Personagens: Clara dos Anjos, Cassi Jones, Dona Engrácia (mãe), Seu Joaquim (pai), Margarida
(vizinha), Doutor Meneses (Dentista), Marramaque (padrinho da Clara), Dona Salustiana (mãe do
Cassi)
Cena 1:
Cenário: Sala de estar da casa de Clara. A mãe (Dona Engrácia) e a vizinha (Margarida)
conversam enquanto arrumam a casa. O pai (Seu Joaquim) lê um jornal velho, distraído.
Mãe (para Margarida): Ouviu as histórias desse tal Cassi Jones?
Margarida: Claro que ouvi, Margarida. Este sujeito não entra em casa de família! Um malandro
que sempre está envolvido em escândalos nas ruas, correndo para a saia da mãe, dona Salustiana,
jurando inocência depois de desonrar moças e injuriar os outros.
Mãe: Um sem-vergonha completo! Lembra da Nair, da Rua do Caju? A pobre moça caiu nos
encantos dele, mesmo relutante. A mãe dela, desesperada, foi atrás do rapaz, depois da dona
Salustiana... Mas não adiantou de nada. Salustiana a expulsou de casa, chamando-a de interesseira!
A pobre mulher foi à polícia, mas sem dinheiro para um advogado, o caso ficou por isso mesmo.
Vizinha (Margarida): (Arregalando os olhos) E aí?
Mãe: (Em um sussurro carregado de drama) A mãe de Nair... não aguentou a dor e a humilhação.
Enforcou-se semana passada. Saiu até nos jornais, discreto, mas saiu. Tudo por causa de um homem
de caráter torto, movido só por desejo imediato. Como uma mãe consegue compactuar com isso?
Cega!
Margarida: Ouvi histórias que até mesmo o pai ameaçou matá-lo. O expulsou de casa e tudo.
Quando era adolescente, tentou obrigar o rapaz a aprender um ofício, mas a mãe não permitiu. "Ele
é sobrinho de um doutor e neto de um soldado!" (Repete com descrença). Dizem que toca muito
bem um violão.
Pai (seu Joaquim): Eu acho que exageram. Esse Cassi sempre me tratou com respeito quando o vi
na rua. Um rapaz educado.
Mãe (Dona Engrácia): (Virando-se para o marido, exasperada) É porque você não lê os jornais
direito, Joaquim! Ou só acredita no que vê com os próprios olhos. O perigo justamente são esses
que sabem fingir.
Pai (Seu Joaquim): Claro, os jornais... só falam mentira e desgraça. O mundo lá fora é que está
cada vez mais perigoso. Por isso é bom, muito bom, que nossa Clara fique em casa, longe de tudo
isso.
(Clara entra na sala, quieta. Ela estava ouvindo atrás da porta. Seu rosto é uma mistura de
curiosidade e inquietação.)
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Clara: Dá pra ouvir a voz de vocês lá de fora... Quem é esse Cassi Jones que causa tanta raiva e
tanto barulho?
Mãe (Dona Engrácia): (Sobressaltada) Menina, não é da sua conta! Não seja bisbilhoteira. Moça
direita não precisa saber de homens daquela laia.
(Cena acaba com Clara em silêncio)
Cena 2:
(Transição para uma festa do aniversário de Clara) (Cenário: casa deles ainda, mas decorada de
forma humilde) (Alguns figurantes como convidados)
Mãe (Dona Engrácia): O tempo passou tão rápido que mal consigo acreditar que já chegou o
aniversário de Clara. Fico feliz que o senhor conseguiu vir, Marramaque.
Marramaque: Sou o padrinho da menina, claro que viria! É meu dever protegê-la. Lembro de
poesias as quais…
(Marramaque é interrompido pelo pai de Clara)
Pai (Seu Joaquim): O violeiro chegou!
(Cassi entra pela porta carregando um violão) (Dona Engrácia olha chocada para Seu Joaquim)
Cassi: (Com uma leve reverência) Boa noite, dona Engrácia. Parabéns pela sua filha. É uma honra
estar aqui.
(Cassi começa a tocar. Sua música é, de fato, bela e comovente. Todos se encantam, especialmente
Clara, que não tira os olhos dele.)
(Ao final da música, Clara se aproxima, timidamente.)
Clara: O senhor é muito talentoso.
Cassi: Por favor, não me chame de "senhor". Assim me envelhece. Me chame apenas de Cassi. (Ele
se aproxima) Clara, posso ser sincero? Desde que te vi nessa festa, não consegui pensar em outra
coisa. Sua beleza é diferente... é pura. Me pergunto se uma moça como você daria uma chance a um
homem como eu.
Clara: Senhor... quer dizer, Cassi... fala isso para todas as moças?
Cassi: Você duvida da minha sinceridade? Clara, as "moças" de quem você fala vivem num mundo
de frivolidades. Elas buscam festas e sussurros fúteis. Mas você... seu silêncio diz mais que todas as
palavras delas. Sua presença é como uma melodia tranquila num lugar barulhento.
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(Marramaque entra no meio dos dois)
Marramaque: (Postura defensiva) Cassi, meu caro rapaz, bem que dizem que uma música bonita é
a melhor maneira de distrair as pessoas.
Cassi: Quer dizer alguma coisa com isso, senhor?
Marramaque: Apenas lembrando você que ainda existem lares respeitáveis para não serem
estragados pelas suas ideias sujas.
(Ambos se encaram em um momento de tensão. Cassi se despede de Clara e se afasta)
Cena 3:
(Cenário: um bar simples) (Cassi conversa com Arnaldo enquanto os dois bebem)
Cassi: Você deveria ter visto ela, Arnaldo. Dessa vez é diferente. Aquela menina tem uma inocência
que até me comove.
Arnaldo: (Ele ri) Inocência? Você vai estragar a vida dela, como fez com as outras.
Cassi: Não seja dramático. É um homem como eu que falta na vida dela. Alguém que saiba do
mundo o qual os pais dela tentam esconder. Alguém como ela é fácil de atrair, meu amigo. A única
coisa que me atrapalha é aquele padrinho aleijado dela. Marramaque. O sujeito não gosta de mim.
Arnaldo: E o que pretende fazer? Não vai dizer que vai desistir.
Cassi: Desistir? (Ele ri alto) Claro que não. Aquele velho só precisa de uma boa surra para sair do
meu caminho. Já tenho um plano e apenas preciso da sua ajuda.
Arnaldo: O que está pensando?
Cassi: Você não é muito conhecido, Arnaldo. Minha influência pode nos salvar da cadeia. Então,
quero matá-lo. Sumir com aquele velho que pensa que pode me enfrentar.
Arnaldo: Mas e a Clara? Você só quer enganá-la e depois largar, como sempre? Um dia isso tudo
vai voltar contra você.
Cassi: Não sou um homem pobre, muito menos um homem preto. Nada disso vai voltar para mim.
Então, o que me diz?
(Arnaldo fica meio relutante, mas estende a mão para Cassi) (Meneses entra em cena, Cassi vê ele
e vai em sua direção) (Arnaldo fica no lugar sem fazer nada)
Cassi: Doutor Meneses! Como vai? Pegou as poesias as quais pedi?
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Meneses: Jamais esqueceria, sou homem de palavra. O senhor pagou adiantado, o trato é sagrado.
Cassi: Você é o dentista de Clara, não é? Então leve a carta com as poesias para ela. Explico tudo.
Só entregue a carta.
Meneses: Uma carta? Não sei, Cassi…
Cassi: Por favor, não terá nada de malícia, a carta será lida pelo senhor. (Tira uma nota) Leve cinco
mil-réis. Precisa de mais? Amanhã, sete horas, aqui.
(Cassi entrega o dinheiro para Meneses)
Cena 4:
(Cenário: Sala de estar da casa de Clara) (Margarida se aproxima de Clara, que está sentada no
sofá)
Margarida: Clara, o que houve? Você está tão quieta esses dias. Sabe que pode contar tudo para
mim.
Clara: (Sem jeito) É que... tem uma pessoa…
Margarida: (Aproximando-se) Fale, querida. É homem, não é? Um certo violeiro?
Clara: (envergonhada) Sim... é o Cassi. Ele me escreve. Diz que está arrependido de tudo, que quer
mudar de vida, arrumar um emprego... e se casar comigo.
Margarida: (Franzindo a testa) Cassi Jones? Querida, este sujeito é indigno! Você não sabe as
histórias que correm desse homem…
Clara: (Interrompendo) São mentiras! Inveja! Ele é bom, Dona Margarida! Eu sinto!
(Margarida se retira preocupada e vai direto para a cozinha, onde a mãe de Clara
está)
Cena 5:
(Cenário: cozinha da casa de Clara) (Margarida entra no cômodo com uma expressão preocupada,
se aproximando para falar com Engrácia)
Margarida: Engrácia, preciso falar com você. (Diz com urgência)
Engrácia: (Limpando as mãos no avental.) Que foi, Margarida? Aconteceu algo?
Margarida: É a Clara. A menina está se correspondendo com aquele malandro, o Cassi Jones! Ela
está completamente enfeitiçada por ele! Acha que ele vai mudar, que quer casar!
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Engrácia: (Horrorizada) O quê?! Cassi Jones? Aquele desgraçado? Aquela peste? Minha filha?!
(Bate na mesa) Eu sabia! Eu sabia que havia algo errado! Esse vagabundo não vai colocar a mão na
minha filha!
Margarida: Acalme-se, Engrácia! Mas é verdade. Ela mesma me contou.
Engrácia: (Com raiva) Obrigada, Margarida. Vou dizer ao Joaquim para chamar o compadre
Marramaque. Ele sabe das coisas. Ele vai saber o que fazer.
Cena 6:
(Cenário: Cozinha. Mesa de jantar, de noite) (Joaquim, Engrácia e Marramaque conversam)
Joaquim: Compadre, é sobre o Cassi Jones. Ele está mandando cartas para a Clara.
Marramaque: (Bate na mesa, se levantando em choque) Cassi Jones?! Aquele malandro? Joaquim,
é loucura! (Diz com extrema indignação) Aquele sujeito só traz desgraça! Se o pai não quer saber
dele, é porque boa coisa ele não é. Quando consegue o que deseja, ele vai embora, sem sequer olhar
para trás, e ri das pobrezinhas que atirou à desgraça. Você não vê que, se ele se quisesse casar, não
escolheria Clara, uma mulatinha pobre, filha de um simples carteiro? Sou teu amigo, Joaquim…
Engrácia: É o que eu digo! Ele só quer é usar a menina. Pode achar muitas em melhores
condições…
Marramaque: (Com raiva) Caso ele insista em Clara, podemos colocar no jornal a vida podre dele.
(Se aproxima mancando de Joaquim, enquanto aponta o dedo. Abaixando a voz, com tom
ameaçador, fala para Joaquim) Joaquim, se você permitir que este sujeito entre aqui, eu, apesar de
dever muitas coisas a você, não ponho mais os meus pés na sua casa!
(Marramaque, com raiva, agarra a bengala. Sai em meio a noite) (Clara, que estava atrás da
porta, ouve tudo. Sua expressão é de choque e raiva. Se direciona imediatamente para seu quarto,
para escrever uma carta a Cassi contando tudo)
Clara: (Lê em voz alta enquanto escreve) Meu amor, eles não entendem. Seu Marramaque diz
coisas horríveis de você para meu pai. Temos que fazer algo…
Cena 7:
(Cenário: Rua escura.) (Marramaque caminhava com dificuldade utilizando sua bengala. Dois
vultos saem da escuridão: Cassi e Arnaldo)
Cassi: (Sussurrando com ódio) Ei, velho capenga... vai aprender a não falar do que não sabe.
(Sons de pancadas e um grito abafado. Os vultos fogem)
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Cena 8:
(Cenário: Dia seguinte, na casa de Clara)
Margarida: Joaquim! Engrácia! Vocês não vão acreditar! Mataram Marramaque! Espancaram o
pobre do aleijado!
(Pais de Clara correm até a vizinha chocados) (Clara, escuta, com uma expressão de horror e
culpa)
Clara: (Para si mesma, assustada) Ele fez isso... por mim? Foi por amor… Teve que ser!
Cena 9:
(Cenário: quarto de Clara, está de noite) (Clara escuta alguém chamando pela janela do seu
quarto)
Cassi: Clara! Você está aí?
Clara: Está tarde para estar na rua, Cassi. Volte para casa.
Cassi: Estava no caminho, mas as nuvens no céu mostram que virá uma chuva forte! Deixe-me
passar esta noite com você. Prometo que vou embora assim que o clima melhorar!
(Clara fica receosa, mas aceita) (Cassi pula a janela, abraça Clara e tenta beijá-la, mas Clara o
afasta)
Clara: O que está fazendo? Essa intimidade só é permitida depois do casamento.
Cassi: Perdoe minha ousadia, mas não consigo evitar quando estou perto de você.
Clara: Então peça a minha mão para o meu pai.
Cassi: Não posso ainda, meu bem. Não estou trabalhando e sua família me odeia, mas eu juro que
vou casar com você. Você vai morar comigo em um bom lugar e teremos filhos para cuidar.
Clara: Você promete?
Cassi: Prometo em nome da minha mãe, Clara, que serei o homem da sua vida.
(Cassi e Clara se beijam.
Descrição no livro: [...] e, insensivelmente, sem brutalidade, nem violência de espécie alguma, ele
a tomou para si, tomou a sua única riqueza, perdendo-a para toda a vida e vexando-a, daí em
diante, perante todos, sem esperança de reabilitação.)
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Cena 10:
(Cenário: sala da casa de Clara.) (Clara e Dona Engrácia estão no sofá. Margarida entra pela
porta de forma dramática)
Margarida: O Doutor Meneses…! Foi encontrado morto!
Engrácia: Morto?! Mas como?
Margarida: Foi um colapso, pelo que me disseram. Morreu de repente, ao lado de um
companheiro. E aproveito para informar que o senhor Cassi, outro amigo íntimo de Meneses, não
está na cidade. Foi para São Paulo.
(Clara pula do sofá com os olhos arregalados)
Clara: Não está? Não é possível!
Engrácia: Que espanto é esse, Clara?
Clara: Ele me abandonou... fugiu! Era tudo verdade, tudo o que diziam dele! Cassi me escolheu
porque eu era pobre! Porque eu era mulata! Sabia que ninguém me defenderia... que meu padrinho
não me salvaria!
Engrácia: Clara, do que está falando?
Clara: Ele fugiu... ele se foi. E eu fico com o filho no ventre. Tentei esconder de você, mamãe.
Conseguir um “remédio” para me livrar desse bebê para não envergonhá-la antes que descobrisse o
que eu fiz. Mas... e se eu morrer? E se... "assassinar" um inocente? Mas já não adianta mais porque
ele partiu! Me perdoe, mamãe! Me perdoe, pelo amor de Deus!
(Dona Engrácia começa a chorar e segura a filha pelos ombros)
Margarida: Deus, isso não pode estar acontecendo. (ela segura a mão de Clara) Antes de qualquer
procedimento, e mesmo antes de comunicar o fato a “Seu” Joaquim, é preciso entender-se com a
família de Cassi.
Engrácia: (Secando as lágrimas) Margarida está certa. Vamos na casa dele hoje!
(Dona Engrácia sai da sala puxando Clara pela mão)
Cena 11:
(Cenário: porta da casa de Salustiana) (Dona Engrácia e Clara tocam a campainha)
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Salustiana: O que é isso na porta da minha casa?
Engrácia: Estamos aqui para pedir justiça. Seu filho deixou a minha menina grávida, e exijo que se
case com ela.
Salustiana: (olha para Clara com desprezo) Casar com gente dessa laia? Que diria meu avô se
visse tal vergonha! A culpa é dessa mulata desonrada.
Engrácia: Minha filha foi uma vítima. Não fale assim dela!
Salustiana: Então tente entrar na justiça e veremos se meu filho pagará!
(Salustiana fecha a porta, ou vai embora) (Clara começa a chorar e abraça a mãe em desespero)
Clara: Mamãe, mamãe!
Engrácia: Que é, minha filha?
Clara: Agora sei exatamente quem sou na sociedade… filha de um carteiro, nada valendo perante
todos… Nós não somos nada nesta vida…