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ALLISSON RODRIGUES DE REZENDE

LÍVIA PRUDENTE DE MORAIS


ARALI APARECIDA DA COSTA ARAUJO
KÊNIA DE SOUZA OLIVEIRA
(Organizadores)

VIV(E)NSINANDO: experiências exitosas no


processo de ensino-aprendizagem

Volume 01

Ituiutaba, MG
2025

1
© Allisson Rodrigues de Rezende / Lívia Prudente de Morais / Arali Aparecida da Costa
Araujo / Kênia de Souza Oliveira (Org.)., 2025.
Capa: Thalles Ricardo Alciati Valim
Revisores: Allisson Rodrigues de Rezende, Lívia Prudente de Morais. Arali Aparecida da
Costa Araujo, Kênia de Souza Oliveira
Editor da obra: Mical de Melo Marcelino

Conselho Editorial – Grupo Educação


Todas as obras da Editora Barlavento são submetidas a pelo menos dois
avaliadores do Conselho Editorial.

Editora-chefe: Mical de Melo Marcelino


Pareceristas brasileiros Pareceristas internacionais
Dr. Helio Rodrigues Júnior Dr. José Carpio Martin - Espanha
Ma. Leonor Franco de Araújo Dr. Ernesto Jorge Macaringue - Marrocos
Dra. Luciane Dias Gonçalves Msc. Mohamed Moudjabatou Moussa - Benin
Ribeiro
Dra. Maria Aparecida Augusto Msc. Diamiry Cabrera Nazco - Cuba
Satto Vilela
Maria Izabel de Carvalho Dra. Sucel Noemi Alejandre Jimenez - Cuba
Pereira

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Todos os direitos desta edição reservados aos autores, organizadores e editores. É
expressamente proibida a reprodução desta obra para qualquer fim e por qualquer meio
sem a devida autorização da E-Books Barlavento. Fica permitida a livre distribuição da
publicação, bem como sua utilização como fonte de pesquisa, desde que respeitadas as
normas da ABNT para citações e referências.

Editora Barlavento
CNPJ: 19614993000110. Prefixo editorial: 6 8066
Braço editorial da Sociedade Cultural e Religiosa Ilè Alaketu Àse Babá Olorigbin.
Rua das Orquídeas, 399, Cidade Jardim, CEP: 38.307-854
Ituiutaba, MG.

[email protected]

2
DOI: 10.54400/978-65-87563-59-6

3
4
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Mical de Melo Marcelino .................................................... 9

CAPÍTULO I – FAZENDO ARTE COM CRIANÇAS


COM DEFICIÊNCIA: experiências e conhecimentos
decorrentes de projetos de extensão e pesquisa
Denise Andrade de Freitas Martins ................................... 13

CAPÍTULO II – O PROJETO RONDON COMO


FORMADOR DE CIDADÃOS E PROFISSIONAIS
TRANSFORMADORES
Larissa Romanello & Baruana Calado .............................. 43

CAPÍTULO III – MATERIAIS E PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS ADAPTADAS: integrando saberes para
a educação especial
Arianne Santos Medeiros Souza, Arlinda Ferreira
Gonçalves & Arali Aparecida da Costa Araujo ................. 64

CAPÍTULO IV – UMA BIOMÉDICA NA EDUCAÇÃO


BÁSICA PROMOVENDO SAÚDE E ENSINO
INVESTIGATIVO
Arianne Santos Medeiros Souza, Arlinda Ferreira
Gonçalves & Arali Aparecida da Costa Araujo ................. 87

CAPÍTULO V – APLICAÇÃO DA AGRICULTURA


REGENERATIVA EM HORTAS DE UMA ESCOLA
DE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM ITUIUTABA, MINAS
GERAIS, BRASIL

5
Juliane Silberschmidt Freitas & Kassandra Ferreira
Souza ................................................................................... 109

CAPÍTULO VI – APLICAÇÃO DIDÁTICA DA


INTELIGÊNCIA ARTIFICAL (IA), AVANÇO OU
RETROCESSO? UM ESTUDO DE CASO
Amanda Fialho & Franciane Diniz Cogo .......................... 127

CAPÍTULO VII – IMPLEMENTAÇÃO E EFICÁCIA


DE UM CURSO PROFISSIONALIZANTE EM USINA
DE CANA-DE-AÇÚCAR: análise de impacto da
atividade extensionista
Cristhyane Millena de Freita & Juliana Pelegrini Roviero
.............................................................................................. 144

CAPÍTULO VIII – FEIRA DO SINDICATO DE


ITUIUTABA/MG: análise do perfil socioeconômico dos
comerciantes e comentários sobre espaços informais de
aprendizagem nestes ambientes
Táyron Augusto Fernandes de Souza, Murilo Didonet de
Moraes & Arali Aparecida da Costa Araujo ...................... 154

CAPÍTULO IX – CINE DEBATE COMO


FERRAMENTA DE ENSINO-APRENDIZAGEM PARA
O ENSINO DE AGROECOLOGIA: um relato de
experiência
Adriane Quelli Agostinho dos Santos, Lívia Prudente de
Morais, Allisson Rodrigues de Rezende & Amanda Fialho
.............................................................................................. 174

CAPÍTULO X – CINEMA,
INTERDISCIPLINARIDADE E “PEDAGOGIA

6
ENGAJADA”: um relato de experiência do “cine debate
UEMG”
Nathália de Morais Coscrato, Mirela Alessandra Oliveira
Lima & Aline de Carvalho Ciriaco ..................................... 196

CAPÍTULO XI – LATIM E DIREITO: uma abordagem


cultural do ensino da língua latina nos cursos de
graduação em Direito
Thalles Ricardo Alciati Valim ........................................... 213

CAPÍTULO XII – HAVIA UM MOOT NO MEIO DO


CAMINHO: minha aventura em tribunais simulados
internacionais de Direitos Humanos
Baruana Calado dos Santos .............................................. 241

CAPÍTULO XIII – AS TECNOLOGIAS DA


INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICs) NO
AMBIENTE ESCOLAR: entre desafios e possibilidades
no ensino de história na Escola Estadual de Gurinhatã
José Fernandes da Cruz Neto ............................................ 263

CAPÍTULO XIV – OFICINAS COMO ESTRATÉGIA


PARA FORMAÇÃO CONTINUADA DE DOCENTES
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Ana Paula Santos da Silva ................................................. 287

CAPÍTULO XV – MÃOS DO OLEIRO II: um olhar para


o CEU das Artes em Ituiutaba/MG
Hugo Vieira da Silveira ...................................................... 300

CAPÍTULO XVI – O GÊNERO FANFICTION COMO


PROPOSTA DE LETRAMENTO DIGITAL EM

7
TURMAS DO 9º ANO
Flávia Freitas de Oliveira .................................................. 320

CAPÍTULO XVII – MULTILETRAMENTOS: prática de


produção do gênero digital GIF biográfico
Kênia de Souza Oliveira ..................................................... 342

CAPÍTULO XVIII – LEITURA E ESCRITA NO


ENSINO FUNDAMENTAL: a notícia em destaque
Aline dos Santos Silva, Natiene Francieles Mendes
Pereira & Lúcia Helena Ferreira Lopes ............................ 359

INDÍCE REMISSIVO ........................................................ 395

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO


.............................................................................................. 399

SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) DOS CAPÍTULOS


.............................................................................................. 400

8
APRESENTAÇÃO

Em tempos em que a Educação, os professores e


professoras e o trabalho docente padecem com o descrédito de
boa parte da população, trazer à público essa organização é um
verdadeiro alento e um exercício de esperançar (Freire, 1992).1
Primeiro, pela opção desse coletivo de autores e autoras
em escrever sobre Educação pelas lentes do sucesso, de
experiências que deram certo, sem perder de vista, no entanto, a
criticidade própria de quem orienta sua prática pedagógica pela
noção de práxis (Freire, 1987)2. O que o leitor encontrará em
cada capítulo dessa coletânea são, portanto, relatos de
experiências exitosas, bem como reflexões, que permitem
avaliar, ressignificar e transformar a ação em si, como também a
própria posição de quem ensina.
Um segundo aspecto que vale a pena destacar é que se
trata de um livro sobre ações e não apenas sobre elocubrações.
Nesse sentido, demonstra o esforço desses pesquisadores e
pesquisadoras em dar concretude à esperança de uma educação
transformadora e libertadora. Cada ação exitosa demonstra o
caminho que cada um encontrou para “se levantar, [...] ir atrás,
[...] construir, [...] não desistir! [...] levar adiante, [...] juntar-se
com outros para fazer de outro modo (Freire, 1992, p. 110-111).
Em outras palavras, trata-se do caminho que cada um encontrou
para esperançar.

1
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
2
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

9
“Juntar-se com os outros para fazer de outro modo.” Eis
a terceira característica deste trabalho que merece ser
mencionada, já que ele reúne pesquisadoras e pesquisadores
professoras e professoras, estudantes de diversas áreas de
formação/atuação, nem todas ligadas às licenciaturas, em
práticas também diversas e em diversos espaços de educação –
escolares – em diversas modalidades e segmentos – e não-
escolares. O movimento de “juntar-se com outros”, de encontrar
novos caminhos para o fazer pedagógico lembra-nos da urgente
necessidade de construirmos currículos menos fragmentados,
mais dialógicos e com maior espaço para as diversidades.
O leitor encontrará experiências escolares com foco na
educação inclusiva nas experiências artísticas relatadas por
Martins e na discussão sobre materiais e práticas adaptadas à
educação especial trazida por Souza, Gonçalves e Araujo, em
que as autoras ressaltam a importância do uso de materiais
lúdicos e concretos, mas também a existência de políticas
públicas e de formação docente para o sucesso da educação
inclusiva. Na perspectiva da formação docente continuada, o
leitor encontrará interessante debate no capítulo de Silva, que
explora as oficinas como instrumento de construção coletiva de
saberes e conhecimentos. Na perspectiva de parcerias possíveis
para a educação inclusiva, Freitas e Souza relatam o trabalho de
educadores e estudantes do curso de Agronomia para a
implementação de hortas escolares de acordo com os princípios
da Agricultura Regenerativa em uma escola de Educação
Especial, em Ituiutaba-MG, e destacam a potencialidade
pedagógica desses espaços como material de ensinar e aprender.
Ainda sobre parcerias entre professores e professoras e
profissionais de outros campos de atuação, Souza, Gonçalves e
Araujo relatam a colaboração exitosa entre uma pedagoga e uma

10
biomédica em uma série de atividades desenvolvidas em uma
escola do Triângulo Mineiro. Nesse capítulo, encontra-se
também uma importante revisão acerca do que a literatura já
registra sobre esses bons encontros.
A educação em espaços não-escolares está representada
também por uma série de capítulos: o projeto Rondon, sob a
ótica dos estudantes, como instrumento de formação de
cidadãos-transformadores (Romanello e Calado); a
implementação de um curso profissionalizante para
colaboradores de uma usina de cana-de-açucar, a fim de
aprofundar saberes teóricos e diminuir a distância entre estes e
as práticas cotidianas da fábrica (Freita e Roviero); a feira do
Sindicato de Ituiutaba-MG tomada por Souza, Moraes e Araujo
em seus aspectos socioeconômicos, como espaço informal de
aprendizagem e a o projeto Mãos do Oleiro II, que promoveu no
CEU das Artes (Ituiutaba-MG) uma experiência artística,
cultural e educativa pela experimentação da expressão por meio
das diversas linguagens das artes (Silveira).
No âmbito do ensino universitário, Fialho e Cogo, por
meio de um estudo de caso, trazem importantes reflexões sobre
o uso da Inteligência Artificial como recurso de estudo-
aprendizagem mediado pelo professor. O leitor encontrará ainda
dois capítulos sobre o cine-debate enquanto recurso pedagógico:
o primeiro voltado para o ensino da Agroecologia (Santos,
Morais, Rezende e Fialho) e o segundo, em associação com o
conceito de Pedagogia Engajada, de bell hooks, como
instrumento provocador para o pensar criticamente acerca de
temas relacionados aos direitos humanos (Coscrato, Lima e
Ciriaco). Já Valim problematiza o ensino da língua latina nos
cursos de Direito, a partir das avaliações realizadas por discentes
sobre tal disciplina. Ainda no campo do Direito, Calado relata

11
sua “aventura” – como estudante e, posteriormente, como
docente – nos tribunais simulados de direitos humanos como
experiência de ensino-aprendizagem, mas também de
aprendizagem-ensino.
Sobre as experiências exitosas nos ambientes escolares
de Educação Básica, o leitor encontra também uma série de
capítulos. Cruz Neto faz uma interessante discussão sobre o uso
das TIC/TIDIC no ensino de História, partindo da experiência
da produção de um Podcast com estudantes do Ensino Médio de
uma escola de Gurinhatã-MG. Flávia Oliveira descreve a
aplicação de uma sequência didática focada no gênero textual
fanfiction, com vistas à promoção de habilidades de letramento,
em especial, do letramento literário em turmas do 9.º ano do
Ensino Fundamental. Kênia Oliveira também contribui com as
discussões acerca do letramento, na perspectiva dos
multiletramentos, tomando o GIF biográfico como possibilidade
de produção textual. Por fim, Silva, Pereira e Lopes discutem
práticas de leitura e escrita no Ensino Fundamental a partir do
gênero textual notícia, em consonância com os princípios e
pressupostos da BNCC para o ensino de Língua Portuguesa.
Dito isso, convido aos leitores e leitoras para
caminharem com os autores nas experiências que compartilham
e nas análises que tecem sobre as práticas exitosas que relatam.
Que a leitura desses textos inspire e contribua para manter em
cada educador e educadora a indispensável chama do
esperançar.

Mical de Melo Marcelino


Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo
Professora do curso de Pedagogia e do Programa de Mestrado em Educação
Básica do ICHPO-UFU

12
CAPÍTULO I

FAZENDO ARTE COM CRIANÇAS COM


DEFICIÊNCIA: experiências e conhecimentos decorrentes
de projetos de extensão e pesquisa

Denise Andrade de Freitas Martins

Introdução
Neste texto busco compartilhar experiências e
conhecimentos decorrentes de minha atuação como professora e
como pesquisadora no desenvolvimento de projetos de extensão,
em interface com a pesquisa. Esses projetos envolveram música,
teatro e literatura e foram desenvolvidos com crianças com
deficiência matriculadas na Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE) de Ituiutaba, Minas Gerais.
Para tal, contarei um pouco de minha formação e
trajetória profissional. Ainda pequena, iniciei meus estudos de
piano no Conservatório Estadual de Música “Dr. José Zóccoli de
Andrade”, na cidade de Ituiutaba/MG, e, nessa escola, em 1984,
tornei-me professora de piano, prática de ensino e história da
música, além de diretora no período de 2000 a 2004. Aprendi
muito com os colegas professores e estudantes. Descobri bem
cedo que gostava de integração, de trabalhos envolvendo várias
áreas artísticas, diferentes pessoas e instituições de ensino.

13
Em 2005, tornei-me, também, professora nos cursos de
Pedagogia e Normal Superior da Fundação Educacional de
Ituiutaba associada à Universidade do Estado de Minas Gerais
(FEIT/UEMG). No período de 2006 a 2009, fui coordenadora de
extensão nessa universidade, dando início aos trabalhos de
extensão em interface com a pesquisa, sempre em parceria com
professores e estudantes do Conservatório. Trabalhamos de
2007 a 2022 com crianças da rede pública estadual, em idade
entre 9 e 11 anos, consideradas analfabetas funcionais, no
Projeto Escrevendo o Futuro (PEF) e, de 2009 a 2023, com
crianças com deficiência, matriculadas na APAE (Música na
APAE).
Neste texto descreverei as atividades de extensão, em
interface com a pesquisa, realizadas com as crianças da APAE,
buscando compartilhar as experiências e os conhecimentos
decorrentes desta atuação profissional, que contou com a
participação de professores e estudantes da UEMG, da APAE e
do Conservatório3.
No período de 2009 a 2016, as atividades realizadas na
APAE foram restritas à extensão, com o objetivo de contribuir
com o processo de formação das crianças com deficiência e
ampliar as possibilidades de acesso às diferentes manifestações
e práticas artísticas. A metodologia constava de apresentações e
oficinas na sede da APAE, uma a cada mês, de música vocal
e/ou instrumental, contação de histórias, encenações e
brincadeiras.

3
No ano de 2020, participaram do projeto apenas as crianças da escola Bias
Fortes, tendo em vista as inúmeras dificuldades impostas pela pandemia do
Coronavírus.

14
A partir de 2017, entendemos que as crianças da APAE
não deveriam se constituir simplesmente como público, mas
protagonizar as atividades artísticas a serem planejadas e
realizadas. Assim, demos início às intervenções acompanhadas
de investigação (metodologia de intervenção e metodologia de
pesquisa) e passamos a pesquisar processos educativos
decorrentes das práticas artísticas e musicais desenvolvidas no
projeto de extensão Música na APAE. Estudantes e professoras
da APAE, da UEMG e do Conservatório constituíram-se em
uma comunidade, trabalhando em comunhão.
Tomamos o termo comunidade no sentido de que a
participação nas atividades realizadas se fundamentava na
vontade e liberdade de escolha de cada pessoa envolvida, as
quais, juntas, planejavam e criavam/construíam, pouco a pouco,
uma performance envolvendo música, teatro literatura, com
ênfase aos autores/as brasileiros/as.
Trata-se, portanto, de uma prática social, entendida como
pessoas ou grupo de pessoas com interesses, vontades e
objetivos comuns. Em grupos como esses não há subordinação,
mas cooperação entre as pessoas, as quais têm liberdade de
entrar e sair a qualquer momento (Oliveira et al., 2014).
Práticas sociais podem existir fora ou dentro de escolas,
já que as pessoas “se agrupam por diferentes razões, afinam-se
nas temáticas trabalhadas, constroem conjuntamente quando se
colocam criticamente diante das situações vivenciadas”.
(Martins, 2018, p. 127).
De todo modo, práticas sociais demandam liberdade para
escolher e decidir, com o devido e necessário rigor, lugar em
que não cabe a licenciosidade sem limites. Responsabilidade e
compromisso com o que se faz e com quem se faz são premissas

15
básicas. Em toda ação/construção colaborativa, tudo o que se
realiza é com base no diálogo, respeito e ajuda mútua, em
comunhão, sendo uns com os outros, segundo Freire (2005).
No entanto, toda ação humana é permeada de conflitos
(culturais e sociais), os quais precisam ser negociados. Como
construções conjuntas, cujas diferenças e pertencimentos
identitários são resguardados, práticas sociais não promovem
uma educação de mão única. Pela diversidade de seus sujeitos,
dão lugar a uma multiplicidade de conhecimentos, mutáveis e
em constante construção (Candau, 2008).
Assim sendo, foram muitos os aprendizados (mas
também desafios e dificuldades) decorrentes dos processos de
construção-reconstrução4 de performance realizados junto à
APAE/Ituiutaba (2017-2023). E tudo isso pautado na ideia de
que “a noção que temos de nós mesmos é construída a partir de
nossa interação com outras pessoas, fundamentada no `Eu´ a
partir de um `Nós´. (Martins, 2015, p. 78). Tal compreensão
encontra eco em Vygotysty (apud Ivic, 2010), de que
aprendemos na interação, uns com os outros, em meio à
convivência e compartilhamento de aprendizagens e
experiências.
Vale destacar que a arte – a música, o teatro, os jogos e
brincadeiras, dentre outros –, é de grande importância na vida de
uma criança, justamente porque tem a capacidade de
potencializar o jogo do faz de conta no imaginário infantil.
Todavia, tendo em mente que as crianças se diferenciam
enquanto sujeitos, de acordo com suas histórias e os lugares que

4
O uso do termo construção-reconstrução justifica-se pela dinâmica do
processo, já que não há nada pronto e acabado, ao contrário, sempre em
trasformação com base na ação conjunta, colaborativa e criativa.

16
ocupam, elas também se mostram diferentes em relação ao
contato com a arte e a música.
O contato com a arte, com a música, faz com que as
crianças ocupem lugares como atores sociais. Para Schünemann
e Maffioletti (2011), a criança faz parte de uma estrutura social e
ela é vista de acordo com suas manifestações.
O contato da criança com a escola e a música
potencializa a criação de vínculos com seus professores, tanto
em relação às técnicas como no aspecto pessoal. Por isso é
preciso que o professor de música pense em seu
desenvolvimento pessoal (Kater, 2004). Tomando contato com
as potencialidades e limites dos alunos, do ponto de vista
artístico e musical, o professor fornece meios para a superação
dos limites e maior exploração das potencialidades. Trata-se de
um processo que tem potência na formação, no qual é possível
haver esclarecimento sobre algo ainda não descoberto.
Sobre a educação especial, Glat e Blanco (2007)
observam que ela deve ser vista além de um sistema educacional
especializado à parte, mas como um conjunto de recursos e
metodologias para atender a necessidade de alunos/as com
deficiência. Essas necessidades educacionais especiais não são
um problema que se encontra no indivíduo, não é algo inerente à
pessoa com deficiência, mas sim um produto de sua relação com
o contexto escolar que a aprendizagem irá ocorrer.
Ainda, para que a aprendizagem ocorra, é preciso
favorecer a estimulação de áreas cerebrais, com atividades que
possuam sons, movimentos, imagens. Independente do
diagnóstico que o estudante possui ou da dificuldade
apresentada, todos podem se beneficiar de atividades lúdicas
contextualizadas. Esse tipo de atividade é capaz de despertar

17
sentimentos que podem provocar a produção e interação de
hormônios (Glat; Blanco, 2007).
Diante do exposto, a música, assim como qualquer outra
forma de expressão artística, pode ser ferramenta essencial na
educação de pessoas com deficiência, especificadamente de
crianças em processo de formação. A música contribui para o
desenvolvimento cognitivo e estimula a associação de inúmeras
funções psicossociais, como a comunicação e o
desenvolvimento da linguagem compreensiva e expressiva
(Pederiva; Tristão, 2006).
Pensar nas possíveis contribuições do saber artístico e
musical na perspectiva de pessoas com deficiência merece
grande destaque e visibilidade na nossa sociedade. Trabalhar
com crianças com deficiência na construção-reconstrução de
performance é trabalhar a partir das potencialidades e não
limitações, é ampliar as oportunidades de acesso às artes, é
ocupar espaço social de importância e visibilidade, é acreditar e
esperançar que crianças com deficiência também fazem arte!

Desenvolvimento
No período de 2009-2016, as atividades realizadas junto
à APAE foram circunscritas apenas à extensão, descritas em
Martins (2019), assim organizadas: Eventos sonoros: audição e
instrumentação musical, construção e manuseio de objetos
sonoros; Excursões culturais: visitação ao Conservatório e
UEMG/Ituiutaba, montagem de painéis, mostras de artes;
Oficinas artísticas: jogos rítmico-musicais, dramatização e
contação de histórias, desenhos, dobraduras, colagens, recortes e
pinturas.

18
Especial ênfase foi dada aos autores brasileiros, dentre:
Heitor Villa-Lobos, Gilberto Mendes (2009); Ricardo
Nakamura, Francisco Buarque de Hollanda e João Guilherme
Ripper (2010); Cecília Cavalieri e Marisa Rezende (2011);
Antônio Celso Ribeiro (2012); Bia Bedran, Paulo Tatit, Sandra
Peres – Palavra Cantada –, Cristiana Pereira5 – Formiga Juju
na cidade das papaias (2013); Cristiana Pereira – Formiga Juju
e o sapo Karibu –, Cesar Traldi (2014); Cecília Cavalieri,
Cristiana Pereira – Formiga Juju e o professor Moskito,
Formiga Juju na cidade das papaias e Formiga Juju e o sapo
Karibu (2015); Marcos Vieira Lucas, Cristiana Pereira –
Formiga Juju e o professor Moskito (2016).
No período de 2017-2023, também com ênfase aos
autores brasileiros, as atividades de extensão foram
acompanhadas de investigação, com a participação de
estudantes voluntários e bolsistas dos seguintes programas:
Programa Institucional de Apoio à Extensão (PAEx/UEMG);
Programa Institucional de Apoio à Pesquisa (PAPq/UEMG) e
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG). A metodologia passou, então, a constar de dois
momentos: metodologia de intervenção e metodologia de
pesquisa.

Metodologias de intervenção e pesquisa


A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa e de
inspiração fenomenológica. Os acontecimentos em si não foram
considerados, já que o objeto de busca, de interrogação, não é o

5
Cristiana Pereira é natural de Maputo, Moçambique/África, autora da
coletânea Formiga Juju, literatura que envolve o movimento cívico
moçambicano em prol da leitura criativa e transformadora.

19
próprio acontecimento, mas “[...] a natureza subordinada à
maneira de pôr o problema” (Martins e Bicudo, 1989, p.75).
Compreendemos com Machado (1994) e Garnica (1997) que em
pesquisas de natureza qualitativa pesquisador/a e pesquisado/a
buscam porque interrogam e não explicam a coisa como ela se
apresenta.
O processo de construção da pesquisa constou de dois
momentos: metodologia de intervenção (levantamento e
desenvolvimento) e metodologia de pesquisa. A investigação
ocorreu da seguinte forma: primeiro semestre – encontros
semanais na APAE com a comunidade envolvida no projeto de
extensão Música na APAE (estudantes bolsista/s e voluntários e
a professora orientadora da UEMG/Ituiutaba; crianças com
deficiência e professoras da APAE/Ituiutaba; professores e
estudantes do Conservatório Estadual de Música “Dr. José
Zóccoli de Andrade”/Ituiutaba) e segundo semestre – encontros
semanais na APAE ou no Conservatório ou na UEMG.
Nesses encontros deu-se o processo de construção-
reconstrução de performance envolvendo música, teatro e
literatura, a partir de leitura e discussão de literatura, jogos e
brincadeiras, experimentações sonoras (produção e criação de
sons e exploração e manuseio de instrumentos musicais),
canções e música brasileira contemporânea. Todos esses
encontros foram realizados no período vespertino, entre 13 e 15
horas, conforme acordado com as instituições parceiras e
colaboradores no projeto.
Na metodologia de intervenção, desenvolvemos uma
proposta baseada na pedagogia libertadora de Paulo Freire
(1967, 2005), com base no diálogo e a partir das experiências e
compreensões das pessoas envolvidas.

20
Gonçalves Junior (2009) nos apresenta a pedagogia
dialógica de Freire, pautada em seu método de alfabetização, em
três momentos, “equiprimordiais e inter-relacionados”, que são:
(i) Investigação temática: descobrir o que as pessoas já
sabem, que leitura fazem do mundo e qual
assunto/temática lhes afeta e interessa (proporcionam
tema gerador). Descobrindo o que sabem aprimorarmos
juntos os conhecimentos, educando e nos educando,
partindo do saber de experiência feito;
(ii) Tematização: o educador é aquele que incentiva e
motiva a partir da palavra, do tema gerador. O diálogo
faz-se necessário para percebermos posturas, posições,
pontos de vista distintos, modos de perceber o mundo, e,
de modo igualitário, compartilhar conhecimentos; e
(iii) Problematização: momento do engajamento, do
compromisso emancipador solidário daquele
conhecimento, da construção-reconstrução do mundo
lido, da transformação das condições de vida, da
libertação” (Gonçalves Junior, 2009, p. 705).
Desse modo, as ações realizadas foram, em geral, assim
distribuídas: Investigação temática – negociação da intervenção
com a escola sede e escola parceira, realização de roda de
conversa com a comunidade participante (levantamento de
gostos musicais, necessidades e preferências, vontades e
expectativas); Tematização – apresentação dos dados resultantes
da roda de conversa, escolha e decisão de repertório musical e
literário, apresentação do cronograma de atividades das
instituições – proponente (universidade), sede/interveniada
(APAE) e parceira (Conservatório), elaboração de arranjos
musicais e roteiros; e Problematização – processo de
construção-reconstrução do dia a dia das atividades pensadas e
planejadas ao longo dos encontros – criação de performance –,

21
além de visitas de apresentação e participação em concertos e
oficinas.
Na metodologia de pesquisa, foram utilizados diários de
campo como forma de registrar rigorosamente as atividades
constantes da metodologia de intervenção, sendo o principal
instrumento de coleta de dados, para posterior sistematização e
análise. Os diários de campo, considerados um recurso
metodológico básico e de extrema importância nesta modalidade
de pesquisa, são compreendidos por Bogdan e Biklen (1994, p.
150) como “[...] o relato escrito daquilo que o investigador ouve,
vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre
os dados de um estudo qualitativo”. Além dos diários de campo,
os registros ocorreram em fotografias, filmagens, desenhos,
textos escritos e situações-diálogo com os/as participantes da
pesquisa.
Ainda, eventualmente, foram aplicadas entrevistas
abertas à comunidade participante do projeto. Esse tipo de
entrevista, também conhecida como semiestruturada, é, de
acordo com Negrine (1999), menos formal e oferece maior
liberdade tanto para o entrevistador quanto para o entrevistado,
possibilitando uma modificação na sequência das perguntas e
podendo criar direcionamentos de fala. A entrevista aberta foi
aplicada aos diferentes sujeitos em data e local previamente
escolhidos e determinados, com posterior análise dos dados
coletados, considerando-se a identificação, o agrupamento, a
interpretação e a categorização das unidades de significado
emergentes das falas dos sujeitos.
Os procedimentos de análise dos dados, sinteticamente
descritos, ocorreram ao término das intervenções, justamente
pela transcrição minuciosa e na íntegra dos discursos coletados,
nesse caso presentes também nos diários de campo;

22
identificação das unidades de significado; redução
fenomenológica; organização das categorias; construção da
matriz nomotética; construção dos resultados (Gonçalves Junior,
2008).
As análises ideográficas e nomotéticas, segundo
Machado (1994, p.41), contribuem com pesquisas de natureza
qualitativa por possibilitarem que o tema seja circundado, em
busca de compreender o fenômeno e não explicá-lo. Após a
análise de todos os dados coletados, foram realizadas
devolutivas à comunidade participante, em conformidade aos
preceitos éticos da pesquisa e compromisso das pesquisadoras.
Vale ressaltar que, para a execução da pesquisa, ao longo
de todos os anos, os projetos foram devidamente submetidos à
avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade
responsável (UEMG), e, consequentemente, aprovados. Em se
tratando de pesquisa com seres humanos, especificadamente
com estudantes de uma instituição voltada ao atendimento de
estudantes com deficiência, é imprescindível os cuidados éticos.
Os participantes das pesquisas foram convidados a
colaborar com o estudo após autorização em Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), Termo de
Assentimento e Termo de Anuência, em data e local
previamente escolhidos e determinados, com posterior
arquivamento.
Resultados e discussão
Apresentarei, a seguir, a discussão e resultados dos
projetos de extensão em interface com a pesquisa realizados
com as crianças da APAE/Ituiutaba, no período de 2017 a 2023,
ordenados sequencialmente ano a ano.

23
2017
O projeto constou da construção-reconstrução de uma
performance envolvendo música, teatro, literatura inspirada no
livro No céu, na terra ou no mar (Figura 1), de Luciana Garcia
Mascarenhas (2015). O objetivo da pesquisa foi investigar de
que forma crianças e jovens com deficiência se envolviam em
práticas artísticas e musicais e quais eram os processos
educativos decorrentes dessas práticas.
A metodologia de intervenção teve como referência os
princípios pedagógicos de Paulo Freire e o referencial teórico se
sustentou principalmente nos conceitos de práticas sociais e
interculturalidade. Das análises ideográfica e nomotética, de
acordo com a análise dos dados coletados e registrados em
diários de campo, foram identificadas três categorias: A) Querer
fazer; B) Saber fazer; C) Pensar o outro.
As práticas artísticas e musicais realizadas com as
crianças e jovens com deficiência mostraram-se potentes, tendo
em vista os processos educativos delas decorrentes, dentre:
capacidade de contar e recontar história, memorização de falas,
aprendizado de canções, percussão de objetos sonoros, interação
com as pessoas e instituições envolvidas (APAE, creche, escola
de música e universidade), aprendizado de novos conteúdos,
metodologias e modos de expressão. Podemos dizer que as
crianças e jovens da APAE assumiram o protagonismo da
performance, como atores, narradores e cantores em cena.

24
Figura 1: Como resultado do projeto, em cena, a performance No céu, na
terra ou no mar.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2017).

2018
Incomodada em relação ao ensino de música e arte ser
voltado em geral para pessoas talentosas e aquelas que podem
pagar por aulas particulares, dei continuidade às atividades de
extensão em interface com a pesquisa, contando com a
participação de estudantes bolsistas e voluntários da UEMG e
em parceria com o Conservatório e uma escola de educação
básica. Participaram 13 estudantes e 1 professora da UEMG, 13
estudantes e 2 professoras da APAE, 25 estudantes e 1
professora da Escola Estadual Governador Bias Fortes e 15
estudantes do Conservatório.
Os objetivos foram: tentar compreender de que forma
pessoas com deficiência se envolviam na realização de práticas

25
artísticas e musicais e quais eram os processos educativos
decorrentes da realização dessas práticas. Os instrumentos de
coleta de dados foram os diários de campo, fotos, desenhos e
entrevistas, com posterior análises ideográfica e nomotética.
A intervenção foi realizada com base nos princípios
pedagógicos de Paulo Freire. O referencial teórico sustentou-se
nos conceitos de práticas sociais e educação/formação para
pessoas com deficiência. As práticas artísticas e musicais
realizadas concentraram-se no processo de construção-
reconstrução de uma performance, Caminho místico nas estrelas
(Figura 2), inspirada nas peças para piano solo e piano a quatro
mãos do compositor brasileiro Alexandre Schubert. Essas peças
foram reescritas para xilofones e metalofones, carrilhão, caxixis
e clavas, percussão corporal, piano a quatro mãos, orquestra de
teclados, canto, teatro e literatura6.
Os estudantes da APAE (9-13 anos) foram responsáveis
pela instrumentação musical (junto à orquestra de teclados e o
piano) (Figuras 3 e 4) e os estudantes da escola Bias Fortes (9-
12 anos) pela encenação/dramatização e instrumentação musical
(clavas e percussão corporal). Foram realizados encontros
semanais, tanto no Conservatório como na APAE e na escola
Bias Fortes, e apresentações na cidade de Ituiutaba e na cidade
vizinha Capinópolis.
Os resultados apontaram um grande envolvimento dos
estudantes da APAE na realização das atividades e uma melhora
significativa na coordenação motora, memória, promoção de
aprendizagem musical e desenvolvimento de habilidades sociais.

6
Todos os arranjos musicais dos projetos citados são de autoria da professora
Leise Garcia Sanches Muniz.

26
Figura 2: Performance Caminho místico nas estrelas.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2018).

Figura 3: Crianças da APAE tocando Figura 4: Miza, estudante da


instrumentos. APAE, tocando xilofone.

Fonte: Acervo da pesquisa de Martins, D. A. F. (2018).

27
2019
Neste ano, além de investigar os processos educativos
decorrentes da realização de práticas artísticas e musicais,
decidimos investigar (também) os modos de interação de
crianças com e sem deficiência em meio a essas práticas.
A intervenção, pautada na pedagogia dialógica de Freire,
contou, então, com a participação de estudantes da APAE e da
escola Bias Fortes, e as atividades se relacionaram
principalmente com a obra pianística do compositor brasileiro
Pauxy Gentil Nunes. Com base nas análises ideográfica e
nomotética (levantamento, redução e agrupamento das unidades
de significado) de 11 diários de campo, ocasião na qual as
crianças com deficiência se encontraram com as crianças sem
deficiência, (Figura 5) emergiu a matriz nomotética, com 3
categorias: A) Eles interagiram legal, eu senti coesão:
convivência e interação; B) Acho bom porque a gente aprende
as coisa nova: processos de aprendizagem; C) Outros que
brinca, eles não tão interessado, então deixa: conflitos e
negociações7.
Os resultados apontaram que práticas artísticas
desenvolvidas com pessoas com/sem deficiência são capazes de
potencializar novas habilidades, conhecimentos e promover uma
melhor convivência, mesmo em face das dificuldades
enfrentadas no dia a dia dos encontros. Ainda, fazer arte e
música no espaço da escola de música, Conservatório (Figura 6),
e não nas escolas sede das crianças com/sem deficiência, em
muito contribuiu com a promoção da interação (Figura 7).

7
Os títulos das categorias estão em itálico porque são excertos literais direto
de falas dos participantes da pesquisa.

28
Figura 5: Crianças com e sem deficiência conversando sobre as
experiências vivenciadas no projeto.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2019).

Figura 6: Crianças no palco do auditório do Conservatório construindo a


performance.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2019).

29
Figura 7: Crianças conhecendo o som da Mbila8.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2019).

Anos 2020/2021
No ano de 2020, fomos surpreendidos pela pandemia
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), causada pelo
coronavírus SARS-CoV-2, justamente no mês de março, ocasião
na qual já estávamos com os projetos de extensão e pesquisa
negociados com as escolas parceiras, Bias Fortes (educação
básica) e APAE (escola para pessoas com deficiência). Tendo
em vista as inúmeras dificuldades que se colocaram à época e
em contato com as diretoras dessas duas escolas, decidiu-se que
a APAE não participaria. Já a escola Bias Fortes, em
consonância com a Superintendência Regional de Ensino (SRE)
de Ituiutaba e de acordo com a orientações da Secretaria de

8
Instrumento de origem moçambicana, África, de nome Mbila, de
propriedade da pesquisadora. Foi confeccionado por um artesão de Maputo,
por ocasião dos estudos de Doutorado Sanduíche no Exterior (2013), parceria
entre a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/BR) e a Universidade
Pedagógica de Maputo (UP/MZ).

30
Estado da Educação de Minas Gerais (SEE/MG), concordou em
participar do projeto; já estávamos no final do mês de julho.
As atividades de extensão acompanhadas de pesquisa (os
encontros) foram realizadas de duas maneiras: modo digital,
usando-se o celular, e no modo presencial, em uma praça situada
nas proximidades da escola e no alpendre da casa de três
participantes irmãs (Figura 8). Com o objetivo de contribuir com
o processo de formação e socialização das crianças participantes
e em busca de investigar os processos educativos decorrentes
das práticas artísticas e musicais realizadas, trabalhamos no
processo de construção-reconstrução de uma performance
inspirada principalmente nas peças Funk e Tão longe da minha
janela, de Caio Senna, além de brincadeiras e jogos musicais.

Figura 8: Encontros no alpendre e na praça.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2020).

As crianças cantaram, dançaram, encenaram e tocaram


xilofones, metalofones, pandeiro e clavas. De início
participaram sete crianças, mas apenas três delas permaneceram

31
até o final das intervenções, três irmãs acompanhadas da mãe,
que também participou das atividades (Figura 9).

Figura 9: Comunidade participante.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2020).

No ano de 2021, as dificuldades ainda foram muitas.


Mas mesmo assim, o projeto foi realizado com a participação do
Conservatório, da APAE, e da escola Bias Fortes. Com os
integrantes da Orquestra de teclados, foi criada a performance
Entre cores e sons (formato digital) (Figura 10), baseada em um
arranjo para teclados, xilofones e percussão, envolvendo
também brincadeiras e interações lúdicas, das peças Cantiga de
Maria Eduarda e Lúdicas Infantis n. 1, de Rodrigo Lima. O
arranjo foi de autoria de Leise Garcia Sanches Muniz,
colaboradora nos projetos.

32
Figura 10: Performance Entre sons e cores.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2021).

2022
Neste ano, o trabalho foi realizado com as crianças da
APAE, também em parceria com o Conservatório. A
metodologia de intervenção, fundamentada nos princípios da
pedagogia dialógica e libertadora do educador brasileiro Paulo
Freire (1967, 2005, 2008), constou da construção-reconstrução
de duas performances: Godofredo caiu, inspirada no livro
homônimo de Sandra Bittencourt (2010) e Do outro lado da
vida, em homenagem ao compositor brasileiro Guilherme
Bernstein (Figura 11).
Nesse processo, prevaleceu o entendimento de que
primeiramente se educa a criança e não a criança com
deficiência, o que faz com que aflorem outros potenciais,
excluindo a ideia de que a deficiência limita a criança como um
todo. A criança não fica à mercê de suas limitações, e sim
estimulada a aprender e se desenvolver em outros âmbitos
(Vygotsky apud Ivic, 2010).
Assim, demos continuidade às atividades de extensão e
pesquisa, com os objetivos de tentar compreender de que forma

33
crianças com deficiência se envolviam na realização de práticas
artísticas e musicais e quais eram os processos educativos
decorrentes da realização dessas práticas.
Com base na análise (ideográfica e nomotética) dos
dados coletados, emergiram quatro categorias: A) Aprendendo
com Godofredo, o sapo brinquedo; B) Apenas meninas podem
ser Raikas: processos de constituição de autonomia; C) Modos
de convivência e interação; D) Vou escolher os alunos mais
espertos – pensando a relação professor/aluno9. Os resultados
apontaram que crianças com deficiência são potentes e capazes
de interagir, aprender, cantar, recriar histórias, encenar
personagens, brincar, dançar, movimentar-se, orientar-se.
No entanto, na relação professor-aluno, o processo
cuidar/educar mostrou-se muito interligado e dependente, o
cuidar sobrepôs o educar. As questões de gênero prevaleceram,
ou seja, encenar um cachorro era coisa para homens e não para
mulheres. A ideia de limitação preponderou em relação às
oportunidades – alguns podem fazer, mas outros não.
Dessa forma, compreendemos que ainda há muito o que
fazer, particularmente no que se refere ao processo de formação
de professores para crianças com deficiência.

9
Os títulos de duas das categorias estão em itálico, porque são excertos
literais de falas dos participantes da pesquisa.

34
Figura 11: Godofredo caiu e Do outro lado da vida.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2022).

2023
Neste ano avançamos nas investigações junto à APAE
(Figura 12), além de pesquisar os processos educativos
decorrentes da realização de práticas artísticas, investigamos o
vínculo materno-infantil de crianças com deficiência em meio à
realização de tais práticas. O processo de construção da pesquisa
constou de dois momentos: metodologia de intervenção
(levantamento e desenvolvimento) e metodologia de pesquisa.
Todo o trabalho foi realizado com base nos princípios
pedagógicos de Paulo Freire, na dialogicidade. O referencial

35
teórico sustentou-se, principalmente, nos conceitos de práticas
sociais e processos educativos, interculturalidade, práticas
artísticas, educação para crianças com deficiência e vínculo
materno-infantil.
De natureza qualitativa, os instrumentos de coleta de
dados foram os diários de campo, filmagens, textos escritos e
entrevistas, seguidos de análises ideográfica e nomotética.
Esse trabalho, orientado pela garantia do exercício de
direitos, possibilitou reflexões sobre os processos educativos e o
vínculo materno-infantil implicados na realização de práticas
artísticas no contexto da educação de crianças com deficiência,
contribuindo com a formação das pessoas envolvidas.
O trabalho realizado foi inspirado nas peças Canção de
Erê, Catira e Valsinha Beija Flor, de Kilza Setti, e no conto
Kilza Setti, a indagadeira de Cristina Agostinho (2023) (Figura
13), que deu nome à performance. As crianças mostraram-se
potentes na experimentação e uso dos instrumentos musicais
(xilofone, clavas e pau de chuva), ultrapassando a ideia de que
instrumentos são brinquedos.
Em relação à encenação, as crianças participaram
ativamente, mostrando-se interessadas em aprender as
movimentações, gestos, coreografia e danças propostas.
As crianças aprenderam melodias e ritmos de relativa
complexidade, como a Catira, batendo pés e palmas
alternadamente; ajudaram umas às outras na experimentação e
manuseio dos instrumentos, quando uma criança se ausentava
outra a substituía na instrumentação musical, sem prejuízo da
performance em construção; reproduziam as melodias em forma
de vocalizes e assovios; trabalharam em comunhão.

36
Figura 12: O dia a dia dos encontros na APAE.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2023).

Figura 13: Kilza Setti, a indagadeira.

Fonte: Acervo de pesquisa de Martins, D. A. F. (2023).

37
Considerações finais
De acordo com o trabalho realizado de pesquisa em
interface com a extensão, compreendemos que crianças com
deficiência são potentes e capazes de interagir, aprender, cantar,
recriar histórias, encenar personagens, brincar, dançar,
movimentar-se, orientar-se. É importante destacar que todo o
trabalho pautou-se na potencialidade das crianças e não em suas
limitações: crianças com deficiência fazem arte!
Mas, no que se refere à relação professor-aluno, o
processo cuidar/educar encontra-se ainda muito interligado e
dependente, ou seja, o cuidar sobrepõe o educar. As questões de
gênero ainda prevalecem, as funções de meninos e meninas
estão bem definidas, como: quem encena um cachorro (Tim) é
um menino e quem encena uma cachorra (Raika) é uma menina.
Ainda há coisas para mulheres e coisas para homens. A ideia de
limitação (ainda) impera sobre as oportunidades; alguns podem,
mas outros não. Merecida atenção carece ser dada ao processo
de formação de professores.
Vale ressaltar que a pesquisa, de natureza
fenomenológica, com análise dos dados coletados (ideográfica e
nomotética) – levantamento, redução e agrupamento das
unidades de sentido –, nos permite compreender de maneira
mais aprofundada as vivências e significados atribuídos pelos
participantes ao fenômeno estudado, bem como as possíveis
implicações para a prática educativa.
Trabalhos colaborativos como esses, envolvendo
diferentes pessoas de diversas instituições de ensino
(interinstitucionais), construídos a partir da diversidade humana,
implicam inúmeras dificuldades e desafios, mas, sobretudo,

38
mostram-se potentes na promoção de relações democráticas,
criativas e transformadoras.
Em consonância com os documentos legais que orientam
a educação brasileira e dada a ênfase ao repertório trabalhado
(musical e literário), composto principalmente de artistas
brasileiros (preferencialmente aos vivos), projetos como esses
testemunham ações que permanecem e permanecerão,
justamente por valorizar o humano, a arte, a cultura, a diferença,
a diversidade, a interação das diferentes culturas e, sobretudo,
pela aposta de que práticas artísticas são potentes no
desenvolvimento pessoal e social, especialmente no contexto da
inclusão de pessoas com deficiência.
Enfim, com base em uma abordagem colaborativa e
dialógica, envolvendo diferentes atores e instituições, pode-se
construir e transformar. Esperamos que este texto, relato de
nossos conhecimentos e experiências junto à UEMG, e a escolas
parceiras, como professora extensionista e pesquisadora, possa
suscitar novos questionamentos e reflexões acerca das tantas
possibilidades de realização de práticas artísticas e musicais com
crianças com deficiência, em busca de avanços epistemológicos
nas diferentes áreas do conhecimento e a ressignificação do
sentido da vida, já que Educação é para TODOS!

Agradecimentos
Agradecemos ao Programa Institucional de Apoio à Extensão
(PAEx/UEMG), ao Programa Institucional de Apoio à Pesquisa
(PAPq/UEMG) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de Minas Gerais (FAPEMIG), que nos apoiaram com o
financiamento das pesquisas e bolsas de estudos dos estudantes
de graduação.

39
Referências
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2023. [conto não publicado].
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40
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41
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42
CAPÍTULO II

O PROJETO RONDON COMO FORMADOR DE


CIDADÃOS E PROFISSIONAIS TRANSFORMADORES

Larissa Romanello
Baruana Calado

Introdução
O Projeto Rondon é uma ação interministerial do
Governo Federal que busca soluções para o desenvolvimento,
integração social e construção de cidadania sustentável em
comunidades em situação de vulnerabilidade social, a partir da
participação de Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras
na formação de agentes multiplicadores, a fim de melhorar a
qualidade de vida das comunidades atendidas pelas operações
rondonistas (Spiazzi, 2011).
Além disso, o Projeto oportuniza aos estudantes do
ensino superior a aplicação de conteúdos técnicos e valores
humanos ensinados nas IES, aproximando-os da realidade e
demandas de diferentes localidades do Brasil (Brasil, 2024).
Falamos, portanto, de uma experiência acadêmica e cívica.
Nas ações do projeto são contemplados os seguintes
objetivos (Brasil, 2024):

43
i. capacitar agentes multiplicadores para o
desenvolvimento de ações, projetos e atividades que promovam
soluções e/ou mitigação de problemas, demandas locais e
regionais;
ii. promover ações e atividades que contemplem os 17
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Brasil,
contribuindo para acabar com a pobreza, proteger o meio
ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os
lugares, possam desfrutar de qualidade de vida, trabalho
decente, paz e prosperidade;
iii. promover intercâmbio de conhecimentos e ações
entre a Universidade e outros setores da sociedade com o
compromisso e responsabilidade social da IES, fortalecendo seu
perfil extensionista e ampliando oportunidades de
fortalecimento do Núcleo Rondon na IES; e
iv. proporcionar aos estudantes e professores
universitários o exercício da cidadania e reflexão sobre suas
responsabilidades como cidadãos-transformadores e futuros
profissionais no âmbito cultural, social, pessoal, ambiental e
humano.
A partir de tais objetivos, temos que, do ponto de vista
acadêmico, o Projeto Rondon é um projeto de extensão. A
extensão universitária é um dos pilares constitucionais do ensino
superior, sendo fundamental para desenvolver um pensamento
crítico que motiva a ação para transformar a realidade
(Casimiro, 2014).
Dessa forma, o Projeto Rondon busca gerar e
compartilhar conhecimentos visando mudanças que promovam a
transformação social, tanto no município que recebe a
intervenção quanto nos futuros campos de atuação dos alunos e

44
futuros profissionais (Abranches; Melo; Ávila, 2009; Bueno,
2019; Barros; Silva; Santos, 2019).
É nesse contexto que trazemos, neste capítulo, relatos de
estudantes extensionistas que participaram de operações do
Projeto Rondon e que exitosamente demonstram, como se verá
adiante, o alcance dos objetivos do Projeto.
As vivências aqui relatadas são expressões dos
resultados de atividades experimentais que envolveram a
passagem da teoria aprendida na universidade à prática das
trocas de conhecimentos nas comunidades. Esse processo de
ensino-aprendizagem baseia-se na teoria dos Três Momentos
Pedagógicos (problematização inicial, organização e aplicação
do conhecimento) de Demétrio Delizoicov Neto (1982), o qual
aprimorou a concepção da construção do conhecimento
científico na perspectiva emancipadora de Paulo Freire (1975).
Os relatos são de rondonistas dos cursos de Agronomia,
Ciências Biológicas, Direito, Educação Física e Psicologia da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba, que participaram das Operações Amapá (2022), Portal
do Sertão/BA (2023), Sentinelas Avançadas/RO (2023) e Onça
Cabocla/ Norte de MG (2024). Antes, porém, destacaremos os
procedimentos metodológicos que envolvem as operações
vivenciadas pelos estudantes.

Metodologia
A proposta de executar um plano com diversas
atividades, por meio da mútua cooperação entre equipe
transdisciplinar e unificada com outra IES representante, sob o
propósito de promover ações que visam à capacitação da
comunidade e agentes multiplicadores para o desenvolvimento

45
local sustentável e autogestão, justifica que cada intervenção
sugerida fosse delineada prezando-se pela interdisciplinaridade,
criatividade, plenas condições de realização pela própria
comunidade e especialmente focada nas necessidades e
potenciais do município.
Assim, as propostas de trabalho apresentadas pelas IES,
constituem 2 conjuntos prioritários de ações:
Conjunto A: Cultura, Educação, Saúde, Direitos
Humanos e Justiça, e para o Conjunto de Ações B:
Comunicação, Meio Ambiente, Tecnologia e Produção e
Trabalho.
As propostas de ações incluem um diagnóstico
estruturado, a partir de uma primeira aproximação com dados e
informações sobre a região geográfica atendida, as diferentes
comunidades ali presentes e as demandas locais que explicitam
oportunidades de desenvolvimento endógeno. A partir de então,
tratamos das intervenções sugeridas para a Operação com
descrição das atividades, justificativas e impactos sociais
esperados.
Por fim, é apresentado o cronograma sugerido pela IES,
a ser complementado durante e após a viagem precursora,
momento no qual se conhecerá de maneira mais aprofundada o
município no qual se desenvolverá a operação e quais possíveis
aprimoramentos poderão ser implementados a partir das trocas
com gestores e representantes comunitários.
As Operações do Projeto Rondon ocorrem a cada 6
meses em diferentes regiões do Brasil previamente selecionadas,
priorizando-se regiões Norte e Nordeste e aquelas em situação
de vulnerabilidade social (Brasil, 2024).

46
As Instituições de Ensino Superior (IES) participantes
são selecionadas através de edital e ranqueamento de notas
relativas a avaliação de um plano de trabalho para a região
elaborado pela IES que inclui um diagnóstico social e as
oficinas que a IES deve desenvolver localmente. Após a seleção
e antes da operação, os professores coordenadores das equipes
realizam uma viagem precursora de visita ao município de
atuação designado, a fim de aprimorar o plano de trabalho
inicial de acordo com as demandas locais identificadas e
tratativas com a gestão municipal, organizações, movimentos
sociais, cooperativas etc.
As ações in loco têm duração média de 18 dias e
ocorrem simultaneamente, geralmente, em 12 municípios. Cada
município recebe, durante esse período, 2 equipes
interdisciplinares de IES diferentes com 10 integrantes cada,
compostas por 2 professores e 8 estudantes. Essas equipes são
responsáveis pelo desenvolvimento de um conjunto de ações
chamados de A (Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação
e Saúde) e um conjunto de ações B (Trabalho, Comunicação,
Tecnologia e Meio Ambiente).
Essas ações incluem oficinas, rodas de conversa,
palestras, cursos de formação, jornadas pedagógicas, atividades
culturais e recreativas com o objetivo de contribuir com o
desenvolvimento social sustentável através da formação de
agentes multiplicadores.
A base de apoio das operações são batalhões militares
que alojam os 250 rondonistas (240 de conjuntos A e B e 10 de
cobertura midiática da Operação) e, posteriormente, auxilia no
deslocamento aos municípios de atuação.

47
A UEMG Ituiutaba no Projeto Rondon: alguns relatos
Até o momento, a UEMG Unidade Ituiutaba participou
de operações nos Estados do Amapá (2022), Rondônia (2023),
Bahia (2023) e Minas Gerais (2024). Vale destacar que o êxito
dessas participações pôde ser comprovado quando, em março de
2023, a Operação Portal do Sertão rendeu à UEMG Ituiutaba e
ao Projeto Rondon menção honrosa declarada pela prefeitura de
Caetanos-BA, e em outubro do mesmo ano, uma homenagem da
casa militar do Governo de Rondônia pela Operação Sentinelas
Avançadas em razão das ações de cultura, educação, saúde,
direitos humanos e justiça ali realizadas por discentes e docentes
da Universidade (Agência Minas, 2023).
A fim de compartilhar as ricas vivências durante as
quatro operações, alguns dos estudantes rondonistas foram
convidados a se expressar livremente sobre sua experiência, com
a proposta de expor como foi participar do Projeto Rondon, o
que foi ensinado e aprendido e como isso os transformou.
Temos, agora, a oportunidade de desfrutar de suas reflexões.

Laila - Estudante de Psicologia – Amapá AP (2022) (Figura


1)
“Participei do Rondon em 2022, foi a primeira equipe
da UEMG em uma edição do projeto e fomos para
Tartarugalzinho – AP. Sempre que conto para alguém da minha
participação sinto que não consigo descrever tudo que vivi e
tudo que senti, mas eu nunca deixo de contar que a minha
equipe foi a melhor que eu poderia ter. Construímos um laço e
mesmo agora, depois de formada em Psicologia, cursando o
mestrado e vendo meus colegas seguindo suas vidas, ainda
estamos conectados pela experiência que vivemos, inclusive

48
com a população que continuamos acompanhando e celebrando
as conquistas da cidade. Na minha equipe cada pessoa era
responsável por um setor, mas todos nós ajudávamos uns aos
outros em suas áreas. Estive a frente principalmente de oficinas
voltadas para cultura, saúde e educação como a oficina de
educação em sexualidade, musicalização infantil para crianças
e formação para professores e a roda de mulheres sobre
violência doméstica que faz parte do eixo de direitos humanos e
justiça. Em todo meu trabalho no projeto tentei ser presente!
Presente na escuta, no interesse verdadeiro de compreender
uma realidade tão diferente daquela população. E em alguns
momentos era o que poderíamos proporcionar, o nosso afeto.
Em troca a população nos acolheu, e não trabalhamos de forma
vertical, mas sim horizontal trocando experiências como na
oficina de mandalas que após poucos minutos as artesãs já
estavam desenvolvendo suas próprias técnicas ou na oficina de
sabão que uma comunidade inteira se juntou para aprender
como fazer e juntos produzimos. A partilha para mim foi o mais
marcante, porque as pessoas estavam abertas a ouvir o
conhecimento que eu levei de Minas Gerais e dispostas a
falarem, refletirem e se transformarem no nosso encontro.”

Miguel - Estudante de Ciências Biológicas – Operação Portal


do Sertão BA (2023) (Figura 2)
“O Rondon foi sem dúvidas, uma das maiores
experiências que tive e que terei durante toda a minha vida!
Como estudante, foi uma oportunidade sensacional, participar
de um projeto com o tamanho e a importância do Rondon é sem
dúvidas uma oportunidade que não é possível para grande parte
dos estudantes de graduação. Pensando como estudante de
licenciatura, o Rondon foi a maior sala de aula na qual eu

49
poderia ter entrado. Tudo que eu havia estudado e pensado, e
ainda muito mais eu consegui por enquanto prática, mas a
maior surpresa foi ver que mesmo na posição de professor, mais
aprendi do que ensinei. E acima de tudo, como pessoa, o
Rondon foi o maior divisor de águas da minha vida. Tudo que
conheci, que presenciei, que escutei, enfim, tudo que vivi lá me
ajudou a repensar meu modo de ser e meu modo de agir para
com o mundo ao meu redor, tentando sempre ser o meu melhor,
pra conseguir fazer a diferença na vida das pessoas e na
sociedade, como um dia consegui fazer graças a esse projeto
maravilhoso!!!”

Figura 1: Foto de Laila Menezes, Figura 2: Foto de Miguel Henrique


estudante de Psicologia, na Lopes Andrade, estudante de
Operação Amapá, 2022. Ciências Biológicas, na Operação
Portal do Sertão, 2023.

Fonte: Acervo pessoal de Fonte: Acervo pessoal de Andrade,


Menezes, L. (2022). M. H. L. A. (2023).

50
Gabriel - Estudante de Agronomia – Operação Portal do
Sertão BA (2023) (Figura 3)
“Eu digo que o Rondon foi a experiência que deu sentido
a minha vida, pelos aspectos socioculturais envolvidos, pela
troca de conhecimento entre nós rondonistas e toda sociedade,
pelo laço familiar que a equipe criou e principalmente por abrir
portas. Portas essas que as vezes acabam sendo fechadas diante
de uma realidade tão vulnerável. Fiquei responsável por
desenvolver oficinas relacionadas ao cultivo orgânico de
hortaliças, construção de hortas sustentáveis, assim como o
consumo saudável de alimentos e o olhar de esperança
principalmente das crianças vendo que seria uma missão
trabalhosa produzir alimentos em uma área com poucos
recursos foi o que me motivou e me transformou em várias
formas. Mais generoso, mais caridoso, mais observador, mais
sensível, menos egoísta, mais humano. E continua me
transformando... Orgulho de ser rondonista.”

Thaylor - Estudante de Direito – Operação Portal do Sertão


BA (2023) (Figura 4)
“Bom o que falar do projeto RONDON, são palavras e
sentimentos que apenas em palavras são difíceis de descrever,
são um conjunto de emoções que se convive de aluno e
sociedade, moldando a visão e experiencia do discente. Sendo
um estudante do direito, após a seletiva fiquei responsável pelas
oficinas de aposentadoria rural e ensino as práticas de luta
(sendo um praticante há tempos), mas sendo um rondonista, não
se para pôr aí, pois ficamos atentos as peculiaridades da região
designada, e moldando os planejamentos ao que melhor
atenderia a comunidade. Chegamos com um olhar de ajuda e

51
experiências vividas por cada universitário, querendo passar o
melhor de nossas experiências e conhecimento para melhor
atender, e com o desempenhar do processo, acabamos nutridos
com o espírito de convivências e solidariedade, conhecendo
histórias e modos de viver de cada cidadão, mas ao percorrer
do final do percurso, fiquei com o pensamento de que fui mais
ajudado pelos ensinamentos dos moradores, do que eu pude
cooperar, mas com uma finalidade de dever cumprido com o
final da jornada, deixando apenas uma palavra de
demonstração de todo o processo que presenciei, que se chama
“GRATIDÃO”, então acho que foi algo que me mudou e
continua mudando, com uma perspectiva de que como pessoa
posso fazer algo de melhor para ajudar os demais.”

Figura 3 (à esquerda) foto de Gabriel Garcia Pereira Santos, estudante de


Agronomia e Figura 4 (à direita) foto de Thaylor Vitor de Souza, estudante
de Direito, ambos na Operação Portal do Sertão, 2023.

Fonte: Acervo pessoal de Santos, G. G. Fonte: Acervo pessoal de Souza, T.


P. (2023). V. (2023).

52
Amanda - Estudante de Psicologia – Operação Portal do
Sertão BA (2023) (Figura 5)
“Participar do projeto RONDON com certeza está entre
minhas memórias mais especiais. Hoje atuando como psicóloga
de crianças, relembro com carinho de tudo que vivi, troquei e
aprendi com as crianças de Caetanos, no sertão da Bahia. Com
elas partilhei parte do meu conhecimento e recebi em troca o
melhor de todos os ensinamentos: o afeto. O afeto, o cuidado, a
sensibilidade… Foi uma imensa oportunidade de colocar em
prática todo aprendizado adquirido durante a graduação, mas
costumamos dizer que mais aprendemos do que ensinamos. Foi
partilha, via de mão dupla. Doamos muito e recebemos em
dobro! RONDON e Caetanos sempre comigo.”

Victoria - Estudante de Psicologia – Operação Portal do


Sertão (2023) (Figura 6)
“O Projeto RONDON foi uma experiência incrível e
transformadora na minha vida! Além de aprender um monte de
estratégias para resolver problemas com outros rondonistas,
tive a chance de me conectar de verdade com a comunidade
local. Conhecer a cultura nordestina, que até então era um
mundo novo para mim, foi revelador! Fiquei encantada com a
energia contagiante do forró e do axé, e com o valor que dão ao
artesanato, seja na confeitaria ou nas esculturas de madeira,
além do cordel, que ganhou meu coração! Minha atuação no
projeto focou nas demandas de saúde. Conduzi rodas de
conversa com profissionais de saúde, organizei a arrecadação
de livros para montar uma biblioteca e realizei palestras em
salas de espera sobre o uso de medicamentos. Também tive a

53
oportunidade de dialogar com adolescentes sobre sexualidade
em rodas de conversa. Foi uma experiência que me fez crescer
muito, tanto pessoal quanto profissionalmente, colocando em
prática tudo o que aprendi e me ensinando muito com a
comunidade e com meus colegas de projeto.”

Figura 5 (à esquerda) foto de Amanda Svenson, estudante de Psicologia e


Figura 6 (à direita) foto de Victoria Luna de Oliveira, estudante de
Psicologia, ambas na Operação Portal do Sertão, 2023.

Fonte: Acervo pessoal de Svenson, Fonte: Acervo pessoal de Oliveira,


A. (2023). V. L. (2023).

Amanda - Estudante de Psicologia – Operação Sentinelas


Avançadas RO (2023) (Figura 7)

54
“O Rondon foi uma experiência muito mais do que
acadêmica para mim. Foi encontrar valor nas trocas de afetos
com pessoas de realidades muito diferentes e ir para casa com a
certeza de que aprendi muito mais do que ensinei. Tive mais
trocas com o público adolescente e, em meio às oficinas de
saúde mental e orientação de carreira, pude ensinar mais sobre
as escolhas profissionais não serem uma sentença de vida, além
de trabalhar sobre a perspectiva de futuro de uma forma mais
flexível. Mas também consegui aprender muito mais sobre o
contexto de vida dos jovens e como isso estrutura os sonhos e
objetivos de cada um. Essa oficina em especial me atravessou
de forma única porque foi transformador observar como
experiências (mesmo coletivas) produzem potenciais individuais
e únicos, a ponto de conseguir lembrar de cada angústia
compartilhada por eles sobre fim do ensino médio e pressão por
entrar na faculdade ou mercado de trabalho. A experiência de
ser rondonista impactou a minha forma de olhar as relações
com mais sensibilidade, encontrar afeto nas pequenas coisas e
compreender que muito mais do que ensinar: estar disposta a
aprender com uma realidade nova.”

Nathália - Estudante de Ciências Biológicas – Operação


Sentinelas Avançadas RO (2023) (Figura 8)
“Participar do Projeto Rondon foi uma experiência
transformadora para mim. Essa vivência me proporcionou um
olhar mais sensível para os detalhes da vida e uma percepção
diferente do mundo. Durante a minha jornada, tive a
oportunidade de ensinar sobre educação sexual, noções básicas
de biologia e sustentabilidade, além de colaborar em diversas
outras oficinas. Aprendi imensamente com os universitários da
equipe, o que foi extremamente enriquecedor e acolhedor. Além

55
de compartilhar conhecimento, aprendi muito com os moradores
locais, especialmente com as crianças e estudantes, que me
mostraram novas formas de ver o mundo e me ensinaram sobre
respeito e afeto. A interação com outras universidades, a
imersão em uma nova comunidade, região e cultura, e a
experiência de sair totalmente da zona de conforto foram
essenciais e significativas para essa vivência transformadora.
Essa experiência ampliou minha visão sobre o impacto social
que a educação pode ter.”

Figura 7 (à esquerda) foto de Amanda Vieira Simolini, estudante de


Psicologia e Figura 8 (à direita) foto de Nathalia Mattos dos Anjos,
estudante de Ciências Biológicas, ambas na Operação Sentinelas
Avançadas, 2023.

Fonte: Acervo pessoal de Simolini, A. Fonte: Acervo pessoal de Anjos,


V. (2023). N. M. (2023).

56
Nathaly - Estudante de Psicologia – Operação Sentinelas
Avançadas RO (2023) (Figura 9)
“O Rondon foi uma grande e valiosa surpresa na minha
graduação, que eu guardo com muito carinho. A possibilidade
dos encontros e vivências propiciadas é algo que deu ao meu
trajeto na faculdade um outro olhar, porque fui na intenção de
transformar e saí transformada. Pude compartilhar dos meus
conhecimentos, não só os acadêmicos, mas aqueles singulares
que aprendi ao longo da vida, e ganhar de presente as
singularidades dos outros, e aqui, falo sobre uma população de
diferentes culturas das minhas, mas que compartilha a mesma
brasilidade, me mostrando que ela é plural até nos pequenos
detalhes. Comi comidas diferentes, ouvi músicas, troquei
vivências, me permiti rir e chorar, falei de mim e escutei, e
aprendi, aprendi muito, com os colegas que foram comigo, com
os que encontrei ao longo da viagem, com os professores que
acreditaram em mim enquanto estudante e "protagonista", com
as crianças, que têm um lugarzinho especial no meu coração,
com rondonistas e rondonienses, com perrengues e
gargalhadas, com os lugares que vi e com as histórias que ouvi,
que me permitiram escrever mais um pedacinho da minha.
Como estudante de psicologia que fui, sinto que foi uma
experiência de trocas que me colocaram em contato com coisas
que aprendi na faculdade de maneira prática e real - me
mostrando, principalmente, que o "ideal" nem sempre é ideal -,
em grandes e pequenos momentos, que no fim, eram grandes
também, porque aprendi. Como pessoa, não só psicóloga, que
agora sou, mas em totalidade, aprendi, me emocionei,
experimentei, dancei, cantei, fiquei sem voz, ouvi, me angustiei,
me preocupei, me aliviei, entendi, desentendi e entendi de novo,
pensei, elaborei, estudei e improvisei, e no fim de tudo, vivi, e

57
gostei de ter vivido! Guardo tudo na memória e, com as
lembranças, sinto no coração!”

Pedro - Estudante de Psicologia – Operação Sentinelas


Avançadas RO (2023) (Figura 10)
“Fui Rondonista no Projeto Rondon na Operação
Sentinelas Avançadas como estudante de psicologia. Participar
desse projeto foi uma experiência única e transformadora. Sair
do ambiente acadêmico e conduzir oficinas em outro Estado
não apenas enriqueceu minha formação acadêmica, mas
também meu desenvolvimento profissional na psicologia.
Durante o projeto, tive a oportunidade de participar de oficinas
focadas em saúde mental, masculinidades e psicomotricidade.
Essas experiências práticas foram fundamentais para aplicar e
aprofundar o conhecimento adquirido na teoria. Colocar em
prática o que aprendi me ajudou a descobrir minhas áreas de
interesse e a definir melhor o que me motiva dentro da
psicologia. Além disso, o projeto me proporcionou um
aprendizado valioso sobre a região e as culturas locais.
Compreender e interagir com diferentes contextos culturais
ampliou minha visão sobre a complexidade do ser humano,
mostrando a importância de considerar a diversidade na
prática profissional. Esse projeto não apenas ampliou minha
visão acadêmica e profissional, mas também me transformou
pessoalmente. Enfrentar os desafios locais e me adaptar às
necessidades e realidades locais fortaleceu minha resiliência e
empatia. A experiência me ajudou a me tornar um profissional
mais atento e consciente das nuances culturais e sociais, e me
inspirou a buscar continuamente formas de contribuir
positivamente para a vida das pessoas. “

58
Figura 9 (à esquerda) foto de Nathaly Mayra Borges de Souza, estudante
de Psicologia e Figura 10 (à direita) foto de Pedro Forini, estudante de
Psicologia, na Operação Sentinelas Avançadas, 2023.

Fonte: Acervo pessoal de Souza, N. M. Fonte: Acervo pessoal de


B. (2023). Forini, P. (2023).

Pedro - Estudante de Educação Física – Operação Onça


Cabocla no Norte de MG (2024) (Figura 11)
“Participar do Projeto Rondon foi uma experiência
incrível. Desde o início, eu sabia que seria um desafio: chegar a
um lugar diferente, conhecer novas pessoas, entender a
realidade de diversas comunidades e, de alguma forma,
contribuir para o desenvolvimento e a sustentabilidade desses
locais. Foi extremamente gratificante. Uma das coisas que mais
59
me cativou foi conhecer outras pessoas dispostas a deixar o
conforto de seus lares para ajudar o próximo. Ao longo da
jornada, fiz muitas amizades. Juntos, rimos, choramos,
sofremos, vencemos e nos tornamos uma verdadeira família. O
Projeto Rondon não se trata apenas de ir a um lugar qualquer e
ministrar cursos. Trata-se de mudar a realidade de pequenas
comunidades a partir dessas iniciativas, observando como elas
realmente impactam a vida das pessoas e se atendem às suas
necessidades. Essa experiência abriu nossos olhos para a
importância de refletirmos sobre o valor que damos ao que
temos. Aprendemos o valor das coisas simples e básicas, que
nem todos têm à disposição.”

Zé - Estudante de Direito PCD – Operação Onça Cabocla no


Norte de MG (2024) (Figura 12)
“Foi uma experiência única, onde conheci pessoas
sensacionais e extraordinárias. Ensinei a fazer ar-condicionado
sustentável de garrafa pet, além das oficinas de direito. Mas
aprendi que a felicidade não está em grandes coisas, mas de
saber aproveitar as pessoas que estão perto da gente. Cada
lugar visitado sempre tinha um sorriso no rosto das pessoas
mesmo com "pouco" que tinham”.

60
Figura 11 (à esquerda) foto de Pedro Henrique de Oliveira e Silva,
estudante de Educação Física; Figura 12 (à direita) foto de José Wedson
Oliveira Rufino, estudante de Direito, ambos na Operação Onça Cabocla,
2024.

Fonte: Acervo pessoal de Silva, P. H. Fonte: Acervo pessoal de Rufino,


O. (2024). J. W. O. (2024).

Considerações finais
A convivência proporcionada durante as ações
extensionistas do Projeto Rondon implica na formação de um
ambiente de aprendizagem mais ético e humano. Sair do
contexto acadêmico e disciplinar da Universidade promove a
apreensão e troca de conhecimentos com a comunidade e o
desenvolvimento de novas habilidades, provocando nos

61
rondonistas profundas reflexões sobre o conhecimento popular e
problemas sociais inerentes a realidades muitas vezes distintas
das que vivem.
Dessa forma, os estudantes podem absorver na prática
diária, nos dias que estiverem em operação, o exercício da
cidadania com enfoque coletivo, refletindo sobre suas
responsabilidades como cidadãos-transformadores e futuros
profissionais, sejam elas no âmbito cultural, social, pessoal,
ambiental e humano, como demonstram os relatos aqui trazidos.

Agradecimentos
Agradecemos à Pró-reitoria de Extensão e ao Programa
Institucional de Apoio à Extensão (PAEx/UEMG), ao Projeto
Rondon, coordenado pelo Ministério da Defesa e todos os
rondonistas.

Referências
ABRANCHES, M.; MELO, H. L.; ÁVILA, L. L. Extensão
Universitária para o desenvolvimento de comunidades: atuação
do projeto Rondon Minas. In: SEMINÁRIO DE EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: formação acadêmica e compromisso social,
IV, 2009. Belo Horizonte/MG. Anais...
AGÊNCIA MINAS. UEMG e Projeto Rondon recebem
menção honrosa do município de Caetanos. 07 Mar. 2023.
Disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/sala-de-
imprensa/uemg-e-projeto-rondon-recebem-mencao-honrosa-do-
municipio-de-caetanos. Acesso em 14 Set. 2024.

62
BARROS, J. S.; SILVA, M. R.; SANTOS, E. A. Projeto
Rondon: Uma lição de vida e de cidadania. Mundo Rondon:
Revista do Projeto Rondon, Ano IV, 4. ed., p. 08-09, 2019.
BRASIL. Ministério da Defesa. Projeto Rondon. Disponível
em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/projeto-rondon.
Acesso em 14 Set. 2024.
BUENO, C. S. C. A experiência de ser uma rondonista. Mundo
Rondon: Revista do Projeto Rondon, Ano IV, 4. ed., p. 06-07,
2019.
CASIMIRO, L. Projeto Rondon: uma lição de cidadania
extensão. Revista Monografias Ambientais (REMOA), Santa
Maria/RS, v. 13, n. 05, p. 4028-4033, 2014.
DELIZOICOV NETO, D. Concepção problematizadora do
ensino de ciências na educação formal: relato e análise de uma
prática educacional na Guiné Bissau. 1982. 227 f. Dissertação
(Mestrado) – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP,
1982.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/RJ: Paz e
Terra, 1975.
SPIAZZI, D. T. Memorial Projeto Rondon: um espaço de
pesquisa, preservação e valorização da história do Projeto
Rondon da UFSM. 2011. 147 f. Dissertação (Mestrado em
Patrimônio Cultural) – Centro de Ciências Sociais e Humanas,
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS,
2011.

63
CAPÍTULO III

MATERIAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


ADAPTADAS: integrando saberes para a educação especial

Arianne Santos Medeiros Souza


Arlinda Ferreira Gonçalves
Arali Aparecida da Costa Araujo

Introdução
O presente texto busca discorrer acerca da educação
especial no que tange ao seu histórico, desafios e apresentar uma
prática pedagógica desenvolvida em uma escola pública da
cidade de Gurinhatã/MG.
A educação especial e inclusiva tem evoluído
significativamente ao longo dos anos, buscando atender às
necessidades específicas dos alunos com deficiências e
necessidades especiais. Contudo, a prática da inclusão ainda
enfrenta muitos desafios, especialmente no contexto das escolas
regulares.
A inclusão escolar de estudantes com necessidades
especiais vai além da adaptação curricular, ela trata de uma
reformulação completa da abordagem educacional, que envolve
desde a formação inicial de professores até a adaptação de
materiais pedagógicos da Educação Básica. Nesse sentido,

64
compreender a história e os desafios atuais da educação
inclusiva é fundamental para promover uma educação de
qualidade para todos.
A evolução da educação especial reflete um movimento
contínuo em direção à inclusão, mas esse progresso não é linear.
Historicamente, pessoas com deficiência foram marginalizadas e
excluídas do sistema educacional (Santos; Mendes, 2018). Esse
período de exclusão mostra o quanto a sociedade precisou
evoluir para alcançar o estágio atual, no qual a inclusão se
tornou um objetivo, ainda que não plenamente realizado.
A partir do século XX, o ideário de inclusão começou a
ganhar força, devido a uma efervescente conscientização dos
direitos humanos – que foi impulsionada por declarações como:
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de
1948; a Declaração sobre os Direitos da Criança (1959); a
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975) e a
Declaração de Salamanca (1994). Elas serviram para afirmar a
ideia de que todas as crianças têm o direito de aprender
coletivamente.
Tais documentos serviram como reflexão para a
elaboração das normativas que surgiriam no Brasil, como a
Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e a Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) da Educação Nacional de 1996 (Brasil, 1996).
Assim como Matos et al. (2023, p. 54), compreendemos
que a Educação Especial garante (ou deveria garantir) que todos,
“independentemente de suas diferenças e necessidades, tenham
acesso a uma educação de qualidade”, almejando o
desenvolvimento integral dos alunos. A inclusão não deve ser
vista apenas como uma obrigação legal, mas como uma
oportunidade para enriquecer o ambiente educacional. Quando

65
os professores e as escolas se comprometem com a inclusão,
todos os alunos se beneficiam.
Portanto, a educação inclusiva não é apenas uma questão
de integrar alunos com necessidades especiais nas salas de aula
regulares, mas de garantir que todos os alunos tenham acesso à
educação de qualidade, adaptada às suas necessidades
individuais. A construção de uma escola verdadeiramente
inclusiva envolve a colaboração entre todos os atores do
processo educacional, incluindo professores, alunos, gestores e a
comunidade em geral.
Neste capítulo, serão explorados o desenvolvimento
histórico da educação inclusiva, os desafios enfrentados pelas
escolas na implementação da inclusão e as práticas pedagógicas
que têm se mostrado eficazes na promoção de uma educação
inclusiva, além de apresentarmos a intervenção realizada em
uma escola pública do município de Gurinhatã/MG. Ao analisar
essas questões, busca-se oferecer uma compreensão abrangente
da importância da educação especial e inclusiva e das estratégias
necessárias para sua implementação bem-sucedida.

Educação Inclusiva: breve histórico e desafios enfrentados e


a enfrentar
O desenvolvimento da educação inclusiva é marcado por
uma construção histórica que reflete as transformações sociais e
políticas relacionadas ao tratamento e à educação das pessoas
com deficiência. Antes do século XIX, essas pessoas eram
excluídas, vistas como indignas de educação, sendo até
marginalizadas ou mesmo eliminadas das sociedades (Veiga-
Neto, 2011). Essa exclusão sistemática era um reflexo da
sociedade vigente à época, na qual a educação era um privilégio

66
destinado apenas a uma minoria economicamente privilegiada,
enquanto aqueles com deficiências eram relegados a uma
posição de inferioridade social.
No entanto, à medida que o século XIX avançava,
começaram a surgir movimentos em prol da educação de
pessoas com deficiência, embora de forma ainda segregada.
Movimentos como a fundação de escolas específicas e a
aplicação de métodos educacionais adaptados começaram a
moldar a educação especial, embora essas abordagens ainda
fossem excludentes. Foi a partir da década de 1960 que o
conceito de integração começou a emergir, e, mais tarde, na
década de 1980, a inclusão passou a ser promovida como uma
perspectiva que respeita a diversidade e garante igualdade de
oportunidades dentro do sistema educacional (Matos et al.,
2023).
As pessoas com deficiência eram educadas em
instituições separadas, que privilegiavam o cuidado e a
reabilitação em detrimento a educação propriamente dita. Esse
modelo segregacionista perpetuou a ideia de que essas pessoas
eram fundamentalmente diferentes e, portanto, necessitavam de
um ambiente educacional distinto dos demais (Amaral, 2001).
Foi somente no século XX que as ideias de inclusão
começaram a ganhar força, devido a uma crescente
conscientização dos direitos humanos impulsionada por
documentos como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948; a Declaração sobre os Direitos da Criança
(1959); a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes
(1975) e a Declaração de Salamanca (1994), que orientaram as
práticas inclusivas, promovendo avanços significativos na
educação especial e na evolução dos princípios e práticas
educacionais (Matos et al., 2023).

67
Essas declarações foram marcos importantes para
asseverar a ideia de que todas as crianças, sem ter em conta suas
capacidades, têm o direito de aprender coletivamente. Entre os
princípios fundamentais da escola inclusiva, conforme
estabelecido na Declaração de Salamanca, estão: I) o direito à
educação, com ensino em “nível aceitável de aprendizagem”
(UNESCO, 1994, p. 2) e, II) a necessidade de planejar sistemas
e programas de ensino de modo a respeitar a diversidade das
características e necessidades individuais (UNESCO, 1994).
No mais, elas proporcionaram mudanças legislativas e
normativas que refletiram uma nova visão sobre a educação, que
passou a ser considerada um direito universal e não mais um
privilégio. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (Brasil,
1988) e a LDB de 1996 (Brasil, 1996) foram instrumentos
fundamentais na impulsão da inclusão escolar. A LDB, em
particular, estabeleceu que a educação especial deve ser
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, um
avanço significativo em direção à inclusão (Brasil, 1996).
Assim como Matos et al. (2023, p. 54), compreendemos
que a Educação Especial garante (ou deveria garantir) que todos,
“independentemente de suas diferenças e necessidades, tenham
acesso a uma educação de qualidade”, almejando o
desenvolvimento integral dos alunos.
Nesse contexto, a inclusão escolar passou a ser entendida
não apenas como a integração física dos alunos com deficiência
nas salas de aula regulares, mas como a necessidade de
reformular todo o sistema educacional para que ele seja
verdadeiramente inclusivo. Isso inclui a adaptação de currículos,
métodos de ensino e avaliação, além da formação contínua dos
professores para que possam atender às necessidades de todos os
alunos (Carvalho, 2000).

68
A educação inclusiva, portanto, representa uma mudança
de paradigma na forma como a sociedade enxerga a educação
das pessoas com deficiência. Em vez de vê-las como incapazes
ou necessitadas de um ambiente educacional separado, a
inclusão reconhece que todos os alunos têm o direito de
aprender juntos e que as diferenças devem ser valorizadas como
parte do processo educacional. Esse movimento em direção à
inclusão reflete uma compreensão mais ampla de que a
diversidade é uma riqueza e que a educação deve ser um meio
para promover a igualdade de oportunidades.
Todavia, apesar da criação de documentos normativos
favoráveis à educação inclusiva e de alguns avanços nas
políticas públicas, as escolas e os sistemas educacionais
enfrentaram e ainda enfrentam inúmeros desafios para
implementar um modelo de fato inclusivo.
A implementação da educação inclusiva enfrenta
desafios que vão desde a formação dos professores, passando
pela infraestrutura das escolas, pela comunidade escolar e até
mesmo pelo processo avaliativo dos alunos. Embora a legislação
brasileira tenha avançado em termos de inclusão, a realidade nas
escolas ainda é marcada por práticas excludentes e pela falta de
recursos para atender adequadamente às necessidades de todos
os alunos.
Um dos principais desafios está na formação dos
educadores, visto que, alguns (ou vários) sentem-se
despreparados/inseguros para lidar com a diversidade presente
em suas salas de aula, especialmente no que diz respeito a
alunos com deficiências. Isso se deve a uma formação inicial
que, por vezes, não abarca a amálgama diversa de alunos, e
ainda há falta de formação continuada voltada à educação
inclusiva, perpetuando assim práticas pedagógicas tradicionais

69
que não atendem às necessidades desse público. Para Silva
(2008), a instauração de um sistema educacional inclusivo:
pressupõe um rompimento de concepções tradicionais de
educação, aluno e de escola. Não apenas o aluno é
atendido em suas diversidades como também o professor
recebe apoio para que se alcance uma educação de
qualidade (Silva, 2008, p. 38).
Outro desafio significativo é a infraestrutura das escolas,
visto que existem instituições de ensino que não estão
preparadas para receber alunos com necessidades especiais, seja
por falta de acessibilidade física, como rampas e elevadores, seja
pela ausência de materiais pedagógicos adaptados.
A falta de recursos financeiros também limita a
capacidade das escolas de investir em tecnologias assistivas, que
poderiam facilitar o processo de aprendizagem para alunos com
deficiência. Esse cenário reflete a desigualdade no acesso à
educação de qualidade e reforça a exclusão de alunos com
necessidades especiais do sistema educacional regular (Lino,
2006).
A resistência à mudança é outro obstáculo à inclusão. A
cultura escolar, por vezes, ainda valoriza a homogeneidade e a
padronização, dificultando a aceitação e incorporação de
práticas pedagógicas inclusivas que valorizem a diversidade.
Essa resistência pode se manifestar tanto nos níveis
administrativos quanto entre os próprios docentes, que podem
vê-la como um fardo adicional em seu já sobrecarregado dia a
dia.
Além disso, a falta de uma política clara e consistente de
inclusão nas escolas leva a práticas que variam muito de uma
instituição para outra, resultando em um processo de inclusão

70
desigual e ineficaz. Prieto (2006) apontou que a qualidade do
ensino de pessoas com necessidades educacionais especiais só
avançará na medida em que se torne uma “prioridade política,
com a inserção da devida previsão e aplicação de recursos
financeiros para suprir os déficits ainda constatados” (Prieto,
2006, p. 12).
Outro desafio diz respeito à participação da comunidade
escolar, incluindo pais e alunos, no processo de inclusão. A
ausência de envolvimento dos responsáveis na vida escolar dos
estudantes, especialmente daqueles com deficiência, pode
dificultar o sucesso das práticas inclusivas. É preciso, portanto,
um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto
de necessidades especiais dentro da escola (Salamanca, 1994).
Ademais, a falta de conscientização e sensibilização da
comunidade escolar sobre a importância da inclusão pode
resultar em atitudes preconceituosas e discriminatórias, que
comprometem o ambiente escolar como um todo.
Tomando como base nossa prática educativa,
compreendemos que a avaliação dos alunos com deficiência
também representa um desafio. As práticas avaliativas
tradicionais, por vezes, não são adequadas para medir o
progresso de alunos com necessidades especiais, visto que, esses
métodos tendem a valorizar o desempenho padronizado e nem
sempre consideram as particularidades de cada aluno. A falta de
estratégias avaliativas inclusivas pode levar à subestimação das
capacidades desses alunos e à exclusão de oportunidades de
avanço acadêmico.
Ademais, a burocracia e a falta de articulação entre os
diferentes níveis de governo podem dificultar a implementação
de políticas públicas voltadas à inclusão. A falta de integração
entre as políticas educacionais e as de saúde, por exemplo,

71
podem resultar em lacunas no atendimento às necessidades
específicas dos alunos com deficiência, prejudicando sua
aprendizagem e desenvolvimento.
Apontadas algumas dificuldades acerca da
implementação da educação inclusiva, ressaltamos que a
inclusão não se limita apenas à presença física dos alunos com
deficiência nas escolas regulares. A verdadeira inclusão envolve
a garantia de que esses alunos possam participar plenamente de
todas as atividades escolares e que tenham suas necessidades
atendidas de forma a promover seu desenvolvimento integral.
Para isso, é necessário um esforço conjunto de toda a
comunidade escolar e do poder público, para que a inclusão se
torne uma realidade e não apenas um discurso.

Práticas pedagógicas e recursos educacionais (eficazes) na


Educação Inclusiva
As práticas pedagógicas voltadas para a educação
inclusiva devem ser cuidadosamente planejadas para atender à
diversidade dos alunos, respeitando suas individualidades e
promovendo um ambiente de aprendizado colaborativo e
acolhedor. A adoção de métodos e estratégias que contemplem
as necessidades de todos os alunos é fundamental para o sucesso
da inclusão escolar.
Uma das práticas mais eficazes na promoção da inclusão
é o planejamento colaborativo entre os professores de educação
regular e especial. Esse tipo de parceria permite que os
educadores desenvolvam planos de aula que considerem as
necessidades específicas de cada aluno, garantindo que todos
possam participar ativamente das atividades propostas. O
planejamento colaborativo também facilita a adaptação de

72
conteúdos e materiais didáticos, tornando-os mais acessíveis a
todos os estudantes com ou sem deficiência (Machado; Almeida,
2010).
A utilização de tecnologias assistivas é outra estratégia
crucial na educação inclusiva. Assim como Borges e Tartuci
(2017), compreendemos que a Tecnologia Assistiva (TA) é uma
área multidisciplinar do conhecimento, que busca excluir
barreiras, garantir a plena participação e assegurar uma vida
funcional para “as pessoas com deficiência, incapacidades e
mobilidade reduzida, objetivando uma maior autonomia e
qualidade de vida” (Borges; Tartuci, 2017, p. 81). A TA pode
compreender desde ferramentas como softwares de leitura de
texto, teclados adaptados e aplicativos educacionais voltados
para alunos com deficiência, bem como o uso de recursos
visuais e auditivos.
Visando o desenvolvimento integral dos alunos, os
docentes podem fazer uso das chamadas metodologias ativas.
Segundo Bacich e Moran (2018), a metodologia ativa é
caracterizada pela:
inter-relação entre educação, cultura, sociedade, política
e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos ativos
e criativos, centrados na atividade do aluno com a
intenção de propiciar a aprendizagem (Bacich; Moran,
2018, p. 17).
Elas colocam o aluno como protagonista de seu próprio
aprendizado, também se mostram eficazes no contexto da
educação inclusiva. Estratégias como a aprendizagem por
projetos, o ensino por investigação e a aprendizagem baseada
em problemas incentivam a participação ativa dos alunos,
permitindo que cada um contribua com suas habilidades e
conhecimentos (Bacich; Moran, 2018). Essas metodologias não

73
só promovem a inclusão, mas também enriquecem o processo de
ensino e aprendizagem para todos os envolvidos.
A diferenciação pedagógica é uma prática essencial para
atender às diversas necessidades dos alunos em uma sala de aula
inclusiva. Essa abordagem consiste em adaptar o conteúdo, o
processo, os produtos e o ambiente de aprendizado para
responder às particularidades de cada aluno. A diferenciação
pode envolver, por exemplo, a modificação das atividades
propostas, a oferta de diferentes opções de avaliação ou o uso de
múltiplas formas de representação do conhecimento (Maia;
Freire, 2020).
Outra prática pedagógica que pode ser utilizada na
educação inclusiva trata-se da organização dos alunos em
grupos heterogêneos, de modo que o professor possa estimular a
cooperação e a troca de experiências entre os estudantes,
favorecendo o aprendizado de todos. Compreendemos que tal
prática pode aludir a concepção de Vigotski (2007) acerca da
zona de desenvolvimento proximal:
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas
funções que ainda não amadureceram, mas que estão em
processo de maturação, funções que amadurecerão, mas
que estão presentes em estado embrionário (Vigotski,
2007, p. 98).
Ou seja, trata-se daquilo que pode ser “construído” com
os alunos, é o estímulo para novas aprendizagens. Além disso, a
promoção de um ambiente escolar acolhedor e respeitoso é
fundamental para o sucesso da inclusão. Isso envolve o
desenvolvimento de uma cultura escolar que valorize a
diversidade e promova a empatia e o respeito mútuo entre todos
os membros da comunidade escolar. A sensibilização e a
formação contínua dos professores e dos demais profissionais da

74
escola são essenciais para que essa cultura inclusiva seja
estabelecida e mantida.
A avaliação formativa é outra prática pedagógica eficaz
na educação inclusiva. Esse tipo de avaliação permite ao
professor acompanhar o progresso de cada aluno de forma
contínua, ajustando as estratégias de ensino conforme
necessário. Segundo Vitorino e Grego (2016):
A avaliação formativa fundamenta-se na
observação e no registro do desenvolvimento dos
alunos, em seus aspectos cognitivos, afetivos e
relacionais, passa a ser uma avaliação contínua e diária, o
que possibilita ajustar as necessidades detectadas por ela
aos ajustes reais do currículo da sala de aula, partindo do
pressuposto de que a avaliação formativa tem a função
de agir; é diagnóstica e sistemática e é o eixo do
processo de ensino-aprendizagem; permite rever todos os
passos do planejamento [...] (Vitorino; Grego, 2016, p.
479).
A inclusão escolar vai muito além da adaptação
curricular ou de práticas pedagógicas, mas como uma
transformação profunda da cultura escolar. Para que a inclusão
seja efetiva, é necessário que todos os membros da comunidade
escolar se comprometam com a promoção de um ambiente de
aprendizado verdadeiramente inclusivo, em que todos os alunos
sejam valorizados e tenham suas necessidades atendidas.
Também compreendemos que a parceria entre a escola e
as famílias é essencial para o sucesso da educação inclusiva. A
colaboração entre pais, professores e demais profissionais
envolvidos no processo educativo pode contribuir para a criação
de um ambiente escolar mais acolhedor e responsivo às
necessidades dos alunos com deficiência. A comunicação aberta

75
e constante entre a escola e a família é fundamental para garantir
que as práticas inclusivas sejam eficazes e que os alunos
recebam o suporte necessário para seu desenvolvimento integral.

Uma prática pedagógica no município de Gurinhatã/MG


Na seção anterior compreendemos que a educação
inclusiva é baseada na adaptação das práticas pedagógicas para
atender alunos com/sem deficiência. Essa adaptação ocorre a
partir da elaboração de um planejamento colaborativo, que
utilize metodologias ativas, tecnologias assistivas, que assegure
a heterogeneidade dos grupos e seja pautado por uma avaliação
de cunho formativo.
A partir das concepções explicitadas anteriormente,
apresentaremos a seguir uma prática pedagógica, no formato de
intervenção, que foi realizada no período de julho de 2022 até
agosto de 2022 em uma escola pública de ensino regular na
cidade de Gurinhatã/MG.
O estudo das células é frequentemente percebido como
abstrato e desinteressante pelos estudantes, especialmente pela
falta de recursos laboratoriais que permitam a observação direta
das organelas celulares. Para tornar as aulas mais atraentes e
facilitar a compreensão dos alunos, surgiu a ideia de criar
modelos de células utilizando ingredientes comestíveis.
A intervenção, intitulada de “A Construção de Células
Comestíveis como Prática Pedagógica Inclusiva”, teve como
objetivo permitir que os estudantes representassem uma célula
animal ou vegetal com todas as suas organelas, desenvolvendo
assim uma compreensão mais concreta da estrutura e da função
celular, além de demonstrar o uso de recursos lúdicos para
educação especial.

76
Tal atividade trabalhou o tema “Células” com o uso de
materiais e recursos pedagógicos adaptados para alunos do
Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo também
utilizados pelos demais estudantes das turmas de 6º a 8º ano.
A metodologia da atividade foi cuidadosamente
planejada para integrar o conhecimento teórico com a prática,
utilizando materiais acessíveis e lúdicos. A prática foi
desenvolvida em etapas, conforme descrito a seguir:
a) Planejamento e Preparação: Inicialmente, os
conceitos teóricos sobre células e organelas foram
introduzidos em sala de aula pela professora de
Ciências regente de turma, com suporte da
professora de Atendimento Educacional
Especializado (AEE). A utilização de recursos
visuais e exemplos práticos foi fundamental para
assegurar que todos os alunos, especialmente
aqueles com necessidades especiais,
compreendessem o conteúdo. A pesquisa elaborada
por Silva, Ferreira e Almeida (2023) apontou que a
utilização do lúdico é um fator significativo para o
fazer pedagógico da educação especial/inclusiva,
visto que “a ludicidade favorece a assimilação de
conteúdos e o desenvolvimento de outros saberes”
(Silva; Ferreira; Almeida, 2023, p. 05).
b) Construção das Células: Os estudantes foram
divididos em grupos e receberam a tarefa de
construir modelos de células comestíveis, utilizando
uma variedade de materiais como balas, bolos,
gelatinas, frutas e salgadinhos – os materiais
utilizados podem ser observados na Figura 1.

77
Figura 1: Materiais utilizados na confecção da célula comestível.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

Cada grupo deveria representar as diferentes organelas


celulares com os ingredientes disponíveis, explicando suas
escolhas e a função de cada componente na célula. Nas Figuras
2 e 3, é possível visualizar a processo de confecção das células
comestíveis.

78
Figura 2: Estudantes confeccionando Figura 3: Estudantes
a célula vegetal com ajuda da confeccionando a célula vegetal
professora de apoio. sozinhos.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

c) Apresentação e Avaliação: Após a construção dos


modelos, os estudantes apresentaram suas células
comestíveis para a turma e para as professoras – nas
figuras 4 e 5, é possível visualizar parte dos
resultados.

79
Figura 4: Divisão celular representada de Figura 5: DNA comestível
forma concreta - MITOSE. confeccionado pelos estudantes.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

Durante a apresentação, os grupos explicaram como os


ingredientes representavam as diferentes organelas e suas
funções, conforme figura 6. Essa fase permitiu que os alunos
revisassem e consolidassem o conhecimento adquirido de
maneira prática. A atividade culminou com a degustação das
células, proporcionando uma experiência sensorial que reforçou
o aprendizado.

80
Figura 6: Célula vegetal comestível.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

A prática foi caracterizada por meio da colaboração


intensa entre a professora regente e a professora de AEE. A
professora regente liderou a introdução teórica e coordenou a
construção das células, enquanto a professora de AEE forneceu
suporte individualizado, garantindo que todos os estudantes
pudessem participar ativamente e de forma inclusiva, com a
possibilidade de compreender o conteúdo. Tal colaboração nos
exemplificou acerca do planejamento colaborativo tratado na
seção anterior deste trabalho.
Essa atividade demonstrou ser uma ferramenta
pedagógica eficaz, combinando aprendizado lúdico com uma

81
abordagem prática e inclusiva. Os alunos foram capazes de
reconhecer as principais estruturas celulares e compreender sua
organização e função de maneira concreta. Além disso, foi
possível promover a colaboração entre os estudantes e o
incentivo a participação ativa, sem ter em conta suas
dificuldades ou necessidades especiais.
Essa intervenção não só facilitou a compreensão dos
conceitos de Biologia Celular, como também reforçou a
importância de metodologias pedagógicas que integrem teoria e
prática, utilizando recursos adaptados e acessíveis. A
colaboração entre professores foi essencial para o sucesso da
atividade, destacando-se como um exemplo de como a educação
inclusiva pode ser implementada de maneira eficaz e
significativa.

Considerações finais
Este capítulo apresentou uma breve síntese acerca do
histórico da educação inclusiva, além de pontuar os possíveis
desafios que podem ser vivenciados. Também discorremos a
respeito de práticas pedagógicas e recursos educacionais que
aprimoram o atendimento dos estudantes com deficiência.
Ainda destacamos a importância da utilização de
materiais concretos e lúdicos para a educação especial, bem
como a construção contínua do saber docente. A análise
integrada dos estudos demonstra que a adaptação dos materiais
pedagógicos, aliada a uma formação docente contínua e a
introdução de novas tecnologias, pode criar um ambiente de
aprendizagem mais inclusivo e eficaz.
A criação de recursos educacionais a partir dessas
práticas representa uma contribuição significativa para o campo

82
da educação, possibilitando que mais professores utilizem essas
abordagens inovadoras em suas salas de aula, promovendo
assim uma educação mais equitativa e acessível para todos os
alunos.
Todavia, para que sejam atingidos melhores níveis de
qualidade no atendimento escolar de pessoas com necessidades
educacionais especiais, é preciso que a educação inclusiva seja
tomada como uma prioridade política. Essa priorização envolve
a alocação adequada de recursos financeiros e o
desenvolvimento de políticas que garantam a inclusão efetiva.
Além disso, a implementação de práticas pedagógicas
inclusivas é um desafio que requer inovação e
comprometimento dos educadores. O projeto desenvolvido na
escola de Gurinhatã/MG demonstrou como o uso de materiais
adaptados pode facilitar a compreensão de conceitos complexos,
como o ensino de Biologia Celular. Esse exemplo prático mostra
que a adaptação de materiais não apenas torna o aprendizado
mais acessível para alunos com deficiências, mas também
beneficia toda a turma, promovendo um ambiente de
aprendizagem mais inclusivo.

Referências
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Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência. 2001.
BACICH, L.; MORAN, J. (Orgs.). Metodologias ativas para
uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática.
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83
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84
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SANTOS, K. da S.; MENDES, E. G. A História da expansão da
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85
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(UnB). Brasília/DF, 2008.
VEIGA-NETO, A. Incluir para excluir. In: LARROSA, J.;
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Título original: Mind in society: the development of higher
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VITORINO, S. C.; GREGO, S. M. D. Avaliação formativa na
educação inclusiva. Revista Ibero-Americana de Estudos em
Educação, Araraquara/SP, v. 11, n. esp.1, p. 478–488, 2016.

86
CAPÍTULO IV
UMA BIOMÉDICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
PROMOVENDO SAÚDE E ENSINO INVESTIGATIVO

Arianne Santos Medeiros Souza


Arlinda Ferreira Gonçalves
Arali Aparecida da Costa Araujo

Introdução
No século XX, a sociedade passou por diversas
mudanças e transformações, destacando a necessidade de
adequar o sistema de ensino contemporâneo. O novo cenário
educacional aponta a responsabilidade de formar cidadãos
conscientes, críticos e ativos na sociedade. Essa premissa vem
norteando propostas e normativas educacionais desde as últimas
décadas do século XX e foi reafirmada ao longo das duas
primeiras décadas do século XXI.
Essas considerações são observáveis na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), um documento normativo que vem
sendo implementado nos currículos escolares desde 2018,
focando em competências e habilidades. Seu instrumento
norteador inclui, entre outros aspectos, o campo da pesquisa,
visto que contempla a produção do conhecimento por meio de
indagações, problematização e investigação científica (Brasil,
2018).

87
No contexto da Educação Básica do século XXI, a
presença de profissionais da saúde, como os biomédicos, tem se
mostrado cada vez mais relevante. A integração desses
profissionais no ambiente escolar não só amplia as
possibilidades de promoção da saúde, mas também enriquece o
processo de ensino-aprendizagem por meio de métodos
investigativos. O biomédico, com sua formação diversificada em
ciências biológicas e da saúde, pode desempenhar um papel
fundamental na criação de um ambiente escolar mais saudável e
intelectualmente estimulante.
A relevância de termos biomédicos nas escolas está
relacionada à sua capacidade de aplicar conhecimentos
científicos para promover a saúde e estimular o ensino
investigativo. Isso envolve liderar iniciativas de educação em
saúde, como campanhas de vacinação, nutrição e higiene, e
desenvolver atividades que incentivem os alunos a se engajarem
em práticas científicas.
Ao colaborar com professores e outros profissionais da
educação, os biomédicos ajudam a criar um ambiente
educacional dinâmico que promove tanto o bem-estar quanto o
desenvolvimento intelectual dos alunos. Libâneo (1994) enfatiza
que o processo de ensino deve incentivar o desejo e o prazer
pelo estudo, evidenciando a relevância do conhecimento para a
vida e para o trabalho. Segundo ele, o caráter educativo está
vinculado aos objetivos do ensino crítico e se concretiza dentro
do próprio processo de ensino. É por meio desse processo que
ocorre a formação da consciência crítica do indivíduo (Libâneo,
1994).
Além disso, a implementação de práticas de ensino
investigativo por esses profissionais pode contribuir de forma
expressiva para a promoção da Alfabetização Científica (AC)

88
entre os estudantes. A AC é crucial para formar cidadãos
conscientes e críticos, capazes de tomar decisões fundamentadas
sobre questões relacionadas à saúde e ao meio ambiente. Trata-
se de um “processo pelo qual a linguagem das Ciências Naturais
adquire significados, permitindo ao indivíduo ampliar seu
universo de conhecimento e sua cultura, atuando como cidadão
na sociedade” (Lorenzetti; Delizoicov, 2001, p. 52).
O presente texto baseia-se em uma revisão bibliográfica
da literatura e nas práticas bem-sucedidas de uma biomédica em
uma escola pública da região do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba. Durante a revisão bibliográfica realizada, não foram
encontrados estudos significativos que abordem a presença e a
potencialidade do profissional biomédico na Educação Básica.
Essa ausência de trabalhos evidencia uma lacuna na literatura
científica sobre o tema.
Assim, a análise evidenciará a relevância de uma
abordagem multidisciplinar e como ela pode ser uma estratégia
eficaz para melhorar tanto a saúde quanto o aprendizado dos
estudantes. Com isso, espera-se fornecer uma contribuição
significativa para o debate sobre a integração de profissionais de
saúde no ambiente educacional.
Este capítulo pretende, portanto, destacar a importância
do biomédico no ambiente escolar e fornecer informações sobre
como maximizar o impacto positivo de sua atuação. Desse
modo, temos como objetivo principal explanar como os
biomédicos podem atuar eficazmente nas escolas para promover
a saúde e o ensino investigativo.
O texto será dividido em seções que discutirão,
inicialmente, o papel do biomédico como promotor de saúde e
agente educador; em seguida, será explorado a integração do

89
ensino investigativo ao currículo escolar com o apoio desses
profissionais (os biomédicos); e, por fim, serão apresentadas
práticas exitosas que demostram o impacto positivo dessa
colaboração para a comunidade escolar.

O Biomédico como promotor de Saúde e ensino investigativo


Entre os profissionais da saúde, destaca-se o biomédico,
cuja regulamentação da profissão foi estabelecida pela Lei n.º
6.684, de 03 de setembro de 1979. Segundo o Art. 4º da referida
lei, compete ao biomédico atuar em equipes de saúde, em um
nível tecnológico e nas atividades complementares de
diagnósticos (Brasil, 1979). Com sua formação em ciências
biológicas e da saúde, esse profissional possui um conjunto de
habilidades que o qualificam enquanto promotor ideal de saúde
e educação investigativa no ambiente escolar. O biomédico
consegue alinhar conhecimentos teóricos e práticos para
desenvolver programas educativos que promovam hábitos
saudáveis e incentivem a curiosidade científica dos estudantes.
Conforme destacado por Barros et al. (2018), o
biomédico, em colaboração com outros profissionais, pode
promover ações de saúde que abrangem desde o diagnóstico até
o tratamento, mas, principalmente, a prevenção de doenças.
Assim, é um profissional qualificado para atuar no ambiente
escolar, prevenindo doenças e promovendo práticas saudáveis.
Ao mesmo tempo, estimula o ensino investigativo, por meio de
atividades práticas e experimentais. Além disso, sua presença
constante nas escolas permite o monitoramento contínuo da
saúde dos estudantes e a implementação de programas de
intervenção precoce para prevenir doenças e promover o bem-
estar.

90
Por meio de experimentos laboratoriais, atividades
práticas e projetos de pesquisa, esses profissionais podem
auxiliar os estudantes a desenvolverem habilidades críticas para
o pensamento científico. A educação brasileira carece de
incentivo à pesquisa, um instrumento crucial para o
entendimento e ensino. Portanto, valorizar a pesquisa é
fundamental para aprimorar a educação.
O incentivo à busca constante por novos conteúdos pode
expandir a visão do estudante além do conhecimento básico,
promovendo uma compreensão ampla do mundo, evitando
limitações e estimulando a curiosidade intelectual. Desta forma,
o aprendizado torna-se um processo de descoberta contínua,
enriquecendo a jornada educacional do educando (Ludke;
André, 1986).
Essas atividades auxiliam os estudantes a
compreenderem melhor o método científico, encorajando-os a
questionar, investigar e buscar evidências para sustentar suas
conclusões. Segundo Gadotti (2000), a abordagem ampla da
educação possibilita florescer pensamentos inovadores e a
evolução constante do saber. A educação apresenta-se como um
pilar fundamental para o futuro, engendrando grandes
expectativas. Ela é a ponte pela qual o conhecimento se expande
e novas ideias emergem.
O estímulo a pesquisas entre os jovens é fundamental,
permitindo seu desenvolvimento e contribuição positiva para a
sociedade. Isso fomenta a busca por excelência educacional,
uma meta que ainda estamos lutando para alcançar (Ludke;
André, 1986).
Ao colaborar com outros profissionais da educação e da
saúde, o biomédico cria um ambiente de aprendizagem mais

91
integrado e interativo. Por exemplo, enquanto os professores de
ciências ensinam conceitos básicos de Biologia, os biomédicos
podem complementar esse ensino com aulas práticas sobre
Microbiologia ou Imunologia, ajudando a consolidar o
conhecimento teórico por meio da prática. Esse profissional
também pode incentivar novas metodologias de ensino, como o
ensino investigativo e por experimentação, desconstruindo a
ideia de um conhecimento engessado, pautado pela transmissão
do conhecimento e a ideia de que apenas o professor detém o
conhecimento (Nascimento; Hetkowski, 2009).
O ensino investigativo, facilitado pelo biomédico,
também pode contribuir para a alfabetização científica. A
alfabetização científica é uma habilidade essencial no mundo
contemporâneo, permitindo que os indivíduos compreendam
melhor as questões de saúde pública, tomem decisões
informadas e participem de debates científicos com mais
eficácia (Lorenzetti; Delizoicov, 2001).
À medida que os alunos se envolvem em atividades
investigativas, seja por meio de aulas práticas ou teóricas, e
participam de discussões e registros escritos ao longo das
sequências de ensino, eles se aproximam cada vez mais da
alfabetização científica (Oliveira, 2010). Essas experiências não
apenas facilitam a compreensão dos conceitos científicos, mas
também promovem o desenvolvimento de habilidades críticas,
preparando os estudantes para uma aprendizagem mais profunda
e significativa.
Ao promover hábitos de vida saudáveis, esses
profissionais continuam tornando o ambiente mais favorável à
aprendizagem, visto que preparam os estudantes física e
mentalmente. A presença do biomédico na escola serve como
uma ponte que une saúde e educação, criando um ciclo virtuoso

92
de aprendizagem e bem-estar. Além disso, a inclusão desses
profissionais nas escolas pode ajudar a desmistificar a ciência e
tornar o conhecimento mais acessível e relevante para os
estudantes.
Por fim, sua atuação nas escolas também pode servir
como um modelo para a colaboração interdisciplinar em outras
áreas da educação e da saúde. A integração de diferentes
profissionais com diversos conjuntos de habilidades pode levar a
abordagens mais inovadoras e eficazes para resolver os desafios
educacionais e de saúde que enfrentamos hoje. A educação
molda a criticidade e dissemina informações essenciais para a
nova geração. Ela é a chave para a evolução e, nesse sentido, o
ensino científico às novas gerações impulsiona o crescimento e
o reconhecimento desses profissionais. A promoção da pesquisa
e da saúde no âmbito escolar conduz ao desenvolvimento e
valorização dos biomédicos no mercado de trabalho, destacando
a importância dessa profissão (CRBM, 2021). Ao trabalhar
juntos, professores e biomédicos podem criar um ambiente de
aprendizagem mais rico e dinâmico que beneficia todos os
membros da comunidade escolar.

Metodologias Ativas e Alfabetização Científica: novos


caminhos para a Educação Básica
Um dos desafios enfrentados pelas escolas é adequar o
ensino de ciências de forma a promover a alfabetização
científica, ampliando a visão de mundo dos estudantes e
aproximando-os dos conhecimentos científicos. Isso lhes
permite problematizar questões cientificas e construir conceitos
a partir delas (Cachapuz et al., 2011). Não é o bastante ensinar
ciências; é necessário promover o ensino investigativo, que

93
proporciona uma aprendizagem significativa aos educandos
(Krogh; Morehouse, 2014; Rocard et al., 2007).
O relatório de Primas (2011) mostra que as abordagens
construtivistas revelam que a aprendizagem é mais eficaz por
meio da exploração de situações, permitindo que os estudantes
controlem sua própria aprendizagem e adotem uma postura
ativa.
Com seu conhecimento profundo em Biologia, Química
e Ciências da Saúde, o biomédico está bem-posicionado para
auxiliar os professores a desenvolverem e implementarem
currículos que enfatizem a investigação e a experimentação. Por
exemplo, esses profissionais podem criar experiências de
laboratório que permitam aos estudantes explorarem conceitos
científicos de maneira prática e envolvente.
Krasilchik (1987) discute que, desde o século XX, uma
das intensões na educação é substituir os métodos tradicionais
por metodologias ativas, sendo necessário, portanto, que a
educação transforme indivíduos passivos em ativos no processo
de ensino-aprendizagem. O ensino-aprendizagem pautado no
ensino investigativo e na promoção da alfabetização científica,
oportuniza que os educandos vão além dos conceitos puramente
teóricos, possibilitando-lhes a compreensão de que a ciência é
uma área de conhecimento inserida nos contextos social,
histórico e cultural (Sasseron; Duschl, 2016).
Diversas pesquisas em ensino de ciências defendem a
relevância de implementar na prática docente condutas que
busquem a exploração por meio de abordagens investigativas e
problematizadoras, visando a formação da criticidade nos
cidadãos, o que tem se mostrado um grande desafio para a
escola contemporânea (Brito; Fireman, 2016; Carvalho, 2013;

94
Sasseron; Carvalho, 2011; Chassot, 2010; Sedano; Carvalho,
2017). O ensino por investigação estimula o estudante a pensar,
indagar, articular e validar possibilidades com o uso de
problemáticas, por meio de uma abordagem didática que
promove a investigação (Sasseron, 2015).
Para Azevedo (2004), o estudante não deve ficar apenas
limitado a teorias, manipulação de objetos e observação de
fenômenos, mas deve ter a possibilidade de refletir, explicar,
discutir, relatar. As atividades experimentais representam uma
estratégia didática que propiciam um ambiente oportuno para
abordar as dimensões teórica, representacional e, sobretudo,
fenomenológica do conhecimento científico (Oliveira, 2010).
Segundo Bassoli (2014), ao analisarmos as deficiências
na educação científica, aponta-se à ausência de aulas
experimentais na Educação Básica. Todavia, deve-se
compreender que as práticas tradicionais, que possuem
resultados programados, não despertam o interesse pela
investigação e tampouco a busca por novos conhecimentos,
visto que é o processo ocorre por um procedimento programado
(o estudante já sabe qual caminho seguir para chegar à
determinada resposta).
O biomédico pode atuar como um mentor para os
estudantes, orientando-os em projetos de pesquisa e ajudando-os
a desenvolver habilidades críticas para a investigação científica.
Isso pode incluir desde o planejamento e a execução de
experimentos até a análise e interpretação de dados. Ao orientar
os estudantes em todas as etapas do processo de investigação,
ele pode ajudar a desenvolver habilidades fundamentais para a
alfabetização científica, como o pensamento crítico, a resolução
de problemas e a capacidade de comunicar descobertas
científicas de maneira clara e eficaz.

95
De acordo com Carvalho (2013), é necessário criar um
ambiente investigativo nas salas de aula, para proporcionar aos
estudantes a ampliação da cultura científica e a apropriação da
linguagem argumentativa, permitindo que eles tenham
condições de construir conhecimentos.
[...] o estudante não deve se limitar apenas no trabalho de
manipulação ou observação, ela deve também conter
características de um trabalho científico: o estudante deve
refletir, discutir, explicar, relatar o que dará ao seu
trabalho as características de uma investigação científica
(Azevero, 2004, p. 21).
É necessário instigar a autonomia dos estudantes no
âmbito escolar. As atividades investigativas corroboram com
essa autonomia pretendida através da concepção da
aprendizagem por meio da descoberta (Zompero; Laburú, 2011).
Minner, Levy e Century (2010) e Primas (2011)
concluíram que metodologias de ensino corroboram o
envolvimento dos alunos ativamente no processo de
aprendizagem, por meio de atividades que promovem a
investigação. Elas são mais eficazes do que metodologias
tradicionais e dogmáticas dos métodos passivos de ensino.
Portanto, é essencial conscientizar o corpo docente a promover o
ensino investigativo em suas práticas, permitindo ao estudante
desenvolver a compreensão de procedimentos científicos.
Gonçalves e Marques (2006) relatam que os educadores
justificam o não desenvolvimento das atividades experimentais,
principalmente, devido à falta de infraestrutura escolar
(laboratório ou equipamentos) e à ausência de tempo para a
preparação de aulas práticas.

96
Outros docentes utilizam o quantitativo de alunos por
turma, inadequação de infraestrutura física, material e carga
horária reduzida (Zompero; Laburú, 2011).
Não obstante, Borges (2002) e Zompero e Laburú
(2011), denotam que o ensino experimental e investigativo por
meio de aulas práticas não é sobre “onde”, mas sim “como” e
“para que” essas atividades são aplicadas, pois mais valioso que
uma magnificência experimental sofisticada e específica são os
objetivos a serem alcançados com esse tipo de aula e relevância
da experimentação na aprendizagem dos estudantes.
Por fim, o ensino investigativo pode ajudar a
desenvolver uma mentalidade de aprendizado ao longo da vida,
na qual os estudantes veem o aprendizado como um processo
contínuo de descoberta e exploração. Essa mentalidade é
essencial para o sucesso acadêmico, pessoal e profissional, ao
auxiliar os estudantes a se adaptarem a um mundo em constante
mudança e a continuarem a crescer e se desenvolver ao longo de
suas vidas.

Uma biomédica na Educação Básica: práticas exitosas na


integração de Saúde e Educação
Nesta seção, são apresentadas práticas realizadas em uma
escola pública da região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba
realizadas por uma pedagoga e biomédica, as quais ilustram
como esses profissionais podem promover a saúde e o ensino
investigativo, contribuindo para um ambiente escolar mais
saudável e intelectualmente estimulante.
Tendo em vista a promoção da saúde em âmbito escolar,
em 2007, o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da
Educação (MEC) uniram forças para promover a saúde na

97
escola, reconhecendo a necessidade de políticas específicas para
os estudantes. Assim surgiu o Programa Saúde na Escola (PSE),
um projeto que articula a escola e a Rede Básica de Saúde,
visando aprimorar a saúde dos estudantes (Brasil, 2009).
A atuação do biomédico na Educação Básica revela-se
uma prática exitosa, especialmente no âmbito do PSE, já que ele
é uma iniciativa que visa promover a saúde e melhorar a
qualidade de vida dos estudantes, integrando ações de saúde no
cotidiano escolar. Dada a formação multidisciplinar e o
conhecimento aprofundado em ciências da saúde, o biomédico
está bem-preparado para desempenhar um papel crucial na
execução e no sucesso desse programa.
A contribuição do biomédico no ambiente escolar é
significativa por diversos motivos. Primeiramente, o
conhecimento aprofundado em anatomia e fisiologia permite
que ele eduque os alunos de forma prática e envolvente sobre o
funcionamento do corpo humano.
Por meio de aulas práticas em laboratórios escolares, os
discentes têm a oportunidade de aprender de maneira interativa.
Por exemplo, em atividades de dissecação de um coração bovino
(como pode ser visto na Figura 1), os estudantes não só
aprendem sobre a estrutura anatômica do coração, mas também
compreendem o funcionamento do sistema cardiovascular de
forma tangível e memorável.
Além disso, o biomédico ainda pode utilizar tecnologias,
como laboratórios virtuais com simulações em 3D, para
aprofundar o entendimento dos sistemas do corpo humano – a
exemplo disso temos o site BioDigital, Figura 2.

98
Figura 1: Coração bovino.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2023).

Figura 2: Captura de tela do sistema digestivo em modelo 3D.

Fonte: BioDigital (2024).

99
O conhecimento laboratorial do biomédico estende-se à
Microbiologia e à Bioquímica. Ao levar um microscópio para a
sala de aula e demonstrar processos biológicos como a
fermentação de microrganismos, os estudantes observaram as
reações químicas que ocorrem dentro das células – conforme
Figura 3. A prática envolveu preparar lâminas microscópicas
utilizando levedura de pão (Saccharomyces cerevisiae). Os
alunos misturaram fermento biológico com água morna e
colocaram algumas gotas dessa solução preparada, sobre a
lâmina e cobriram com uma lamínula para a observação da
célula do levedo – a observação por meio do microscópio pode
ser visualizada na Figura 4.

Figura 3: Aluna utilizando o Figura 4: Observação da célula do levedo


microscópio. no microscópio.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

100
Essa experiência permitiu que os discentes vissem as
células de levedura e os brotamentos, proporcionando um
aprendizado mais concreto e visual sobre o processo de
fermentação. A atividade não apenas enriqueceu a compreensão
teórica, mas também incentivou a curiosidade científica e o
interesse pelo estudo dos processos celulares.
Esse tipo de atividade prática não só desperta a
curiosidade científica, mas também fornece uma base sólida
para o entendimento de conceitos fundamentais de Biologia e
Química, essenciais para o desenvolvimento da AC.
Com seu vasto conhecimento científico, o biomédico
também pode contribuir para o ensino ao utilizar experimentos
simples, por exemplo, uma Câmara Escura de Orifício. A
construção desse instrumento, em sala de aula, demonstra aos
alunos os princípios básicos da formação de imagens e o
funcionamento da visão humana. A câmara foi feita com
materiais simples como, lata de leite em pó, papel vegetal,
tesoura, prego, martelo e cola.
Esse tipo de atividade vai além de despertar o interesse
dos estudantes, servindo como reforço ao aprendizado ao
permitir que eles vejam a teoria em ação, promovendo uma
compreensão mais profunda e crítica dos fenômenos naturais.
Tal experimento pode ser visualizado na Figura 5.
Durante a atividade, os estudantes fizeram um furo no
fundo da lata e cobriram a abertura com papel vegetal, criando
uma superfície para a projeção da imagem – essa prática pode
ser observada na Figura 6.

101
Figura 5: Observação utilizando Câmara Escura de Orifício.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

Figura 6: Processo de construção da Câmara Escura de Orifício.

Fonte: Acervo de pesquisa das autoras (2022).

102
Essa prática simples ajudou a ilustrar conceitos de óptica
e mostrou como a luz interage com diferentes superfícies para
formar imagens. Além de reforçar o conteúdo teórico, a
atividade estimulou a curiosidade e o interesse pelo estudo dos
princípios ópticos, destacando a relevância do aprendizado
prático no entendimento de conceitos científicos.
O biomédico na Educação Básica, portanto, não se limita
apenas ao ensino teórico. A prática laboratorial é uma parte
essencial de sua abordagem pedagógica, proporcionando aos
alunos uma experiência de aprendizado mais rica e envolvente.
A combinação de atividades experimentais e práticas, como
dissecação e observação microscópica, bem como o uso de
tecnologias, transformam a sala de aula em um espaço de
exploração científica ativa.
Além de suas contribuições para o ensino das ciências, o
biomédico pode desempenhar papel importante na promoção da
saúde no ambiente escolar. A presença desse profissional
garante que essas atividades sejam conduzidas de maneira
profissional e baseada em evidências, promovendo um ambiente
escolar mais saudável e seguro para todos.

Considerações finais
As práticas exitosas apresentadas neste capítulo
evidenciaram o impacto positivo que os biomédicos podem ter
nas escolas. Elas mostraram como eles são capazes de criar uma
cultura de saúde e investigação científica que beneficia não
apenas os estudantes, mas toda a comunidade escolar. Contudo,
é importante reconhecer os desafios associados a essa integração
e trabalhar para superá-los por meio de colaboração, formação e
inovação contínuas.

103
Devido à sua sólida formação em ciências biológicas e
da saúde, eles estão especialmente qualificados para contribuir
significativamente na criação de um ambiente escolar que
estimule o desenvolvimento intelectual dos estudantes por meio
de práticas investigativas e científicas.
À medida que o futuro da educação e da saúde se
desenha, fica claro que a colaboração interdisciplinar será cada
vez mais importante. Biomédicos, ao promoverem a saúde e o
ensino investigativo nas escolas, preparam as próximas gerações
para enfrentar os desafios de um mundo em constante mudança.
Por fim, é essencial continuar explorando novas
maneiras de integrar esses e outros profissionais de saúde ao
ambiente escolar. Isso pode incluir desde o desenvolvimento de
novos programas de formação e certificação até a criação de
novas políticas e práticas que apoiem essa colaboração. Ao
fazermos isso, podemos garantir que nossas escolas continuem a
ser lugares os estudantes não apenas aprendem, mas também
florescem.

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108
CAPÍTULO V

APLICAÇÃO DA AGRICULTURA REGENERATIVA EM


HORTAS DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
EM ITUIUTABA, MINAS GERAIS, BRASIL

Juliane Silberschmidt Freitas


Kassandra Ferreira Souza

Introdução
Nos últimos anos, um aumento significativo na discussão
global sobre a implementação de métodos alternativos para
produção de alimentos tem sido notado. Isto é especialmente
relevante para as práticas sustentáveis de manejo dos recursos
naturais que enfatizam a preservação das características da água,
do ar e do solo. Enquanto a agricultura moderna adota, em
grande parte, práticas pouco conservacionistas visando à
maximização da produção agrícola, comunidades envolvidas
direta ou indiretamente na utilização da terra para subsistência
têm demonstrado interesse crescente na adoção de abordagens
menos exploratórias, porém igualmente produtivas (Assis, 2006;
LaCanne; Lundgren, 2018). Na realidade, a globalização das
práticas agrícolas sustentáveis tem disseminado rapidamente
conceitos que visam à resiliência dos ecossistemas,
pressionando produtores de larga escala na adoção de

109
metodologias menos invasivas à saúde ambiental, que integram
a sustentabilidade em suas políticas de produção.
Diante da necessidade urgente de promover uma
agricultura mais sustentável e na busca por mitigar os impactos
ambientais associados à agricultura convencional, um novo
paradigma mundial tem emergido para a produção de alimentos.
Esse novo enfoque procura não só garantir a segurança
alimentar a longo prazo, como também preservar a saúde dos
ecossistemas, direcionando a uma melhor estabilidade climática.
Nesse contexto, destaca-se a Agricultura Regenerativa, que é
conhecida como um conjunto de atividades ligadas à produção
agrícola a partir do uso de solos recuperados, com o princípio
básico da proteção e não esgotamento deste recurso natural
(LaCanne; Lundgren, 2018; NRDC 2024). Em outras palavras, é
uma abordagem de cultivo que se concentra na melhoria e/ou
regeneração dos recursos vinculados aos ecossistemas agrícolas,
estimulando a redução, e até mesmo a eliminação, do uso de
agrotóxicos e fertilizantes sintéticos nas áreas de cultivo (Ehlers,
1996). Com foco nesses princípios, a Agricultura Regenerativa
utiliza práticas orgânicas, possibilitando assim uma agricultura
de menor impacto, ao mesmo tempo que se compromete à
produção de alimentos.
Há pelo menos cinco práticas-chave associadas à
Agricultura Regenerativa: (i) melhoria da saúde do solo, que
consiste em práticas que aumentem a biodiversidade e
melhorem a estrutura do solo, incrementando assim sua
capacidade de retenção de água e nutrientes; (ii) minimização da
perturbação do solo, a qual evita práticas que perturbem a
estrutura do solo, visando à redução da erosão e à melhoria da
saúde do solo a longo prazo; (iii) diversificação de culturas, a
partir da rotação de culturas e a diversificação de plantas,

110
objetivando uma melhor fertilidade do solo e uma redução da
dependência de agrotóxicos e/ou fertilizantes; (iv) integração da
vida selvagem, a qual encoraja a integração de habitats naturais
e corredores ecológicos dentro das operações agrícolas; e (v) uso
eficiente da água, a partir de técnicas que implementem a
captura e armazenamento de água da chuva, bem como irrigação
por gotejamento, para utilização eficiente da água disponível
(LaCanne; Lundgren, 2018; NRDC, 2024).
A disseminação da Agricultura Regenerativa tem
crescido globalmente à medida que agricultores, organizações e
governos reconhecem os benefícios dessa prática. Nas
instituições de ensino, ela pode ser utilizada como uma
ferramenta pedagógica poderosa para ensinar sobre agricultura
saudável, nutrição, sustentabilidade ambiental e
responsabilidade social. No contexto da Educação Ambiental, as
hortas escolares oferecem aos estudantes a oportunidade de
participar ativamente do processo de cultivo, desde o plantio até
a colheita (Leonardi, 1999). Esse envolvimento prático não
apenas complementa o currículo acadêmico, mas também
promove habilidades como trabalho em equipe, resolução de
problemas e consciência ambiental, além de despertar hábitos
saudáveis que serão importantes para o desenvolvimento do
“cidadão-sustentável”. Essas iniciativas promovem a conexão
com a natureza e estimulam uma maior valorização dos
alimentos frescos e locais. Em um contexto mais amplo, as
hortas em instituições de ensino representam um passo
importante em direção à educação para a sustentabilidade,
preparando as futuras gerações para enfrentar desafios
ambientais e promover práticas agrícolas mais responsáveis
(Patton et al., 2007; Rivera et al., 2010).

111
A aplicação da Agricultura Regenerativa em hortas de
escolas de educação especial é, ainda, de particular interesse
como método inclusivo e seguro para imersão de crianças e
adolescentes em um contexto sustentável. As hortas incentivam
a autonomia e a autoestima, ao permitir que os alunos
participem ativamente do cuidado das plantas e da colheita dos
alimentos que eles próprios cultivam, além de oferecer uma
oportunidade valiosa para a prática de habilidades sociais, como
trabalho em equipe e comunicação. Além dos benefícios
mencionados, as atividades associadas às hortas podem servir
como uma fonte de recursos terapêuticos, ajudando a reduzir o
estresse e promovendo o bem-estar emocional dos alunos (Siu;
Kam; Mok, 2020; Armstrong et al., 2023).
Apesar dos evidentes benefícios, implementar hortas
saudáveis em escolas de educação especial requer planejamento
adequado, adaptações para as necessidades individuais dos
alunos e envolvimento colaborativo de educadores, terapeutas,
pais e comunidade escolar. Ao realizar isso, as escolas não
apenas enriquecem o currículo educacional, mas também
proporcionam um ambiente estimulante e inclusivo que apoia o
desenvolvimento integral dos alunos com necessidades especiais
(Siu; Kam; Mok, 2020; Armstrong et al., 2023).
Considerando a temática das hortas saudáveis em escolas
de educação especial, este capítulo de livro foi construído com
base em uma vivência proporcionada por um projeto de
extensão desenvolvido por estudantes de graduação do curso de
Agronomia da Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG), Unidade Ituiutaba e de estudantes da Escola Estadual
de Educação Especial Risoleta Neves (EEEERN). Objetivando
contribuir para uma sociedade mais solidária, saudável, justa e
socialmente inclusiva, o mencionado projeto buscou, nos

112
princípios da Agricultura Regenerativa, estimular ações com
impacto positivo nas práticas agrícolas voltadas à saúde do solo,
da água e do ar, bem como na conservação da biodiversidade, a
partir da conscientização e capacitação da comunidade,
particularmente, àquela associada à EEEERN. O projeto visou
ainda: (i) ampliar o acesso da comunidade local e regional aos
conceitos e práticas associadas à Agricultura Regenerativa,
valorizando os aspectos positivos trazidos por ela; (ii)
conscientizar a comunidade, e os próprios discentes atuantes, a
respeito dos efeitos negativos associados ao uso exacerbado de
agroquímicos no plantio de culturas brasileiras; (iii) estimular a
troca de conhecimento entre Universidade e comunidade,
fortalecendo a aliança entre estas importantes esferas da
sociedade; (iv) estimular o desenvolvimento prático de
metodologias de agricultura sustentável; (v) estimular ações
solidárias e desenvolver o senso colaborativo entre professores,
discentes e a comunidade local; (vi) gerar itens alimentícios
saudáveis para consumo das pessoas diretamente ligadas às
instituições públicas de ensino.

Metodologia
A implementação das hortas foi realizada na Escola
Estadual de Educação Especial Risoleta Neves (EEEERN), na
cidade de Ituiutaba, MG, Brasil. Nessa instituição de ensino de
educação básica, há o funcionamento das etapas de formação de
Ensino Fundamental, Médio e Educação para Jovens e Adultos
(EJA). A ideia do projeto de extensão, vinculada ao
Departamento de Ciências Agrárias e Naturais (DECAN) da
UEMG, surgiu a partir dos alunos de graduação do curso de
Agronomia.

113
Para o estabelecimento da parceria entre UEMG e a
EEEERN, foram realizadas reuniões entre a Coordenadora do
projeto (docente da UEMG Ituiutaba) e a Direção da Escola. Em
um primeiro momento, foi feito um planejamento quanto às
ações que poderiam ser implementadas de acordo com as
condições da escola, tais como área física disponível para
plantio, interesse da escola na atividade multidisciplinar,
possibilidade da colaboração dos alunos matriculados, recursos
financeiros para montagem dos canteiros, disponibilidade de
mão de obra, entre outros. Fechada a parceria, discentes da
UEMG e da escola atuaram como protagonistas no
desenvolvimento das ações para a implementação das hortas
baseadas nos conceitos da Agricultura Regenerativas. Durante o
desenvolvimento, foram realizadas reuniões periódicas com a
coordenadora do projeto, a fim de atualizar os conceitos práticos
e teóricos, além das questões orçamentárias, as quais seriam
aplicadas.
Posteriormente, realizou-se uma pesquisa de campo
buscando saber quais tipos de alimentos os alunos da escola
gostariam e poderiam cultivar. Diante da ausência de suporte
financeiro para manutenção do projeto, os discentes se
encarregaram da coleta de material (adubo e demais produtos
para preparação do solo, sementes, material de cultivo, entre
outros) por meio de doações. A escola já apresentava área
disponível para a construção das hortas. No total, foram
preparados seis canteiros para plantio das sementes e/ou mudas
doadas (Figura 1). Um canteiro em formato de mandala,
caracterizado por uma área de cultivo com padrão circular ou
espiral, também foi construído. Esse tipo de canteiro foi
estabelecido para que os alunos da escola tivessem
conhecimento de técnicas diferentes de jardinagem (Figura 2).

114
Os discentes da Agronomia da UEMG realizaram
minicursos práticos com os adolescentes da escola para
preparação do solo e plantio de diversos produtos de consumo
alimentício. Considerando a intensidade de luz e a perturbação
por animais nas hortas, os alunos construíram telas de
sombreamento – sombrites – de proteção para os seis canteiros,
exceto para o canteiro da mandala.
Este projeto foi desenvolvido ao longo de 20 meses,
entre os anos de 2022 e 2023.

Figura 1: Visão geral dos Figura 2: Preparação do canteiro


canteiros estabelecidos na Escola em formato de mandala.
Estadual Risoleta Neves.

Fonte: Obtida pelas autoras (2023).

Resultados e discussão
Participaram deste projeto, em média, 15 discentes do
curso de graduação de Agronomia da UEMG e 13 adolescentes
(do sexo masculino) da EEEERN.
Para início das atividades práticas, os discentes do curso
de Agronomia da UEMG conscientizaram os alunos da escola
sobre a importância do enriquecimento orgânico do solo, o qual

115
foi colocado em prática a partir da preparação do terreno e
adição de adubo orgânico (esterco) e calcário. Logo após a
preparação do solo, os discentes da UEMG ministraram
minicursos práticos para plantação de sementes de alface para
formação de muda (Figura 3), além de maracujá e cereja. As
sementes utilizadas para os minicursos foram doadas pelo
DECAN/UEMG, que forneceu ainda equipamentos como
enxada, carrinho de mão, enxadão, dentre outros.
Em um segundo momento, foram realizados minicursos
para ensinamento de técnicas de plantação de cebolinha,
abóbora, pimenta, couve, beterraba, salsinha, quiabo, berinjela e
mandioca. Mudas de bananeira, já existentes no local, também
foram utilizadas para o minicurso de replantio de banana
(Figuras 4 e 5). A manutenção dos canteiros foi realizada
semanalmente, às quartas e sextas-feiras, pelos discentes
voluntários do projeto de ambas as instituições de ensino.

Figura 3: Minicurso Figura 4: Minicurso de Figura 5: Minicurso


de plantio de alface. replantio de mudas de de replantio de
bananeira. mudas.

Fonte: Obtida pelas autoras (2023).

116
Após a efetivação dos minicursos e ensinamentos das
diferentes técnicas de plantio, os alunos construíram, em
colaboração, sombrites nos seis canteiros para afastar pássaros
indesejados nas hortas (Figura 6). O processo do cultivo
prosperou até os períodos de intensas chuvas no ano de 2023
(meados de julho) na cidade de Ituiutaba, que destruiu os
sombrites e permitiu a invasão por pássaros. Com a destruição
dos sombrites, os alunos optaram pela construção de uma estufa,
em uma estrutura mais robusta com base em madeira encontrada
na escola.

Figura 6: Trabalho de cuidado em grupo às hortas, com atuação dos


alunos da UEMG e da Escola Estadual Risoleta Neves.

Fonte: Obtida pelas autoras (2023).

Os alunos levaram 2 meses para finalizar a estrutura da


estufa e então reiniciaram as atividades de plantio (Figuras 7 e
8).

117
Figura 7: Construção da estufa Figura 8: Manutenção dos
na Escola Estadual Risoleta canteiros após a implementação
Neves. das estufas.

Fonte: Obtida pelas autoras (2023).

A estufa amenizou as dificuldades enfrentadas


anteriormente e as hortaliças responderam com um bom
desenvolvimento, sendo necessária apenas a realização da
manutenção semanal na horta.
Com a estufa estabelecida, foram cultivados novos
canteiros com alface, cebolinha, rabanete e couve, considerando
a importância do espaçamento entre as mudas durante o plantio
(Figura 9).
As colheitas dos itens alimentares gerados pelas hortas
foram realizadas pelos alunos da escola e os produtos foram
levados para seus domicílios para consumo familiar.

118
Figura 9: Itens alimentícios gerados pela horta regenerativa na Escola
Estadual de Educação Especial Risoleta Neves.

Fonte: Obtida pelas autoras (2023).

Além do ensinamento das técnicas de plantio, ficou


evidente a transmissão de conhecimento sustentável para a
comunidade local, incluindo os familiares dos adolescentes
participantes das hortas. No que diz respeito às relações
humanas, foi notória a aproximação dos alunos da escola
estadual e dos discentes de graduação da UEMG. Por se tratar
de uma Escola de Educação Especial, que inclui adolescentes
com particularidades sociais, percebeu-se que muitos alunos que
evitavam as interações sociais inicialmente, ao término do
projeto, manifestavam atos de carinho como abraços e menção
da palavra “saudade”. A discente bolsista deste projeto,
vinculada a UEMG, mencionou em uma de suas falas, a respeito
de um dos adolescentes da escola: “Antes eles tinham “medo”
da gente, agora ele abraça, conta da vida... enfim, muita
gratidão”.
Observamos também a progressão no desenvolvimento
da autonomia dos alunos da escola durante o plantio e

119
manutenção dos canteiros, ao longo do tempo. Os discentes do
curso de Agronomia da UEMG relataram ter experimentado
“uma experiência única e extremamente gratificante” a partir do
desenvolvimento deste projeto de extensão. Eles afirmam ainda
a importância de colocar em prática conceitos aprendidos na
Universidade em comunidades que demandam atenção especial.
Ao término do projeto, os alunos realizaram uma
confraternização na própria escola, em um piquenique na área
externa próxima à horta. Todas as atividades do grupo foram
divulgadas em redes sociais a partir da plataforma Instagram,
@pesea_uemg, intitulada “Projeto de Extensão Social à
Educação Agrícola”. Apesar de todas as dificuldades e
contratempos, ambas as instituições, por meio de relatos de seus
alunos, coordenadores, direção da escola e qualquer outro
indivíduo participante, mencionaram uma vivência importante e
construtiva.
A partir dos resultados atingidos, esperamos encorajar
outras ações sociais que viabilizem a participação da
comunidade local em práticas sustentáveis. No que diz respeito
às hortas, já é conhecido o potencial das práticas hortícolas na
melhoria da qualidade de vida dos envolvidos (Perrins-Margalis
et al., 2000, Wiesinger; Neuhauser; Putz, 2006), e esse conceito
é especialmente relevante no contexto da neurodiversidade. De
fato, a horticultura tem sido reconhecida e utilizada como
atividade terapêutica (Sempik; Aldridgem; Becker, 2003,
Clatworthy; Hinds; Camic, 2013) devido aos seus vários
benefícios associados, tais como a redução do estresse,
estabilização do humor, aumento da sensação de tranquilidade
(Ulrich et al., 1991; Kam; Siu, 2010; Han; Park; Ahn, 2018),
diminuição da fadiga e melhoria da capacidade cognitiva
(Berman; Jonides; Kaplan, 2008). Além dos benefícios

120
individuais, o desenvolvimento de hortas pode proporcionar um
ambiente de coesão grupal, com um sentimento de
pertencimento entre os participantes (Diamant; Waterhouse,
2010, Gonzalez et al., 2011). O engajamento de atividades com
um propósito comum converge em um sentimento de realização
e produtividade (Lohr; Pearson-Mims; Goodwin, 1996). Os
benefícios da horticultura comunitária são tão brandos que
mostraram-se capazes de retardar os sintomas de síndromes
cognitivas (Simons et al., 2006).
Acreditamos que as hortas baseadas na Agricultura
Regenerativa não devem ser apenas relacionadas ao processo de
plantio em si, ou vinculadas apenas à área da Agronomia, mas
também serem utilizadas como método de ensino-aprendizagem
para outros conceitos, tais como Biologia, Matemática, Química,
e até mesmo a culinária. Se explorarmos essa metodologia com
uma pitada de criatividade, as hortas podem representar um rico
material de estudo multidisciplinar nas escolas. Por exemplo,
germinar sementes é uma maneira ideal de produzir brotos de
salada, especialmente em espaço pequenos, ao mesmo tempo em
que ensina crianças sobre a jornada dos alimentos do campo até
a mesa. As flores podem ser usadas para resolver equações
matemáticas. Examinar o solo, raízes e brotos, além das
interações biológicas estabelecidas entre animais e plantas,
oferecem material para lições sobre a cadeia alimentar e
resiliência dos ecossistemas.
Não apenas os pontos positivos provenientes das hortas
regenerativas (ex.: produção dos alimentos e solidariedade), mas
também os imprevistos enfrentados ao longo do percurso, tais
como aqueles ocorridos durante a execução do projeto, como as
tempestades e consequente destruição dos sombrites e a invasão
dos canteiros por plantas daninhas, encorajam a persistência,

121
paciência e atividade em grupo. A horticultura oferece um
espaço, no qual os testes e os erros são bem-vindos, permitindo
que a imaginação flua livremente sobre o que cultivar e como
cuidar. Nas hortas, o trabalho nunca termina, e os cuidados e a
manutenção mantêm os “jardineiros” ativos e envolvidos nas
atividades de forma constante, estabelecendo assim uma rotina
de cuidados, internos e externos, com a natureza.

Considerações finais
Este projeto foi desenvolvido de maneira colaborativa
entre discentes do curso de Agronomia da UEMG Ituiutaba e
adolescentes matriculados na Escola Estadual de Educação
Especial Risoleta Neves. Deve-se destacar a proatividade dos
discentes de ambas as Instituições na realização das hortas,
desde a aquisição dos insumos necessários até o
desenvolvimento de minicursos práticos e implementação das
próprias hortas. O projeto também teve como objetivo
estabelecer perspectivas futuras, dentre elas: expandir a
conscientização da comunidade local a respeito da importância
do desenvolvimento de hortas saudáveis, realizar palestras para
a comunidade sobre as metodologias aplicadas e resultados
atingidos, e criar hortas regenerativas em demais instituições
que demonstrem interesse.
Esperamos ter sensibilizado a comunidade local sobre a
importância da Agricultura Regenerativa e ter fortalecido o
acesso entre a Universidade e os colégios estaduais. Esperamos
ainda que este ponto de partida estabeleça ações duradouras, que
possam contribuir na produção de alimentos provenientes de
hortas saudáveis a longo prazo, principalmente em Instituições
públicas de ensino, nas quais a carência social é ainda evidente.

122
Agradecimentos
Agradecemos ao Programa Institucional de Apoio à Extensão
(PAEx/UEMG), Edital nº 01/2023, que nos apoiou com bolsas
para aluno de graduação e professor orientador. Agradecemos
também a todos os alunos que atuaram voluntariamente nas
ações descritas neste capítulo, especialmente ao André L. A.
Melo, Bruna L. N. Pacheco, Eduarda V. Alves, Felipe D.
Tonini, Julia E. A. G. Moeira, Rodrigo J. Silva e Társio S. P.
Teixeira.

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126
CAPÍTULO VI

APLICAÇÃO DIDÁTICA DA INTELIGÊNCIA


ARTIFICAL (IA), AVANÇO OU RETROCESSO? UM
ESTUDO DE CASO

Amanda Fialho
Franciane Diniz Cogo

Introdução
A evolução das ferramentas de Inteligência Artificial
(IA) tem desempenhado um papel transformador em diversas
áreas. A Educação é uma das que mais se beneficiou desse
avanço. Podemos afirmar que, nos últimos anos, esse tema se
popularizou nas mais diversas camadas da sociedade.
A fundamentação da IA iniciou com os primeiros
trabalhos científicos publicados nas décadas de 1940 e 1950.
Warren McCulloch e Walter Pitts (1990) criaram um modelo
computacional para redes neurais baseado em matemática e
algoritmos, denominado lógica de limiar. Em 1958, Frank
Rosenblatt criou o Perceptron, um algoritmo para o
reconhecimento de padrões baseado em uma rede neural
computacional de duas camadas, usando operações simples de
adição e subtração. Ele também propôs a utilização de camadas
adicionais com notações matemáticas, mas isso só seria
concretizado em 1975.

127
Na década de 1980, podemos observar um avanço
significativo nas pesquisas sobre IA (Figura 1), com a
popularização de ferramentas chamadas de sistemas
especialistas, como o MYCIN (para diagnóstico médico). Na
sequência, diversas demonstrações das aplicações da IA no
cotidiano da humanidade começaram a surgir. Por exemplo, em
2000, a IA começou a ser amplamente utilizada em motores de
busca, marketing digital e personalização de conteúdo. Em
2006, Geoffrey Hinton e outros introduziram o conceito de
aprendizado profundo (deep learning), utilizando redes neurais
profundas que revolucionaram o campo.

Figura 1: Linha do Tempo das pesquisas sobre IA.

Fonte: Elaborada pelas autoras (2024).

Dessa forma, a cultura da IA mostrou-se um caminho


sem volta. Em 2010, ferramentas como Generative Pre-trained

128
Transformer (GPT): GPT-2 e GPT-3, desenvolvidas pela
OpenAI, começaram a produzir textos que se assemelham muito
à escrita humana. A partir desse momento, a IA passou a ser
uma presença constante nas discussões em sala de aula,
independentemente da linha de formação. Em meados de 2023,
surgiram os modelos multimodais de IA, capazes de processar
texto, imagem e áudio de maneira integrada, que começaram a
ser amplamente utilizados em diversas aplicações. Nesse
contexto, em 2024, a IA tornou-se uma parte integral da
educação, saúde, indústria e entretenimento, como citado
anteriormente, um caminho sem volta.
No meio acadêmico, existe uma preocupação crescente
sobre o uso do ChatGPT pelos estudantes, especialmente
quando é utilizado de forma acrítica, em busca de facilidades e
economia de tempo, em vez de ampliação e reforço do
conhecimento sobre um tema específico. Essa ferramenta é
caracterizada como uma IA do tipo generativa, sendo a
plataforma pioneira que se popularizou desde 2015, inicialmente
de maneira gratuita, chegando à atualidade com uma versão
melhorada, com opções de uso gratuito ou pago. O “GPT-3,
lançado em junho de 2020, foi treinado com cerca de 500
bilhões de palavras” (Kaufman, 2022, p. 244).
Dessa forma, o uso dessas ferramentas torna-se cada vez
mais frequente e, muitas vezes, justificado. No entanto, faz-se
necessário refletir sobre sua aplicação em sala de aula. Como
propõe Santaella (2023), essa reflexão nos coloca em uma via
condizente com uma tecnologia que possa ser empregada a favor
da vida.
Cada vez mais a presença de aplicativos de IA que
prometem facilidades na realização das tarefas acadêmicas se
popularizam entre os estudantes das mais diversas áreas,

129
pensando nisso, este estudo de caso desenvolveu-se para discutir
estratégias de utilização dessas ferramentas em uma disciplina
do curso de agronomia, com o tema ‘fitonematoides”. Sendo
que, os estudos sobre fitonematoides são de fundamental
importância nos cursos de graduação das Ciências Agrárias,
sendo uma área do conhecimento que integra de forma
indispensável a grade curricular desses cursos, especialmente na
formação dos profissionais de agronomia. Esses organismos são
parasitas de plantas de importância agrícola e representam um
grupo que causam sérios danos em todo o mundo, afetando
diretamente a produtividade e a qualidade das safras (Ferraz;
Brown, 2016).
Dada a sua relevância, é crucial que os futuros
agrônomos tenham uma compreensão profunda sobre esses
parasitas para que possam atuar de maneira eficaz no manejo e
controle das infestações, garantindo a saúde das plantas e,
consequentemente, a sustentabilidade das práticas agrícolas.
Sendo primordial o desenvolvimento da capacidade de um
profissional da área em identificar, diagnosticar e implementar
estratégias de controle de fitonematoides.
Por entender a relevância do tema “Fitonematoides em
culturas agrícolas de importância econômica” é que se
desenvolveu o estudo de caso sobre o uso de ferramentas de IA
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é elaborar estratégias
de uso da IA dentro da sala de aula, promovendo o aprendizado
de forma crítica e assertiva.

Desenvolvimento
No ano de 2023, fui designada a ministrar a disciplina de
Nematologia Agrícola, para formação inserida no currículo de

130
Agronomia. A elaboração do plano de trabalho, para
organização da disciplina no semestre, prevê a realização de
atividades avaliativas, que normalmente podem ser das
seguintes categorias: estudos dirigidos, apresentação de
seminários, testes rápidos com pergunta única, provas
elaboradas com questões objetivas e questões discursivas, dentre
outros. Dessa vez, decidi incluir a utilização da ferramenta de IA
ChatGPT nas atividades avaliativas, uma vez que os estudantes
estavam claramente utilizando de forma inadequada e sem
orientação para realizar pequenas tarefas fora da sala de aula.
A atividade foi realizada, na sala de aula, durante o
período de 50 minutos. O enunciado solicitava que cada equipe
produzisse um texto dissertativo de uma lauda sobre a
importância e características dos seguintes gêneros de
fitonematoides: Meloidogyne, Heterodera, Pratylenchus. O
detalhe é que deveria ser dado o comando da consulta no
aplicativo ChatGPT, o qual a maioria dos estudantes tinham
acesso e costume de utilizar.
Após a produção de cada texto, por meio da IA, propôs-
se comparar com o texto do livro “Nematologia de plantas:
fundamentos e importância” e com outros artigos científicos
disponíveis em periódicos, como se recomendaria a forma
padrão dos estudos.
Cada grupo elaborou seu questionamento para o
aplicativo e obteve um texto abordando o tema. Esse texto, após
ser impresso, foi base de comparação em leituras de artigos e
livros relacionado ao tema. Dessa forma, pôde-se propor uma
análise crítica.

131
Análise dos textos produzidos pela IA
A Figura 2 apresenta as respostas encontradas para
“Estratégias para o controle dos fitonematoides, especificando o
gênero elaborado pela IA”.

Figura 2: Estratégias para o controle dos fitonematoides, especificando o


gênero recuperado pela IA.

Fonte: Elaborada pelas autoras (2024).

É notório que os três textos apresentaram similaridades,


o que pode ser verificado através dos termos “práticas culturais,
rotação de cultura, plantas hospedeiras, nematicidas, plantas
resistentes e solo”. Além disso, o número de palavras para os

132
grupos 01, 02 e 03 são 83, 70 e 71, respetivamente são
aproximadas.
O uso de um programa antiplágio para a utilização de IA
verificaria a ausência de marca autoral (Irigaray; Stocker, 2023),
no contexto de escrita de uma publicação, o trabalho seria
recusado. Contudo, em um ambiente de estudantes iniciantes no
tema abordado, a busca pode contribuir no conhecimento inicial,
uma vez que o ChatGPT, além e apresentar a interface intuitiva
e simples, é um gerador de textos coerentes e estruturados em
linguagem natural (Peres, 2024).
Associando o interesse dos estudantes pelas tecnologias
e o direcionamento assertivo do professor durante as atividades
com IA, pode-se promover o engajamento positivo nas
disciplinas, tornando-se um grande aliado do ensino-
aprendizagem.
Outra forma, é orientar os estudantes no uso da IA
quanto a melhoria dos textos escritos, pode solicitar que o
programa corrija (ortografia e sintaxe) e apresente sugestões
para a melhoria do texto.
O professor em sala de aula é essencial, no entanto,
lecionar passou a ser desafiador, no processo de formação dos
estudantes. É necessário conscientizar os profissionais das
diversas áreas do conhecimento, especialmente professores
(formação continuada), que ainda possuem medo no uso IA.
Assim, Lobo (2023) relata “Medo da inovação e
mudança sempre existirá, cabendo ao homem não rejeitá-las,
mas procurar avaliar o seu alcance no seu campo de ação e,
eventualmente, como incorporá-las ao seu trabalho”.
A Figura 3 traz as informações sobre o ciclo de vida de
cada gênero elaborada pelos grupos utilizando a IA. O número

133
de palavras para os grupos 01, 02 e 03 são 42, 51 e 60,
respetivamente são similares, seguindo o mesmo padrão de
elaboração de respostas da “Estratégias para o controle dos
fitonematoides, especificando o gênero elaborado pela IA”

Figura 3: Informações sobre o ciclo de vida.

Fonte: Elaborada pelas autoras (2024).


As respostas elaboradas para a pergunta “Informações
sobre o ciclo de vida” são generalistas, faltando riqueza de
detalhes do ciclo de vida dos fitonematoides. Nesse momento, o
professor deve interferir para conduzir o estudante a comparar o
texto elaborado pela IA com o livro didático disponível na

134
Universidade e levá-lo a escrever relatórios (escritos a mãos) de
modo a conduzi-lo a um pensamento crítico.
Os quadros 1 e 2 trazem as informações esperadas para
uma busca com conhecimento nível de graduação.

Quadro 1: Informações sobre o ciclo de vida, especificando o gênero


gerados pelo ChatGPT e pesquisa.

Texto gerado pelo ChatGPT Informação elaborada por pesquisa

O ciclo de vida dos “(Heterodera, Globodera), por


**Heterodera** envolve várias exemplo, cerca de uma semana após
fases, desde a eclosão das larvas o J2 ter penetrado na raiz da
no solo, que buscam ativamente hospedeira e iniciado o parasitismo,
as raízes das plantas hospedeiras, ocorre alteração no padrão das
até a penetração e camadas cuticulares e a forma do
estabelecimento dentro das raízes, corpo muda de filiforme para
onde se alimentam e se salsichoide. Tal mudança decorre de
desenvolvem. As larvas de atrofia muscular que leva a uma
segundo estádio (J2) são as subsequente e forte redução na
responsáveis pela infecção inicial, mobilidade do juvenil e reflete bem a
e após penetrarem nas raízes, adaptação dos nematoides desses
iniciam a formação dos cistos gêneros a um modo sedentário de
(OpenAI, 2023). vida” (Ferraz; Brown, 2016).
“O ciclo de vida da espécie pode
durar 24 a 30 dias sob ótimas
condições, no verão.
Consequentemente, duas a quatro
gerações por estação de crescimento
são possíveis” (Schuster et al., 2001).

O ciclo de vida dos “o ciclo de vida dos nematoides de

135
**Meloidogyne** é relativamente galhas demanda, pelo menos, três a
curto, com as fêmeas depositando quatro semanas para se completar.
centenas de ovos em uma massa Assim, o produtor aguardava de 15 a
gelatinosa na superfície das raízes 18 dias a partir da data da germinação
ou no solo circundante. Após a das primeiras plantas, período
eclosão, as larvas de segundo durante o qual deveria acontecer
estádio (J2) migram em busca de maciça penetração nas raízes por J2
novas raízes para infectar, infectantes recém eclodidos presentes
perpetuando o ciclo (OpenAI, no solo” (Ferraz; Brown, 2016).
2023).

O ciclo de vida de “O ciclo de vida dos pratilenquídeos


**Pratylenchus** é relativamente compreende as fases de ovo, juvenil
rápido, com várias gerações (quatro estádios, de J1 a J4) e adulto
ocorrendo em uma única (fêmea ou macho); todos os estádios
temporada de cultivo. Esse fator, móveis são infectantes, podendo
combinado com a capacidade de penetrar e abandonar repetidamente o
infestar múltiplas plantas órgão vegetal atacado durante toda a
hospedeiras, faz com que as vida. As fêmeas no geral depositam
populações desses nematoides os ovos no interior de raízes
possam aumentar rapidamente, parasitadas, mas podem liberá-los
especialmente em monoculturas, diretamente no solo, o que é menos
onde a rotação de culturas não é comum. Nesse caso, os J2 recém-
praticada (OpenAI, 2023). eclodidos migram à procura de novas
raízes para invadi-las e retomar o
parasitismo. O número total de ovos
por fêmea varia com a espécie; em
média, tem sido estimado em 70 a
120” (Ferraz; Brown, 2016).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2024).

Quadro 2: Estratégias para o controle dos fitonematoides, especificando o


gênero gerados pelo ChatGPT e pesquisa.

Texto gerado pelo ChatGPT Informação elaborada por

136
pesquisa

O manejo de **Heterodera** é “Em áreas onde o NCS já foi


complexo e desafiador devido à sua identificado, o produtor tem que
capacidade de formar cistos conviver com o mesmo, uma vez
resistentes. Estratégias eficazes de que sua erradicação é praticamente
manejo incluem a rotação de impossível. Algumas medidas
culturas com plantas não ajudam a minimizar as perdas,
hospedeiras, o uso de cultivares destacando-se a rotação de culturas
resistentes e a aplicação de com plantas não hospedeiras e o
nematicidas específicos. Além uso de cultivares resistentes, sendo
disso, práticas culturais como a o ideal a combinação dos dois
incorporação de matéria orgânica métodos.”.... “O cultivo de plantas
no solo e a manutenção da sanidade não hospedeiras na entressafra
das sementes também podem (maio a agosto) não mostrou ser
contribuir para a redução das boa opção para redução da
populações de cistos no solo população do nematoide. Assim, a
(OpenAI, 2023). rotação de culturas não deve ser
substituída pela sucessão de
culturas. Por outro lado, a presença
de soja voluntária (tigüera) ou de
espécies hospedeiras na área
durante a entressafra, contribui para
aumentar o inóculo para a safra de
verão seguinte”. (Dias et al., 2010).

As abordagens de controle incluem “Nas culturas anuais, seja no


práticas culturais, como rotação de sistema de plantio convencional ou
culturas com plantas não no plantio direto, recorre-se hoje à
hospedeiras, o uso de nematicidas integração dos métodos varietal,
químicos, e o desenvolvimento de cultural, biológico e químico de
cultivares resistentes, que são controle de fitonematoides para a
cruciais para mitigar os danos formulação de estratégias que
causados por esses parasitas. Além permitam manejo eficiente de
disso, o manejo integrado de pragas diferentes espécies presentes numa

137
(MIP) tem ganhado destaque como gleba infestada. E aqui se incluem
uma abordagem sustentável no até as situações de maior
controle dos **Meloidogyne**. complexidade, como a ocorrência
Essa estratégia combina diferentes de formas migradoras e sedentárias
métodos de controle, visando em populações mistas... sendo o
minimizar o impacto ambiental e manejo atual baseado, tanto quanto
econômico, ao mesmo tempo em possível, na utilização dessa técnica
que preserva a saúde do solo e a em associação com plantio de
biodiversidade (OpenAI, 2023). cultivar resistente/tolerante, com
plantio intercalar de culturas não
hospedeiras ou antagonistas, com a
incorporação de matéria orgânica
ao solo e outras medidas” (Ferraz;
Brown, 2016).

Outra estratégia importante é o “Para o correto manejo nas áreas


desenvolvimento e a utilização de infestadas pelo nematoide-das-
cultivares resistentes, que podem lesões-radiculares é
suportar a presença do nematoide imprescindível conhecer a reação
sem sofrer danos significativos. A (suscetível, resistente e tolerante)
aplicação de nematicidas, embora das plantas ao nematoide para haver
eficaz, deve ser usada com cautela um planejamento do plantio com o
devido ao impacto ambiental e à objetivo de diminuir a população.
possível resistência dos nematoides Dessa forma, o objetivo dessa
aos produtos químicos. Além disso, revisão é descrever características
o manejo integrado de pragas biológicas do P. brachyurus bem
(MIP), que combina diferentes como os princípios de controle
técnicas de controle, é altamente (exclusão, erradicação, imunização
recomendado para o controle e proteção) utilizados no
sustentável de **Pratylenchus** patossistema nematoide-das-lesões-
(OpenAI, 2023). radiculares × cultura da soja”
(Ferraz; Brown, 2016).

Fonte: Elaborada pelas autoras (2024).

138
Após as comparações dos textos elaborados pelo
ChatGPT e os textos produzidos com leituras em textos
técnicos, livros e artigos, pode-se refletir sobre a importância de
realizar uma pesquisa de forma estruturada e crítica, pois
claramente a resposta elaborada pela IA mostra-se superficial e,
em termos técnicos, extremamente geral. Apesar disso, não foi
detectada nenhuma informação incorreta ou muito conflitante
com os conceitos do tema estudado. Além disso, os nomes
científicos apresentados como resultado elaborado por essa
ferramenta de IA, como pode ser observado na primeira coluna
do quadro 02, não são descritos conforme a norma científica,
que exige o destaque em itálico desses nomes, e casa vez mais
percebemos a desatenção com essas normativas por parte dos
estudantes em sala de aula.

De qualquer forma, as informações obtidas são


insuficientes para fomentar uma discussão mais aprofundada
sobre os temas pesquisados. Nessa esteira, a atividade foi
interessante e despertou a atenção dos estudantes envolvidos,
que argumentavam sobre a importância de usar essas
ferramentas como facilitadoras da busca do conhecimento,
entretanto, jamais como ferramenta única para a realização das
atividades avaliativas de sua formação acadêmica.
Na oportunidade foi apresentado aos estudantes outra
opção de uso racional do ChatGPT para ajudar no planejamento
dos estudos, não somente do tema fitopatologia, mas de uma
forma geral dentro dos conteúdos acadêmicos.
Para isso, foram elaboradas perguntas objetivas, como:
i) Qual seria uma referência fundamental para
elaboração de uma revisão sobre o gênero Prathylenchulus? ii)
Qual seria uma referência fundamental para elaboração de uma

139
revisão sobre o gênero Meloidogyne? iii) Qual seria uma
referência fundamental para elaboração de uma revisão sobre o
gênero Heterodera?
Após a aplicação de cada uma dessas perguntas no
ChatGPT, foram obtidas as respostas pertinentes, sendo
aportados material científico e técnico de relevância sobre cada
tema especificado, conforme o demonstrado no Quadro 3.

Quadro 03: Pesquisa realizada no ChatGPT sobre referências relevantes.

Qual seria uma referência fundamental para elaboração de uma


revisão sobre o gênero Prathylenchulus?

Qual seria uma referência fundamental para elaboração de uma


revisão sobre o gênero Meloidogyne?

140
Qual seria uma referência fundamental para elaboração de uma
revisão sobre o gênero Heterodera?

Fonte: Elaborada pelas autoras (2024).

As referências sugeridas pelo ChatGPT mostraram-se


coerentes com o tema pesquisado. Foi verificado que os nomes
dos autores sugeridos estão no cerne do tema questionado ao
aplicativo. Com essas sugestões, pode-se buscar mais
entendimento sobre o assunto. Sendo assim, a utilização desse
tipo de ferramenta revela-se eficiente dentro de um contexto de
aprendizagem, podendo apoiar a realização de trabalhos
acadêmicos, desde que ocorra uma orientação adequada, com
senso crítico e, principalmente, em comum acordo com os
envolvidos.

141
Considerações finais
A IA é uma realidade presente no sistema de ensino-
aprendizagem. As respostas encontradas foram similares quanto
ao número de palavras, termos utilizados e as respostas
generalistas, comparando ao resultado esperado (pesquisas e
livros didáticos). Contudo, a ferramenta é útil para promover o
engajamento positivo nas disciplinas e despertar o interesse
inicial dos estudantes pelo tema abordado. O professor deve
conduzir o estudante para a assertividade na utilização da IA, no
contexto acadêmico.

Referências
DIAS, W. P.; SILVA, J. F. V.; CARNEIRO, G. E. S.; GARCIA,
A.; ARIAS, C. A. A. Nematoide de cisto da soja: biologia e
manejo pelo uso da resistência genética. Nematologia
Brasileira, Piracicaba/SP, v. 33, n. 01, p. 01-16, 2009.
FERRAZ, L. C. C. B. Nematoides. In: AMORIM, L.;
REZENDE, J. A. M.; BERGAMIN FILHO, A. Manual de
Fitopatologia: princípios e conceitos. 5. ed. Ouro Fino/MG:
Agronômica Ceres, 2018. v. 1, cap. 13, p. 195- 211.
FERRAZ, L. C. C. B.; BROWN, D. J. F. (Orgs.). Nematologia
de plantas: fundamentos e importância. Manaus/AM: Norma,
2016. 251p.
IRIGARAY, H. A. R.; STOCKER, F. ChatGPT: um museu de
grandes novidades. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro/RJ,
v. 21, n. 01, p. 01-05, e88776, Jan./Fev. 2023.
KAUFMAN, D. Um projeto de futuro. In: Piauí. 22 Out. 2021.
Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/um-projeto-de-
futuro/. Acesso em: 28 Ago. 2024.

142
LOBO, L. C. ChatGPT e o medo da Inteligência Artificial. In:
Fiocruz Brasília. Mai. 2023. Disponível em:
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/artigo-de-opiniao-chatgpt-
e-o-medo-da-inteligencia-artificial/. Acesso em: 14 Set. 2024.
McCULLOCH S. W; PITTS W. A logical calculus of the ideas
immanent in nervous activity. The bulletin of mathematical
biology, v. 52, n. 01/02, p. 99-115, 1990.
OPENAI. OpenAI: How should AI systems behave, and who
should decide?, 2023. Disponível em: https://openai.com/.
Acesso em: 23 Set. 2024.
PERES, F. A literacia em saúde no ChatGPT: explorando o
potencial de uso de inteligência artificial para a elaboração de
textos acadêmicos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro/RJ, v. 29, n. 01, p. 01-13, e02412023, Jan. 2024.
SANTAELLA, L. A inteligência artificial é inteligente? São
Paulo/SP: Almedina, 2023.
SCHUSTER, I.; ABDELNOOR, R. V.; MARIN, S. R. R.;
CARVALHO, V. P.; KIIHL, R. A. S.; SILVA, J. F. V.;
SEDIYAMA, C. S.; BARROS, E. G.; MOREIRA, M. A.
Identification of a new major QTL associated with resistance to
soybean cyst nematode (Heterodera glycines). Theoretical
Applied Genetics, v. 102, p. 91-96, Jan. 2001.

143
CAPÍTULO VII

IMPLEMENTAÇÃO E EFICÁCIA DE UM CURSO


PROFISSIONALIZANTE EM USINA DE CANA-DE-
AÇÚCAR: análise de impacto da atividade extensionista

Cristhyane Millena de Freita


Juliana Pelegrini Roviero

Introdução
O processo de ensino-aprendizagem é um fenômeno
complexo e multifacetado que envolve interações dinâmicas
entre professores, alunos e o ambiente educacional. No entanto,
as práticas inovadoras também podem englobar dinâmicas como
projetos extensionistas, que transcendem as delimitações da
Universidade e alcançam a população regional.
Neste sentido, Paulo Freire (1985) que enfatiza a
importância do diálogo nas práticas extensionistas com a
comunidade, comenta que se o extensionista:
não for capaz de crer nos camponeses, de comungar com
eles, será no seu trabalho, no melhor dos casos, um
técnico frio. Provavelmente, um tecnicista; ou mesmo
um bom reformista. Nunca, porém, um educador da e
para as transformações radicais (Freire 1985, p. 65).

144
Sendo assim, para que esse processo de ensino-
aprendizado seja efetivo, é necessário compreender e
implementar práticas que promovam o sucesso educacional.
Diversas experiências exitosas têm sido documentadas em
pesquisas educacionais, oferecendo insights valiosos sobre como
otimizar o aprendizado e engajamento do público-alvo.
Nesse contexto, o presente estudo aborda a
implementação e eficácia de um curso extensionista, em uma
usina de cana-de-açúcar, com análise de impacto da atividade,
cuja modalidade a ser tematizada é o Relato de Experiência
(RE), baseado na vivência do curso extensionista.
O objetivo dessa atividade foi introduzir o aprendizado
teórico, como forma de profissionalizar os colaboradores dos
diversos setores da fábrica de açúcar da usina, das quais foram
abordados o Tratamento do Caldo, Evaporação, Cristalização e
Centrifugação.
O principal intuito foi divulgar e criar diálogo entre os
colaboradores, abrangendo o conhecimento essencial para o
desenvolvimento desse produto alimentício, unificando as
fundamentações teóricas, com as práticas profissionais dos
colaboradores especializados, tornando-os entendedores da
ciência por trás dos equipamentos, promovendo, assim, a
amplitude de conhecimento e, consequentemente, um
profissional gabaritado.
O curso permitiu aos colaboradores o conhecimento
aprofundado e científico, sob a ótica da produção de açúcar e
suas principais etapas, em amplo espectro: introdução sobre
conceitos gerais, aplicações em pesquisas científicas, aplicações
agroindustriais e de processo, abordagens ambientais, tendências

145
mercadológicas e oportunidades de desenvolvimento de
tecnologias.
Tais iniciativas são de extrema importância, logo que o
cenário brasileiro Sucroenergético tem participação importante
no Produto Interno Bruto (PIB), sendo fonte de alimentos e base
de muitos processos diversificados (CONAB, 2024).
Contudo, essa atividade buscou o crescimento
profissional, a partir de se debater, divulgar e criar diálogo entre
diversos processos da Produção de Açúcar e o potencial uso de
suas propriedades a favor do desenvolvimento teórico no campo
científico e industrial.
Essa iniciativa objetivou dar visibilidade ao trabalho
executado pela Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) Unidade Ituiutaba, no curso de Graduação –
modalidade Tecnologia – em Produção Sucroalcooleira,
impulsionando o interesse geral pelo tema e oportunizando o
conhecimento acadêmico aos colaboradores da usina sobre o
assunto. Ademais, foi propiciado um ambiente para trocas de
experiências e arranjos de parcerias, refletindo as necessidades
que esse nicho de mercado apresenta.

Desenvolvimento
A proposta de ação do Curso Profissionalizante de
extensão universitária ocorreu em parceria com a Usina Carmo
do Rio Verde (CRV) Industrial, cuja filial está localizada na
microrregião geográfica de Ituiutaba, conforme definido pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1990),
mais especificamente, no município de Capinópolis/MG,
localizada no km 226, zona rural.

146
Desenvolveu-se uma atividade contínua de formação ao
setor sucroenergético, com ênfase nos processos da produção de
açúcar. O curso ocorreu no auditório da unidade produtora, em
encontros diários de 4 (quatro) horas, no período de 01 (uma)
semana. Os dias e horários foram definidos conforme adequação
ao público e aos participantes convidados.
O cronograma de atividades do projeto extensionista teve
como foco a produção de açúcar e englobou as etapas
necessárias à sua fabricação, tendo como participantes os
colaboradores da usina, vinculados ao setor da indústria de cana-
de-açúcar.
Criou-se um folheto com datas, horários e temas das
aulas do curso profissionalizante, para divulgação da usina aos
seus colaboradores (Figura 1). Nesse folheto ficou estabelecido
o cronograma das atividades a serem desenvolvidas durante o
curso. O público-alvo desse curso foi composto por
colaboradores da Usina CRV Industrial. Foram 02 (duas)
turmas: 01 (uma) com 15 (quinze) e outra com 16 (dezesseis)
colaboradores, totalizando 31 alunos.
Esses trabalhadores eram dos diversos setores da usina,
da fabricação de açúcar, sendo: Moagem, Tratamento do Caldo,
Evaporação, Cozimento e Operador do Centro de Operações
Industriais (COI) e do sistema de integração das funções.
Neste contexto, os temas abordados no curso foram
escolhidos baseados no fluxograma de produção do açúcar e as
metodologias abordadas foram baseadas no Centro de
Tecnologia Canavieira (CTC, 2009), Comissão Internacional
para Métodos Uniformes de Análise de Açúcar (ICUMSA,
2015) e Code of Federal Regulations (CRF, 2001), sendo o
órgão Food and Drug Administration (FDA), o responsável por

147
regulamentar e aplicar as normas contidas no Título 21 do CRF
(2001), que trata de alimentos e medicamentos.
Figura 1: Cronograma da I Semana do Curso Profissionalizante Tecnológico
Sucroalcooleiro – Usina CRV Industrial.

Fonte: Acervo do Curso profissionalizante Tecnológico Sucroalcooleiro –


Usina CRV Industrial (2024).

148
Resultados

Metodologias pedagógicas inovadoras


O projeto de pesquisa extensionista foi uma metodologia
que permitiu o alcance à comunidade externa da região de
Ituiutaba, atuando dentro de uma das mais renomadas industrias
do setor Sucroenergético.
Permitiu, ainda, aos colaboradores trabalhar seus
projetos reais do dia a dia, simultaneamente, com os conceitos
teóricos. Esses dados corroboram com estudos que mostram que
a atividades diferenciadas promovem melhora na motivação dos
envolvidos, promove habilidades de resolução de problemas e
facilita a aprendizagem profunda (Thomas, 2000). Além de
estimular o trabalho em equipe e a criatividade.

Aprendizagem cooperativa
Percebeu-se, também, que a entrada na usina para a
abordagem dos conceitos técnicos e científicos promoveu a
Aprendizagem Cooperativa, que se mostrou eficaz, logo que,
houve a troca de experiências, quando apresentada a teoria por
trás de cada equipamento.
Tal método envolve os alunos/colaboradores,
trabalhando juntos em pequenos grupos para alcançar objetivos
comuns, o que promove o desenvolvimento de habilidades
sociais e de colaboração (Johnson; Johnson, 2009).
Houve a percepção que quando se tinha relatos dos
colaboradores, associados ao conteúdo abordado, ocorria a

149
retenção do conhecimento e a satisfação dos colaboradores com
o processo de aprendizagem.

Práticas baseadas em evidências


O feedback formativo é uma prática baseada em
evidências que envolve fornecer aos alunos informações
contínuas sobre seu desempenho e áreas para melhoria. Estudos
demonstram que o feedback formativo pode aumentar
significativamente o desempenho acadêmico ao ajudar os alunos
a identificar e corrigir erros durante o processo de aprendizagem
(Black; Wiliam, 2010).
Esse feedback evidenciou que muitos colaboradores
envolvidos se mostraram entusiasmados em saber que há ciência
que embasa seus trabalhos diários. Além do conhecimento de
cursos de graduações tecnológicos com formação rápida e
totalmente voltada para área de atuação da comunidade ao qual
o curso foi aplicado.
Outro ponto extremamente importante, foi a notoriedade
dos colaboradores em se sentirem prestigiados pela
Universidade ter ido até eles, e, para muitos, até a surpresa de
saber que há um curso universitário gratuito.

Considerações finais
Esse curso de extensão teve um grande impacto, afinal,
estabeleceu-se uma parceria com a Usina CRV e o compromisso
de futuros projetos em parceria com a Universidade.
Esta proposta teve a ação de Curso Profissionalizante,
descrevendo o desenvolvimento de uma atividade contínua de

150
formação ao setor Sucroenergético. Tratou-se de uma atividade
de formação em Processos da Produção de Açúcar, oferecida
dentro da unidade produtora, em encontros diários que
anteriormente eram previstos em 4 horas, no entanto necessitou
de 8 horas diárias, durante a semana do curso, mais
especificamente no período de 01 (uma) semana.
Os dias e horários foram definidos conforme adequação
ao público e aos participantes convidados. Os encontros foram
presenciais.
O objetivo principal desse curso de extensão foi
introduzir o aprendizado teórico, como forma de profissionalizar
os colaboradores do setor sobre as práticas de fabricação da
usina do açúcar, abordando o Tratamento do Caldo, Evaporação,
Cristalização e Centrifugação, e esse foi alcançado.
Essa ação promoveu a divulgação do curso de
Tecnologia em Produção Sucroalcooleira e criou diálogo direto
entre os colaboradores, abrangendo o conhecimento essencial
para o desenvolvimento desse produto alimentício.
O curso permitiu aos colaboradores o conhecimento
aprofundado e científico, sob a ótica da produção de açúcar e
suas principais etapas, em amplo espectro: introdução sobre
conceitos gerais, aplicações em pesquisas científicas, aplicações
agroindustriais e de processo, abordagens ambientais, tendências
mercadológicas e oportunidades de desenvolvimento de
tecnologias.
A implementação de programas de extensão em
empresas é uma estratégia eficaz para o desenvolvimento
profissional dos funcionários e para o aprimoramento dos
resultados organizacionais.

151
Programas bem estruturados, que utilizam metodologias
ativas e são adaptados às necessidades da empresa, podem
contribuir significativamente para a melhoria das competências
dos colaboradores e para a satisfação e retenção de talentos.
Para a Universidade a implementação de parcerias
extensionistas colaboram para evidenciar a importância dos
estudos para a comunidade e de maneira gratuita.

Agradecimentos
Agradecemos ao Programa Institucional de Apoio à Extensão
(PAEx/UEMG).

Referências
BLACK, P.; WILIAM, D. Inside the black box: raising
standards through classroom assessment. Phi Delta Kappan
(PDK), v. 92, n. 01, p. 81-90, Set. 2010.
CENTRO DE TECNOLOGIA CANAVIEIRA (CTC). Manual
de métodos de análises para açúcar. Piracicaba/SP:
Laboratório de análises, 2009. (CD-ROM)
CODE OF FEDERAL REGULATIONS (CRF). Title 21,
Chapter I, Subchapter B, Part 101 – Food Labeling: Section,
Subpart A, § 101.4 – Food; designation of ingredients (b), (20).
Office of the Federal Register (OFR): Government Publishing
Office (GPO). March 30, 2001. Disponível em:
https://www.ecfr.gov/current/title-21/chapter-I/subchapter-
B/part-101/subpart-A/section-101.4#p-101.4(b)(20). Acesso em:
11 Set. 2024.

152
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO
(CONAB). Acompanhamento da safra brasileira de cana-de
açúcar: Safra 2023/2024, 4° levantamento. v. 11, n. 04.
Brasília/DF: CONAB, 2024.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 8. ed. Tradução:
Rosisca Darcy de Oliveira. Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1985.
93 p. (Coleção: O mundo, hoje, v. 24). Título original:
Extención o Comunicación?
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA (IBGE). Divisão Regional do Brasil em
Mesorregiões e Microrregiões geográficas. v. 01. Rio de
Janeiro/RJ: IBGE, 1990. 135p.
INTERNACIONAL COMMISSION FOR UNIFORM
METHODS OF THE SUGAR ANALYSIS (ICUMSA). Tabela
de conteúdo e índice. 2015. Disponível em:
http://icumsa.bartens.com/fileadmin/tpl_icumsa/gfx/conteudo-
ICUMSA-2015.pdf. Acesso em: 11 Set. 2024.
JOHNSON, D. W.; JOHNSON, R. T. An educational
psychology success story: social interdependence theory and
cooperative learning. Educational Psychologist, v. 38, n. 05, p.
365-379, Jun./Jul. 2009.
THOMAS, J. W. A review of research on project-based
learning. San Rafael, CA: Autodesk Foundation, 2000.

153
CAPÍTULO VIII

FEIRA DO SINDICATO DE ITUIUTABA/MG: análise do


perfil socioeconômico dos comerciantes e comentários sobre
espaços informais de aprendizagem nestes ambientes

Táyron Augusto Fernandes de Souza


Murilo Didonet de Moraes
Arali Aparecida da Costa Araujo

Introdução
A palavra feira origina-se do latim e significa “feriado”
ou “dia santo”, característica que denota a grande influência
religiosa que havia nesses espaços. Era comum as pessoas se
reunirem próximo das igrejas e aproveitarem daquele momento
para realizar a troca de produtos, haja vista que na antiguidade
não existia uma economia tal qual temos hoje, isto é, a aquisição
de produtos era oriunda de produção própria ou troca com outro
produtor (Guimarães, 2010).
Segundo Queiroz (2011, p. 2), “as primeiras feiras
brasileiras foram criadas nos interiores das capitanias e das
províncias e estavam associadas a atividade criadora”, sendo
estas advindas ao Brasil pelos portugueses como herança das
feiras medievais, de grande importância para a economia da
época, pelas trocas realizadas de animais domesticados

154
utilizados para trabalho. Muitas cidades do sertão nordestino
nasceram a partir das feiras em uma época em que os lavradores
que migravam para as capitais traziam como herança local a
tradição da realização desses “mercados periódicos” (Queiroz,
2011).
De acordo com Medeiros (2012, p. 34), a feira-livre pode
ser considerada “como uma espécie de comércio varejista a céu
aberto”, ressaltando a importância desses espaços de
comercialização de produtos alimentícios, muitos deles oriundos
da zona rural dos municípios. Contudo, o papel da feira vai além
do comércio de alimentos e retrata, acima de tudo, o valor
cultural da região, tendo em vista que há uma diversidade
enorme de produtos oferecidos nas feiras que são próprios do
local, reafirmando a importância desta como ponto de encontro
do campo com a cidade, pois “um ambiente sempre dependeu e
esteve interligado ao outro” (Medeiros, 2012, p. 34).
As feiras-livres ocorrem em praticamente todo território
brasileiro, em especial nas localidades interioranas, sendo esses
acontecimentos considerados históricos, abrangendo fenômenos
sociais, culturais e econômicos que perduram desde tempos
antigos. Esse setor vem enfrentando os desafios da atualidade
com o comércio de produtos por aplicativos e redes sociais,
além de outros fatores que influenciam direta e indiretamente a
vida das pessoas que estão em convívio direto com essas feiras.
A feira realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais Assalariados e Agricultores Familiares de Ituiutaba/MG
(STRI) foi criada pelo presidente do sindicato, o qual permanece
no cargo até a atualidade, com o intuito de fornecer aos
agricultores familiares e filiados uma forma de comercializar
seus produtos, além das já existentes feiras-livres geridas pela
Prefeitura Municipal.

155
A feira do sindicato é reconhecida como a primeira feira
da agricultura familiar do município e conta com espaço e
localização privilegiados, o que favorece a preservação de
hábitos de convivência entre pessoas e estimula,
simultaneamente, o comércio e a troca de informações entre
comerciantes e consumidores.
Tendo em vista que a feira é um meio específico de
comercialização dos produtos oriundos da agricultura familiar,
sendo a principal forma de escoamento da produção de parte
desses agricultores, analisar o panorama socioeconômico dos
participantes pode auxiliar no fortalecimento e perpetuação
deste segmento social, além de fomentar o desenvolvimento
local e garantir alimentos saudáveis e frescos à população.
Assim como discutir a feira-livre enquanto espaço formativo dos
indivíduos, por meio da educação informal.
Nesse contexto, o presente trabalho pretende contribuir
para esse debate, a partir da análise do perfil socioeconômico
dos produtores rurais participantes da feira do sindicato de
Ituiutaba/MG, além de tecer comentários sobre a possibilidade
de usar estes ambientes como espaços informais de ensino-
aprendizagem.

Metodologia
O foco do trabalho foi voltado para a feira do sindicato,
que ocorre regularmente nas sextas-feiras, das 09 às 17 horas,
com barracas distribuídas em uma área coberta, o barracão do
STRI, na Rua Quarenta, nº 477, bairro Progresso, e na área
externa em frente ao sindicato (STRI).
Este trabalho caracterizou-se como uma investigação do
tipo qualitativa e quantitativa baseadas na obtenção de dados

156
descritivos, coletados no contato direto do investigador com a
situação estudada. Segundo Martins e Campos (2003), este
método de pesquisa deve ser pautado na observação e análise
dos significados e características do fenômeno estudado, não se
limitando apenas à quantificação.
Os métodos utilizados para coletar as informações de
interesse e alcançar os objetivos foram a pesquisa bibliográfica,
entrevista semiestruturada, questionário e observação
assistemática (Marconi; Lakatos, 2017).
Inicialmente, no dia 24 de março de 2023, foi realizada
uma entrevista semiestruturada com o presidente do sindicato
que gere o espaço onde está localizada a feira, levantando
informações relacionadas a sua formação e funcionamento.
Posteriormente, o foco da pesquisa foi concentrado na
aplicação de um questionário em um conjunto de 17 agricultores
participantes da feira do sindicato, visando obter informações a
respeito do perfil socioeconômico dos feirantes. O questionário
foi aplicado na forma de uma entrevista em três datas: duas nos
dias 31 de março e 28 de abril de 2023, todas nas sextas-feiras,
dias de funcionamento regular; já a outra se deu
excepcionalmente no dia 06 de abril de 2023, uma quinta-feira,
data que não é o dia habitual da feira, porém houve uma
alteração pelo fato desta sexta-feira ter culminado em uma data
religiosa (Sexta-feira Santa) respeitada pelos feirantes.
Por fim, a organização dos dados foi realizada por meio
de quadros e gráficos. Já a análise dos resultados baseou-se nas
observações de campo e no conjunto de dados levantados,
sempre correlacionando com a abordagem crítica de Freire
(1983).

157
Resultados e Discussão
Uma das hipóteses deste trabalho foi que a maior parte
dos feirantes seria composta por homens. No entanto, o que se
observou durante a aplicação do questionário foi a situação
oposta, ou seja, a maior parte dos feirantes (76%) é composta
por mulheres, sendo relatado por elas que os maridos têm
participação total ou parcial na produção, transporte e comércio
dos produtos. Esse panorama está em consonância com o
levantamento realizado na mesma feira por Santos e Santos
(2020), o qual apontou que a maioria da população de feirantes é
de mulheres.
Ainda sobre a questão das mulheres em um meio
considerado masculino, como é o caso da agricultura e das feiras
livres, Faccin (2021) descreve que quanto maior for o número de
mulheres presente nas feiras e no meio agrícola, maior será a
contribuição em descontruir o papel criado ao longo dos anos de
que a mulher é dona de casa ou de que só vai na feira para
ajudar o homem.
Outra indagação feita aos feirantes foi acerca da
moradia, sendo que os dados indicaram que a maioria (53%)
reside na zona urbana. Uma parcela significativa desses feirantes
(55,5%) afirmou não possuir estabelecimento rural, enquanto o
restante (44,5%) alegou morar na cidade, porém exerce, em
algum momento da cadeia de produção, atividade na zona rural.
Em comum, todos esses feirantes declararam que realizam a
aquisição de produtos e/ou matéria-prima de terceiros para
comercialização.
Em contrapartida ao que foi apontado, Santos e Santos
(2020) relataram, ao trabalhar na mesma feira, que 55% dos
entrevistados residem na área rural e 45% têm residência na área

158
urbana. O motivo para essa contradição pode estar associado ao
fato do número de feirantes que participaram do presente
trabalho ter sido menor do que os entrevistados pela autora, e/ou
ser uma consequência das alterações ocasionadas pela pandemia
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), causada pelo
coronavírus SARS-CoV-2.
A idade dos feirantes foi outro ponto questionado (Figura
1), sendo que a faixa etária predominante está entre 50 e 60 anos
(47%), seguido de 40 a 50 (23%) e mais de 60 anos (18%), e um
baixo número de pesquisados mais jovens, abaixo dos 40 anos
(12%). Esses resultados se assemelham ao que foi avaliado por
Santos e Santos (2020) em que 26% estão na faixa etária
compreendida entre 20 e 40 anos, 53% entre 40 e 60 anos e 21%
entre 60 e 80 anos.

Figura 1: Classificação por idade dos comerciantes da feira do sindicato


de Ituiutaba/MG.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Souza (2023).

159
Vale ressaltar que apesar da média de idade
predominante entre os feirantes que participaram da pesquisa ser
de 50-60 anos (Figura 1), a maioria não é aposentada, sendo que
dentre os oito que se enquadram nesta faixa etária, apenas três
afirmaram que alguém da família recebe aposentadoria, e os
outros cinco afirmaram que a renda da família é obtida através
da comercialização de produtos.
Dados mais discrepantes foram encontrados por
Nascimento et al. (2016) em estudo realizado com feirantes do
município de Alegre/ES, no qual 52% dos feirantes
apresentaram idade entre 30 e 50 anos. Assim como Andrade
(2022) que, ao estudar os feirantes do município de
Ituiutaba/MG, descreveram que 68% dos entrevistados têm
idade superior a 50 anos.
A presença de produtores de maior faixa etária pode ser
explicada pela fala de alguns feirantes, que justificaram a
participação na feira como forma de complementar a renda e
sair um pouco de casa, conforme relatado pela feirante 13: “meu
marido já cuida da roça, aí, pra ajudar na renda, eu faço a feira”.
Ao estudar o perfil dos feirantes de hortaliças em
Alegre/ES, Nascimento et al. (2016) observaram que a minoria
de jovens com participação na feira do município é resultado da
falta de políticas públicas voltadas ao empreendedorismo rural,
assistência técnica e extensão rural ineficientes e não
abrangentes, além dos atrativos da vida nos centros urbanos com
atividades com melhor remuneração.
Quando questionados sobre a escolaridade, o que se
observou foi a predominância de feirantes com baixa
escolaridade (Figura 2), já que 53% não têm o ensino
fundamental completo e outros 11% não tem nenhuma

160
escolaridade. Dentre aqueles com maior escolaridade, 18% têm
o ensino médio completo, sendo que apenas 6% completaram o
ensino fundamental, 6% completaram o ensino superior e 6%
iniciaram o ensino superior, mas não concluiu.
Esse panorama de escolaridade foi explicado pelo
Feirante 01: “era o que tinha pra fazer”. Ao estudar a feira-livre
como mercado para agricultura familiar em Conceição do Mato
Dentro/MG, Pereira, Brito e Pereira (2017) descreveram que um
elevado número de comerciantes, especialmente os de idade
mais avançada, não frequentaram a escola, sendo que a maioria
daqueles que frequentaram não concluíram o ensino
fundamental.

Figura 2: Grau de escolaridade dos comerciantes da feira do sindicato de


Ituiutaba/MG.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Souza (2023).

161
Perspectiva semelhante foi descrita por Silva et al.
(2017), ao apontarem a baixa escolaridade entre produtores de
pequeno porte como influência direta da hereditariedade
presente na agricultura familiar. Com o conhecimento e as
terras passadas de geração em geração, muitas crianças largam
os estudos para auxiliar os pais na produção, enquanto outros
que optam por dar continuidade aos estudos se mudam para as
cidades e, muitas vezes, não retornam ao meio rural.
Contudo, a feira pode ser considerada um espaço de
educação informal, visto que, mesmo aqueles sujeitos com baixo
nível de escolaridade conseguem desenvolver seu ofício de
trabalho. A educação informal é para Gohn (2006) um espaço de
socialização dos indivíduos, nos quais é possível desenvolver:
hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de
se expressar no uso da linguagem, segundo valores e
crenças de grupos que se frequenta ou que pertence por
herança, desde o nascimento. Trata-se do processo de
socialização dos indivíduos (Gohn, 2006, p. 07).
Ou seja, um espaço propício para a agricultura familiar e
seus saberes geracionais. Sobre esses mesmos saberes, Bruno
(2014) também vai na mesma vertente de Gohn (2006), ao
compreender que “os conhecimentos não são sistematizados, são
transmitidos a partir da prática e da experiência anteriores, e
[atua] no campo das emoções e sentimentos” (Bruno, 2014, p.
05).
Os feirantes, ao trabalharem, estão em constante contato
com questões de educação financeira, matemática, língua
portuguesa e ciências agrárias. Pois eles lidam com pesos,
quantidades, valores financeiros, cuidados com a terra e a
plantação, além do diálogo que estabelecem com os clientes e a
constante interação com pessoas.

162
Em contrapartida, Naomi Berman (2020) destaca uma
tendência na literatura de tratar os espaços informais de
aprendizagem de uma forma romantizada e sobredeterminada,
mas a própria autora aponta a importância social de ambientes
de aprendizagem informal, já que:
uma qualidade “social” persistentemente indefinida
atribuída a ambientes de aprendizagem informal,
juntamente com um foco em elementos de design e
tecnologia, elimina a possibilidade de práticas sociais
negativas, como a exclusão e a marginalização (Berman,
2020, p. 127).
Neste sentido, percebe-se aqui uma lacuna que carece de
um estudo mais aprofundado sobre feiras-livres como espaço
informal e até mesmo como espaços não-formais de ensino-
aprendizagem. Afinal, a figura docente, seja aquele vinculado à
Educação Básica – que pode levar os discentes até uma feira-
livre para ampliar saberes já obtidos em espaços formais – ou,
até mesmo um professor universitário – que pode desenvolver
projetos de cunho extensionista com comerciantes locais – pode
ampliar os dados sobre o ensino-aprendizagem em feiras-livres e
avançar na melhor compreensão desses locais de aprendizagem.
Para este estudo foi considerado como estabelecimento
rural não apenas propriedade rural, mas o espaço em que o
feirante exerça algum tipo de atividade para produção ou
processamento de produtos destinados à comercialização na
feira, seguindo o Decreto de Lei nº 8.127 de 1945 (Brasil, 1945).
Neste contexto, observou-se que 70% dos produtores
questionados afirmaram possuir um estabelecimento rural
utilizado e destinado à produção, envasamento, processamento
e/ou limpeza dos produtos que serão destinados à
comercialização na feira. A parcela restante (30%) afirmou não

163
possuir um estabelecimento rural, de modo que a maioria dos
produtos comercializados ou a matéria-prima são adquiridos de
terceiros.
O quadro acima também foi observado por Santos e
Santos (2020) e Andrade (2022). Ao estudarem feiras e feirantes
no município de Ituiutaba/MG, os autores relataram que os
feirantes, independentemente de qual ou quais feiras participam,
não comercializam produtos exclusivamente de produção
própria, sendo que, em alguns casos, a totalidade dos produtos
comercializados nas feiras são oriundos da aquisição de outros
produtores ou até mesmo de outros feirantes.
Outro ponto de interesse abordado com os feirantes foi a
quantidade de pessoas que moram e a quantidade de pessoas que
trabalham nos estabelecimentos rurais (Figura 3). Os resultados
apontaram que em 30% dos estabelecimentos rurais moram três
pessoas, em 24% dos estabelecimentos moram duas pessoas e
em 18% dos estabelecimentos moram cinco pessoas. Esses
dados refletem a conclusão de Nascimento et al. (2016), pois
apesar do fato da população do Brasil ter aumentado
significativamente nas últimas décadas, o número de
componentes da família brasileira diminuiu, inclusive no meio
rural.
Por outro lado, em 35% dos estabelecimentos rurais
trabalham duas pessoas, em 24% trabalham três pessoas, em 6%
trabalham quatro pessoas e em 6% trabalham cinco pessoas, o
que ressalta as dificuldades enfrentadas pelos produtores, pois
mesmo nas situações em que as pessoas moram no
estabelecimento, elas não exercem nenhum tipo de atividade
para auxiliar na produção.

164
O fator levantado acima é descrito por Kiyota e Gomes
(1999) como fundamental na escolha da atividade exercida pela
família, considerando que, quando algum dos componentes do
círculo familiar não colabora com a mão de obra do
estabelecimento rural, como crianças, idosos ou enfermos, a
família busca por uma atividade que possa conduzir
autonomamente ou que tenha a facilidade para obtenção de
auxílio na produção por outras pessoas.

Figura 3: Quantidade de pessoas participantes da feira do sindicato de


Ituiutaba/MG que moram e que trabalham nos estabelecimentos rurais.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Souza (2023).

Essa abordagem corrobora com o panorama relatado nas


pesquisas desenvolvidas por Fratari (2019), Menezes et al.
(2019) e Andrade (2022), já que parte dos feirantes estudados
contratam mão de obra externa para auxiliar na produção. Em

165
contrapartida, Faccin (2021) descreve a possibilidade de
formação de associações entre os produtores para que um auxilie
o outro no processo produtivo como um mecanismo de suprir a
escassez de mão de obra.
Para classificação dos estabelecimentos rurais, os
feirantes foram questionados quanto ao tamanho de área de seus
imóveis, sendo os dados calculados seguindo o conceito de
módulo fiscal disposto na Lei nº 6.746/1979 (Brasil, 1979),
utilizando a classificação de imóveis rurais da Lei nº 8.629/1993
(Art. IV, II e III) (Brasil, 1993), que define como minifúndio o
imóvel rural com área inferior a um módulo fiscal, pequena
propriedade o imóvel com área de um a quatro módulos fiscais,
média propriedade o imóvel com área de quatro a quinze
módulos fiscais e grande propriedade o imóvel com área
superior a quinze módulos fiscais.
Para a classificação segundo os parâmetros das leis, de
acordo com o Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), um
módulo fiscal no município de Ituiutaba/MG equivale a uma
área de trinta hectares. Com base nessa informação, o
questionamento foi realizado com apenas doze dos dezessete
participantes da pesquisa, tendo em vista que cinco deles
disseram não possuir nenhum tipo de estabelecimento rural.
Dentre os doze que afirmaram ter um estabelecimento
rural (Figura 4), a metade (50%) não soube informar a área de
seus estabelecimentos. Esse grupo é composto na maioria por
mulheres que descreveram não serem responsáveis pelo
gerenciamento do estabelecimento, papel atribuído aos seus
maridos, ou pelo fato de não ser uma propriedade rural. Dentre
os outros que souberam repassar a informação, quatro (34%)
estão classificados como minifúndios, um (8%) estabelecimento

166
foi classificado como pequena propriedade e outro (8%) foi
classificado como média propriedade.

Figura 4: Classificação dos estabelecimentos rurais dos comerciantes da


feira do sindicato de Ituiutaba/MG de acordo com a área.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Souza (2023).

O estabelecimento rural classificado como média


propriedade é pertencente à feirante nº 17, que afirmou: “nosso
chão é de herança, foi dividindo pros irmãos e depois foi
juntando tudo de novo”. Além de esclarecer que da área total da
propriedade, apenas 47% são destinados à produção para
comercialização nas feiras, a feirante ressaltou: “nóis só usa um
pedaço, no resto os irmãos do meu marido criam gado de corte”.

167
Considerações finais
A feira do sindicato de Ituiutaba/MG é caracterizada pela
comercialização de produtos da agricultura familiar, com ênfase
em hortifrútis frescos, principalmente produtos minimamente
processados e com baixo uso de químicos. A maioria dos
feirantes são produtores, o que cria uma interação direta entre
produtor e comprador, fortalecendo a confiança e fidelidade dos
clientes. Esse processo de interação social entre os indivíduos –
algo amplamente defendido por Vygotsky (1989), pois, segundo
o autor a interação é de extrema relevância para o
desenvolvimento – é um momento profícuo para o
aprimoramento das capacidades e potencialidades educativas e
sociais. Alguns feirantes atuam como intermediários,
comercializando produtos de terceiros para suprir demandas
específicas.
A análise dos dados coletados indicou que a feira do
sindicato se apresenta como um importante gerador de ocupação
e de renda principalmente para mulheres e pessoas com idade
avançada, levando em consideração que o meio agrícola é
considerado por muitos como um meio de domínio masculino, a
presença das mulheres nesse setor tão importante trará
contribuições ao longo dos anos.
Em geral, as feiras desempenham um papel significativo
para agricultores e agricultoras familiares, especialmente para
aqueles de mais idade, por fatores como a oportunidade de se
tornarem empreendedores e gerir seu próprio negócio, a
flexibilidade nos horários de trabalho, a oferta de oportunidades
econômicas, a promoção da integração social e a possibilidade
de aplicar suas habilidades e conhecimentos adquiridos ao longo
da vida.

168
As feiras também são espaços profícuos para o processo
de ensino-aprendizagem, seja por parte dos feirantes, seja por
parte dos seus frequentadores. Elas podem ser utilizadas até
mesmo na educação não-formal, servindo de espaço de visitação
para alunos dos diferentes níveis de ensino. Os professores
podem utilizar-se dela para elaboração de projetos
interdisciplinares que abordem língua portuguesa, matemática,
ciências, dentre outras disciplinas e temas.
Acima de tudo, a feira do sindicato possibilita a inclusão
econômica de muitas mulheres e pessoas de idade avançada, as
quais, em não raras vezes, enfrentam dificuldades para ingressar
no mercado de trabalho convencional, seja pela discriminação
de gênero, idade ou circunstâncias especificas. Diante disso, o
ambiente da feira mostra-se acessível a esses grupos sociais à
medida que oferece um canal de comercialização que contribui
para a geração de renda e independência financeira junto ao seu
grupo familiar.

Referências
ANDRADE, A. C. Efeitos da pandemia da Covid-19 aos
agricultores familiares feirantes do município de
Ituiutaba/MG. 2022. 163 f. Dissertação (Mestrado em
Geografia) – Instituto de Ciências Humanas do Pontal,
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173
CAPÍTULO IX

CINE DEBATE COMO FERRAMENTA DE ENSINO-


APRENDIZAGEM PARA O ENSINO DE
AGROECOLOGIA: um relato de experiência

Adriane Quelli Agostinho dos Santos


Lívia Prudente de Morais
Allisson Rodrigues de Rezende
Amanda Fialho

Introdução
O termo agroecologia foi cunhado em publicações
científicas desde década de 1930 (Wezel et al., 2009), contudo
foi a partir dos anos 1980 que a área da agroecologia ganhou
destaque no meio acadêmico, impulsionada pelas publicações de
dois pesquisadores que dedicaram suas vidas ao estudo das
práticas agroecológicas em agroecossistemas: Miguel Altieri
que publicou, em 1983, um livro fundamental intitulado
"Agroecology," enquanto Gliessman, em 1978, lançou o
"Memorial del seminario regional sobre la agricultura agrícola
tradicional". A partir dessas obras pioneiras, muitas outras
publicações de relevância surgiram, sempre com o intuito de
promover a agroecologia e sua visão de uma agricultura

174
sustentável, que deve estar intimamente associada ao uso de
insumos orgânicos.
Segundo Altieri (2000), a agroecologia deve ser
considerada integrando os princípios agronômicos, ecológicos e
socioeconômicos. Em sua essência, a agroecologia busca
promover uma integração harmoniosa entre os sistemas
agrícolas e os ecossistemas naturais, levando em consideração a
diversidade biológica, os ciclos naturais, os processos
ecológicos e as interações entre os organismos. Ela se baseia em
práticas que respeitam os princípios ecológicos, buscando
minimizar o uso de insumos externos, como pesticidas
químicos, e maximizar o aproveitamento dos recursos
disponíveis no ambiente. Gliessman (2002) reafirma a
sustentabilidade como um fator crucial na produção
agroecológica, destacando a importância da agroecologia na
promoção de mudanças sociais e ecológicas.
Nesse contexto, a agroecologia passa a ser entendida
como uma ciência com grande potencial transformador,
oferecendo uma alternativa aos métodos de produção
convencional defendidos pela Revolução Verde.
Entre os princípios que fundamentam essa área de
estudo, podemos citar:
i) Diversificação, que promove a diversidade de culturas,
espécies e variedades, bem como o uso da rotação de
culturas e consórcios, visando aumentar a resiliência dos
sistemas agrícolas e reduzir a incidência de pragas e
doenças.
ii) Ciclagem de nutrientes, que valoriza a reciclagem de
nutrientes dentro do sistema agrícola por meio do uso de
adubação orgânica, compostagem, esterco animal e

175
culturas fixadoras de nitrogênio, reduzindo a dependência
de fertilizantes químicos sintéticos.
iii) Manutenção dos inimigos naturais, que estimula o
controle biológico de pragas, incentivando a presença e
ação de inimigos naturais, como predadores e parasitoides,
para reduzir as populações de pragas e diminuir a
necessidade de pesticidas químicos.
iv) Participação comunitária, que valoriza a participação
ativa das comunidades locais na tomada de decisões
relacionadas à agricultura, incentivando a agricultura
familiar, a agricultura de base comunitária e a troca de
conhecimentos tradicionais.
v) Resiliência e adaptação, que busca desenvolver
sistemas agrícolas resilientes, capazes de se adaptar às
mudanças climáticas, eventos extremos e outras
perturbações, por meio do manejo adequado do solo,
conservação da água, uso de técnicas de cultivo
sustentáveis e práticas de conservação da biodiversidade.
Mesmo com todo o entendimento sobre a importância
dos estudos em agroecologia para promover uma produção
agrícola sustentável, os desafios para a divulgação do tema
"agroecologia" permanecem significativos, especialmente fora
do contexto acadêmico. Segundo Candiotto (2020), a
agroecologia apresenta uma grande importância como
ferramenta para soberania alimentar e territorial, sendo fator
gerador de autonomia produtiva, principalmente para o homem
do campo.
Nesse cenário, a educação desempenha um papel
essencial na mudança de paradigmas da sociedade moderna. Ela
tem o poder de transformar mentes, ampliar horizontes e

176
promover a conscientização sobre questões sociais, ambientais,
políticas e culturais. A educação é fundamental para criar uma
base sólida de conhecimento e estimular a reflexão crítica com
toda a sua multidimensionalidade.
Entretanto, a educação não se restringe apenas ao ensino.
A extensão universitária, por exemplo, é uma das formas de os
pesquisadores estabelecerem um contato de troca de saberes
com a comunidade local, por meio da relação dialógica discutida
por Paulo Freire (1985).
Ações extensionistas configuram-se como ferramentas
úteis à disseminação de conceitos, de ideias e de experiências,
pois podem promover a troca de conhecimentos entre
pesquisadores e comunidade. A realização de ações
extensionistas pode capacitar os indivíduos a se tornarem
agentes de mudança em suas comunidades. Nesse sentido, ações
de cunho extensionista, com foco na agroecologia, podem
contribuir para a desmistificação de práticas agroecológicas,
incentivando sua adoção em diferentes contextos produtivos.
Além disso, a extensão possibilita a adaptação de
tecnologias agroecológicas às realidades locais, fortalecendo a
autonomia dos agricultores e a sustentabilidade dos sistemas
produtivos.
Dessa forma, o desenvolvimento de ações de cunho
extensionista visa alcançar um público mais amplo, que, de
outra forma, não teria acesso ao conteúdo no seu dia a dia.
Nessa perspectiva, sabendo que vários trabalhos (Fonseca, 2017;
Lopes; Lima; Silva, 2018; Santos; Gurgel; Augusto, 2018;
Souza; Anderle; Silva, 2022; Machado et al., 2023) utilizam o
cine debate como ferramenta de ensino-aprendizagem, optou-se

177
em utilizar o cine debate para abordar a temática de
agroecologia.
Afinal, é importante ressaltar que: a experiência de
assistir a um filme, as informações obtidas através dele e,
principalmente, aquilo que será refletido após o filme, é uma
experiência única para cada indivíduo.
Nesse aspecto, Duarte (2002), inclusive, aponta que:
ver filmes é uma prática social tão importante, do ponto
de vista da formação cultural e educacional das pessoas,
quanto a leitura de obras literárias, filosóficas,
sociológicas e tantas mais (Duarte, 2002, p. 17).
Nesse caminho, Napolitano (2003) tece algumas
considerações ao utilizar filmes relacionados à Biologia. Para o
autor, podem ser usados filmes de várias categorias:
Não apenas filmes de ficção científica, mas também
filmes de aventura ou dramas sobre ambientes naturais e
processos vitais podem servir para o professor de
Biologia problematizar e desdobrar discussões sobre e
conteúdo de sua disciplina. Nesses filmes, podemos
encontrar representações da biosfera, da genética ou de
ecossistemas. Além disso, alguns filmes podem se
articular com as categorias gerais que organizam a área
de ciências da natureza – a investigação e compreensão.
Nos filmes de ficção científica abundam procedimentos
investigatórios e explicações dos fenômenos (muitas
vezes sobrenaturais) que normalmente são seu mote.
Quase sempre essas explicações e procedimentos são
questionáveis e não possuem base científica aprofundada,
mas podem fomecer um contraponto interessante com o
campo científico real e as verdadeiras
descobertas e explicações (Napolitano, 2003, p. 40).

178
Exposto isso, o objetivo do presente trabalho foi realizar
uma ação extensionista para realizar discussões sobre
agroecologia por meio de cine debate, visando promover uma
reflexão crítica sobre o tema, contribuindo para uma maior
conscientização e adoção de práticas sustentáveis na agricultura.

Metodologia
Este trabalho utiliza o cine debate como forma de
abordar as temáticas da agroecologia. Assim, pode ser
caracterizado como pesquisa-ação. Thiollent (1986) define a
pesquisa-ação como:
um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual os pesquisadores e os participantes representativos
da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo (Thiollent, 1986, p. 14).
A exibição dos documentários foi realizada fazendo uso
de projetor multimídia. O cine debate ocorreu presencialmente
no Auditório do Bloco C da Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba, em 07 de julho de 2023 às
19h. O local de realização da ação extensionista apresentava
cadeiras almofadadas. Neste dia, também, foram oferecidos
sacos com pipoca ao público, para que pudessem
verdadeiramente ter a sensação de estarem em uma “sessão
cinema”.
As inscrições para o cine debate não tiveram ônus e
foram realizadas através de formulário eletrônico, com link
disponibilizado na legenda da postagem de divulgação do
evento feitas nas mídias sociais, como o Instagram

179
<https://www.instagram.com/p/CtjgVh2M3S2>, da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba, como mostrado na Figura 1.

Figura 1: Imagem de divulgação do evento vinculada nas mídias sociais


da (UEMG) Unidade Ituiutaba.

Fonte: Adriane Quelli Agostinho dos Santos (2023).

Foi realizada uma sessão de cine debate, com duração de


3 horas e 30 minutos, com dois filmes selecionados para
comporem o cine debate, são eles:
a) Kiss the Ground (2020), dirigido por Joshua Tickell e Rebecca
Harrell Tickell, cujo título em português é “Solo fértil: agricultura
regenerativa”: Categorizado como documentário, com 84 minutos de

180
duração, disponível na plataforma Netflix no dia da exibição. O filme
mostra o trabalho de um agrônomo conservacionista que viaja pelos
Estados Unidos da América (EUA) difundindo informações aos
fazendeiros, produtores e demais interessados em como o funciona a
fisiologia do solo, sua composição, características, explicando sobre o
gás carbônico e o efeito estufa. Além de abordar a diferença entre
desertificação e regeneração do solo, demonstrando as melhores
práticas agroecológicas e as vantagens desta regeneração, tentando
fazer com que entendam que a principal ferramenta da agricultura é o
solo. Ativistas, cientistas, agricultores e políticos também são
personagens neste documentário que abrange uma gama de
informações técnicas, com a apresentação de vários dados sobre a
‘Agricultura Regenerativa’.
b) “The biggest little farm: the return” (2022), dirigido por John
Chester, de título em português, “A pequena grande fazenda: o
retorno”: Categorizado como documentário, com 29 minutos de
duração, disponível na plataforma Disney+ no dia da exibição. Tal
filme pode ser considerado um estudo de caso, já que retrata a vida de
uma família, que se muda para uma fazenda, com planos de aplicar
práticas sustentáveis no local, como a agricultura orgânica, e registra a
realidade do seu dia a dia. O filme mostra a realidade de uma família
produzindo alimentos de forma sustentável, sem utilização de
agrotóxicos e, se deparando ao longo do tempo, com problemas como
solo árido, as secas, os incêndios, falta de experiência com agricultura
sustentável, pássaros comendo seus pomares, coiotes matando as
galinhas e tudo mais que envolve um ambiente com tanta
biodiversidade, lidando com tudo que isto implica, e registrando tudo
ao longo de uma década.
Após a apresentação dos documentários, foi realizado
um debate com todos os participantes, mediado pela Professora
Doutora Amanda Fialho, a fim de serem discutidas as
impressões que os participantes tiveram com os documentários
apresentados.

181
Por fim, os participantes responderam a um formulário
eletrônico com perguntas simples para deixar registrada sua
opinião sobre a ação extensionista realizada.

Resultados e Discussão

Ao ser iniciado o cine debate, os documentários foram


projetados no telão, e as luzes apagadas (Figuras 2 e 3).

Figura 2: Participantes do cine debate, Figura 3: Cena do documentário


no auditório. “Solo fértil: agricultura
regenerativa”.

Fonte: Fotos de Adriane Quelli Agostinho dos Santos (2023).

Após a análise dos dois documentários assistidos,


observa-se um contraponto entre os filmes, não sendo a escolha
dos dois temas meramente casual. O intuito foi propriamente
despertar nos participantes, o desenvolvimento de consciência
ambiental, da sustentabilidade, além de senso crítico sobre o
meio ambiente, com informações técnicas sobre solo e práticas

182
agroecológicas, mas também apresentar a realidade de uma
família, vivendo o dia a dia em um ambiente com hábitos
sustentáveis, lidando com os diversos processos que um local
com grande biodiversidade proporciona.
Afinal, além das práticas mostradas em grande escala,
com investimentos muitas vezes altos, diversas técnicas
discutidas nos filmes podem ser usadas até mesmo nos quintais
das casas dos participantes, que buscam por alimentos mais
saudáveis.
Nessa direção, Neves et al. (2000) relatam que:
O binômio saúde/alimentação vem despertando a atenção
do consumidor na busca por alimentos mais saudáveis.
Não é, portanto, surpreendente que a agricultura orgânica
se apresente em ampla expansão em nível mundial por
suas características de sustentabilidade e produtos de
qualidade com certificação de origem que atendem à
crescente demanda por parte de consumidores mais
exigentes (Neves et al., 2000, p. 06).
Sendo assim, a escolha dos documentários apresentados
tem como principal foco as práticas sustentáveis, bases da
agroecologia, a qual é entendida como uma ciência com grande
potencial transformador, mas que ainda não é tão amplamente
difundida e discutida. Dessa maneira, utilizar o cine debate para
propagar os conceitos agroecológicos, fora do ensino
convencional, contribui de forma significativa para a reflexão e
o aprendizado deste tema tão relevante.
Nessa esteira, uma das principais características do cine
debate alicerça-se no fato de que cada indivíduo, com suas
experiências de vida e culturais, conhecimento e referências, faz
uma leitura individual das informações apresentadas.

183
Assim, cada participante terá uma visão diferente do
conteúdo, o que torna esta experiência ainda mais considerável.
Qual será a percepção de cada um sobre aquele tema? O que
cada um levará como bagagem desta experiência?
O cine debate promoverá o encontro com o cinema, em
uma situação coletiva, mas a experiência será individual.
Assim, segundo Berti e Carvalho (2013):
O cinema por se apresentar como um grande território
permite-nos fazer escolhas. A partir de um filme, por
exemplo, podemos ser outro, viver em outro lugar,
pertencer a outra cultura. O cinema, portanto, pode ser
uma frutífera experiência de agenciamento com o outro
(Berti; Carvalho, 2013, p. 185).
À vista disto, após a exibição dos documentários, a
professora Doutora Amanda Fialho, mediadora da ação
extensionista, elencou alguns aspectos que foram expostos nas
obras audiovisuais, direcionando aos participantes as
indagações, para que estes expressassem suas opiniões sobre os
filmes.
A Figura 4 representa alguns destes momentos:

184
Figura 4: Mediadora do debate, professora Amanda Fialho dialogando com
os participantes.

Fonte: Foto de Adriane Quelli Agostinho dos Santos (2023).

Por conseguinte, foram discutidas diversas temáticas


envolvendo o meio ambiente, sendo algumas: os benefícios e
malefícios do uso de agrotóxicos nas culturas alimentares, suas
motivações, bem como a legislação envolvida e as alternativas
para além dos agrotóxicos; as diferenças entre alimentos
orgânicos e alimentos produzidos no sistema convencional, e as
dificuldades de os produtores adotarem medidas mais
sustentáveis.
Nesse contexto, Neves et al. (2000) ressaltam que:
É preciso observar que um sistema orgânico de produção
não é obtido somente na troca de insumos químicos por

185
insumos orgânicos/biológicos/ecológicos. Requer o
comprometimento do setor produtivo com o sentido
holístico da produção agrícola, onde o uso eficiente dos
recursos naturais não renováveis, a manutenção da
biodiversidade, a proteção do meio ambiente, o
desenvolvimento econômico, bem como, a qualidade da
vida do homem esteja igualmente contemplada (Neves et
al., 2000, p. 07).
Também foram debatidas questões sobre as Plantas
Alimentícias Não Convencionais (PANCs), trazendo à
discussão, o desconhecimento destas como alimento por grande
parte da população e os benefícios de se cultivar diferentes
espécies alimentares em um mesmo ambiente, dando origem às
agroflorestas.
Neste contexto, foram discutidos também temas
envolvendo compostagem, saúde do solo, agricultura
regenerativa, mudanças climáticas e efeito estufa,
desmatamentos, desertificação do solo, agricultura orgânica,
utilização de produtos químicos na agricultura, sustentabilidade,
educação ambiental, responsabilidade de cada um quanto ao
meio ambiente, também as mudanças de práticas que podem ser
feitas em casa, para nos tornamos mais sustentáveis, dentre
outros temas.
Assim, a diversidade de perspectivas e de reflexões que o
cine debate provocou, após as apresentações dos documentários,
é demonstrada nas respostas e indagações.
Inicialmente, serão apresentadas algumas das respostas à
pergunta: “O que você melhor compreendeu dos
documentários?” (Quadro 01).

186
Quadro 01: Síntese de algumas respostas dos participantes quanto à
pergunta realizada “O que você melhor compreendeu dos
documentários?”.

Implicações para a
Algumas respostas dos participantes agroecologia e educação
ambiental

“Que existe chance de se recuperar um


solo/terra degradada basta apenas ter Despertar o senso crítico
investimentos e disposição para tal. O quanto ao cuidado e a
tanto de terra agricultável que já existe é utilização do solo, e da
o suficiente para a sobrevivência agricultura, no geral, visando
humana é só uma questão de diversificar não apenas os benefícios e
a produção.” impactos a curto prazo, mas,
principalmente, a longo
“A importância de se utilizar os produtos prazo, um dos alicerces das
químicos de forma adequada para evitar práticas sustentáveis.
a contaminação do solo e das águas.”

“Quanto é difícil transformar uma Conhecer apectos da


prática de agricultura tradicional, com agricultura convencional, de
uso de muitos agrotóxicos em uma práticas mais sustentáveis e
agricultura sustentável, com o uso de as dificuldades e vantagens
adubação verde.” das implementações destas.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Como mencionado, foi levantada por participantes a


reflexão sobre a dificuldade que um produtor/agricultor
encontra, ao fazer a transição de sua produção, que é realizada
com práticas convencionais, para uma produção com práticas
sustentáveis, que, muitas vezes, demandam investimentos altos,
conhecimento técnico e acesso à informação. Infelizmente,
Wezel et al. (2014), relatam que a maioria das práticas

187
agroecológicas tinham, até então, uma fraca integração na
agricultura da época. Segundo os autores, tais práticas tinham
potencial baixo ou médio para serem implementadas de forma
mais ampla nesta década.
Por outro lado, Wezel et al. (2014) destacam:
Em contraste, a fertilização orgânica, a fertilização
dividida, o cultivo reduzido, a irrigação por gotejamento,
o controle biológico de pragas e a escolha de cultivares já
têm níveis de integração médios ou altos na agricultura
de hoje e potencial médio ou alto para o futuro (Wezel et
al., 2014, p. 16).
Portanto, no contexto atual, com a crescente escassez de
recursos e as mudanças climáticas, que representam um dos
maiores desafios ambientais a serem enfrentados pela
humanidade, a implementação de práticas agrícolas mais
sustentáveis torna-se uma urgência mundial.
Neste aspecto, Nobre e Oliveira (2018), abordam que:
A sustentabilidade só ocorrerá se o sistema preconizado
for tecnicamente eficiente, ambientalmente adequado,
economicamente viável e socialmente aceitável,
premissas estes presentes em sistemas integrados de
produção agropecuária (Nobre; Oliveira, 2018, p. 140).
Posto isto, os debates possibilitam a oportunidade de
serem compartilhados diversos panoramas sobre esses temas tão
necessários, estimulando a reflexão, o pensamento crítico e a
capacidade de argumentação dos participantes, produzindo
questionamentos pertinentes e expandindo o conhecimento.
Assim, foram apresentadas a seguir algumas respostas
dadas pelos participantes à pergunta: “Qual momento dos
documentários mais chamou a sua atenção?” (Quadro 02).

188
Quadro 02: Síntese de algumas respostas dos participantes quanto à
pergunta realizada “Qual momento dos documentários mais chamou a sua
atenção?”.

Implicações para a
Algumas respostas dos participantes agroecologia e educação
ambiental

Senso crítico e análise da


“O documentário abordar o uso do glifosato
situação, buscando
como algo errado ou chocante, a fim de
sempre informações de
comover o público não fornecendo uma
fontes confiáveis para o
explicação sobre o produto de como aplicar
conhecimento e tomada
ou dosagem a ser usada.”
de decisão.

“Da capacidade de regenerar o solo”

“Mesmo com as dificuldades é possível se Mais conhecimento sobre


recuperar uma área degrada, e torná-la o solo e suas
produtiva novamente.” propriedades. Quebra de
paradigmas sobre a
“Problemas que são causados quando se agricultura sustentável.
produz utilizando produtos de forma
inadequada”

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Prosseguindo, os dois documentários dão a devida


relevância à saúde do solo, assim, ressaltamos como isto foi
refletido na percepção dos participantes. As respostas dadas por
eles durante o debate demonstram que as informações expostas
os fizeram refletir sobre práticas agrícolas sustentáveis, que

189
levem em consideração a condição atual do solo, além da
condição em curto e a longo prazo, e que a qualidade do solo
interfere na qualidade da comida, do ar e da água. Ademais, os
participantes também puderam refletir sobre a capacidade de
regeneração do solo ao ser tratado da forma adequada, bem
como sobre os gases do efeito estufa e, consequentemente,
entendendo a importância do ciclo do carbono, para a
agricultura e todo o meio ambiente.
Nesse aspecto, Nobre e Oliveira (2018) abordam que:
A transição do atual modelo de produção agrícola para
um modelo de baixa emissão de carbono é um grande
desafio, que representa, ao mesmo tempo, uma grande
oportunidade para o setor. A vulnerabilidade dos sistemas
agrícolas está diretamente ligada às estratégias de
adaptação ou mitigação a ser implementadas em curto,
médio e longo prazo (Nobre e Oliveira, 2018, p. 16).
Por sua vez, um dos temas bastante refletidos e
discutidos, após os documentários serem expostos, foi a
utilização de agrotóxicos e sobre como estes não são
verdadeiramente conhecidos por grande parte da população e,
principalmente, por quem os utiliza diretamente. Quando
perguntado aos participantes “qual momento dos documentários
mais chamou sua atenção?” uma participante respondeu que a
forma como falaram sobre o uso do glifosato, a forma como o
mostraram como algo errado, “para chocar quem assiste”, foi o
que mais a impressionou. O relato da participante vem de
encontro ao desconhecimento acima mencionado, haja vista que
o glifosato é um dos herbicidas mais utilizados no mundo, e que
tem sido objeto de inúmeros estudos científicos devido às suas
controversas implicações para a saúde humana e o meio
ambiente.

190
Nesse sentido, Richmond (2018) ressalta que:
Embora, atualmente, muitas agências reguladoras tenham
determinado que há pouco risco de efeitos adversos para
a saúde, efeitos para o público em geral ou para os
trabalhadores agrícolas que utilizam técnicas de
manuseamento adequadas, a Agência Internacional de
Investigação sobre Câncer (IARC), avaliando dados de
perigo sobre o glifosato, identificou-o em 2016 como um
carcinógeno de categoria 2A (provavelmente causador de
doenças humanas) (Richmond, 2018, p. 01).
Portanto, resultados das pesquisas feitas com glifosato
têm sido questionados devido a fatores como doses utilizadas,
metodologias, populações estudadas, e outros, deixando ainda
lacunas de conhecimento sobre os impactos a longo prazo e os
efeitos sinérgicos com outros agrotóxicos.
Richmond (2018) discorre ainda que:
Dados sobre os efeitos do glifosato em organismos do
solo são complexos, e as descobertas têm sido
contraditórias (Soil Association 2016). Talvez isso não
seja surpreendente, dado o número de fatores que entram
em jogo: a composição de diferentes solos que não
apenas determina quão fortemente o glifosato e o ácido
aminometilfosfônico (AMPA) se ligam, mas também; a
constituição da comunidade de microrganismos, o teor de
água do solo, o padrão de uso do glifosato (se os solos
testados foram expostos uma ou várias vezes) e se os
solos contêm decomposição de material vegetal tratado
com glifosato (Richmond, 2018, p. 4).
Faz-se necessário que informações de fontes confiáveis
sejam difundidas cada vez mais, não somente sobre agrotóxicos
de larga utilização, mas também sobre quaisquer produtos que
são utilizados, sem tantos “holofotes” na agricultura, e que

191
podem gerar impactos diretamente no solo, na água, na terra, no
ar e em todo meio ambiente.

Considerações finais
Nota-se que o cine debate se apresentou como uma
ferramenta eficaz de ensino-aprendizagem na abordagem de
temas relacionados à agroecologia, visto que estimulou a
participação e envolvimento da comunidade junto ao debate. A
discussão desenvolve a habilidade de análise crítica dos
participantes, além de estimular a reflexão e a capacidade de
argumentação. Sendo assim, a inserção de recursos didáticos
audiovisuais como filmes pode ser considerada ferramenta
promotora de novas experiências e questionamentos.
Sabendo que agroecologia visa alcançar sustentabilidade
social e econômica, em harmonia com o meio ambiente,
experiências como estas podem ser replicadas para contribuir
positivamente para a construção de novas ideias e perspectivas
sobre temas tão relevantes e necessários.

Agradecimentos
Os autores agradecem ao Programa Institucional de Apoio à
Extensão (PAEx/UEMG) pela bolsa de extensão concedida à
primeira autora para o projeto intitulado “Quais são as plantas
do meu quintal?”, de autoria do Prof. Allisson Rodrigues de
Rezende, que está vinculado ao Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão em Ecologia e Agrobiodiversidade (NEPEEA).

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CAPÍTULO X

195
CINEMA, INTERDISCIPLINARIDADE E “PEDAGOGIA
ENGAJADA”: um relato de experiência do “cine debate
UEMG”

Nathália de Morais Coscrato


Mirela Alessandra Oliveira Lima
Aline de Carvalho Ciriaco

Introdução
O projeto de extensão “Cine Debate UEMG” da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Unidade
Ituiutaba, foi realizado em 2019 e objetivava promover um
espaço de cultura, lazer e reflexão aberto à comunidade. Sua
realização ocorreu a partir de uma somatória de esforços da
comissão organizadora, composta por acadêmicos(as) dos cursos
de Psicologia e de Direito e de uma docente do curso de
Direito.
Inspirados(as) em bell hooks10 (2020), o projeto de
extensão “Cine Debate UEMG” foi idealizado buscando
estimular seus participantes a pensarem criticamente sobre
temas candentes em nossa sociedade e intimamente ligados aos
direitos humanos, como a desigualdade de gênero, o racismo, a
lgbtfobia, o autoritarismo, entre outros.
Neste trabalho objetivamos descrever a experiência do
projeto de extensão “Cine Debate UEMG” e refletir sobre as

10
bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins que escolheu esse nome
em homenagem à sua avó e optou por grafá-lo com letras minúsculas pelo
posicionamento político de “[...] recusa egóica intelectual” (Caruso, 2021) .

196
potências e os desafios de sua realização, considerando
principalmente dois eixos de análise: a utilização do cine debate
enquanto recurso pedagógico inspirado em uma “pedagogia
engajada” (bell hooks, 2020) e sua configuração enquanto
projeto de extensão composto, em sua organização, por
membros dos cursos de Psicologia e de Direito.
Os dados utilizados para a análise deste projeto foram
coletados por meio de registros realizados durante a execução
das sessões do Cine Debate, tendo como base a experiência
direta das autoras, que também foram organizadoras do projeto.
A análise das informações será conduzida de forma qualitativa,
articulando a teoria de bell hooks (2020). Salientamos, ainda,
que o estudo não apresenta riscos aos participantes e garante a
confidencialidade das informações de todas as pessoas
envolvidas.
Iniciamos com um breve resgate bibliográfico da
utilização do cinema enquanto recurso pedagógico e com alguns
apontamentos sobre a “pedagogia engajada”, de bell hooks
(2020). Em um segundo momento, passamos à descrição do
projeto de extensão “Cine Debate UEMG”, resgatando um
pouco da trajetória feita e relatando alguns dos desafios
decorrentes de sua interdisciplinaridade. Ao final, destacamos
algumas conclusões referentes aos ganhos e limites do projeto.

O cinema enquanto recurso pedagógico


Desde a época do cinema mudo, a dimensão educativa
do cinema desperta interesse (Xavier, 2008, p. 14). Segundo
Ismail Xavier, teórico e professor de cinema, essa dimensão
educativa se configura de três diferentes modos:

197
De um lado, o cinema incorpora aquela dimensão
formadora própria às várias formas de arte que cumprem
um papel decisivo de educação (informal e cotidiana); de
outro, ele pode se inscrever de forma mais sistemática no
processo educativo, seja pelo uso de qualquer gênero de
filme (ficção, documentário) em sala de aula, com
interação direta com a fala do professor, seja pela
produção daquela modalidade especial a que se deu o
nome de “filme educativo”, esse que
supostamente se estrutura como ato comunicativo que
apresenta, de um modo ou de outro, uma demarcação,
uma metodologia de ensino, um princípio pedagógico,
voltados para um domínio específico do conhecimento ou
para o adestramento para uma prática (o vídeo tornou tal
modalidade um item de grande sucesso comercial)
(Xavier, 2008, pp. 14-15).
A dimensão formadora do cinema estaria presente,
segundo Ismail Xavier, em toda e qualquer experiência de
cinema (2008, p. 15). Ela se refere à formação dos indivíduos no
tocante a “[...] valores, visão de mundo, conhecimento,
ampliação de repertório [...]” (2008, p. 15). No caso do “Cine
Debate UEMG”, para além dessa dimensão formadora, o cinema
estava inscrito em um planejamento diretamente voltado para a
educação no âmbito de uma prática extensionista da
Universidade do Estado de Minas Gerais, unidade de
Ituiutaba/MG.
Olhar para a dimensão educativa do cinema possibilita
compreendê-lo e instrumentalizá-lo como um grande aliado e
facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
em um relato de experiência sobre o Ciclo de Estudos e Cine
debates realizado pelo Coletivo Direitos Humanos, Cinema e
Afetos (DiHCA), da Universidade Federal de Alfenas
(UNIFAL) e pelo Núcleo de Antropologia do Direito (NADIR),

198
da Universidade de São Paulo (USP), a jurista Gabriela
Perissinotto de Almeida e as antropólogas Ana Lúcia Pastore
Schritzmeyer e Carmem Lúcia Rodrigues apontam que:
[...]a linguagem cinematográfica, quando combinada com
a da ciência, potencializa textos e reflexões, de modo
que, juntas, elas mobilizam mais sentidos, podendo
evocar sentimentos, lembranças e sensações que
dificilmente um texto acadêmico, sozinho, permitiria
(Almeida; Schritzmeyer; Rodrigues, 2021, p. 2880).
Com o aproveitamento da dimensão educativa do
cinema, ele vem sendo empregado como recurso pedagógico em
várias instituições de ensino no Brasil, desde o ensino infantil ao
superior. A título exemplificativo, destacamos alguns projetos,
como o Projeto Espreita, que foi realizado no âmbito do curso
de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e
promoveu uma série de ciclos de filmes e debates nessa
universidade (Zambonato; Souza, 2010); o projeto Cine
Jurídico, que foi realizado no âmbito do curso de Direito da
Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central
(FACHUSC), localizada no estado de Pernambuco, e esteve
filiado à Federação Pernambucana de Cineclubes (Araújo, 2015,
p. 96); e o cine debate “Racismo e Sofrimento Psíquico”,
realizado pelo projeto “Cinema: subjetividade, cultura e
poder”, da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), no estado da Bahia (Bispo; Mello, 2019).
No projeto “Cine Debate UEMG”, o cinema foi pensado
para ser um recurso de uma “pedagogia engajada”. Segundo bell
hooks, essa pedagogia consiste em “[...] uma estratégia de
ensino que tem por objetivo recuperar a vontade dos estudantes
de pensar e a vontade de alcançar a total autorrealização” (2020,

199
p. 33). O seu foco central é capacitar os(as) discentes para
pensar criticamente (hooks, 2020, p. 33)
Mas em que consiste o pensamento crítico? Buscando
respostas, bell hooks retoma Richard Paul e Linda Elder, para
quem o pensamento crítico é “autônomo, autodisciplinado,
automonitorado e autocorretivo” (2020, p. 34). Segundo a
pensadora estadunidense, ele envolve o “pensar conscientemente
sobre ideias” (2020, p. 34), o que exige uma postura ativa do
discente, que sai da posição de mero(a) consumidor(a) de
informações prontas.
A autora bell hooks aponta que o primeiro passo para
uma pedagogia engajada é a compreensão de que “[...]
aprendemos melhor quando há interação entre estudante e
professor” (2020, p. 47). Ela envolve, dentre outras coisas, a
valorização do diálogo em sala de aula, a busca pela
participação e engajamento dos(as) discentes, a construção de
uma atmosfera de confiança em sala de aula, o reconhecimento
da importância do pensamento independente e “[...] de cada
estudante encontrar sua voz, que é única [...]” (hooks, 2020, p.
49 e 50).
No projeto “Cine Debate UEMG”, embora não
estivéssemos em uma sala de aula tradicional composta por
um(a) professor(a) e um grupo de discentes que se encontravam
por um período do calendário letivo, tínhamos, por outro lado, a
figura do(a) mediador(a) do debate, que foi executada por
diferentes pessoas ao longo do projeto, e os(as) participantes das
sessões, que também variaram. Conforme apontaremos mais
adiante, a rotatividade de mediadores(as) e de participantes
trouxe alguns desafios e limites para a implementação de uma
pedagogia engajada.

200
O projeto de extensão “Cine debate UEMG” e os desafios da
interdisciplinaridade
O projeto de extensão “Cine Debate UEMG” foi criado
por um grupo de estudantes do curso de Psicologia da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Unidade
Ituiutaba, e foi desenvolvido ao longo do ano de 2019. A ideia
inicial de unir sessões de cinema com debate surgiu a partir de
uma atividade acadêmica voltada ao planejamento de ações para
o evento da Luta Antimanicomial, que ocorre anualmente no
campus de Ituiutaba/MG.
Embora a ideia original não tenha sido implementada no
evento da Luta Antimanicomial devido a contratempos
organizacionais, o potencial do projeto motivou os(as)
estudantes a adaptá-lo e a idealizá-lo como um projeto de
extensão que ocorreria durante no ano de 2019. Foi nesse
contexto que surgiu a parceria com a docente do curso de
Direito, que também, naquele momento, estava idealizando um
projeto de extensão envolvendo cinema e Direito.
As propostas do projeto de cine debate do grupo de
discentes do curso de Psicologia e da docente do curso de
Direito, embora parecidas, não eram idênticas. A grande
diferença entre elas é que a proposta da docente do Direito
propunha, inicialmente, um recorte temático mais específico
voltado para o ensino do Direito. Essa diferença exigiu um
processo de diálogo, concessões e algumas adaptações antes de
iniciarmos juntos(as) a execução do projeto.
Nos diálogos entre o grupo de discentes do curso da
Psicologia e a docente do curso de Direito, identificamos que
tínhamos em comum o desejo de promover, por meio do

201
cinema, debates sobre temas que envolviam os direitos humanos
de grupos historicamente oprimidos, como o racismo, a
desigualdade de gênero, a LGBTfobia, a luta antimanicomial,
entre outros. A partir da constatação de que compartilhávamos
esse objetivo último em comum, o projeto de extensão “Cine
Debate UEMG” se consolidou e o grupo responsável por
organizá-lo foi batizado de “Coletivo Cena em Questão”.
Outro ideal da criação do “Cine Debate UEMG”
compartilhado por todos seus integrantes era oferecer à
comunidade, de forma gratuita, uma alternativa ao único cinema
da cidade, que era marcado pela exibição apenas de filmes do
circuito mainstream.
Destacamos que uma situação similar ocorreu nos
projetos de extensão IFpipoca (voltado para o público infantil e
infanto-juvenil) e Cine Arte (voltado para o público jovem e
adulto), ambos realizados pelo Instituto Federal do Paraná
(IFPR), campus Umuarama. Tais projetos, assim como o “Cine
Debate UEMG”, tinham como objetivo a exibição de filmes em
uma cidade que, tal como Ituiutaba/MG, contemplava apenas
um cinema (Pereira; Silva; Abrantes, 2018, p. 37).

Execução do projeto
A experiência do “Cine Debate UEMG” teve início em
junho de 2019, com encontros quinzenais ou mensais na
Universidade do Estado de Minas Gerais, unidade Ituiutaba, no
estado de Minas Gerais, Brasil. As sessões eram realizadas em
um dos três auditórios da universidade, sendo que cada encontro
durava em média três horas: o primeiro momento era dedicado à
exibição do filme, seguido de debates e interações entre os
participantes.

202
Para fomentar os debates, cada sessão foi mediada por
pelo menos um(a) profissional ou estudante de diferentes áreas.
Tais mediadores(as) eram pessoas convidadas pela comissão
organizadora do “Cine Debate UEMG” para atuarem justamente
na promoção dos debates após a exibição dos filmes.
Os encontros obedeciam a seguinte estrutura: após a
exibição do filme/documentário, havia um breve intervalo para
que os(as) participantes refletissem sobre o conteúdo. Em
seguida, os(as) mediadores(as) contextualizavam o tema central,
destacando alguns aspectos da obra cinematográfica e
conectando-os ao contexto social. Os(as) mediadores(as) tinham
liberdade para explorar diferentes perspectivas e o público era
incentivado a fazer perguntas e a compartilhar suas próprias
visões.
O coletivo organizador era composto por seis estudantes
de Psicologia, duas estudantes do curso de Direito e uma
professora do curso de Direito, responsáveis pelas principais
tarefas de organização e execução do projeto. As tarefas foram
distribuídas entre o grupo da seguinte maneira:
(1) Curadoria dos filmes: Os filmes a serem exibidos foram
escolhidos em uma reunião inicial, guiada pelo calendário de
lutas nacionais e internacionais, que fornecia diretrizes sobre as
temáticas contemporâneas mais urgentes para serem debatidas;
(2) Espaço de exibição: Um dos membros do grupo era
encarregado de contatar o setor de agendamento dos auditórios,
reservar o espaço e informar aos demais qual dos três auditórios
havia sido reservado, detalhando as especificidades técnicas do
local, como funcionamento do projetor, climatização, sistema de
som, microfone para o(a) mediador(a), entre outros;

203
(3) Convite de mediadores: Qualquer integrante podia sugerir
mediadores(as) interessantes para as sessões. Após a discussão,
um membro do grupo ficava responsável por fazer o convite e
manter o contato com as(os) mediadoras(es) até o dia do evento;
(4) Divulgação das sessões: Um dos discentes da comissão
organizadora era designer gráfico. Era ele que produzia o
material de divulgação (Figura 1), enquanto outra pessoa se
encarregava de postar o conteúdo nas redes sociais. Além disso,
os membros da comissão visitavam salas de aula do campus
para convidar estudantes de todos os cursos, reforçando que
poderiam trazer familiares e amigos(as). A divulgação também
era feita por meio do Instagram da universidade;
(5) Emissão e entrega de certificados: Na entrada do auditório,
uma pessoa registrava os dados dos(as) participantes para
emissão de certificados. Após o evento, um(a) integrante do
grupo enviava os dados ao setor responsável na universidade,
recebia os certificados e os entregava na sessão seguinte ou em
sala de aula.
Os filmes e documentários exibidos abordavam temas
relacionados a grupos sociais mais vulneráveis, como pessoas
com transtorno mental, trabalhadores(as) marginalizados(as),
pessoas com deficiência, comunidade LGBTQIA+, mulheres,
mulheres negras, população negra, crianças, entre outros.
Abaixo, são detalhadas as obras cinematográficas exibidas, as
datas comemorativas a que elas se relacionam, a área de
formação das(os) mediadoras(es), o número aproximado de
participantes por sessão e os temas abordados:

Figura 1: Material de divulgação.

204
Fonte: Acervo pessoal (2019).

● 1ª Exibição
Obra: Filme “Bicho de Sete Cabeças”.
Data comemorada: Dia Nacional da Luta
Antimanicomial (18/mai.)
Mediação: Coletivo “Cena em questão”, graduandos(as)
em Psicologia.
Participantes na sessão: Aproximadamente 20 pessoas.

205
Tema: O filme trata das violências a que eram
submetidos(as) pacientes internados(as) em hospitais
psiquiátricos.
● 2ª Exibição
Obra: Documentário “Lixo Extraordinário”.
Data comemorada: Dia Internacional do Trabalhador
(01/mai.)
Mediação: Mestre em Ciências Sociais.
Participantes na sessão: Aproximadamente 10 pessoas.
Tema: O documentário trata de um projeto do artista
plástico Vik Muniz no aterro sanitário situado no bairro
Jardim Gramacho, em Duque de Caxias-RJ.
● 3ª Exibição
Obra: Documentário “O Aborto dos Outros”.
Data comemorada: Dia Internacional da Mulher Negra
Latino-Americana e Caribenha (25/jul.)
Mediação: Mestra em Direito.
Participantes na sessão: Aproximadamente 40 pessoas.
Tema: O documentário explora a complexidade do
aborto, especialmente no contexto de mulheres negras e
de baixa renda.
● 4ª Exibição
Obra: Filme “Amor por Direito”.
Data comemorada: Dia do Orgulho LGBT (28/jun.)
Mediação: Mestra em Direito.
Participantes na sessão: Aproximadamente 30 pessoas.
Tema: O filme é baseado em uma história real e
acompanha a batalha de uma policial lésbica, em fase de
doença terminal, e de sua parceira para terem seus
direitos assegurados em um contexto institucional
homofóbico.

206
● 5ª Exibição
Obra: Filme “O Extraordinário”.
Data comemorada: Setembro Amarelo, mês de
prevenção ao suicídio.
Mediação: Coletivo “Cena em questão”, graduandos(as)
em Psicologia.
Participantes na sessão: Aproximadamente 15 pessoas.
Tema: O filme explora os desafios enfrentados por um
garoto com uma deformidade facial em seus primeiros
meses na escola.
● 6ª Exibição
Obra: Filme “Cidade do Silêncio”.
Data comemorada: Dia Nacional de Luta contra a
Violência à Mulher (10/out.)
Mediação: Graduanda em Direito; Graduanda em
Direito.
Participantes na sessão: Aproximadamente 10 pessoas.
Tema: Baseado em histórias reais, o filme trata de uma
série de feminicídios que ocorriam na Ciudad Juárez, no
México, e da luta de uma jornalista para exigir justiça
para esses casos.
● 7ª Exibição
Obra: Filme “A onda”.
Data comemorada: Festival organizado como parte das
ações de apoio à greve em andamento na época.
Mediação: Doutora em História; Mestre em Ciências
Sociais.
Participantes na sessão: Aproximadamente 30 pessoas.
Tema: O filme trata da experiência de um professor que
cria, em uma escola, um projeto experimental sobre a
formação de regimes totalitários.

207
● 8ª Exibição
Obra: Filme “Estrelas Além do Tempo”.
Data comemorada: Festival organizado como parte das
ações de apoio à greve em andamento na época.
Mediação: Graduanda em História; Graduando em
História; Doutora em Psicologia.
Participantes na sessão: Aproximadamente 15 pessoas.
Tema: Baseado em uma história real, o filme trata das
vivências de três cientistas negras que atuaram na corrida
especial dos EUA na década de 60.
● 9ª Exibição
Obra: Filme “Germinal”.
Data comemorada: Festival organizado como parte das
ações de apoio à greve em andamento na época.
Mediação: Especialista em Direito Constitucional;
Especialista em Direito Público.
Participantes na sessão: Aproximadamente 15 pessoas.
Tema: O filme trata da exploração de trabalhadores em
uma mina de carvão no século XIX e da resistência e luta
por melhores condições de trabalho.
● 10ª Exibição
Obra: Filme “Quanto Vale ou É Por Quilo?”
Data comemorada: Dia da Consciência Negra (20/11)
Participantes na sessão: Aproximadamente 10 pessoas.
Mediação: Graduanda em Psicologia e fundadora do
Coletivo Negro da UEMG-Ituiutaba.
Tema: O filme intercala passagens do passado
escravocrata do Brasil com imagens do presente, dando
enfoque à exploração da miséria pelo marketing de uma
ONG.
● 11ª Exibição

208
Obra: Documentário “Menino 23 – Infâncias Perdidas
no Brasil”
Data comemorada: Dia da Consciência Negra (20/11)
Mediação: Coletivo “Cena em questão”, graduandos em
Psicologia.
Participantes na sessão: Aproximadamente 5 pessoas.
Tema: O documentário retrata a situação de crianças que,
após retiradas de orfanatos, foram submetidas a trabalho
escravo em uma fazenda no Brasil na década de 1930.
Em síntese, o projeto contou com a participação média
de 200 pessoas, entre estudantes de diferentes cursos, servidores
(as) e integrantes da comunidade externa. Além disso,
participaram 13 mediadores(as) convidados(as), entre
professores(as), ativistas, estudantes da própria UEMG e de
outras instituições de ensino da cidade, como a Universidade
Federal de Uberlândia (UFU, Campus Pontal), Faculdade Mais
(FacMais) de Ituiutaba e professores(as) da Rede Básica de
Ensino.

209
Considerações finais
Ao decorrer dos encontros, identificamos que a
utilização da obra cinematográfica contribuiu consideravelmente
para o engajamento do público. Segundo o educador Rogério de
Almeida (2017), o cinema propõe um mundo de significação
que flutua aos nossos olhos, desse modo a exibição da imagem
em si implica a existência de uma outra imagem, construída a
partir da interlocução entre a câmera e o(a) telespectador(a):
o que surge daí se relaciona às vivências e experiências de cada
um(a). Como consequência, a troca de interpretações sobre os
filmes/documentários, por vezes, vem acompanhada de partilhas
de vivências dos(as) participantes da sessão.
Observamos, nesse sentido, que os debates promovidos
após a exibição dos filmes/documentários muitas vezes
contaram com partilhas dos(as) participantes sobre suas próprias
vidas ou situações que aconteceram com pessoas próximas.
Essas situações eram acolhidas pelo próprio grupo que
complementavam com outras experiências ou traziam algum
conhecimento que gerasse uma discussão acerca da opressão
vivenciada, produzindo um saber que desloca o sujeito do lugar
de invisibilidade para um lugar de protagonismo frente a sua
própria experiência.
A utilização do cinema como recurso pedagógico
mostrou-se, assim, potente para a implementação de uma
pedagogia engajada ao favorecer o engajamento das pessoas que
acompanhavam as sessões e a troca de saberes. Destacamos, no
entanto, que a rotatividade de mediadores(as) e de participantes
dos cine debates talvez possa ter dificultado a construção de um
ambiente de confiança entre todos(as) presentes, o que pode ter
limitado, de alguma forma, as trocas ocorridas durante alguns
debates.

210
O “Cine Debate UEMG” ficou também marcado, em
toda sua trajetória, pela interdisciplinaridade. Ainda em fase de
idealização, o fato dos(as) membros (as) serem de dois cursos
diferentes trouxe alguns desafios para sua implementação que
foram resolvidos através do diálogo. Destacamos que muitos
dos debates promovidos dialogaram com diferentes áreas do
saber, como o direito, a filosofia, a sociologia, dentre outras. Os
(as) mediadores(as) convidados(as) para intermediarem os
debates eram também acadêmicos ou profissionais de diferentes
campos do saber, assim como os(as) próprios(as) participantes
das sessões.
A equipe pretendia realizar o projeto em escolas e em
outros espaços públicos, a fim de levar a proposta para outros
espaços além da universidade, mas devido à limitação do tempo
dos(as) organizadores(as), essa ideia não foi concretizada.
Este relato visou descrever a trajetória do “Cine Debate
UEMG” ao longo de 2019, destacando suas estratégias, desafios
enfrentados, resultados alcançados e aprendizados obtidos.
Espera-se que a descrição do método de realização do projeto
possa instrumentalizar outras instituições e coletivos para
replicar e adaptar essa iniciativa, mostrando como o cine debate
pode ser um recurso tanto na formação acadêmica quanto como
um espaço cultural em territórios carentes de opções culturais.

Referências
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RODRIGUES, C. L. Cinema e direitos humanos (das
mulheres): sentir e pensar potencializados. Revista Direito e
Práxis, Rio de Janeiro/RJ, v. 12, n. 04, p. 2876-2898, Dez.
2021.

211
ALMEIDA, R. Cinema e educação: fundamentos e perspectivas.
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ARAÚJO, S. V. de. Educação em direitos humanos através
do cinema: experiência docente no Sertão Central de
Pernambuco. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade Católica de Pernambuco, Recife/PR, 2015.
BISPO, S. P.; MELLO, I. M. de. Psicologia e Cinema:
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CARUSO, G. O vazio deixado pelas referências que se vão –
Ou: perdemos bell hooks. FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, 16
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hooks, b. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática.
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PEREIRA, M. T.; SILVA, K. M. da; ABRANTES, T. dos A.
Cinema, educação e transformação: relato de experiência dos
projetos IFPipoca e Cine Arte. Experiência: Revista Científica
de Extensão, Santa Maria/RS, v. 04, n. 01, p. 35-51, Out. 2018.
XAVIER, I. Um cinema que “educa” é um cinema que (nos) faz
pensar. Educação & Realidade, Porto Alegre/RS, v. 33, n. 01,
p. 13-20, Nov. 2008.
ZAMBONATO, C. D.; SOUZA, M. S. de. Projeto espreita: o
cinema como prática pedagógica no curso de direito da UFSC.
Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro/RJ, v. 01, n. 01, p.
100-109, Dez. 2010.

212
CAPÍTULO XI

LATIM E DIREITO: uma abordagem cultural do ensino da


língua latina nos cursos de graduação em Direito

Thalles Ricardo Alciati Valim

Introdução
O ensino da língua latina perdeu muito de seu prestígio,
tendo deixado de compor a matriz curricular da Educação
Básica, com a reforma empreendida pela Lei n. 4.024/1961,
assim como a de certos cursos do Ensino Superior,
nomeadamente os de Direito e Filosofia.
Em grande medida, a retirada do latim das matrizes
curriculares foi impulsionada pela percepção – ainda que
equívoca – de que se trata de uma língua morta, sem qualquer
utilidade para a formação dos alunos. Essa percepção foi
construída a partir de uma visão utilitário-mercantilista do
ensino, que condiciona a inserção de determinada matéria no
currículo escolar à comprovação de sua utilidade para um
profissional no mercado de trabalho (Ferreira, 2017). O latim foi
uma das vítimas desse processo de transformação da Educação,
tanto básica quanto superior, em um ambiente tecnicista. Mas,
não foi a única, haja vista o igualmente progressivo desprezo
pelas demais disciplinas que compõem as Humanidades.

213
Para que se reabilite o ensino do latim é preciso,
portanto, e de início, desconstruir essas preconcepções. Antes de
tudo, cabe dizer que o latim não é língua morta em nenhuma das
acepções que se vinculam a essa expressão.
Pode-se entender como língua morta aquela que não é
mais empregada em modalidade oral por nenhum conjunto de
pessoas na atualidade. Esse primeiro sentido não pode ser
atrelado ao latim, idioma oficial de um país – a saber, o
Vaticano –; utilizado por membros de um determinado corpo
religioso, o pertencente à Igreja Católica Apostólica Romana; e
empregado para a construção de vocabulário técnico em
diversos ramos da ciência. Seja na formulação de nomes
científicos, seja nos elementos de uma tabela periódica, seja nas
diversas expressões jurídicas, seja nas abreviaturas e convenções
linguísticas utilizadas para a padronização de trabalhos
científicos (v.g.; ibidem; op. cit.; etc.; apud; in; entre tantos
outros exemplos), encontra-se o latim em uso.
O latim também não pode ser entendido como língua
morta no sentido de inexistir qualquer variante que tenha
adquirido autonomia e seja hoje dominante no emprego por um
conjunto de pessoas. Todas as línguas românicas, também ditas
neolatinas, nas quais se encontra a portuguesa, mas também a
espanhola, a francesa, a italiana e a romena, podem ser
entendidas como uma evolução do latim.
Claro é que, do latim de Cícero ao português de Camões,
há uma grande distância a se percorrer. Não se pode desprezar
essa variação, nem a pluralidade que se originou das diversas
influências que vieram a moldar cada uma das línguas
românicas. Mas é preciso também reconhecer que "nosso
português mais fino é pouco mais que um latim atrapalhado"
(Galindo, 2022) e que a sobrevivência de variantes populares de

214
uma determinada língua não deve ser interpretada como a
falência ou a morte dela própria, mas apenas como a superação
da modalidade que a elite de uma determinada época intitulou
como "culta". Em regra, o estudo da evolução das línguas indica
que a variante sobrevivente é aquela pertencente às classes
baixas (e mais numerosas). Portanto, aqueles que se debruçam
sobre os fatos conducentes às mudanças linguísticas aprendem
uma verdadeira "lição de democracia" (Galindo, 2022).
O estudo do latim permite aos falantes das línguas
românicas dominar suas próprias línguas a partir de um ponto de
vista cultural. Ao se verificar o que há de latim no português,
por exemplo, também se constata o que não há dele. Essa
segunda parcela também merece estudo, pois reflete a
contribuição de outras culturas para a formação do português,
nomeadamente a de povos árabes, de africanos e de indígenas.
Caetano Galindo (2022) apresenta um exemplo
elucidativo desse multiculturalismo típico da língua portuguesa.
A palavra "saluare", do latim clássico, em estágio posterior, veio
a ser empregada como "salvare" pela plebe do Império Romano
e, em etapa ainda mais avançada, atingiu a formulação "salvar",
mediante contribuição dos árabes. Quando a palavra chegou às
Américas, influenciada pelos indígenas, apresentou-se como
"sarvá". Por fim, diante de certos padrões silábicos das línguas
de matriz africana, transformou-se em "saravá".
Portanto, o ensino do latim, longe de reafirmar
concepções colonialistas e representar uma postura hermética
referente a outros elementos que contribuíram para a cultura
brasileira, é instrumento que, se bem utilizado, permite arejar os
horizontes interpretativos do povo lusófono.

215
Nessa tarefa, o grande desafio para o professor é,
destarte, o de apresentar a língua latina como objeto em
constante mutação e que não pode ser bem compreendido sem
uma abordagem que seja, a um só tempo, histórica, contextual e
cultural. Como ressalta Fátima Ferreira (2017), "(...) a
importância que o Latim assume nas Humanidades requer, por
conseguinte, que se atualizem os métodos, nomeadamente os
modos de abordagem da gramática e de integração da cultura,
relacionando-a no contexto histórico e social em que vivemos".
Tendo isso em mente, o presente capítulo pretende
apresentar as razões específicas pelas quais o ensino do latim
encontra, nos cursos de Direito, um ambiente propício para essa
abordagem, bem como, quando aplicada, apresenta ganhos na
formação humanista em geral, mas também crítica de um jurista.
Para isso, apresenta-se inicialmente revisão bibliográfica e,
posteriormente, analisam-se os dados obtidos com questionário
aplicado em uma turma de "Introdução ao Latim Jurídico", do 1º
semestre de 2024, na Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) Unidade Ituiutaba.

O Direito no latim: uma abordagem cultural do ensino da


língua nos cursos de Direito
Não é de hoje que o ensino do latim se encontra
vinculado a abordagens culturais e de contexto da sociedade
romana. Ainda no século III d. C., os Hermeneumata Pseudo-
Dositheana tinham por objetivo o ensino da língua latina a
falantes de grego. O documento consistia num conjunto de
diálogos que buscavam representar situações típicas da
sociedade romana de então (Quednau, 2016).

216
Manuais mais recentes também têm a mesma
preocupação de inserção do aluno no contexto em que o latim
era utilizado pelos romanos. Assim, os dois volumes do Curso
Básico de Latim, de Paulo Rónai (2012; 2014), Gradus Primus e
Gradus Secundus, apresentam capítulos com lições gramaticais
bastante breves e expostas apenas no limite do que é necessário
para a compreensão de textos que descrevem o cotidiano dos
romanos, como o modo de vida rural (vita agricola ou vita
rustica), o convívio entre professora (magistra) e alunos
(discipuli), as relações familiares etc. Há um uso considerável de
diálogos entre personagens fictícios que reaparecem a todo
tempo entre as diversas lições, mantendo a atenção do aluno,
que se familiariza com os personagens encontrando situações
similares às suas e, ao mesmo tempo, pontos de divergência. Ao
se avançar nas lições, a progressão de dificuldade é bastante
sutil, fazendo com que o aluno não encontre resistência em reter
novos casos e novas declinações, mais complexos do que os
anteriormente apresentados. Especialmente em Gradus
Secundus, encontram-se ainda jogos para fixação de classes de
declinação, conjugação e vocabulário, como palavras-cruzadas
(verba intermutata).
De modo ainda mais nítido, pode-se ver a intersecção
entre cultura e aprendizagem do latim na obra de Hans Ørberg.
Dividido em dois volumes, o primeiro (Ørberg, 2003a),
intitulado Familia romana, contém 35 capítulos que
acompanham uma típica família romana do século II d. C.
(Figura 1). A abordagem para o ensino da língua latina é
mediante o método natural, em que os alunos não fazem uso de
exercícios de tradução para o vernáculo. Ao invés disso,
aprendem gramática a partir de leitura contextual. Para alunos
mais avançados, o segundo volume (Ørberg, 2003b), cujo título

217
é Roma aeterna, apresenta tópicos mais sofisticados da
sociedade romana, tais como história, política e literatura.

Figura 1: Página do manual Lingua Latina per se illustrata: prima pars:


familia romana.

Fonte: Ørberg (2003a).

218
Em ambos os volumes, há frequentemente apresentação
de ilustrações que permitem ao alunos a fixação visual de
utensílios tipicamente romanos, vinculados aos seus respectivos
vocábulos latinos, como se depreende da imagem acima,
extraída do primeiro volume de Lingua Latina per se illustrata.
Mas, na contemporaneidade, com as múltiplas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), há diversos
outros tipos de materiais que podem ser utilizados para a
integração entre cultura e língua latina. Particularmente, há um
potencial considerável no emprego de vídeos lúdicos, por
exemplo, mediante a apresentação de trechos de filmes e séries
famosos. Afinal de contas, não faltam películas do gênero terror
que giram em torno de exorcismos. Mas, para além desse nicho
do mercado cinematográfico, é possível encontrar uma
quantidade expressiva de material capaz de aproximar a língua
latina de nossa própria cultura. Apenas exemplificativamente,
encontram-se na rede social Youtube trechos de conversas
inteiras em latim entre personagens de uma série americana
denominada Lost. Essa obra audiovisual trata de uma queda de
avião fictícia em uma ilha na qual não se tem qualquer contato
com o resto do mundo e que é habitada por pessoas falantes de
latim, denominadas "os outros". A reprodução de pequenos
trechos da obra em sala de aula é capaz de instigar os alunos a
buscar a tradução para conversas até então enigmáticas e que,
conduzidas em latim, eram uma das diversas causas para todo o
suspense do enredo.
Ainda no Youtube, deve-se destacar o canal Scorpio
Martianus11, que abriga vídeos produzidos por Luke Amadeus
Ranieri nos quais são apresentadas versões em latim de músicas

11
Link: https://www.youtube.com/@ScorpioMartianus. Acesso em 26 ago.
2024.

219
de filmes célebres da Disney, como Rei Leão, Alladin e o
Estranho Mundo de Jack, além de trechos dublados em latim de
filmes como Batman, Senhor dos Anéis e Jurassic Park.
Mais especificamente ainda, no que diz respeito ao curso
de Direito, os alunos de latim encontram-se em uma posição
privilegiada, pois um dos elementos culturais de destaque para a
sociedade ocidental é o Direito. Com efeito, a compreensão do
Direito como cultura já foi destacada por filósofos do Direito
tais como Miguel Reale (1992, p. 111-112):
O direito é, pois, uma espécie de experiência cultural, isto
é, uma realidade que resulta da natureza social e histórica
do homem, o que exige nele se considere,
concomitantemente, tanto o que é natural como o que é
construído, as contribuições criadores, que consciente e
voluntariamente se integraram e continuam se integrando
nos sistemas jurídico-políticos (Reale, 1992, p. 111-112).
A sociedade romana foi a primeira a identificar o Direito
como um elemento fundamental de sua cultura. De forma até
então inédita, a língua latina apresentou vocábulo próprio – a
saber, ius – para diferenciar o conjunto de normas jurídicas das
demais normas sociais. Para os romanos, o Direito era mesmo
entendido como uma arte, como se percebe da célebre definição
atribuída por Ulpiano ao jurista romano Celso, que viveu por
volta do século 2 d. C., e reproduzida no início do Corpus Iuris
Civilis (D. 1, 1, 1). Segundo essa definição, o Direito é a "arte
do bom e do équo" (ius est ars boni et aequi) (Vasconcellos,
2017, p. 62). Em De re republica (1, 39), Cícero indica que a
República é o bem de um certo povo e o que delimita um povo
não é o pertencimento a determinado território, mas sua
submissão voluntária ao Direito: "res publica res populi,
populus autem non omnis hominus coetus quoquo modo

220
congregatus, sed coetus multitudinis iuris consensu et utilitatis
communionne sociatus".
Um dos fatores preponderantes para a expansão do
Império Romano foi a aplicação do Direito Romano a todo o
território. Nessa empreitada, o Direito e o latim andaram de
mãos dadas, pois a língua do Lácio permitiu que normas, a
princípio concebidas para a cidade de Roma, fossem transpostas
para realidades tão diversas quanto as de Alexandria e Olisipo
(i.e., Lisboa). O latim auxiliou muito nesse processo, mediante a
sua alta capacidade de síntese e a riqueza de suas figuras de
linguagem (Ando, 2015).
Assim, a compreensão do vocabulário latino, específico
do Direito, permite entender melhor como a sociedade romana
foi se transformando com a expansão do Império e como eram
as estruturas políticas e sociais daquela época. Pode-se, por
exemplo, analisar a extensão de significado do termo familia,
que, diferentemente dos dias atuais, não abrangia apenas
cônjuges, parceiros, ascendentes, descendentes e colaterais
(Quednau, 2016, p. 128). A familia romana tinha maior
abrangência, incluindo também os escravos (servi), os quais
originaram o próprio termo familia, a partir da palavra famulus,
uma espécie de servo, próximo de seu senhor e que
desempenhava funções de assistente e consultor (Rezende,
Bianchet, 2023, p. 142).
Como já se disse, aprender o latim no contexto jurídico
facilita a compreensão cultural da Roma Antiga e dos romanos
daquela época. Apenas para citar outro exemplo, pode-se indicar
o do vocábulo persona, isto é, pessoa. A noção de pessoa é
central para a Teoria Geral do Direito Privado na atualidade,
tanto que se apresenta como um dos eixos da Parte Geral do
Código Civil. Não obstante isso, o vocábulo persona era pouco

221
usual entre os romanos, pelo menos nas fontes que sobreviveram
até nossos dias. Trata-se de forte indicativo da forma como os
próprios romanos se enxergavam. Na época, pouco se
preocupava com a esfera individual de cada pessoa. O público e
o privado estavam imbricados, de sorte que a preocupação maior
era com as relações interpessoais do que com o indivíduo
(Resende; Aguiar, 2019).
Nessa seara, destaca-se o manual Introdução ao Latim
Jurídico, de Dárcio Rodrigues e Hélcio Madeira. A obra
(Rodrigues; Madeira, 2020) se preocupa em apresentar
contextos relacionados ao Direito Romano, destacando o valor
que os cidadãos romanos atribuíam à Ciência do Direito
(iurisprudentia) e à Justiça (iustitia). Cada capítulo contém
textos em latim que descrevem situações de atores jurídicos,
como praetores, ediles, iurisconsulti, iudices etc. O vocabulário
também é voltado para juristas, embora também apresente
termos usuais para outros contextos cotidianos de um romano
comum. Há um grande destaque para exercícios de tradução,
seja do latim para o português, seja do português para o latim,
no que consagra o método de ensino instrumental de línguas,
sem se preocupar com a oralidade. Outra seção de destaque na
obra é a intitulada Regulae Vocabulaque Iuris, em que adágios
famosos em latim são apresentados ao aluno para fixação do
vocabulário e das normas gramaticais apresentadas em cada
capítulo.

O latim no Direito: como o ensino da língua beneficia a


formação jurídica
Não se questiona a forte influência que o Direito
Romano exerceu, e ainda exerce, na formação dos ordenamentos

222
jurídicos contemporâneos pertencentes à família jurídica de
Civil Law, a ponto de essa última também ser referida como
família romano-germânica. Diversos foram os fatores que
levaram a essa influência, assim como também foram múltiplas
as formas de recepção do Direito Romano. Não cabe no escopo
deste trabalho discorrer acerca dessas questões. O interesse é
verificar que, devido a essa influência, é possível encontrar
ainda hoje expressões e termos jurídicos em latim. O seu
emprego é feito tanto em trabalhos doutrinários, quanto em
peças processuais.
A utilização do latim, esparsamente, para indicar
princípios, máximas ou conceitos técnicos pode ser
caracterizada como um dos aspectos particulares da linguagem
jurídica. Isso não a torna, por si só, uma linguagem críptica e
opaca. Diversamente do que alguns detratores sustentam, a
linguagem jurídica não existe com a finalidade de impedir que o
cidadão leigo compreenda o que está sendo dito. Mas é verdade
que a linguagem jurídica só pode ser plenamente compreendida
e manuseada pelos seus falantes, quais sejam, os juristas.
A questão, então, consiste em saber se essa linguagem
particular ao Direito existe como um fim em si mesmo ou se, ao
invés disso, apresenta justificativas outras. Ao que parece, a
resposta se dirige para a segunda alternativa. Natural é que cada
campo do conhecimento científico desenvolva linguagem
própria e a interpretação de termos científicos mediante
aplicação de significado coloquial pode levar a sérios equívocos.
Isso não é apanágio da Ciência do Direito (Moreira, 2001). Na
Física, o conceito de "trabalho" é diverso daquele partilhado
pela sociedade em geral, assim como o conceito jurídico de
"trabalho" também adquire sentido próprio. Na Biologia, o
sentido de "fruto" não é idêntico àquele que se faz presente no

223
cotidiano das pessoas e, do mesmo modo, diverge também do
sentido jurídico para a mesma palavra.
Também há termos que não são partilhados com a
linguagem coloquial, mas específicos de cada campo do saber e
que não são compreensíveis para pessoas leigas. Na biologia,
por exemplo, o termo "patela" indica o osso do joelho humano.
Na geometria, há termos como poliedro e hipotenusa. No
Direito, há outros tantos, como "negócio jurídico",
"contravenção penal", "tributo", "mandado de segurança",
"embargos de declaração".
Certamente, o desenvolvimento de termos técnicos e
significados específicos para palavras partilhadas com a
linguagem coloquial não ocorre por intenção dos cientistas em
impedir o acesso ao conhecimento a todos que por ele se
interessem. Ao contrário, a linguagem específica de cada campo
do conhecimento científico é reflexo da complexidade que lhe é
própria.
Contudo, embora a linguagem jurídica, assim como
qualquer outra linguagem científica, encontre a sua validade nas
premissas acima delineadas, nada justifica o recurso a palavras
rebuscadas quando um vocabulário mais simples pode evocar os
mesmos sentidos, sem perda de compreensão para os
destinatários. Como alerta José Carlos Barbosa Moreira (2001),
o uso não pode se encaminhar para o abuso. Nesse ponto, o
alerta e a crítica são válidos.
Quando isso ocorre, a linguagem jurídica é transformada
em "juridiquês", para se usar o termo pejorativo empregado por
Conrado Hubner Mendes em artigo para o jornal Folha de São
Paulo (2024). No "juridiquês", afirma Mendes, há confusão de
"elegância com mau gosto, clareza com cafonice, termo técnico

224
com termo bizantino" (Mendes, 2024). O jurista afeito ao
juridiquês, substitui "semana passada" por "hebdômada
pretérita"; "Constituição" por "Magna Carta"; "CLT" por
"Codex Obreiro"; "Código de Processo Civil" por "Pergaminho
Adjetivo"; "Supremo Tribunal Federal" por "Pretório Excelso";
e por aí vai (Mendes, 2024).
"Juridiquês" não é linguagem jurídica. Pelo contrário,
falta-lhe um dos principais elementos de uma linguagem
técnica: a precisão dos termos científicos. Não há sinônimos
variados em uma linguagem técnica, pois os termos científicos
são dotados de significados bem delimitados (Moreira, 2001).
Assim, não cabe substituir "bem" por "coisa", pois cada um dos
termos tem sentido próprio. É melhor sofrer com a repetição
inevitável de termos como "petição inicial" do que buscar
neologismos que impliquem a perda de uma convenção
semântica mínima entre juristas.
Infelizmente, o abuso do latim também faz parte do
"juridiquês". Em verdade, esse tipo de linguajar faz largo
emprego de expressões advindas de qualquer língua estrangeira,
embora latim, alemão, francês, italiano e inglês sejam as mais
utilizadas como fonte para expressões imperscrutáveis. Mendes
(2024) exemplifica com o emprego frequente de
"Bundesverfassungsgericht" para se referir à Corte
Constitucional alemã.
Especificamente quanto ao latim, a utilização é ainda
pior, pois o jurista, não raro, emprega termos por mera repetição
do que já ouviu e, assim como um papagaio, reproduz sons cujo
significado desconhece. Com isso, corre sério risco de empregar
expressões latinas em contextos inapropriados. Assim, Marchi
(2020) constata que:

225
(...) muitos advogados e até magistrados, por
desconhecerem o idioma do Lácio, apenas decoram e
repetem aquelas expressões, às vezes sem de fato lhes
compreender a real significação; frequentemente as citam
incorretamente, baralhando os termos, e com isso trazem
um imerecido desdouro para a nobre profissão que
representam (Marchi, 2020 p. XI-XII).
Precisamente para evitar o "juridiquês", o ensino do
Latim nos cursos jurídicos é de grande valia. Ao se aprender a
língua latina, o aluno evitará o emprego de expressões em
sentidos equívocos ou mesmo o seu uso com grafias incorretas.
Para além disso, verifica-se quando há utilidade no
emprego de expressões latinas e quando não há. Dessa forma, ao
invés de salpicar termos em latim aqui e acolá, o jurista pode
fazer uso do latim naquilo que a língua tem de melhor: a sua
enorme capacidade de síntese.
Com efeito, a língua latina é bastante conhecida por seu
potencial sintético. De início, as declinações já servem para
evidenciar a função sintática das palavras em uma determinada
frase, eliminando a necessidade de uma profusão de preposições
e de estruturas frasais específicas. Em segundo lugar, a língua
latina faz grande uso de elipse como figura de linguagem,
ocultando palavras que podem ser subentendidas pelo seu
contexto. Por isso, diversas expressões em latim permanecem
em uso corrente atualmente, pois permitem exprimir ideais
complexas mediante o emprego de poucos vocábulos. Uma
dessas expressões latinas serve inclusive para exprimir essa
grande qualidade da língua: multa paucis, isto é, falar algo de
grande profundidade com bastante concisão. Quem já não ouviu
alguém falar carpe diem, para se recomendar que alguém
aproveite o presente e não se preocupe tanto com o futuro? Ou

226
então, verba manent, scripta volant, para indicar que o que é
dito é facilmente esquecido, mas o que se escreve sobrevive ao
passar das épocas?
A linguagem técnica faz uso dessa qualidade do latim,
mediante emprego de expressões como ibidem ou op. sit., por
exemplo, para referenciar a mesma obra mencionada
anteriormente.
No Direito, o mesmo fenômeno ocorre com expressões
como res perit domino (isto é, os riscos de perecimento de uma
coisa são assumidos pelo seu proprietário até que haja
transferência de domínio a outrem); in dubio pro reo (em outras
palavras, até que se prove o contrário, há a presunção de
inocência do réu); nullum crimen nulla poena sine lege, que
exprime a mesma regra encontrada no inciso XXXIX, do art. 5º,
da Constituição Federal: "não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal".
Esse potencial de síntese que a língua latina possui
permitiu a construção de diversos princípios jurídicos
complexos, mas de fácil memorização pelo jurista. Embora
ainda presente nos dias atuais, não se trata de fenômeno novo.
Ainda quando o latim era a língua corrente, essas regulae iuris
ganhavam destaque, fato que se evidencia pelo Título XVII, do
Livro L, do Digesto Justinianeu, pertencente ao Corpus Iuris
Civilis, intitulado De diversis regulis iuris antiquis (Das
diversas regras do Direito Antigo), dedicado a expor tradicionais
regras jurídicas. O título indicado se inicia com uma citação do
jurista romano Paulo, em que esse último define regra como
quae rem, quae est, breviter enarrat (D. 50, 17, 1), isto é, como
uma fórmula que expõe brevemente o fato, tal como ele é. O
título indicado é antecedido por outro que contém diversas
definições jurídicas (De verborum significatione – D. 50, 16).

227
Juntos, eles foram considerados essenciais para a sistematização
de todo o Corpus Iuris Civilis e tiveram grande influência nos
desdobramentos da recepção do Direito Romano, quando, a
partir de Pothier, apresentaram-se como os embriões das
codificações civis (Moraes, 2017).
Mas o latim não serve apenas para a adoção de adágios
latinos que expressam princípios e regras jurídicas de grande
complexidade. Ele ainda hoje é manancial de termos técnicos
utilizados até mesmo pela legislação. Dentre outros, pode-se
citar habeas corpus, habeas data, plebiscitum, exequatur.
Vê-se, portanto, de tudo o que já se expôs, a utilidade
que o ensino da língua latina tem para o aluno dos cursos de
Direito no Brasil.
Para que o ensino do latim aos bacharelandos em Direito
seja proveitoso, faz-se necessária, portanto, a conexão das lições
com o vocabulário jurídico específico. Recomenda-se que o
docente lance mão, sempre que possível, de exemplos didáticos
que contenham expressões latinas ainda em uso, para que a
aplicabilidade do conhecimento adquirido seja sentida ainda em
sala de aula.

O latim em prática: um relato de experiência do ensino do


latim jurídico
No mais recente Projeto Pedagógico do Curso de
Graduação (Bacharelado) em Direito, da Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba, introduziu-
se a disciplina optativa "Introdução ao Latim Jurídico". O
objetivo da disciplina é o de apresentar vocabulário e gramática
latinos a partir do contexto jurídico, habilitando os alunos a
manusear expressões jurídicas em latim ainda em uso corrente.

228
Durante o primeiro semestre de 2024, houve a primeira
turma da disciplina, composta por trinta e oito alunos do período
noturno.
A princípio, o planejamento da disciplina foi feito com
base no manual Introdução ao Latim Jurídico, de Dárcio
Rodrigues e Hélcio Madeira (Rodrigues; Madeira, 2020).
Entretanto, logo na primeira aula, percebeu-se que a
quantidade de horas-aula disponíveis semanalmente (duas) e as
deficiências em língua portuguesa que os alunos apresentavam
exigiriam adaptações no plano de ensino.
Destarte, as três avaliações dissertativas originalmente
previstas foram substituídas por um processo de avaliação
seriada. Em todas as aulas, os alunos faziam exercícios divididos
em duas partes. Na primeira, os alunos construíam o vocabulário
específico a ser utilizado na segunda parte. A primeira parte era,
em regra, um jogo ("gamificação"), como palavras-cruzadas ou
caça-palavras. A segunda parte continha cerca de vinte frases
pequenas em latim que, em conjunto, formavam um único texto.
Os alunos deveriam, então, traduzi-las com base no vocabulário
construído na primeira parte. Por fim, a folha de exercícios
continha uma terceira seção, na qual pequenos elementos
gramaticais eram sintetizados em quadros e outros esquemas
visuais.
Toda a dinâmica ocorria em sala de aula. No primeiro
horário, os alunos faziam sozinhos as duas partes do exercício.
No segundo horário, o docente procedia à sua correção,
ressaltando os elementos gramaticais da terceira seção, bem
como indicando conexões do texto com o contexto da época do
Império Romano e a prática jurídica atual.

229
Ao final da aula, sempre que possível, eram apresentados
vídeos lúdicos, com trechos de obras audiovisuais da atualidade
em que a língua latina aparecia. O docente destacava quando o
uso estava correto, mas também quando o "latim" à mostra na
obra não era propriamente a língua latina.
Com o encerramento do semestre, foi distribuído um
questionário para a turma, com seis questões, sendo as cinco
primeiras objetivas e a última, dissertativa. As questões foram as
seguintes:
1) Atribua 0 a 5 para cada uma das atividades
abaixo, considerando a relevância que teve para o
seu aprendizado de latim, sendo 0 “nenhuma
relevância” e 5 “relevância absoluta”.
( ) Exercícios de tradução de frases.
( ) Palavras-cruzadas e Caça-palavras.
( ) Conexões das explicações com expressões
jurídicas.
( ) Vídeos lúdicos.
( ) Explicações gramaticais.
( ) Atividades orais e no quadro de conjugação
verbal e declinação de substantivos.
( ) Atividades orais e no quadro de tradução
conjunta, do professor com a sala, de pequenos
textos em latim.

230
2) Após o término da disciplina, qual a relevância
que você considera que o conhecimento adquirido
terá para a sua formação jurídica:
( ) Nenhuma relevância.
( ) Pouca relevância.
( ) Relevância média.
( ) Muita relevância.

3) Em comparação com outras disciplinas


metajurídicas (isto é, que não são diretamente
relacionadas a conhecimentos jurídicos – e.g.
filosofia, sociologia, antropologia etc.), como você
considera a disciplina de Introdução ao Latim
Jurídico?
( ) De menor importância.
( ) De igual importância.
( ) De maior importância.

4) Após concluir a disciplina de Introdução ao


Latim Jurídico, quão seguro ou segura você se sente
para manusear expressões jurídicas em latim?
( ) Menos seguro ou segura do que quando iniciei
a disciplina.
( ) Tão seguro ou segura do que quando iniciei a
disciplina.

231
( ) Mais seguro ou segura do que quando iniciei a
disciplina.

5) Numa escala de 0 a 10, quanto você


recomendaria a outros alunos de Direito que
fizessem a disciplina de Introdução ao Latim
Jurídico?
( )0( )1( )2( )3( )4( )5( )6( )7
( ) 8 ( ) 9 ( ) 10

6) Descreva a sua experiência com a disciplina,


incluindo expectativas anteriores à realização,
considerações positivas e negativas após o término
da disciplina e expectativas para o futuro.

Foram recebidas trinta e três respostas ao questionário.


Na primeira questão, todos os instrumentos de
aprendizagem elencados receberam média simples superior a 4,
sendo considerados pela maioria dos alunos como de grande ou
absoluta relevância para a formação na língua latina. Os
instrumentos com a menor média (4,24) foram: explicações
gramaticais e conexões das explicações com expressões
jurídicas. O instrumento com a maior média (4,51) foi a
exibição de vídeos lúdicos.
Das respostas recebidas à primeira questão, percebe-se
que, assim como ressalta a literatura sobre o tema, uma
abordagem cultural é vista também pelos alunos como essencial
para o aprendizado do latim.

232
Na segunda questão, 76,67 % dos alunos responderam
que consideram de muita relevância o conhecimento adquirido
para a sua formação jurídica. Os demais, cerca de 23,33 %,
atribuem relevância média para a sua formação jurídica.
Nenhum aluno atribuiu pouca ou nenhuma relevância.
Verifica-se que, diferentemente da percepção geral que
levou à retirada do latim da matriz curricular, os alunos que têm
a disciplina entendem que ela apresenta conteúdo de relevância
para a sua formação.
Essa constatação é corroborada pelas respostas obtidas
para a terceira questão. A maioria dos alunos, cerca de 65,5 %,
consideram que a disciplina de Introdução ao Latim Jurídico tem
igual importância em relação às demais disciplinas
propedêuticas. Os demais alunos, cerca de 34,5 %, atribuíram
importância maior ao aprendizado ao latim jurídico do que ao
das demais disciplinas propedêuticas. Nenhum aluno reputou de
menor importância a disciplina.
Ainda segundo a percepção dos alunos que finalizaram a
disciplina (quarta questão), 70% se sentem mais seguros em
aplicar expressões jurídicas em latim do que quando iniciaram o
aprendizado da língua. Outros 26,67% percebem-se tão seguros
quanto estavam no início da disciplina. Apenas 3,33%
manifestaram-se menos seguros no manuseio de expressões
jurídicas latinas do que quando começaram a aprender a língua
latina.
Os resultados obtidos com a quinta questão também
reforçam a boa imagem que os alunos têm da disciplina de
Introdução ao Latim Jurídico, pois, numa escala de 0 a 10, as
respostas deram uma média de 9,64 para a intensidade com que

233
recomendariam a outros alunos do curso de Direito que fizessem
a disciplina.
Vê-se que o ensino do latim dá aos alunos do curso de
Direito pelo menos a sensação de maior domínio no emprego de
expressões típicas e, se a sensação de fato indicar habilidade
com a língua latina, os equívocos apontados e os abusos no
"juridiquês" poderão se reduzir na prática forense.
Na questão dissertativa, em que se pediu que os alunos
descrevessem sua experiência com a disciplina, vários adjetivos
positivos foram empregados, como "legal", "interessante",
"incrível", "excelente", "bom", "ótimo", "lindo", "enriquecedor",
"fascinante", "inédita", "bacana".
Alguns confessaram ter começado a disciplina com uma
preconcepção negativa, por exemplo: "Eu achava que seria uma
disciplina bem chata e que eu não iria gostar, mas me surpreendi
muito, adorei fazer a disciplina e achei super leve e divertida, as
aulas (sic). Achei muito legal vermos trechos de filmes em
latim"; "Ao iniciar a disciplina, fiquei bastante receosa com o
conteúdo (...). Porém, ao longo das aulas, as coisas foram
fluindo, e eu aprendi bastante coisa"; "De início, pensei que a
disciplina seria bastante difícil e complexa (...). Com o passar
das aulas e as atividades dinâmicas, deixou (sic) a disciplina
mais leve e hoje finalizo com uma vontade muito grande de
aprofundar os estudos"; "(...) minha jornada na disciplina de
introdução ao latim jurídico começou sem grandes expectativas,
apenas movida pela curiosidade. No entanto, o que encontrei foi
um verdadeiro tesouro. A leveza das aulas, as histórias sobre
Roma, os filósofos, a música e a cultura. Eu realmente amei
explorar esses novos conhecimentos".

234
Houve alunos que destacaram a vantagem de poder
"relacionar o aprendizado com a matéria às expressões usadas
por outros professores", sugerindo até mesmo que, para o futuro,
haja na disciplina a apresentação de "mais jargões jurídicos, com
a pronúncia com o sotaque mais próximo possível do latim dito
à época". Em outro questionário, um certo aluno considerou que
a disciplina ajudou a "compreender melhor as interpretações de
alguns termos jurídicos".
Nas respostas, também foi dado destaque para as
atividades de "caça-palavras e de traduzir as frases" pois,
segundo um dos alunos, "prega mais na cabeça". Embora, para
um aluno, "as palavras-cruzadas não tiveram efetividade
nenhuma".
É possível perceber, na leitura das respostas, que os
alunos entendem a complexidade do idioma, mas que já não se
sentem mais tão estranhados com ele. Apenas a título de
exemplo, certo aluno relatou assim sua experiência com a
disciplina: "O primeiro contato com a disciplina foi um pouco
tenso, mas no decorrer do semestre, foi possível compreender
melhor a língua latina (...)". Em outra resposta, encontra-se algo
semelhante: "Idioma complicado, porém foi uma ótima
experiência".
Um grupo considerável de respostas apontou ainda a
necessidade de maior carga horária para a disciplina, tendo
também considerado que o interstício nas aulas, provocado por
uma greve docente no meio do semestre, como um fator que
teria atrapalhado um pouco o aprendizado. Ainda assim, esses
alunos consideram ter tido uma experiência positiva: "(...) com
pouco tempo já foi bom, imagina (sic) com semestre normal.
Tenho certeza que com calendário normalizado, sem greve, será
melhor ainda".

235
Os resultados elencados vão ao encontro da obra de
Flora Alves (2015), que aborda como atividades gamificadas
podem engajar públicos diversos e de várias faixas etárias,
enfatizando que desenvolver uma solução gamificada é fácil e
diminui o tempo de um treinamento, por exemplo. Na sala de
aula, o professor se depara com um tempo, muitas vezes
limitado, para abordar determinados conteúdos. Sendo assim, o
uso de conteúdo impresso pode ser uma estratégia relevante para
otimizar o processo de ensino-aprendizagem do latim, tornando-
o motivador e eficaz.
Por fim, na questão dissertativa, o professor ainda foi
surpreendido com o uso, pelos alunos, de algumas citações de
expressões jurídicas ensinadas no decorrer do semestre (Figuras
2 e 3).

Figura 2: Excerto de resposta ao questionário.

Fonte: Elaborado pelo autor (2024).

236
Figura 3: Excerto de resposta ao questionário.

Fonte: Elaborado pelo autor (2024).

Considerações finais
A experiência com o ensino da língua latina para alunos
do curso de Direito confirma que, se ministrada com
metodologia e recursos adequados, a disciplina não é vista como
inútil, enfadonha ou elemento arqueológico de um passado
distante.
A utilização de métodos que busquem conectar
culturalmente o aluno ao contexto em que a língua latina era
falada torna-se essencial para despertar o seu interesse no
aprendizado.
Para isso, a conexão com o contexto jurídico que, por si
só, já possui um aspecto cultural, tanto na sociedade romana,
quanto na contemporânea, pode ser explorada pelo docente,
sobretudo quando a disciplina for dirigida a alunos do curso de

237
Direito. Os romanos valorizavam e tinham orgulho de uma de
suas grandes "invenções", o Direito. Nada mais natural do que
isso ser apresentado aos alunos junto ao ensino da língua latina.
Mas, além disso, é preciso apresentar aos alunos a
possibilidade de inserção da língua latina no contexto atual, seja
mediante exemplos que evidenciem a evolução do latim em
termos da própria língua portuguesa atual, seja com o recurso às
TIC e às metodologias ativas, como a gamificação. O fato de o
latim estar presente na dita "cultura pop" não deve ser
negligenciado. Pelo contrário, sempre que possível, a presença
do latim em filmes, músicas e outras obras audiovisuais pode
contribuir para desmistificar a noção de que se trata de uma
"língua morta".
Com todo o exposto, não se diga que o processo de
aprendizagem será fácil. O latim certamente é uma língua
complexa, com elementos gramaticais que não existem na língua
portuguesa, nomeadamente as declinações. Mas, quando a
abordagem cultural adquire protagonismo, os resultados são
positivos. Como disse um certo aluno de latim, ad augusta per
angusta.

Referências
ALVES, F. Gamificação: como criar experiências de
aprendizagem engajadoras, um guia completo: do conceito à
prática. São Paulo/SP: DVS, 2014.
ANDO, C. Roman social imaginaries: language and thought in
contexts of empire. Toronto/Canadá: University of Toronto
Press, 2015.

238
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137, 2017.
GALINDO, C. W. Latim em pó: um passeio pela formação do
nosso português. São Paulo/SP: Companhia das Letras, 2022.
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VASCONCELLOS, M. C. L. Digesto ou pandectas do
Imperador Justiniano. São Paulo/SP: YK, 2017, v. 1.

240
CAPÍTULO XII

HAVIA UM MOOT NO MEIO DO CAMINHO: minha


aventura em tribunais simulados internacionais de Direitos
Humanos

Baruana Calado dos Santos

Introdução
Já diria Paulo Freire (2000) que o caminho se faz
caminhando. Assim, o processo de ensino-aprendizagem nem
sempre, ou quase nunca, segue um percurso linear e
metodologicamente organizado como se prevê nos programas
pedagógicos, nos planos de ensino ou nos projetos de ensino,
pesquisa e/ou extensão.
A erradicidade desse processo, o qual podemos
compreender no que Norbert Elias (2006) chama de processos
sociais não-planejados, em que pese possa resultar em
experiências pouco felizes, pode, por outro lado, modificar
positivamente o percurso acadêmico e de vida previamente
imaginado.
Uma vez institucionalmente vinculados, aos docentes e
estudantes são apresentadas inúmeras oportunidades de
vivências e aprendizados cujo acesso dependerá não só das
viabilidades institucionais, financeiras, de tempo, de
conhecimentos prévios, mas também, e em grande medida, do
acaso.

241
Este relato de experiência (Mussi; Flores; Almeida,
2021) visa justamente narrar uma aventura acadêmica vivida por
mim, primeiramente como estudante, e, mais tarde, já como
docente, cujo caminho acabou por inverter a relação de ensino-
aprendizagem para aprendizagem-ensino, como ficará claro
adiante, e me abriu largos horizontes de pensamento e de formas
de me relacionar com o mundo.
Denomino “aventura” porque é experiência acadêmica
advinda de um contexto absolutamente imprevisto, praticamente
acidental. Refiro-me às minhas participações em dois moot
courts, ou tribunais simulados, de direitos humanos: o global,
denominado Nelson Mandela World Human Rights Moot Court
Competition, e o africano, intitulado Christofer Heyns African
Human Rights Moot Court Competition.

O “acidente”
Era 2017. Eu já era bacharela em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL) e portadora da
carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas
ganhava o pão como Controladora de Tráfego Aéreo, na Torre
de Controle do aeroporto de Maringá/PR. Naquele momento,
meu status estudantil se devia ao mestrado em ciências sociais
que ainda cursava na UEL.
Certo dia, recebi um telefonema de uma colega da
faculdade de direito perguntando, ansiosa, se eu gostaria/poderia
me juntar a ela para representar o curso de direito da UEL na
Nelson Mandela World Human Rights Moot Court Competition.
Ela precisava de uma dupla. Eu não sabia muito bem do que se
tratava. Tive, inclusive, muita dificuldade de lembrar todo o
nome do evento. Mas era urgente. Havia apenas duas semanas

242
para enviar uns tais memoriais para concorrer a uma vaga nas
rodadas em inglês que ocorreriam em Genebra, em julho. Era
maio.
O inglês não me era um problema. O direito, eu achava
que também não seria. Minha experiência acadêmica já se
inseria na temática dos direitos humanos, tanto no direito quanto
nas ciências sociais. Ou seja, o que precisava para escrever os
memoriais eu achava que tinha. Além do mais, eu estava segura
de que não seríamos selecionadas, já que seriam estudantes do
mundo inteiro concorrendo. Era apenas para não deixar de
tentar. Ela queria muito participar e não tinha mais ninguém
disposto a acompanhá-la. Então, eu aceitei.
Quando me sentei para estudar o caso hipotético a partir
do qual deveríamos redigir os memoriais, eu ri. De nervoso,
claro. Era muito mais complexo do que eu imaginava. Nos dias
que se seguiram, enquanto redigíamos os memoriais,
aguardávamos a UEL, que havia sido mobilizada pela minha
colega para proceder com o cadastro no evento, já que é a
instituição de ensino que se inscreve e não os estudantes. Após o
envio dos memoriais, era só esperar o resultado – e ficar triste
(mais ela do que eu) pelo resultado negativo.
Se estou agora falando sobre isso é porque fomos, no
final das contas, selecionadas. Eu não podia acreditar! Naquele
momento, em meu auxílio somente Drummond: “E agora,
José?!”, pensava eu, repetidamente. A começar que eu não tinha
dinheiro. Nem passaporte válido (aliás, naquele período, a
Polícia Federal não estava emitindo passaporte). Tempo,
também não tinha, pois eu era recém concursada e não tinha
ainda direito a férias. Para mais, eu não cumpria o critério do
edital do evento de ser estudante de graduação em direito, tendo

243
em vista que eu já era formada. E para completar, me faltava o
mais importante: eu mal sabia o que era, na prática, um moot!
Não dava, porém, para voltar atrás. Não podia deixar
minha colega, que estava felicíssima, na mão. Também não
podia deixar de ver até onde aquilo ia dar. “Vaquinha” com
amigos e familiares feita; passaporte de emergência emitido;
rearranjo de escala de trabalho com ajuda de todos os meus
colegas de profissão realizada; edital retificado para aceitar
mestrandos (o que perdura até hoje). Tudo encaminhado em
pouquíssimo tempo.
Entretanto, a pergunta que não queria (e nem podia!)
calar – o que era exatamente participar de um moot court? – não
dava pra ser respondida a tempo. A resposta eu só saberia
caminhando o caminho das pedras.

Moot Court: o que é?


O termo moot remonta ao século XVI quando se referia a
um caso hipotético argumentado como um exercício por
estudantes de direito (The Free Dictionary, 2011). Atualmente,
moot courts são tribunais simulados que proporcionam um
ambiente, no qual estudantes de direito possam se envolver com
um caso complexo em uma área específica do direito.
Seja de nível local, regional ou internacional, sua
dinâmica é essencialmente a mesma: a partir de um caso
hipotético, equipes de estudantes participam desde a elaboração
de peças escritas até a defesa oral perante uma banca de juízes
(Ringel, 2004; Kammerer, 2018; Coiro, 2019).
De modo mais específico, os participantes analisam um
problema, pesquisam leis, doutrina e jurisprudência relevantes a

244
seu respeito, preparam submissões por escrito (os memoriais) e
fazem suas arguições. Os problemas trazidos, nos casos
hipotéticos, são normalmente definidos em áreas do direito que
não estão pacificadas ou que sofreram mudanças recentes.
Participar de atividades dessa natureza difere de falar em
público ou debater, ainda que haja elementos em comum. Trata-
se de uma aplicação específica da advocacia persuasiva. Há
séculos, faz parte do treinamento de advogados e desempenha
um papel relevante na formação jurídica nas universidades que o
adotam (Oxford, 2020).
Cada moot court trabalha um determinado tema, tais
como comércio internacional, direito do mar, direito
internacional penal, direitos humanos, uso da força e arbitragem
em direito internacional privado, entre outros. O quadro 1 lista
as principais competições existentes em nível regional e
internacional.
Ao refletir sobre a preparação de alunos para
participarem desse tipo de evento, Adriana Coiro (2019, p. 44)
destaca que “o primeiro passo para qualquer (...) participação
(...) é evidente: conhecer a competição.” Ainda que evidente, eu
fui sem saber muita coisa. Mas hoje, ainda bem, eu sei.
O moot court do qual inadvertidamente participei foi a
Nelson Mandela World Human Rights Moot Court Competition
(Competição Mundial de Tribunal Simulado de Direitos
Humanos Nelson Mandela), doravante chamada de World Moot.
É o único tribunal simulado dedicado exclusivamente aos
direitos humanos. É coorganizado pelo(a): Centro de Direitos
Humanos (CHR, do inglês, Centre for Human Rights),
Universidade de Pretoria, Academia de Direitos Humanos,
Faculdade de Direito de Washington, Universidade Americana e

245
Seção do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, do
Escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos
(OHCHR, 2024).

Quadro 1: Lista de Moot Courts Internacionais e Regionais.

Nome Tema

Philip C. Jessup International Law Moot Direito Internacional


Court Competition Público

Willem C. Vis International Commercial Arbitragem Comercial


Arbitration Moot Internacional

East Willem C. Vis International Commercial Arbitragem Comercial


Arbitration Moot Internacional

Direito Internacional dos


Price Media Law Moot Court
Direitos Humanos

International Criminal Court - Trial Direito Penal


Competition Internacional

Arbitragem de
Frankfurt Investment Arbitration Moot Court Investimento
Internacional

Direito Internacional do
Lachs Space Law Moot
Espaço Sideral

Direito Internacional de
Fletcher Insolvency
Insolvência

Direito de Propriedade
Oxford Intellectual Property Law
Intelectual

246
Leiden-Sarin International Air Law Moot Direito Aéreo
Court Competition Internacional

Direito da Organização
The John H. Jackson Moot Court Competition Internacional do
Trabalho

Direito Internacional
PAX Moot Competition
Privado

Resolução de litígios
Foreign Direct Investment International
entre investidores e o
Arbitration Moot
Estado

Direito Penal
Nuremberg Moot Court
Internacional

International Environmental Moot Court Direito Internacional do


Competition Meio Ambiente

Nelson Mandela World Human Rights Moot Direito Internacional dos


Court Competition Direitos Humanos

The International Maritime Law Arbitration Direito Internacional do


Moot Mar

Arbitragem Comercial
LAWASIA International Moot Competition
Internacional

Hong Kong Red Cross International Direito Humanitário


Humanitarian Law Moot Internacional

Direitos Humanos no
Christofer Heyns African Human Rights
Sistema Regional
Moot Court Competition
Africano

247
Direito da União
The European Law Moot Court Competition
Europeia

Direito Internacional
Asia Cup Moot
Público

International Roman Law Moot Court Direito Romano

European Human Rights Moot Court Convenção Europeia dos


Competition Direitos Humanos

Arbitragem Comercial
The Victor's Moot
Internacional

Fonte: Elaborado pela autora (2024).

Seu nome é em homenagem a Nelson Mandela12, grande


ativista político em prol dos direitos humanos na África do Sul e
um dos líderes na luta contra o Apartheid.

O World Moot ocorre sempre na semana do dia 18 de


julho, aniversário de Mandela, no Palácio das Nações Unidas13
em Genebra, na Suíça (Figura 1), onde se encontra a icônica
Sala dos Direitos Humanos e da Aliança das Civilizações
(Figura 2).

12
Vale a pena conferir a sua autobiografia: MANDELA, Nelson. Long Walk
to Freedom. London: Abacus, 1994.
13
Sobre o local, ver: https://www.ungeneva.org/en/about/palais-des-nations

248
Figura 1: Foto no jardim com as Figura 2: Foto com o certificado de
bandeiras dos países membros das participação na Sala dos Direitos
Nações Unidas, Genebra. Humanos e da Aliança das
Civilizações.

Fonte: Acervo pessoal (2017).

É um evento em que estudantes do mundo todo se


reúnem (Figura 3) para arguir um caso hipotético de direitos
humanos. Desde 2009, um novo caso é elaborado todos os anos,
com base em questões atuais de direitos humanos globais, que
vão desde direitos humanos e inteligência artificial, passando
por terrorismo, tráfico de pessoas e trabalho escravo, trabalho
infantil, direito ao desenvolvimento e meio ambiente, até o
direito de não ser discriminado com base em orientação sexual e
identidade de gênero.

249
Figura 3: Foto com estudantes da Itália e Austrália em trocas de
souvenirs.

Fonte: Acervo pessoal (2017).

Atualmente, estudantes de graduação e mestrado de


todas as universidades do mundo podem participar. Equipes de
dois estudantes, sendo incentivada a diversidade de gênero, são
chamadas a enviar memoriais para um caso hipotético de
direitos humanos. Um painel de especialistas seleciona as 10
melhores equipes de cada uma das cinco regiões das Nações
Unidas para participarem das rodadas preliminares online (CHR,
2024b).
As 50 equipes com as maiores notas de memoriais
devem representar, alternadamente a cada rodada, o autor e o
réu da ação do caso hipotético perante uma “corte” de
especialistas em direitos humanos. As 24 melhores equipes
prosseguem para as rodadas avançadas e finais presenciais em
Genebra, que são presididas por especialistas internacionais em
direitos humanos e juízes de tribunais internacionais. A

250
Competição é apresentada em inglês, francês e espanhol (CHR,
2024b).

A minha experiência como participante no World Moot


Quando eu participei, em vez de 50, eram selecionadas
apenas 25 equipes e toda a competição se dava presencialmente
e somente em inglês.
Meu conhecimento a respeito desse universo era muito
limitado. Eu não sabia, por exemplo, que em 2015 a
Universidade de São Paulo havia ganhado a competição,
representada pelas excelentes oralistas Juliana Mota e Letícia
Haertel. Eu desconhecia o trabalho existente em algumas
faculdades de direito para prepararem seus estudantes para esse
tipo de evento. Aliás, se eu tivesse sabido, muito provavelmente
não teria ido.
Minha colega e eu fomos sozinhas, sem coach14 e sem
preparo adequado prévio. Eu fui apenas com a cara, a coragem e
alguns Cup Noodles. Minha colega já havia participado de um
outro tribunal simulado, mas também não estava muito
preparada para este.
Nos poucos dias que antecederam o início das rodadas,
pratiquei o que pude as arguições. Isso me rendeu não sair
correndo das cortes quando as rodadas começaram, mas senti na
pele a falta que a preparação e o acompanhamento apropriados
fazem.
Enquanto eu arguia, conseguia imaginar a sensação de
“vergonha alheia” que alguns dos juízes poderiam estar

14
Sobre o papel do coach em tribunais simulados, ver Coiro (2019).

251
sentindo. Não conseguia responder algumas perguntas e houve
momentos em que eu apenas lia o caso. Respirando fundo – e
lembrando que, ao fim e ao cabo, era apenas mais um
aprendizado e que em momento algum eu estava ali para de fato
competir – finalizei o que havia me proposto a fazer. Ao todo
foram quatro sofríveis rodadas, de uma hora cada, nas quais eu
me perguntava o tempo todo o que eu estava fazendo ali. Para o
meu alívio, minha equipe não passou de fase.
Porém, essa sensação não era constante. Ao conhecer as
outras equipes, algumas espetaculares e outras muito ruins,
ainda piores do que a minha, comecei a entender a real proposta
do World Moot. Visando à igualdade regional, cada região das
Nações Unidas tem a sua cota de participações. Nós fomos
selecionadas não porque nossos memoriais eram os melhores
entre todos, mas eram os melhores entre os que havia da nossa
região – os quais não eram muitos.
Mais do que lançar um vencedor pautado em quem
argumenta melhor, o World Moot tem o condão de estimular
estudantes a conhecerem o sistema global de proteção dos
direitos humanos, a se importarem com a agenda desses direitos,
a conhecerem outras culturas, a estabelecerem outros contatos, a
olharem para o outro com mais empatia e, principalmente, a
lutarem por um mundo menos injusto.
Cometi muitos erros na competição em si por puro
despreparo. Erros técnicos que mais tarde me capacitariam para
ajudar outros participantes a não os cometerem. Mas não só de
erros vivi aqueles dias. Como já mencionei, esses eventos
permitem que pessoas de diversas partes do mundo se
conheçam, dialoguem e entendam suas semelhanças e suas
diferenças. E eu conversei com muita gente.

252
Dessas conversas, pude identificar algo que me
preocupou bastante a respeito do que significa o estudo de
direitos humanos para alguns estudantes: aprender a lei para uso
meramente instrumental visando apenas sucesso individual de
carreira e prestígio. Não eram todos os estudantes, claro. Mas
eram vários.
Para dar um breve exemplo, um estudante do Zimbábue
falou com muita naturalidade que o único objetivo dele em se
tornar advogado de direitos humanos era o de enriquecer para
que pudesse, junto com sua mãe, abandonar o local de pobreza
em que viviam e terem acesso ao que ele chamou de “the good
life”, a boa vida. Ajudar a pensar modos de superar a pobreza da
sua região por meio do seu engajamento jurídico com os direitos
humanos não fazia parte da sua preocupação.
Também pude perceber muitas pessoas acriticamente
encantadas com as Nações Unidas, sentindo-se muito
importantes e destacadas por estarem ali, sem se darem conta de
quão discrepante é aquela realidade da grande maioria do resto
do mundo, de quão elitista é a Organização das Nações Unidas.
Ou talvez, justamente por se darem conta disso, era o sonho de
muitas delas ocuparem aquele lugar, não para democratizá-lo,
mas para fazerem parte, elas mesmas, daquele seleto grupo.
Ainda que eu seja defensora do importante papel que as
Nações Unidas têm cumprido na construção da possibilidade de
diálogo entre as nações e na promoção dos direitos humanos15, e
ainda que eu tenha sido tomada por grande emoção de estar lá
pela primeira vez, não me foi possível compartilhar da vontade

15
Ver: SANTOS, Baruana Calado dos. Trabalho escravo contemporâneo,
desenvolvimento humano e Direitos Humanos: uma análise de decisões
judiciais brasileiras. São Paulo/SP: Dialética, 2022.

253
de permanecer naquele espaço por longo período. As Nações
Unidas sequer remuneram seus estagiários. Genebra é uma das
cidades mais caras para se viver no mundo. Quem são os
indivíduos que podem construir seus currículos para terem
acesso aos cargos pagos das Nações Unidas? Há inúmeras outras
críticas, mas aqui não é o espaço para elencá-las.
Eu já sabia que muitos dos que aparentam engajados
com o tema de direitos humanos se utilizam dessa bandeira para
fins meramente individuais, que nada tem a ver com tornar o
mundo um lugar menos insalubre para a coletividade. Mas ver
ali, no centro global dos direitos humanos, isso acontecendo “em
carne e osso” me impactou profundamente.
De fato, moot courts por si sós são uma ferramenta
pedagógica muito benéfica para o desenvolvimento de
habilidades individuais dos estudantes. A literatura a respeito
(Kammerer, 2018; Coiro, 2019; Bianchini; Haertel, 2018) narra
significativas melhoras na oratória, na capacidade de
pensamento crítico, na estruturação do argumento; na
autoconfiança, na escrita jurídica, no conhecimento sobre o tema
arguido, no trabalho em equipe, na identificação e solução de
problemas jurídicos e na pesquisa jurídica.
No entanto, passei a entender que a instrumentalização
do direito internacional dos direitos humanos como mero tema
para desenvolver habilidades individuais em moot courts o
reduz a mais uma ferramenta de reprodução de desigualdades
sociais mundo afora.
A partir das conversas como a que eu tive com o
estudante do Zimbábue, percebi o quão premente seria pensar a
educação jurídica não apenas a partir de ferramentas de
capacitação individual de cunho competitivo, mas também a

254
partir de instrumentos de cooperação para alcançar a liberdade
nos termos freirianos: a educação só é libertadora quando o
oprimido deixa de querer se tornar o opressor (Freire, 2011).
Ou seja, passei a ter mais clareza da necessidade de o
ensino jurídico atrelar as habilidades individuais adquiridas
pelas práticas em moot courts de direitos humanos a um olhar
crítico para esses direitos, de modo a possibilitar a construção de
um horizonte emancipatório para todos.
Nas conversas com outras pessoas, inclusive com
organizadores do evento, acabei compartilhando essas minhas
impressões e angústias. Voltei para o Brasil com muitas pulgas
atrás da orelha, mas com a sensação de missão cumprida dentro
do que foi possível, a despeito dos muitos momentos de tensão e
sensações paradoxais.

Desdobramentos: a minha experiência como juíza


Ao voltar para o Brasil, diante da minha trágica
experiência enquanto competidora, imaginava nunca mais pisar
num evento daquela natureza. No entanto, descobri que o World
Moot ia muito além do que ocorria nas salas das cortes durante
as rodadas. Qual a minha surpresa quando, no início de 2018,
recebi o convite para voltar na próxima edição, agora como uma
das juízas nas rodadas preliminares?
Perante o susto, quis saber o porquê do convite. A
resposta foi a de que eu tinha um jeito de lidar com as pessoas
que era importante para os objetivos do evento, que não se
reduziam à competição em si. Também porque minha formação
em ciências sociais me ajudava a ter um olhar menos restrito ao
campo jurídico, e possibilitava uma análise mais interdisciplinar
e crítica dos problemas sucitados nos casos hipotéticos. E isso

255
era importante para o debate a respeito de direitos humanos que
queriam suscitar.
Sem que eu suspeitasse, meu incômodo com as
contradições que percebi durante a competição do ano anterior
havia me rendido o meu retorno, nos anos seguintes, como parte
da organização, na condição de juíza (Figura 4). Desde então,
fui convidada a participar das edições de 2018, 2019, 2021,
2022, 2023 e 2024 nas rodadas preliminares e avançadas do
World Moot (Figura 5).

Figura 4: Foto como juíza no World Moot 2022.

Fonte: Acervo pessoal (2022).

256
Figura 5: Foto da rodada final do World Moot 2023 na Sala dos Direitos
Humanos e da Aliança das Civilizações.

Fonte: Acervo pessoal (2023).

Paralelamente, a partir de 2022, passei a ser convidada


a participar como juíza das rodadas preliminares lusófonas no
Christof Heyns African Human Rights Moot Court Competition
(Competição de Tribunal Simulado Africano de Direitos
Humanos Christof Heyns), doravante denominado African
Moot, também organizado pelo Centro de Direitos Humanos da
Univeridade de Pretória, mas com enfoque no Sistema Regional
Africano de Proteção de Direitos Humanos.
O African Moot é o maior encontro de estudantes,
acadêmicos e juízes em torno do tema dos direitos humanos no
continente africano. Anualmente, desde 1992, equipes de
estudantes das faculdades de direito na África podem participar
por meio da arguição de um caso hipotético de direitos humanos
como se estivessem perante o Tribunal Africano de Direitos

257
Humanos e dos Povos. Essa atividade auxilia na contínua
formação de advogados capazes de lidar com casos de supostas
violações de direitos humanos perante o Tribunal Africano
(CHR, 2024a).
Devido à sua importância no campo dos direitos
humanos africanos, o African Moot tem sido um catalisador para
o estabelecimento dos principais programas no campo do ensino
e pesquisa de direitos humanos na África, já tendo contado com
a participação de 170 universidades de 47 países africanos
(CHR, 2024a). A competição ocorre em inglês, português,
francês e árabe.
Em 2022, o evento ocorreu na The British University in
Egypt, Cairo, no Egito, onde, pela primeira vez tive contato com
juristas e estudantes de direito das universidades de
Moçambique e Angola. De modo que a participação desses
países ainda é incipiente nessas competições, encerradas as
rodadas lusófonas, também fui alocada para julgar rodadas de
equipes anglófonas.
Em decorrência dessa atuação, em 2023, além de
participar da edição anual do African Moot em Gana, fui
convidada pela The British University in Egypt a fazer uma
palestra online sobre argumentação jurídica em moot courts para
seus estudantes, na qual compartilhei minha experiência tanto
como participante quanto como juíza nos moots de direitos
humanos, discorrendo principalmente sobre o que não fazer
durante as rodadas, tendo em vista o meu histórico como
participante. O encontro rendeu risadas.
Foi grata a minha surpresa quando, já na edição do
African Moot de 2024, em Ruanda, uma equipe egípcia veio me
cumprimentar e agradecer por aquela palestra. Disseram-me que

258
meu relato e meus ensinamentos tinham sido de grande valia na
preparação delas. E elas estavam ali para pôr em prática o
aprendizado. Senti, então, que eu havia conseguido fazer uma
doce limonada de um limão bastante azedo.
Desde que fui iniciada nesse universo de mooting, tenho
sido testemunha de como esse método de aprendizagem jurídica
engrandece, realmente, o repertório de todos que dele se
utilizam.
Santana et al. (2019) demonstram como as atividades
desenvolvidas em moot courts podem, a partir do uso da
metodologia da Aprendizagem Baseada em Desafios, mais
especificamente, no formato da metodologia ativa denominada
Aprendizagem Baseada em Equipes, transformar as práticas de
ensino e aprendizagem no curso do direito. E eles têm razão.
Um bom exemplo disso é o artigo de Bianchini e Haertel
(2019), no qual relatam como as competições de julgamento
simulado impactaram positivamente em seus desempenhos
acadêmicos e como tribunais simulados podem ser utilizados
como instrumentos exitosos de ensino jurídico.
Não obstante, conforme comentei no tópico anterior,
quando se tratam de direitos humanos, as coisas não podem
parar nos ganhos individuais. A capacidade jurídica-técnica-
argumentativa deve ser desenvolvida sem se perder de vista o
horizonte histórico-crítico do que consistem esses direitos e o
que eles representam na busca de um mundo menos desigual.
Por essa razão, minha participação nesses eventos, além
de contribuir tecnicamente durante as rodadas dentro das
“cortes”, fora delas vai no sentido de lembrar os estudantes de
que a luta por direitos humanos é coletiva e não acaba quando se
vence ou se perde um caso num tribunal.

259
Considerações finais
A intenção deste relato foi o de narrar minha experiência
acidental como participante de um tribunal simulado
internacional de direitos humanos, os seus imprevisíveis
desdobramentos e os valiosos aprendizados que adquiri no
processo. Conheci novos modos de aprender e novos modos de
ensinar.
Nesse contexto, aquilo que aprendi no susto, em 2017,
enquanto participante e nos anos seguintes enquanto juíza na
competição, em conjunto com a minha prévia formação, me
capacitou para ensinar outros participantes ao redor do mundo,
tanto por meio de palestras, quanto, e principalmente, pelas
conversas informais no decorrer das competições.
Ademais, minha participação nesses eventos me permitiu
compreender o alcance que essas atividades podem ter na
formação não só de advogados em direitos humanos, mas na
ampliação de horizontes de formação humana. Também,
viabilizou-me o contato com diferentes metodologias de ensino
jurídico, sem descuidar das possibilidades interdisciplinares.
Por fim, ao compreender a engrenagem de moot courts
em direitos humanos, consigo visualizar caminhos de ensino-
aprendizagem que enriquecem e enriquecerão a minha prática
docente no caminho do ensino de viés crítico e emancipatório.

Referências
BIANCHINI, C. B.; HAERTEL, L. M. As competições de
julgamento simulado como instrumento de ensino jurídico: a
experiência da atividade de cultura e extensão “atuação em
sistemas regionais e globais de direitos humanos” da Faculdade

260
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262
CAPÍTULO XIII

AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TICs) NO AMBIENTE ESCOLAR:
entre desafios e possibilidades no ensino de história na
Escola Estadual de Gurinhatã

José Fernandes da Cruz Neto

Introdução
O século do nosso tempo (XXI) revela-se com
inesgotáveis proposições, em quase todas desafiadoras. A
educação, fruto do tempo e dos anseios da sociedade, torna-se
um dos elementos mais importantes neste período, tanto pelos
desafios em educar as novas gerações e seus paradigmas, quanto
por evidenciar a necessidade de inclusão das novas tecnologias
no espaço escolar.
Para apresentação de algumas reflexões posteriores,
destacamos que a sigla TICs, basilar em nossa discussão, deve
ser compreendida como as Tecnologias da Informação e
Comunicação, no plural do substantivo “tecnologia”, uma vez
que esta representa uma série de formas.
Não obstante, as TICs remontam um período muito
anterior ao do tempo presente, podendo, inclusive ser

263
compreendida com o surgimento da era industrial no século
XVIII, entretanto, a fim de elucidar todas as formas e
configurações tecnológicas do mundo, as TICs, resumem as
diferentes técnicas da: informática, as telecomunicações e as
mídias eletrônicas (Moran; Almeida, 2000).
Com o intuito de não prolongarmos sobre o tema,
reiteramos que, ao longo do processo histórico da humanidade,
muitas máquinas, aparelhos e diferentes objetos foram criados
para serem benéficos aos anseios da humanidade, por isso
alguns marcos criativos são reconhecidos como transformadores
sociais.
Dessa forma, e associados às questões do presente,
concordamos com Castells ao apontar que a internet é um dos
mais importantes elementos desse contexto atual:
Se a tecnologia da informação é hoje o que a
eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a
Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica
quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade
de distribuir a força da informação por todo o domínio
da atividade humana (Castells, 2015, p. 7).
Nesta reflexão, ao debruçarmos sobre as Tecnologias
Digitais da Informação e da Comunicação (TIDICs), buscamos
entendê-las no ambiente educacional e aplicar algumas das
diferentes tecnologias no contexto educacional da Escola
Estadual de Gurinhatã, em Minas Gerais, especificamente no
terceiro ano do ensino médio no ano de 2022 desta instituição.
Por isso, algumas informações sobre esta instituição fazem-se
necessárias.

264
A Escola Estadual de Gurinhatã é uma das instituições
que está localizada no município de Gurinhatã/MG16,
juntamente com outras instituições de ensino. Não obstante, a
única escola do espaço urbano da cidade que oferece as etapas
do fundamental (anos finais) e médio, dentro dos seus limites.
Cabe destacar que o município conta com um distrito com
distância de cerca de 30 km que também oferta as mesmas
etapas descritas sobre a escola citada.
Com isso, a Escola Estadual de Gurinhatã é uma escola
pública de ensino fundamental que tem o funcionamento nos
três turnos: manhã, tarde e noite, sendo que esta instituição
recebe cerca de 158 alunos (as) no ensino fundamental (anos
finais), 105 alunos do ensino médio (regular) e 21 alunos na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) do ensino médio,
totalizando 284 estudantes17 portanto, será neste espaço que a
proposta sobre as TICs no ensino de história teve sua aplicação.

Desenvolvimento
Nesta discussão importa ainda apresentar alguns
apontamentos sobre o ensino de história, que apesar de ser uma
fundamental ferramenta de reflexão e debate sobre as práticas
pedagógicas voltadas ao ensino da ciência histórica, o tema

16
A Escola Estadual de Gurinhatã foi fundada em 1986, pelo decreto 25.681
da Constituição Mineira. O decreto da criação colégio por ser acessado no
seguinte site: https://www.almg.gov.br/legislacao-
mineira/texto/DEC/25681/1986/. Acesso em: 27 Mai 2024.
17
As informações aqui prestadas podem ser consultadas em: Censo Escolar
2023, INEP, disponível no site:
https://censobasico.inep.gov.br/censobasico/#/. Acesso em: 27 Mai 2024.

265
ainda é recorrente em pesquisas e creditado como relevante no
meio acadêmico, somente a partir dos anos de 1970, por isso,
Costa; Oliveira (2007), destacam:
Foi, portanto, no pós-década de 1970, que as
preocupações com a formação do professor, do ensino de
história e seus correlatos, passam a se constituir, como
objeto de reflexão, análise e pesquisa (Costa; Oliveira,
2007, p. 38).
Dentre tantas contribuições sobre a temática no Brasil, e
para não ser demasiadamente extenso, destacamos a importância
das contribuições de pesquisadores como: Helenice Campo
(1986), Maria do Pilar Vieira (1986) , Maria do Rosário Peixoto
(1986), Marcos A. Silva, (1984) Vavy Pacheco Borges (1986);
Déa Fenelon (2008) e dentre outros que tiveram um olhar e
importantes encontros, artigos e seminários sobre o ensino de
história no Brasil, os quais são basilares para quaisquer
pesquisadores ou entusiastas sobre a temática, rompendo com o
estigma e a notável dificuldade que Déa Fenelon (2008) já
apontava sobre o ensinar história no Brasil:
De fato, dissociado da prática, o fazer História se torna
abstrato e a História, enquanto disciplina, não faz mais do
que reproduzir um conhecimento desarticulado,
despolitizado, fragmentado, especializado, cada vez mais
tomado como prática educativa destinada a desenvolver
nos alunos o mito da "memória nacional", com seus ritos
e maniqueísmos de vilões e heróis (Fenelon, 2008, p. 26).
Assim, voltados para os avanços sobre o ensino de
História em escolas do Brasil e propondo um rompimento com a
simples factualidade, a desarticulação e fragmentação
conteudista do ensinar história, entendemos que o período, que
nos faz parte, abre além de desafios, possibilidades interessantes

266
ao ensino de história e até mesmo de diversas áreas, ao
apresentar-nos as TICs, como possibilidades educativas.
As TICs para o ensino de história, entre outros
componentes curriculares, é ferramenta extraordinária do ponto
de vista instrumental e para novos caminhos entre o ensinar e o
aprender, no entanto, compartilhamos os apontamentos de Pedró
(2016, p. 19) ao descrever as dificuldades do meio escolar na
sua relação com os meios tecnológicos, o que para o autor, a
resposta do problema é o próprio ambiente educacional, que em
grande parte, estaciona-se em métodos e abordagens do passado.
Apesar disso, como afirmam Brandão e Vargas (2016, p. 9), “o
uso de tecnologias e dispositivos digitais para ampliar o acesso à
educação de qualidade é um fenômeno em franca expansão”.
O fenômeno da expansão tecnológica é cada vez mais
notável, seja em sociedades mais isoladas, que vêm recebendo
contribuições de novos mecanismos, como a internet via satélite,
mas, sobretudo, em escolas que encontram nos diferentes
aparatos da tecnologia uma forma de compartilhamento de
saberes.
Dessa maneira, realizaremos alguns apontamentos,
centralizados nas realidades escolares, sobre o uso das TIDICs,
observando os avanços e, consequentemente, os desafios que
ainda podem ser perceptíveis.

O contexto das TICS/ TIDICs: o exemplo mineiro


Entre os marcos históricos mais significativos acerca da
tecnologia e sua profusão nas grandes massas, foi no ano de
2020 de nossa era. O mundo, no referido ano, compartilhou
drasticamente os efeitos maléficos da pandemia de Coronavirus
Disease 2019 (COVID-19), que entre os muitos infortúnios,

267
delegou à grande maioria dos viventes um claustro. Para o
controle ou contenção da COVID-19, a sociedade deveria estar
em seus lares ou em lugares que tivessem o mínimo de contato
com terceiros - com exceção dos serviços essenciais de saúde e
segurança.
Diante das inúmeras discussões e debates, a percepção
da importância educacional como fundamental para sociedade
também se mostrou inequívoca. Era necessário dar continuidade
ao ensino, mas com qual segurança?
Muitas ideias e formas para a continuidade do ensino
foram estabelecidas. Municípios, Estados e até mesmo as
Federações lançaram panoramas e uma espécie de cartilha de
controle de segurança para os ambientes educacionais.
Para exemplificação de uma destas estratégias, o governo
de Minas Gerais, sob sua Secretaria de Estado de Educação
(SEE/MG), lançava, em fevereiro de 2021, a segunda edição de
um documento intitulado: “Protocolo Sanitário de retorno às
atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de
COVID-19” (MINAS GERAIS, 2022). O documento de caráter
normativo e com inúmeras diretrizes afirmava que: “foi
construído no intuito de gerar uma normatização de caráter geral
para o processo de retorno às atividades escolares presenciais no
Estado de Minas Gerais” (MINAS GERAIS, 2022, p. 3).
Não obstante, queremos destacar que de maneira
semelhante à Minas Gerais, diversos outros entes federativos do
Brasil, buscaram diretrizes e soluções para dar continuidade em
suas práticas escolares.

268
Uma visão nacional: As TICS no Brasil após 2020
Exemplos e maneiras de realizar as atividades escolares
no Brasil, durante a pandemia de COVID-19 foram diversas,
porém, em praticamente todas elas, o uso das Tecnologias da
Informação foram essenciais.
Para se ter ideia da dimensão e importância das TICs no
processo educacional neste período, trazemos um gráfico
(Figura 1), disponibilizado pelo site Globo Gente em 2020.

Figura 1: Gráfico.

Fonte: Globo Gente (2020).

269
Consideravelmente, os materiais digitáveis e as redes
sociais detém amplo volume de acesso, conforme os dados do
gráfico, o que colabora com os argumentos apresentados sobre a
utilização das TICs na educação.

O Espaço Escolar e as TICs: desafios e possibilidades


As TICs já eram utilizadas no espaço escolar, porém a
partir de 2020, seu protagonismo tornou-se indiscutível. Escolas,
instituições de ensino superior e outros movimentos
educacionais têm dedicado cada vez mais esforços em métodos
e plataformas que possam contribuir com a educação.
Nas salas de aula, as Tecnologias da Informação e
Comunicação fazem parte de inúmeras propostas pedagógicas,
auxiliam e fazem parte do contexto educacional. Recordamos,
no entanto, que salas informatizadas já eram uma realidade de
muitas instituições educacionais, entretanto eram vistas como
um espaço complementar, quase informativo. Atualmente, e,
devido às circunstâncias que já discutimos neste texto, em
muitos espaços as salas informatizadas passaram ao cotidiano
escolar, deixando de ser aquele mero espaço complementar. Em
muitas instituições, notebooks, tablets e o uso de mecanismos
tecnológicos são instrumentos pedagógicos.
Evidentemente que muitos desafios são notados nesse
processo de transformação tecnológica, tanto por questões
sociais, quanto por formações profissionais para o uso dessas
tecnologias. Dessa forma, torna-se fundamental uma reflexão
sobre os limites e possibilidades das TICs.
O planejamento pedagógico deve sistematizar a
incorporação das tecnologias na educação básica e até mesmo
no ensino superior, mesmo nos anos iniciais para as crianças. Os

270
professores enfrentam desafios constantes, exigindo atualização
diante das transformações tecnológicas. As TICs possuem uma
influência positiva no processo de ensino-aprendizagem,
proporcionando benefícios significativos, favorecendo novas
metodologias e abrindo novas formas de aprender. O uso
responsável das TICs apresenta desafios para os docentes,
exigindo qualificação e ressignificação de métodos de ensino e
aprimoramento no planejamento educacional. No que se refere
aos pontos negativos sobre o uso das TICs, abordaremos essas
questões de forma mais detalhada.
A Desigualdade Tecnológica no Brasil é uma realidade
preocupante. Discentes de escolas brasileiras, sobretudo, os
provenientes das diferentes regiões do país e de classes sociais
menos favorecidas, podem ter acesso desigual a dispositivos e
conectividade, o que impacta diretamente o acesso a
informações e oportunidades educacionais. Outro ponto crítico é
o analfabetismo digital, que se refere à falta de habilidades para
utilizar eficientemente as tecnologias. Isso pode gerar barreiras
para o pleno aproveitamento das ferramentas digitais na
educação.
Uma outra desvantagem significativa para o uso de
aprimoradas TICs é a necessidade de investimentos elevados em
tecnologia. A rápida evolução tecnológica exige atualizações
frequentes de hardware e software. A implantação e manutenção
de infraestrutura tecnológica nas escolas, para garantir o uso
efetivo das TICs, demandam recursos financeiros consideráveis,
sendo um desafio para muitas instituições, especialmente as
públicas, que enfrentam dificuldades financeiras para
proporcionar acesso adequado a dispositivos e internet.
Outro desafio significativo é o tempo e esforço
adicionais que os professores devem dedicar à integração de

271
novas tecnologias, o que pode representar uma barreira adicional
para a adoção plena dessas ferramentas no ambiente
educacional.
O problema é ainda maior quando se considera que os
sistemas públicos de educação básica, estaduais e municipais,
gastam volumes consideráveis de recursos em capacitação de
professores, dinheiro anualmente pago às mesmas instituições
de ensino superior privadas e públicas para refazerem um
trabalho que não foi “bem-feito” durante a formação inicial dos
docentes. (Mello, 2020, p. 100)
Retornando uma perspectiva positiva, sobretudo, no
âmbito escolar, as TICs são um diferencial no ensino, pois com
metodologias bem aplicadas, consideramos alguns aspectos: o
melhor aproveitamento do conteúdo; de tempo; de ensino-
aprendizagem; auxilia na troca de experiências de
conhecimentos e de informações, possibilitando interação entre
educador e educando na mediação de ensino.
Considera-se importante ao professor conhecer as
possibilidades metodológicas que as tecnologias trazem para
trabalhar o conteúdo, através de atividades criativas, de um
processo de desenvolvimento consciente e reflexivo do
conhecimento, usando pedagogicamente os recursos
tecnológicos, com perspectiva transformadora da aprendizagem
escolar (Pereira e Freitas, 2010), mas estas novas metodologias
devem ser consideradas como facilitadoras da aprendizagem, ou
seja, não devem substituir a importância da informação e do
ensino (Antunes, 2010). As tecnologias facilitam
extraordinariamente nossa vida, entretanto não devemos ignorar
que a excessiva dependência delas nos torna vulneráveis. Para
evitar ou superar o uso ingênuo dessas tecnologias, é
fundamental conhecer as novas formas de aprender e de ensinar,

272
bem como de produzir, comunicar e representar conhecimento,
possibilitadas por esses recursos, que favoreçam a democracia e
a integração social (Almeida; Prado, 2010). Para tanto, os
questionamentos: como utilizar as TICs no ensino de história? É
as observações que trazemos acerca da atividade realizada em
2023 na Escola Estadual de Gurinhatã.

As TICs/TIDICs em sala de aula: a produção do


conhecimento histórico
O ano de 2023 abriu uma série de perguntas para todos
os envolvidos na educação. Felizmente a “superação” do caos
possibilitou o retorno às aulas presenciais, mas dúvidas acerca
da forma de ensinar e aprender eram latentes. O que faríamos?
O uso de diferentes TICs durante a pandemia, agora, seriam
deixadas de lado? Era possível retornar ao ensino presencial e
com as aulas de história ao simples método do quadro e
caderno? Todas as perguntas, eram recorrentes na mente de
quaisquer professores e não seria diferente em nossa prática
cotidiana.
Para a integralização do uso das TICs, em nossas aulas
de história, era preciso uma simples, mas fundamental reflexão
sobre o “agora”. Dessa forma, um apontamento sobre o processo
de ensinar e aprender de Vygotsky, descrito por Rego (1995),
tornou-se fundamental em nossas pretensões pedagógicas,
quando este afirmava:
[...] As características tipicamente humanas não estão
presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são
mero resultado das pressões do meio externo. Elas
resultam da interação dialética do homem e seu meio
sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano

273
transforma o seu meio para atender suas
necessidades básicas, transforma-se a si mesmo (Rego,
1995, p. 41).
Compreendendo essas relações humanas e seu meio
como um processo contínuo de transformações, por vezes os
humanos, em outras seu ambiente, colocamos em nossa prática
pedagógica a meta e responsabilidade de inserção das TICs em
algumas aulas de história.
Importante ainda salientar que, na busca por uma
realização efetiva das TICs/TIDICs nas aulas selecionadas de
História, esteve fundamentada nas próprias diretrizes
curriculares da BNCC que além de estabelecer a Cultura Digital
como parte integrante das competências gerais, estabelece o
seguinte texto em sua competência de número 5:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
informação e comunicação de forma crítica, significativa,
reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo
as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar
informações, produzir conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida
pessoal e coletiva (BRASIL, 2018).
Assim, selecionamos duas turmas do ensino médio,
ambas do 3° ano, mas que eram de turnos diferentes, para
realização do Podcast (Figura 2), um mecanismo que além de
ser viável para realização, era reconhecido pelos próprios
discentes, que em relatos, teriam contato quase cotidiano com o
tipo de material. A ideia era promover com as TICs, e neste caso

274
com os Podcasts18, uma produção de conteúdo histórico pelos
próprios alunos.

Figura 2: Alunos do 3° ano na realização do Podcast sobre história.

Fonte: Obtida pelo autor (2023).

18
“Podcast é uma publicação digital em formato de áudio ou vídeo. Sua
transmissão possui regularidade e conta com a facilidade de baixar,
armazenar e compartilhar o arquivo. O termo podcast é um acrônimo para as
palavras Pod, que se refere ao iPod, player da Apple, para o qual os primeiros
programas foram transmitidos”. As informações podem ser consultadas em:
https://www.mediastream.com.br/post/o-que-e-podcast Acesso em: 28 Jun.
2024.

275
Metodologicamente, o processo de realização da
atividade contou com a participação de todos os discentes da
turma, sendo que tarefas foram divididas entre eles (Figura 3),
alguns com o roteiro do conteúdo, outros com a filmagem, ou
seja, o aspecto técnico de câmeras (celulares) e evidentemente
alguns apresentadores.

Figura 3: Estudantes em reunião para organização de pauta do Podcast.

Fonte: Obtida pelo autor (2023).

A nossa intervenção neste processo foi de maneira


objetiva e pontual, além da contribuição na construção dos
roteiros, especificamente para o conteúdo, realizamos uma
seleção prévia de alguns temas que poderiam ser discutidos
pelos alunos. Os temas, baseados nas proposições do currículo
comum do Estado (Minas Gerais, 2005), mas sem um apego
circunstancial de todos os pontos dos temas selecionados pelos
alunos.

276
No processo de construção da atividade, os discentes
realizaram diversos encontros, precisamente 3 para formatação:
estudo e debate do tema selecionado; 2 para realização das
gravações em ambiente escolar e, por fim, 2 semanas
intercaladas que alguns alunos (as) responsáveis tiveram para
realizar a edição do material. Logo abaixo, apresentamos alguns
registros destes momentos nas Figuras 4 e 5:

Figura 4: Reunião dos estudantes para apresentação de ideias do Podcast.

Fonte: Obtida pelo autor (2023).


Figura 5: Orientação docente aos estudantes acerca das temáticas abordadas
no Podcast.

Fonte: Obtida pelo autor (2023).

277
As imagens apresentadas revelam parte de todo processo
que foi realizado e que ainda apresentaremos alguns resultados.
Apesar disso, ao propormos a citada atividade, tivemos uma
preocupação acerca do ensino de história, por vezes, carregado
de dificuldades curriculares, pois os inúmeros conteúdos,
acabam por exercer uma certa pressão ao docente que se
dispõem aos compromissos burocráticos da instituição e sistema
escolar. No entanto, ao questionarmos o status de uma atividade
docente meramente mecânica, encontramos uma profusão de
elementos formativos para os estudantes que vão muito além das
diretrizes do currículo.
Pensar sobre o currículo, faz nossa reflexão situar-se
sobre as limitações impostas por este instrumento educacional.
Abud (1999) pontua que muitas vezes, os currículos estão
fundamentalmente associados a uma meta de sociedade e,
portanto, não deixa de ser um instrumento ideológico que
procura nortear a produção de conhecimento histórico e,
consequentemente, na formação dos indivíduos.
Afirmamos isso, na medida em que em nossa atividade,
para além dos objetivos de ensinar o conteúdo, existe uma
disposição a priori, que objetiva uma formação crítica e cidadã
dos discentes, fazendo-os aos entendedores de seu próprio meio
e tempo. Por isso, o uso das TICs no ensino de história contribui
para o pensamento histórico. Nesse sentido, Cainelli (2007),
destaca:
Outro fator importante no desenvolvimento do
pensamento histórico estaria relacionado ao levantamento
de hipóteses. E principalmente não ensinar história como
repetição mecânica, mas como experiências únicas
complexas que constituíram a perspectiva de um ensino
consciente em História (Cainelli, 2010, p. 25).

278
A proposta realizada pelos estudantes, conforme
descrito, não é exatamente uma inovação do ponto de vista
pedagógico ou do uso das TICs no processo de ensino e
aprendizagem, entretanto nossa intenção sobre este relato é
apresentar uma, dentre inúmeras possibilidades, sobretudo, ao
ensino de história. Uma vez, como aponta Ferreira (1999, p.
144) que:
Como a nossa sociedade sofre um ritmo intenso de
modificações, a escola e o ensino de história em especial,
tem de acompanhar esse processo sob pena de transmitir
conhecimentos já ultrapassados. Para isto deve incorporar
os temas e as inovações tecnológicas com que os alunos
já lidam no seu cotidiano. Constitui-se hoje, para os
educadores do ensino fundamental e médio, um desafio
muito grande ensinar alunos que têm contato cada vez
maior com os meios de comunicação e sofrem a
influência da televisão, rádio, jornal, vídeo games, [...]
computador, redes de informações e etc. (Ferreira, 1999,
p. 144).
Dessa maneira, contudo, o nosso objetivo não é esgotar
ou trazer “receitas”, mas pontuar as necessidades da sociedade
do nosso tempo e considerar em que rumos, docentes, discentes
e toda comunidade escolar possa vislumbrar.

Considerações finais
A partir da nossa apresentação, conseguimos concluir
sobre alguns aspectos em relação às TICs/TIDICs, ao ensino de
história e, portanto, ao período em que todos os agentes
educacionais compartilham, entre desafios e possibilidades.
A utilização das TICs no ambiente escolar é
fundamental, um indiscutível elemento para integração e

279
aprendizagem. A influência das mídias digitais é notável, basta o
convívio com crianças e até mesmo com adultos inseridos ao
meio tecnológico que se pode inferir que parte do mundo e sua
percepção sobre diversos assuntos é mediada pelas redes. As
escolas podem enriquecer o conhecimento dos alunos ao
proporcionar acesso a sites educacionais, porém, acreditamos ser
fundamental a orientação dos professores. Logo, é
imprescindível, que os educadores se preparem, tornando suas
práticas mais atraentes, conectando o mundo que ele mesmo
vale, fora dos muros escolares, e, talvez, incorporando alguns
dos recursos em suas aulas, como os jogos, infográficos,
podcasts e dentre outros.
As vantagens no uso das TICs, podem ser várias, como:
a diversificação do ensino; melhoria da gestão escolar;
acessibilidade, preparação do aluno para o mercado de trabalho;
possibilidade de interatividade remota; dentre outras. No
entanto, algumas desvantagens podem surgir se o uso das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) não houver
uma reflexão sobre a própria ferramenta e o estabelecimento da
dimensão insubstituível do docente.
Pontuamos, ainda, que o avanço da informática e suas
tecnologias, proporciona aos educadores grandes variedades de
meios e recursos no sentido de auxiliá-los em seu trabalho. O
surgimento das TICs e métodos de ensino propõem a utilização
de instrumentos mais eficazes no que se refere ao ensino em sala
de aula. Sendo assim, concordamos que “é tempo de inovar,
atrever-se a realizar experiências pedagógicas a partir de
paradigmas educacionais “outros”, mobilizar as comunidades
educativas na construção de projetos político-pedagógicos
relevantes para cada contexto” (Candau, 2010, p. 807).

280
Importante ainda destacar que a instituição, na qual foi
aplicada a atividade em questão, utilizando as TICs e o ensino
de história, apresenta um perfil muito particular, o qual torna-se
necessário alguns apontamentos para compreensão dos
resultados mais localizados e individuais.
Isso porque, a Escola Estadual de Gurinhatã, que já
apresentamos o perfil e os principais dados, trouxe-nos alguns
apontamentos. O primeiro é que apesar de as tecnologias serem
amplamente utilizadas pelos discentes da escola, sobretudo,
pelos estudantes mais velhos, o aparato ainda é pouco utilizado
por um número significativo de jovens e crianças, especialmente
aos de cunho educacional.
Dessa maneira, a atividade teve como foco os estudantes
do 3° ano do ensino médio, porém, desde o início da criação dos
podcasts, uma certa curiosidade pairava sobre o restante dos
estudantes da escola. Seria possível utilizar a internet e seus
mecanismos para fins educacionais? Além disso, como
poderíamos beneficiarmos de um aparato amplamente usado
para fins de entretenimento ao ensino? Assim, alicerçados nas
contribuições de nossos pares, concordamos com Silva e
Fonseca (2007) ao afirmarem que:
No caso do ensino de História, tantas décadas de debate
permitiram um alargamento infinito de temas e materiais
para sua realização, em consonância com a pesquisa
histórica num passeio pelas ruas, numa visita a um
terreiro de candomblé ou numa partida de futebol, para
não falar em museus, arquivos, cinemas, teatros e
similares. Agora, precisamos garantir que sujeitos e
recursos clássicos de seus estudos estejam aliados a essa
liberdade: professores, salas de aula e de leitura,
bibliotecas (Silva; Fonseca, 2007, p. 130).

281
Partindo, portanto, no que se refere ao ensino de história,
na utilização das TICs, e em especial na nossa experiência
relatada, apresentamos alguns resultados, que entendemos serem
positivos. Dentre os principais, podemos destacar: o interesse
dos estudantes em realizar a atividade proposta, uma vez que os
próprios se relacionam com muita familiaridade com o tipo de
mídia. Ainda foi possível notar que a participação coletiva e
colaborativa entre os discentes teve uma importância
“naturalidade”, pois, entre os próprios alunos(as) havia uma
voluntariedade em atividades às quais suas habilidades eram
mais de um campo do que de outro. O resultado seria então o
compartilhamento entre os próprios estudantes com outros
discentes da Escola Estadual de Gurinhatã, o que após feito,
tivemos uma importante percepção dos alunos de faixa etária
inferior, de uma espécie de referência dos “pioneiros” do projeto
desenvolvido na escola, portanto, uma ótimo significado do
projeto foi o protagonismo juvenil.
Entre alguns resultados, pontuamos a relação do roteiro
feito, a partir dos conteúdos, com a gravação final. Dentre
diversos temas, dois foram selecionados: O nazifascismo (por
um grupo) e a Era Vargas, por outro. As motivações foram
diversas, mas tivemos o papel de orientar os discentes sobre a
importância da fundamentação teórica do conteúdo. Assim, além
de indicações de obras históricas, leitura dos materiais didáticos,
deixamos um espaço para que os próprios estudantes buscassem
referências, desde que fossem previamente apresentadas ao
professor para aceite.
Ao pensarmos sobre o ensino de história, muitas e
importantes reflexões vêm sendo feitas ao longo das décadas,
como já observamos neste texto, porém, recordamos que entre
tantas atividades propostas, uma dificuldade aos professores de

282
história e provavelmente de diversos componentes curriculares é
a questão estrutural. Pensando nisso, o Podcast, realizado na
Escola Estadual de Gurinhatã, assegurou que o espaço físico e a
oferta desafiadora de componentes próprios para realização do
material digital, não fosse um empecilho, portanto, os discentes,
suas famílias envolvidas e dentre outros participantes, tiveram
uma colaboração efetiva com materiais, como exemplo, os
próprios celulares, notebooks e etc.
O destaque sobre os desafios é importante, pois em
conversas informais e na trajetória de nosso trabalho docente,
inúmeras queixas dos colegas professores para uma realização
de um trabalho diverso em sala de aula e a precariedade da
oferta de elementos condizentes, desde um projetor e até mesmo
uma ventilação adequada em sala de aula (e algo que também
conseguimos constatar e reiterar ao estarmos presentes em
diversas salas) é uma grande barreira na inovação e
diversificação de atividades pedagógicas. Não obstante, a
situação, mesmo que revoltante, não poderia ser um
impedimento de compartilhar e partilhar através das TICs um
conteúdo que seja transformador. Por isso, o convite para nossa
prática pedagógica, histórica e sobretudo revolucionária é
atrever-se, mesmo em meio às intempéries.
Dessa maneira, acreditamos que o tema possui enormes
reflexões que ainda devem ser feitas, sobretudo, ao decorrer de
novas formas e aparatos tecnológicos. Escolas, instituições de
ensino e educação não devem abster-se de seu tempo, pois ao
contrário das críticas em uma educação que permanece em
séculos passados, devemos apregoar um movimento educativo
que contemple o nosso hoje.

283
Referências
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produção do conhecimento histórico escolar. In: SCHMIDT, M.
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2007.

286
CAPÍTULO XIV

OFICINAS COMO ESTRATÉGIA PARA FORMAÇÃO


CONTINUADA DE DOCENTES DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL

Ana Paula Santos da Silva

Introdução
Estratégias didáticas “podem ser definidas como
um conjunto de ações planejadas e conduzidas pelo professor a
fim de promover o envolvimento e comprometimento dos
alunos com um conjunto maior de atividades”. Para Lima e
Sousa (2011, p. 22), o uso do termo “estratégias de ensino”
refere-se aos meios utilizados pelos docentes na articulação do
processo de ensino, de acordo com cada atividade e os
resultados esperados.
Não se sabe quando esse termo foi utilizado pela
primeira vez, porém o desenvolvimento de estratégias didáticas
se deu quando surgiu a didática. De acordo com Castro e Reis
(2018), a “didática surgiu formalmente no século XVII, feito
atribuído a Comênio com a sua Didática Magna ou “arte
universal de ensinar tudo a todos”.
No Brasil, conforme Castro e Reis (2018), os percursos
históricos da Didática foram evidenciando as nuanças e

287
problemáticas do ensino nas várias instituições educativas, pois
seu conceito teria sido obscurecido pelo conceito de método, o
qual, por sua vez, também acreditamos ter sido obscurecido pelo
conceito de técnica.
Com Lei no 13.146/2015, institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) (Brasil, 2015) e atualização da Lei no 9.394/1996
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Brasil,
1996), na qual o aluno com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, serão
matriculados preferencialmente, em escolas, nas classes comuns
de ensino regular.
E notório que os professores da sala comuns de ensino
regular não estão capacitados para o acolhimento desses alunos,
tornando o processo de ensino e aprendizagem cada vez mais
desafiador. Nesse sentido, oficinas ofertadas na escola, é
fundamental para capacitação de professores do ensino regular.
Nessa perspectiva, Nascimento et al. (2007, p. 89), considera
oficinas com intuito pedagógico:
Num processo em construção de todos os atores
envolvidos, tornando-se espaços oportunos para a
comunicação, para a contextualização, para o
estabelecimento de vínculos, de reflexão, de mudanças,
de construção coletiva de um saber (Nascimento et al.,
2007, p. 89).
“A oficina se caracteriza como sendo um sistema de
ensino-aprendizagem que abre novas possibilidades quanto à
troca de relações, funções, papéis entre educadores e
educandos” (Souza, 2016, p. 01). Portanto, torna-se fundamental
a utilização de oficinas pedagógicas para articular o processo de
ensino e aprendizagem aos saberes docentes. A partir dessa

288
explanação, o objetivo do presente trabalho foi elaborar uma
proposta de uma oficina sobre estratégias didáticas para
adaptação de atividades avaliativas para alunos com deficiência
intelectual da educação básica.

Desenvolvimento
Para o desenvolvimento desta proposta, foi realizada
uma revisão bibliográfica que “tem por finalidade de
aprimoramento e atualização do conhecimento, através de uma
investigação científica de obras já publicadas” (Sousa; Oliveira;
Alves, 2021, p. 64). Os recursos utilizados nesse tipo de
pesquisa são: dissertações, livros, teses, artigos científicos,
revistas científicas, anuários, leis e outros dispositivos legais já
publicados.
Inicialmente foi selecionada e definida as fontes de base
de dados, nos quais, foram organizados, analisados e
interpretados com intuito de aprimorar os conhecimentos sobre
uma proposta de oficina sobre estratégias didáticas para
adaptação de atividades avaliativas como curso de
aperfeiçoamento para docentes da educação básica.
Para definição das bases de dados, foram selecionadas
duas plataformas baseadas em critérios diferentes devido à
autenticidade de cada uma apresenta. Foram utilizadas as
plataformas Scientific Electronic Library Online (SciELO) e
Google Acadêmico e o site do Ministério da Educação. Depois
de selecionados os materiais, foram analisados e interpretados,
sendo explorados e estudados através de uma leitura sistemática,
a fim de organizar o conhecimento sobre estratégias didáticas
para adaptação de atividades avaliativas.

289
Estrutura da oficina sobre estratégias didáticas
A proposta da oficina teve como temática estratégias
didáticas para alunos com deficiência intelectual. A temática foi
escolhida devido a grandes dificuldades dos professores do
ensino regular, elaborar atividades adaptadas para alunos com
deficiência intelectual. Vale ressaltara que, na educação básica,
é um desafio a atuação do professor do ensino regular, uma vez
que além de ensinar para os alunos ditos “normais”, deve
ensinar para os alunos com necessidades educacionais especiais.
Para atender esses alunos, é fundamental que as atividades
sejam adaptadas de acordo com as suas dificuldades.
Apesar de os alunos com laudo terem direito a professor
de apoio, fica a cargo do professor regular da sala de aula
realizar as devidas adaptações em todo o processo de ensino e
aprendizagem como: adaptar a aula expositiva, adaptar
atividades avaliativas tornando a sua sala de aula mais inclusiva.
Nesse sentido, a oficina foi elaborada e estruturada para
auxiliarem os docentes nesse processo de ensino e
aprendizagem.
“A metodologia de oficinas pedagógicas tem se
constituído como estratégia que valoriza a construção de
conhecimentos de forma participativa, questionadora e,
sobretudo, baseada na realidade de situações” (Nascimento et
al., 2007, p. 88). Como metodologia, as oficinas podem ser
desenvolvidas por meio de jogos educativos, teatro, músicas,
brincadeiras populares, modelagens, produção de material
didáticos e maquetes, dentre outros (Nascimento et al., 2007):
Portanto, a oficina é um âmbito de reflexão e ação no
qual se pretende superar a separação que existe entre
teoria e prática, entre conhecimento e trabalho e entre a
educação e a vida. Nesse sentido, acreditamos que tal

290
metodologia permite um verdadeiro pensar e repensar da
prática cotidiana e enriquece o processo de construção de
conhecimento, já que parte de uma interação de
diferentes olhares favorecendo a reflexão de nossas
práticas, no intuito de melhor preparar docentes e
discentes para a atuação junto a seres humanos que
necessitam de cuidados (Nascimento et al., 2007, p. 88).
Assim, a oficina (Tabela 1) foi estruturada em uma parte
teórica e outra prática dentro dos seus respectivos temas.

Tabela 1: Estrutura da oficina sobre estratégias didáticas.


Tema: Estratégia didática para atividade adaptada

1 - Deficiência intelectual

2 - Atividade avaliativa adaptada

Tópico 01 3 - Estratégias de adaptação de atividades


avaliativa
Teoria
- Fonte da avaliação
- Formato da avaliação
- Vocabulário da avaliação
- Conteúdo da avaliação
- Poluição visual da atividade
- Outros recursos didáticos

Tópico 02 1 - Resolução de um problema

Prática 2 - Resolução de estudo de caso

Fonte: Elaborada pela autora (2024).

291
Temas trabalhados na oficina
Os temas teóricos da respectiva oficina são divididos em
tópicos: Introdução sobre deficiência intelectual; Introdução
sobre atividade adaptada e Estratégias de adaptação de
atividades. A oficina tem como primeira temática a ser abordada
“deficiência intelectual”, pois se torna fundamental que os
grupos participantes da oficina tenham conhecimento e
compreendam as “características da deficiência intelectual, em
relação ao quadro principal de prejuízo cognitivo (as funções
intelectuais) e adaptativo (as funções sociais, emocionais e
práticas)” (Santos, 2012, p. 935) para, então, conhecer as
necessidades de estratégias didáticas para trabalhar na sala de
aula.
Mesmo que a apreensão de todo o conteúdo curricular
pelo aluno com deficiência intelectual seja
significativamente limitada, há a possibilidade de um
efetivo desenvolvimento de suas potencialidades (Santos,
2012, p. 940).
De acordo com os objetivos educacionais situados “nos
processos formativos e no vínculo com o mundo do trabalho e
com a prática social” (Santos, 2012, p. 940). Outro tema
importante é sobre “Atividade adaptada”, pois “garantem que
todos os alunos, independentemente de suas habilidades ou
desafios, tenham uma experiência de aprendizado significativa e
equitativa” (Rodrigues, 2023, p. 01). Considerada uma
ferramenta primordial para os docentes, uma vez que a atividade
adaptada é o instrumento de avaliação do aluno.
E, por fim, “Estratégias de adaptação de atividades
avaliativa” é o último tema que tem como intuito descrever onde
e como serão realizadas essas adaptações. Na Tabela 1, foram
descritos os principais pontos que devem ser feitas essas

292
adaptações como o tipo e tamanho das fontes utilizadas. Para
pessoas com deficiência intelectual, fontes maiúsculas, de
preferência, fontes que tenham formatos regulares, no tamanho
14, são as utilizadas para esses casos.
O formato da avaliação, também, é outra estratégia
importante, pois atividades avaliativas impressas devem conter
menos questões ampliadas por folha para facilitar a leitura e
visibilidade dos termos. Caso a atividade seja digital ou
informatizada, em plataformas como no formulário Forms do
Google, deve ser oferecida para alunos que tenham deficiência
motora associada a deficiência intelectual.
Outra estratégia é o “vocabulário e conteúdo utilizado na
avaliação”, uma vez que o aluno com deficiência intelectual
apresenta limitação cognitiva significativa. Quanto mais for a
sua limitação cognitiva, mais claro, raso e concreto deve ser o
vocabulário utilizado nas atividades avaliativas.
A atividade não pode ter poluição visual, que consiste no
excesso de informação. A poluição visual torna a avaliação mais
demorada de ser compreendida e lida. Devido à limitação
cognitiva, discentes com deficiência intelectual apresentam
raciocínio mais lento que os demais alunos considerados
“normais” mesmo que sua deficiência intelectual seja
caracterizada como leve.
Além de todas essas estratégias, a oficina tem um tópico
com recursos didáticos, que são outras formas de estratégias de
inclusão desses alunos. Esses recursos podem ser tecnológicos
como os audiovisuais e informatizados, utilização de materiais
concretos (jogos didáticos, palito de picolé para cálculos,
objetos com texturas, guias e pranchas ilustradas contendo passo
a passo de uma determinada atividade ou conteúdo).

293
Abusar de recursos que explore os cinco sentidos
humanos – olfato, visão, audição, tato e olfato – é outro recurso
importante em que os docentes podem explorar além das
atividades avaliativas.
De acordo com Sousa e Nascimento (2018, p. 125), cada
discente tem suas particularidades e seu próprio tempo de
aprendizagem. Nesse sentido, conversar com o próprio aluno é
fundamental, pois ele é a pessoa ideal para lhe dizer o que
precisa e tem facilidade de aprender. “Diante disso, é preciso
reconhecer e respeitar as individualidades, proporcionando ao
sujeito com deficiência aprender os mesmos conteúdos, mas
com adequações necessárias do currículo” (Sousa; Nascimento
2018, p. 125).

Práticas trabalhadas na oficina


Neste tópico, será executado o conhecimento adquirido.
O tema prático será realizado por meio de um problema e estudo
de caso, no qual o professor terá que pôr em prática o
conhecimento aprendido no primeiro tópico da oficina.
A partir do estudo de caso, os docentes serão
organizados em duplas e deverão propor a resolução para o
estudo de caso apresentado. Essa solução terá que se basear em
estratégias didáticas mais adequadas para o caso apresentado.
Pedagogicamente, durante o momento prático, os docentes são
forçados a realizar o processo de Elaboração, Aplicação e
Reelaboração (EAR).
Os docentes, ao colocar, em prática, as estratégias
aprendidas, estarão experenciando novas maneiras de ensino e
aprendizagem, pois ações avaliativas tradicionais, geralmente
“se distanciam do seu sentido de instrumento auxiliador de
estratégias de ensino, limitando-se à apuração de resultados em

294
uma perspectiva de promoção” (Sousa; Nascimento, 2018, p.
135).
Conforme Aguiar et al. (2019, p. 29), o processo EAR,
representado na Figura 01, configura-se que “a cada nova
avaliação é possível reorganizar as ideias e pensar em novas
estratégias que possibilitem ao professor alcançar seus objetivos
didáticos e a promover a construção de conhecimentos por parte
do aluno”.

Figura 1: Representação esquemática do Processo EAR (Elaboração -


Aplicação - Reelaboração) de validação de sequência didática.

Fonte: Aguiar et al. (2019).

A parte prática da oficina tem como objetivo realizar o


planejamento de atividades adaptadas, pois o planejamento
escolar para Aguiar et al. (2019, p. 27), “é uma ferramenta que
possibilita a organização de estratégias didáticas que, por sua
vez, orientam estudantes e professores no processo de ensino e
aprendizagem”.

295
De acordo com Libâneo (1992), “o planejamento se
torna um meio de garantir a este processo a reflexão,
organização e coordenação, de modo que as atividades escolares
construídas se articulem com as problemáticas do contexto
social”. Dessa forma, esse tema, abordado na oficina,
contribuirá para uma transformação de paradigma, tornando um
instrumento de práticas avaliativas adaptadas inclusivas, “que
represente um indicador de situações de desenvolvimento do
educando, apontando possibilidades de mudança se indicando
meios estratégicos para a elaboração de atitudes pedagógicas”
(Sousa; Nascimento, 2018, p. 135).
A aplicação da oficina será preferencialmente na escola
de educação básica em que os docentes participantes atuam,
durante o módulo 2, dentro do horário de trabalho docente. Para
aplicação, serão necessários dois encontros, ou seja, um
momento para aplicação da parte teórica e outro encontro para
parte prática. Dessa forma, os professores poderão realizar os
dois encontros com tranquilidade e para sanar as dúvidas e ter
um momento de escuta, ao longo do encontro, será realizado
uma roda de conversa sobre o conteúdo. Além de um curso de
aperfeiçoamento, a oficina promoverá a motivação e a
autoconfiança dos docentes para trabalharem com alunos com
necessidades educacionais especiais.

Considerações finais
O estudo tem como tema a proposta de uma oficina sobre
estratégia didática para adaptação de atividades avaliativas. Foi
motivado pela ausência de preparo do corpo docente para
atuarem com alunos com deficiência intelectual. Assim, o
objetivo deste estudo foi elaborar a proposta de uma oficina

296
sobre estratégias didáticas para adaptação de atividades
avaliativas para alunos com deficiência intelectual da educação
básica.
Verificou-se que o objetivo inicial foi atingido, uma vez
que foi elaborada uma proposta de oficina com tal temática,
sendo considerada um grande desafio para os docentes do ensino
regular, pois a atividade avaliativa adaptada é uma atividade em
que o aluno tem que conseguir fazer (sem auxílio) e conseguir
entender o que está fazendo. Ao entender a atividade, o aluno
consegue aprender. Por outro lado, o aluno com deficiência
intelectual tem dificuldade para resolver problemas,
compreender ideias abstratas (como as metáforas, a noção de
tempo e os valores monetários), compreender e obedecer a
regras de convívio social e dificuldade de se expressar para o
meio em que vive. Então, torna-se uma tarefa árdua para os
docentes planejarem materiais e atividades avaliativas que
atendam a esse tipo de aluno.
Durante o planejamento da oficina, foi observado que a
escolha do tema foi adequada e baseada nas dificuldades dos
professores do ensino regular em elaborar atividades adaptadas
para alunos com deficiência intelectual. Os professores do
ensino regular, além de ensinar e planejar para os alunos ditos
“normais”, devem ensinar para os alunos com necessidades
educacionais especiais.
Assim, a oficina foi estruturada em uma parte teórica e
outra prática dentro dos seus respectivos temas. Espera-se que a
oficina sobre estratégia para adaptação de atividades avaliativas
capacite os docentes do ensino regular e contribua para uma
transformação de paradigma, tornando essas práticas mais
inclusivas.

297
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299
CAPÍTULO XV

MÃOS DO OLEIRO II:


um olhar para o CEU das Artes em Ituiutaba/MG

Hugo Vieira da Silveira

Introdução
A arte visual é uma das formas de arte mais utilizada
pelos seres humanos. Por meio dela, desde o tempo das
cavernas, os indivíduos retratam seu cotidiano e a sua forma de
perceber o mundo, expressando ideias, reflexões, retratando
momentos importantes e corriqueiros, paisagens, objetos
animados e inanimados, de forma realista ou abstrata.
Entretanto, com a atual conjuntura global, pessoas que vivem
nas periferias podem ter a sua arte colocada à margem.
Há um imenso potencial formativo na Arte. Tanto como
fator de enriquecimento cultural, como pelo auxílio que
promove no processo de humanização e emancipação humana,
sendo que busca proporcionar uma reflexão sobre a realidade
sob diversas perspectivas, ao vivenciar experiências
compartilhadas, seja pela produção artística ou pela fruição de
qualquer obra de arte.
Nesta amálgama dos muitos sentidos do que venha a ser
arte, afirmamos primeiramente que ela é um conhecimento com
diversas significações. Ao depararmos com duras realidades e

300
ambientes que se destacam as vulnerabilidades sociais, como
educadores, buscamos conceber que de modo utópico
nos há de ser permitido, ao sonharmos com o futuro,
construirmos o quadro de um mundo no qual os seres
humanos, não mais exaustos pelo trabalho, não mais
esmagados pela preocupações com o dia de hoje ou
atormentado pelas dúvidas e incertezas quanto ao dia de
amanhã, tenham tempo e disposição para se porem em
relações mais íntimas com a arte” (Fischer, 1967, p. 248-
249).
Dessa forma, imersos na utopia de transformar a
realidade, no Centro de Esportes Unificados (CEU) das Artes,
localizado no Bairro Natal em Ituiutaba/MG, oportuniza a arte
às crianças e adolescentes das escolas municipais e estaduais e à
comunidade que frequenta o espaço. Rotineiramente, o ato de
desenhar, filmar, fotografar, pintar, dançar, ouvir músicas ou
cantar se faz presente e, sem técnica ou estudo, o humano retrata
a sua significação como ser social. Ao vislumbrar que o ato de
ensinar as técnicas artísticas poderia contribuir com a
aprendizagem destas crianças e adolescentes, foi idealizado o
projeto Mãos do Oleiro II, no de 2022.
Diante do exposto, o presente capítulo tem como
objetivo principal apresentar as dinâmicas pedagógicas e
artísticas efetivadas pelo referido projeto. O trabalho está
estruturado em três tópicos: o primeiro apresenta o espaço em
que o projeto foi concretizado e o público atingido; o segundo
aborda o resultado das oficinas e, por fim, temos a culminância
com a mostra de arte.

301
Material e método
O caminho metodológico do presente trabalho foi
desenvolvido em dois tempos específicos: o primeiro parte do
pretérito, no qual a criação do aparelho estatal CEU das Artes,
localizado no município de Ituiutaba, Triângulo Mineiro, é
criado como vivificador da arte, cultura, assistência social e
saúde; o segundo refere-se ao presente, na criação e
desenvolvimento do projeto Mãos do oleiro II. Idealizado por
este autor e desenvolvido com o financiamento do Programa
Institucional de Apoio à Cultura (PIAC) Estudantil, Edital n°
41/2022, da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEXC) e a
Pró-reitoria de Assistência Estudantil (PROAE), da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O universo do
projeto compreendeu mil seiscentos e oitenta pessoas, que
experienciaram oficinas de desenho, pintura com aquarela,
fotografia, cinema stop motion, aulas de sonoridades do violão e
a mostra das obras de arte produzidas, no tempo corrente de 01
de julho a 02 de setembro de 2022. Em sua maioria, o projeto
atendeu estudantes da Educação Básica e integrantes da
comunidade.

CEU das Artes: um oásis da vivência artística, cultural e


educacional
No ano de 2010, o Governo Federal, sob administração
da presidente Dilma Vana Rousseff, lançou a segunda etapa do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), e, por meio
deste, no ano de 2011 foram criadas as Praça do Esporte e da
Cultura (PECs), atualmente denominadas como CEU das Artes
(Brasil, 2023), compondo o Eixo Comunidade Cidadã.

302
Estruturados como equipamentos sociais de saúde,
educação e segurança pública, os CEUs despendem objetivos
distintos integrando no mesmo espaço físico,
programas e ações culturais, práticas esportivas e de
lazer, formação e qualificação para o mercado de
trabalho, serviços socioassistenciais, políticas de
prevenção à violência e inclusão digital, de modo a
promover a cidadania em territórios de alta
vulnerabilidade social das cidades brasileiras (Brasil,
2011, p. 12).
Foram estabelecidos três projetos arquitetônicos,
previstos para terrenos com dimensões mínimas de 700 m²,
3.000 m² e 7.000 m², e, o município de Ituiutaba veio a aderir a
construção do modelo de médio porte, na Praça Mário Natal
Guimarães, s/n, Bairro Natal, que dispõe de duas salas multiuso;
biblioteca; telecentro; cineteatro/auditório com 60 lugares;
quadra poliesportiva coberta; pista de skate; equipamentos de
ginástica; playground e pista de caminhada.
Inaugurado em 18 de dezembro de 2015, em seu
estatuto, a administração municipal declara que o CEU,
equipamento público, sem fins lucrativos, funcionará com
gestão compartilhada entre as Secretarias Municipais de
Educação, Esporte e Lazer; Saúde; Desenvolvimento Social;
Fundação Cultural e todas as demais, promovendo as condições
de manutenção e funcionamento adequado ao patrimônio e suas
atividades. Tendo como propostas atividades culturais e práticas
esportivas, formação e qualificação para o mercado de trabalho,
que tomam como base políticas de prevenção à violência e à
inclusão digital.
A edificação do CEU das Artes (Figura 1) propicia uma
relação prazerosa entre a comunidade local e todas as atividades

303
que venham a ser desenvolvidas nesse espaço, que é arborizado,
com bancos ao ar livre e infraestrutura aconchegante. Vale
ressaltar que a dinâmica educacional que envolve esse espaço é
pungente, sendo que em adjacente existem duas creches e cinco
escolas, sendo elas: Escola Municipal de Educação Infantil
Camilo Chaves Júnior, Escola Estadual Cônego Ângelo, Escola
Estadual de Educação Especial Risoleta Neves, Escola Estadual
Arthur Junqueira, Escola Estadual Antônio Souza Martins,
Creche Municipal Nair Ferrari Clemente e Creche Filantrópica
Pouso do Amanhecer.

Figura 1: Fotografia panorâmica do CEU das Artes de Ituiutaba/MG.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

304
A partir de sua criação, nesse espaço, foram
desenvolvidos diversos projetos envolvendo a esfera Federal,
Estadual e Municipal, e firmadas parcerias entre a sua
coordenação com Organizações Não Governamentais (ONGs),
Polícia Militar (54° Batalhão), Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba, Instituto Federal do
Triângulo Mineiro (IFTM), Ministério Público, Conselho
Tutelar e Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
As pessoas que desfrutam das atividades estabelecidas
no CEU das Artes são em sua maioria de baixa renda e em
vulnerabilidade social. Nos anos de 2020 e 2021, em que a
pandemia Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) – causada
pelo coronavírus SARS-CoV-2 – teve seu auge, só poderiam ser
desenvolvidas, nesse local, atividades de prevenção à saúde
como a vacinação em massa. Com a diminuição das atividades
educacionais, sociais, artísticas e culturais houve um aumento de
frequentadores das edificações que eram usuários de
entorpecentes, o que fez com que a criminalidade no bairro
aumentasse. Essa realidade veio a tomar outros rumos quando a
Fundação Cultural de Ituiutaba e a Secretaria Municipal de
Educação, Esporte e Lazer, no ano de 2022, juntaram forças
para voltar a desenvolver projetos e com o retrocesso da
pandemia, as parcerias voltaram a ser exitosas.

Mãos que criam arte


Ao estabelecer contato com a comunidade frequentadora
do CEU das Artes, no ano de 2022, como coordenador
pedagógico e auxiliar da Biblioteca Municipal Mário Natal
Guimarães, de responsabilidade da Secretaria Municipal de
Educação, Esporte e Lazer, este autor pode presenciar diversos

305
momentos em que crianças e adolescente recorriam à biblioteca
para utilizar as mesas não só para leitura, mas também para
desenhar.
Aos poucos, vislumbrou-se a possibilidade de ampliar as
práticas artísticas neste espaço, onde muitos frequentadores
viviam uma realidade dura e à margem da sociedade. Como
acadêmico do Curso de Pedagogia, do Instituto de Ciências
Humanas do Pontal, naquele instante, nos foi agraciada a
possibilidade de acesso ao fomento do Programa Institucional de
Apoio à Cultura (PIAC) Estudantil, Edital n° 41/2022, da Pró-
reitoria de Extensão e Cultura (PROEXC) e a Pró-reitoria de
Assistência Estudantil (PROAE), da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Assim, surge o projeto Mãos do Oleiro II19.
Partindo da busca de concretizar o verbo “esperançar”
(Freire, 1987), o projeto efetivou cinco semanas de arte para
toda a comunidade de Ituiutaba, com oficinas de artes visuais
que ensinavam técnicas de desenho, pintura com aquarela,
fotografia, cinema stop motion e aulas de música, em que os
estudantes poderiam aprender a tocar violão. Ao término,
ocorreu a Mostra de Arte Mãos do Oleiro II, em que os
participantes puderam apresentar, em conjunto com os artistas
contratados, todas as obras e conhecimentos construídos.

Desenho e pintura

19
Mãos do Oleiro I, foi o ganhador do Prêmio Destaque de Práticas Culturais
"Cora Pavan Capparelli" como melhor projeto de extensão da Universidade
Federal de Uberlândia, no ano de 2019. Desenvolveu a arte da cerâmica no
campus Pontal por meio de oficinas, mostra de arte e viagem aos museus da
UFU.

306
O uso da imagem pela humanidade vem constantemente
se transformando, evoluindo. Ao retratar as atividades de caça
nas cavernas, o culto às divindades nas pirâmides, os quadros
que representam o Cristo, buscamos nos ligar a um momento
consolidado no tempo, imagem/monumento (Le Goff, 1990).
Ao consolidar as oficinas de desenho e pintura com
aquarela (Figuras 2 e 3), que foram desenvolvidas pelos artistas
Duda Beats e Arth Silva, os alunos aprenderam como utilizar a
técnica de pintura com as tintas aquareláveis. Além de
apresentar exemplos de artistas conhecidos que faziam uso da
aquarela na pintura e quais materiais eram necessários para
trabalhar com a tinta, todos tiveram a oportunidade de criar
diversos desenhos, sendo que os artistas/oficineiros auxiliaram
os que necessitavam de acompanhamento no esboço.

Figura 2: Oficina de desenho.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

307
Na linguagem das artes visuais, bidimensionais, as
significações da arte foram construídas pelas mãos dos artistas e
alunos, que delineariam a essência que se apresentava. Dessa
forma, desenharam e pintaram, aprendendo a criar novas cores
através das misturas e métodos adequados para se usar o pincel
com movimentos precisos que deram origem a lindas obras de
arte.

Figura 3: Oficinas de desenho e pintura com aquarela.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

308
As atividades de desenho e pintura foram adaptadas para
as diferentes faixas etárias, nas vinte horas de oficinas. O
público foi diverso, somando um total de oitenta e seis alunos,
envolvendo a comunidade escolar e não escolar.

Fotografia
Desde a invenção do daguerreótipo20 (1839), a ligação
entre a imagem e os homens pode ser construída como prova do
acontecido. A fotografia transformou-se num duplo da realidade,
num espelho, cuja magia estava em perenizar a imagem que
refletia (Essus, 1996). Como esclarece Lima e Carvalho (2009):
Invenção burguesa por excelência, a fotografia
popularizou o retrato e levou aos recantos mais distantes
do mundo essa “caixa de pandora”, contendo paisagens
de lugares exóticos, de monumentos, de tipos humanos,
retratos com apelos eróticos, paisagens urbanas das
metrópoles, imagens chocantes de guerras e de
conquistas científicas. No campo da arte, a fotografia
ampliou o acesso de alunos, profissionais e leigos a
modelos e a obras de arte antes fruídas somente in loco
ou “reinterpretadas” por gravuristas em publicações
(Lima; Carvalho, 2009, p. 30).
A multiplicidade de serventias que a fotografia serviu e,
ainda, serve, fez com que ela também viesse a ser utilizada
como documento em pesquisas historiográficas. Comumente, na
atualidade, o self caracterizou a utilização das câmeras que

20
Daguerreótipo: máquina capaz de fixar sobre uma placa metálica as
imagens obtidas com a câmara escura pela ação da luz solar. Inventado por
Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) e seu sócio Nicéphore Niépce e
apresentado na Academia de Ciências de Paris, em 19 de agosto de 1939
(Turazzi, 2010).

309
fazem parte dos aparelhos smartphones. Antes as fotografias
eram reveladas e impressas e, hoje, guardadas em drivers e ou
galerias.
Com intuito de resgatar a utilização das máquinas
antigas na efetivação das oficinas de fotografia e de sua
revelação, inicialmente o projeto tentou encontrar a
disponibilidade de filmes e máquinas para todos os
participantes, mas não obtivemos êxito. Reestruturamos o
planejamento e efetuamos a parte prática utilizando os
smartphones dos alunos (Figura 4).

Figura 4: Oficinas de fotografia.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

310
As oficinas foram divididas em três partes, sendo que
primeiramente foram explicados os conceitos utilizados na arte
da fotografia (luminosidade, ângulo, nitidez e foco) e como a
tecnologia evoluiu até os dias atuais. Sequencialmente, os
alunos acompanhados dos fotógrafos Izabel Devoti e
Washington Lima, saíram a campo para fotografar com seus
celulares. Por fim, foram convidados a montar um estúdio, para
desenvolver a arte de fotografar seres inanimados e animados
em ambiente controlado.
Um total de vinte dois alunos vivenciaram as oficinas,
produzindo cento e oito fotos que foram reveladas e expostas na
mostra de arte.

Cinema Stop Motion


Demonstrada em diversos filmes, como “Jasão e os
Argonautas” (Chaffey, 1963); “O estranho Mundo de Jack”
(Selick, Burton, McDowell e Thompson, 1993); “Fuga das
Galinhas” (Lord, Pak, Kirkpatrick e Asury, 2000); e “Coraline”
(Gaiman e Selick, 2009), a técnica de cinema chamada Stop
Motion tornou-se famosa no círculo Hollywoodiano. Assim,
almejávamos que, ao tomar conhecimento da técnica, os alunos
das oficinas de cinema se sentissem empolgados e isso
realmente aconteceu.
Os artistas Duda Beats e Arth Silva explicaram passo a
passo como seriam feitas cada etapa do processo e que
atualmente, diante de toda tecnologia ao nosso redor, já era
possível reproduzir essa técnica cinematográfica com o próprio
celular (Figura 5).

311
Figura 5: Oficinas de Cinema Stop Motion.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

Dessa forma, juntamente com os alunos, foi elaborado o


roteiro, um cenário e o filme “Guerra” (Silveira, Beats e Silva,
2022) tomou forma.
Foram utilizados, para gravação do curta metragem,
brinquedos infantis, massa de modelar e objetos reutilizáveis
disponíveis. Ao final das oficinas, o filme foi produzido e
editado, podendo ser assistido e compartilhado na internet
(Figura 6).

312
Figura 6: Cartaz filme Guerra.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

Sonoridades do violão
Como instrumento, que ao toque das mãos emite a sua
ressonância nas diversas sonoridades e cativa os diversos
públicos, o violão pode entoar diversas canções. Isso posto, a
prática repetitiva de uma ou mais canções faz com que o
instrumentista ganhe habilidade. Para Napolitano (2002), uma
mesma canção pode passar por vários espaços sociais,
implicando em “experiências e apropriações culturais diversas”
como um show ao vivo, o ambiente doméstico, a roda de violão,
um salão de danças, um festival de TV. Duas instâncias que

313
estão ligadas e objetivam, historicamente e sociologicamente, a
experiência musical de uma época ou sociedade.
A violonista Adriana Castanheira Araújo ministrou as
oficinas para um público rotativo de quatorze alunos que, ao
término das vinte horas das aulas, souberam entoar três canções
e sentiram-se dispostos para apresentá-las na mostra de arte
(Figura 7).

Figura 7: Oficinas de sonoridades do violão.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

314
Mostra de Arte Mãos do Oleiro II: a concretização do
esperançar
A culminância do projeto Mãos do Oleiro II atingiu
diretamente um total de mil seiscentos e oitenta pessoas, em sua
maioria crianças das escolas municipais e estaduais que
visitaram a Mostra de Arte (Figura 8). Tivemos também cento e
oitenta e três pessoas que participaram das oficinas de desenho,
pintura com aquarela, cinema stop motion, sonoridades do
violão e fotografia. Mas, com a ampla cobertura televisiva da
TV Integração (afiliada da Rede Globo), estima-se que, o
público indireto que conheceu um pouco das obras de arte
produzidas no CEU das Artes, passou de sessenta mil pessoas,
pois a divulgação das atividades foram apresentadas em diversos
telejornais.

Figura 8: Mostra de Arte Mãos do Oleiro II.

Fonte: Acervo de Silveira (2022).

315
Foi produzido um acervo de trezentas e vinte uma obras,
entre elas estão desenhos, pinturas e um filme curta-metragem,
que são de livre acesso.
O filme Guerra continua em exibição na página dedicada
à divulgação de projetos, eventos artísticos e culturais,
Artejucana.

Considerações finais
O sentimento de pertencimento social nos é propiciado
quando nos entregamos ao encontro do agir em busca do
desenvolvimento do outro. Agir, para que a sociedade seja mais
humana, justa, igualitária, e que a educação não seja bancária.
Para o educador consciente de seu papel social e político,
a transformação do mundo acontece nas revoluções cotidianas
(Freire, 1992). Desta forma, foi que o projeto Mão do Oleiro II
buscou fixar sua esperança. Com ações pautadas no
conhecimento artístico, procuramos focar nosso olhar para o
CEU das Artes e na vivência substancial das imagens, cores,
texturas e sons, percebemos que as pessoas sentiram-se
valorizadas. Em cada sorriso, na concentração do olhar focado e
nos gestos das mãos que faziam a obra, encontrávamos um
artista.
A praça, que antes encontrava-se entregue à
marginalidade, veio a ganhar vida e o medo deu lugar à
esperança.

316
Agradecimentos
Agradeço à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que, por
meio do Programa Institucional de Apoio à Cultura (PIAC)
Estudantil, da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEXC) e
Pró-reitoria de Assistência Estudantil (PROAE), fomentou o
desenvolvimento do projeto Mãos do Oleiro II. Estendo meu
agradecimento à Secretaria Municipal de Educação, Esporte e
Lazer, que auxiliou em todas as necessidades e proporcionou o
transporte para que os estudantes de todas as escolas municipais
e estaduais pudessem participar das atividades; à
Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, que liberou a
participação dos estudantes das escolas estaduais; à Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e Causa Animal que nos auxiliou
doando todo o paisagismo que decorou a mostra; à Secretaria
Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana, que
fechou as ruas em volta da praça e ajudou a cuidar do embarque
desembarque das crianças e adolescentes; à Fundação Cultural
de Ituiutaba, que esteve presente nos auxiliando em todos os
momentos do projeto; ao Conservatório Estadual de Música Dr.
José Zóccoli de Andrade, que liberou e incentivou a participação
de seus artistas na mostra de arte; ao Tiro de Guerra 11002 que
disponibilizou seus combatentes para auxiliar com a segurança
das crianças e adolescentes; aos amigos voluntários da
comunidade do bairro Natal, que auxiliaram em todos os
momentos. Por fim, agradeço principalmente aos participantes
que se entregaram como o barro nas mãos do oleiro e puderam
se transformar em uma linda obra de arte.

317
Referências
BRASIL. Ministério da Cultura. Portaria n° 54, de 18 de
agosto de 2023. Dispõe sobre a alteração da denominação do
Programa “Pracinhas da Cultura”, aprovada na forma da Portaria
N°15, de 10 de maio de 2021, do Ministério do Turismo, para
CEU das Artes. Ministério da Cultura, Brasília: DF, 2023.
Disponível em: https://www.gov.br/cultura/pt-br/acesso-a-
informacao/perguntas-frequentes/territorios-da-cultura/ceu-das-
artes/o-que-e-o-ceu. Acesso em: 21 Set. 2024.
BRASIL. Ministério da Cultura. Praça dos Esportes e da
Cultura - Manual de Instruções para Contratação e Execução.
Ministério da Cultura, Brasília: DF, 2011. Disponível em:
http://pracinhas.cultura.gov.br/wp-
content/uploads/sites/28/2017/12/manual-contratacao.pdf.
Acesso em: 21 Set. 2024.
ESSUS, A. M. M. de S. A. Através da imagem: fotografia e
história interfaces. Tempo, Rio de Janeiro/RJ, v. 01, n. 02,
1996, p. 73-98.
FISCHER, E. A Necessidade da Arte: uma interpretação
marxista. Tradução: Anna Bostock. Rio de Janeiro/RJ: Zahar,
1967.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a
Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro/RJ:
Paz e Terra, 1987.
LE GOFF, J. Documento/Monumento. In: LE GOFF, J.
História e memória. Tradução de Bernardo Leitão.
Campinas/SP: UNICAMP, 1990.

318
LIMA, S. F. de; CARVALHO, V. C. de. Fotografias: usos
Sociais e Historiográficos In. PINSKY, C. B.; LUCA, T. R. de
(Orgs.). O Historiador E Suas Fontes. São Paulo/SP:
Contexto, 2009.
NAPOLITANO, M. História & música – história cultural da
música popular. Belo Horizonte/BH: Autêntica, 2002.
TURAZZI, M. I. A Viagem do Oriental-Hydrographe (1839-
1840) e a Introdução da Daguerreotipia no Brasil. Acervo, Rio
de Janeiro/RJ, v. 23, n. 01, p. 45-62, Jan/Jun 2010.

319
CAPÍTULO XVI

O GÊNERO FANFICTION COMO PROPOSTA DE


LETRAMENTO DIGITAL EM TURMAS DO 9º ANO

Flávia Freitas de Oliveira

Introdução
O avanço das novas tecnologias tem transformado
significativamente as práticas de leitura e escrita, introduzindo
formas multissemióticas e multimodais de interação com os
textos. Nesse contexto, o gênero digital fanfiction emerge como
uma ferramenta poderosa para promover o letramento digital e
literário entre estudantes.
Este relato de experiência descreve a aplicação de uma
Sequência Didática (SD) focada no gênero fanfiction em turmas
do 9º ano de uma escola da rede privada. Ademais, é uma
proposta que se baseia nas novas orientações da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), que destacam a
importância de trabalhar gêneros textuais em contextos sociais
significativos. Para tanto, buscamos engajar os estudantes em
práticas de escrita contextualizadas e significativas,
principalmente com relação ao universo digital do qual se fazem
pertencentes pelo uso contínuo.
O objetivo geral desta SD, então, é promover o
letramento digital dos alunos por meio da produção e análise de

320
fanfictions, desenvolvendo a capacidade de leitura crítica e
escrita criativa em um ambiente multimodal e multissemiótico.
Desse modo, buscamos: a) desenvolver o gênero textual
fanfiction; b) questões notacionais, ou seja, pontuação nos
discursos direto, indireto e indireto livre presentes nas
sequências textuais narrativas do gênero; c) incentivar a leitura
crítica e a escrita criativa por meio de tecnologias; d) integrar
práticas digitais ao currículo de Língua Portuguesa, utilizando
plataformas e ferramentas on-line.
A escolha do gênero fanfiction como foco da SD
justifica-se pela sua popularidade entre os jovens e sua
capacidade de engajar os alunos em práticas de escrita e leitura
que refletem suas vivências e interesses no mundo digital. Além
disso, a abordagem da fanfiction como prática de letramento
digital responde à necessidade de integrar as novas formas de
comunicação e expressão às práticas pedagógicas tradicionais,
conforme orienta a BNCC (Brasil, 2018).
Embora este não seja um trabalho extensionista, sua
relevância social está no potencial de transformar a relação dos
alunos com a leitura e a escrita, tornando o aprendizado mais
significativo e conectado às suas experiências cotidianas. A
fanfiction permite que os estudantes se vejam como criadores de
conteúdo, participando ativamente de comunidades de fãs de
suas personagens e ampliando sua compreensão sobre autoria,
bem como utilização do ambiente digital.
O referencial teórico que sustenta esta experiência
baseia-se na teoria de letramento literário, por Rildo Cosson
(2009) e na metodologia de Sequência Didática proposta por
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que organiza o ensino de
gêneros textuais de forma sistemática e contextualizada.
Ademais, nos fundamentamos em Bakhtin (2003) com a teoria

321
dos gêneros textuais e a importante discussão do dialogismo,
bem como Paulo Freire (1987) que considera fatores humanistas
na prática de uma educação eficaz.
Sobre o letramento literário, Cosson (2009) o define
como uma apropriação da literatura enquanto linguagem, ou
seja, fazer uso do texto literário para se expressar, o que justifica
e dá base teórica para a escolha da temática desta experiência.
Além disso, para esse autor, no que tange à prática
pedagógica, a definição do termo “letramento literário” leva em
consideração algumas características que mostram sua
efetividade, a saber: a) interação com a obra; b) processo de
construção de um espaço de compartilhamento de leituras; c)
reconhecimento da literatura em outros suportes que vão além
dos textos escritos e livros impressos; d) elaboração de
atividades sistemáticas e contínuas para o desenvolvimento da
competência literária, formando o leitor literário.
Entendemos, dessa forma, que a criação de fanfictions
envolve a interação ativa dos alunos com as obras literárias,
permitindo que eles se apropriem dos textos de maneira crítica e
criativa. Isso não só promove o envolvimento profundo com o
universo narrativo original, mas também possibilita a construção
de um espaço de compartilhamento de produções textuais e
leituras, no qual os estudantes podem explorar suas
interpretações e reelaborações das histórias.
A produção de fanfictions estimula a percepção de que a
literatura vai além dos textos escritos em livros impressos,
podendo ser expressa em diferentes formatos, como na escrita
digital em redes sociais ou outras plataformas on-line. Desse
modo, ao integrar atividades sistemáticas de leitura e escrita
criativa, o professor pode ser o mediador para o

322
desenvolvimento da competência literária dos estudantes,
promovendo esse letramento literário.
Assim, a fanfiction configura-se como uma estratégia
pedagógica que atende às características definidas por Cosson
(2009), promovendo o desenvolvimento de leitores literários
autônomos e engajados.
Freire (1987) em seu método composto por três etapas
(investigação, tematização e problematização) ao implementar
um trabalho inovador no processo de alfabetização, faz-nos
também refletir no processo de ensino-aprendizagem de texto na
sala de aula.
Para o patrono da educação brasileira, “Uma pesquisa
prévia investiga o universo das palavras faladas, no meio da
cultura do alfabetizando” (Freire, 1987, p. 6), assim, entendemos
que uma aprendizagem, como o processo de aquisição da
escrita, não deve ser vista como um processo isolado, mas sim
inserido no contexto cultural do estudante.
Por isso, é importante que o professor entenda e
considere que cada indivíduo tem um repertório cultural que
influencia como ele aprende e compreende algo que está sendo
ensinado. Dessa forma, Freire (1987) defende que a prática
pedagógica deve reconhecer e respeitar o contexto de um
estudante, o que pode facilitar a aprendizagem e tornar o
processo ainda mais significativo e engajador.
Nesta primeira etapa do método freireano, encontramos a
necessidade de um “diagnóstico inicial”, ou seja, entender o
ponto de partida desse estudante, o que de fato ele sabe, suas
experiências no contexto ao qual está inserido. De igual modo, o
método de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com a proposta
de apresentar uma situação para a produção inicial de um texto,

323
partem do que o estudante sabe sobre o gênero textual em
questão, para tal produção.
Freire (1987, p. 6) ainda cita que dessa primeira
investigação
[...] são extraídos os vocábulos de mais ricas
possibilidades fonêmicas e de maior carga semântica – os
que não só permitem rápido domínio do universo da
palavra escrita, como também, o mais eficaz engajamento
de quem a pronúncia, com a força pragmática que
instaura e transforma o mundo humano (Freire, 1987, p.
6).
Nesse processo de ensino-aprendizagem do método de
Freire (1987), de fato, identificar palavras que são foneticamente
ricas e semanticamente significativas para os estudantes é
importante para o aprendizado. Diante disso, alfabetizar a partir
das palavras que os estudantes já conhecem facilitou o processo
de alfabetização e desenvolveu a habilidade de leitura e escrita,
permitindo uma alfabetização em menos de 3 meses. Fato esse
pelo qual o “método Paulo Freire” de alfabetização ficou
conhecido no Brasil.
O método de Freire (1987) também conta com outras
duas etapas: tematização e problematização. Para o pesquisador,
a metodologia utilizada não pode contradizer uma educação
libertadora, ou seja, o estudante deve estar consciente da sua
realidade, assim o autor investiga “[...] seu pensamento-
linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta
realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram
envolvidos seus ‘temas geradores’”.
Nesse sentido, professores e estudantes trabalham juntos
para identificar e explorar a tematização relevante e significativa
para a aprendizagem, ajudando a conectar a educação com a

324
realidade do próprio estudante. Esse processo gera a
interpretação e a análise dos temas, envolvendo a aplicação do
que entenderam na prática. Desse modo, os estudantes utilizam
o conhecimento adquirido para fazer sentido do mundo e das
suas próprias experiências, aplicando o que aprenderam de
forma concreta.
Nesse diapasão, seguimos com a metodologia de Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98), que afirmam ser esta etapa
aquela que o professor pode avaliar e ajustar as atividades
previstas na sequência além de definir “[...] o significado de uma
sequência para o aluno, isto é, as capacidades que devem
desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em
questão”. Assim, surgem os “módulos” que serão elaborados
pelo professor com atividades voltadas ao gênero textual
abordado e ao conhecimento linguístico necessário para a
produção desse gênero.
Por fim, temos a terceira etapa de Paulo Freire, a
“problematização”, cujo autor afirma ser
[...] o processo de busca da temática significativa, já deve
estar presente a preocupação pela problematização dos
próprios temas, por suas vinculações com outros por seu
envolvimento histórico-cultural.
Ou seja, após levantar os temas geradores e selecioná-
los, faz-se necessário construir uma visão crítica do mundo,
buscando uma transformação do contexto vivido. Neste
contexto, há uma aplicação de todo conhecimento que foi
construído até então, por isso a possibilidade de uma pedagogia
transformadora, como implica a filosofia de Paulo Freire sobre a
educação.

325
O mesmo ocorre na aplicação da metodologia de
Sequências Didáticas de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004),
pois, ao propor a “produção final” na SD, é perceptivel que o
estudante colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao
longo dos módulos estudados.
Percebemos, então, que Paulo Freire (1987) tem uma
abordagem pedagógica dialógica, que enfatiza a interação entre
educador e educando. Ao reconhecer e integrar a linguagem e a
cultura dos estudantes, o ensino se torna uma troca mútua de
conhecimentos, em vez de um processo unidirecional. Da
mesma forma, percebemos que existe um dialogismo na
interação do interlocutor com o texto, no processo da SD, o que
é amplamente defendido pelo estudioso Bakhtin (2003).
Para esse autor, o dialogismo é uma forma de entender a
linguagem e a interação textual como um processo dinâmico e
multifacetado. Assim, o autor, ao introduzir tal discussão,
explora o texto, isto é, o gênero textual, como uma manifestação
da situação de uma comunicação com enunciados relativamente
estáveis, ou seja, estruturas e características próprias, o que
permite identificar a ocorrência de um mesmo gênero, haja vista
que ele não possui uma estrutura fixa, mas flexível.
Sendo assim, os gêneros evoluem, se misturam e se
tornam gêneros híbridos, ou fazem surgir novos gêneros,
dependendo da necessidade de comunicação. Nesse sentido,
uma situação de comunicação nova, como a comunicação no
suporte digital, fará surgir novos gêneros textuais, como a
fanfiction e, consequentemente, deve ser um gênero abordado
em sala de aula.
Isso também é destacado por Bakhtin (2003, p. 324) ao
afirmar que o discurso não pode ser “dissociado de seus falantes

326
e de seus atos, das esferas sociais, dos valores ideológicos”. Ou
seja, os gêneros estão vinculados às formas da língua e aos
enunciados não de modo isolado, mas dialógico, por meio dessa
interação verbal e social como veremos no nosso relato de
experiência.
Este relato não apenas documenta o processo de ensino
do gênero fanfiction, mas também reflete sobre os desafios e as
oportunidades de integrar práticas digitais ao ensino de Língua
Portuguesa. A experiência relatada oferece reflexões sobre como
adaptar o currículo escolar para incluir gêneros textuais
contemporâneos que ressoam com os interesses e as práticas
sociais dos nossos estudantes.
Na prática, isso significa que os professores devem se
envolver em atividades que explorem a linguagem a partir dos
gêneros textuais presentes no universo dos estudantes, partindo
de suas vivências como ponto de partida. Por isso, nosso
interesse em utilizar histórias que estão em produções literárias
ou fílmicas, nas quais eles desejam continuar as narrativas, por
meio da escrita no universo digital, ou seja, elaborar fanfictions.

A metodologia de Sequência Didática no relato de


experiência
Severino (2013), em sua obra "Metodologia do Trabalho
Científico", destaca que a prática científica concreta envolve
uma aplicação técnica e operacional conhecida como "método".
Para o desenvolvimento deste trabalho, aplicamos uma
metodologia específica de Sequência Didática, conforme
proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), em uma
turma do 9º ano de uma escola privada, realizando uma pesquisa
de campo.

327
A abordagem da pesquisa foi qualitativa, conforme
definido por Severino (2013), caracterizando-se pela natureza
interpretativa e pelo foco na compreensão das atividades
aplicadas em cada fase da SD. Esse enfoque permitiu uma
análise aprofundada do impacto e da eficácia das atividades
desenvolvidas, considerando as especificidades e contextos dos
alunos envolvidos.
Diante da metodologia de Sequência Didática,
organizamos a aplicação da SD sobre o gênero fanfiction em
quatro etapas principais:
Etapa 1: Apresentação da situação e diagnóstico
A primeira etapa consistiu na aplicação de uma atividade
inicial intitulada "Apresentação da Situação". O objetivo foi
avaliar o conhecimento prévio dos alunos sobre diferentes
narrativas e se gostavam de alguma narrativa ao ponto de serem
“fãs” delas. Essa atividade serviu como um diagnóstico para
identificar o nível de familiaridade dos estudantes com a
temática e orientar o planejamento das etapas subsequentes.
Etapa 2: Primeira Produção Textual
Com base nas informações coletadas na primeira etapa,
os alunos foram convidados a realizar uma primeira produção
textual. Essa fase teve como objetivo permitir que os alunos
experimentassem a criação de uma fanfiction, no entanto,
desconfigurada do ambiente digital do aplicativo, apenas
continuando uma narrativa, utilizando seus conhecimentos
iniciais e explorando sua criatividade sem uma intervenção
pedagógica formalizada. Esse texto inicial serviu como base
para a análise e o aprimoramento das etapas seguintes.
Etapa 3: Módulos de Aprendizagem

328
A terceira etapa foi dividida em dois módulos distintos:
Módulo A: Notações de um Texto Narrativo
Nesse módulo, os alunos foram introduzidos aos
aspectos técnicos da escrita narrativa, com ênfase nas notações
textuais, como o uso correto da pontuação em diferentes tipos de
discurso (direto, indireto e indireto livre). Diante disso, a
intenção foi demonstrar que existe produção de sentido também
na escolha e uso das pontuações e tipos discursos, além de
aprimorar a qualidade textual das produções dos alunos,
garantindo maior clareza e expressividade.
Módulo B: Gênero Digital e Aplicativos
O segundo módulo abordou as especificidades do gênero
digital fanfiction e os aplicativos que servem como suporte para
a criação e publicação dessas narrativas. Os alunos exploraram
plataformas populares, como Wattpad e Spirit Fanfiction,
compreendendo como essas ferramentas influenciam a estrutura
e a disseminação das fanfictions.
Etapa 4: Produção Final
A última etapa consistiu na produção final da fanfiction,
dentro do aplicativo Wattpad, no qual os alunos aplicaram os
conhecimentos adquiridos ao longo dos módulos anteriores.
Essa fase incluiu a revisão colaborativa e a publicação das
histórias na plataforma digital. Ao final, foi realizada uma
avaliação abrangente para medir o conhecimento adquirido
pelos alunos e refletir sobre seu progresso em termos de escrita,
leitura crítica e compreensão do gênero fanfiction.

329
O gênero Fanfiction no 9º ano do Ensino Fundamental
O gênero fanfiction, ou fanfic, como cita Vargas (2015),
é uma forma de escrita em que fãs de uma obra, como livros,
filmes, séries de TV ou jogos, criam suas próprias histórias
usando os personagens, cenários e enredos desses universos.
Essas histórias podem explorar novos arcos narrativos, alterar
eventos ou até mesmo desenvolver relacionamentos que não
foram abordados no material original.
Vargas (2015), ao iniciar o capítulo da obra “O
fenômeno fanfiction: novas leituras e escrituras em meio
eletrônico”, destaca o espanto de se ter tantos escritores jovens e
talentosos no Brasil em aplicativos de publicação de fanfitcions.
Afinal, a autora compreende que o gênero é realizado quase
sempre como uma atividade extracurricular, sem nenhum cunho
educacional ou cumprimento de requisitos da disciplina de
Língua Portuguesa. Será que é isso que faz nossos estudantes
gostarem tanto de uma fanfic e se tornarem fanfiqueiros?
Os textos nascem de uma atividade extraescolar, com a
especificidade de ser completamente voluntários, e
muitas vezes desconhecidos das comunidades escolar e
familiar, mas altamente absorvente para quem com eles
se envolve (Vargas, 2015, p. 12).
A verdade é que cumprir com o currículo escolar, mesmo
que a BNCC (Brasil, 2018) preveja gêneros digitais, faz com
que muitos gêneros sejam ignorados, pois outros conteúdos e
gêneros ganham uma prioridade que não se justifica, mas que
são sempre abordados por instrumentos didáticos ou, até
mesmo, pela preferência dada pelo professor.
No entanto, Vargas (2015, p. 13) faz uma pergunta
provocativa e interessante que levamos para a sala de aula,

330
durante a nossa SD com fanfiction: “O que poderia estar
motivando jovens brasileiros a ‘desviar’ suas horas de lazer para
a leitura, a escrita e a publicação de textos ficcionais em meio
eletrônico [...]”? A resposta da autora reflete sobre a
oportunidade dos estudantes interagirem com textos do próprio
interesse, por isso, a ideia de “fã”. A nossa resposta, reflete uma
sala de aula em que nem todos conhecem esse gênero textual,
mas que alguns já possuem suas contas em aplicativos e são
fanfiqueiros, já se reconhecendo como autores.

É diante dessa diversidade de conhecimento e


experiências textuais que iniciamos as etapas de SD com o
gênero fanfiction, no 9º ano. A primeira etapa contou com um
“roteiro de perguntas” para introduzir uma situação para a
produção inicial. A atividade foi aplicada para duplas, com a
finalidade de produzir interações e diálogos sobre os diversos
tipos de narrativas.

Figura 1: Fragmento do roteiro de perguntas – Situação inicial.

Fonte: Elaborada pela autora (2024).

331
Outras perguntas roteirizadas foram: “Que tipo de história
vocês escreveriam envolvendo essa “preferência”?”; “Quem seriam os
protagonistas?”; “Qual seria o enredo principal?”; “Qual seria o
desfecho? Feliz ou não? Explique.”. Na Figura 1 e na Figura 2,
apresentamos alguns fragmentos desse roteiro de perguntas antes da
produção inicial.
Esses fragmentos demonstram que aplicamos um roteiro com
diferentes formatos e não apenas linhas para as respostas. O motivo
inicial para isso foi desde já apresentar aos estudantes,
independentemente do seu conhecimento sobre a multimodalidade do
universo digital, a possibilidade de escrever já de “diferentes formas”.

Figura 2: Fragmento do roteiro de perguntas – Situação inicial

Fonte: Elaborado pela autora (2024).

Após a aplicação do “roteiro de perguntas”, os


estudantes realizaram uma primeira produção textual. Essa
produção ainda foi desconfigurada do ambiente digital, ou seja,

332
do aplicativo de publicação das fanfictions. Então, eles apenas
continuaram ou reinventaram as histórias com as personagens
que mais sentiram afinidade, explorando sua criatividade, sem
uma intervenção pedagógica formalizada e digital. Esse texto
inicial serviu como base para a análise e o aprimoramento das
etapas seguintes.
A terceira etapa foi dividida em dois momentos. Após as
primeiras leituras das produções, percebemos a criatividade nos
textos, mas ainda muitas limitações quanto aos termos e uso do
universo das fanficitions. Isso porque nossos estudantes não
tiveram aulas sobre o gênero, então ficaram limitados nas
elaborações das narrativas. Realizaram, na sua maioria, o
“canôn”, ou seja, mantiveram o material original da história,
mas não fizeram o “fanon”, ou seja, não utilizaram referências
entre o grupo de fãs que existe sobre esse material original.
Poucos também realizaram o “Universo Alternativo”, ou seja,
escreveram uma história num universo diferente do cânon com
uma realidade alternativa, ou em outro tempo. Tudo isso, está
dentro da aprendizagem sobre o gênero.
Outra questão em destaque são as sequências narrativas.
Quando elaboramos uma narrativa e introduzimos o discurso
direto, indireto e até mesmo o indireto livre é importante olhar
para a pontuação como uma parte da produção de sentido do
texto. Assim, esse uso ficou em destaque enquanto módulo. Por
isso, foi realizada uma aula sobre pontuação e seu uso
intencional para a produção de sentidos.
Assim, primeiro realizamos o módulo de produção de
sentido por meio da pontuação. Introduzimos a ideia dos
diferentes tipos de discurso na narrativa e aplicamos atividades
de escrita e elaboração de parágrafos em diferentes tipos de
discurso, bem como a reelaboração dos parágrafos da própria

333
produção inicial. Assim, os estudantes voltaram à primeira
produção mais de uma vez, revisando-a e aprimorando-a.
O módulo que seguiu utilizou mais aulas. Das três aulas,
apresentamos, na primeira, um roteiro sobre o gênero fanficition,
baseado no conteúdo disponibilizado por Pereira (2021) sobre
esse gênero intitulado “O que é fanfic: entenda o que é e como
escrever e publicar uma”. Desse modo, o roteiro disponibilizado
para os estudantes iniciou com o “meme” que segue na Figura
3, com a finalidade de mostrar que uma fanfic vai além de só
continuar uma narrativa conhecida.

Figura 3: Meme sobre Fanfic.

Fonte: https://segredosdomundo.r7.com/o-que-e-fanfic/ (2021).

Ademais, nesse roteiro, apresentamos os principais


termos do universo das fanfics, também conforme Pereira
(2021), como: Cânon; Fanon; Universo Alternativa (AU, na
sigla em inglês) e, desse último, seus três modos – AR

334
(realidade alternativa); AT (linha do tempo alternativa); AH
(todo humano). Além disso, demostramos a característica de
alguns subgêneros baseados no “Cânon” como o Crossover, que
são as personagens de uma história misturadas a outras; Dark,
em que elementos mais obscuros e com problemas emocionais
da personagens adentram a história; Movierverse, referente a
própria adaptação cinematográfica; além da Virtual Season, que
seriam roteiros colaborativos de uma série que está em curso ou
que até mesmo foi cancelada.
Na figura que segue, temos um fragmento dessa parte do
roteiro.

Figura 4: Fragmento do roteiro de “Gênero Fanfiction”.

Fonte: Elaborada pela autora (2024).

335
Alguns subgêneros ultrapassam enredos da história
contada, focando-se, por exemplo, nas personagens. Por isso,
também os apresentamos conforme às personagens, como ship
(par romântico do fandom); slash (relacionamentos
exclusivamente homossexuais).
Esses enredos podem voltar-se para temáticas como
Crackfic, com relação a premissas absurdas ou ridículas,
sugerindo histórias perturbadoras ou humorísticas; Angst, com
relação a histórias angustiantes ou deprimentes; Deathfic, que
introduz narrativas com morte das principais personagens; Fluff
ou Waff, que já são narrativas de clima mais leve e pacífico;
além do songfic que são obras ficcionais baseadas na letra de
uma música. E, ainda, no contexto da fanfic temos o Squick cujo
enredo volta-se para temas que são tabu para a sociedade como
incesto, pedofilia, abusos, bem como uso de drogas, assassinatos
ou transtornos mentais.
O universo da fanfiction, dessa forma, é permeado por
diversos subgêneros e temáticas. Não é apenas “continuar” uma
narrativa. Possui especificidades e uma variedade de
possibilidades para ser bem trabalhada, o que enriquece ainda
mais a (re)criação das histórias.
Depois dessas duas aulas explanando e exemplificando
o gênero fanfiction, partimos para a terceira aula desta segunda
parte do módulo sobre o gênero digital: o uso dos aplicativos.
Assim, divulgamos diversos aplicativos durante uma aula,
solicitando o uso do celular para a próxima aula.
Assim, aplicativos como Scribd, Wattpad, Spirit Fanfics,
WidBook, Movellas, Letras Miúdas, Skoob foram divulgados.
Esses aplicativos são sobre leitura e escrita, alguns, inclusive,

336
com audiobooks, além de organização de outros livros, títulos e
autores, como segue para conhecimento nas Figuras 5 e 6.

Figura 5: Aplicativo Wattpad. Figura 6: Aplicativo Spirit Fanfics.

Fonte: Wattpad.com (2024). Fonte: Spiritifanfics.com (2024).

Por fim, o último módulo, referente a produção final, é a


forma de utilizar o aplicativo da nossa escolha: Wattpad.
Ademais, o uso do celular foi permitido para tal
atividade. Os estudantes sem o aparelho móvel, puderam
acompanhar o colega e fazer uma produção colaborativa.
O aplicativo foi utilizado a partir do seguinte passo a
passo (Figura 7), já divulgado no ambiente virtual para os
estudantes. Os últimos passos indicados aos estudantes foram:
“Criar uma história” e enviá-la.

337
Figura 7: Roteiro de acesso ao aplicativo Wattpad.

Fonte: Elaborada pela autora (2024).

338
Assim, depois de todos os passos dados, para criar uma
história uma nova tela se abriria pedindo as informações do
estudante e disponibilizando um espaço para elaboração da
narrativa. Depois disso, o link da fanfiction foi enviado para ser
avaliado como produção final.

Considerações finais
A aplicação da Sequência Didática (SD) proposta por
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) na turma do 9º ano
mostrou-se eficaz tanto no desenvolvimento de habilidades
textuais dos alunos quanto na integração de práticas digitais no
ambiente escolar. A abordagem qualitativa permitiu uma análise
profunda da experiência, evidenciando o impacto positivo do
trabalho com o gênero fanfiction e a familiaridade crescente dos
alunos com ferramentas digitais.
Ao longo das quatro etapas do SD, observamos que o
diagnóstico inicial foi essencial para identificar as necessidades
e os conhecimentos prévios dos alunos, conforme Freire (1987)
já postulava sobre um processo de ensino-aprendizagem de fato
efetivo. Assim, a primeira produção textual, seguida de módulos
de aprendizagem, permitiu um desenvolvimento gradual das
competências dos estudantes, tanto no que diz respeito à escrita
criativa quanto ao entendimento da fanfiction como um gênero
digital.
O ponto culminante da atividade, com a publicação de
fanfictions em aplicativos digitais, não apenas reforçou o
protagonismo dos alunos, mas também proporcionou uma
experiência autêntica de letramento digital. A avaliação final,
que incluiu uma discussão reflexiva sobre o uso das tecnologias
no ambiente escolar, demonstrou que os alunos se sentiram

339
engajados e motivados com a proposta, ao mesmo tempo que
desenvolveram uma maior compreensão do papel das
ferramentas digitais na produção textual. Ou seja, é possível
utilizar o celular em sala de aula como uma ferramenta didática,
além de ser também possível elaborar textos para serem de fato
lidos por diversos interlocutores, tornando-se um autor
autônomo.
Diante deste relato de experiência, entendemos que a
metodologia adotada é adequada para promover o letramento
literário e digital, conforme orientado pela BNCC (Brasil, 2018),
o que serve como um incentivo para a integração contínua de
práticas digitais no ensino de Língua Portuguesa. Futuramente,
novas atividades com outros gêneros digitais podem ser
elaboradas, além da ampliação do uso de tecnologias para
fortalecer a conexão entre os universos literários e digitais.

Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Estética da criação
verbal. São Paulo/SP: Martins Fontes, 2003, p. 261-306.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Médio.
Brasília/DF: MEC/SEB, 2018.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. São
Paulo/SP: Contexto, 2009.
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências
didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um
procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais
e escritos na escola. Trad. e Org. Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2004. p. 95-128.

340
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro/RJ:
Paz e Terra, 1987.
PEREIRA, R. G. O que é fanfic: entenda o que é e como
escrever e publicar uma. Segredos do Mundo. 20 Set. 2021.
Disponível em: https://segredosdomundo.r7.com/o-que-e-
fanfic/. Acesso em: 14 Set. 2024.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São
Paulo/SP: Cortez, 2013.
SPIRITFANFICTION.COM. Spirit Fanfics e Histórias.
Disponível em: https://www.spiritfanfiction.com/. Acesso em:
14 Set. 2024.
VARGAS, M. L. B. O fenômeno fanfiction: novas leituras e
escrituras em meio eletrônico. Passo Fundo/RS: EdUPF, 2015.
WATTPAD.COM. Wattpad. Disponível em:
https://www.wattpad.com/. Acesso em: 14 Set. 2024.

341
CAPÍTULO XVII

MULTILETRAMENTOS: prática de produção do gênero


digital GIF biográfico

Kênia de Souza Oliveira

Introdução
As discussões sobre o uso das tecnologias não são
recentes. Assim, o grupo de pesquisadores (Grupo de Nova
Londres) escreveu um manifesto resultante de um colóquio,
realizado em 1996, sobre a necessidade de uma pedagogia de
multiletramentos. Esses pesquisadores, reunidos em Nova
Londres, Connecticut (EUA), publicaram o manifesto A
Pedagogy of Multiliteracies – Designing Social Futures21.
Em linhas gerais, o grupo sustentava que a escola deveria
trabalhar os novos letramentos que emergiam na sociedade
contemporânea, incluindo, nos currículos, a diversidade de
culturas já vistas em salas de aula, oriundas de um mundo
globalizado e intolerante.
Nesse sentido, esses pesquisadores indicavam que os
jovens utilizavam novas ferramentas de acesso à comunicação e
às informações, que engendravam novos letramentos, de

21
Tradução: “Uma pedagogia dos multiletramentos – desenhando futuros
sociais”

342
natureza multimodal ou multissemiótico. Daí surge o termo
multiletramentos, que abarca a globalidade das sociedades e a
multimodalidade dos textos, por meio dos quais as diversas
culturas se comunicam.
À luz da pedagogia de multiletramentos, este relato de
experiência descreve a aplicação de uma atividade sobre como
elaborar um GIF (Graphics Interchange Format22) biográfico.
Para tanto, serão utilizados, como fundamentos teóricos, os
estudos de Rojo (2017, 2020) e Lemke (1998), no que se refere
a Multiletramentos.
Para a realização da tarefa empreendida, propusemos aos
alunos do 1º ano do Curso Técnico em Informática integrado ao
Ensino Médio, do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM) campus Paracatu/MG, que criassem
um GIF biográfico revelando seus gostos, hábitos, dentre outros.
Nosso interesse em desenvolver essa atividade deu-se pela
necessidade de promover os estudos com novas ferramentas
digitais, oportunizando os alunos a experimentarem uma nova
forma de se autodescreverem, diferentemente das práticas
comumente adotadas de produção escrita do gênero biografia.
Nessa esteira, é importante apontar que os estudos de
Lemke (1998) sobre mídia corroboram com a proposta em
questão. Para o teórico, a noção de mídia e de novos textos
requerem novos letramentos, mudando seu caráter multi, para
hiper: hipertextos, hipermídias:
A próxima geração de ambientes de aprendizagem
interativos adiciona [aos hipertextos] imagens visuais e
sons e vídeos, além de animação, o que se torna muito
prático quando a velocidade e a capacidade de

22
Tradução: Formato de Intercâmbio Gráfico.

343
armazenamento podem acomodar esses significados
densos de informação topológica. [...]. Essas mídias mais
topológicas não podem ser indexadas e referenciadas por
seu conteúdo interno. Devem sim ser tratadas como
‘objetos’ inteiros. Mesmo assim, como objetos podem se
tornar nós para hipertextos e, então, a hipermídia nasce
(Lemke, 1998, s. p.).
O referido autor nos revela como se dá o surgimento da
hipermídia, conceito importante que será utilizado para a
resolução da atividade proposta. Nessa seara, Rojo (2020)
aponta para o funcionamento dos multiletramentos, seja na
perspectiva da diversidade cultural de produção e circulação dos
textos, seja no sentido da diversidade de linguagens
constitutivas desses textos, que independente da perspectiva
teórica, esses estudos convergem em algumas características
relevantes, tais como:
a) eles são interativos; mais que isso, colaborativos; b)
eles fraturam e transgridam as relações de poder
estabelecidas, em especial as relações de propriedade
(das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos
[verbais ou não]); c) eles são híbridos, fronteiriços,
mestiços (de linguagens, modos e cultura) (Rojo; Moura,
2012, p. 23).
Resumidamente, para a autora, a interatividade –
característica fundante da concepção de mídia digital – permitiu
a utilização dessas mídias não apenas como interação, mas para
a produção colaborativa.
Dando prosseguimento, nosso objeto de estudo é
compartilhar práticas de ensino sobre gêneros digitais,
especificamente, o GIF. Para tanto, os estudos de Lemke (2010)
no que subjaz ao ensino e à aprendizagem de como as novas
tecnologias podem transformar nossas práticas

344
institucionalizadas também serão basilares para a sustentação
teórica de nossa proposta.
Para o autor, as representações verbais e visuais se
complementaram e coordenaram ao longo da história e da
cultura (Lemke, 2010). Assim, os textos são vistos como
construtos multimodais em que a escrita é apenas uma forma de
transmitir as mensagens. Analogamente, a análise da fala nos
gêneros discursivos orais não pode mais prescindir dos gestos,
entonações, expressões faciais e outros elementos que estão
presentes em qualquer troca verbal.
Em consonância com os estudos de Lemke (2010),
adotaremos, também, as perspectivas de Cope e Kalantzis (2006
[2000]) apud Rojo (2017) sobre a “Pedagogia dos
multiletramentos” que:
definem como sendo uma pedagogia por design, na qual
os estudantes precisam se apropriar dos designs digitais
disponíveis, isto é, precisam, é claro, ter conhecimento
prático e competência técnica para ser um “usuário
funcional”, mas somente isso não basta: é preciso
também ser um leitor, um analista crítico desses designs
disponíveis (textos, infográficos, vídeos de diversos
tipos, esquemas, imagens estáticas, games, etc.). Mas
uma pedagogia dos multiletramentos não se esgota nos
designs disponíveis: ela busca conhecê-los e analisá-los
criticamente para, a partir deles, chegar ao redesign, isto
é, a uma produção que se apropria do disponível
conhecido para “criar sentidos transformados e
transformadores” (Rojo, 2017, p. 9-10).
Rojo apresenta essa discussão no seguinte diagrama
(Figura 1):

345
Figura 1: Mapa de multiletramentos.

Fonte: Retirado de Rojo e Moura (2020).

Ainda, conforme a autora, a aprendizagem interativa


também afeta o currículo, que não é mais uma lista de conteúdos
a serem ensinados, em que se acredita que contribuirão para a
formação do sujeito no trabalho e na vida pessoal (currículo
estabelecido), mas sim designará uma diversidade de projetos
com fins e circulações efetivas, que requerem colaboração
produção própria e circulação dos resultados úteis aos fins
almejados.

346
Nessa ótica, o ensino de língua portuguesa deve
promover novas práticas pedagógicas que contemplem os atuais
letramentos demandados pelas práticas que re/inovam as
relações sociais.
Partindo para a finalização, outro conceito, que nos é
caro, é a hipermodernidade, cunhado por Lipovetsky e Charles
(2004) e outros autores como Charles (2009), procura destacar
não a superação, mas a radicalização da modernidade. Para Rojo
e Barbosa (2015, p. 118), “no contexto da hipermodernidade, o
prefixo desloca-se ou instala-se em outros contextos:
hipercomplexidade23, hiperconsumismo24 e
25
hiperindividualismo (além de hipertexto e hipermídia, dentre
outros)”.
Assim, para as autoras, ao ampliar o olhar para
contextos, nos quais se emaranham essas identidades
23
Para Rojo e Barbosa (2015), a hipercomplexidade é marcada por uma
lógica paradoxal (Charles, 2009). A ausência de um projeto político mais
consistente faz com que um mesmo sujeito possa ser, ao mesmo tempo,
conservador e progressista frente a um mesmo escopo de questão: por
exemplo, pode apoiar ou lutar pela liberação sexual e ser contra casamento
homossexual (Rojo; Barbosa, 2015, p. 118).
24
Lipovetsky e Charles (2004) denomina como um consumo que absorve e
integra parcelas cada vez maiores da vida social; que funciona cada vez
menos segundo o modelo de confrontações simbólicas tão caro a Bourdieu; e
que, pelo contrário, se dispõe em função de fins e de critérios individuais e
segundo uma lógica emotiva e hedonista que faz com que cada um consuma
antes de tudo para sentir prazer, mais do que para rivalizar com o outro
(Lipovetsky; Charles, 2004, p. 25-26).
25
Rojo e Barbosa (2015) afirmam que é a era do hedonismo individual, do
hipernarcisismo. O culto e a contínua busca pelo prazer (imediato), a extrema
fluidez dos pertencimentos atuais, a ausência de projetos coletivos em função
das dúvidas em relação ao futuro redirecionam o projeto de autonomia da
modernidade, que passa a primar pela autocentração e pela não
responsabilização pelo outro (Rojo; Barbosa, 2015, p. 119).

347
contemporâneas, pode-se perceber como as Tecnologias Digitais
da Informação e Comunicação (TDICs), conforme suas
configurações e disseminações, intensificam esses processos.
Se o nosso objetivo é relatar uma experiência vivenciada
em sala de aula, não podemos deixar de mencionar o documento
normativo que regulamenta o conjunto de aprendizagens
essenciais que todo alunado deve desenvolver ao longo de sua
educação básica, a BNCC26 (Brasil, 2017).
Está previsto no documento, no que concerne ao eixo
“Linguagens e suas Tecnologias”, propostas de trabalho que
permitem aos estudantes o acesso a saberes sobre o mundo
digital e as práticas da cultura digital. Nessa perspectiva, a
utilização das TDICs27 na escola proporciona maior apropriação
técnica e crítica desses recursos, bem como determina uma
aprendizagem significativa e autônoma pelos estudantes. O
documento preconiza que, para além da cultura do impresso, é
preciso considerar a cultura digital, os multiletramentos e os
novos letramentos.
Não somente novos gêneros que surgem ou se
transformam (como post, tweet, meme, mashup,
playlist comentada, reportagem multimidiática, relato
multimidiático, vlog, videominuto, political remix,
tutoriais em vídeo, entre outros), mas novas ações,
procedimentos e atividades (curtir, comentar,
redistribuir, compartilhar, taguear, seguir/ser seguido,
remediar, remixar, curar, colecionar/descolecionar,
colaborar etc.) que supõem o desenvolvimento de
outras habilidades. Não se trata de substituição ou de
simples convivência de mídias, mas de levar em conta

26
Base Nacional Comum Curricular.
27
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação.

348
como a coexistência e a convivência das mídias
transformam as próprias mídias e seus usos e
potencializam novas possibilidades de construção de
sentidos (Brasil, 2017).
A partir desse documento e das necessidades do alunado,
cabe à escola voltar seu olhar para os multiletramentos e novos
letramentos, em que os alunos, por meio de práticas autônomas
e colaborativas, são produtores de seu conhecimento subsidiados
pelas mídias digitais.
Para contemplar essa prática de novos letramentos,
escolhemos o GIF por ser um gênero digital comum ao
universo estudantil, objetivando desenvolver capacidades de
linguagem com diferentes semioses, como as imagens em
movimento, as cores, os efeitos computacionais, dentre outros.
Mais especificamente, criar um GIF biográfico, a fim de
apresentar informações pessoais sobre cada aluno de uma
maneira mais lúdica e atrativa aos discentes.
A título de fim, nosso objetivo nesta seção foi apresentar,
de forma geral, algumas teorias constitutivas do bojo de
discussões sobre os tópicos multiletramentos e novos
letramentos. Dessa forma, nosso interesse não foi esgotar o
assunto, podendo ter ficado algumas lacunas, o que poderá ser
amplamente contemplado em futuros trabalhos.

GIF biográfico em prática: um relato de experiência


Essa atividade teve como objetivo trabalhar com o
gênero GIF biográfico. Esse gênero emerge e se desenvolve em
ambientes midiáticos digitais. Apresentam características
próprias, influenciadas pelas plataformas em que são produzidos

349
e consumidos e envolvem a integração de texto, imagem, som e
vídeo, constituindo-se textos multimodais.
É muito comum, quando se inicia o ano letivo,
professores pedirem aos alunos que se apresentem de forma oral
ou pela escrita de um texto biográfico. Nesse universo, surgiu a
ideia de aliar o início das aulas e a necessidade de se conhecer
os novos colegas ao trabalho com as práticas de letramento
digital. Dessa forma, ao invés de solicitar a escrita do gênero
textual biografia, optamos pelo midiático, uma vez que
oportunizaríamos os alunos a lidarem com as ferramentas
digitais.
Com a emergência dos gêneros midiáticos, achamos
mais interessante fazer as apresentações por meio de GIFs
biográficos. Assim, propusemos a seguinte atividade:

Atividade (Adaptada28): Produção de um GIF biográfico


A convivência harmoniosa é sempre um bom caminho
para fortalecer as relações interpessoais. Assim, nada melhor do
que iniciar o ano letivo em uma nova escola, com novos amigos,
contando um pouco sobre você para seus colegas.
O que você acha de se apresentar de uma forma
diferente da usual? Que tal utilizar um GIF biográfico? Você
conhece o GIF biográfico?
Veja o exemplo de um GIF biográfico (Figura 2):

28
A proposta de elaboração do gênero GIF biográfico foi baseada em uma
atividade realizada no curso de Extensão da Unicamp Novos letramentos e as
práticas de linguagem na escola, proposto pela Profª. Drª. Jaqueline Peixoto
Barbosa, em 2021.

350
Figura 2: GIF biográfico.

Fonte: Disponível em: < www.bing.com>. Acesso em: 01 Set. 2024.

O GIF biográfico é um tipo de colagem de fotos que


busca orientar de maneira sucinta e pelo humor as informações
pessoais de uma personalidade famosa ou de pessoas em geral.
A partir das informações acima, crie um GIF biográfico a
seu respeito, revelando informações sobre o que gosta ou não,

351
como: esportes, estilos musicais, ideias que defende ou demais
informações que você queira compartilhar.
Após a apresentação de sua atividade e de ter assistido à
apresentação de seus colegas, compartilhe suas percepções sobre
o GIF de seus colegas:
 Aponte características e gostos/ou não em
comum;
 Comente sobre o que achou do GIF dos colegas;
 Discorra sobre o processo de criação do GIF.
Você já havia feito esse tipo de colagem? Teve
dificuldades para a realização da tarefa? O que
achou da experiência de se apresentar assim?

Elaborando o GIF biográfico


As diretrizes acima foram utilizadas para a realização do
trabalho. A atividade foi desenvolvida com os alunos do 1º ano
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro, do curso Técnico em Informática integrado
ao Ensino Médio, campus Paracatu/MG. Assim, foram postadas
no Google Classroom, as seguintes informações para a
realização do trabalho.

Orientações para a produção de GIF:


(1) Primeiramente, solicitamos a seleção de fotos que
fossem importantes para eles e mostrassem um pouco
da individualidade de cada um. Essas fotos deveriam
mostrar detalhadamente o rosto e de preferência
estarem na posição vertical.

352
É importante ressaltar que, para a escrita deste relato
de experiência, optamos por colocar fotos de
paisagens, de animais e, sobretudo, que não
aparecessem os rostos por uma questão de direito de
imagens (Figura 3).

Figura 3: Fotos selecionadas.

Fonte: Elaborada pela autora. (2024).

(2) Em seguida, pedimos que utilizassem um editor de


imagens, por exemplo, o Paint, e acrescentassem as
legendas sobre a fotos.
As legendas deveriam ser palavras, expressões ou
frases curtas, como as do exemplo do GIF biográfico,

353
disponibilizado na proposta para a realização da
atividade (Figura 4).

Figura 4: Fotos legendadas.

Fonte: Elaborado pelos alunos (2024).

(3) Posteriormente, solicitamos que fizessem o upload


das fotos para um serviço on-line que iria organizá-
las em um único arquivo no formato GIF.
Há alguns sites gratuitos para esse tipo de ação:
Giphy, GIF Maker, Make a GIF ou IMGFLIP.

354
(4) Depois de criar o GIF e fazer o download, os alunos
deveriam postar no Google Classroom e fariam a
socialização para a turma (Figuras 5, 6 e 7).

Figura 5 Apresentação dos GIFs Figura 6 Apresentação dos GIFs


biográficos. biográficos.

Fonte: Elaborado pela autora (2024).

355
Figura 7: Apresentação dos GIFs biográficos

Fonte: Elaborada pela autora (2024).

Essas imagens são referentes à socialização da atividade


para os colegas de classe. Conforme os alunos apresentavam,
eles compartilhavam que “a atividade havia sido muito
interessante, pois jamais haviam pensado em se
autodescreverem por meio de GIF”. Durante as apresentações,
informaram que recebiam muitos GIFs pelo WhatsApp, sempre
em caráter de brincadeiras. Para muitos, realizar uma atividade
escolar com essa ferramenta foi uma grata surpresa.

356
Como demonstram as imagens, a atividade foi
desenvolvida individualmente. No entanto, alguns alunos
solicitaram fazê-la em dupla, porque se sentiam conectados com
os colegas e acreditavam que a escolha das fotos, dos lugares e
os gostos seriam complementares.

Considerações finais
É de conhecimento comum que a educação e o ensino
devem ser adaptados às mudanças que ocorrem no mundo, nas
relações interpessoais e nas novas maneiras de exercer a
cidadania. Assim, os docentes, ao trabalharem com as novas
tecnologias, poderão construir e compartilhar conhecimentos,
explorando diferentes práticas de letramento.
A partir dessa experiência relatada, podemos perceber
que é possível despertar o interesse dos jovens pela leitura e pela
produção multimodal de forma prazerosa e colaborativa. Nesse
sentido, a atividade proposta cumpriu seus objetivos ao
oportunizar adolescentes criarem textos, utilizando ferramentas
midiáticas e, mais que isso, se encantarem com o universo das
multissemioses.

Referências
BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). Brasília/DF: MEC/SEB, 2017.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-
educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc. Acesso em: 16
Set. 2024.
CHARLES, S., Cartas sobre a hipermodernidade. São
Paulo/SP: Barcarolla, 2009.

357
LEMKE, J. Letramento metamidiático: transformando
significados e mídias. Trabalhos em Linguística Aplicada,
Campinas/SP, v. 49, n. 02, p. 455-479, Dez. 2010.
LEMKE, J. Multiplying Meaning: visual and verbal semiotics in
scientific text. In: MARTIN, J.; VEEL, R. (Eds.). Reading
Sciences (Routledge). London: Routledge, 1998.
LIPOVETSKY, G.; CHARLES, S. Os Tempos
Hipermodernos. Tradução Mário Vilela. São Paulo/SP:
Barcarolla, 2004.
ROJO , R. H. R; MOURA, E. Multiletramentos na escola. 4.
reimp. São Paulo/SP: Parábola Editorial, 2020.
ROJO, R. H. R. Entre plataformas, ODAs e protótipos: novos
multiletramentos em tempos de WEB2. The Specialist:
Descrição, Ensino e Aprendizagem, São Paulo/SP, v. 38, n.
01, p. 01-20, Jan./Jul. 2017.
ROJO, R. H. R. Escol@ conectada: os multiletramentos e as
TICs. São Paulo/SP: Parábola Editorial, 2013.
ROJO, R. H. R.; BARBOSA, J. Hipermodernidade,
multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo/SP:
Parabola Editorial, 2015.
ROJO, R. H. R; MOURA, E. Letramentos, mídias e
linguagens. São Paulo/SP: Parábola Editorial, 2019.
ROJO, R.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos na escola.
São Paulo: Parábola, 2012.

358
CAPÍTULO XVIII

LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: a


notícia em destaque

Aline dos Santos Silva


Natiene Francieles Mendes Pereira
Lúcia Helena Ferreira Lopes

Introdução
Este trabalho, situado na interface da educação com os
estudos linguísticos, refere-se ao processo ensino e
aprendizagem29 de práticas de linguagem situadas no eixo da
leitura, da escrita, da oralidade e da análise linguístico-
semiótica, referentes ao componente curricular Língua
Portuguesa, propostas para o ensino formal brasileiro. Está,
portanto, fundamentado nos postulados da linguística textual-
discursiva e nas orientações normativas inscritas no texto da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em diálogo com os

29
Almeida e Grubisich (2011) defendem que a relação “ensino-
aprendizagem” se diferencia da relação “ensino e a aprendizagem”. O
primeiro condensa uma interrelação entre as ações inscritas no “ensinar” em
uma estrita correlação como o “aprender”, ou seja, uma implicaria,
necessariamente, a outra. No segundo caso, defendem os autores que as ações
do ‘ensinar’ e do ‘aprender’ se manifestam por meio de uma tensão dialética;
ao mesmo tempo que se negam, complementam-se nas diferentes esferas das
práticas socioeducacionais dos conhecimentos, porém o estudante pode não
construir o seu conhecimento: aprender.

359
diferentes e variados conhecimentos construídos pelas
acadêmicas na área da Educação, ao longo do processo de
formação pedagógica.
Para alcançar o objetivo de servir de “Base para toda
Educação Básica brasileira” (Brasil, 2018, p. 5), a BNCC
contempla as competências gerais da Educação Básica,
distribuídas em quatro áreas do conhecimento, dentre as quais se
destaca a área de Linguagens, mais especificamente o
componente Língua Portuguesa, fundamento deste estudo.
Assim considerando, o foco incidirá sobre a centralidade do
texto como a unidade de trabalho não somente na configuração
tradicional, na modalidade exclusivamente verbal, mas também
na configuração orientada pela utilização de tecnologia digital,
modalidade multissemiótica30.
Nesse sentido e considerando os quatro eixos propostos
pela BNCC, no que se refere às atividades inscritas no processo
ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, o recorte
investigativo incidirá sobre o desenvolvimento das habilidades
de produção textual na sua indissociável correlação com as
habilidades de leitura/escuta. Para isso, considera-se o texto na
sua dupla lateralidade, ou seja, na perspectiva da leitura e na
perspectiva da produção, observando-se a sua função

30
A BNCC defende a necessidade de se desenvolver habilidades de leitura de
textos verbais e multissemióticos – considerados como os textos não verbais
– sob uma análise que leva em conta “as formas de composição e estilo de
cada uma das linguagens que os integram, tais como plano/ângulo/lado,
figura/fundo, profundidade e foco, cor e intensidade nas imagens visuais
estáticas, acrescendo, nas imagens dinâmicas e performances, as
características de montagem, ritmo, tipo de movimento, duração, distribuição
no espaço, sincronização com outras linguagens, complementaridade e
interferência etc. ou tais como ritmo, andamento, melodia, harmonia, timbres,
instrumentos, sampleamento, na música” ( Brasil, 2018, p. 81).

360
sociocomunicativa, a estrutura composicional, os aspectos
linguísticos e o suporte de veiculação, isto é, na perspectiva dos
gêneros textuais (Marcuschi, 2002).
Com o propósito de desenvolver habilidades de leitura e
escrita do gênero notícia, objeto deste estudo, foi elaborada uma
sequência didática, ou seja, foi utilizada uma metodologia de
ensino, baseada em um agrupamento de atividades que permite
acompanhar o processo de construção do conhecimento dos
estudantes, à medida que eles se apropriam dos aspectos
sociocomunicativo-linguístico do gênero textual discursivo
notícia de mídia impressa e avançam na produção eficiente de
textos nesse gênero (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004a).
O interesse por um estudo com a abordagem dessa
temática surgiu, por um lado, em decorrência de as
pesquisadoras já atuarem em diferentes áreas docentes e
interessarem-se pelo ensino de Língua Portuguesa, por outro
lado, porque estão envolvidas em atividades no Programa de
Residência Pedagógica (PRP), no que tange à formação inicial
de professores. Nas atividades do PRP ficou ainda mais evidente
a necessidade de intervenções didático-pedagógicas que
possibilitem o desenvolvimento de habilidades e de
competências relacionadas às práticas de linguagem, acerca do
sistema de leitura e de escrita.
Desse contexto de considerações emerge o problema que
orientou este estudo acadêmico-científico: É possível
desenvolver, por meio de uma sequência didática, habilidades de
leitura e escrita do gênero textual notícia de estudantes do 4º ano
do Ensino Fundamental I, conforme orientação da BNCC?
É nesse sentido que se propôs para este trabalho o
seguinte objetivo geral: realizar um estudo sobre o

361
desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, a partir do
gênero textual notícia, por meio de atividades inscritas em uma
sequência didática. Para alcançar o objetivo geral, foram
propostos os seguintes objetivos específicos: a) conhecer as
orientações normativas da BNCC no que se refere à centralidade
do texto no processo ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental; b)
identificar a notícia como um gênero textual do discurso
jornalístico, bem como a sua função, a estrutura composicional,
os aspectos léxico gramaticais e a esfera de circulação; c)
caracterizar a sequência didática como uma metodologia
didático-pedagógica e d) propor uma sequência didática para o
desenvolvimento das habilidades de leitura e produção escrita
para estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental, por meio do
gênero textual discursivo notícia, em conformidade com as
orientações da BNCC.
Para o desenvolvimento deste estudo de natureza teórico-
prática com abordagem qualitativa, foram elaboradas, por um
lado, pesquisa bibliográfica com o propósito de compreender os
postulados teórico-metodológicos dos gêneros textual-
discursivos (Marcuschi, 2002) e da sequência didática (Dolz,
Noverraz e Schneuwly, 2004b), prioritariamente. Por outro lado,
pesquisa documental, posto que se utilizou das orientações
normativas inscritas na BNCC para a elaboração da sequência
didática com o intuito de desenvolver habilidades de leitura e de
escrita de textos do gênero notícia.
Assim considerando, a seguir, serão apresentados, no
tópico 1, os fundamentos da BNCC que embasaram a pesquisa;
no tópico 2, a caracterização do gênero textual discursivo
notícia; no tópico 3, o modelo de sequência didática; no tópico
4, a proposição de uma sequência didática, seguida dos objetivos

362
e da descrição das atividades propostas e, por fim, as
considerações finais das pesquisadoras.
Considera-se, sobretudo, que a educação é uma
‘ferramenta de libertação’, capaz de desenvolver no educando a
tomada de consciência sobre a realidade por ele vivida e,
também, é capaz de instrumentalizá-lo para transformá-la e,
consequentemente, a realidade no seu entorno (Freire, 1967,
1968, 1996). Essa tomada de consciência, do ponto de vista
freiriano, dialoga com o conhecimento pertinente, defendido por
Morin (2000), que pressupõe a ruptura com a supremacia do
conhecimento fragmentado, limitador. A educação libertadora
deve considerar, portanto, a construção do conhecimento
agasalhada em um contexto situacional singular e plural, local e
global e em diálogo intermitente com as referências
multidimensionais e complexas. O caminho para construção do
conhecimento pertinente e libertador está, necessariamente,
alicerçado no desenvolvimento das habilidades de leitura e de
escrita significativas (Lopes, 2006).

O processo ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa


pela BNCC
O objetivo que orientou esse tópico foi aquele
circunscrito à construção do conhecimento acerca das
orientações normativas da BNCC no que se refere à centralidade
do texto no processo ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Nessa
dimensão, compreende-se que a BNCC (2018), dado o seu
caráter normativo e integralizador, apresenta-se como uma peça
central na busca de estratégias que possibilitem a superação das
políticas educacionais fragmentadas, herdadas da nossa tradição

363
pedagógica, por meio da apresentação de um conjunto de
aprendizagens essenciais que englobam não somente os saberes,
mas também as habilidades de mobilização e de aplicação
desses saberes no exercício das práticas sociais cotidianas na
busca pela formação integral do estudante brasileiro nas etapas
do Ensino Fundamental e Médio. Esse compromisso com a
formação integral, a partir de um conjunto de aprendizagens
essenciais, evidencia a busca pela igualdade, considerando,
todavia, o aprendiz como um sujeito da construção do seu
conhecimento, respeitando, de forma ética e estética, a sua
singularidade na diversidade, de forma democrática e inclusiva
(Morin, 2000).
Assim considerando, a BNCC estrutura-se de forma a
contemplar os saberes básicos necessários à Educação Infantil,
ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, abrangendo as áreas
de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências
Humanas. No tocante à área de Linguagens, composta pelos
componentes curriculares Língua Portuguesa, Língua
Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física, o enfoque deste
estudo incidirá, conforme já apresentado anteriormente, sobre o
processo ensino e aprendizagem referente ao desenvolvimento
de habilidades de leitura e de produção, inscrita como um dos
eixos do componente Língua Portuguesa.
Nesse sentido e com o foco voltado para o processo
ensino e aprendizagem, orientado pelos princípios e
pressupostos da BNCC, o texto assume a centralidade do
componente Língua Portuguesa a partir de quatro eixos
integradores, correspondentes às práticas de linguagem:
a oralidade, a leitura / escuta, a produção (escrita e
multissemiótica) e a análise linguística/semiótica que
envolve conhecimentos linguísticos - sobre o sistema de

364
escrita, o sistema da língua e a norma-padrão -, textuais,
discursivos e sobre os modos de organização e os
elementos de outras semioses (Brasil, 2018, p. 71).
No tocante ao eixo da leitura, a BNCC foca na interação
dialogal entre leitor ouvinte situados em diferentes contextos
sócio-histórico-culturais mediada pelo texto escrito, oral e
multissemiótico, considerando, nesse processo de
(des)(re)construção de sentidos de forma significativa, o leitor,
ou seja, aquele que projeta o autor e esforça-se para
compreendê-lo e interpretá-lo. No que se refere ao eixo da
produção de textos, o enfoque incide sobre essa mesma
interação dialogal, todavia sob o ponto de vista do
produtor/autor do texto, ou seja, das práticas daquele que deve
projetar o seu leitor e construir os sentidos de forma a
possibilitar a sua (des)(re)construção no momento da leitura.
Em seguida, o eixo da oralidade coloca em relevo o
desenvolvimento de habilidades relacionadas às práticas de
linguagem em contextos de oralidade. O foco incide sobre a
necessidade de organização dos textos que permeiam as
diferentes práticas interativas cotidianas e, por vezes, ficam
relegadas a uma posição secundária em relação ao texto escrito.
Por fim, no eixo da análise linguística/semiótica, a
BNCC propõe o tratamento das questões que dizem respeito à
materialidade linguística dos textos orais, escritos e
multissemióticos. Portanto, essas questões relacionadas aos
aspectos gramaticais não se configuram mais como o centro dos
estudos linguísticos; eles são uma parte imprescindível, uma
peça na composição do conjunto de estudos de uma língua.
Outra questão relevante quanto às questões de Língua
Portuguesa tratadas na BNCC é que, além de dialogar com os
gêneros textuais discursivos já contemplados em documentos e

365
em orientações produzidos em décadas anteriores, a Base
destaca a necessidade de contemplar os gêneros textuais
emergentes que resultam do desenvolvimento das tecnologias
digitais.
No que se refere às práticas de linguagem e aos objetos
de conhecimento selecionados para o ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental I: Anos iniciais, apesar de
propor avanços teórico-metodológicos, quando comparada aos
documentos oficiais que a antecedem, a Base apresenta algumas
lacunas que comprometem a sua utilização eficiente pelos
professores-alfabetizadores. Lanzanova, Sippert, Rios (2020)
destacam, entre outros aspectos, o uso de referencial teórico e
terminológico, verticalizado para a área dos estudos linguísticos
e que, por vezes, não são contemplados no processo de
formação dos professores-alfabetizadores. Essa lacuna na
formação pedagógica demanda, portanto, a formação continuada
desses professores no sentido de não somente compreender os
conceitos, mas também apropriar-se deles com o propósito
desenvolver metodologias para o desenvolvimento das
habilidades propostas na/pela BNCC.
Portanto, considera-se a contribuição da BNCC para o
avanço dos estudos da linguagem, principalmente, pelo
protagonismo do texto nas séries iniciais do Ensino
Fundamental I – nas suas modalidades oral, escrita e/ou
multissemiótica – de diferentes esferas sociocomunicativas
cotidianas como objeto de estudo da Língua Portuguesa em
situação real de uso.

366
O gênero textual-discursivo notícia
Neste tópico, cujo objetivo é desenvolver um estudo
acerca dos gêneros textual-discursivos, será apresentado, a título
de ilustração, o gênero receita culinária e, na sequência, as
especificidades do gênero notícia, objeto deste estudo.
Marcuschi (2002) destaca a impossibilidade de se
estabelecer um processo sociocomunicativo interacional fora
dos limites textuais, sejam eles verbais (orais ou escritos) e/ou
multissemióticos. Os textos, além de serem tratados em seus
aspectos discursivos e enunciativos, apresentam peculiaridades
formais, ou seja, possuem uma estrutura composicional
relativamente estável, aspectos linguísticos e discursivos
próprios, bem como uma função social específica.
Assim, por exemplo, a receita culinária configura-se
como um gênero textual discursivo, pois, além de fazer parte das
práticas cotidianas do discurso da gastronomia e/ou da
alimentação, apresenta:
a) uma estrutura composicional, partes constitutivas, ou
seja, a descrição dos ingredientes e dos procedimentos para a
correta utilização deles de forma ordenada;
b) uma função sociocomunicativa, isto é, a função de
uma receita culinária é orientar, de forma sistemática, alguém
que vai preparar um prato específico;
c) aspectos léxico gramaticais próprios; por um lado,
colher, copo, xícara (unidades de medida) e os substantivos que
nomeiam os ingredientes são termos que compõem o léxico da
receita; por outro, os verbos na sua modalidade imperativa
“mexa”, “adicione”, “misture” são marcas linguísticas presentes
na materialidade da composição de uma receita;

367
d) apresenta uma mídia de veiculação, pois as receitas
estão nos antigos cadernos de receita, nas embalagens de alguns
produtos, na internet, na televisão, entre outras mídias.
Nesse sentido, se alguém deseja preparar um brigadeiro
de café, por exemplo, pesquisa o caderno de receita ou faz uma
busca em sites específicos da internet, para fazer o levantamento
dos ingredientes necessários e suas devidas quantidades. Isso
posto, segue as orientações sobre o modo de preparo, incluindo
a ordem dos ingredientes, a temperatura, o tempo etc. para
alcançar o objetivo de finalizar com êxito o prato desejado.
Esses mesmos quatro fatores que se apresentam na constituição
da receita do brigadeiro de café, repetem se em todos os textos
que compõem a classe das receitas e, portanto, caracteriza um
gênero textual do discurso da gastronomia.
Assim sendo, ao (re)conhecer um gênero, tanto o autor
quanto o leitor possuem parâmetros para construir e desconstruir
sentidos de forma mais assertiva, pois, segundo Marcuschi
(2002), no processo de comunicação, cada gênero possui
características específicas que permitem ao emissor adequar a
mensagem ao receptor (e vice-versa) e à situação comunicativa.
Além disso, os gêneros textuais podem ser utilizados para
alcançar diferentes objetivos comunicativos, como persuadir,
informar, entreter, dentre outros.
Da mesma forma, o autor destaca a variabilidade dos
gêneros textuais em relação ao contexto sociocultural em que
são utilizados, isto é, eles não são estáticos e estão, portanto,
sujeitos a mudanças e a adaptações com base nas necessidades
de comunicação de cada sociedade e cultura. Exemplo disso é a
dinamicidade, provocada pelo desenvolvimento tecnológico que
impulsionou a alteração na estrutura e na veiculação do gênero
carta, amplamente utilizado nas práticas comunicativas de

368
décadas anteriores, adequando-o para a modalidade digital, nos
formatos de e-mail, mensagens escritas ou áudios etc.
Em relação ao ensino dos gêneros textuais, Marcuschi
(2002) propõe uma metodologia baseada na observação, na
análise e na produção dos diferentes gêneros, com o objetivo de
desenvolver a competência comunicativa dos alunos e sua
capacidade de adaptação a diferentes situações comunicativas a
que estão expostos nas práticas socioculturais interativas
cotidianas. Nesse sentido, o ensino dos gêneros textuais deve ser
um processo dinâmico e contextualizado, que permita ao aluno
compreender e utilizá-los, de forma pertinente, para alcançar os
objetivos comunicativos propostos.
Assim sendo, justifica-se a abordagem dos estudos
linguísticos na BNCC, centrados no texto que, apesar de
possuírem naturezas diferentes, pertencem a grupos
“relativamente estáveis de enunciados produzidos pelas mais
diversas esferas da atividade humana” (Bakhtin, 1992, p. 279).
O reconhecimento do gênero a que se filia configura-se,
portanto, como a chave para a produção e para a interpretação
do texto.
No que diz respeito ao gênero textual notícia – que o
objeto de estudo deste trabalho – Koche, Boff e Marinello
(2014) caracterizam-no como uma produção textual-discursiva
cuja função sociocomunicativa é informar o leitor, por meio da
narrativa coesa e coerente, fatos e eventos recentes de interesse
público. Quanto à estrutura composicional, a notícia apresenta
algumas características relativamente estáveis como: manchete
ou título, olho da notícia, entrada ou lead, corpo da notícia,
recursos multissemióticos e créditos e fontes.

369
À manchete ou ao título cabe a função de resumir o
conteúdo da notícia de forma a atrair a atenção do leitor; o olho
amplia a informação do título e contribui para o
desenvolvimento da leitura exploratória do leitor (uma vez que é
impossível ler na íntegra todas as notícias publicadas
diariamente em diferentes suportes).
A entrada ou lead apresenta as informações essenciais do
acontecimento de forma pormenorizada, clara e objetiva,
respondendo, de forma sintetizada às seguintes perguntas: quem,
o quê, quando, onde, como e por quê. Apresenta-se, na
sequência, a estrutura composicional de um texto que
exemplifica o gênero notícia (Figura 1).

Figura 1: Destaque dos elementos constituintes de uma notícia.

Fonte: Site G1 (2023).

370
Continuando na análise estrutural, o corpo da notícia se
encarrega de detalhar as informações condensadas no lead e
apresentar dados e depoimentos que ampliem o entendimento do
leitor sobre o fato noticiado. Nos recursos multissemióticos
podem se incluir fotografias, gráficos, tabelas, áudios, vídeos,
infográficos para complementar a informação e torná-la mais
visual. Por fim, os créditos e as fontes citam os autores do texto,
das imagens ou vídeos utilizados.
A notícia deve ser redigida de maneira impessoal,
utilizando-se uma linguagem clara e direta, por meio da
modalidade culta da Língua Portuguesa, apresentando o
conteúdo verdadeiro (é preciso combater as fake news) e
comprovado por fontes confiáveis. O objetivo da notícia é
informar o leitor sobre eventos atuais e relevantes, abordando
temas como política, economia, cultura, esporte, entre outros.
É importante observar que, no texto acima, o objetivo do
canal de notícia G1 é informar o seu público-leitor sobre um
evento extraordinário e de grande relevância para a cultura
brasileira: o fato de um primeiro representante dos povos
originários ser eleito para a Academia Brasileira de Letras,
instituição criada por Machado de Assis. Assim, por meio de
uma linguagem clara e objetiva o leitor, em conformidade com a
norma culta, compreende a estrutura composicional da notícia e
respostas para as questões que compõem a lide:
1. O quê? Eleição do primeiro representante dos povos
originários para a ABL.
2. Quem? Ailton Krenak.
3. Quando? No dia 05 de outubro de 2023.
4. Onde? Na Academia Brasileira de Letras (RJ).

371
5. Como? Em eleição realizada na ABL, Krenak recebeu 23
votos e passará a ocupar a cadeira 5, deixada por José
Murilo de Carvalho.
6. Por quê? (Essa informação não está explícita na notícia
e, portanto, exige um conhecimento prévio do leitor) Na
ABL, há 40 cadeiras ocupadas por membros efetivos e
permanentes. Assim sendo, cada imortal da ABL
permanece ‘dono’ de uma cadeira até o seu falecimento,
quando, por meio de eleição, escolhe-se outro membro
para ocupá-la.
Por fim, destacam-se o corpo da notícia, com
informações adicionais sobre o tema da eleição de Ailton
Krenak para a ABL, os recursos visuais – a fotografia do agora
imortal da Academia; a legenda e os créditos da notícia, que foi
publicada, originalmente, no portal de notícia do G1.
Com base na análise apresentada acima, é possível
compreender que, no contexto da BNCC, o trabalho com o
gênero "notícia" busca desenvolver habilidades de leitura e
escrita, bem como a capacidade de análise crítica e compreensão
dos acontecimentos do mundo atual. Os estudantes são
incentivados a ler e produzir notícias, levando em consideração
os elementos essenciais e as características linguísticas desse
gênero textual. A BNCC não estabelece um formato único para a
produção de notícias, atém-se às orientações para o
desenvolvimento das competências necessárias para
compreender, interpretar e produzir textos noticiosos de forma
adequada ao contexto comunicativo.
O gênero textual notícia, inscrito no discurso jornalístico
– seja as notícias impressas (veiculadas em jornal, revista, portal
de notícias na internet), somente orais (veiculadas em rádio) ou
multissemióticas (veiculadas na TV, na internet, nas redes

372
sociais) – devem ser objeto de estudo nas séries iniciais do
Ensino Fundamental I, visto que ele faz parte das práticas
sociocomunicativas cotidianas. É preciso, sobretudo, orientar o
estudante para a leitura e a interpretação dos fatos noticiados
para a construção do conhecimento sobre o fato e, também, para
a formação da opinião sobre ele, sabendo diferenciar as notícias
publicadas em fontes confiáveis das fake News.

Sequência didática: modelo proposto por Dolz, Noverraz e


Schneuwly
O objetivo deste tópico é caracterizar a sequência
didática como uma metodologia pedagógica que faculta a
construção de conhecimentos de diferentes áreas do saber,
possibilitando o diálogo entre elas. Essa proposta, segundo
Oliveira (2013), surgiu no início dos anos 80, na França, com o
objetivo de “melhorar o processo de ensino da língua materna,
sendo uma proposta para sair de um ensino fragmentado do
idioma francês em que se trabalhava de forma separada, sem
conexões, a ortografia, a sintaxe e cada categoria da gramática”
(Oliveira, 2013, p. 39) para um ensino integrado.
Para Oliveira (2013), a sequência didática é:
um procedimento simples que compreende um conjunto
de atividades conectadas entre si, e prescinde de um
planejamento para delimitação de cada etapa e/ou
atividade para trabalhar os conteúdos disciplinares de
forma integrada para uma melhor dinâmica no processo
ensino-aprendizagem (Oliveira, 2013, p. 39).
Desenvolvido, originariamente, nos estudos franceses, os
trabalhos relacionados à sequência didática chegaram ao Brasil,
sob a forma do modelo proposto por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004b, p. 96). A estrutura é composta pelas
373
seguintes etapas: apresentação da situação, produção inicial,
módulos e produção final e que envolvem momentos distintos
em sua elaboração, como o planejamento, a realização e revisão
das atividades, conforme ilustra o esquema a seguir (Figura 2):

Figura 2: Esquema da Sequência Didática.

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004b, p. 97).

Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004b), a


sequência didática inicia se com a ‘apresentação da situação’,
pois, à princípio, é preciso comunicar os estudantes sobre uma
situação real, seja de maneira oral ou escrita para estimulá-los a
participarem e engajá-los no desenvolvimento das atividades
didático pedagógicas.
Em seguida, como uma atividade diagnóstica e com base
no gênero textual selecionado como unidade de estudo, os
estudantes são orientados para elaborarem uma produção inicial,
ou seja, uma primeira versão do texto na modalidade escrita.
Essa primeira versão poderá ser avaliada conforme as
características, citadas por Marcuschi (2002), a saber: a estrutura
composicional, ou seja, as partes da notícia, por exemplo, a
função sociocomunicativa, os aspectos léxicos-gramaticais –
selecionar os tópicos linguísticos que os estudantes já devem ter

374
consolidado e que estão previstos para a etapa do 4º ano e, por
fim, o suporte de veiculação.
A partir dessa fase de diagnóstico, de acordo com os
autores, a composição dos módulos possibilitará a ampliação e a
construção de novos conhecimentos (que se mostraram
lacunares) na produção escrita inicial. Os módulos constituem,
então, um roteiro de atividades planejadas e elaboradas pelo
professor, que permite aos estudantes o aprofundamento no
gênero textual.
Para isso, devem ser apresentados a eles diversos textos
do mesmo gênero, para que, identificando as características
recorrentes e as variações existentes, ‘aprendam’ a ler e escrever
significativamente textos desse gênero. Logo a quantidade de
atividades, a seleção dos textos e o período do desenvolvimento
da sequência dependerá da metodologia e do objetivo propostos
para a atividade.
Ao final do processo, a sequência deverá ser concluída
com uma produção final na qual espera-se que os estudantes
utilizem o conhecimento construído por meio da leitura crítica e
reflexiva dos textos apresentados nos módulos e, valendo-se
desses novos saberes estruturais e temáticos, retomem o texto
inicial e sejam capazes de reescrevê-lo, preenchendo as lacunas
deixadas na primeira versão. Esse conjunto de atividades de
leitura, análise, produção e revisão possibilitam que os
estudantes possam desenvolver as habilidades necessárias para
ler e produzir textos do gênero selecionado.

Proposta da sequência didática


A proposição de uma sequência didática, fundamentada
no modelo proposto por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004b), a

375
partir do gênero textual-discursivo notícia, baseado em
Marcuschi (2002), foi o propósito desse estudo. O foco da
sequência incide sobre o processo de construção e ampliação do
conhecimento dos estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental,
no que se refere às habilidades de leitura e escrita proficientes.
O documento orientador da proposta que será apresentada a
seguir é a BNCC (2018) que, conforme já observado, evidencia
a centralidade das práticas pedagógicas que articulam os usos
sociais da língua por meio dos diferentes e variados textos que
circulam nas práticas sociais cotidianas.
Assim sendo e considerando que a BNCC faz referência
à educação necessária para as pessoas com deficiência, com
base na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência,
Lei nº 13.146/2015 (Brasil, 2015, p.16), selecionou-se, para este
estudo, um tema que possibilitará uma discussão sobre a
inclusão e a acessibilidade de estudantes deficientes nos
diferentes espaços escolares. Nesse sentido, a proposta,
elaborada na área da Linguagem, dialoga com a área de Ciências
Humanas, posto que o “espaço31” é o conceito mais amplo em
torno do qual se situam os conteúdos da Geografia.
Nesse sentido, a BNCC apresenta, no componente
curricular de Geografia, a habilidade inscrita em (EF05GE12):
Identificar órgãos do poder público e canais de
participação social responsáveis por buscar soluções para
a melhoria da qualidade de vida (em áreas como meio

31
As Categorias de Análise da Geografia como Espaço, Lugar, Paisagem,
Território e Região são conceitos que permitem compreender os fenômenos
espaciais e as relações entre sociedade e natureza. Essas categorias foram
desenvolvidas ao longo da História da Geografia, por diferentes autores e
escolas de pensamento, que buscaram explicar as dinâmicas e as
transformações do espaço geográfico.

376
ambiente, mobilidade, moradia e direito à cidade) e
discutir as propostas implementadas por esses órgãos que
afetam a comunidade em que vive (Brasil, 2018, p. 378-
379).
Considerando, portanto, que – conforme estabelecido no
Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 (Brasil, 2004), a
acessibilidade precisa ser assegurada para a promoção da
inclusão das pessoas com deficiência ou com mobilidade
reduzida – a discussão sobre “acessibilidade” não somente é
atual, transversal e integradora, como impacta as relações
humanas em escala local, regional e global. Justifica-se, assim, a
escolha do tema da proposta que se apresenta a seguir, pautada
nas habilidades descritas para o Ensino do componente
curricular Língua Portuguesa, Ensino Fundamental I – 4ª série.
A elaboração da sequência didática apresentada, a seguir,
foi orientada pelas habilidades (EF04LP14) (EF04LP15) e
(EF04LP16):
(EF04LP14) Identificar, em notícias, fatos, participantes,
local e momento/tempo da ocorrência do fato noticiado.
(EF04LP15) Distinguir fatos de opiniões/sugestões em
textos (informativos, jornalísticos, publicitários etc.).
(EF04LP16) Produzir notícias sobre fatos ocorridos no
universo escolar, digitais ou impressas, para o jornal da
escola, noticiando os fatos e seus atores e comentando
decorrências, de acordo com as convenções do gênero
notícia e considerando a situação comunicativa e o
tema/assunto do texto (Brasil, 2018, p. 123-125).
A partir dessas orientações, buscou a elaboração de uma
sequência didática sob a forma de uma trilha de construção de
conhecimento, composta pelas seguintes etapas: Apresentação

377
da situação, Produção inicial, Módulo 1, Módulo 2, Módulo 3,
Módulo 4, Produção final e atividades complementares 1 e 2.
As atividades contemplam as práticas de linguagem no
que se refere aos eixos da oralidade, leitura/escuta, produção e
análise linguístico-semiótica.
A síntese das atividades está apresentada no Quadro 1,
abaixo:

Quadro 1. Proposta de sequência didática com o gênero notícia

Ateliê Objetivos Atividades

Eixo da oralidade – Discutir, por meio


de uma atividade de leitura e escrita
circunscrita à área do componente Roda de
curricular Língua Portuguesa, em conversa
Apresentação diálogo interdisciplinar com o
da situação componente curricular Geografia, a
relação entre “Acessibilidade e Visita guiada aos
qualidade e vida32” no espaço escolar espaços
para que, no final da sequência escolares
proposta, os estudantes possam
elaborar uma notícia e publicá-la no
jornal impresso e/ou digital da escola.

Na roda de conversa, o professor deverá iniciar um diálogo


com os estudantes para discutirem sobre ‘acessibilidade e qualidade de

32
Para esta proposta consideramos a acessibilidade estrutural ou física que é
a condição que permite que as pessoas com deficiência ou mobilidade
reduzida possam acessar e utilizar os espaços públicos e privados de forma
segura, autônoma e confortável.

378
vida” no espaço escolar. O que se entende acessibilidade? Vocês
conhecem/convivem com pessoas com deficiência? Como é a
mobilidade dessa pessoa em casa e fora de casa? Há estudante na nossa
escola que precisa de espaços adaptados para locomoção? A nossa
escola está adaptada para receber estudantes com deficiência? Há
placas de sinalização, piso tátil, banheiros adaptados, rampas?
Na visita guiada aos espaços escolares, os estudantes,
juntamente com a professora, deverão conhecer a escola e coletar
informações para a produção, verificando se os espaços estão adaptados
para os estudantes com deficiência. Os estudantes deverão fazer
registros fotográficos e escritos dos espaços observados.
Caso haja algum estudante com deficiência ou mobilidade
reduzida, a equipe pedagógica deve auxiliá-lo em todas as etapas da
visita, garantindo-lhe a participação, a integração e a aprendizagem. A
família da criança deve ser informada sobre os objetivos, os benefícios e
os cuidados dessa visita pelo espaço escolar.
Essa atividade pode, também, ser adaptada de forma a
possibilitar a participação de todos os estudantes, com apoio do(a)
professor(a), do(a) coordenador(a), ou até mesmo dos colegas,
trabalhando, de forma cooperativa, em duplas ou grupos.

Eixo da oralidade – Identificar o


conhecimento prévio dos estudantes
Preparação Aula dialogada
quanto à função sociocomunicativa e
estrutura composicional e o suporte de
veiculação do gênero notícia.

Em um primeiro momento, o professor deverá ser o mediador de


um diálogo sobre o gênero notícia. As perguntas abaixo orientam esse
diálogo mediado: O que é uma notícia? Na sua casa, você e sua família
têm contato com notícias que acontecem em Ituiutaba? Em Minas Gerais?
No Brasil? No mundo? Qual a última notícia a que você teve acesso?
Onde você viu/ouviu/leu essa notícia? Para que serve a notícia? Como ela
deve ser elaborada? Quais as informações relevantes que devem constar
na notícia?
No segundo momento, orientar os estudantes para que eles
tenham acesso a uma notícia – por meio da televisão, de jornais impressos

379
e/ou da internet. Eles compreendê-la para recontá-la, de forma sintetizada,
para o professor e os colegas. Cabe ao professor conduzir as narrativas
por meio das questões da lide.
Primeira
Eixo da produção – Orientar a escrita de produção
Produção uma notícia referente à visita realizada nos escrita:
inicial diferentes espaços da escola, considerando “Acessibilidade
as observações sobre acessibilidade. no espaço
escolar”.

Após a preparação e a apresentação da situação, os estudantes


deverão desenvolver a primeira produção escrita: uma notícia sobre a
visita aos espaços escolares e a acessibilidade, considerando que o texto
será publicado no jornal da escola e será, portanto, lido por outros
estudantes, pela comunidade escolar e pelos pais. Nessa produção,
deverão ser observados: a) os conceitos de acessibilidade, b) a visita que
fizemos aos espaços da nossa escola e 3) os conhecimentos iniciais sobre
a estrutura da notícia.

Eixo da leitura – Estudar a função


sociocomunicativa, a estrutura Atividade no
Módulo 1
composicional da notícia e os laboratório de
diferentes suportes de veiculação. informática

Utilização do laboratório de informática da escola para que os


estudantes tenham acesso a portais de notícias, tais como UOL, G1, R7,
Terra, dentre outros. Os estudantes deverão selecionar uma notícia, lê-la,
atentando-se para os aspectos estruturais e linguístico-semióticos. Em
seguida, preencherão o esquema disponível no Apêndice 1 e, para o
fechamento do módulo, deverão elaborar uma síntese oral da notícia
selecionada.

Eixo da leitura – Conhecer a estrutura Atividade com a


composicional de uma notícia notícia “Ovos
Módulo 2
veiculada em mídia impressa, bem fósseis são
como o suporte de veiculação, a encontrados em
ampliação do vocabulário e a obra de rodovia

380
identificação do fato noticiado. entre Minas e
Goiás” (Anexo).

Para esse módulo foi selecionada e adaptada uma notícia,


pulicada no site do Jornal Folha de São Paulo, e cada estudante deverá ter
uma cópia para que possa realizar as anotações necessárias.

Atividade 1: Orientar a leitura silenciosa da notícia “Ovos


fósseis são encontrados em obra de rodovia entre Minas e Goiás”.

Atividade 2: Depois de uma leitura silenciosa, o professor


deverá conversar com os alunos para identificarem o fato noticiado. Aqui
pode deixar os alunos falarem livremente sobre dinossauros (filmes,
coleções, curiosidades) e, inclusive, sobre o Museu do Dinossauro, em
Peirópolis, distrito de Uberaba.

Atividade 3: Fazer um levantamento das palavras novas que os


estudantes encontrarem no texto, como crocodiliforme, ovos fossilizados,
laboratório de paleontologia etc. e apresentar-lhes os significados e a
importância delas para a construção da notícia. Essa atividade está em
consonância com a (EF04LP03) “Localizar palavras no dicionário para
esclarecer significados, reconhecendo o significado mais plausível para o
contexto que deu origem à consulta (Brasil, 2018, p. 115).

Atividade 4: Identificar a estrutura composicional da notícia,


preenchendo os espaços (Apêndice 2).

Atividade 5: Leia atentamente a manchete, o olho da notícia, os


elementos multissemióticos, as fontes. Em seguida, identifique a função
da notícia:
A) Informar o leitor sobre a obra realizada no “Trevão, entroncamento de
duas rodovias, entre os estados de Minas Gerais e Goiás.
B) Mostrar a importância dos ovos fossilizados para a preservação do
patrimônio histórico.
C) Informar que na Universidade de Estado de Minas Gerais, campus
Ituiutaba, há um Laboratório de Paleontologia.
D)Informar que durante uma obra em um local, conhecido como "Trevão",
próximo ao município de Monte Alegre de Minas, foram encontrados

381
ovos fósseis de um possível dinossauro carnívoro ou crocodiliforme.
Discutir com os estudantes a importância dos elementos para a
construção dos sentidos do texto.
Atividade
com notícia
“Ovos fósseis
são
encontrados
Módulo 3
Eixo da leitura – Estudar as partes em obra de
constitutivas do leade. rodovia entre
Minas e
Goiás”
(Anexo).

Atividade 1: Após uma segunda leitura do texto, responda às


questões abaixo?
a) O que foi noticiado?
b) Quem está envolvido no fato noticiado?
c) Quando foi feita a descoberta noticiada?
d) Onde foi descoberto o fato noticiado?
e) Como foi descoberto o fato noticiado?
f) Por que foi noticiado o fato descoberto?

Atividade 2 - Identificar na notícia o que é fato e o que opinião.

Atividade 3 - Quais outras informações são apresentadas no


corpo da notícia?

Atividade 4 – Observar as diferentes fontes utilizadas, os


parágrafos, os sinais de pontuação, o acento em algumas palavras na
construção da notícia. Tudo isso relacionado ao fato de que o texto da
notícia deverá ser escrito obedecendo à norma culta da Língua
Portuguesa, pois é divulgado publicamente e, sendo assim, muitos leitores
têm acesso a ela.

Atividade de
Módulo 4 Eixo da análise linguístico-semiótica correção
–Sistematizar os aspectos linguísticos linguístico-

382
propostos para serem consolidados no semiótica.
4º Ano bem como aqueles que ainda
não foram consolidados nas séries
anteriores.

O professor deverá transcrever trechos da produção inicial e,


juntamente com os estudantes, fazer a reescrita, observando a correção
linguística dos aspectos mais recorrentes, conforme indicação das
habilidades (EF04LP01), (EF04LP02), (EF04LP04), (EF04LP05),
(EF04LP06), (EF04LP08), proposta para o 4º Ano: ortografia padrão,
acentuação gráfica, pontuação adequada, mecanismos de concordância,
formação de palavras por derivação (Brasil, 2018) de acordo com o uso
da norma-padrão, sem negligenciar as habilidades que não foram
sistematizadas nas séries anteriores.

Eixo da escrita – Reescrever a notícia


Produção Reescrita da
da produção inicial, observando os
final Produção inicial.
aspectos tratados nos módulos.

Revisão, edição, reescrita/redesign e avaliação do Produção inicial. Os


estudantes deverão observar as lacunas existentes na estrutura
composicional da notícia e reescrevê-la de modo a adequá-la ao gênero, à
função sociocomunicativa, ao seu contexto de divulgação. É preciso atentar
para a seleção e organização das ideias de forma clara e objetiva, a
elaboração da manchete, do olho da notícia, do lide, do corpo da notícia, a
escolha da foto, a elaboração da legenda da foto e a utilização da norma-
padrão da Língua Portuguesa.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

Para além do modelo de sequência didática apresentado


por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004b), propõem-se a
Atividade Complementar 1, relacionada à correção/avaliação

383
das notícias produzidas pelos estudantes na etapa da Produção
Inicial e a reescrita na Produção Final.
A Atividade Complementar 2, que se refere à
culminância da proposta, é o momento da divulgação das
notícias para que a comunidade escolar possa lê-las e refletir
sobre a “Acessibilidade no espaço escolar”. As orientações
sobre essas atividades estão registradas no Quadro 2 a seguir.

Quadro 2: Atividades complementares para a sequência didática com o


gênero notícia.

Correção
coletiva das
Eixo da leitura e da análise
Atividade redações a
linguístico-semiótica –
complementar 1 partir dos
Corrigir a notícia produzida
itens
pelo colega.
selecionados.

Critérios para correção coletiva das notícias.

384
Eixo da leitura, da escrita e
Atividade de
Atividade da análise linguístico-
edição das
complementar semiótica – Orientar atividade
notícias no
de edição das notícias, usando a
2 laboratório de
tecnologia, de forma a ampliar
informática.
as habilidades dos estudantes.

Após a correção coletiva das produções, o professor deverá


fazer a correção final e, na sequência, os estudantes deverão retornar ao
laboratório de informática para utilizarem softwares de edição de textos,
de imagem para editar os textos produzidos, explorando dos recursos
multimídias disponíveis na escola.

Eixo da oralidade, da leitura,


Publicação
da escrita e da análise
das notícias
Divulgação linguístico-semiótica – Fazer a
no mural e no
exposição das notícias no mural
site da escola.
e/ou site da escola.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

385
Espera-se, portanto, que ao final das atividades acima
propostas na sequência didática, estudantes de 4º Ano do Ensino
Fundamental I sejam capazes de ler e de escrever,
proficientemente e com autonomia, textos básicos no gênero
notícia. E, acima de tudo, utilizem as informações para
ampliarem o repertório comunicativo ao longo do processo de
escolarização e de profissionalização, sabendo distinguir as
fontes confiáveis e as notícias falsas, por exemplo.
O tempo previsto para a realização da sequência pode
variar – ser ampliado e/ou reduzido, dependendo do
planejamento do professor e das dificuldades encontradas pelos
alunos na realização das tarefas. Logo, as atividades propostas
não são estanques e a análise das produções iniciais oferecerá ao
professor um diagnóstico das atividades que devem ser
aplicadas para todos os estudantes, aquelas que deverão ser
realizadas por apenas alguns e aquelas que podem ser
obliteradas.
Outro fator relevante é a possibilidade de construir, por
meio de uma sequência didática, diálogos entre os diferentes
componentes curriculares, no caso deste estudo, entre Língua
Portuguesa e Geografia. Assim, temas como ‘acessibilidade’,
‘inclusão’, ‘educação digital’, ‘dinossauros’ entre muitos outros
podem se tornar objeto de estudo interdisciplinar em sala de aula
do Ensino Fundamental I.

Considerações finais
No final deste estudo, retoma-se a questão que orientou o
seu desenvolvimento: é possível tornar um estudante de 4º Ano
do Ensino Fundamental I leitor e escritor proficiente no gênero
notícia, apresentando-lhe uma sequência didática, elaborada em

386
consonância com orientações da BNCC? Na busca de resposta
para essa pergunta, fez-se necessário conhecer os princípios e os
pressupostos considerados na/pela BNCC para o componente
curricular Língua Portuguesa, somados àqueles relacionados aos
gêneros textual-discursivos, bem como à sequência didática.
Essa base teórico-metodológica orientou a elaboração dos
módulos da sequência, com a proposição de atividades
específicas, visando ao desenvolvimento de habilidades do eixo
da oralidade, da leitura/escuta, da produção e da análise
linguístico-semiótica.
Ressalta-se que a sequência didática, embora tenha sido,
inicialmente, pensada para ser desenvolvida como parte das
atividades da Residência Pedagógica, não foi aplicada por
questões relacionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Sendo assim, a elaboração dos módulos foi fundamentada sobre
projeções de possíveis lacunas que seriam verificadas nas
produções iniciais dos estudantes.
Nesse contexto, considerando a flexibilidade e a
dinamicidade da sequência didática, postula-se que será
possível, com a aplicação da proposta acima apresentada,
contribuir para o desenvolvimento da competência linguística –
ou seja, para a ampliação da capacidade de utilizar os recursos
linguísticos adequadamente nos diferentes contextos de
interação sociocomunicativo – e para aumentar o repertório
extralinguístico de estudantes de 4º Ano do Ensino Fundamental
I.
Considera-se, por fim, que este estudo é de grande
relevância, por um lado, para a formação dos graduandos em
Pedagogia, pois poderá orientar outras/novas sequências
didáticas sobre habilidades relacionadas à alfabetização e ao
letramento. Por outro lado, para a formação do estudante-

387
cidadão, uma vez que o gênero notícia é importante para a
formação de opinião de todas as camadas da população,
favorecendo a construção do senso crítico sobre os fatos
acontecidos no cotidiano da sociedade, de forma a tornar os
estudantes protagonistas sociais.

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388
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dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº
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pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e
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Disponível em:
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390
BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de
Janeiro/RJ: Lucerna, 2002, p. 19-36.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro.
2. ed. São Paulo/SP: Cortez, 2000.
OLIVEIRA, M. M. de. Sequência didática interativa no
processo de formação de Professores. Petrópolis/RJ: Vozes,
2013.

391
Anexo

Texto adaptado para atividade didático-pedagógica de Bottallo (2023).

392
Apêndice 1: Copie ou cole as partes da notícia selecionada.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2024).

393
Apêndice 2 : Leia a notícia e identifique os elementos que a compõe:

Fonte: Esquemas elaborados pelas autoras (2024).

394
INDÍCE REMISSIVO

comercialização, 155, 156, 158, 160,


A 163, 167, 168, 169, 171, 172
comunidades em situação de
ações extensionistas, 61, 177
vulnerabilidade social, 43
adaptação curricular, 64, 75
conhecimento científico, 45, 95, 101,
agricultura familiar, 156, 161, 162,
223, 224, 262
168, 170, 171, 172, 176
conhecimento teórico, 77, 92
Agricultura Regenerativa, 110, 111,
crianças com deficiência, 13, 14, 18,
112, 113, 121, 122, 125, 181
20, 28, 34, 35, 36, 38, 39
agroecologia, 123, 174, 175, 176,
177, 178, 179, 183, 187, 189, 192
Alfabetização Científica, 88, 93 D
ambiente escolar, 71, 74, 75, 88, 89,
90, 97, 98, 103, 104, 277, 279, 339 deep learning, 128
aprendizagem interativa, 346 diferenciação pedagógica, 74, 84
artes visuais, 306, 308 Direitos Humanos, 7, 40, 46, 47, 65,
67, 198, 241, 245, 246, 247, 248,
249, 253, 257, 258
B
Base Nacional Comum Curricular E
BNCC, 87, 105, 284, 320, 340,
348, 357, 359, 389 educação, 5, 16, 17, 18, 25, 26, 30,
biomédicos, 88, 89, 90, 92, 93, 103 36, 39, 40, 41, 42, 48, 49, 55, 63,
64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 72, 73,
74, 75, 76, 77, 82, 83, 84, 85, 86,
Ch 88, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 104,
106, 107, 111, 112, 113, 129, 156,
Christofer Heyns, 242, 247
162, 169, 176, 177, 186, 187, 189,
198, 212, 254, 263, 267, 270, 271,
C 272, 273, 283, 284, 285, 286, 288,
289, 290, 296, 297, 298, 299, 303,
cine debate, 6, 177, 179, 180, 182,
316, 322, 323, 324, 325, 348, 357,
183, 184, 186, 192, 193, 194, 196,
359, 363, 376, 386, 391, 404
197, 199, 201, 211
educação ambiental, 186, 187, 189
cinema, 179, 184, 193, 197, 198, 199,
educação básica, 25, 30, 113, 270,
201, 202, 210, 212, 302, 306, 311,
272, 285, 289, 290, 296, 297, 348
315

395
Educação Especial, 65, 68, 84, 85, 86, fitonematoides, 130, 131, 132, 134,
112, 113, 119, 122, 299, 304 136, 137
educação inclusiva, 65, 66, 69, 72, formação continuada, 69, 133, 366
73, 74, 75, 76, 82, 83, 84, 86 fotografia, 302, 306, 309, 310, 311,
ensino de história, 7, 193, 263, 265, 315, 318, 372
266, 267, 273, 278, 279, 281, 282
ensino do latim, 214, 215, 216, 228,
G
234
Ensino Fundamental, 113, 330, 361, gamificação, 229, 238
362, 363, 364, 366, 373, 376, 377, gênero textual
386, 387 gêneros textuais, 321, 324, 325,
ensino investigativo, 88, 89, 90, 92, 326, 331, 350, 361, 362, 367,
93, 94, 96, 97, 104 368, 369, 372, 374, 375, 376
ensino-aprendizagem, 1, 45, 75, 85, geração de renda, 169
88, 94, 105, 121, 133, 142, 144, GIF
156, 163, 169, 177, 192, 198, 236, GIF biográfico, 8, 342, 343, 344,
241, 242, 260, 271, 272, 288, 323, 349, 350, 351, 352, 353, 354,
324, 339, 359, 373 355, 356
escolas de educação especial, 112
escrita, 129, 133, 254, 320, 321, 322,
323, 324, 327, 329, 330, 331, 333,
H
336, 339, 340, 343, 345, 350, 353, hipertexto, 347
359, 361, 362, 363, 364, 366, 372, hortas, 51, 111, 112, 113, 114, 115,
374, 375, 376, 378, 380, 383, 385, 117, 118, 119, 120, 121, 122
390
estratégia didática, 95, 296
experimental I
experimentais, 97, 207
inteligência artificial, 143, 249
extensão, 5, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 23,
Inteligência Artificial
25, 30, 31, 33, 38, 41, 44, 63, 112,
IA, 127, 143
113, 120, 146, 150, 151, 160, 177,
interdisciplinaridade
192, 196, 197, 201, 202, 221, 241,
interdisciplinar, 46, 197, 201, 211
260, 306
extensão universitária, 41, 44, 146,
177 J
juridiquês, 224, 225, 226, 234
F
fanfiction, 320, 321, 323, 326, 327,
328, 329, 330, 331, 336, 339, 341

396
L 379, 380, 381, 382, 383, 384, 386,
388, 393, 394
latim, 154, 213, 214, 215, 216, 217,
219, 220, 221, 222, 223, 225, 226, O
227, 228, 229, 230, 231, 232, 233,
234, 235, 236, 238, 239, 240 oficinas de artes, 306
latim jurídico, 154 oficinas pedagógicas, 288, 290
leitura, 19, 20, 21, 73, 178, 183, 217,
235, 281, 282, 289, 293, 306, 320,
321, 322, 324, 329, 331, 336, 357,
P
359, 360, 361, 362, 363, 364, 365, pedagogia engajada, 197, 199, 200,
370, 372, 373, 375, 376, 378, 380, 210
381, 382, 384, 385, 387, 390 pesquisa-ação, 179, 194
letramento digital, 320, 321, 339, 350 pintura, 302, 306, 307, 308, 309, 315
letramento literário, 321, 322, 323, planejamento colaborativo, 72, 76, 81
340 plantas hospedeiras, 132, 135, 136
língua portuguesa, 162, 169, 215, Podcast, 274, 275, 276, 277, 283
229, 238, 347, 390 práticas artísticas e musicais, 15, 24,
26, 28, 31, 34, 39
M práticas pedagógicas adaptadas, 5, 64
Práticas sociais, 15
metodologias ativas, 73, 76, 94, 152, processos educativos, 15, 24, 26, 28,
238 31, 34, 35, 36, 41
Moot Court Competition, 242, 245, processos sociais não-planejados, 241
246, 247, 248, 257, 261, 262 Programa Saúde na Escola (PSE)
multidisciplinar, 73, 89, 98, 114, 121 PSE, 98
multiletramentos, 342, 343, 344, 345, Projeto Rondon, 43, 44, 45, 46, 48,
346, 348, 349, 358 55, 58, 59, 61, 62, 63
multimodalidade, 332, 343
música, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 24,
25, 28, 41, 42, 234, 306, 319, 336,
R
360 Relato de Experiência, 145

N S
Nelson Mandela, 242, 245, 247, 248, Saúde, 40, 46, 47, 84, 90, 94, 97, 104,
261, 262 105, 143, 194, 298, 303, 405
notícia, 8, 359, 361, 362, 367, 369,
370, 371, 372, 374, 376, 377, 378,

397
sequência didática, 295, 298, 361, TICs, 7, 263, 265, 267, 269, 270, 271,
362, 373, 374, 375, 377, 378, 383, 272, 273, 274, 278, 279, 280, 281,
384, 386, 387 282, 283, 358
Sucroalcooleiro transformação social, 44
Sucroalcooleira, 148 Tribunal Simulado, 245, 257
troca de saberes, 177, 210
T
U
tecnologia
tecnologias, 129 usina, 145, 146, 147, 149, 151
tecnologias assistivas, 70, 73, 76
Tecnologias da Informação e
V
Comunicação, 263, 270
vulnerabilidade social, 46, 303, 305

398
SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO

Allisson Rodrigues de Rezende


Mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Docente da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Arali Aparecida da Costa Araujo


Doutora em Ciências pela Universidade de Franca/SP
(UNIFRAN). Docente do Ensino Superior nos cursos de
Agronomia e de Educação Física da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Kênia de Souza Oliveira


Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Docente de Língua Portuguesa/Inglesa do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM) campus Paracatu/MG.
E-mail: [email protected]

Lívia Prudente de Morais


Especialista em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental pelo
Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
E-mail: [email protected]

399
SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) DOS
CAPÍTULOS
Adriane Quelli Agostinho dos Santos
Graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado
de Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Aline de Carvalho Ciriaco


Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba. Psicóloga Clínica e
Psicóloga Educacional na Prefeitura Municipal do Prata/MG.
E-mail: [email protected]

Aline dos Santos Silva


Graduada em Geografia pela Faculdade de Ciências Integradas
do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia
(FACIP/UFU). Graduada em Pedagogia pela Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Allisson Rodrigues de Rezende


Mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Docente da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

400
Amanda Fialho
Doutora em Entomologia Agrícola pela Universidade Federal de
Lavras (UFLA). Docente do curso de Agronomia e do Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente (PPGDRMA), na Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Passos.
E-mail: [email protected]

Ana Paula Santos da Silva


Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Docente de Ciências da Natureza
da Educação Básica do Estado de Minas Gerais. Analista
Universitária do NAE (Núcleo de Apoio ao Estudante) da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Arali Aparecida da Costa Araujo


Doutora em Ciências pela Universidade de Franca/SP
(UNIFRAN). Docente do Ensino Superior nos cursos de
Agronomia e de Educação Física da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Arianne Santos Medeiros Souza


Mestranda em Educação Básica pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação Básica, do Instituto de Ciências
401
Humanas do Pontal, da Universidade Federal de Uberlândia
(PPGPEDU/ICHPO/UFU). Docente de Atendimento
Educacional Especializado na Rede Estadual de Minas Gerais.
E-mail: [email protected]

Arlinda Ferreira Gonçalves


Mestranda em Educação Básica pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação Básica, do Instituto de Ciências
Humanas do Pontal, da Universidade Federal de Uberlândia
(PPGPEDU/ICHPO/UFU). Agente de administração no
município de Monte Alegre de Minas, Minas Gerais.
E-mail: [email protected]

Baruana Calado dos Santos


Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Professora do Departamento de Ciências
Humanas e Sociais (DCS) da Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Cristhyane Millena de Freita


Doutora em Microbiologia Agropecuária pela Faculdade de
Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) de Jaboticabal/SP. Docente na
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]
402
Denise Andrade de Freitas Martins
Residência Pós doutoral em Música pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Educação pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em
Educação Musical pelo Conservatório Brasileiro de Música.
Professora aposentada no Conservatório Estadual de Música de
Ituiutaba (1984-2012). Professora na Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba (2005-2023).
E-mail: [email protected]

Flávia Freitas de Oliveira


Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Professora de Língua Portuguesa da
Secretaria de Educação do Estado de Goiás (SEDUC/GO),
atuando em Colégio Integral no estado, além do Projeto Ser
Goiás, ministrando aulas no NetEscola e Tv Sagres.
E-mail: [email protected]

Franciane Diniz Cogo


Doutora em Solos pela Universidade Federal de Lavras (UFLA).
Docente do curso de Agronomia e do Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
(PPGDRMA), na Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) Unidade Passos.
E-mail: [email protected]

403
Hugo Vieira da Silveira
Mestrando em Educação Básica pela Universidade Federal de
Uberlândia (PPGPEDU/ICHPO/UFU). Pedagogo, Especialista em
Educação Básica, Coordenador do período integral na Escola Estadual
Cônego Ângelo (EECA) em Ituiutaba/MG.
E-mail: [email protected]

José Fernandes da Cruz Neto


Mestre em História Social pela Universidade de Brasília (UnB).
Pós-graduado em Ciências da Religião pelo Centro Universitário
Cidade Verde (UniCV). Docente de História na educação
pública e privada na cidade de Ituiutaba/MG.
E-mail: [email protected]

Juliana Pelegrini Roviero


Doutora em Microbiologia Agropecuária pela Faculdade de
Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) de Jaboticabal/SP. Docente na
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Juliane Silberschmidt Freitas


Doutora em Biologia Animal pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Pós-Doutorado no
Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade de São

404
Paulo (USP). Professora no Departamento de Ciências
Biológicas da Faculdade de Ciências de Bauru, UNESP.
E-mail: [email protected]

Kassandra Ferreira Souza


Graduanda no curso de Engenharia Agronômica da
Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG, Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Kênia de Souza Oliveira


Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Docente de Língua Portuguesa/Inglesa do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Triângulo Mineiro (IFTM) campus Paracatu/MG.
E-mail: [email protected]

Larissa Romanello
Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP)
campus São Carlos/SP. Docente do Departamento de Saúde e
Psicologia (DSP) na Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) Unidade Ituiutaba. Coordenadora do Programa
Rondon UEMG.
E-mail: [email protected]

405
Lívia Prudente de Morais
Especialista em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental pelo
Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
E-mail: [email protected]

Lúcia Helena Ferreira Lopes


Doutora em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Professora do curso de Pedagogia da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Mirela Alessandra Oliveira Lima


Pós-graduanda em Neuropsicologia Clínica pela UniAmérica.
Psicóloga Clínica e estagiária de Pós-graduação em Psicologia
Forense no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
E-mail: [email protected]

Murilo Didonet de Moraes


Doutor em Agronomia (Sistemas de Produção) pela
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
(UNESP) Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Docente do
Departamento de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (DCS)
na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

406
Nathália de Morais Coscrato
Doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Advogada.
E-mail: [email protected]

Natiene Francieles Mendes Pereira


Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Táyron Augusto Fernandes de Souza


Graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

Thalles Ricardo Alciati Valim


Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor do Departamento de Ciências Jurídicas (DCJ) da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade
Ituiutaba.
E-mail: [email protected]

407
408

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