mudança. Encontramos uma casa a dez
minutos de distância. Significa que Maryanne não precisa
trocar de escola, então é um problema a menos.
A cena do jantar de hoje continua no ar, um lembrete das
inúmeras horas que passo ajudando minha mãe na casa. Nós
nos revezamos na cozinha. Cuido da maior parte da limpeza, o
que é surpreendente.
Maryanne parece estar bem, embora ela também tenha seus
momentos de tristeza, só fez algumas birras agora que estou
em casa. Isso também é surpreendente. Ela nunca foi de fazer
birra. Mas a irmã da minha mãe é psicóloga infantil e afirma
que isso é normal, uma expressão saudável do luto dela.
“Oi”, digo enquanto me sento na poltrona de couro velho,
apoiando a cerveja no joelho. “A cozinha está impecável. Não
precisa trazer a faxineira para julgar meu trabalho.”
Ela volta o olhar do fogo para mim, esboçando um sorriso.
“Eu talvez tenha te mimado um pouco mais do que o
necessário com a faxineira, hein?”
Dou de ombros.
“Não vou reclamar.”
Conversamos sobre nossos planos para amanhã. Pretendo
resolver a garagem enquanto minha mãe está no trabalho. A
estante que ocupa toda a parede dos fundos está cheia de tralha
que precisamos separar. Estamos conversando sobre o que
guardar e o que jogar fora quando uma mensagem ilumina a
tela do meu celular. Ryder tem me mantido atualizado sobre as
eliminatórias e acabou de me mandar a programação.
“Merda”, exclamo enquanto leio a mensagem.
“O quê?” Minha mãe pergunta.
“Vamos enfrentar…” Eu me corrijo rapidamente. “Eles vão
enfrentar Yale nas semifinais. A Briar não enfrenta Yale na pós-
temporada há, tipo, uma década.”
Controlo a adrenalina que tenta subir à superfície. Não. Não
vou estar no gelo no próximo fim de semana. Não posso me
empolgar com um jogo que não é meu.
Um incômodo me arrepia quando noto que minha mãe está
me observando.
“Quê?”, pergunto.
Depois de um momento, ela faz sinal para eu me sentar ao
lado dela no sofá.
“Senta aqui. A gente precisa conversar.”
Inseguro, deixo o celular e a garrafa de cerveja na mesa de
centro e me sento ao lado dela.
“O que foi?”
“Andei pensando bastante desde que você veio para casa e
quero que saiba que sou grata por toda a ajuda que você me
deu. Você foi uma rocha. Cuidando tão bem das coisas desde
que seu pai faleceu. Mas não quero que você perca seus sonhos
de vista, e acho que talvez isso já esteja acontecendo.”
Olho para as minhas mãos apertadas no colo.
“Não posso ficar pensando em sonhos agora. Você precisa de
mim.”
Ela estende a mão e levanta meu queixo, olhando nos meus
olhos.
“Shane. Sou grata por você estar aqui, mais do que você pode
imaginar. Mas não quero que sacrifique seu futuro por nós.
Você merece uma chance de levar a vida que sempre quis.”
“Fiz uma promessa para ele”, digo, firme.
“Eu sei. Ele me contou. Mas não acho que foi isso o que ele
quis dizer, querido.”
Uma onda de emoção fecha minha garganta a ponto de doer.
“Ele me pediu para cuidar de você e Maryanne. É o que
estou fazendo.”
“Não às custas da sua própria vida”, minha mãe diz com
delicadeza. “Ele não gostaria que você deixasse o time.
Abandonasse os estudos. Pelo contrário, ele daria uma bela de
uma bronca em você por essa decisão. Porque você está
esquecendo a outra promessa que fez para ele.”
Minha testa se franze.
“Você prometeu que iria para Chicago como planejado. Que
se destacaria no seu esporte. Você é um jogador de hóquei, não
uma babá, um empacotador de caixas ou um cozinheiro
mediano. Você precisa jogar hóquei. É essa a promessa que
você deveria estar cumprindo.” Ela respira fundo, seu olhar é
firme. “Seu lugar não é aqui.”
Franzo a testa para ela.
“Então por que me deixou vir?”
Ela suspira.
“Sinceramente? Achei que você ficaria entediado depois de
uma semana ou duas. Sentiria falta do hóquei e de Diana, e
voltaria para Briar. Mas você não está indo embora. Assim você
me obriga a tomar uma atitude e botar você para fora.”
Uma risada incrédula me escapa.
p
“Uau.”
“Eu e sua irmã vamos ficar bem. Você já fez coisa até demais.
Maryanne volta para a escola amanhã. Tenho trabalho. Os
advogados têm uma boa noção dos imóveis do seu pai. E você
encaixotou a casa quase toda. Não tem nada para você fazer
aqui. Está na hora de ir embora.”
Um sorriso hesitante surge em meus lábios.
“Não acredito que você está me expulsando.”
Mas sua atitude ou, melhor, sua permissão tira o peso das
minhas costas, substituindo-o por uma sensação renovada de
esperança. Adorei estar em casa com minha família, mas ao
mesmo tempo odiei. Fazia muito tempo que eu não precisava
assumir tanta responsabilidade. Cuidar da casa, levar Maryanne
para tudo quanto é lado, manter a menina ocupada. Não
consigo me imaginar fazendo isso tudo jogando hóquei
profissional.
Quanto mais tempo passo aqui, mais entendo como minha
visão de mundo era idealizada. Tomei um choque de realidade.
Toda minha visão sobre ser um jovem marido, um jovem pai, e
acreditar que ainda conseguiria dedicar o mesmo empenho ao
hóquei, ao treinamento intenso e à rotina exaustiva… Nunca
me considerei uma pessoa ingênua. Mas… sim. É um equilíbrio
difícil que eu nunca conseguiria alcançar agora.
Minha mãe está certa. Sinto falta de Briar. Sinto falta dos
caras. E, mais do que tudo, sinto falta de Diana.
Chego mais perto e dou um abraço apertado nela, grato pelo
apoio e incentivo dela. Ela e meu pai sempre foram bons nisso,
deixando que eu seguisse qualquer que fosse o caminho que eu
quisesse, torcendo da arquibancada enquanto eu seguia em
frente. Eles quase superam a Diana no quesito torcida.
“Está bem. Vou voltar amanhã”, digo. “Tomara que o técnico
me devolva minha vaga no time e me deixe jogar contra Yale
no fim de semana.”
“Ele é um idiota se não deixar.”
“Nunca chame o treinador Jensen de idiota na cara dele. Ele
vai destruir você.”
“Não se eu o destruir primeiro.”
Sorrio. Aparentemente, venho de uma família de psicopatas.
“Quer assistir a um filme ou coisa assim?”, sugiro.
“Sim. Não sei se vou conseguir passar da metade antes de
pegar no sono, mas vamos ver o que acontece.”
Rindo, levo a mão ao controle, mas ela muda de rumo
quando meu celular se ilumina em cima da mesa. O
identificador de chamada exibe um número desconhecido. É
um código de área de Massachusetts. Normalmente deixo
números desconhecidos irem para o correio de voz, mas tenho
um mau pressentimento e, por algum motivo, atendo o
telefone com um alô receoso.
“Shane, aqui é Priya. Do Meadow Hill.”
Um arrepio desce pela minha espinha. Aperto o celular com
mais força.
“Oi, Priya. Tudo bem?”
“Estou ligando do hospital. Uma ambulância acabou de
trazer Diana. Eu e Niall viemos com ela…”
A sala gira por um momento.
“O que aconteceu? Ela está bem?”
“O que houve?” Minha mãe toca meu braço.
“Diana está no hospital”, explico antes de voltar a me
concentrar em Priya. “Me diz o que aconteceu.”
“Ela está machucada”, Priya diz, sua respiração trêmula
contradizendo o tom calmo. “Você precisa vir o quanto antes.”
Sinto o mundo se fechando ao meu redor.
“Machucada como? Me diz o que aconteceu.”
“O ex-namorado invadiu o apartamento dela e a espancou.”
Meu corpo todo fica paralisado.
Espancou?
Como assim, Percy a espancou?
“Que hospital?” Levanto de um salto.
“St. Michael’s em Hastings.”
“Estou a caminho.”
56

diana

Quero uma vadia com atitude

Assim que Shane entra no quarto do hospital, ele começa a


chorar.
“Não”, imploro da cama. “Por favor. Você vai me fazer chorar
também, e meu nariz está congestionado demais agora. Quero
conseguir respirar.”
Mas ele não consegue se segurar. Seus ombros largos tremem
de tanto chorar. Não consigo nem imaginar como isso deve ser
traumático para ele, afinal, da última vez em que esteve num
hospital ele estava segurando a mão do pai, vendo-o morrer.
Sua expressão desorientada enquanto cambaleia na minha
direção confirma minha suspeita de que ele está tendo um
flashback.
“É pior do que parece”, digo com ironia.
Ele não responde. Apenas pisca para conter as lágrimas
enquanto seu olhar frenético percorre meu corpo. Sei o que
ele está vendo. O curativo na minha cabeça, o lábio rachado, o
nariz inchado. Não quebrou, graças a Deus, mas ainda dói pra
caralho.
O grande estrago, infelizmente, é interno. Meu rim levou
uma bela surra. A médica está preocupada com hemorragia
interna, então está me mantendo aqui para observação por
alguns dias. Ela me avisou que posso esperar um pouco de
sangue na urina.
Shane se deixa afundar na cadeira que meu pai estava
ocupando até agora há pouco. Meu pai foi buscar Shane no
saguão quando ele ligou para avisar que tinha chegado, e
imagino que esteja na sala de espera agora, dando um pouco de
privacidade para nós.
Incerteza paira nos olhos de Shane quando suas mãos
encontram as minhas. Ele está tremendo.
“O que aconteceu?”
A expressão de Shane está furiosa quando começo a
descrever como Percy arrombou a porta e passa para homicida
quando descrevo como fiquei encolhida no chão enquanto ele
me chutava.
Conforme vou relatando os acontecimentos, é difícil
controlar o mal-estar e as sensações vagas e desconfortáveis
que palpitam por todo o meu corpo. A médica me deu algo
para a ansiedade, mas sei que um ou dois comprimidos não
vão resolver o problema. Por mais constrangedor que tenha
sido admitir fraqueza, lembrei o que meu pai disse sobre pedir
ajuda, então perguntei à médica se ela poderia arranjar um
terapeuta para vir me ver. Tenho ataques de ansiedade desde o
verão. Não dá mais para ignorar. Está na hora de enfrentá-los,
por mais assustador que possa ser.
A gravidade da situação continua a me atingir do nada. Como
estive perto de ser gravemente ferida. Talvez até morta. Se Niall
não tivesse chamado a polícia assim que gritei seu nome, se
eles não tivessem chegado sete minutos após a ligação, quem
sabe o que teria acontecido? Mas não consigo me lembrar de
nada depois daquele último chute. Apenas me lembro de
acordar na ambulância, com a cabeça zonza.
“Ah, também estou com uma leve concussão” digo a Shane.
“Então não acende a lâmpada grande.” Estamos usando o
abajur de cabeceira, que projeta uma luz fraca inofensiva que
só irrita um pouco meus olhos.
Ele estende a mão e toca o curativo na minha têmpora.
“O que aconteceu aqui?”
“Eu estava caída no hall de entrada quando ele tentou fugir. A
parte de baixo da porta me acertou e cortou minha cabeça.
Cinco pontos”, digo, resignada. “Mas estou com dó do meu pai,
p g g p
porque ele vai ter que voltar lá hoje e limpar todo o sangue.
Sabia que ferimentos de cabeça sangram um monte?”
“Não faz piada. Por favor.” Seus olhos estão úmidos de novo.
“Ei, está tudo bem.” Pego sua mão. “Estou bem.”
“Desculpa, amor. Eu deveria estar lá.”
Aperto sua mão com mais força.
“Não é culpa sua. Você não tinha como imaginar que ele
apareceria hoje.”
“Eu deveria ter te protegido.”
“Para. Você não pode se culpar.” Ajeito a posição e faço uma
careta quando a dor lateja na minha costela. Maldito rim. “Não
quero você se sentindo culpado.”
Ele aperta minha mão entre as suas. Quando fala, sua voz sai
rouca.
“Ver você assim… está acabando comigo.”
“Vou ficar bem. Juro. Talvez eu tenha que ver um terapeuta
por um tempo para me ajudar a resolver tudo, mas fisicamente
vou me recuperar. Você vai ver.”
Ele se curva e dá um beijo carinhoso na minha testa.
“Eu te amo. Nunca mais vou sair do seu lado. Espero que
saiba disso.”
Isso me faz abrir um sorriso.
“Por mim, tudo bem.”
“As enfermeiras vão me expulsar se eu deitar na cama com
você?”
“Grito com elas se tentarem. Mas deita desse lado. Meu lado
esquerdo não aguenta nada.”
Shane se levanta para tirar o casaco e descalçar os sapatos.
Depois se deita com cuidado no leito estreito. Ele tem um e
oitenta e cinco e é absurdamente musculoso, então fica
apertado, mas ele consegue se acomodar ao meu lado, apoiado
num cotovelo enquanto sua mão acaricia meu cabelo de leve.
“Vou voltar para Briar”, ele diz. “Voltar para Meadow Hill.”
“Não se atreva a dizer que é por minha causa. Vou ficar
bem.”
“Não, não é só por sua causa. Minha mãe me expulsou.”
p p
Prendo a respiração de susto e logo me arrependo quando
minha costela aperta de dor.
“Pelo meu próprio bem”, Shane acrescenta. Ele encosta os
lábios na minha têmpora sem curativo, e sinto seu sorriso. “Ela
me lembrou onde é meu lugar.”
“No rinque”, confirmo.
“E com você.”
Sua mão desce pelo meu braço. Sinto seus dedos tremendo.
“Sei que por fora parece que estou lidando muito bem com
isso…”
“Será que parece mesmo?”, pergunto, irônica.
“Mas estou apavorado agora. O fato de você estar no hospital
está me despedaçando. Toda vez que penso nele invadindo sua
casa e machucando você…” Ele solta um barulho estrangulado.
“Não me deixa sair do hospital hoje, Dixon.”
“Não vou deixar.”
“Vou matar aquele filho da puta.”
“Não vai, não.”
Ficamos em silêncio por um momento. Não estou ligada em
nenhuma máquina, então o quarto está em silêncio. Quando
Shane volta a falar, sua voz é trepidante.
“Você não faz ideia do quanto eu te amo. Chega a ser
ridículo.”
Não consigo segurar o riso. Dessa vez, a pontada de dor vale
a pena.
“Nunca imaginaria isso, Dixon. Mas você é tudo para mim.
Não sei quando aconteceu, mas é verdade. Você é a essência
dos meus dias. É o motivo por que aguardo o dia de amanhã.
Sinceramente, nunca pensei que encontraria alguém que me
entende tão bem.”
Ai, meu Deus. Não acredito que essas palavras melosas estão
saindo da boca de Shane Lindley. Eu tiraria sarro dele por isso
se ele não estivesse falando tão sério. Além disso, sei do que ele
está falando. Sinto o mesmo. Sou cem por cento eu mesma
quando estou com ele. Com minhas esquisitices e tudo.
“Ficar longe de você esse último mês foi uma tortura.
Abandonei você e olha só o que aconteceu. Ele poderia ter te
matado.”
“Estou bem”, digo com firmeza.
“Não estava brincando quando disse que nunca mais deixaria
de você.”
“Uma hora você vai ter que deixar”, provoco. “E quando você
estiver viajando com os Blackhawks em jogos fora de casa e eu
estiver em casa com os dois filhos que você quer que eu tenha
no ano que vem?”
Ele ri baixo, seu hálito fazendo cócegas no meu queixo.
“Sim, em relação a isso… eu talvez tenha mudado de ideia.”
Levo um susto.
“Você não quer mais casar e ter filhos?”
“Não, eu quero.” Ele acaricia meu braço, distraído.
Queria não ter que usar essa camisola de hospital. Pedi para
o meu pai pegar um ou dois cardigans quando voltasse ao meu
apartamento hoje à noite. Mas, agora, acho que não me
incomoda. As mangas curtas me permitem sentir o toque
suave dos dedos de Shane.
“Eu com certeza quero”, ele continua. “Mas ter filhos… acho
que você tem razão sobre o seu plano de esperar até os trinta.
Cuidar de Maryanne quando ela estava aqui e depois ficando
em casa com ela o mês todo…” Ele suspira. “Dá muito
trabalho.”
“Não brinca.”
“Acho que não estou pronto para isso.”
“Você sempre pode encontrar uma mulherzinha recatada que
tope fazer tudo sozinha.”
“Não quero uma mulherzinha recatada.” Ele beija meu
ombro. “Quero uma vadia com atitude.”
Rio.
“Você acabou de me chamar de vadia?”
“Sim.”
Uma sensação de contentamento me invade, o que é irônico
considerando que fui agredida pelo meu ex-namorado hoje. Eu
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não deveria estar me sentindo contente agora.
“Lembra quando você me perguntou se eu faria sacrifícios?”,
digo, pensativa. “Se eu conseguiria ser o tipo de parceira que
assumiria uma carga maior enquanto você estivesse na nhl?”
Aperto os lábios. “Acho que eu conseguiria.”
“É mesmo?”, ele pergunta com voz rouca.
“Eu faria esses sacrifícios por você. Porque você também é
tudo para mim.”
“Meu Deus, Dixon, como você é melosa. Tenha um pouco
mais de amor-próprio.”
Rio de novo em seu ombro.
“Enfim, parabéns”, ele diz.
“Pelo quê?”
“Vou deixar você encarregada de decidir quando teremos
nossos filhos.”
Minha gargalhada faz minhas costelas latejarem de novo.
“Porra, Lindley. Para de me fazer rir.” Eu me aconchego mais
nele. “Mas obrigada. Que bom que você me deixa opinar sobre
nosso futuro.”
“Gosto disso.”
“O quê?”
“Nosso futuro.” Ele apoia a bochecha no topo da minha
cabeça. “Você está falando sério? Vê um futuro para nós?”
Pego sua mão e entrelaço nossos dedos devagar.
“Sim. Eu vejo.”
Não tenho a menor ideia do que esse futuro nos reserva, mas
de uma coisa eu sei: quando se trata de mim e Shane, não
tenho a menor dúvida de que a jornada vai ser divertida.
57

shane

Imagina que seus dedos estão mexendo uma sopa devagarzinho

Meu corpo todo vibra de expectativa enquanto passo pela


pesada porta do vestiário. Minhas narinas são recebidas pelo
cheiro familiar de suor e equipamentos, mas há algo mais no
ar. Rostos se iluminam quando entro, alguns gritos soando ao
me verem.
“Lindley!” Colson exclama, vindo me cumprimentar. “Já
estava na hora, porra!”
Trager, Patrick, Austin e alguns outros me abraçam de lado,
batendo no meu braço e me dando as boas-vindas de volta.
Muito alarde considerando que é só um treino matinal regular.
Sorrio, verdadeiramente emocionado com a recepção
calorosa. Vou até o meu armário, acompanhado por Ryder e
Beckett.
“É bom ter você de volta”, Ryder diz, com a voz rouca.
“Estou feliz em voltar.”
Beckett já está com sua camisa e os equipamentos de treino,
então se senta no banco enquanto nos preparamos.
“Como Diana está?”, ele pergunta, sério.
“Melhor.” Meu sorriso vacila por um momento, porque toda
vez que penso na minha namorada deitada naquele quarto de
hospital, sinto um embrulho no estômago. “Está sendo difícil,
mas estamos conseguindo superar.”
Meus amigos acenam, compreensivos, um misto de
solidariedade e apoio no olhar.
“Avisa se precisar de alguma coisa, amigo”, Beck diz. Seu tom
é sincero.
“Valeu, cara.”
Meu peito está apertado de emoção, então me viro para o
armário, fingindo procurar alguma coisa enquanto tento
controlar meus olhos que marejaram de repente. Meu Deus.
Eu é que não vou chorar na frente de um monte de jogadores
de hóquei. Já basta o tanto que chorei na frente de Diana desde
que voltei para Hastings.
Mas saber que tenho o apoio dos meus amigos é
reconfortante. Esse vestiário é uma irmandade, e sinto uma
conexão toda vez que entro aqui. Sei que sempre posso contar
com esses caras, até com o mala do Trager, em momentos
difíceis.
“Ela está louca para voltar para casa”, digo.
“Quando recebe alta?” Will pergunta em frente ao seu
armário.
“Amanhã cedo, acho. Os médicos estão finalmente confiantes
que o rim dela não vai explodir nem nada.”
Ryder ri baixo.
Terminamos de nos vestir para o treino, mas antes que eu
saia para o túnel, o treinador Jensen me impede. Ele mexe no
apito pendurado em seu pescoço enquanto me puxa de lado.
Uma mistura de nervosismo e gratidão se agita dentro de
mim enquanto espero para saber o que ele vai falar.
“Bem-vindo de volta, Lindley”, ele diz, enérgico. “Só queria
saber como está sua namorada.”
“Ela está bem. Obrigado por perguntar.”
“E o imbecil que fez isso com ela?”
“Prenderam ele na noite em que aconteceu, mas soltaram
depois que ele pagou fiança.”
Os olhos de Jensen faíscam.
“Pois é”, digo com um suspiro. “Mas ele está em Indiana
agora. Os pais vieram buscá-lo, e deram permissão para ele sair
do estado desde que usasse uma tornozeleira. Mas ele foi
fichado por essa última agressão. Ele quase a matou, professor.
p g q p
Ninguém vai deixar que ele escape tão fácil dessa. A
promotoria disse que ele vai cumprir pena.”
“Deviam jogar a chave fora”, ele murmura. “Nenhum
homem que levanta a mão para uma mulher merece ver a luz
do dia.”
Concordo com a cabeça.
“Enfim, vai lá com os outros.”
“Professor, espera. Só queria dizer que…” Volto um olhar
sincero. “Sou muito grato por ter me dado esse tempo fora
para resolver as coisas.”
Para o meu espanto, Jensen faz uma coisa que eu nunca
esperaria dele. Ele coloca uma mão no meu ombro num gesto
reconfortante.
“O hóquei é importante, Lindley, mas a vida também é. Você
tem todo o meu apoio, e o do time também. Se precisar
conversar, pode falar comigo.”
Engulo o nó na garganta, sentindo o peso das palavras do
treinador. Enquanto sigo pelo túnel, ouvindo os sons
conhecidos dos meus companheiros de equipe se aquecendo,
sinto um propósito renovado e sei que, onde quer que esteja,
meu pai está olhando por mim.

Depois do treino, volto ao hospital para ver Diana. Chego


armado com petiscos e meu notebook para podermos assistir a
alguma coisa melhor do que os canais do hospital. Estou sendo
fiel à minha palavra: não pretendo sair do seu lado até ela estar
em casa.
Seu rosto se ilumina assim que entro no quarto. Ela está
sentada, usando um cardigã branco com flores verdes, o cabelo
loiro solto sobre os ombros. Apesar do corte no lábio e da série
de pontos na têmpora, suas bochechas estão com uma cor
saudável, e seus olhos estão brilhantes.
Meu Deus, amo essa mulher com todo o coração. Estar com
Diana é como descobrir um pedaço de mim que eu nunca
soube que estava faltando. Ela me faz querer ser a melhor
versão de mim mesmo, não porque eu sinto que preciso
impressioná-la, mas porque ela me inspira a ser melhor.
Não me arrependo do meu tempo com Lynsey. Eu precisava
dele para me tornar quem sou hoje. Mas, nossa, agora vejo a
diferença. Vejo a importância de escolher a mulher certa para
levar a vida. De preferência alguém que faça você rolar de rir.
“Oi”, digo com a voz embargada.
Ela sorri.
“Oi.”
“Cadê sua mãe?”, pergunto.
A mãe de Diana veio de Nova York na manhã seguinte à
agressão e passou as três últimas manhãs ao lado da cama da
filha. Diana não estava errada sobre a atitude da mãe: é fácil
ver o lado pretensioso. Mas também dá para ver que ela
realmente ama a filha e está se esforçando de verdade para se
aproximar dela. É tudo o que importa.
“Você não vai acreditar”, Diana responde. “Ela saiu para
almoçar com meu pai e a Larissa.”
“Uau.”
Até eu sei que isso é um avanço. Os pais de Diana mal
passaram duas horas no mesmo ambiente desde que se
divorciaram dez anos atrás. Mas os vi conversando no
refeitório na lanchonete do hospital mais de uma vez desde
que Diana foi internada. O irmão dela também queria vir, mas
Diana insistiu para ele ficar no Peru.
Puxo minha cadeira de sempre até o lado da cama. Ela vai
poder sair amanhã. Até lá, estou passando todas as noites nesse
quarto de hospital. As enfermeiras sabem que não adianta me
botar para fora. Embora eu pretenda comprar uma bela cesta
de presentes para Adeline e Marge pela paciência e delicadeza.
E talvez uma cesta ainda maior para o dr. Lamina, o psiquiatra
que está vendo Diana toda manhã para ajudá-la a lidar com a
ansiedade resultante da agressão.
“Como foi o treino?”, Diana pergunta.
“Foi bom. Beckett estava com tudo. Mal posso esperar para
ele soltar seu brutamontes interior contra Yale no fim de
semana.”
Abro a sacola de petiscos, pegando o saco de salgadinhos
simples que ela pediu. Entrego a ela, e ela sorri, feliz.
“Alguma novidade sobre ele e Will?”, ela pergunta.
Reviro os olhos.
“Amor. Nenhum deles me fala sobre a própria vida sexual.”
“Pois deveriam. Estou curiosa.”
“Vou lembrar de perguntar para eles amanhã no treino se
eles têm visto os pênis um do outro nos últimos tempos”,
prometo.
“Obrigada.”
Roubo um punhado de salgadinhos.
“Como está seu xixi?”
“Mal chega a estar rosa!” Ela está exultante.
Rio.
“Tomara que a médica me libere para voltar ao treino logo.”
Isso me tira um sorriso.
“Que foi?”, ela diz na defensiva.
“Minha otimista linda.”
“Não deve demorar tanto assim para um rim machucado se
recuperar”, ela argumenta. “Duas semanas, no máximo.”
“Sua médica disse um mês para garantir”, eu a lembro.
“Não tenho um mês. Estamos treinando para o campeonato
nacional. É em abril!”
“Ainda é janeiro.” Coloco o pacote de lado e subo na cama,
me esticando ao lado dela. “Foca na recuperação. A equipe vai
estar lá no mês que vem. E, até lá, podemos pensar no próximo
projeto. Quer praticar espanhol?”
Sim, fui recrutado para aprender com ela. Até agora, sei dizer
“quero comer seu cu”. Diana ouviu isso num pornô em
espanhol uma vez, e foi o primeiro item da nossa lista de
vocabulário. O que é irônico, considerando que nem curtimos
anal. Na verdade, acho que ela nem aguentaria meu tamanho,
mesmo se curtíssemos.
“Depois”, Diana diz, rejeitando a sugestão. “Antes eu queria
tentar de novo aquele outro projetinho.”
Faço um não firme com a cabeça.
“Nem pensar. Tentamos ontem à noite, e te machucou.”
“É só não usar tanta força dessa vez.”
É verdade. Eu talvez tenha me animado um pouco demais
quando a acariciei na cama ontem à noite. Acabei metendo
com muita força, e a dor que ela sentiu nos fez parar.
“Imagina que seus dedos estão mexendo uma sopa
devagarzinho.”
Dou uma gargalhada.
“Fica quieto”, Diana repreende. “Senão, Marge vai aparecer e
nos dar uma bronca por fazer barulho demais. Já temos um
Niall na nossa vida. Não sei se dou conta de dois.”
“Ainda acho que a gente deveria apresentar um para o outro.
Imagina a linda vida silenciosa que eles levariam.”
“Quer conversar sobre isso agora? Quero gozar”, ela
resmunga, virando a cabeça para beijar meu pescoço.
Eu a deito delicadamente de barriga para cima.
“Tá. Vou fingir que estou mexendo sopinha. Mas só se eu
puder ficar roçando na sua perna até gozar nas calças.”
“Você é tão romântico. Para de ser tão romântico.”
Dou um beijo nos lábios dela.
“Sou louco por você, Dixon. Espero que você saiba disso. E
não só porque fui engolido pela sua buceta movediça.”
“Minha buceta é poderosa”, ela concorda.
Levo a boca ao seu pescoço e chupo devagar. Ela se arrepia
em resposta.
“Espera, você trancou a porta?”
“Putz, não. Um segundo.”
Eu me levanto de um salto para cuidar disso e estou
voltando para a cama quando o celular de Diana apita com um
alerta. Ela leva um susto quando lê.
“O que foi?”, pergunto, em alerta na hora.
“Tenho uma notícia devastadora. Se prepara, Lindley.”
“Estou preparado.”
p p
“Está dizendo aqui que Zoey e O Connor terminaram.”
Minhas sobrancelhas se erguem.
“Nossa. Eles duraram… o quê? Quatro meses fora da casa?”
“Pois é”, Diana resmunga. “É oficial. Não existe amor
verdadeiro.”
Eu me deito na cama e levo a mão dela aos meus lábios,
dando um beijo em seus dedos.
“É aí que você se engana”, digo, com a voz emocionada.
“Existe sim.”
Epílogo

DAVE HEBERT ADICIONOU SHANE LINDLEY AO GRUPO


“VIZINHOS”.
SHANE
Obrigado por me adicionar!

Como conversamos na reunião, acho que a festa de


Dia dos Namorados SUPER deveria incluir uma troca
de presentes secretos. Aliás, minha irmã mais nova é
bem criativa, então ela pode ajudar com as
decorações, cartões etc.

VERONIKA
Adoro segredos :D

DIANA DIXON REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO


“VIZINHOS”.
BRENDA KOWALSKY ADICIONOU SHANE LINDLEY AO
GRUPO “VIZINHOS”.
SHANE
Feliz por estar de volta ao grupo! Valeu, B.

Desculpa, gente. Brenda adicionou o morador do 2B


do Bétula-Vermelha sem querer. Ela me pediu para
corrigir esse erro.

DIANA DIXON REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO


“VIZINHOS”.
RALPH ROBARDS ADICIONOU SHANE LINDLEY AO GRUPO
“VIZINHOS”.
RALPH
Shane, não entendi por que você foi removido
antes? Diana, não entendi qual foi o erro?

SHANE
Ralph, amigão! Valeu por me adicionar.

RALPH ROBARDS FOI REMOVIDO COMO ADMINISTRADOR


DO GRUPO “VIZINHOS”.
DIANA DIXON REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO
“VIZINHOS”.
DIEGO GOMEZ ADICIONOU SHANE LINDLEY AO GRUPO
“VIZINHOS”.
SHANE
Sobre o churrasco de primavera, Gustav disse que
consegue dar um desconto se usarmos todas as
linguiças dele.

VERONIKA
Hummm! Você sabe como me deixar com água na
boca :D

CELESTE
Que delícia!

DIANA DIXON REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO


“VIZINHOS”.
NIALL GENTRY ADICIONOU SHANE LINDLEY AO GRUPO
“VIZINHOS”.
Niall, Shane comentou com você sobre a bateria
que ele acabou de comprar??

NIALL GENTRY REMOVEU SHANE LINDLEY DO GRUPO


“VIZINHOS”.
Cena bônus

beckett

Assim que o pensamento Acho que estou com tesão surge na


minha cabeça, duas mulheres diferentes me mandam
mensagem. Sem brincadeira.
CAITLIN
Ei gatão, de boa hoje?

HAILEY
Estou sozinha. Quer vir e me fazer companhia? ;)

Minha mãe diz que, na manhã em que entrou em trabalho


de parto para me dar à luz, ela e meu pai saíram do carro e
viram um arco-íris duplo cintilando no céu. Ao que parece, na
noite anterior, Sydney tinha sido atingida por uma das piores
tempestades que a cidade já viu, com tanta chuva que algumas
ruas ficaram alagadas. E, então, Meghan Dunne sentiu sua
primeira contração, e a chuva parou milagrosamente vinte
minutos depois. Portanto, dois arco-íris guiaram meu corpinho
gosmento de recém-nascido durante um trabalho de parto de
quarenta minutos que foi suave na nave. Minha mãe ficava me
chamando de “menino de sorte”.
Sinceramente, pouca coisa mudou desde então. O menino de
sorte agora é um homem de sorte. Penso em transar, e as
mulheres surgem do nada e caem no meu colo.
“Ei”, grito para a cozinha, onde Will está preparando o jantar.
“Vou chamar Caitlin para vir aqui hoje.”
Ele demora um pouquinho antes de responder:
“Legal.” Depois volto a ouvir o barulho de pratos.
Meu olhar se volta para a tv, onde está passando um filme
velho de ficção científica. Eu e Will colocamos para assistir
quando voltamos do treino de hóquei, mas não prendeu nossa
atenção e, depois de um tempo, ele foi fazer espaguete.
Entediado, saio do sofá e vou para a cozinha, onde me apoio
na bancada e observo enquanto Will usa uma faquinha para
picar cebola para o molho do macarrão. O cara sempre faz
nossos molhos do zero. Ele gosta de cozinhar. E cozinha bem,
muito melhor do que os caras com quem eu dividia a casa
antes. Lindley e Ryder, coitados, fazem as comidas mais sem
graça do mundo. É bom não ter mais que cozinhar tudo
sozinho.
“Ela está perguntando se você vai estar aqui”, digo, rindo
enquanto continuo a trocar mensagens com Caitlin. Por mais
gostosa que Hailey seja, Caitlin foi mais divertida quando
ficamos na semana passada. Prefiro mulheres com senso de
humor. Dava para perceber que Hailey estava apenas fingindo
rir das minhas piadas.
“Sim. Acho que sim. Não planejei nada hoje.” Seu tom é
indiferente, e seus ombros estão visivelmente tensos.
Uma preocupação toma conta de mim, porque essa não é a
primeira vez que vejo esse tipo de reação de Larsen. Eu e ele
somos próximos. Passamos tanto tempo juntos no último ano
que, para mim, ele é um livro aberto. Mas, por algum motivo,
estamos em um capítulo do livro de Will em que toda vez que
convido uma garota, ele parece totalmente desinteressado.
O que é uma puta reviravolta, considerando o número de
transas das quais ele participou no último ano. Antes de eu ir
visitar minha família em Sydney no verão, Will era presença
regular na minha vida sexual. Não nesse sentido, claro. A gente
não se pega. Mas ele com certeza não parecia se incomodar em
pegar alguém comigo.
“Você vai gostar dela”, digo. “Ela é muito engraçada. Você
perdeu na semana passada.”
Ele ergue os olhos da tábua.
g
“Ah, é?”
“Sim”, respondo. “Ela ficou desapontada por você não ter
voltado.”
Ele dá de ombros.
“Eu tinha combinado uma coisa com a Di.”
Claro. Aquela coisa importante de que ele se lembrou de
repente no último segundo quando eu, ele e Caitlin estávamos
saindo do Malone’s. Ele bateu a mão na testa e tudo. Ah, esqueci
completamente que combinei uma coisa com Diana! Preciso, ir, gente.
Posso parecer o surfista australiano que não liga muito para
nada, mas burro eu não sou. Tem alguma coisa rolando com
Larsen. Faz um tempo já. Estava torcendo para ele criar
coragem e puxar a conversa, mas está na cara que está
determinado a continuar evitando. E, como ainda é setembro e
temos que morar juntos até a formatura, é melhor enfrentar
esse problema o quanto antes.
“Cara”, digo.
“Quê?” Ele baixa a cabeça, voltando a se concentrar no jantar.
A faca se move agilmente em sua mão enquanto ele termina de
picar a cebola.
“Fiz alguma coisa para te irritar?”
Seus olhos castanhos se erguem de novo, apertados nos
cantos.
“Quê? Claro que não. Estamos de boa.”
“Estamos mesmo?”, digo devagar. Pensativo, me inclino na
bancada, apoiando os antebraços de cada lado. “Porque estou
com a impressão de que você me evita às vezes. Como na
semana passada, quando você deu um bolo na gente.”
“Não dei bolo. Só fui para a casa da Diana.” Ele dá de ombros
de novo. “E não tava muito a fim de transar também.”
Ergo uma sobrancelha.
“Desde quando?”
“Desde que…” Ele deixa a faca de lado, mordendo o lábio
enquanto pensa sobre… o quê? Não faço a menor ideia do que
se passa na cabeça dele.
Observo seu rosto, seus traços esculpidos que normalmente
são tão fáceis de decifrar. É uma coisa maluca pensar que, um
ano atrás, eu nem conhecia esse cara. Nós nos conhecemos
quando o programa de hóquei da Eastwood se fundiu com o da
Briar, criando uma amizade baseada em nosso amor por filmes
de viagem no tempo. Mas, desde a primeira vez que saímos
sozinhos, parecia que éramos amigos havia muito tempo. Hoje
em dia, sinto que o conheço até melhor do que Shane e Ryder,
que são meus melhores amigos desde o comecinho da
faculdade.
Mas talvez essa seja a consequência natural de ver o pau dele
com tanta frequência.
Claro, já vi o pau de quase todo mundo do time no vestiário
uma vez ou outra. Mas existe uma diferença entre ver um pau
mole no chuveiro e acompanhar um duro penetrando uma
buceta molhada ou uma boca macia. Saber como seu amigo
fica quando goza leva a amizade a um nível completamente
diferente de proximidade.
Hoje, porém, Will está impossível de decifrar.
Quando ele começa a rir baixo, fico ainda mais confuso.
“Você está bem?
“Sim. É só que…” Ele ri baixo, balançando a cabeça consigo
mesmo. “Nem sei mais. Posso te contar uma coisa? Mas você
tem que prometer não contar para ninguém. Principalmente
por respeito às pessoas envolvidas.”
“Claro. Você sabe que sei ficar de boca fechada.”
“Assisti Lindley comer a Diana na semana passada.”
A rápida admissão é tão inesperada que me surpreende.
“Ah.” Franzo a testa, um sorriso se formando devagar. “Tá.
Legal.”
Tenho umas cinco mil perguntas sobre isso, mas consigo me
segurar. Mesmo assim. Caralho. Diana Dixon é uma gostosa.
Uma deusa. Eu daria minha bola esquerda para tê-la na minha
cama. Significaria enfrentar a ira de Shane, mas… bom, na
verdade, talvez não, considerando que ele deu a Will um
ingresso para o show.
g p
“Só assistiu?” Não consigo deixar de perguntar, ainda
sorrindo.
Um canto da boca dele se ergue timidamente.
“Talvez eu tenha batido uma também. A mando de Lindley.”
Meu queixo cai.
“Como assim? Porra, cara! Por que não me chamaram?”
“Não foi planejado nem nada. Só meio que aconteceu.”
“Como uma coisa dessas meio que acontece?”
“Cara, não faço ideia. Eu estava no décimo quinto sono.
Acordei vendo Diana deitada na bancada da cozinha como um
verdadeiro banquete enquanto Lindley metia nela.” Will abre
um sorriso. “Eu me ofereci para sair. Mas eles queriam que eu
ficasse.”
Sortudo, hein? Esquece o que eu falei antes; eu daria minha
bola esquerda para estar lá. Esse tipo de safadeza é bem minha
praia. Adoro sexo. Quanto mais safado, melhor. Sinceramente,
não tem quase nada que eu não toparia na cama.
“Enfim, não conta para ninguém”, Will pede. “Não quero
que Diana se sinta envergonhada ou objetificada nem nada do
tipo.”
“Vai morrer comigo.” Inclino a cabeça para ele. “Mas estou
meio curioso para saber o que isso tem a ver com o que a
gente estava falando antes.”
Will abandona a preparação do jantar, virando o corpo alto e
se apoiando na bancada de frente para mim.
“Nunca fiz um ménage antes de você”, ele admite.
Rio baixo.
“E daí?”
“Sempre parecia degenerado. Pensar neles.”
“Sexo nunca é degenerado quando todo mundo envolvido
está se divertindo.”
“Sim”, ele responde. “Acho que estou começando a entender
isso.”
Franzo a testa.
“Espera, você não entendia antes?”
“Não exatamente.” Ele solta um suspiro. “Não estou dizendo
que eu não curtia. Óbvio que eu curtia. Mas também ficava me
questionando por que eu curtia tanto.”
“Porque sexo é divertido.”
Ele revira os olhos.
“Para você, tudo é divertido.”
“Sim. Especialmente sexo.”
Dá para ver que ele está contendo um sorriso.
“Bom, não sou como você, Beck. Você age por impulso. Eu
normalmente sou mais cauteloso. Contido.”
Quando está fazendo sexo, ele não é nada contido. Will
Larsen mete sem dó. Mas não comento isso. Ele quer ser
cauteloso e reservado, e não ser o está consumindo por dentro.
Sua próxima admissão confirma meus pensamentos.
“Pensei que tinha alguma coisa errada comigo por gostar
tanto.” Ele passa a mão na testa e faz uma careta, piscando
violentamente. “Puta que pariu.”
“As cebolas?”, digo, rindo.
“Merda. Sim.” Ele vai até a pia para lavar as mãos,
resmungando por sobre o ombro: “Não estou chorando de
pensar em dividir mulher com você na cama. Não se atreva a
dizer para os caras que foi isso o que aconteceu.”
Rio.
“Não pretendo contar nenhuma parte dessa conversa para os
caras. Não é da conta deles.”
“Então, sim.” Ele dá de ombros pela milionésima vez. “Eu
estava meio que surtando por causa disso. Pensando que era
um pervertido ou coisa assim. E daí na semana passada
descobri que Lindley curte voyeurismo e fiquei, ok, cada qual
com seu fetiche.”
“Cada qual com seu fetiche”, concordo. “E, no mundo sexual,
ménages são bem baunilha.”
Isso o faz rir.
“Enfim, é por isso que eu estava fugindo de você nos últimos
tempos. Só estava tentando entender por que curto o que
curto. E, quando olhei para Caitlin no bar na semana passada,
q p p
eu soube que ela era um perigo.” Ele suspira. “Ela toparia
qualquer coisa.”
“Sim.” Faço uma pausa. “Ainda topa.”
Will morde o lábio.
“Então, se você estiver a fim de curtir com a gente hoje…”
Agora ele hesita.
“Ou não.” Saio da bancada e vou até o fogão. “Tranquilo, cara.
Pode se esconder no quarto a noite toda se quiser. Mas vamos
terminar o jantar, beleza? Quero tomar um banho antes dela
chegar.”
Enquanto ligo a boca do fogão para colocar a água para
ferver, ouço Will suspirar atrás de mim.
“Quê?” Olho para ele com um sorriso.
“Acho que não quero me esconder no quarto.”
Meu pau pula contra o zíper. O que era de se esperar. Faz um
tempo que não vejo uma gata safada dar para o Will enquanto
geme me chupando.
Olho para ele com uma risadinha.
“Legal. Quem sabe não deixo você assistir.”
“Nossa. Que honra.”
Ele chega perto, tirando a panela do molho da gaveta ao lado
do fogão. Uma curiosidade me atravessa enquanto o observo
despejar uma lata de tomate em cubos dentro da panela.
“Que foi?”, ele pergunta, notando meu olhar.
“É sério que Lindley mandou você bater uma?”
Will geme baixo.
“Mano. Ele me falou a hora de gozar.”
“Estou impressionado. Não sabia que Shane era capaz disso.”
“Foi intenso. E sexy.”
“Parece mesmo.” Depois de hesitar por um momento, dou
uma empurrada no seu ombro com o meu. “Estamos bem,
parceiro?”
“Sim. Sempre.”
Agradecimentos

Foi uma delícia escrever este livro. Desde a primeira página,


fiquei obcecada por Diana e Shane. Tenho muita sorte de fazer
o que faço para ganhar a vida. Posso criar reality shows
fictícios e colocar meus personagens para dançarem dança de
salão, o que, sinceramente, é o trabalho mais legal de todos os
tempos. E isso não seria possível sem toda uma rede de apoio
de pessoas incríveis:
Minha editora, Christa Desir, por me deixar compartilhar
minhas reações em tempo real ao último Velozes e furiosos
enquanto eu o assistia no avião quando deveria estar
escrevendo. (Ah, sim, e por amar este livro e deixar que minha
imaginação corresse solta.) #família
A equipe toda da Bloom Books/Sourcebooks e da Raincoast
do Canadá, desde o departamento de marketing e publicidade
até a equipe de arte. Um agradecimento especial à Madison por
entender minha obsessão por Love Island.
Minha agente Kimberly, a publicitária Ann-Marie e as
assistentes Nicole, Natasha, Lori e Erica. Eu esqueceria meu
próprio nome se vocês não estivessem por aqui para me
lembrar.
Eagle/Aquila Editing por sempre deixar tudo de lado para
revisar meus textos, e um agradecimento muito especial aos
meus leitores sensíveis que garantiram que as caracterizações e
temas mais pesados da história fossem tratados com todo o
cuidado.
Minha irmã e parceira de quebra-cabeças por literalmente
tudo. Você é a pessoa mais engraçada que conheço e minha
melhor amiga de todos os tempos.
Outros autores, amigos e pessoas incríveis, especialmente Vi,
Kathleen, Sarina e Natasha.
E, como sempre, vocês. Meus leitores, as pessoas que mais
me apoiam no mundo todo. Obrigada por lerem, comentarem,
elogiarem, me fazerem rir e estarem sempre presentes.
Por fim, uma rápida observação sobre alguns dos pontos da
trama de hóquei neste livro: costumo distorcer alguns
detalhes, como os horários de treinos ou jogos da AAUN, para
criar um mundo de hóquei fictício para que certos elementos
da trama possam se alinhar melhor. Todos os erros são meus (e
muitas vezes intencionais).

Com amor,
Elle
Copyright © 2024 by Elle Kennedy

A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.

título original The Dixon Rule


capa Vivien Summer
ilustrações de capa Adobe Stock
imagens de miolo Sourcebooks
preparação Vitória Galindo
revisão Ingrid Romão e Paula Queiroz
versão digital Calil Mello Serviços Editoriais
isbn 978-85-8439-507-1

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3707-3500
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instagram.com/editoraparalela
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Sumário

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Epílogo
Cena bônus
Agradecimentos
Créditos

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