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Dissert Profice 2006

Este estudo de caso analisa a influência de diferentes contextos ecológicos no desenvolvimento infantil, comparando crianças de Brejões da Gruta e Taipus de Dentro na Bahia. A pesquisa destaca como variáveis como fluência verbal e autoestima são afetadas pelo ambiente, utilizando desenhos infantis e observações de interações sociais para entender as representações das crianças sobre seu meio. Conclui-se que o contexto ecológico impacta diretamente a qualidade de vida e o desenvolvimento das crianças, sugerindo implicações para a educação e práticas ambientalistas.

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Dissert Profice 2006

Este estudo de caso analisa a influência de diferentes contextos ecológicos no desenvolvimento infantil, comparando crianças de Brejões da Gruta e Taipus de Dentro na Bahia. A pesquisa destaca como variáveis como fluência verbal e autoestima são afetadas pelo ambiente, utilizando desenhos infantis e observações de interações sociais para entender as representações das crianças sobre seu meio. Conclui-se que o contexto ecológico impacta diretamente a qualidade de vida e o desenvolvimento das crianças, sugerindo implicações para a educação e práticas ambientalistas.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio


Ambiente - PRODEMA

DESENVOLVIMENTO INFANTIL E CONTEXTO


ECOLÓGICO – aplicação da ecologia do
desenvolvimento humano em estudo de caso na Bahia

CHRISTIANA CABICIERI PROFICE

Dissertação apresentada como parte


dos requisitos para obtenção do título
de Mestre no Programa de Mestrado
em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente.

Orientador: Salvador Dal Pozzo


Trevizan

Ilhéus, 2006
2

Resumo

O objetivo principal deste estudo de caso foi o de analisar a influência de dois contextos
ecológicos distintos no desenvolvimento infantil. O primeiro grupo de crianças
observado habita o vilarejo de Brejões da Gruta na região do semi-árido e o segundo
grupo reside no vilarejo de Taipus de Dentro na região da mata atlântica. Com o intuito
de conduzir nossa tarefa efetuou-se uma descrição dos aspectos físico-biológicos e
culturais dos dois contextos ecológicos selecionados, buscando relaciona-los com os
perfis desenvolvimentais que puderam ser delineados em cada grupo infantil. Para tal
fim buscou-se descrever e registrar em vídeo o cotidiano infantil dos dois contextos
ecológicos selecionados, destacando as situações interativas das crianças nos sistemas
ecológicos dos quais participam. As variáveis desenvolvimentais fluência verbal e auto-
estima foram levantadas nas entrevistas e na análise dos desenhos temáticos das
crianças, viabilizando uma comparação qualitativa entre os dois grupos. Os desenhos
infantis também permitiram uma análise inicial das representações infantis acerca do
meio ambiente em cada do contexto ecológico selecionado. Os grupos de pares em
situações lúdicas foram observados enquanto sistemas interativos de suma importância
para o desenvolvimento infantil. Dialogando com os pressupostos da ecologia do
desenvolvimento humano, da teoria das representações sociais e da psicologia ambiental
concluiu-se que o contexto ecológico influencia o desenvolvimento infantil, visto que
exerce ação direta sobre a qualidade de vida e sobre os padrões interativos de cada
comunidade. Algumas reflexões e recomendações acerca da utilização dos
conhecimentos formulados para a educação e para o ambientalismo são discutidas em
nossas conclusões.

Palavras-chave: contexto ecológico, desenvolvimento infantil, psicologia ambiental

2
3

Abstract
The main objective of this case study was to analyze the influence of two different
ecological contexts in the infantile development. The first group of children observed
lives at the village of Brejões da Gruta in the area of the semi-arid and the second
group lives at the village of Taipus ed For a in the zone of the Atlantic forest. We make
a description of the physical-biological and cultural aspects of the two selected
ecological contexts. With the data collected in the interviews it was drawn a
development profile for each group. It was made the registration in video of the daily
infantile, detaching the children's interactive situations in the ecological systems. The
developmental variables: verbal fluency and self-esteem were lifted up in the interviews
and in the analysis of the children's thematic drawings, making possible a qualitative
comparison among the two groups. The infantile drawings also allowed an initial
analysis of the infantile representations concerning the environment in each of the
selected ecological context. Dialoguing with the presuppositions of the ecology of the
human development, of the theory of the social representations and of the
environmental psychology we concluded that the ecological context influences the
infantile development, because it exercises direct action on the quality of life. Some
reflections and recommendations concerning the use of the knowledge formulated for
the education and for the environmentalism are discussed in the conclusions.

Key-words: ecological context, infantile development, environmental psychology.

3
4

Sumário

Resumo

Abstract

1 – Apresentação................................................................. 2

2 – Introdução .......................................................................... 3

3 - Referências Conceituais ..................................................... 5

4 - O papel do contexto no desenvolvimento infantil: uma retrospectiva


teórica ........................................................................................ 10

5 – Objetivos ............................................................................ 29

6 – Metodologia ....................................................................... 30

7 - Análise dos Dados ............................................................... 42

8 – Conclusões ........................................................................... 81

9 – Referências .......................................................................... 89

10 – Anexos ................................................................................. 91

11 – Apêndices .......................................................................... 93

4
5

1 – Apresentação
A dissertação que se segue traz algumas características que a distinguem de uma
dissertação do estilo clássico que apresenta resultados de uma investigação com início e
fim claramente delimitados a partir da elaboração, testagem e corroboração (ou não) de
suas hipóteses. O presente trabalho constitui-se como uma etapa de um percurso
investigativo mais amplo, que teve seu início antes da realização deste mestrado e tem
tido sua continuidade acadêmica em outras investigações acerca da mesma temática,
descaracterizando-o como um produto que se encerra em si mesmo. Neste sentido, não
apresenta conclusões definitivas nem circunscreve um campo teórico metodológico
fechado. Ao contrário, acaba por fornecer mais questionamentos do que respostas, a
sugerir trilhas investigativas tanto no campo conceitual como metodológico e
permanece aberto, sendo seus dados passíveis de outras abordagens e interpretações.
Acreditamos que a trajetória acadêmica de um pesquisador se constitui de etapas
nem sempre lineares que permitem a retomada de pesquisas e do incremento qualitativo
de seus processos e resultados. Assim, o texto que apresentamos é marcado pelo
provisório, pelo mutável e pelas contribuições que incorporou durante seu processo de
realização. Poderíamos trabalhar este material por muito mais tempo e assim o será, a
dissertação que se segue é a apenas a cristalização de um momento do percurso de um
esforço científico que inevitavelmente sofrerá alterações conceituais e interpretativas.
Com esta apresentação não temos a intenção de nos isentar da necessidade de rigor e
coerência científica de uma dissertação mas somente esclarecer nossa compreensão da
investigação como fenômeno processual e sugerir uma leitura interrogativa como a
nossa escrita, implicada como a nossa pesquisa e aberta ao novo como nosso espírito
investigativo.

5
6

2 - Introdução

A influência do contexto no desenvolvimento infantil tem sido objeto de


investigações psicológicas, sobretudo na interface que a psicologia estabelece com
outras ciências. O objetivo desta investigação é o de analisar a influência do contexto
ecológico no desenvolvimento infantil a partir da perspectiva da ecologia do
desenvolvimento humano, apoiando-se nas reflexões lançadas pela psicologia
ambiental. Por contexto ecológico compreendemos o conjunto articulado das dimensões
físicas, biológicas e culturais no qual um indivíduo ou grupo de indivíduos encontra-se
inserido. Neste sentido, analisamos a influência de dois contextos distintos no
desenvolvimento infantil, a partir do estabelecimento de correlações entre aspectos do
contexto ecológico e de características desenvolvimentais observadas em dois grupos
infantis. Compreendendo a interação entre criança e contexto ecológico como recíproca,
adotamos o conceito de representação social para designar as significações coletivas do
mundo em que vivem as comunidades, incluindo seus aspectos ideológico e valorativo.
Partimos da idéia de que estas significações interferem diretamente no modo como os
indivíduos e grupos agem no contexto, sendo sua compreensão fundamental para
subsidiar ações de desenvolvimento sustentável e de melhoria na qualidade de vida.
A psicologia ambiental vem contribuindo significativamente para a produção de
conhecimento acerca da influência do contexto ecológico no desenvolvimento humano.
Em sua interface com outras áreas de conhecimento, a psicologia passa por
reformulações e, sobretudo, pela reorientação do seu próprio modo de problematizar. O
processo de ampliação de campo de estudo que se instalou a partir da psicologia
ambiental está diretamente relacionado ao diálogo que esta foi capaz de estabelecer com
outros ramos do conhecimento, orientados por uma abordagem do humano como
fenômeno complexo e pluridimensional, reconhecendo a impossibilidade de apreensão
do homem e da sua interação com o mundo por ciências isoladas. Há um
reconhecimento por parte da ciência psicológica da necessidade de produção de novas
formas de problematizar, capazes de contribuir para o entendimento de fenômenos
humanos que não se restringem nem ao individual, nem ao social e, tão pouco, ao
universal.

6
7

No plano de conhecimento estabelecido pela ecologia humana, a psicologia


assume posição chave na construção de referenciais de análise. A compreensão acerca
das conseqüências desenvolvimentais produzidas pelos contextos dos quais a criança
participa retira o enfoque do organismo individual, passando a uma abordagem da rede
de interações que se produzem na experiência infantil. Os próprios indicadores de saúde
e de qualidade de vida demandam por reformulação, contemplando novos critérios,
muito mais abrangentes, incluindo diversas dimensões ambientais diretamente
relacionadas com a experiência infantil e, portanto, capazes de influenciá-la
significativamente. Qualquer iniciativa que vise compreender e propor soluções para a
promoção do bem-estar infantil deve, desta forma, efetivar uma análise do contexto
ecológico de desenvolvimento da criança, do mesmo modo que qualquer iniciativa
ambientalista deve considerar as representações sociais dos agentes humanos
envolvidos.
Neste sentido, esta investigação sugere a seguinte questão: é possível associar
aspectos do contexto ecológico com variáveis do desenvolvimento infantil? Portanto,
objetivamos conduzir uma análise acerca da influência de diferentes contextos
ecológicos no desenvolvimento infantil, participando, dessa forma, na integração de
novos conhecimentos à psicologia ambiental, contribuindo também para o avanço em
outros ramos do saber como a educação, a pedagogia, a sociologia, a comunicação e a
ecologia.
A dissertação se organiza da seguinte forma: após esta introdução dedicamos um
capítulo para o esclarecimento de algumas referências conceituais adotadas para
discussão do problema, em seguida efetuamos o revisão de literatura acerca da
influência do contexto no desenvolvimento infantil, seguindo-se os objetivos, a
metodologia, a análise dos dados e as conclusões.

7
8

3 - Referências conceituais

Serão retomados agora alguns pontos de reflexão que foram destacados na


introdução com o propósito de estabelecer um vocabulário conceitual norteador. Cabe
em primeiro lugar esclarecer o que compreendemos por contexto ecológico.
Designamos por contexto ecológico as condições atuais de um determinado ambiente
ecológico, definido por Bronfenbrenner (1994) como “uma série de estruturas
encaixadas, uma dentro da outra, como um conjunto de bonecas russas”(Ibidem, p.5). O
ambiente ecológico, a partir da perspectiva da ecologia do desenvolvimento humano
proposta por Bronfenbrenner, se organiza em quatro níveis, a saber, o microssistema
que se refere ao nível o mais interno e próximo ao sujeito como a sua família ou
moradia, o mesossistema que designa os ambientes intermediários nos quais o sujeito
vivencia coletivamente determinadas experiências culturais cotidianas como a escola ou
o grupo de pares, o exossistema, designado como o nível em que eventos ou
experiências das quais os sujeitos não participam diretamente podem influenciar o seu
desenvolvimento como, por exemplo, o trabalho dos pais e, finalmente, o
macrossistema, nível em que os aspectos compartilhados pelas comunidades e culturas
se agenciam com as circunstâncias locais, de forma material ou simbólica. A partir desta
orientação ecológica encontra-se a possibilidade de aplicação de hipóteses psicológicas
acerca da interação dos sujeitos com seu ambiente desde que este último seja tratado
enquanto um contexto ecológico, dotado de dimensões físico-biológicas e culturais.
Como frisa Bronfenbrenner,
O ambiente, conforme definido no esquema proposto, difere de formulações
anteriores não apenas em alcance, como também em conteúdo e estrutura.
Numa primeira consideração, a orientação ecológica leva a sério e traduz em
termos operacionais uma posição teórica geralmente elogiada na literatura
sobre ciência social, mas raramente colocada em prática pela pesquisa. É a
tese, exposta por psicólogos e sociólogos, de que aquilo que importa para o
comportamento e o desenvolvimento é o ambiente conforme ele é percebido,
e não conforme ele poderia existir na realidade “objetiva”” (Ibidem, p.6).

A abordagem sistêmica do ambiente circunscrito como um contexto ecológico nos


permite refinar a análise, considerando o relevo que cada sub-sistema confere ao
contexto ecológico em questão. Como foi acima apontado, o contexto ecológico deve
ser percebido enquanto ambiente desenvolvimental de um sujeito ou grupo, estruturado
por suas dimensões físico-biológica e cultural.

8
9

Com o objetivo de apreender a dimensão significativa que o contexto ecológico


assume para os participantes, esta pesquisa se apoia na noção de representação social.
Na condição de corrente teórica e metodológica enraizada na psicologia social, a teoria
das representações sociais fundada por Moscovici aborda as relações entre crenças,
consideradas como as afirmações circulantes que são feitas acerca de um determinado
objeto, e atitudes, que se configuram como avaliações globais (positivas ou negativas)
deste mesmo objeto. As representações sociais se organizam e se desenvolvem como
lugar e processo de produção de conhecimento a partir dos significados circulantes em
um determinado grupo ou coletividade. Nesta perspectiva, evocamos a definição de
Moscovici (1976) que considera que,
as representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam,
entrecruzam-se e cristalizam-se sem cessar por meio de uma fala, um gesto,
um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais
estabelecidas, dos objetos produzidos ou consumidos, das comunicações
trocadas estão impregnadas delas. Como sabemos, elas correspondem, por
um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à
prática que produz a dita substância, assim como a ciência ou os mitos
correspondem a uma prática científica e mítica. (Moscovici in Semin, G. R,
p. 207)

Assim, a teoria das representações sociais é proposta como perspectiva teórica e


metodológica importante para a elucidação e compreensão das crenças e atitudes dos
sujeitos em relação ao ambiente, passando a considerar não só os aspectos do
comportamento humano, mas também aqueles referentes às representações que os
sujeitos tem de seu ambiente. De acordo com Castro (2003), “os indivíduos e os grupos
são bricoleurs activos de representações sobre objectos sociais relevantes, as quais
constróem a partir das várias crenças que circulam constantemente pelas sociedades”
(Ibidem, p.3). Contudo, o autor considera que os estudos nesta área precisam aprofundar
a sua consistência teórica, clarificando as semelhanças e diferenças que existem entre
atitudes e crenças. Nas palavras do autor, “precisam de ser capazes de continuar a
alargar o diálogo entre os quadros teóricos que mais têm estruturado o campo e
precisam de levantar novas questões, que permitam ir para além das que se relacionam
com as inserções sociais objectivas” (Ibidem, p.4). A partir dessa perspectiva, as
representações sociais comportam tanto os comportamentos, como as crenças e as
atitudes, fazendo com que este conceito seja extremamente útil para a compreensão da
interação entre sujeito e meio ambiente. A identificação das representações sociais

9
10

infantis acerca da natureza em seus desenhos se revela como estratégia capaz de nos
aproximar do significado e do sentido que as crianças atribuem ao meio ambiente.
Partindo da idéia de que a socialização infantil se dá a partir das interações que a criança
estabelece em seu meio ambiente, assumimos que diferentes ecossistemas terão um
impacto diferenciado sobre o desenvolvimento infantil, refletindo diretamente no modo
como a criança percebe e se relaciona com o meio ambiente. Com o objetivo de
elucidação do fenômeno destacado, buscamos empreender uma compreensão ampliada
acerca do desenvolvimento que passa a ser analisado a partir da perspectiva da
apropriação participativa. Desta forma, partimos do princípio orientador de que a
criança construirá representações sociais com base na experiência de vida que se efetiva
em seu meio sócio-ambiental. Moscovici sustenta que,

antes de tudo trata-se de considerar o homem como uma força da natureza,


uma força entre outras. Seu interesse lhe aconselha a estreitar as ligações, de
permitir que as outras forças se desenvolvam, se renovem, em vez de esgota-
las numa busca sem fim de energias a explorar e de espécies para destruir, de
uma abundância que se transforma continuamente em escassez; de renunciar
a esta atitude predatória tão fortemente ancorada nele.(Moscovici, in Diegues,
1998, p. 57).

O campo denominado como psicologia ambiental surgiu a partir da década de


setenta, reconhecendo a natureza transacional das relações pessoa-ambiente. A interação
sujeito-contexto funcionava como um “intercâmbio dinâmico" entre a pessoa e seu
meio, perspectiva bastante utilizada no campo de investigação acerca das relações
ambiente-comportamento. Rivlin (2003), em revisão aos pressupostos básicos da
psicologia ambiental, destaca elementos característicos desta referência teórica e
metodológica da qual a autora participou como fundadora. Assinala em primeiro lugar o
reconhecimento da natureza transacional das relações pessoa-ambiente. Propondo
métodos de campo não laboratoriais, sugere uma abordagem multidisciplinar tendo
quase sempre em vista a solução para problemas sociais. Reflete ainda acerca do papel
do ambiente na oferta de imagens do passado, do presente e do futuro, justamente pelo
fato do ambiente estar em constante mudança.
De acordo com a autora, o primeiro pressuposto básico da psicologia ambiental
afirma que “a natureza fenomenológica da experiência proporciona um sentido de
campo unitário” (Rivlin, apud Ittelson et al., p.5). Neste sentido, as estratégias

10
11

metodológicas devem se orientar pelo caráter não fragmentado da experiência,


elaborando com cautela seus instrumentos e relativizando qualquer conclusão
generalizante diante da identificação da dinâmica de elementos específicos. Reconhecer
a pluralidade qualitativa das pessoas e de seus ambientes se depreende como segunda
orientação básica da psicologia ambiental. Como destaca Rivlin, "a pessoa tem
qualidades ambientais tanto quanto características psicológicas individuais" (Ibidem,
p.6). A interação entre sujeito e contexto se processa em termos de feedback cíclico. O
terceiro pressuposto traz a marca da psicologia como disciplina matriz inicialmente
mais presente, enfatizando o meio social e considerando que "não há ambiente físico
que não esteja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele"
(Ibdem, p.6). O reconhecimento da ausência de ambientes não antropizados ou
socializados remete ao quarto pressuposto, a saber: a “influência do ambiente físico no
comportamento varia de acordo com o comportamento” (Ibidem, p 7). A complexidade
da inter-relação entre o ambiente físico e o comportamento faz com que qualquer
avaliação de impactos imediatos ou a longo-prazo sejam de difícil identificação,
sobretudo se consideramos a interferência dos valores, hábitos e normas de um dado
contexto. O quinto pressuposto indica que "o ambiente freqüentemente opera abaixo do
nível de consciência" (Ibidem, p.7). Desta forma, a consciência de um ambiente surge
quando este se altera, provocando um movimento adaptativo por parte do sujeito. O
reconhecimento de que aquilo que é observado não corresponde necessariamente ao real
norteia o sexto pressuposto, num esforço de consideração das variações individuais
presentes na observação. Fatores como personalidade, etnia, religião, disposição,
gênero, status sócio-econômico, idade e escolaridade devem ser considerados e
integrados em toda investigação da psicologia ambiental. A dimensão cognitiva do
ambiente se enuncia no sétimo pressuposto segundo o qual "o ambiente é organizado
como um conjunto de imagens mentais" (Ibidem, p.9). Todos os sentidos estão
envolvidos na percepção do ambiente que é analisado pelo sujeito a partir de um mapa
cognitivo que lhe informa sobre suas atuais condições e também sobre as possibilidades
de sua alteração. Neste sentido, a psicologia ambiental deve estar atenta aos elementos
nem sempre explícitos ou visíveis de um ambiente. O oitavo pressuposto afirma que "o
ambiente tem valor simbólico" (ibidem, p.9), inserindo-o em uma rede muito mais
ampla dotada de aspectos subjetivos e culturalmente circunscritos. Proshansky (1983)
avança a idéia de uma identidade do lugar. Segundo Rivlin, este conceito “reconhece a

11
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contribuição do ambiente para a formação da identidade da pessoa, processo no qual as


lembranças simbólicas assumem um papel significativo” (Rivlin, p.9). As lembranças
são impregnadas de significados simbólicos que estabelecem sentido e conexão para a
experiência do sujeito e das relações que se configuram com o contexto ambiental.
Rivlin finaliza sua revisão sugerindo novos pressupostos a serem integrados ao corpo
teórico e investigativo da psicologia ambiental, a partir das experiências acumuladas nos
últimos trinta e cinco anos. Salienta que a presença tecnológica no cotidiano das pessoas
fez surgir novas dimensões a serem consideradas, assim com seu impacto nas atividades
diárias. Sugere também a importância de debate acerca dos aspectos éticos propondo
uma avaliação mais crítica acerca da necessidade de condução de determinadas
pesquisas, recomendando o reconhecimento da natureza holística da experiência
ambiental.

12
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4 - O papel do contexto no desenvolvimento infantil: uma retrospectiva


teórica

Encontramos um consenso estabelecido em considerar o desenvolvimento como


dependente do processo de socialização no qual a família assume um papel primordial.
Desta forma, a experiência do contexto é geralmente mediada pelas relações familiares.
Segundo avaliação conduzida por Collins et al. (2000), os estudos recentes acerca da
influência parental estão bem mais sofisticados e menos deterministas do que as
investigações do passado. A abordagem contemporânea inclui: desígnios
genéticos/comportamentais, medições diretas das influências potenciais do ambiente,
estudos com crianças de diferentes predisposições genéticas em relação à predisposição
de respostas a uma dada condição ambiental, estudos acerca da mudança de
comportamento infantil como resultado de exposição a comportamento parental e
pesquisas sobre interações entre parentes e influências de ambientes não familiares.
Em contraponto, Collins et al. (2000) distinguem uma tendência contemporânea
que admite a existência de múltiplas fontes de influência no fenômeno da socialização.
Dentro desta tendência vislumbram-se as pesquisas que consideram as influências do
contexto/ambiente como ponto de partida para explicação das diferenças individuais,
tomando como exemplo os estudos com gêmeos e os estudos aditivos que consideram a
hereditariedade e o ambiental isoladamente. Segundo os pesquisadores, a limitação
desta perspectiva reside no fato de que a influência do ambiente não é especificada,
surgindo como resíduo da estimativa genética, ignorando a possibilidade de que os
genes possam ter funcionamentos diferentes em ambientes distintos.
Também em James e Prilleltensky (2002) detecta-se a importância delegada à
multiplicidade ambiental na socialização infantil, em trabalho que propõe uma
abordagem integrativa da saúde mental. Os autores salientam que uma apreensão
ecológica deve considerar os níveis micro, meso e macro de análise. Inspirada na
filosofia fenomenológica, esta perspectiva sugere a necessidade de conhecer os valores
dos sujeitos, assim como suas respectivas compreensões acerca do bem estar, não nos
afastando dos referenciais estabelecidos pelos fatores contextuais e pelas normas sócio-
culturais.

13
14

Devemos mencionar as concepções de Vigotski e seus colaboradores da escola


russa, visto que os modelos teóricos propostos por estes autores têm ocupado lugar de
referência conceitual na psicologia do desenvolvimento. De acordo com a abordagem da
escola sócio-histórica russa, a psique humana se forma a partir de uma complexa
evolução de três vias, a saber: a evolução biológica do animal ao homem (filogênese), o
desenvolvimento histórico-cultural (do primitivo ao moderno) e o desenvolvimento
individual (ontogênese). Este tema atravessa a obra e a teoria de Vigotski, tendo sido
bastante discutido no livro que escreveu em parceria com Luria na dedada de trinta
(Vigotski e Luria, 1987), intitulado “O macaco, o homem primitivo e a criança –
estudos sobre a história do comportamento”1. Na compreensão dos autores, durante o
processo de desenvolvimento, a criança passa por uma metamorfose, uma alteração da
forma inicial em função das interações que estabelece com seu ambiente. Neste sentido,
Vigotski atenta para a especificidade do infantil em sua estreita relação com o que
circunda a criança: “Se nos interrogamos sobre qual é o seu mundo conhecemos
também como ele é” (Vigotski e Luria, 1987, p.133). Dado que a criança se constrói
histórica e socialmente, ela está constantemente procurando se comportar de modo
adequado ao seu contexto, inspirando-se nas ações dos modelos com quem interage.
Contudo, devemos ter em mente que a psicologia de Vigotski aponta para a lineariedade
do processo de desenvolvimento, obedecendo a um sentido progressivo, indo do mais
simples ao mais complexo, do elementar ao superior. Dentro desta ótica, a criança se
insere no mundo social a partir de uma passagem caracterizada pela inibição das
funções primitivas e elaboração de formas complexas de adaptação. “Inserindo-se no
seu ambiente, a criança inicia logo a se transformar e a mudar: isto acontece muito cedo
porque a situação cultural já pronta cria nela determinadas formas de adaptação que, há
muito, foram criadas pelos adultos que a rodeiam” (Vigotski e Luria, 1987, p.168).
O interesse na perspectiva sócio-histórica se justifica quando esta enuncia que o
desenvolvimento de funções específicas como memória, atenção, abstração, linguagem
e pensamento é, essencialmente, cultural. Mesmo em um ambiente científico ainda
distante das descobertas neurológicas atuais, Vigotski já chamava atenção para a
plasticidade natural do aparelho psico-nervoso, lançando alguns pressupostos que
podem ser integrados em uma perspectiva ecológica. De acordo como Vigotski e Luria,

1
A versão utilizada para este trabalho se encontra na língua italiana e a tradução foi realizada por esta
autora. O trabalho original em russo é datado de 1930.

14
15

“o homem é um ser social e as condições sócio-culturais o transformam profundamente


desenvolvendo uma série de novas formas e procedimentos no seu comportamento. Um
estudo atento desta particularidade constitui a tarefa científica da psicologia” (Vigotski
e Luria, 1987, p.225).
Buscando dar conseqüência ao projeto dialético do materialismo histórico, mais
especificamente da dialética da natureza de Engels, Vigotski parte da premissa de que
“o controle da natureza e o controle do comportamento estão mutuamente ligados,
assim como a alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria
natureza do homem” (Vigotski, 1984/1998, p.73). Destaca que a influência da natureza
sobre o homem é incontornável, do mesmo modo que o homem age sobre a natureza
criando mudanças e produzindo novas condições naturais para sua existência.
Contudo devemos estar atentos ao fato de que Vigotski jamais identifica o
desenvolvimento histórico da humanidade com os estágios do desenvolvimento
individual, uma vez que ele se opõe à teoria biogenética da recapitulação (John-Steiner
e Souberman, 1998). Mesmo sem estabelecer esta identificação, Vigotski, em sua
psicologia histórico-cultural, constrói uma compreensão da natureza do comportamento
humano como parte do desenvolvimento histórico da espécie (filogênese). Em sua
abordagem qualitativa e essencialmente interdisciplinar, destaca-se como teórico do
pensamento contemporâneo, alertando a psicologia de que o ser humano se encontra
inevitavelmente imerso num contexto histórico, sendo, portanto, necessário dar ênfase
aos processos de transformação mútua entre sujeito e ambiente. Como destaca Khol
(1997), a psicologia como ciência natural procura explicar processos elementares
sensoriais e reflexos, adotando a perspectiva do homem como corpo. Como ciência
mental, a psicologia se dedica à descrição das propriedades dos processos psicológicos
superiores, adotando a perspectiva do homem como mente, consciência e espírito. O
que Vigotski propõe é uma abordagem que realize uma síntese que não se limite a uma
simples soma ou justaposição desses elementos, mas que conduza à emergência de algo
novo, anteriormente inexistente. A partir da compreensão das representações mentais da
realidade exterior, podemos alcançar a gênese e interseção desses elementos (naturais e
mentais), visto que estas possibilitam ao homem libertar-se do espaço e do tempo atual,
constituindo-se como filtro através do qual o sujeito será capaz de ver o mundo e de
operar sobre ele. Desta forma, os sistemas de representação da realidade configuram-se
como os principais mediadores da relação homem/mundo.

15
16

Em Vigotski (1998) encontramos uma atenção maior ao meio de


desenvolvimento, em seus aspectos históricos e culturais. Procurando não se ater aos
universais biológicos, estruturou sua teoria em torno da importância das interações
sociais para a qualidade do desenvolvimento infantil. Mesmo traçando uma clara
distinção entre desenvolvimento filogenético e ontogenético, este teórico não podia
compreender o resultado do desenvolvimento infantil sem uma avaliação criteriosa da
história deste processo como um fenômeno humano. Nas palavras do próprio autor, “a
abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o
homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas,
novas condições naturais para sua existência (Ibidem, p.80).
Outro importante estudo sistematizador conduzido por Cooper e Denner (1998)
buscou inventariar o que foi produzido em termos de teorias e pesquisas acerca da
relação entre contexto de desenvolvimento e cultura. Com a finalidade de sistematizar o
debate, foram identificados sete modelos, a saber: teorias individualistas-coletivistas,
teorias dos sistemas ecológicos, teoria cultural-ecológica, teorias da identidade social,
teorias ecoculturais e sócio-culturais, teorias de estrutura e agenciamento e teorias dos
múltiplos mundos.
O campo das teorias individualistas-coletivistas se caracteriza por considerar a
cultura como principal valor social. Neste caso, a cultura desempenha papel chave no
funcionamento individual (cognitivo, emocional, social). O esforço dos pesquisadores
que seguem esta orientação tem sido o da elaborar uma teoria universal para explicar as
diferenças comunitárias, enfatizando a autonomia ou a interdependência, de acordo com
o referencial ideológico cultural. Segundo Cooper e Denner (1998), a limitação desta
abordagem consiste na ênfase dada para as diferenças entre sociedades, traçando perfis
culturais mutuamente excludentes, estáveis e uniformes, adotando a idéia de uma
cultura cristalizada e de sujeitos passivos.
A teoria dos sistemas ecológicos considera a cultura enquanto contexto e faz
referência aos múltiplos sistemas ecológicos dos quais participa um sujeito, dentro da
linha proposta por Bronfenbrenner (1996). O destaque é dado para a revelação de como
percepções e interações nos relacionamentos e nos ambientes podem influenciar o bem
estar infantil. De forma bastante sintética, visto que esta teoria será revista mais adiante,
a teoria dos sistemas ecológicos pressupõe que o micro ambiente é englobado por
dimensões meso, exo e macro, propondo a diferenciação de níveis de análise

16
17

institucional, social e físico. Cooper e Denner (1998) apontam que uma das restrições
deste campo investigativo é o de não promover a análise da interação das crianças com
seus pares em ambientes como escolas e comunidades que não estejam atravessadas
pela presença parental.
A teoria cultural-ecológica volta sua atenção para o fenômeno da adaptação em
sociedades estratificadas. Nesta perspectiva, a competência individual é definida a partir
do contexto cultural e histórico no qual a criança se desenvolve. Cada contato é
desencadeado por condições históricas, culturais e ecológicas que proporcionam a
efetivação de uma seqüência de eventos. Segundo Cooper e Denner (1998), o ponto
forte desta teoria seria justamente sua habilidade em explicitar o papel das
desigualdades contextuais nas diferenças de sucesso e performance. Contudo, os autores
lamentam que a teoria cultural-ecológica tenda a subestimar a mudança e a variação
dentro das comunidades, especialmente no que concerne a experiência de mobilidade
por parte das minorias.
O referencial orientado pelas teorias da identidade social considera a cultura
como o conjunto das relações intergrupais. Pressupõe que os membros de qualquer
sociedade se engajam no processo de categorização e recategorização social e que a
identidade cultural seja construída no contexto de atitudes dominantes de um grupo. O
mérito desta referência consiste justamente na relação que estabelece entre os níveis
grupais e individuais.
As teorias ecoculturais e sócio-culturais estabelecem que a cultura funciona
como uma ferramenta adaptativa universal. Partem do princípio que todas as famílias
buscam realizar acomodações a seus nichos ecológicos através de rotinas sustentáveis
na vivência cotidiana. Utilizando o conceito de nicho de desenvolvimento, se
empenham em examinar a estrutura cultural do desenvolvimento infantil a partir dos
ambientes físicos e sociais nos quais a criança vive, além dos costumes com cuidados
infantis e categorias demográficas para definição de grupos enquanto comunidades. Um
de seus principais objetivos investigatórios tem sido o de estabelecer uma relação entre
o universal e o comunitário focalizando o individual, o interpessoal e o institucional
como fenômenos universais.
A perspectiva orientada pelas teorias de estrutura e agenciamento considera a
cultura como capital e tem sua principal matriz teórica na sociologia de Bourdieu.
Dentro desta concepção, o capital social é cumulativo e pode se converter em outras

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formas de capital. Também se integram a este campo as teorias da estrutura e


agenciamento lançando mão de conceitos de poder e acesso para análise da mudança
cultural. Apesar da contribuição teórica importante deste campo Cooper e Denner
(1998) sinalizam a escassez de trabalhos empíricos que utilizem as categorias propostas.
Por fim, a teoria dos múltiplos mundos, concebe a cultura como flutuação e
negociação de limites. Especializando-se em estudos de minorias e acerca da
adolescência, avalia que todos os jovens em sociedades diversas são encarregados de se
movimentar em seus múltiplos mundos que se definem em termos de conhecimento
cultural. Neste contexto diversificado os sujeitos cumprem o papel de agentes de
negociação.

A psicologia ambiental

A psicologia ambiental, campo teórico e metodológico que trata da relação


recíproca entre pessoas e ambiente físico, busca compreender tanto o impacto da ação
do sujeito sobre o meio ambiente, como a alteração do comportamento humano em
função de mudanças ambientais. Na definição consensual explicitada por Moser,
A Psicologia Ambiental é uma disciplina que trata do “psicológico”, quer
dizer, do indivíduo enquanto ser que pensa, que sente e que age, de um
lado, e do ambiente, de outro lado. Trata-se de Psicologia, portanto de uma
disciplina que lida com o indivíduo em sua relação com o ambiente.
(Moser, 2005, p.281)

Nesta perspectiva, o ambiente físico é considerado em seus aspectos natural e


construído, partindo do pressuposto que todos os ambientes são antropizados, ou seja,
sofrem ou já sofreram interferência humana. Como destaca Uzzell, “Não é possível
compreender o uso do ambiente fora da agência humana e, igualmente, não é possível
apreciar completamente as percepções, atitudes e ações, tanto dos indivíduos quanto dos
grupos, divorciado de um contexto sócio-ambiental” (Uzzell, 2005, p.187)
Produzido na interface de várias áreas de estudo, a psicologia ambiental se
constitui como campo transdisciplinar que adota abordagem multi-metodológica, sendo
o método determinado pelo perfil do objeto em estudo. Em suas pesquisas traz
influência importante da pesquisa-ação, dado que muitas investigações surgem de
problemas na interação pessoa e meio ambiente, apontando para soluções teóricas e
práticas e para a transformação de comportamentos.

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O primeiro texto de Proshansky e col. surgiu no ano de 1970, sendo considerado


como um marco inaugural da psicologia ambiental. Desde então, as pesquisas têm se
diversificado indo desde a análise de variáveis das condições ambientais como
temperatura, som, iluminação e qualidade do ar até a avaliação de aspectos naturais e
construídos de comunidades e regiões. Em sua revisão, Sundstrom et al. (1996) destaca
quatro características básicas do conjunto de pesquisas da psicologia ambiental. A
primeira se refere a uma maior concentração de pesquisas de campo do que
laboratoriais. Percebe também uma evolução cumulativa da psicologia ambiental como
ciência, visto que várias pesquisas efetuam o esforço de retomar trabalhos anteriores. As
pesquisas empíricas refletem, portanto, a pluralidade de seus métodos e a variedade dos
contextos e populações que elege como objeto de investigação, tendo conseqüentemente
uma grande variedade de culturas em estudo. Os pesquisadores são em si
multidisciplinares, poucos derivando dos centros mais tradicionais de psicologia,
trazendo em seus currículos uma formação variada. A psicologia ambiental tem
evoluído no sentido de ampliação tanto do seu campo pesquisa como em suas possíveis
aplicações. Os níveis de análise individual e interpessoal têm sido enfatizados por suas,
podendo efetuar-se através da compreensão das atitudes e conhecimentos dos sujeitos
acerca do seu meio-ambiente, conduzindo a uma abordagem direta da interação objetiva
entre pessoas e ambiente. A integração deste campo é bastante clara em investigações
acerca do design ambiental que efetuam avaliações do contexto a partir da identificação
das relações entre ambiente e comportamento. No plano teórico, podemos antecipar a
dificuldade em se estruturar uma teoria unificada para um campo de investigação
potencialmente tão amplo e diversificado. Neste esforço trilhou-se um caminho de
análises detalhadas do contexto para o estudo de unidades menores e de situações
específicas. A integração de pequenas escalas locais com escalas mais amplas referentes
a ambientes distantes também tem se constituído um desafio teórico no estabelecimento
da articulação entre as características ambientais e as relações interpessoais e os padrões
culturais. Algumas teorias procuram integrar múltiplos processos, estabelecendo
relações entre os fatores ambientais objetivos e subjetivos, percepções, estímulos e
estresse, enfrentamento (coping) e adaptação, e efeitos secundários. Contudo, um
consenso teórico para o campo ainda está distante e os pesquisadores lançam mão de
uma grande variedade de abordagens. Sundstrom et. al (1996) destaca seis teorias mais
influentes. A hipótese da estimulação prediz “desempenho ótimo e satisfação sob

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condições de estimulação moderada, dependendo da complexidade da tarefa e outros


fatores” (Thayer, 1989 in Sundstrom et al Ibidem, p. 489). Pesquisas sobre a influência
da iluminação, da temperatura ou do som no desempenho de habilidades ou ainda em
estados psicológicos representam a maioria dos trabalhos nesse sentido.
A hipótese da sobrecarga parte do pressuposto que “os humanos têm uma
capacidade finita de processar estímulos e informações” (Ibidem, p. 489). Deste modo,
as sensações e informações são tratadas através de uma atenção seletiva que ignora as
entradas de baixa prioridade. Pesquisas acerca da influência de estimulações sonoras
durante desempenho de tarefas representam este campo investigativo (Smith, 1991 e
Loewen & Suedfeld,1992).
A hipótese estresse-adaptação tem se dedicado ao estudo de longas exposições
ou efeitos pós-traumáticos (doença e enfraquecimento psíquico) de agentes ambientais
estressantes distinguindo estresse ambiental crônico de agudo. (Hedge, 1989, Rubonis e
Bickman, 1991 e Baum et al 1990). Conforme constata Sundstrom ,

pesquisas prévias norteadas pelos conceitos de estresse e adaptação associam


extremos de temperatura, som, e outras variáveis ambientais com estresse
fisiológico e psicológico, com a capacidade de enfrentamento e com
comportamentos adaptativos que reduzem o estresse ou seus impactos
(Ibidem, p.490).

Designada como perspectiva da regulação da privacidade, um quarto campo de


pesquisa sugere a existência de uma “tendência humana em procurar interações sociais
ótimas, em parte através do uso do ambiente físico” (Altman, 1993 in Sundstrom et al,
1996, p.490). De acordo com esta teoria, quando a pessoa não obtém êxito em
estabelecer um nível satisfatório de contato social, ela acaba por lançar mão de
estratégias de enfrentamento desencadeadas pelo estresse. Dentre essas estratégias,
algumas se apóiam no contexto físico.
A psicologia ecológica e a teoria do contexto comportamental têm como base a
noção de contextos comportamentais, concebidos como “sistemas sociais de pequena
escala compostos por pessoas e objetos físicos configurados de modo um programa de
atividades rotinizadas com limites de tempo e espaço específicos possa ser levado a
cabo” (Wicker 1992 in Sundstrom et al 1996, p.490). A compreensão que os
participantes têm dos ambientes que ocupam passa a ser integrada nas pesquisas da
pesquisa ecológica.

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Como sexto referencial, o autor aponta a abordagem transacional que “considera


o ambiente físico como um contexto potencial para interações sociais que pode dar
suporte, constranger, simbolizar e conferir significado para vários aspectos das relações
sociais”. (Sundstrom et al 1996, p.491). Esta abordagem holística de orientação
sistêmica incorpora vários níveis e facetas de análise, desde a variação temporal até os
processos cíclicos. Uma compreensão dialética dos contextos físicos confere destaque à
tensão gerada por influências contraditórias a partir da análise de práticas sociais em
diversas culturas.
Os estudos da psicologia ambiental elegeram campos para pesquisa bastante
diversificados, tanto entre os ambientes construídos como entre aqueles naturais.
Investigações procuram abordar temas como as residências, os fatores determinantes
dos designs habitacionais, as populações residenciais, o apego ao lugar. Os ambientes
de trabalho e suas características também são percebidos como influenciando
diretamente no desempenho e na satisfação e no humor dos trabalhadores. Estas
avaliações também se estenderam a hospitais, clínicas de repouso, escolas e prisões.
Ambientes extremos, isolados e confinados também são objeto de investigações da
psicologia ambiental. Na busca de compreensão acerca das influências ambientais nas
comunidades são conduzidos estudos que procuram avaliar o impacto de fatores como
barulho, poluição do ar, e ainda procuram estabelecer relações entre calor e violência.
As atitudes acerca do ambiente natural também são objeto de estudo, a
preocupação ambiental e a percepção dos riscos ambientais motivam pesquisas em
torno de um comportamento concervacionista. A interação com os ambientes naturais
têm suscitado investigações, sugerindo que “a preferência por cenários naturais com
verde e água é provavelmente universal”. (Sundstrom et al 1996, p.502). Em caráter de
recomendação aos pesquisadores, os autores destacam alguns avanços conquistados na
psicologia ambiental, como o fato de abrigar múltiplas teorias que permitirão o seu
amadurecimento na direção de uma teoria unificada. A multiplicação de pesquisas de
campo tem facilitado a avaliação de diversas metodologias contribuindo para o avanço
da psicologia ambiental e para o desenvolvimento do conhecimento acumulado na área.
Sua tendência aplicativa também constitui um ponto positivo, sobretudo quando aliada à
colaboração interdisciplinar. O intercâmbio de dados entre pesquisadores de culturas
diferentes também surge como uma importante conquista da psicologia ambiental que
pode, em seu desenvolvimento, estabelecer teorias e metodologias mais abrangentes.

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Deste perfil, Sundstrom et al. destacam que para seu futuro a psicologia ambiental tem
como tarefa a consolidação de uma teoria de base, assim como o estabelecimento de um
referencial metodológico para as investigações acerca das disposições ambientais e dos
chamados estudos de caso.
Diante de um amplo campo de pesquisa que se relaciona com o problema de
estudo destacado, constata-se uma via teórico-metodológica em construção no que se
refere ao estabelecimento de correlações entre aspectos do contexto ecológico e
características do desenvolvimento infantil. Identifica-se a necessidade de um enfoque
que incorpore holisticamente os aspectos do ambiente natural, uma vez que o processo
de socialização e desenvolvimento infantil não se dá em um espaço circunscrito em um
momento cultural particular.

Outras contribuições

De acordo com Tuan (1980), no século XIX, o enfoque determinista considerava


que os componentes geográficos determinavam os hábitos e as formas de pensamento
do ser humano. Esse enfoque foi imediatamente confrontado por outros que viam no ser
humano não um simples produto das características geográficas, mas um ser capaz de
interferir nos seus hábitos e idéias, assim como na transformação das características
físicas do ambiente, lançando as bases do geopossibilismo. Num extremo oposto ao
geodeterminismo, tal enfoque consegue identificar nas características do meio físico um
produto das idéias e valores dominantes na sociedade (idealismo ou neoliberalismo
geográfico). Conforme destaca o autor,
a visão de mundo, se não é derivada de uma cultura estranha, necessariamente
é construída dos elementos conspícuos do ambiente social e físico de um
povo. Nas sociedades não tecnológicas, o ambiente físico é o teto protetor da
natureza e sua miríade de conteúdos (Tuan, 1980, p.91).

Tuan (1980), da mesma forma que Vigotski (op. cit.), focaliza a dupla via que existe na
relação entre o ambiente físico e o contexto cultural. Compara, por exemplo, as
diferentes visões do mundo que existem entre os que se desenvolvem num ambiente
urbano (ambiente de linhas retas) e os que se desenvolvem em um ambiente bucólico
(ambiente de linhas curvas). Neste sentido, um viés de abordagem de nosso problema
pode ser vislumbrado na biogeografia.

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Alguns estudos brasileiros acerca da relação entre contexto e desenvolvimento


vêm refletindo acerca das bases teóricas e metodológicas da investigação psicológica
contemporânea. De acordo com Lordelo (2002), a perspectiva evolucionista neo-
darwinista parte do princípio que “os ambientes influenciam os organismos, primeiro
em uma perspectiva filogenética, por meio das pressões de seleção natural, de forma
que as espécies, ao longo da filogênese, ajustam-se às mudanças ocorridas no ambiente
(Lordelo, 2002, p.5). Como conseqüência, no plano ontogenético, em que é considerado
o ciclo de vida de organismos singulares, “o ambiente influencia os indivíduos de
muitas espécies, inclusive a humana, presentes durante a vida dos indivíduos” (Ibidem,
p.6). Em revisão realizada pela mesma autora, puderam ser identificadas três
abordagens que buscam superar as concepções tradicionais e mecanicistas do
desenvolvimento infantil. A primeira delas pode ser intitulada de realismo ecológico
(Gibson in Dent-Read & Zukow-Goldring, 1997) e “tenta explicar como os organismos
estão em contato com seus ambientes, destacando estruturas perceptuais que direcionam
a ação do organismo no ambiente” (Ibidem, p.7). Nesta perspectiva, a ênfase é dada à
reciprocidade de influência entre organismo e ambiente. Em segundo lugar
identificamos a teoria dos sistemas dinâmicos, trabalhada por autores como Thelen
(1989, 2000), Fogel (1990,1993), Lyra e Winegar (1997) que, segundo Lordelo,
busca fornecer explicações e ferramentas metodológicas para o estudo da
mutuabilidade de influências entre organismos e ambientes, usando conceitos
como auto-organização, auto-regulação, e hierarquização a partir da teoria
geral de sistemas (Ibidem, p.8).

Finalmente, a autora destaca a teoria dos sistemas epigenéticos (Dent-Read & Zukow-
Goldring, 1997), cujo objetivo tem sido,
estudar os organismos em seus ambientes naturais, identificando as co-ações
do organismo e do ambiente que contribuem para o desenvolvimento,
identificando experiências provindas do meio social do organismo que
informam crucialmente o desenvolvimento, sob uma perspectiva da teoria
evolucionista (Ibidem, p.8).

Algumas referências podem ser depreendidas destas perspectivas de análise


discriminadas por Lordelo (2002). Num primeiro plano, evidencia-se a necessidade da
avaliação das implicações das condições desenvolvimentais para o bem-estar imediato
da criança e para seu desenvolvimento em longo prazo. Também emerge a constatação
de que as características ambientais abrem possibilidades de desenvolvimento ao

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mesmo tempo em que impõem limites. Acrescenta-se que o contexto pode ser
considerado, de uma forma ampla, como as diferentes condições de vida em que as
crianças nascem e se desenvolvem. Como conseqüência e orientação destas premissas
depreende-se que o estudo das relações entre contexto e desenvolvimento deve articular
aspectos dos sistemas sociais, ambientes físicos e das pessoas como participantes ativos,
considerando a interação e influência mútua no tempo e no espaço.
A partir de uma reflexão sintética acerca das várias perspectivas teórico-
metodológicas destacadas optamos por abordar a influência do contexto no
desenvolvimento infantil adotando as bases propostas pela teoria dos sistemas
ecológicos de Bronfrenbrenner (1996). Esta opção se dá pelo fato de que a ecologia do
desenvolvimento humano oferece um suporte teórico-metodológico adequado ao nosso
objeto de estudo. Isto não significa que as outras abordagens descritas não contribuam
para a investigação, considerando principalmente que um dos objetivos desta pesquisa é
justamente o de viabilizar uma articulação conceitual e metodológica de observação do
desenvolvimento infantil no contexto. As pesquisas apresentadas por Lordelo (2002)
apontam para a diversidade de caminhos investigativos possíveis para a análise do
desenvolvimento infantil no contexto brasileiro, sendo um referencial importante pra
esta trajetória investigativa. Os pressupostos da psicologia ambiental também se
encontram integrados na pesquisa, sobretudo no que concerne o caráter unificado da
experiência que o sujeito tem em seu contexto ecológico.

A etnobiologia

O estudo da influência do contexto ecológico no desenvolvimento infantil pode


também efetuar interface com o campo disciplinar designado como etnobiologia,
classicamente definida como “o estudo das interações das pessoas com seu meio
ambiente” (Albuquerque, 2005, p.19). Assim, em sua vertente mais cognitiva se dedica
ao estudo das percepções humanas de seu contexto natural. Contudo, a especificidade
desse campo se esclarece quando Posey (1987) afirma que a etnobiologia deve ser
compreendida como “o estudo dos conhecimentos e conceitos desenvolvidos por
qualquer cultura sobre a biologia” (Posey apud Albuquerque, 2005, p.19). Seguindo esta
segunda definição mais específica do campo etnobiológico, relembramos que nossa
pesquisa objetiva apenas analisar a influência do contexto ecológico no

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desenvolvimento infantil, não se detendo na observação das práticas culturais sobre a


biologia local. Ainda de acordo com Posey “um dos objetivos da etnobiologia tem sido
o de associar os conhecimentos das ciências naturais oriundos das sociedades
tradicionais” (Ibidem, p.20). Em nossa investigação buscamos observar as
interpretações individuais das crianças de seus contextos ecológicos, buscando a
existência de um padrão grupal de representações, sem pretender definir qual o
conhecimento cultural que conduz as práticas interativas com a vida biológica local.

A nova ecologia

Ainda que a nova ecologia não tenha se detido na análise da especificidade


infantil na interação sujeito-ambiente, algumas reflexões acerca da interação entre
ecologia e ciências sociais podem contribuir para ampliação deste estudo. Enquanto
proposta de interação interdisciplinar a nova ecologia busca estabelecer laços entre
ciências naturais e sociais (Scoones, 1999). Tendo como tarefa a análise das relações
existentes entre os processos sociais, econômicos e ecológicos, a nova ecologia busca
contribuir para a ampliação de um campo de pesquisa atento à história, à variabilidade,
à complexidade e à incerteza. Em sua avaliação acerca de como as ciências sociais têm
se aproximado da ecologia, Scoones (1999) salienta que, por muito tempo, este diálogo
esteve preso à importação de noções chaves da ecologia clássica, orientada por
princípios como equilíbrio, regulação homeostática, ponto de equilíbrio estável nos
ciclos, clímax, etc. A partir destas premissas, os ecossistemas são caracterizados como
sistemas fechados, regulados e homeostáticos.
Propondo uma reatualização deste diálogo entre ciências sociais e ecologia,
Sconnes (1999) situa a nova ecologia como portadora do questionamento acerca da
estabilidade e previsibilidade dos sistemas, a partir da teoria do não-equilíbrio. Como
alternativa à concepção de sistemas estáveis, a nova ecologia admite o conceito de
múltiplos estados estáveis em sistemas não-lineares com mais de um atrator de
equilíbrio, a identificação das dinâmicas caóticas nas quais as interações não-lineares
são sensíveis às condições iniciais e imprevisíveis a longo prazo, e a existência de
sistemas estocásticos verdadeiramente não-equilibrados e desprovidos de mecanismos
reguladores simples de feed-back. Trata-se de uma nova linguagem emergente,
descrevendo vários elementos das propriedades de alguns sistemas como variabilidade,

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resiliência, persistência, resistência, sensibilidade e surpresa. Orientada por estes


princípios, Scoones (1999) enuncia uma nova onda de investigações empíricas com foco
na complexidade dos ecossistemas, variabilidade no tempo e no espaço e a implicação
das mudanças em dinâmicas do não-equilíbrio. Apesar da ecologia ter desenvolvido
conceituações sofisticadas acerca dos sistemas não-equilibrados, as ciências sociais têm
permanecido vinculadas a uma visão ecológica estática e equilibrada, na qual as
mudanças ambientais são analisadas a partir de um modelo linear, estável e previsível.
O autor destaca que algumas aplicações conceituais ecológicas foram levadas a termo
em áreas destacadas como antropologia ecológica, ecologia política, economia
ambiental e ecológica.
A nova ecologia permite vislumbrar algumas linhas de investigação e atuação na
interface entre a ecologia e as ciências humanas. Em primeiro lugar estão os estudos das
dinâmicas espaciais e temporais desenvolvidas em análises detalhadas e circunscritas de
“pessoas nos lugares”, utilizando, em particular, a análise histórica como uma forma de
explicar mudanças ambientais através do tempo e do espaço. Esta vertente procura
estabelecer uma história ambiental, propondo uma articulação entre história e paisagem,
entre as dinâmicas temporais e espaciais. A natureza passa a ser compreendida como um
significativo ator histórico.
Uma segunda linha caracteriza-se pela crescente compreensão do ambiente
como o produto e o contexto das interações humanas, estabelecendo vínculos entre
análises estruturais dinâmicas dos processos ambientais com uma apreciação dos
agenciamentos humanos nas transformações ambientais. A partir desta perspectiva, os
ambientes são vistos como dinâmicos e recursivamente criados em moldes não-lineares,
não determinísticos e contingentes. A mudança se constitui como uma necessidade
internamente gerada que conduzirá à exposição das contradições de um sistema,
partindo da consideração de que as ações humanas e o ambiente se constituem
mutuamente, como parte de um processo de adaptação evolutiva de longo termo.
Múltiplas escalas de agenciamento se associam a uma compreensão dinâmica da
interação homem-ambiente, com especial destaque para o estudo dos processos e das
práticas locais a partir de uma análise ecológica e etnográfica do conhecimento e das
ações da “ecologia da prática”.
Em terceiro lugar encontramos o reconhecimento da complexidade e da
incerteza nos sistemas sócio-ecológicos. Esta abordagem propõe a emergência de um

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tipo diferente de ciência ecológica que reconheça a inerente incompletude e


fragmentação do conhecimento científico, orientando-se por uma nova perspectiva
integrativa e holística que tenha a variabilidade e a incerteza como absolutamente
fundamentais. Scoones (1999) salienta que uma aproximação entre as ciências naturais e
humanas deve ir muito além da distinção restritiva entre natureza e cultura,
vislumbrando a superação de dicotomias não producentes e estimulando um estilo
integrativo de investigação.

A inteligência naturalística

De acordo com Kidner (1999) o conceito psicológico da inteligência


tradicionalmente indica a facilidade com que um sujeito relativamente autônomo pode
manipular o mundo constituído de matérias primas. A inteligência, conforme o modelo
moderno ocidental orienta o homem na manipulação e domínio da natureza, a
racionalidade institui ordem ao caos natural, concretizando o projeto humano de
supremacia da razão sobre o meio ambiente. Segundo Kidner, a partir do advento da
racionalidade científica, “iniciou-se uma súbita e profunda mudança na qual a suposição
de que a ordem derivava em última instância de um reino natural divino foi substituída
pela visão de que os humanos podem impor uma ordem ao mundo derivada do
intelecto” (Ibidem, p.11). Assim, um crescente desprendimento do intelecto do resto do
mundo é a base de nossa construção de um reino humano que freqüentemente surge em
oposição ao mundo natural e que se apodera dele. A partir desta reflexão, Kidner
procura lançar uma base nova para o conceito, vislumbrando a inteligência como um
conjunto de habilidades humanas baseadas no reconhecimento sensível à ordenação
natural. Nesta direção o autor sugere a necessidade de teorias e ferramentas
metodológicas capazes de analisar as capacidades intelectivas que estão empenhadas na
interação entre os sujeitos e o ambiente natural.
A teoria das inteligências múltiplas é proposta por Gardner (1994) com o
objetivo de apreciar a complexidade e diversidade da inteligência, procurando superar
uma tradição de conceituações simplificadoras e limitantes. Os requisitos para a
delimitação de uma inteligência passam por sua capacidade em
ser encontrada em relativo isolamento em populações especiais, na extensão
em que pode tornar-se altamente desenvolvida em indivíduos específicos ou

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em culturas específicas e na extensão em que psicometristas, pesquisadores


experimentais e/ou especialistas em disciplinas específicas podem postular
habilidades centrais que, de fato, definem a inteligência (Ibidem, p.7).

Gardner também acredita que o conceito de inteligência tradicional apropriado


pelo senso comum se caracteriza por uma ênfase no planejamento científico ocidental
valorizando determinadas habilidades intelectuais em detrimento de outras.
Contrapondo-se a este modelo Gardner propõe que
uma competência intelectual humana deve apresentar um conjunto de
habilidades de resolução de problemas – capacitando o indivíduo a resolver
problemas ou dificuldades genuínos que ele encontra e, quando adequado, a
criar um produto eficaz – e deve também apresentar o potencial para
encontrar ou criar problemas – por meio disso propiciando o lastro para a
aquisição de conhecimento novo (Ibidem, p.46).

Neste sentido definiu a princípio sete inteligências, a saber: inteligência


lingüística, inteligência musical, inteligência lógico-matemática, inteligência espacial,
inteligência cinestésica, inteligência interpessoal e inteligência intrapessoal.
Posteriormente a inteligência naturalística foi acrescentada à lista. Segundo Gáspari e
Schwarts ,
Uma das implicações imediatas da Teoria das Inteligências Múltiplas é a
explicação do porquê uma pessoa parecer mais inteligente que outra. Esse
fato aparente, sob a visão gardneriana, se ancora nas diferentes oportunidades
de estimulação e desenvolvimento dessas capacidades cognitivas, já que
todos as detêm, igualmente, em condições potenciais (2002, p. 262)

A inteligência naturalística preenche todos os critérios apontados nos


fundamentos da teoria das inteligências múltiplas sendo mais bem definida como
“capacidade de reconhecer exemplos como membros de um grupo ou espécie, distinguir
membros de uma espécie, reconhecer a existência de espécies vizinhas diferentes e
determinar as relações, formal ou informalmente, entre as diversas espécies” (Ibidem,
p.55). Em suas linhas gerais, a inteligência naturalística nos remete ao conhecimento do
mundo vivo, desenvolvendo-se com o auxílio dos diversos canais perceptivos (visuais,
tácteis, auditivos, olfativos). A capacidade em compreender e ordenar a natureza
também pode ser aplicada para a organização de elementos artificiais, lançando a
hipótese de que a inteligência naturalística dá suporte ao desenvolvimento de todas as
outras. Podemos também refletir acerca do papel da inteligência naturalística na
interação dos sujeitos com a natureza, considerando-a como de suma importância na

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história evolutiva de nossa espécie. A capacidade naturalística é compartilhada tanto por


primatas como por aves que também são capazes de reconhecer diferenças entre
espécies animais e vegetais. Como destaca Gardner, “assim como a maioria das crianças
normais domina facilmente a linguagem em tenra idade, também a maioria das crianças
apresenta uma predisposição para explorar o mundo da natureza” (Ibidem, p. 56). Em
sua crítica às ferramentas tradicionais de testagem da inteligência, Gardner sugere que a
psicologia tem a tarefa de compreender e analisar as habilidades e capacidades humanas
através da criação de estratégias de avaliação mais consoantes com um modelo plural de
inteligência.

A ecologia do desenvolvimento humano

A ecologia do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1996) pode ser


definida como
estudo científico da acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano
ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes
imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo
é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos
em que os ambientes estão inseridos (Ibidem, p.18).

Tal definição permite contemplar várias dimensões presentes na influência do


contexto ecológico no desenvolvimento infantil, uma vez que considera a pessoa em
desenvolvimento como uma “entidade em crescimento, dinâmica, que progressivamente
penetra no meio em que reside e o reestrutura” (Ibidem, p.18). Este enfoque se distancia
de teorias que insistem em considerar os sujeitos exclusivamente em sua
individualidade, subestimando, quando não excluindo, a experiência coletiva e social.
Também se demarca de um outro extremo, aquele que desconsidera a vivência singular
como peculiaridade de cada organismo, incorrendo em generalizações vagas que se
distanciam do fenômeno em questão. Na compreensão da ecologia do desenvolvimento
humano, a interação entre o sujeito e o meio é bidirecional e marcada pela
reciprocidade. A partir desta perspectiva, depreende-se outra noção que fundamenta
nossa investigação, a de contexto ecológico, definido como “uma organização de
encaixe de estruturas concêntricas, distribuídas em micro, meso, exo e macrossistemas”
(Ibidem, p.18).

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O microssistema define-se, especificamente, como um padrão de atividades,


papéis e relações interpessoais vividos pelo desenvolvente num dado ambiente de
características físicas e materiais peculiares. Neste contexto, o valor conferido à
experiência é fundamental, pois é “experenciando” que o sujeito vai conferir o
significado que orientará a sua atividade. O ambiente familiar, a escola e, muitas vezes,
o grupo de pares, podem ser considerados como microssistemas, visto atenderem às
principais características definidas anteriormente, acentuando os aspectos da atividade,
dos papéis e das relações interpessoais.
Por sua vez, o mesossistema inclui as inter-relações entre dois ou mais
ambientes nos quais o sujeito participa ativamente. É neste contexto que se localiza um
único ser em desenvolvimento desempenhando diversos papéis e funções. Podemos
considerar o mesossistema como uma rede de grupos, constituindo-se assim uma
primeira ferramenta de desmonte da dicotomia entre socialização primária (efetuada
pela família) e secundária (efetuada pelos outros ambientes). Ainda, segundo
Bronfrenbrenner, o mesossistema é “formado e ampliado sempre que a pessoa em
desenvolvimento entra em um novo ambiente” (Ibidem, p.20), garantindo assim a
continuidade da experiência que se atualiza em cada nova situação.
O exossistema se refere àqueles ambientes que não envolvem diretamente o
organismo em desenvolvimento como um agente ativo, mas que o afetam indiretamente.
Podemos citar como exemplos pertinentes à esta pesquisa o trabalho dos pais, a sala de
aula dos irmãos, a rede familiar distante.
O macrossistema vai constituir um contexto englobante de importância crucial à
nossa problematização, já que vai permitir a compreensão de como estes contextos já
enunciados se relacionam e de como eles se apresentam na experiência dos sujeitos.
Neste sentido, o macrossistema se refere aos aspectos estruturais de uma sociedade,
sejam eles institucionais ou ideológicos. O macrossistema se refere a
consistências, na forma e conteúdo de sistemas de ordem inferior (micro,
meso, exo) que existem, ou poderiam existir, no nível da subcultura ou da
cultura como um todo, juntamente com qualquer sistema de crença ou
ideologia subjacente a essas consistências (Ibidem, p.21).

Com a finalidade de analisar a influência do ambiente no desenvolvimento


infantil partimos de três hipóteses complementares, a saber: o desenvolvimento infantil
é diretamente influenciado pelo contexto ecológico no qual a criança se encontra
inserida, diferentes contextos ambientais terão impactos diferenciados sobre o processo

30
31

de socialização infantil e, finalmente, a partir de sua experiência no contexto ecológico


a criança produz representações sociais que orientarão sua conduta em relação ao meio
ambiente no qual está inserida.

31
32

5 - Objetivos
Geral

Diante do exposto, objetivamos analisar a influência de diferentes contextos


ecológicos no desenvolvimento infantil.

Específicos

Em termos específicos, serão desenvolvidas ações de pesquisa que permitirão:

1. Efetuar descrição dos aspectos físico-biológicos e culturais dos dois


contextos ecológicos selecionados;
2. Descrever e registrar em vídeo o cotidiano infantil dos dois contextos
ecológicos selecionados;
3. Analisar comparativamente variáveis desenvolvimentais (fluência verbal e
auto-estima) dos dois grupos infantis selecionados;
4. Efetuar levantamento e análise das representações infantis acerca do meio
ambiente em cada do contexto ecológico selecionado.

32
33

6 - Metodologia

Aspectos Teóricos

Optamos pelo método do estudo de caso por tratar-se de uma investigação


pontual e qualitativa, utilizando a técnica da interpretação do contexto e a realização de
um retrato denso da realidade, a partir da utilização de uma variedade de informações,
tendo como objetivo, segundo Macedo (2000), o refinamento e aprofundamento da
problemática enunciada. Chizzotti (2003) considera estudo de caso a
diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular
ou de vários casos a fim de organizar um relatório ordenado e crítico de uma
experiência, ou avalia-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu
respeito ou propor uma ação transformadora (Ibidem, p.102).

O estudo de caso não tem por objetivo padronizar as características do fenômeno


observado, privilegiando a análise profunda dos elementos levantados a partir de
diversas ferramentas metodológicas. O estudo é pontual por se tratar da análise de dois
contextos selecionados sem pretender qualquer generalização. É qualitativo por
manipular dados que não se constituirão como objeto de análise quantitativa que nos
conduza na elaboração de inferências. A interpretação do contexto focaliza as
interconexões que se estabelecem entre os sistemas de pertencimento do sujeito,
buscando destacar que a articulação entre os sistemas revelam aspectos que não podem
ser identificados em cada sistema separadamente. Em síntese, trata-se de estudo
qualitativo que envolve pesquisa de campo com a finalidade de efetuar descrições sobre
a interação que se estabelece entra a criança e seu contexto ecológico.

Os participantes e os contextos em análise

Para esta investigação foram selecionados dois contextos ecológicos para


observação empírica. Os dois grupos de crianças estão aqui identificados por Grupo A e
Grupo B. O Grupo A é constiuído de 10 crianças de 04 a 07 anos de idade, habitantes de
Brejões da Gruta, BA, pertencente ao Município de Morro do Chapéu, na região do
semi-árido baiano. O vilarejo está localizado na Área de Proteção Ambiental (APA),
Gruta de Brejões Vereda do Romão Gramacho. Devido ao clima do tipo tropical semi-
árido ocorre baixa pluviosidade com índice pluviométrico de 474 mm/ano com período

33
34

chuvoso em novembro, dezembro e janeiro. A temperatura média anual temperatura


média anual é de 22°C.

BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO JACARÉ
SEM ESCALA

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860.000 CANARANA

APA-GRUTA DOS BREJÕES


VEREDA DO ROMÃO GRAMACHO
SEM ESCALA

Figura 1 - Mapa da APA – Gruta dos Brejões Vereda do Romão Gramacho. Fonte HIGESA.

34
35

Figura 2 - Panorâmica do Vilarejo de Brejões da Gruta – fotos e montagem de José Otávio Lobo
Name.

O Grupo B é constituído por 10 crianças de 04 a 07 que habitam o vilarejo de


Taipius de Dentro, localizado no município de Maraú, BA, situado na região de mata
atlântica do litoral baiano. O vilarejo está localizado na Área de Preservação Ambiental
da Península de Maraú. Devido ao clima do tipo tropical super-úmido, não há uma
estação seca pronunciada, apresentando alta pluviosidade, superior a 2.000 mm anuais.
A temperatura média anual, devido à influência oceânica, apresenta pequena amplitude
térmica anual, oscilando entre 21 e 25° C. Julho e agosto são os meses mais frios,
enquanto janeiro e fevereiro são os mais quentes2.

1 Dados obtidos a partir do Relatório Final de Zoneamento Ambiental e Diretrizes de uso da APA da
Península de Maraú. BAHIATURSA / INSTITUTO ECOTEMA, Maraú/BA, Petrópolis/RJ: 2000.

35
36

TAIPUS·DE·DENTRO

Figura 3 - Mapa da APA da Península de Maraú. Fonte: Relatório Final de Zoneamento Ambiental
e Diretrizes de uso da APA da Península de Maraú. BAHIATURSA / INSTITUTO ECOTEMA,
Maraú/BA, Petrópolis/RJ: 2000.

36
37

Figura 4 - Fotografia aérea do povoado de Taipus de Dentro. Fonte: Relatório Final de Zoneamento
Ambiental e Diretrizes de uso da APA da Península de Maraú. BAHIATURSA / INSTITUTO
ECOTEMA, Maraú/BA, Petrópolis/RJ: 2000.

Estratégias metodológicas

Em acordo com o referencial conceitual adotado consideramos que a criança, um


ser humano em desenvolvimento, vivencia experiências proporcionadas pelas
dimensões físico-biológica e cultural. Estas dimensões interagem entre si e com a
criança de modo contínuo e dinâmico. A dimensão físico-biológica pode ser observada
nas condições ambientais de um dado contexto a partir das influências diretas que
exerce na qualidade de vida da criança. Deste modo, o cotidiano infantil se constitui
como fonte de informações para esta investigação. O registro videográfico de uma
jornada infantil fornece dados acerca das condições ambientais do contexto, da
qualidade de vida, das interações estabelecidas e dos microambientes freqüentados. Para
análise do microssistema enfocamos o grupo de pares, destacando as qualidades
interativas e as brincadeiras praticadas, seu ambientes, seus objetos e seus temas. A
aproximação da cultura infantil permite observar a criança enquanto ser ativo em seu
contexto. Outro aspecto observado refere-se ao desenvolvimento singular da criança. As
entrevistas individuais e os desenhos temáticos permitem traçar um perfil
desenvolvimental por contexto, a partir da análise da auto-estima e da fluência verbal. O
mesmo material oferece uma aproximação dos significados verbais, gráficos e afetivos

37
38

acerca do contexto da criança e das representações sociais que se revelam. O esquema


da Figura 5 ilustra a articulação dos aspectos observados e as estratégias metodológicas
escolhidas. Este esquema foi esboçado com o objetivo de organizar as hipóteses desta
investigação sem qualquer intenção de propor uma sistematização definitiva de um
plano de estudo do contexto ecológico. De acordo com a figura, as dimensões físico-
biológica e cultural agem diretamente sobre a criança e reciprocamente entre si. Assim,
não se pode jamais considerá-las autonomamente, ainda que durante a observação seja
conveniente diferenciar seus elementos. A dimensão físico-biológica vai determinar as
condições físicas de um dado contexto ecológico que, por sua vez, determinará a
qualidade de vida dos participantes. A qualidade de vida delineará o cotidiano infantil,
estabelecendo quais atividades são prioritárias em virtude das necessidades vitais e de
bem estar que se colocam. O cotidiano infantil se desenrola em settings como a família
ou, mais especificamente, no caso desta investigação, no grupo de pares no qual serão
observadas as qualidades interativas e as brincadeiras. Estes aspectos são a expressão
em ação da cultura infantil que se articula a uma dimensão cultural mais ampla,
contribuindo para sua própria formulação. É a partir desta cadeia de influências
recíprocas que se acredita que a cultura infantil, incorporada na experiência das
crianças, influi no próprio desenvolvimento singular, fazendo com que cada sujeito
perceba o ambiente a partir de sua capacidade significativa, engendrando representações
sociais que são continuamente disponibilizadas no coletivo. Estas representações sociais
influem diretamente na forma como os participantes interagem com o ambiente, seja em
seus aspectos físico-biológicos como culturais, interferindo diretamente na realidade e
em suas possibilidades de transformação. Como estratégias metodológicas de
observação de facetas desse processo elegemos o registro videográfico do cotidiano
para observação do grupo de pares em seus aspectos interativos e para delineamento da
cultura infantil expressa nas brincadeiras. Para análise das representações sociais e de
variáveis desenvolvimentais (fluência verbal e auto-estima) optamos pelo desenho e
pela entrevista.

38
39

DIM ENSÃO
FÍSICO-BIOLÓGICA

representações condições
sociais ambient ais

CRIANÇA
significados verbais,
gráficos e afetivos qualidade de vida

desenvol
entrevista cotidia registro
vimento DIM ENSÃO videográfi
no
singular CULTURAL infantil co do
cotidiano
auto-estima
desenho fluência verbal CULTURA
infantil INFANTIL grupo de pares

qualidades
brincadeiras
interativas
ambient es
objetos
temas

Figura 5 - Diagrama sintético das estratégias de investigação

Registro videográfico do cotidiano infantil

O registro videográfico tem por objetivo viabilizar a análise do contexto


ecológico (ambiente familiar, escolar, grupo de pares, atividades individuais,
brincadeiras). O cotidiano infantil de cada contexto é registrado em suporte digital
(mini-dv) e analisado a partir da observação dos seguintes aspectos:

Qualidade de vida3
 Saneamento básico
 Acesso à água potável
 Pobreza de renda (ambiente doméstico)
 Oferta e qualidade do ensino (ambiente escolar)

3
Estes aspectos se encontram entre as cinco dimensões do ciclo da pobreza estabelecidas no Relatório
Situação Mundial da Infância 2005 lançado pelo UNICEF no dia nove de dezembro de 2004. Excluímos a
mortalidade infantil por ser um dado não disponível por contexto e por seu levantamento superar os
objetivos desta investigação.

39
40

Fatores de risco ou proteção4

 Dimensões espaciais (limites, permeabilidade, acesso e transição)


 Capacidade cognitiva (compreensão de aspectos do ambiente, inclusive das rotas
de escape de uma posição de desvantagem social)
 Integração e participação (chances de interação face-a-face, habilidades para
enfrentar barreiras)
 Contrato social (direitos e obrigações)

Grupo de pares
 Qualidades interativas
 Brincadeiras (ambientes, objetos, temas)

A análise de cada contexto é sistematizada em uma síntese de acordo com ficha de


registro preparada para tal fim (Apêndice 1).

Entrevistas individuais

As entrevistas com as crianças são semi-dirigidas, realizadas a partir de um roteiro


de registro (Apêndice 2) com as seguintes linhas norteadoras:

 Aspectos referentes ao desenvolvimento – avaliação do momento


desenvolvimental psicológico de cada indivíduo a partir de indicadores da
fluência verbal e de pensamento e de auto-estima.
A análise da fluência verbal se efetua a partir de características estruturantes dos
relatos infantis, sendo observados três padrões:
a) Fala clara com seqüenciação adequada
b) Fala compreensível
c) Fala confusa com lacunas e sem seqüenciação dos fatos.

4
Os aspectos assinalados foram propostos por Goodnoow (1993) e apresentados por Bastos, A. C. S.,
Alcântara, M. A.R., Ferreira-Santos, J. E. In LORDELO, E. R., CARVALHO, A.M.A., KOLLER, S.H.
(Orgs.) Infância brasileira e contextos de desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo; Salvador,
BA: EDUFBA, 2002 , p. 101.

40
41

Para análise da auto-estima foram observados os seguintes aspectos:


a) Direção do olhar
b) Interesse no próprio discurso
c) Caráter dialógico ou monológico
d) Entonação – animada ou pesada
e) Criatividade da descrição
f) Riqueza/pobreza de detalhamento
g) Senso de humor

Descrição do seu cotidiano e de seus familiares: a cada criança é solicitada uma


descrição do seu dia-a-dia, do momento em que acorda até quando vai dormir.
Também solicitamos uma descrição acerca do cotidiano de seus familiares.

Desenhos temáticos

A utilização de desenhos infantis como auxiliares avaliativos e diagnósticos tem


sido bastante empregada em estudos sobre a infância. No campo metodológico
estabelecido pela psicologia ambiental esta ferramenta é particularmente indicada já
que, segundo Rivlin (2003),

a identificação da dinâmica que elementos específicos da experiência de lugar


de uma pessoa pode evocar, e o uso de procedimentos de escrita, fotografia e
desenho, podem desvendar pelo menos algumas das partes constituintes
daquilo inicialmente percebido como um campo unitário. Estes métodos
também agem como incitantes da memória, estimulando as imagens
enterradas no passado da pessoa (Ibidem, p.6).

O desenho infantil foi interpretado como modo expressivo da criança desde o início
do século e uma aproximação entre o desenho e a linguagem constituiu-se como campo
para muitas pesquisas (Wallon, 2001). No primeiro quarto do século XX a abordagem
era basicamente psicométrica, investigando o desenho em termos de nível psicológico
(ou QI). No período após a segunda guerra se dá o surgimento de uma perspectiva
projetiva que inclui a análise dos símbolos em uma abordagem psicanalítica. Esta
perspectiva conduziu a uma análise desenvolvimental que prevalece até hoje e que
propõe a identificação de tipos de acordo com a idade além do desenvolvimento de
testes com figuras geométricas. Gardner (1980) destaca duas linhas investigativas a
serem estabelecidas para a compreensão do desenho infantil: a primeira trata o desenho

41
42

objetivamente como um código a ser decifrado, a segunda busca descobrir os


significados ou mesmo o significado da arte infantil. Ressalta a importância do desenho
sob o ponto de vista cognitivo, afirmando que o desenho se aproxima mais daquilo que
acriança conhece do que daquilo que ela vê. Assim, a inteligência pode se expressar
pela quantidade de detalhes e elementos, e os desenhos passam a ser percebidos como
índices de fenômenos da vida em geral como, por exemplo, a expressão de busca da
ordem, comunicação e do tipo de sociedade em que vivemos. Cox destaca que “O
modo com que cada parte do corpo é representada reflete o estilo individual de cada
criança, mas as crianças são também influenciadas pelo estilo local usado por outras
crianças e adultos da comunidade.” (Cox, 200, p.80). Segundo Méridieu (2003) a
criança utiliza o desenho como linguagem. Assim, podemos lê-lo, captar sua mensagem,
seu desejo, seus meios de expressão, sua dinâmica, sua função, seu lugar, seu tempo.
Entretanto devemos ser cautelosos e atentos em nossas interpretações. Segundo o autor,

A “arte infantil” situa-se aquém da fronteira que dissocia a vida cotidiana da


arte considerada como atividade de luxo; ela ignora esse corte que o adulto
estabelece entre a cultura e a vida, corte que a torna um ser sempre mutilado,
castrado de uma parte de si mesmo. Real e imaginário indissolúveis, o
pensamento mágico da criança evolui à maneira do jogo, que funciona ao
mesmo tempo como simulacro e verdade: tudo é susceptível de ser
transmutado nesse universo, e intercâmbios perpétuos se produzem nesse
meio em que as palavras ainda são coisas, e as coisas maleáveis como não
podem ser os signos da linguagem adulta (Ibidem, p.7).

42
43

Para este trabalho utilizamos a Grade de Bordeaux (Anexo 1), formulada por
Greig (2004), com o objetivo de fornecer uma base de linguagem comum para
investigações acerca do desenho infantil. Sem estabelecer uma faixa etária referente a
cada tipo, o autor buscou justamente fugir da criação de estereótipos e preservar a
compreensão processual e evolutiva do desenho. Greig, em suas recomendações de
aplicação da grade para análise de desenhos infantis, reforça que a criança deva ser
considerada sempre em suas eficiências. O desafio de uma grade é justamente o de
atender à necessidade da “flexibilidade clínica” mantendo o rigor necessário às
investigações científicas. A Grade de Bordeaux se apresenta em três partes referentes à
organização dos primeiros traçados, organização progressiva das figuras e a organização
de volumes e do espaço. A primeira parte não será utilizada em virtude da faixa etária
dos grupos estabelecidos. A segunda parte apresenta uma classificação em 5 tipos:

Tipo 1 – figura primária e figura-girino


Tipo 2 - verticalização/horizontalização e “pequenas” formas agregadas
Tipo 3 – grandes formas agregadas, primitivas e únicas
Tipo 4 - encadeamento de figuras agregadas, desenvolvimento da forma inclusa
Tipo 5 – acabamento completo e diferenciado.

Esta tipologia pode ser aplicada para o desenho da casa, do personagem, animal,
ou outro desenho efetuado pela criança. Esta investigação detém-se ao personagem,
efetuando também uma análise do desenho da casa ou do animal, caso estes surjam
espontaneamente.

A terceira parte da grade é utilizada para análise da organização de volumes e do


espaço, estabelecendo uma tipologia de quatro fases:

Tipo A - Ponto de vista único (espaço apenas com linha de solo, grama, flores;
espaço com linha de céu ou nuvens; espaço com três faixas, espaço com linha de
horizonte; justaposição ou estereótipos)
Tipo B - Junção sincrética (rebatimentos; transparências de superposição;
materialização das ações)
Tipo C - Busca de profundidade (primeiras manifestações de interrupção-
continuidade; início da coordenação de posições e planos; transparências de
esquematização)
Tipo D - Perspectiva convencional (boa utilização do processo de interrupção
continuidade; boa coordenação das posições e planos)

43
44

Complementado a Grade de Bordeaux, utilizamos a classificação proposta por


Muschoot e Demeyer (1974)5 para análise dos desenhos de árvores:

A - isolada
B – inserida na borda
C – sobre a linha do solo
D – solo em interrupção-continuidade

Para avaliação da auto-estima e para que se possa extrair um possível perfil coletivo,
os desenhos serão cotados em uma grade própria, estruturada para esta investigação
(Apêndice 3). Cada criança entrevistada é convidada a desenhar em um papel branco
quadrado (21 cm). A opção por um suporte não-retangular busca não induzir
posicionamentos horizontais ou verticais do papel. São fornecidos lápis preto e
borracha. Os temas propostos são:
 1º desenho - Eu - análise do desenvolvimento e da auto-estima.
 2º desenho - A natureza - análise do desenvolvimento e das representações
sociais (afetivas e culturais) acerca do ambiente do qual a criança participa.

5
F. Muschoot e W. Demeyer. In GREIG, P. A criança e seu desenho: o nascimento da arte e da escrita.
Porto Alegre: Artemed, 2004.

44
45

6 - Análise dos dados

Iniciamos com a apresentação da incursão e dos dados por cada contexto para
posteriormente conduzir uma análise comparativa e depreender algumas conclusões.
Para composição da síntese videográfica que serviu de base para análise optamos por
assistir todo material bruto que contempla desde os aspectos bio-físicos de cada
contexto, seu vilarejo, suas moradias, suas instituições, os espaços escolares e
circundantes, as áreas de lazer. Nas residências buscamos registrar todos os cômodos, as
áreas externas, a rua, a vizinhança. Os grupos infantis em suas atividades lúdicas
também foram filmados e analisados. Em efeito, a própria criança em foco nos conduzia
nos espaços pelos quais habitualmente transita. As atividades laborativas dos pais
também foram ilustrativamente registradas quando aconteciam no vilarejo. O material
videográfico está em fase de edição no laboratório de comunicação da UESC e terá
como produto um vídeo documentário acerca da temática da pesquisa. O registro
videográfico, a roteirização e edição estão sendo efetuados com a participação de uma
bolsista de iniciação científica aluna da graduação em comunicação social.

Brejões da Gruta
O vilarejo de Brejões da Gruta já foi por nós visitado em diversas oportunidades
(2001,2002, 2004, 2005). Em todas as ocasiões efetuamos registros videográficos do
cotidiano de seus habitantes e mais especificamente do cotidiano infantil. Outras
iniciativas investigatórias foram por nós efetuadas como a realização de três
vídeodocumentários, sendo um acerca de da APA de Gruta de Brejões/Veredas do
Romão Gramacho, outro composto por entrevistas com os adultos (Dependurados no
Tempo – realizado por dois bolsistas de iniciação científica da comunicação social)
acerca de suas condições de vida e ainda um terceiro acerca do cotidiano infantil (Luana
de Brejões). Estudos pontuais na área de folkcomuicação também foram por nós
conduzidos com enfoque na Romaria de Nossa senhora dos Milagres cuja imagem se
encontra em um altar no interior da gruta que dá nome ao vilarejo (artigo apresentado na
8ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação em Teresina, 2005 e intitulado Os ex-
votos como expressão material das representações sociais – a construção de um plano
de análise). Na expedição organizada para a coleta dos dados especificamente para esta
investigação passamos quatro dias no vilarejo, captando imagens e efetuando

45
46

entrevistas. As crianças já familiarizadas conosco não apresentavam qualquer


resistência consciente em colaborar. Cada criança era convocada a desenhar a si mesmo
e em seguida a natureza. Após o desenho as entrevistas foram efetuadas. Todo o
procedimento foi realizado em uma casa desocupada na qual estávamos instalados e que
foi gentilmente cedida por um dos moradores que tomava conta dela. Nossos contatos
com esta comunidade sempre foram de extrema cordialidade e de simpatia mútua, nosso
interlocutor inicial foi Aloísio Cardoso, na época administrador da APA enquanto
funcionário do CRA (Centro de Recursos Ambientais da Bahia), figura muito respeitada
pela comunidade não enquanto uma autoridade governamental mas como parceiro na
busca pela superação das dificuldades. Assim, pudemos desenvolver o trabalho de
forma muito tranqüila, superando dificuldades básicas como ausência de energia
elétrica, fundamental para filmagens noturnas e para recarga das baterias do
equipamento (através de um conversor efetuamos a recarga na bateria do carro). A
ausência de água nas casas (assim como de banheiros) e a péssima qualidade da água
disponível na fonte próxima também dificultavam nossa tarefa, fazendo com que
perdêssemos muito tempo com a preparação de alimentos ou ainda que para tomar
banho tivéssemos que andar por quase dois quilômetros no interior da gruta aonde havia
um pequeno lago de água limpa. O calor excessivo fazia com que nossos deslocamentos
ao ar livre fossem limitados em um certo período do dia que aproveitávamos para as
entrevistas e organização do material. As próprias crianças se empenhavam em
colaborar tanto em aspectos diretamente relacionados com a pesquisa como em outras
atividades diárias como incursões nos arredores, coleta de água, empréstimo de
utensílios, etc. Devemos também destacar a colaboração voluntária do professor
responsável que liberava os alunos em horário de aula para que as entrevistas fossem
efetuadas e fornecia informações complementares de grande utilidade. As crianças
participaram das filmagens de muito bom grado, buscando na memória do grupo as
brincadeiras que faziam parte de seu repertório e bastante excitadas pelo fato de estarem
sendo filmadas ou fotografadas (cópia do material já editado e das fotografias foram
posteriormente entregues aos participantes), fizemos algumas experiências informais de
auto-filmagem e devido à relativamente expressiva quantidade de incursões no campo
ainda temos muito material videográfico (uma média de 20 horas de filmagem) que não
foi incorporado nesta investigação mas que pode ser utilizado em outras ocasiões. As
famílias também colaboraram bastante, sendo extremamente receptivas e partilhando

46
47

conosco o pouco que tinham. As autorizações de pesquisa foram devidamente efetuadas


pelos responsáveis das crianças entrevistadas e filmadas. As gravações no interior das
residências contaram também com a plena colaboração de seus moradores que não
colocaram qualquer obstáculo ou restrição quanto aos locais da casa que poderiam ser
filmados nem tampouco quanto aos horários de registro.

A. Cotidiano infantil
As atividades cotidianas de Brejões da Gruta não apresentam diferença marcante
entre os gêneros, meninos e meninas efetuam as mesmas atividades como pegar água,
lavar louça ou tomar conta dos menores. As roupas são lavadas pelas mulheres e as
crianças se limitam a ajudar a estender. Outras tarefas domésticas, como varrer ou
arrumar, são compartilhadas pelas crianças sem distinção de gênero. Apenas quando se
deve acompanhar o pai na roça ou cuidar dos animais (burros) pudemos observar uma
preferência pela mão-de-obra dos meninos. Nas pequenas colheitas (feijão, milho) as
meninas participam como os meninos. Vale lembrar que no vilarejo se encontram mais
meninas que meninos, sobretudo quando se aproxima a adolescência.
O cotidiano infantil descrito nas entrevistas é bastante homogêneo para o grupo
e pode ser resumido como: acordar, lavar o rosto, escovar os dentes, ir buscar água,
tomar café, ir para a escola, ler a lição, escrever, brincar no recreio e merendar, voltar
para sala, descer para tomar banho na fonte, almoçar, buscar água, lavar prato, enxugar,
arrumar, brincar, tomar café e ir dormir. Eventualmente ajuda a quebrar milho, mamona
e lavar roupa. As crianças passam todo seu tempo no vilarejo e seus arredores de terreno
pedregoso (Figura 6).

47
48

Figura 6 - Casa típica do povoado de Brejões da Gruta. Foto realizada pela pesquisadora.

B. Microssistemas:

Família

Os ambientes familiares são compostos em sua maior parte por mulheres e


crianças, visto que a maioria dos homens é constituída por trabalhadores rurais que
trabalham em outros municípios e estados como Barreiras e São Paulo, estando ausente
na maior parte do ano. Algumas crianças moram com seus avós. A convivência
interativa predominante se dá em grupo infantil multietário, com as crianças mais velhas
zelando pelas mais novas, carregando-as e entretendo-as. Os homens que residem no
vilarejo cuidam de suas roças próprias de mamona, milho, melancia, umbu e feijão.

Grupo de pares

O grupo de pares é o ambiente no qual as crianças passam a maior parte de seu


tempo, mesmo quando estão na escola. Interações face-a-face são constantes e marcadas
pela cooperação no cuidado com os mais novos. As crianças interagem buscando
soluções para questões cotidianas em uma comunicação fluente e bem coordenada. Pelo
fato de circularem com bastante liberdade pelo contexto natural, não estão sob uma
vigilância adulta absoluta, gozando de autonomia interativa com o meio ambiente.

48
49

Assinalamos a ausência completa de brinquedos, sejam estes industrializados ou


artesanais. Ocasionalmente aparece no vilarejo uma bola ou uma corda. As brincadeiras
infantis mencionadas foram amarelinha, ouro ou prata, pega o tango, tanta laranja
madura, roda, atirei o pau no gato, passarau, rica/pobre, 1...2 feijão no prato, marcha
soldado, a menina que gosta de trancinha, me pintinho amarelinho, casinha/boneca,
história de macaco.

Escola

A escola é a única instituição presente no vilarejo, atendendo os alunos da


primeira à quarta série do ensino fundamental, pelo turno da manhã. O espaço escolar
constitui-se de uma sala para o desempenho das atividades, reunindo as quatro séries em
uma única turma. O único professor tem nível médio e é contratado apenas para o turno
matutino. A merenda preparada por uma das mães é oferecida quando os mantimentos
são enviados pela prefeitura sendo também distribuída entre os menores não
matriculados. Ainda que não estivesse entre nossos objetivos avaliar a escola e seus
métodos pedagógicos, pudemos constatar que o professor se limitava a aplicar os livros
fornecidos pelo MEC, se havia algum conteúdo na direção da educação ambiental ele
estava inserido no material didático mencionado. O único professor efetuou seu ensino
médio na sede do município Morro do Chapéu não tendo participado de qualquer outra
capacitação ou reciclagem posterior.

C. Mesossistemas:

O vilarejo está localizado na Área de Preservação Ambiental (APA) de Gruta de


Brejões/Veredas Romão Gramacho6. A APA se distribui em uma área de 11.900 ha,
inserida nos municípios de Morro de Chapéu, João Dourado e São Gabriel. Seu relevo
tem altitude máxima de 730 m e mínima de 450 m. Seu índice pluviométrico é de 474
mm/ano, com período chuvoso em novembro, dezembro e janeiro. De tipo climático
semi-árido, a temperatura média anual é de 22°C. Devido ao seu isolamento geográfico,

6
Fonte de dados: CARDOSO, A. Proposta para projeto junto à UNESCO para tombamento da APA
Gruta dos Brejões Vereda Romão Gramacho como Patrimônio Mundial Geo Park. CRA: 2002.

49
50

o contexto ecológico em análise é pouco povoado abrigando formações geológicas


notáveis, inúmeras espécies animais raras e ameaçadas de extinção, além de sítios
arqueológicos e paleontológicos importantes. A utilização precária de seus recursos
determina a qualidade de vida das comunidades que ali habitam. A água disponível na
superfície é escassa e as fontes utilizadas para consumo humano não são protegidas.
Pelo fato de serem compartilhadas com os animais (bois, cabras e porcos), a água do
Rio Jacaré na ressurgência próxima ao povoado de Brejões da Gruta é contaminada por
coliformes fecais, sendo imprópria para consumo humano7. Os grandes períodos de
seca fazem com que a disponibilidade de alimentos não seja uniformemente distribuída.
Durante a maior parte do ano, as famílias vivem em condições de miséria e precariedade
sem acesso aos serviços básicos de promoção da saúde e do bem-estar. As fotos
abaixam retratam o povoado durante os períodos seco e chuvoso.

7
Segundo dados da HIGESA em análise efetuada no ano de 2001 a pedido do Centro de Recursos
Ambientais.

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Figura 7- Povoado de Brejões da Gruta no período seco. Foto de Aloisio Cardoso.

Figura 8 - Povoado de Brejões da Gruta na época de chuvas. Foto de Aloisio Cardoso.

D. Exossistemas:

O exossistema considerado foi a atividade laborativa dos pais. No grupo


observado, a maioria dos pais passa grande parte do ano fora trabalhando em outras
zonas rurais como foi acima mencionado. Os poucos que residem no vilarejo têm

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pequenas roças próprias nas quais as crianças colaboram com o plantio, a manutenção, a
colheita e o tratamento manual posterior.

E. Macrossistemas:

Em suas dimensões institucionais, o macrossistema se faz pouco presente. As


influências externas são de difícil apreciação, no relato dos moradores percebemos a
visita de políticos em períodos eleitorais. Sem energia elétrica a informação chega pelo
rádio e pelos visitantes esporádicos. Mesmo não sendo o foco de nosso trabalho
classificar esta comunidade como tradicional ou não, podemos afirmar que a influência
religiosa é mínima ou pouco explícita, a festa católica dedicada a nossa Senhora dos
Milagres8 é assimilada pela comunidade que incorpora no evento elementos profanos
através dos reisados que, apesar de oficialmente rezarem para a santa, continuam sua
festa no vilarejo. Nesta ocasião os moradores oferecem comida e bebida alcoólica aos
participantes que entoam músicas não religiosas como samba-se-roda e outros ritmos de
ascendência africana. As notícias e informações chegam através do rádio, presente em
algumas casas. O vilarejo é visitado em campanhas políticas durante as quais acontecem
as promessas de favores e a distribuição de camisas. As condições de vida e de bem
estar daquela comunidade são determinadas por conjunturas políticas, sociais e
econômicas de dimensão macro. As dinâmicas municipal, estadual, nacional e global
repercutem no cotidiano do vilarejo sem que seus habitantes participem desse processo
de forma ativa. Algumas crianças têm bolsa escola mas o alto custo com transporte para
ir resgatar o benefício faz com que muitas mães não se dirijam até a sede do município,
desperdiçando, desta forma, os benefícios daquela política social.

F. Aspectos desenvolvimentais

A análise dos desenhos através da grade de Bordeaux revela um grupo bastante


uniforme, o que permite traçar um perfil que represente o momento desenvolvimental

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Devemos registrar que a Gruta de Brejões tem um altar no qual estão depositados ex-votos da Romaria
de Nossa Senhora dos Milagres, que acontece anualmente no dia 15 de agosto. Mais detalhes podem ser
encontrados em PROFICE, C. e AMIM, V. Os ex-votos como expressão material das representações
sociais – a construção de um plano de análise. 8ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação. Teresina,
2005.

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registrado (cf. Apêndice 4). Alguns desenhos da figura humana apresentaram defasagem
em relação a faixa etária correspondente, sem que isso signifique uma correspondência
de atraso no plano desenvolvimental. Não podemos deixar de assinalar o caráter
rudimentar presente no conjunto dos desenhos revelando menos uma incapacidade
pessoal e mais uma limitação grupal no que diz respeito ao ato de desenhar e à
manipulação de representações imagéticas. Podemos observar nos desenhos de Denis
(Figura 9) e Ana Cássia (Figura 10) a dificuldade em representar as proporções e o
equilíbrio corporal apesar do domínio dessas habilidades já ter sido cognitivamente
atingido.

Figura 9 – Auto-retrato (Denis – 7 anos)

Figura 10 – Auto-retrato (Ana Cássia – 7 anos)


No desenho de Adão (Figura 11) observamos sua figura centralizada na folha sem
linha de apoio, com corpo disforme, ovalóide. Os braços também são disformes com
quatro dedos em uma mão três dedos (curtos) na outra. Também notamos a ausência de

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indicação de gênero que já seria esperada para sua idade. Os pés quadrados com
primitiva indicação dos dedos e o rosto com olhos, nariz e boca com distâncias não
convencionais denotam dificuldade em expressar graficamente noções corporais já
adquiridas. Em Lucio (Figura 12) temos também uma figura bastante primitiva,
verticalizada e sem linha de base, com membros e mãos em traços, pescoço alongado,
braços curtos em arco e com mãos de quatro dedos. Sem caracterização de gênero e com
ausência de boca ou cabelo seu desenho não corresponde às noções corporais já
adquiridas pela criança.

Figura 11 – Auto-retrato (Adão – 11 anos)

Figura 12 - Auto-retrato (Lucio – 7 anos)

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Figura 13 – Auto-retrato (Amélia – 8 anos)

O auto-retrato de Amélia (Figura 13) se apresenta através de uma figura no centro


da folha sem linha de apoio, com corpo retangular de pernas e braços em traços. Os pés
são incipientes, não havendo a representação das mãos. Sinalizamos a presença de
umbigo e um pescoço desproporcionalmente grosso. No rosto com olhos, nariz e boca
Amélia desenhou a expressão de um sorriso. Os cabelos em fios paralelos sobre a
cabeça e os braços em asa de xícara caracterizam uma representação interessada em
uma correspondência fidedigna com o real apesar dos traços rudimentares. Tânia
(Figura 14) cria uma figura palito alongada, com braços e pernas desproporcionais, sem
mães e pés, de rosto vazio sem olhos. Utiliza uma linha como cabelo e não desenha
qualquer identificação de gênero. Sua figura está apoiada em duas formas (colinas) que
saem em arco da linha de base. Tanto a precariedade dos traços da figura como de seu
equilíbrio denota uma inabilidade em efetuar ma representação gráfica da figura
humana e de sua localização espacial.

Figura 14 – Auto-retrato (Tânia – 10 anos)

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Figura 15- Auto-retrato (Eunice – 8 anos)

Eunice (Figura 15) se representa como uma figura acima da linha de base
(ondulada), a mão direita se superpõe em transparência a uma árvore de copa em nuvem
e tronco paralelo e grosso com as raízes expostas também acima da linha de solo. Aqui
também evidenciamos a tentativa de Eunice em ser fidedigna com a realidade e seus
elementos sem contudo alcançar uma correspondência visual com o que se vê e com o
que se vive em termos corporais já que com a idade de oito anos a noção de que os
corpos pousam sobre o solo já é consolidada. A representação gráfica entra em
descompasso com o conhecimento sinestésico. Em sua figura de pescoço longo e grosso
os traços femininos são discretos como através do cabelo em arco sobre a cabeça. Os
Olhos vazados parecem não estar de acordo com a expressão de sorriso. Os braços
abertos com mãos de quatro dedos confirmam a discrepância entre o conhecimento
corporal e a capacidade de representá-lo graficamente.

Fluência Verbal e Auto-estima

A avaliação da fluência verbal não permitiu individualizar qualquer elemento que


nos conduzisse a atribuir a uma criança em particular problemas na organização de
idéias ou ainda na comunicação. Os erros de fala (em relação à norma culta) e falhas na
fluência discursiva não podem ser considerados como incapacidade pessoal, mas antes
refletem o contexto cultural e escolar no qual se encontram as crianças entrevistadas.
Algumas hesitações ou confusões nas entrevistas não revelaram dificuldades
desenvolvimentais pessoais, mas manifestavam timidez e retraimento diante da situação

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de entrevista com um adulto “de fora”. Não foi possível identificar nenhum desenho que
manifestasse uma auto-estima enfraquecida ou abalada, o que se evidenciaria por
organizações de figura humana sem fechamento, pela indefinição das partes corporais,
pela ausência de elementos identitários elementares como a cabeça ou os olhos, pela
presença de mutilações, ou ainda por uma representação excessivamente pequena em
relação ao espaço disponível. Ainda que a maior parte das figuras apresente
desproporcionalidades acentuadas ou mesmo deformações em membros e extremidades,
não podemos atribuir essas características a alguma dificuldade interpessoal no plano
afetivo, mas sim à ausência de prática e familiarização com o ato e desenhar e a
produção de imagens conforme discussão que conduziremos mais adiante. Destaca-se a
robustez das figuras, especialmente aquelas femininas, nas quais a imagem de eu que as
meninas fazem de si apresentam traços masculinos e grosseiros, camuflando qualquer
sinal de fragilidade ou leveza próprios da infância de da feminilidade. As roupas são
masculinas, o corpo pesado e sem definições femininas, mesmo quando os mamilos
estão indicados. Camila produz um auto-retrato (Figura 16) robusto e pouco delicado, o
corpo é composto de um só bloco, sem definições ou formas femininas. Ana (Figura 17)
também faz um auto-retrato no mesmo estilo. Somente os cabelos longos indicam que
pode se tratar de uma personagem do sexo feminino. Elena (Figura 18) também se
desenha com traços robustos e a feminilidade é expressa na presença dos mamilos e no
penteado. Acredita-se que esta robustez da figura feminina no grupo expressa a
contribuição significativa das meninas nas tarefas cotidianas, desde as mais domésticas
como o trato da casa e cuidado dos menores até aquelas nas quais a força física e a
resistência são requisitadas como, por exemplo, carregar água do riacho para a casa.
Outro aspecto a ser levado em consideração é escassez de espelhos nas casas. Estes,
quando encontrados, são pequenos e não fornecem uma imagem integral do corpo. A
falta de referência desta perspectiva faz com que a imagem mental que a criança tem de
si não seja visualmente harmônica em seu equilíbrio mesmo quando os elementos
principais estão representados. Fotografias também não são presentes no vilarejo, assim
como toda forma de imagem, relembrando que nenhuma casa dispõe de energia elétrica
e televisão. No plano relacional, as figuras desenhadas são, em sua maioria, sorridentes
e receptivas, não revelando qualquer indicativo de uma personalidade retraída ao outro
por limitações afetivas auto-referentes.

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Figura 16 – Auto-retrato (Camila - 10 anos)

Figura 17 – Auto-retrato (Ana – 10 anos)

Figura 18 – Auto-retrato (Elena – 9 anos)

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G. Representações da natureza
No que diz respeito à organização espacial, apenas uma criança já consegue
esboçar suas primeiras tentativas na direção de uma perspectiva convencional, iniciando
suas experimentações no que foi denominado junção sincrética (Figura 26). Todos os
outros participantes desenham a partir de um ponto de vista único, etapa mais primitiva
do desenho no que se refere à organização espacial e da disposição de seus objetos. No
desenho de Camila (Figura 19) podemos constatar que apesar da criança dominar os
aspectos tridimensionais da realidade seu desenho ainda se limita a uma única
perspectiva, evidenciando pouca habilidade na representação gráfica dos elementos de
um dado contexto.

Figura 19 - Natureza (Camila – 10 anos)


O conjunto dos desenhos produzidos representa a natureza de forma pouco
precisa. Durante a sessão de desenho, as crianças expressavam dúvidas acerca da
expressão “natureza” e de desconhecimento sobre o que deveria ser feito diante da
solicitação “desenhe a natureza”. A expectativa da aplicação do instrumento era a de
que a criança desenhasse a natureza na qual ela se encontra inserida afim de que
pudéssemos extrair quais as representações sociais que lhe são subjacentes. Ana Cássia
(Figura 20) representou a natureza com uma casa. Adão (Figura 21) também utilizou a
casa como representação da natureza porém seu desenho nos traz uma casa/cabana
triangular de porta estreita, sem janelas, de telhado quadriculado no topo do triângulo,
bem diferente das casas que se encontram no povoado.

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Figura 20 – Natureza (Ana Cássia – 7 anos)

Figura 21 – Natureza (Adão – 11 anos)

Elementos naturais ou mistos (isolados) também constituíram a opção de várias


crianças deste grupo. Amélia (Figura 22) desenhou uma flor com poucos detalhes e sem
um contexto que lhe envolvesse. Elena (Figura 23) desenhou um vaso com flores sem
linha de apoio no qual está plantado um galho florido simétrico com três ramos de flores
com núcleo central e pétalas em torno. Eunice (Figura 24) representou um sol/flor
irradiado no centro do quadrado. Lucio (Figura 25) desenhou um galho seco com traços
simples.

Figura 22 – Natureza (Amélia – 8 anos)

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Figura 23 - Natureza (Elena - 9 anos)

Figura 24– Natureza (Eunice – 8 anos)

Figura 25 – Natureza (Lucio – 7 anos)


Uma primeira característica que se depreende do conjunto dos desenhos é a opção
por representar a natureza com um só elemento, seja a casa, a flor ou a vegetação,
exprimindo uma representação de natureza como aquilo que lhe cerca, lhe rodeia e lhe
abriga. A figura humana é pouco presente (somente em dois desenhos), indicando que
um certo distanciamento entre o eu (desenho realizado antes) e a natureza (ou aquilo
que me cerca) pode ser efetuado. O desenho de Ana (Figura 26) apresenta uma casa

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bem diferente da sua, nesta temos uma caixa d´água, um banheiro com vaso sanitário e
um chuveiro com ducha no qual ela sorridente toma banho. Do lado de fora uma árvore
frondosa proporciona sombra. Elementos naturais (água e sombra) e humanos (sanitário
e ducha) são inseridos nessa representação bastante distante da experiência real. Aqui se
pode depreender uma representação de natureza vinculada ao bem estar proporcionado
por elementos naturais e humanos.

Figura 26 – Natureza (Ana - 10 anos)

Figura 27 – Natureza (Tânia – 10 anos)

Tânia (Figura 27) representa a natureza com elementos humanos, construídos e


naturais através de uma casa com linha de apoio acima da linha de base. Através da
transparência empregada podemos ver uma menina palito no interior, de cabelo
triangular, com braços saindo do pescoço e pernas pequenas e desproporcionais. A porta
da casa é grande e central, a janela é alta e podemos observar uma luz interna sob o

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telhado triangular com linhas onduladas. Fora da casa encontramos linhas externas que
acompanham o telhado e preenchem o espaço da folha. Na lateral da casa uma corda
com bandeirolas ou roupas, do lado esquerdo uma flor grande dentro de um vaso na
altura da janela. Denis (Figura 28) também optou por representar a natureza com uma
casa de proporções inadequadas.

Figura 28 – Natureza (Denis - 7 anos)


O desenho é uma atividade espontânea da criança, mas sua evolução é diretamente
condicionada pelos meios materiais e tecnológicos disponíveis culturalmente. As
crianças deste grupo desenham quase que exclusivamente na escola que fornece suporte,
material precário e muitas vezes o tema, sem, contudo efetuar uma orientação dirigida
para a expressão plástica. Os materiais disponibilizados são escassos e com pouca
variedade, as imagens circulantes são aquelas dos poucos livros didáticos que estão na
sala. Ou seja, um universo de imagens pouco diversificado não estimula o
desenvolvimento na produção de desenhos. Não se pode exigir para as crianças desse
grupo o que se espera de uma criança que tenha acesso a um universo gráfico rico,
proporcionado pela televisão, revistas e livros. A escola que tradicionalmente concorre
com os outros meios como referência para produção de imagens não exerce aqui esta
função, devido às suas características acima destacadas.

H. Discussão

O grupo infantil de Brejões da Gruta apresenta, em termos desenvolvimentais,


peculiaridades diretamente relacionadas com seu contexto ecológico. Por viverem a
maior parte do tempo no grupo de pares, participando de interações faca-a-face com
participantes de diversas faixas etárias, as crianças têm oportunidades interativas

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constantes e significativas. A autonomia no cuidado de si e do outro, assim como


algumas responsabilidades assumidas pelas crianças fazem com que muitas habilidades
vivenciais sejam desenvolvidas precocemente como por exemplo na precisão da
coordenação motora fina para a manipulação de objetos, utensílios e ferramentas. Em
contrapartida, mesmo sem uma avaliação psicopedagógica, podemos atribuir a este
grupo um visível atraso escolar que se revela, por exemplo, na forma como que as
crianças dominam a escrita. A escola, atualmente única oportunidade de contato com a
cultura mais ampla e com os conhecimentos científicos, não exerce esse papel,
funcionando como reprodutora das limitações locais. Neste sentido, não consideramos a
escola como um microssistema diferenciado do grupo de pares em termos de estímulo
ao desenvolvimento. A família não se apresenta como via de superação daquilo que é
culturalmente disponibilizado, mas também não exerce papel limitador ao
desenvolvimento. A ausência paterna torna o cotidiano das mulheres e das crianças mais
árduo, atualizando reflexões sobre a construção de identidades a partir de referências
paternas e maternas e acerca dos papéis masculinos e femininos.
Buscando uma abordagem do desenvolvimento global da criança e do grupo
devemos destacar a facilidade com que as crianças transitam no seu contexto ecológico,
conhecendo suas variações, fases, possibilidades e restrições. Podemos dizer que as
crianças do vilarejo são preparadas pra viver aonde vivem, o que poderia orientar uma
reflexão acerca do que seria uma educação adequada ou um desenvolvimento salutar.
As condições bio-físicas do contexto interferem diretamente nas atividades
cotidianas, estabelecendo possibilidades e limitações desenvolvimentais. Como foi
destacado anteriormente, a interação pouco mediada com o ambiente, ou seja sem a
predominância de utilização de artefatos ou recursos tecnológicos avançados, estimula o
desenvolvimento de habilidades motoras e de observação. A circulação livre faz com
que as crianças conheçam várias espécies animais e vegetais, assim como seus ciclos, o
que lhes permite seu uso alimentar, farmacêutico e lúdico. Coletar água para utilização
doméstica é uma atividade que ocupa um tempo significativo das crianças, a fonte fica
distante do vilarejo cerca de duzentos metros de descida, aonde também são efetuados o
banho coletivo e a lavagem de roupa. A água trazida pelas crianças é bebida e utilizada
na preparação de alimentos sem qualquer tratamento.
A atividade laborativa exercida pelos pais também exerce influência no
desenvolvimento infantil pelas razões acima destacadas quando abordamos o contexto

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familiar. Como a oportunidade de garantir o sustento é vislumbrada distante do vilarejo,


qualquer investimento pessoal no ambiente imediato é limitado. As crianças sabem que
um dia deverão partir, seja para trabalhar ou para dar prosseguimento aos estudos.
O macrossistema teve sua apreensão e análise limitadas pelas ferramentas
metodológicas adotadas nesta investigação. Contudo, podemos iniciar uma reflexão
acerca de sua interferência no desenvolvimento infantil. O isolamento geográfico, a
dificuldade de acesso e a insuficiência de meios de comunicação (apenas o rádio)
tornam Brejões da Gruta um contexto isolado da dinâmica contemporânea. A falta de
acesso à saúde e educação de qualidade faz com que atualmente o macrossistema se
faça perceber pela sua ausência e somente uma reversão significativa nas políticas
públicas ou através da intervenção por parte de organizações não governamentais
possam trazer alguma diferença que interfira positivamente no desenvolvimento infantil.

Taipus de Dentro
O registro videográfico e as entrevistas em Taipus de Dentro foram efetuados
em dois dias de incursão no vilarejo. Ao contrário de Brejões da Gruta esta era uma
comunidade desconhecida por nós. Em nosso plano inicial pretendíamos efetuar a
pesquisa em um outro vilarejo da mesma APA (Barra Grande) cujo grupo infantil já
vinha sendo informalmente observado desde 2000. Porém, o vilarejo em questão sofreu
um aumento populacional importante nos últimos anos em função das atividades
turísticas que tiveram um incremento massivo, trazendo para a vila novos habitantes, de
vários estados e nacionalidades, efetuando uma composição comunitária muito
interessante mas que julgamos inapropriada para os objetivos de nosso estudo. O
próprio envolvimento desta pesquisadora enquanto moradora ocasional e sobretudo os
vínculos afetivos estabelecidos com o grupo infantil que vinha sendo observado
constituíram-se como uma razão a mais para alteração de local de pesquisa. O vilarejo
de Taipus de Dentro foi escolhido por ser, dentre as comunidades da península de
Maraú, a que mais conservou seu perfil diante da onda de turismo que se investiu sobre
a região. Não queremos com isso afirmar que a vida dos moradores não sofreu
alterações em detrimento do turismo mas consideramos que o cotidiano infantil e os
aspectos paisagísticos foram menos alterados do que nos outros vilarejos da península.
Por esta razão nossa incursão pode ser classificada como mais pontual e menos
implicada, nosso contato imediato foi com o diretor da escola freqüentada pelas crianças

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na faixa etária de nosso interesse. Após a apresentação da equipe (a pesquisadora, o


orientador e a bolsista) e dos objetivos da pesquisa, tivemos autorização para efetuar as
entrevistas em uma sala da escola que foi colocada a nossa disposição. Aqui também as
crianças colaboraram prontamente mesmo que de forma mais tímida pelo fato de
estarmos em nosso primeiro contato. As autorizações foram concedidas pelo diretor da
escola que nos deu informações adicionais acerca do cotidiano das crianças e nos
indicou os melhores locais de observação. Como no outro contexto, acompanhamos o
cotidiano de uma criança que nos conduziu até a sua casa aonde pudemos registrar suas
atividades e seus ambientes (com uma média de 6 horas de gravação). A família não
participou ativamente do registro (apenas a avó e algumas primas estavam lá) mas
também não houve qualquer obstáculo ou empecilho quanto às filmagens. Pela noite
não permanecíamos no local visto que tínhamos uma estrutura de alojamento e
alimentação em Barra Grande que se situa a mais ou menos três quilômetros de
distância. A amenidade do clima e a estrutura urbana facilitaram nosso trabalho visto
que podíamos dedicar todo nosso tempo exclusivamente para a pesquisa. Ficou
acordado com o diretor da escola que os resultados da pesquisa e a edição do material
videográfico seriam devidamente disponibilizados para a escola.

A. O cotidiano infantil

O cotidiano infantil em Taipus de Dentro apresenta diferenças de gênero mais


observáveis mas nada que os caracterize como completamente distintos. As crianças
participam menos das tarefas domésticas, as comodidades residenciais como água, luz e
banheiro tornam o cotidiano mais prático. As meninas auxiliam em casa com pequenas
atividades, sobretudo na guarda das crianças mais novas. Os meninos acompanham os
pais na pescaria quando se aproximam da pré-adolescência e as meninas auxiliam na
catação dos mariscos. Quase todas as casas têm televisão o que faz com que este
vilarejo não seja tão isolado, o trânsito de turistas também proporciona uma conexão
com o mundo urbano que certamente interfere nas significações dos habitantes da vila.
Neste contexto, o cotidiano depreendido das entrevistas também é bastante
homogêneo, podendo ser sintetizado da seguinte forma: acordar, escovar os dentes,
tomar café, ir para a escola, tomar banho, almoçar, ajudar a mãe em casa, descansar,
fazer dever, merendar, brincar ou pegar guaiamu, assistir TV, tomar café, dormir. As

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crianças circulam nas ruas do vilarejo que são pavimentadas com papalelepípidos.
(Figura 13).

Figura 29 – Rua principal do vilarejo de Taipus de Dentro. Foto realizada pela


pesquisadora.

B. Microssistemas

Família

As famílias são compostas dos pais, filhos e parentes próximos. Os pais são
pescadores e algumas mães trabalham nas residências, pousadas e restaurantes de um
vilarejo turístico vizinho. A convivência interativa se distribui com crianças,
adolescentes e adultos.

Grupo de pares.

Os grupos de pares se formam por proximidade de moradia, além do grupo


escolar. Praticam brincadeiras populares como passarau, laranja madura e utilizam
brinquedos artesanais (carros) e industrializados (bola, carros, bonecas, ursos,
miniaturas plásticas), além de brincadeiras que envolvem a dança (arrocha). O grupo

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infantil ocupa ludicamente os espaços disponíveis, na foto (Figura 30), podemos


observar a recreação que acontece no limite do mangue com o mar.

Figura 30 – Recreio na paria. Foto realizada pela pesquisadora.

Escola

A escola se distribui em dois prédios com uma sala para cada série, funcionando
nos três turnos. Além dos professores, a escola conta com diretor e auxiliares que se
encarregam da manutenção e da merenda. As salas são organizadas no formato
tradicional com alguns cartazes feitos pelas professoras, indicando o alfabeto ou com
alguma mensagem. Na lousa, um ditado a ser corrigido. Não observamos nenhuma
produção das crianças nas paredes. Nos cadernos constam contas, cópias e correções. A
merenda é distribuída de acordo com a remessa municipal. Não há espaço próprio para a
recreação que é realizada na praça em frente à escola ou na beira da praia com a
professora. Nenhuma atividade é conduzida externamente. Durante o intervalo, as
professoras observam e buscam conter as crianças. Há oferta de educação infantil. Esses
alunos fazem recreação na sala, devido ao risco de se machucarem do lado de fora. A
escola não dispõe de brinquedos, nem de material lúdico ou pedagógico. As escolas o
vilarejo tem uma conexão permanente com a sede Maraú que ocasionalmente oferece
cursos de reciclagem ou atualização. Nenhum dos professores ou mesmo o diretor tem

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formação de nível superior. Não podemos emitir qualquer opinião quanto ao conteúdo
ou o programa pedagógico visto que estes dados não foram recolhidos durante nossa
incursão.

C. Mesossistemas:

O vilarejo de Taipus de Dentro encontra-se dentro dos limites da Área de


Preservação Ambiental da Península de Maraú que está contida em um trecho
substancial de ecossistemas costeiros, compreendendo águas interiores, estuarinas e
oceânicas, bem como ecossistemas fluviomarinhos e terrestres, abrangendo praias,
restingas, recifes, manguezais, campos naturais e tipos florestais da Mata Atlântica. De
clima do tipo Tropical Super-Úmido, sem estação seca pronunciada, a pluviosidade é
importante, atingindo os 2.000 mm anuais. O período de chuvas mais intensas se
distribui entre março e junho, porém não há uma estação seca devido à regularidade na
distribuição de chuvas durante todo o ano. A temperatura média anual situa-se em torno
de 22ºC9. A paisagem é bastante heterogênea e verde, entremeada por pequenas matas,
rios, lagoas, mangue e mar.

D. Exossistemas:

A atividade laborativa dos pais se dá no próprio vilarejo através da pesca no mar


e no mangue, sendo seu produto comercializado no mercado de Camamu ou distribuído
pelos vilarejos turísticos vizinhos. As atividades de sustento da família se dão através da
pesca artesanal nos arredores do vilarejo (Figura 31). Algumas crianças acompanham os
pais na pesca e auxiliam na catação (camarão, siri, caranguejo). Algumas mães
trabalham em pousadas e restaurantes de vilarejos próximos, passando o dia fora e
retornando ao final da tarde. Durante o verão a oferta de trabalho temporário aumenta.

9
Dados obtidos a partir do Relatório Final de Zoneamento Ambiental e Diretrizes de uso da APA
da Península de Maraú. BAHIATURSA / INSTITUTO ECOTEMA, Maraú/BA, Petrópolis/RJ:
2000.

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Figura 31 - Barcos de pesca na praia de Taipus de Dentro. Foto realizada pela


pesquisadora.

E. Macrossistemas:

De acordo com relato do diretor da escola quase todas as crianças são


contempladas pelo programa federal de bolsa família. No vilarejo, um posto de saúde
atende regularmente; os casos mais graves são encaminhados para outro município. Os
pescadores se organizam em uma associação de pesca. Encontramos referências
religiosas católicas e evangélicas e desconhecemos se há algum centro de orientação
espírita ou de religião afro-brasileira. Descrever interferências de agências externas na
comunidade não era o foco de nosso trabalho o que dificulta de fato a compreensão da
influência do macro-sistema.

F. Aspectos desenvolvimentais
Os desenhos de figura humana do grupo de Taipus de Dentro apresentam uma
leve diferença em relação ao que é esperado para a idade correspondente, sem, contudo
manifestar um distanciamento severo (cf. Apêndice 5). O desenvolvimento do desenho
da figura humana revela aspectos rudimentares presentes no conjunto das produções
infantis, sugerindo uma inabilidade coletiva na representação gráfica da figura humana e

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de seus atributos. Não se trata de afirmar que este grupo desconhece os aspectos
elementares e a configuração padrão da figura humana, mas que sua retratação através
do desenho não corresponde a este conhecimento. Giovana faz seu auto-retrato (Figura
32) através de uma figura bastante primitiva e de equilíbrio precário. Sem traços de
conotação de gênero, o desenho da figura humana não expressa os conhecimentos que a
criança já tem acerca do equilíbrio corporal e das suas proporções.

Figura 32 – Auto-retrato (Giovana - 8 anos)

Carmem (Figura 33) se desenha como uma figura feminina mais ou menos
centralizada, sem braços, pescoço agregado em forma de vaso com olhos pontos na
parte superior do rosto, nariz e boca sorridente com covinhas. O cabelo sobre a cabeça é
composto de fios irradiantes, o corpo é retangular com uma saia em trapézio. As pernas
desproporcionais afastadas com pés sapatos inclusos virados para a esquerda sustentam
o corpo em equilíbrio precário, os braços são omitidos no desenho. Emilia (Figura 34)
se retrata em figura feminina, agregada, com olhos vazados, nariz e boca sorridente
Aqui também opta pela forma corpo/vestido em trapézio, os membros são agregados
sem mãos, pés ou pescoço.

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Figura 33– Auto-retrato (Carmen – 8 anos)

Figura 34 – Auto-retrato (Emilia – 6 anos)

A figura de Fabrício (Figura 35) apresenta também uma expressão esquemática e


pouco detalhada dos aspectos corporais. O corpo sem pescoço formado por um
retângulo estreito do qual saem os membros tem pernas longas e desproporcionais que
se finalizam em pés calçados cada um em uma direção. Nos braços abertos e receptivos
observamos a indicação de mãos e dedos. Na cabeça encontramos mais detalhes em um
rosto de expressão sorridente. Hugo (Figura 36) também apesenta uma figura humana
desproporcional e pouco harmônica.

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Figura 35– Auto-retrato (Fabrício – 7 anos)

Figura 36 – Auto-retrato (Hugo – 8 anos)

Figura 37 – Auto-retrato (Marina – 8 anos)

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O auto-retrato de Marina (Figura 37) assim como o de Paulo (Figura 38) e


Rosana (Figura 39) também tem equilíbrio precário e membros mal definidos sem
detalhamento das mãos. O rosto traz detalhes expressivos denotando a capacidade das
crianças em representar graficamente significações mais sutis.

Figura 38– Auto-retrato (Paulo – 9 anos)

Figura 39– Auto-retrato (Rosana – 12 anos)

Alan se desenha no interior de um barco (Figura 40), meio de transporte vital


para o ambiente no qual ele vive. No mesmo desenho várias visões estão presentes, a
transparência do barco nos permite ver o seu interior, assim como o peixe pode ser visto
“sobre” o mar.

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Figura 40 - Auto-retrato (Alan - 10 anos)

Fluência Verbal e Auto-estima


As entrevistas realizadas com este grupo têm como característica geral a timidez
e a hesitação. Não podemos atribuir este retraimento a dificuldades comunicativas
individuais, mas sim como uma reação defensiva esperada em situação de entrevista
com uma pessoa externa ao contexto. Identificamos falhas na organização e
seqüenciação das idéias assim como em sua expressão. A fluência discursiva durante o
diálogo era pouco espontânea tendo o entrevistador que organizar a fala da criança no
intuito de promover seu sentido. A avaliação da auto-estima não nos permitiu identificar
qualquer caso inquietante visto que optamos por atribuir todo retraimento e dificuldade
na interação comunicativa a uma reação defensiva diante de uma situação desconhecida.
As figuras se apresentam desproporcionais e, em sua maioria, são pequenas em relação
ao tamanho da folha oferecida, seguindo a mesma tendência de retraimento acima
mencionada. Tal observação não permite inferir acerca de dificuldades interpessoais no
plano afetivo, mas mais uma vez constata-se que a falta de destreza na representação
humana se dá muito mais em função de uma inabilidade técnica para produção de
imagens do que de uma capacidade figurativa comprometida. As crianças do vilarejo
têm um acesso bastante satisfatório a fotos e as casas observadas contam com espelhos
grandes, dando subsídio para uma auto-representação mental estruturada com o auxílio
de referências visuais. As figuras são quase todas sorridentes e receptivas indicando
uma tendência dialógica e interativa não revelada nas entrevistas. Gisele (Figura 41) se

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retrata buscando uma correspondência entre sua auto-imagem e sua representação, as


sardas que tem em seu rosto também estão presentes no desenho.

Figura 41 - Auto-imagem (Gisele – 10 anos).

G. Representações da natureza

Em relação à organização gráfica do espaço, a maioria das crianças utiliza o


ponto de vista único, a junção sincrética surge timidamente ainda distante do uso da
perspectiva. Esta tendência desenvolvimental é bastante influenciada pela estimulação
ao desenhar, assim como pela disponibilização de um repertório imagético amplo e
sugestivo. Assim, não se pode atribuir às crianças deste grupo um atraso individual na
organização e representação dos espaços e volumes. Devemos destacar que este grupo
tem oportunidade de desenhar basicamente na escola, de modo espontâneo e orientado
apenas pela temática, sem o aprimoramento direcionado de qualquer técnica. Os
materiais plásticos disponibilizados são pouco variados, limitando-se a caderno, folha
sulfite, caneta, lápis preto e lápis de cor. Entretanto, observamos nas ruas e nas casas a
presença de materiais impressos diversos como revistas e livros. Além disso, as crianças
assistem a TV e desenhos animados, tendo, portanto um repertório imagético bastante
amplo. Porém, apesar de estarem expostas a variadas expressões imagéticas, a produção
de imagens por parte das crianças é pouco estimulada.
Durante as sessões de desenho, percebeu-se que as crianças tinham alguma
dificuldade em compreender o que deveriam desenhar como natureza. Diante deste
quadro, optamos por não esclarecer o que desejávamos, deixando que cada criança se
expressasse a partir de sua própria problematização. A maioria dos desenhos apresenta

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árvores e outros elementos isolados, não nos permitindo ter acesso à compreensão
global que a criança tem de seu ambiente natural. Com poucas exceções, não se
observou a configuração de uma cena, mas a representação de elementos como as
árvores, barcos e ainda algumas poucas figuras (animais e humanos). Alan (Figura 42 )
retrata a natureza por uma árvore humanizada e receptiva tanto em sua expressão
sorridente como pela posição aberta de seus braços. A árvore de Gisele (Figura 43) é
bastante simples e genérica. A uniformidade e desproporção de seu tronco não
demonstra a familiaridade que a criança tem com árvores em seu ambiente imediato

Figura 42– Natureza (Alan – 10 anos)

Figura 43– Natureza (Gisele – 10 anos)


Emilia (Figura 44) e Giovana (Figura 45) retratam a natureza por um conjunto
de elementos não organizados e de fechamento precário

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Figura 44– Natureza (Emilia – 6 anos)

Figura 45– Natureza (Giovana – 8 anos)


A natureza de Marina (Figura 46) representa elementos naturais e construídos
que também se associam em um conjunto não harmônico.

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Figura 46 – Natureza (Marina – 8 anos)

Paulo (Figura 47) utiliza uma figura humana bastante semelhante a de seu auto-
retrato (Figura 38) para representar a natureza. Rosana também opta por uma figuração
humana (Figura 48) enquanto Carmen utiliza o nome de um animal (Figura 49)

Figura 47 – Natureza (Paulo- 9 anos)

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Figura 48 – Natureza (Rosana – 12 anos)

Figura 49 – Natureza (Carmen – 8 anos)

Fabrício desenhou o farol (Figura 50), uma das referências turísticas da


península, sinalizando a incorporação de elementos da representação de natureza
construída pelo turismo crescente na região. Observamos que os desenhos são produtos
tanto da percepção infantil como dos meios de expressão que ela domina, não nos
indicando qualquer falha na capacidade conceitual do grupo em questão.

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Figura 50 - Natureza (Fabrício - 7 anos).

Ainda que observemos uma tendência do grupo a privilegiar a representação da


natureza de predominância vegetal não podemos identificar no conceito de natureza
uma distinção entre o que é da construção humana e o que é natural. A partir dessas
considerações, podemos avançar a idéia de que, neste grupo, as representações sociais
acerca da natureza que se expressam nos desenhos, envolvem elementos naturais e
humanos como elementos não excludentes. As crianças retratam barcos, o mar e as
casas como fazendo parte de um ambiente no qual ainda não se observou conflito entre
a natureza e a ocupação humana.

H. Discussão

O grupo infantil de Taipus de Dentro tem oportunidades de interação face-a-face


em grupo multietário na maior parte dos momentos observados do dia, na escola, em
casa ou na rua. As crianças obedecem a uma rotina estável, porém não rígida, com
horários livres para brincar e assistir televisão, conforme foi revelado nas entrevistas. Os
pais e mães estão materialmente presentes na vida cotidiana de seus filhos, participando
de seus cuidados e educação. As crianças brincam de diversas formas, na praia e nas
árvores frutíferas do vilarejo, nos barcos, nas ruas e em suas casas. Observamos a
presença de brinquedos artesanais e industrializados entre os grupos infantis. Durante o
turno oposto ao da escola, algumas crianças freqüentam a banca (reforço escolar
coletivo e multisserial). Mesmo que algumas crianças contribuam com as tarefas

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domésticas ou com a pesca e catação do produto pescado, não foi possível identificar
um efeito prejudicial ao seu desenvolvimento causado pelo trabalho. Gozam de conforto
em suas casas, com acesso à energia elétrica e água canalizada, embora a qualidade da
água não tenha sido avaliada. O vilarejo não dispõe de sistema e esgoto e cada casa tem
sua fossa.
A mobilidade e a diversidade caracterizam as interações no microssistema,
proporcionando oportunidades desenvolvimentais variadas. Em termos de
desenvolvimento escolar, observamos que o grupo manifesta em seus desenhos as
limitações próprias das orientações plásticas adotadas, bem como dos recursos e
materiais oferecidos. Uma investigação específica que contemple avaliações
psicopedagógicas poderá trazer um perfil cognitivo mais preciso, relacionando suas
características com o contexto do grupo. A interação com os meios de comunicação
(rádio e TV) proporcionam um repertório rico e atualizado no que diz respeito à cultura
local e global. A presença do turismo possibilita novas interações com o estrangeiro e o
distante, incrementando o leque de referências culturais a partir de interações cotidianas.
O mesossitema, representado pelos aspectos físicos, biológicos e culturais
proporciona espaços e interações estimulantes ao desenvolvimento. Os espaços naturais
são apropriados pelo grupo infantil em suas brincadeiras, viabilizando o
desenvolvimento de habilidades motoras e intelectuais. O conhecimento que as crianças
detém em seu contexto é fruto de sua experiência orientada pelos adultos e, sobretudo
pelas crianças mais velhas que detém habilidades como observar a natureza (marés,
ventos, chuvas), subir em árvores, pegar frutas, pescar. Por se tratar de uma área de
proteção ambiental (APA), a região é oficialmente protegida sem que possamos
observar um controle local. O lixo é levado para um aterro sanitário situado em outro
vilarejo da península e o aumento da população devido ao turismo tem contribuído para
a proliferação de poços e fossas sem um devido planejamento. Os impactos ambientais e
sociais do turismo devem ser avaliados para que se possa ter um quadro mais preciso
das atuais condições ecológicas deste contexto. Atualmente estão sendo efetuadas
perfurações na Baia de Camamu com o objetivo de exploração de gás natural por uma
empresa americana (El Paso).
O macrossistema, representando os aspectos macroestruturais institucionais ou
ideológicos, é de difícil apreensão com os instrumentos metodológicos adotados,
permitindo apenas algumas análise superficiais acerca desta dimensão ecológica. Em

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termos regionais, como já foi assinalado, o turismo e a ocupação na península de Maraú


tem crescido de forma acelerada nos últimos cinco anos, tornando-a centro das atenções
de investimentos de grandes grupos hoteleiros, assim como de micro empresários com
iniciativas familiares. Neste sentido, a alteração do número e o incremento da
diversidade de habitantes faz com que a demanda por serviços educacionais e de saúde
aumente e se torne mais exigente. Contudo, até o momento, a educação e o ensino ainda
obedecem aos mesmos padrões de qualidade das escolas rurais da Bahia e do Nordeste,
caracterizando-se pela formação incompleta dos professores e pela falta de um projeto
pedagógico e/ou curricular próprio. Podemos afirmar que este contexto se encontra em
transformação ambiental contínua, necessitando de um acompanhamento sistemático,
sobretudo com a participação comunitária efetiva.

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8 - Conclusões

Tendo como objetivo principal analisar a influência de dois contextos ecológicos


distintos no desenvolvimento infantil, delineamos uma pesquisa que viabilizasse a
caracterização dos aspectos físico-biológicos e culturais dos dois contextos ecológicos
selecionados, buscando relacioná-los com os perfis desenvolvimentais de cada grupo
infantil. Para tal fim, descrevemos e registramos em vídeo o cotidiano infantil dos dois
contextos ecológicos selecionados, destacando as situações interativas das crianças nos
sistemas ecológicos dos quais participam. As variáveis desenvolvimentais, fluência
verbal e auto-estima foram levantadas nas entrevistas e na análise dos desenhos
temáticos das crianças para uma comparação qualitativa entre os dois grupos. Os
desenhos infantis também permitiram uma análise inicial das representações infantis
acerca do meio ambiente em cada contexto ecológico selecionado.
A escolha por dois lugares de pesquisa com ecossistemas diferentes para estudo
da influência do ambiente no desenvolvimento infantil pode ter criado a expectativa de
que faríamos uma correspondência entre elementos físico-biológicos e aspectos
destacados no desenvolvimento. A partir da incursão nos dois contextos concluímos que
não podemos estabelecer uma relação de correspondência direta entre aspectos
biológicos e físicos com aspectos desenvolvimentais, ainda que este não tenha sido
nosso objetivo inicial. As ferramentas metodológicas escolhidas se dedicaram a analisar
o desenvolvimento infantil em seu aspecto pontual optando portanto por um enfoque
nos participantes de pesquisa como parte de um sistema ecológico amplo. Deste modo,
gostaríamos de esclarecer que não tivemos a intenção de efetuar um levantamento da
visão de mundo das crianças observadas, nem tão pouco de nos aproximarmos do que
seriam as representações ambientais de uma comunidade tradicional. A escolha por dois
contextos ecológicos de difícil acesso se deu por consideramos que uma urbanização
mínima como a dos vilarejos estudados configura ambientes em que o contexto bio-
físico possa ter uma influência maior no desenvolvimento infantil. Buscamos analisar as
representações infantis da natureza sem classificá-las como características de uma visão
de mundo tradicional.
Procurando contemplar o maior número de aspectos envolvidos no cotidiano
infantil, nos empenhamos em descrever os contextos ecológicos embasados tanto nos

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relatórios de zoneamento ambiental de cada APA como em nossas próprias observações


efetuadas in loco e com auxílio dos registros videográficos. Embora algumas áreas da
psicologia ambiental busquem estabelecer uma correspondência entre fatores bio-físicos
e características individuais ou coletivas, optamos adotar uma abordagem mais
abrangente que inclua em um contexto ecológico não apenas seus recursos naturais mas
também seus aspectos sociais e culturais. Neste sentido, concluir que os dois grupos
infantis apresentam mais semelhanças do que diferenças em seus perfis
desenvolvimentais não significa que tenhamos escolhido mal nossa ferramenta
metodológica, mas reflete antes uma opção de perspectiva fundamentada na ecologia do
desenvolvimento humano conforme esta foi descrita na sessão de discussão teórica.
Nossas conclusões, longe de serem definitivas, apresentam-se possíveis rumos
na pesquisa acerca da influência do contexto ecológico no desenvolvimento infantil.
Avançaram-se algumas pistas traçadas pela investigação, propondo linhas de pesquisa e
sugerindo a consideração de determinados aspectos que consideramos relevantes. Esta
investigação não gerou respostas fechadas nem conclusões categóricas, mas,
certamente, pode subsidiar a compreensão da interação criança-ambiente e também
fornecer pistas ao educador na formulação de suas hipóteses e propostas de intervenção.
Os contextos ecológicos estudados diferem em diversos aspectos que
influenciam direta ou indiretamente no desenvolvimento das crianças observadas. As
interações que se dão no microssistema se diferenciam, sobretudo, pela
presença/ausência paterna. Ainda que a identificação de padrões interativos não tenha
sido objetivo desta investigação, podemos constatar que as crianças de Gruta de Brejões
têm contatos esporádicos com seus pais e que as crianças de Taipus de Dentro convivem
diariamente com os seus. O distanciamento da figura paterna tem implicações práticas e
psicológicas que devem ser consideradas. A distribuição das tarefas domésticas e de
busca de recursos sofre uma alteração. Em Brejões da Gruta, as crianças são
responsáveis por tarefas que compartilham com suas mães e avós, sobretudo no que
concerne a coleta de água e o cuidado com as pequenas roças e animais. Em Taipus de
Dentro, o cuidado com as crianças é também desempenhado pelos pais que permanecem
no vilarejo, e em suas imediações, a maior parte do tempo. As conseqüências
psicológicas da presença/ausência parental podem interferir no modo como as crianças
vivenciam seu senso de responsabilidade consigo e com aqueles que estão à sua volta,
refletindo em sua maturidade e no papel que será desempenhado futuramente como pais

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e mães. Neste sentido, sugerimos que as investigações acerca do cotidiano infantil


considerem a influência da presença/ausência paterna na formulação de suas hipóteses.
A convivência no grupo de pares é uma constante em ambos os contextos
observados, as crianças dos dois vilarejos passam a maior parte do tempo com outras
crianças de diversas faixas etárias. Este convívio interativo diversificado e constante é
um estímulo importante para o desenvolvimento das habilidades afetivas e cognitivas,
tanto em seus aspectos individuais como sociais. A auto-regulação emocional e o
domínio de padrões interativos coletivamente compartilhados são vivências
fundamentais para o desenvolvimento infantil proporcionadas pelo grupo de pares. Em
ambos os contextos as interações são afetivas e o cuidado com os menores é
compartilhado pelos maiores. A cultura infantil de cada grupo é atualizada nas relações
que se estabelecem, produzindo-se e alterando-se continuamente com a participação
ativa das crianças que percebem e interpretam seu contexto ecológico.
A ludicidade se expressa em um repertório limitado localmente. Identificamos
algumas brincadeiras comuns aos dois grupos com pequenas variações nas cantigas de
roda e em seus respectivos gestuais e passos. Com isso, podemos sugerir que os dois
grupos dominam elementos de um mesmo repertório lúdico infantil que pode ser
regional ou nacional. Assim, constatamos o pertencimento das crianças observadas em
uma cultura infantil mais ampla regida por um movimento próprio de auto-produção,
atualizando elementos culturais lúdicos e folclóricos, testemunhando a eficiência da
transmissão e dos transmissores. O grupo de Brejões da Gruta tem, em termos lúdicos,
um repertório mais restrito, visto que a comunicação com outros grupos infantis é
limitada e o não acesso aos meios de comunicação faz com que a cultura infantil deste
grupo não seja influenciada diretamente pelos produtos veiculados na televisão
(imagens, músicas, brinquedos e objetos). Ao brincar, as crianças permitem a circulação
dos temas e dinâmicas disponíveis, a presença/ausência da televisão estabelece um
diferencial no que diz respeito à introdução de novos elementos ao repertório lúdico
local. Nas brincadeiras das crianças de Taipus de Dentro, observamos a assimilação de
alguns elementos da cultura de massa regional como, por exemplo, a incorporação da
dança do arrocha nas brincadeiras, assimilação que não foi observada no outro grupo
que vive culturalmente isolado. Em Brejões da Gruta, a ausência de brinquedos faz com
que elementos naturais disponíveis sejam apropriados e transformados em objetos
lúdicos. Os brinquedos identificados em Taipus de Dentro incrementam o repertório

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lúdico local, introduzindo variação e renovação em função do que é materialmente


disponibilizado. Observamos jogos com regras nos dois contextos, indicando de que as
interações lúdicas proporcionam vivências de auto-controle emocional e aceitação de
normas nas interações com os pares. A pesquisa nos permitiu compreender melhor o
contexto lúdico como espaço de produção de subjetividade da cultura infantil, indicando
a necessidade de valorização teórica desta dimensão no estudo da experiência de vida
infantil. O grupo de pares em situações lúdicas configura-se como território rico e
dinâmico tanto para obtenção de informações acerca dos participantes e de sua cultura,
mas também como contexto para intervenções pedagógicas. Na ludicidade e em seu
repertório coletivo, a criança vive ativamente seu papel de ator social, atualizando a
bagagem cultural disponível e exercendo seu potencial criativo em uma atividade
socialmente significante.
Em termos escolares, alguns paralelos podem ser estabelecidos, sobretudo
quanto à orientação geral do ensino nos dois estabelecimentos públicos. As duas escolas
são reféns de suas dinâmicas municipais, limitando-se a oferecer o que é disponibilizado
pela sede, seja em termos de número de professores como de coordenação pedagógica.
Percebemos nas duas escolas a ausência de um projeto pedagógico próprio capaz de
envolver as crianças e os educadores em atividades de conhecimento interativas.
Observamos a prática de cópias, ditados e contas nos cadernos e exercícios propostos, o
próprio contexto visual das escolas é limitado e pouco estimulante para a produção
gráfica, o que explica de certo modo a habilidade limitada no desenho por parte das
crianças em ambos os contextos. Desta forma, apesar dos contextos observados
garantirem o acesso à escola, a qualidade da mesma não contribui para que a educação
formal exerça de fato um diferencial no sentido de superação das limitações locais.
Ainda que nosso objetivo não tenha sido o de analisar os processos pedagógicos de cada
instituição podemos afirmar que a qualidade oferecida não está tão determinada pelas
contingências locais, mas antes pelas características do modelo escolar regional.
Os dois contextos ecológicos obedecem a dinâmicas próprias no que se refere à
interação das crianças com os aspectos naturais. A disponibilidade hídrica se enuncia
como o distintivo mais proeminente e a conseqüente escassez ou abundância alimentar
disponível interfere diretamente no cotidiano e bem-estar infantil. Enquanto que as
famílias de Taipus de Dentro têm acesso a recursos alimentares diretamente do mar e do
mangue durante todo o ano, as famílias de Brejões da Gruta sofrem com os longos

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períodos de seca, vivendo situação de miséria durante os períodos mais críticos. Em


Brejões da Gruta não é a aridez de sua paisagem que se constitui como elemento
desfavorável ao desenvolvimento infantil, mas antes a utilização precária de seus
recursos. Em Taipus de Dentro as crianças observadas gozam de um maior conforto,
apesar do complexo e frágil contexto em que vivem estar ameaçado pelo aumento
populacional decorrente da exploração imobiliária e turística não planificada.
A partir destas reflexões podemos afirmar que o contexto ecológico,
considerando-se suas várias dimensões, influencia no desenvolvimento infantil. Analisar
que características de um dado contexto estão interferindo mais efetivamente num dado
momento parece constituir o papel de qualquer avaliação. Destacamos o acesso e a
qualidade da água como um dos fatores mais críticos, seguidos pela carência alimentar e
pela qualidade do ensino oferecido. Isto dito, vale ressaltar que tanto a interação
permanente no grupo de pares como as interações pouco mediadas com o meio natural
contribuem significativamente para o desenvolvimento infantil. Espaço, mobilidade e
autonomia caracterizam a dinâmica dos grupos infantis observados, promovendo dessa
forma o aperfeiçoamento de habilidades interativas entre os pares e com a natureza.
Esta investigação permitiu vislumbrar que é de suma importância a intervenção
junto aos grupos infantis como estímulo ao desenvolvimento sustentável dos contextos
ecológicos em questão. Não pudemos observar, a partir das representações de natureza
produzidas, qualquer indício de uma reflexão crítica que manifestasse conflito na
interação homem-natureza. O conhecimento científico ambiental acumulado acerca dos
dois ecossistemas não é compartilhado por seus habitantes infantis. Preencher esta
lacuna pode conduzir a comunidade na compreensão da necessidade de conservação de
seus contextos, revertendo a condição atual de exploração imediata com o legítimo
objetivo de sobrevivência e bem estar familiar. Conhecer a fragilidade desses
ecossistemas e o papel do ser humano em sua destruição ou conservação parece ser o
passo inicial para que uma consciência ambientalista seja construída. Ainda que toda a
comunidade deva estar envolvida em um processo de educação ambiental, as crianças
devem ser objeto de uma atenção especial, visto que participam ativa e criativamente da
formação de representações sociais acerca do meio ambiente. As representações sociais
surgem como uma ferramenta conceitual fundamental para a compreensão dos
significados forjados na interação dos sujeitos com o contexto ecológico, cumprindo
papel mediador e transformando as percepções em motivações e ações. Compreender as

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representações sociais que as crianças têm de seus ambientes é fundamental para que se
possa sugerir uma reflexão ecológica, seja através de educação ambiental ou de
iniciativas de outra ordem. A criança age em seu meio a partir dos conhecimentos que
construiu a seu respeito e das significações que compartilha com seu meio social. Neste
sentido, um estudo especifico e aprofundado das representações infantis acerca do
contexto ecológico será capaz de subsidiar ações pedagógicas e ambientalistas. Dentre
as representações desenhadas pelas crianças podemos observar que os elementos
naturais não são isolados daqueles artificiais, o que nos indica que os participantes
compartilham de uma representação dinâmica da natureza em sua interação com os
seres humanos.
Com a finalidade de ampliar o debate e sugerir bases para investigações
ulteriores podemos evocar a inteligência naturalística como aquela que permite aos
seres humanos desenvolver habilidades na interação com a natureza a partir da
organização dos conhecimentos construídos em sua experiência interativa. Esta
inteligência parece potencialmente promissora em ambos os grupos observados, estando
as crianças cognitivamente disponíveis para tratar do ambiente natural em que vivem a
partir de uma perspectiva vivencial da interação com o contexto ecológico. A
sistematização do conhecimento coletivo disponível em articulação com novos
conhecimentos acerca dos ecossistemas em que vivem cria condições favoráveis tanto
para o desenvolvimento de potencialidades individuais como para a construção de um
padrão interativo ecologicamente crítico. As escolas inseridas nas APAs necessitam de
apoio para a formulação de seus projetos pedagógicos, de modo que estes estejam,
desde a sua elaboração, comprometidos com a reflexão ecológica e o desenvolvimento
sustentável. Os dois contextos ecológicos analisados fornecem temas geradores
diversos que, se bem trabalhados, podem suscitar a curiosidade científica latente em
cada criança. Conhecer seu próprio contexto e poder compará-lo a outros constitui a
base da compreensão acerca da diversidade ecológica de nosso planeta. Neste sentido,
destacamos a necessidade de estruturação de um projeto de educação ambiental para
cada contexto, em estreita parceria com as escolas, mais especificamente com os
educadores que devem passar por um processo de formação em serviço. Integrar a
dimensão ambiental ao currículo da escola e fomentar a estruturação coletiva de um
projeto pedagógico com ênfase na questão ambiental são apenas algumas sugestões
iniciais para um processo de construção participativa.

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Algumas considerações podem ser feitas acerca da utilização do desenho como


dupla ferramenta de análise e intervenção junto ao universo criativo infantil. Os
desenhos recolhidos indicaram sobre a percepção que a criança tem de si e do ambiente
e também sobre a capacidade que tem de representá-los. Neste sentido, estimular e
explorar a habilidade em desenhar constitui-se como processo desenvolvimental que
oportuniza a expressão e reflexão acerca do que se representa graficamente.
Disponibilizar orientação artística, suportes e materiais podem contribuir para o
aperfeiçoamento das habilidades estéticas e expressivas das crianças, fomentando uma
linguagem que é ao mesmo tempo universal e marcada pelas características locais.
Desenhar a si mesmo conduz a criança em um esforço auto-organizativo. O desenho
mais do que um produto é um processo dinâmico e mutante. A imagem que a criança
tem de si e de seu contexto pode ser alterada gráfica e psiquicamente quando proposta
como mediadora na interação, seja ela dual ou coletiva. A satisfação e a frustração com
o domínio dos traços e da representação do real configuram-se como vivências afetivas
significantes em termos de conhecimento acerca de si o do mundo. No que diz respeito
à representação da natureza um amplo campo de intervenção se abre. A pluralidade de
paisagens e de objetos físicos, biológicos e culturais pertencentes aos contextos fornece
interesses vivos, incitando a criança a problematizar as relações que se estabelecem
entre estes elementos. As crianças, mesmo sem uma orientação sistematizada, tendem a
se apropriar do desenho como linguagem, mas devemos salientar que a estimulação e a
disponibilização de materiais plásticos fazem com que um número maior de crianças se
sinta capaz e interessado no desenho, atribuindo ao ato de desenhar um caráter crítico e
transformador. Enquanto atividade lúdica o desenho constitui-se como um jogo entre
aquilo que a criança vê e aquilo que ela pensa, as soluções gráficas expressam sua
dinâmica. Enfim, acreditamos que utilizar o desenho como ferramenta que estimule o
desenvolvimento da capacidade crítica e criativa pode contribuir significativamente para
a educação ambiental.
Esta investigação nos aponta para a necessidade de um instrumento de análise do
macrossistema nas investigações acerca do desenvolvimento infantil. Assumir a sua
importância não significa saber como apreciá-lo. O levantamento de indicadores
qualitativos da influência do macrossistema no desenvolvimento infantil é mais uma
tarefa que visa facilitar pesquisas que tenham como objetivo uma análise pautada na
ecologia do desenvolvimento humano. No plano conceitual, a noção de resiliência,

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considerada como a capacidade dos organismos ou de um sistema em se adaptar às


condições ambientais disponíveis, emerge como um conceito advindo das ciências
exatas e biológicas capaz de nos auxiliar ma compreensão da interação da criança com o
contexto ecológico. Uma longa tradição no uso da noção de resiliência e suas possíveis
aplicações em pesquisas acerca do desenvolvimento infantil constituem-se como terreno
fértil para investigações na área de interseção entre as ciências biológicas, a psicologia e
as ciências sociais.
Podemos também concluir que a psicologia ambiental amadureceu bastante
enquanto proposta disciplinar, fornecendo suporte conceitual e metodológico para várias
áreas de pesquisa e, recentemente, aos estudos mais diretamente relacionados ao
desenvolvimento infantil. Na configuração de uma constelação conceitual acerca da
influência do contexto ecológico no desenvolvimento da criança, a psicologia ambiental
ocupa um lugar importante e organizador de outros referenciais.
A partir das considerações efetuadas ao longo deste trabalho podemos concluir
que o desenvolvimento infantil é diretamente influenciado pelo contexto ecológico no
qual a criança se encontra inserida. Contudo, devemos salientar que diferentes contextos
ambientais terão impactos diferenciados sobre o processo de desenvolvimento. Como a
participação da criança no contexto ecológico não é passiva, a partir de sua experiência
a criança produz significações que orientam sua conduta em relação ao meio-ambiente.
Neste sentido, acreditamos que os aspectos destacados nesta investigação podem
fornecer suporte para iniciativas ambientalistas tanto no plano educacional como no
planejamento da organização comunitária, contribuindo para que o conhecimento mais
aprofundado da interação entre criança e contexto ecológico se desenvolva pautado no
estudo de realidades locais.

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