LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AS PESSOAS COM DEFICIENCIA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AS PESSOAS COM DEFICIENCIA
A trajetória dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil reflete uma progressiva transformação paradigmática.
Inicialmente fundamentada em modelos assistencialistas e medicalizantes, a legislação evoluiu para uma abordagem
baseada em direitos humanos, autonomia e participação social plena, especialmente após a Constituição Federal de
1988 e, posteriormente, com a internalização da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da
ONU com status constitucional através do Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009.
A ratificação da CDPD em 2008 e a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) consolidaram a
transição definitiva para o modelo social de deficiência, reconhecendo-a como uma interação entre impedimentos
individuais e barreiras socioambientais, e não como uma característica inerente à pessoa.
1988 1
Constituição Federal estabelece princípios
fundamentais de igualdade, dignidade humana e
não-discriminação, além de dispositivos
2 2008
específicos para pessoas com deficiência
Ratificação da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência da ONU com status
2015 3 constitucional
Promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº
13.146/2015), marco legislativo abrangente
4 2020-2023
Avanços normativos pós-pandemia, incluindo
novas resoluções sobre educação inclusiva e
acessibilidade digital
Este processo evolutivo não apenas reflete mudanças legislativas, mas também transformações na própria
compreensão social da deficiência, reconhecendo-a como parte da diversidade humana. A legislação atual busca não
apenas garantir direitos, mas promover a efetiva inclusão e participação das pessoas com deficiência em todos os
aspectos da vida em sociedade.
Conceito de Pessoa com Deficiência:
Abordagem Contemporânea
O conceito jurídico contemporâneo de pessoa com deficiência, estabelecido pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI),
representa uma ruptura definitiva com abordagens anteriores baseadas exclusivamente em diagnósticos médicos. A
definição atual, alinhada com a Convenção da ONU, compreende a deficiência como resultado da interação entre
impedimentos de natureza física, sensorial, intelectual ou mental e barreiras socioambientais que limitam a participação
plena na sociedade.
"Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas." (Art. 2º da Lei nº 13.146/2015)
Física Intelectual
Impedimentos relacionados a funções motoras, que Limitações significativas no funcionamento intelectual
podem afetar mobilidade, coordenação e uso do e comportamento adaptativo
corpo
Sensorial Mental
Comprometimentos relacionados aos sentidos, como Condições psicossociais que podem afetar
visão, audição e comunicação pensamento, percepção, humor e comportamento
Esta definição multidimensional enfatiza que a deficiência não é apenas uma condição médica, mas resulta da interação
entre características individuais e contextos sociais. A operacionalização desse conceito ocorre através da avaliação
biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional, considerando fatores médicos, sociais, psicológicos e
ambientais, superando assim a visão estritamente biomédica.
Segundo dados do Censo 2022 (IBGE, 2023), aproximadamente 18,6 milhões de brasileiros (8,9% da população)
possuem algum tipo de deficiência, considerando o novo critério baseado em funcionalidade, que substituiu a
autoavaliação usada nos censos anteriores. Esta mudança metodológica reflete justamente a transição para um modelo
biopsicossocial de compreensão da deficiência.
Modelos da Deficiência: Perspectivas Teóricas
e Implicações Práticas
A compreensão dos modelos teóricos da deficiência é fundamental para a análise crítica da legislação e políticas
públicas. Estes paradigmas influenciam diretamente a elaboração e interpretação das normas jurídicas, refletindo
diferentes concepções sobre a natureza da deficiência e as responsabilidades sociais perante as pessoas com
deficiência.
A legislação brasileira atual, especialmente após a incorporação da Convenção da ONU e a promulgação da LBI, adota
predominantemente o modelo social com elementos do modelo da diversidade. Esta abordagem estabelece que a
deficiência não é inerente à pessoa, mas resulta da interação entre características individuais e barreiras
socioambientais.
Em termos práticos, essa mudança paradigmática resultou em transformações significativas no ordenamento jurídico. A
revisão do Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) exemplifica essa transição, ao eliminar a
incapacidade civil automática baseada exclusivamente na existência de deficiência e instituir sistemas de apoio para
tomada de decisões, preservando a autonomia individual.
Conforme Madruga (2020), o modelo social não nega a importância de intervenções médicas e terapêuticas, mas
estabelece que estas não devem ser o foco exclusivo das políticas para pessoas com deficiência. O foco deve estar na
eliminação de barreiras sociais, na garantia de acessibilidade e na promoção da participação plena em todos os
aspectos da vida em sociedade.
Avaliação da Deficiência: Modelo
Biopsicossocial e Instrumentos Técnicos
A avaliação da deficiência constitui processo técnico fundamental para operacionalização de direitos e acesso a
políticas públicas. A Lei Brasileira de Inclusão consolidou a abordagem biopsicossocial como metodologia oficial,
superando modelos puramente médicos e incorporando elementos sociais, ambientais e contextuais na análise.
Fundamentos Teórico-Metodológicos
A avaliação biopsicossocial requer equipe multiprofissional, que pode incluir médicos, psicólogos, assistentes sociais,
terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e educadores, conforme as especificidades de cada caso.
O Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado (IFBr-A) representa o principal instrumento técnico desenvolvido no
Brasil para operacionalizar a avaliação biopsicossocial. Instituído pelo Decreto nº 8.954/2017 e aprimorado por normas
subsequentes, o IFBr-A é baseado na CIF e adaptado à realidade brasileira.
O IFBr-A avalia 41 atividades distribuídas em sete domínios: sensorial, comunicação, mobilidade, cuidados pessoais,
vida doméstica, educação/trabalho e socialização/vida comunitária. Cada atividade é pontuada em escala de 25 a 100,
considerando a independência funcional e necessidade de apoio. A pontuação final, entre 0 e 100, indica o grau de
restrição à participação social, sendo crucial para determinar o acesso a diversos direitos e benefícios (SANTOS et al.,
2022).
A LBI estabelece um conjunto de princípios que devem orientar sua interpretação e aplicação. Estes princípios
representam os valores fundamentais que norteiam a proteção e promoção dos direitos das pessoas com deficiência:
Dignidade humana: Valor intrínseco e inerente a toda Igualdade de oportunidades: Equiparação das
pessoa, independentemente de sua condição condições de acesso e fruição de direitos
Não-discriminação: Proibição de qualquer distinção, Acessibilidade: Garantia de acesso ao meio físico,
restrição ou exclusão baseada na deficiência social, econômico e cultural
Autonomia individual: Respeito às decisões e Respeito à diversidade: Valorização das diferenças e
escolhas das pessoas com deficiência sobre sua da identidade das pessoas com deficiência
própria vida Desenho universal: Concepção de produtos,
Participação plena: Garantia de inclusão efetiva em ambientes e serviços utilizáveis por todas as pessoas
todos os aspectos da vida social
Conforme destaca Farias et al. (2022), a LBI promoveu uma verdadeira revolução no tratamento jurídico da deficiência
no Brasil, consolidando a transição do modelo médico para o modelo social e estabelecendo um novo paradigma de
proteção baseado na autonomia e na igualdade substantiva. Suas disposições têm caráter vinculante para todos os
poderes públicos e para a sociedade civil, estabelecendo obrigações positivas e negativas para a garantia dos direitos
das pessoas com deficiência.
Terminologia e Conceitos-Chave na Legislação
sobre PcD
O domínio da terminologia adequada e dos conceitos-chave relacionados aos direitos das pessoas com deficiência é
fundamental para a correta interpretação e aplicação das normas jurídicas. A Lei Brasileira de Inclusão estabelece
definições precisas que refletem a perspectiva contemporânea sobre deficiência e inclusão.
Nos transportes Existentes nos sistemas e meios de Veículos sem adaptação, terminais
transportes inacessíveis, falta de informação
adequada
Conforme destacam Leite et al. (2019), a terminologia adotada pela legislação reflete uma mudança paradigmática na
compreensão da deficiência. Termos como "portador de deficiência", "deficiente" ou "pessoa especial" foram
abandonados em favor da expressão "pessoa com deficiência", que enfatiza a pessoa antes da condição e reconhece a
deficiência como uma característica, não como definidora da identidade.
Esta precisão terminológica não representa apenas uma questão semântica, mas reflete uma transformação profunda
na concepção jurídica e social da deficiência, com implicações concretas na elaboração e implementação de políticas
públicas e na garantia de direitos.
Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos das
PcD
A dignidade da pessoa humana constitui princípio fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, consagrado
no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este princípio representa o valor intrínseco e inalienável de todo ser
humano, independentemente de suas características individuais, e serve como núcleo axiológico de todo o sistema
jurídico nacional.
"A dignidade da pessoa humana é simultaneamente valor e princípio constitucional que orienta a interpretação e
aplicação de todas as normas jurídicas, especialmente aquelas relacionadas aos direitos das pessoas com
deficiência." (PIOVESAN; SILVA, 2021)
Dimensão ontológica: Valor intrínseco da pessoa com deficiência como fim em si mesma, nunca como meio ou
instrumento
Dimensão comunicativa-relacional: Reconhecimento social, respeito à diferença e valorização da diversidade
Dimensão histórico-cultural: Construção progressiva de uma sociedade inclusiva que respeita e celebra a
diversidade humana
Dimensão negativa: Proibição de tratamentos degradantes, discriminatórios ou excludentes
Dimensão positiva: Obrigação de promover ações concretas para garantir condições dignas de vida e
desenvolvimento
A dignidade humana, como fundamento do Estado brasileiro e dos direitos fundamentais, exige não apenas o respeito
formal às diferenças, mas a criação de condições materiais para que as pessoas com deficiência possam desenvolver
suas potencialidades e participar ativamente da vida social.
Na perspectiva das pessoas com deficiência, a dignidade humana se manifesta concretamente através da garantia de
autonomia, independência e participação social. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei
Brasileira de Inclusão materializam este princípio ao reconhecerem a capacidade legal das pessoas com deficiência e
estabelecerem mecanismos que promovam sua autonomia decisória e sua inclusão efetiva em todas as esferas da vida
social.
Como observa Araújo (2020), a dignidade da pessoa humana não se resume a uma declaração abstrata, mas deve se
materializar em políticas públicas e práticas sociais que eliminem barreiras e promovam a acessibilidade, a não-
discriminação e a participação plena das pessoas com deficiência. Este princípio constitui, assim, o fundamento ético-
jurídico de todas as normas relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência e o parâmetro para sua interpretação
e aplicação.
Igualdade e Não-Discriminação: Princípios
Estruturantes
Os princípios da igualdade e não-discriminação constituem pilares fundamentais do sistema de proteção aos direitos
das pessoas com deficiência. Estes princípios transcendem a mera igualdade formal perante a lei, consagrando uma
concepção substantiva que reconhece as diferenças e estabelece mecanismos para garantir equiparação de
oportunidades.
A legislação brasileira estabelece diversos mecanismos para combater a discriminação contra pessoas com deficiência:
Segundo Diniz et al. (2023), o Supremo Tribunal Federal tem consolidado jurisprudência robusta em favor da
constitucionalidade das medidas de ação afirmativa para pessoas com deficiência, reconhecendo-as como
instrumentos legítimos para a promoção da igualdade material. A ADI 5.543, que discutiu restrições a doadores de
sangue, e a ADI 6.476, sobre vagas em estacionamentos, são exemplos recentes desta tendência jurisprudencial que
reforça a perspectiva antidiscriminatória no ordenamento jurídico brasileiro.
Combate ao Preconceito e Discriminação
contra PcD
O enfrentamento ao preconceito e à discriminação contra pessoas com deficiência requer uma abordagem
multidimensional que combine instrumentos jurídicos, educacionais e culturais. A legislação brasileira estabelece
mecanismos específicos para prevenir e punir práticas discriminatórias, mas seu efetivo combate demanda também
transformações nas atitudes sociais e na consciência coletiva.
Segundo o relatório "Violência contra Pessoas com Deficiência no Brasil" (MMFDH, 2022), foram registradas 12.036
denúncias de violações de direitos contra pessoas com deficiência no Disque 100 em 2021, um aumento de 118% em
relação a 2020. As principais violações incluem negligência (30,2%), violência psicológica (23,1%), discriminação
(18,7%) e violência física (16,4%).
O estudo "Capacitismo e Mercado de Trabalho" (IBDD, 2023) revelou que 76% das pessoas com deficiência já sofreram
algum tipo de discriminação no ambiente de trabalho, incluindo subestimação de capacidades (62%), exclusão de
atividades sociais (48%) e recusa de adaptações razoáveis (37%).
"O combate efetivo ao preconceito e à discriminação contra pessoas com deficiência exige não apenas mecanismos
punitivos, mas principalmente a construção de uma cultura de respeito à diversidade e reconhecimento do valor
inerente a todas as pessoas, independentemente de suas características físicas, sensoriais, intelectuais ou
psicossociais." (RIBEIRO; CARNEIRO, 2022)
Acessibilidade: Conceito Multidimensional e
Direito Fundamental
A acessibilidade constitui direito fundamental das pessoas com deficiência, sendo condição essencial para o exercício
dos demais direitos. Na perspectiva contemporânea, a acessibilidade transcende aspectos meramente arquitetônicos,
configurando-se como conceito multidimensional que abrange todas as esferas da vida social.
"A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma
independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social." (Art. 53 da Lei nº 13.146/2015)
A legislação brasileira estabelece diretrizes e obrigações específicas para a promoção da acessibilidade em diferentes
contextos. A Lei nº 13.146/2015 dedica um capítulo inteiro ao tema (Título III, Capítulo I), estabelecendo que a concepção
e implementação de políticas públicas devem atender aos princípios do desenho universal e prever mecanismos de
adaptação razoável quando necessário.
Nos últimos anos, diversos avanços normativos ampliaram as garantias de acessibilidade, com destaque para:
Conforme destacam Carvalho e Sartoretto (2020), a efetivação da acessibilidade requer uma abordagem sistêmica que
considere suas múltiplas dimensões de forma integrada. Não basta garantir o acesso físico se persistirem barreiras
comunicacionais, atitudinais ou tecnológicas que impeçam a plena participação das pessoas com deficiência nos
diversos contextos sociais.
Acessibilidade Arquitetônica, Comunicacional
e Atitudinal
A garantia de acessibilidade em suas múltiplas dimensões constitui elemento fundamental para a inclusão efetiva das
pessoas com deficiência. Cada dimensão da acessibilidade apresenta características específicas e complementares,
exigindo abordagens técnicas e normativas próprias, mas integradas em uma perspectiva sistêmica.
Acessibilidade Comunicacional
A acessibilidade comunicacional visa garantir que todas as pessoas, independentemente de suas características
sensoriais, possam receber e emitir informações em igualdade de oportunidades. Esta dimensão engloba desde a
comunicação interpessoal até o acesso a produtos culturais, informações de interesse público e meios de comunicação
de massa.
Acessibilidade Atitudinal
O art. 79 da Lei nº 13.146/2015 determina que o poder público deve garantir a veiculação de campanhas de
conscientização sobre os direitos das pessoas com deficiência. Já o art. 28, XIV, estabelece a obrigatoriedade da
inclusão de temas relacionados à pessoa com deficiência nos currículos escolares, visando eliminar preconceitos e
promover o respeito às diferenças.
Conforme destacam Mello e Nuernberg (2023), a acessibilidade atitudinal constitui dimensão fundamental para a
efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, pois as barreiras atitudinais frequentemente impedem o usufruto
de direitos mesmo quando existem condições físicas e comunicacionais adequadas. A formação continuada de
profissionais, especialmente nas áreas de educação, saúde e serviço público, tem se mostrado estratégia eficaz para
promover mudanças atitudinais positivas.
Educação Inclusiva: Fundamentos e Diretrizes
Normativas
A educação inclusiva constitui direito fundamental das pessoas com deficiência, assegurado pela Constituição Federal,
pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão. Este paradigma
educacional pressupõe a transformação dos sistemas educacionais para atender à diversidade de necessidades de
aprendizagem, garantindo o acesso, a permanência e a participação de todos os estudantes.
Fundamentos Legais
Constituição Federal (art. 205, 206 e 208)
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 24)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996)
1
Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015, arts. 27 a 30)
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008)
Decreto nº 10.502/2020 (parcialmente suspenso pelo STF na ADI 6.590)
Lei nº 14.191/2021 (Educação Bilíngue de Surdos)
Princípios Fundamentais
Educação como direito humano fundamental e indisponível
Inclusão plena em todos os níveis e modalidades de ensino
Não-exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência
2
Aprendizagem ao longo de toda a vida
Máximo desenvolvimento possível de talentos e habilidades
Participação efetiva em uma sociedade livre
Respeito pela diferença e aceitação da deficiência como parte da diversidade humana
A Lei Brasileira de Inclusão estabelece um conjunto de obrigações para as instituições de ensino, públicas e privadas,
visando garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem das pessoas com deficiência. Entre
as principais obrigações, destacam-se:
Um aspecto particularmente relevante da legislação atual é a proibição de cobrança de valores adicionais por
instituições privadas para o atendimento a estudantes com deficiência (art. 28, §1º da LBI). Esta disposição foi
questionada, mas teve sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5.357, que reconheceu
a educação inclusiva como imperativo constitucional.
Conforme destacam Mantoan e Prieto (2022), o paradigma da educação inclusiva requer uma transformação profunda
nas escolas, que devem se adaptar para atender às necessidades específicas dos estudantes, e não o contrário. Esta
abordagem implica a adoção de práticas pedagógicas diversificadas, a eliminação de barreiras arquitetônicas,
comunicacionais e atitudinais, e o compromisso coletivo com a construção de ambientes educacionais acessíveis e
acolhedores para todos.
"A inclusão educacional não é apenas uma questão legal, mas um direito fundamental que reflete o compromisso
com a construção de uma sociedade democrática, justa e solidária, que valoriza a diversidade humana e reconhece
o potencial de aprendizagem de todos os estudantes." (CARVALHO, 2023)
Políticas Públicas para a Educação Inclusiva
As políticas públicas para a educação inclusiva representam o conjunto de ações governamentais voltadas à garantia
do direito à educação de qualidade para pessoas com deficiência. Estas políticas envolvem aspectos financeiros,
administrativos, curriculares e formativos, articulados em uma estratégia integrada para a promoção da inclusão
educacional.
Estrutura e Financiamento
O financiamento da educação inclusiva no Brasil opera
principalmente através do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb),
reformulado pela Lei nº 14.113/2020. A nova legislação
estabeleceu valor diferenciado (fator de ponderação
1,20) para matrículas de estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, reconhecendo os custos
adicionais para garantia de acessibilidade e apoios A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
especializados. da Educação Inclusiva (2008) permanece como
referência conceitual, mas sua implementação foi objeto
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), através da
de controvérsia após a edição do Decreto nº
Resolução CD/FNDE nº 27/2021, destina recursos
10.502/2020, parcialmente suspenso pelo STF na ADI
financeiros específicos para adequação de espaços
6.590, sob o argumento de que elementos do decreto
físicos e aquisição de recursos de acessibilidade. Já o
contrariavam o paradigma inclusivo consolidado na
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) inclui a
Constituição Federal e na Convenção sobre os Direitos
aquisição de materiais didáticos acessíveis, como livros
das Pessoas com Deficiência.
em Braille, Libras e formatos digitais acessíveis.
Entre as iniciativas mais recentes, destaca-se a implementação da Lei nº 14.191/2021, que alterou a LDB para dispor
sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Esta legislação reconhece a Libras como primeira língua e o
português escrito como segunda língua, garantindo ambientes linguísticos adequados ao desenvolvimento de
estudantes surdos e com deficiência auditiva.
Conforme análise de Garcia e Glat (2023), as políticas públicas para educação inclusiva no Brasil apresentaram avanços
significativos nas últimas décadas, mas ainda enfrentam desafios como a insuficiência de recursos financeiros, a
fragilidade da formação docente e as resistências culturais à inclusão. Os autores destacam a importância de garantir a
continuidade e o aprofundamento das políticas inclusivas, com monitoramento sistemático de resultados e participação
ativa das pessoas com deficiência em sua formulação e avaliação.
Trabalho e Emprego para Pessoas com
Deficiência
O direito ao trabalho constitui elemento fundamental para a inclusão social e a autonomia das pessoas com deficiência.
A legislação brasileira estabelece um conjunto de normas visando garantir oportunidades de emprego, condições
equitativas de trabalho e proteção contra discriminação no ambiente profissional.
"A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e
inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas." (Art. 34 da Lei nº 13.146/2015)
1991 1
Lei nº 8.213/1991 (Lei de Cotas) - Estabelece
reserva de vagas para pessoas com deficiência
em empresas com 100 ou mais empregados (2%
2 1999
a 5% dos cargos)
Decreto nº 3.298/1999 - Regulamenta a Política
Nacional para a Integração da Pessoa com
2015 3 Deficiência, incluindo medidas para qualificação
profissional e inserção no mercado de trabalho
Lei nº 13.146/2015 (LBI) - Consolida e amplia
direitos trabalhistas, proibindo discriminação e
garantindo acessibilidade no ambiente de 4 2019
trabalho
Lei nº 13.877/2019 - Permite compensar
percentual de aprendizes com deficiência na
2022 5 cota de aprendizagem geral da empresa
A legislação brasileira estabelece diversos mecanismos para promover a inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho:
De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022, as pessoas com deficiência representavam
apenas 1,3% dos vínculos formais de emprego no Brasil, evidenciando o desafio persistente da inclusão laboral. Os
dados mostram diferenças significativas na empregabilidade conforme o tipo de deficiência: pessoas com deficiência
física representam 48,2% das contratações, seguidas por auditiva (17,3%), visual (14,6%), intelectual (8,7%) e múltipla
(1,2%).
Conforme destacam Ribeiro e Fernandes (2023), a efetiva inclusão no mercado de trabalho requer não apenas o
cumprimento formal das cotas, mas a criação de ambientes verdadeiramente inclusivos, com acessibilidade,
adaptações razoáveis e cultura organizacional que valorize a diversidade. Os autores apontam que empresas com
programas estruturados de inclusão reportam benefícios como aumento da inovação, melhoria do clima organizacional
e fortalecimento da reputação corporativa.
Cotas e Inclusão no Mercado de Trabalho
O sistema de cotas para pessoas com deficiência constitui um dos principais mecanismos de ação afirmativa para
promoção da inclusão no mercado de trabalho brasileiro. Estabelecido pela Lei nº 8.213/1991 e regulamentado pelo
Decreto nº 11.298/2022, este sistema determina percentuais mínimos de contratação para empresas com 100 ou mais
empregados.
2% 3% 4% 5%
100 a 200 201 a 500 501 a 1.000 Acima de 1.000
empregados empregados empregados empregados
A política de cotas possui características específicas que visam garantir sua efetividade:
Apesar da existência do sistema de cotas, pesquisas indicam que seu cumprimento frequentemente ocorre de forma
meramente formal, sem a construção de ambientes verdadeiramente inclusivos. A inclusão efetiva requer ações
integradas que transcendam o simples atendimento numérico:
De acordo com estudo publicado pelo Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD, 2023),
empresas com práticas inclusivas efetivas apresentam resultados superiores em indicadores como engajamento dos
colaboradores, inovação e retenção de talentos. A pesquisa identificou que a inclusão bem-sucedida depende de
quatro fatores críticos: compromisso da liderança, acessibilidade integral, cultura inclusiva e desenvolvimento contínuo.
Conforme destacam Costa e Bahia (2022), o sistema de cotas representa uma estratégia necessária, mas insuficiente
para a plena inclusão laboral das pessoas com deficiência. Os autores defendem a importância de políticas
complementares, como incentivos fiscais para adaptações razoáveis, programas de qualificação profissional
específicos e apoio técnico às empresas para implementação de práticas inclusivas.
Saúde e Reabilitação: Aspectos Jurídicos e
Políticas Públicas
O direito à saúde das pessoas com deficiência está assegurado na Constituição Federal, na Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão. Este direito compreende não apenas o acesso a
tratamentos e medicamentos, mas também a reabilitação integral, visando a maximização da independência, da
capacidade física, mental, social e profissional.
"É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por
intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário." (Art. 18 da Lei nº 13.146/2015)
A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD), instituída pela Portaria nº 793/2012 e atualizada pela Portaria de
Consolidação nº 3/2017, constitui o principal modelo organizativo para a atenção à saúde das pessoas com deficiência
no SUS. Esta rede articula diferentes pontos de atenção, com ênfase no cuidado integral e na reabilitação.
1. Atenção Básica: Responsável pelo acolhimento, acompanhamento, ações de prevenção e identificação precoce de
deficiências
2. Atenção Especializada em Reabilitação: Inclui os Centros Especializados em Reabilitação (CER) e serviços de
reabilitação habilitados
3. Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência: Garantia de acessibilidade e qualificação do cuidado à pessoa
com deficiência em situações de urgência/emergência
A Portaria GM/MS nº 1.272/2020 estabeleceu o Centro Especializado em Reabilitação e Oficina Ortopédica Itinerantes,
ampliando o acesso aos serviços de reabilitação em regiões de difícil acesso ou com vazios assistenciais. Já a Portaria
GM/MS nº 3.502/2021 instituiu o Programa de Reabilitação Pós-COVID-19, incluindo pessoas com deficiência adquirida
em decorrência da síndrome pós-COVID-19.
Segundo Campos e Mendes (2023), os avanços normativos recentes têm fortalecido a perspectiva da integralidade do
cuidado, superando o modelo exclusivamente biomédico e incorporando aspectos psicossociais na atenção à saúde
das pessoas com deficiência. No entanto, os autores apontam desafios persistentes, como a distribuição desigual dos
serviços no território nacional, a insuficiência de profissionais especializados e a fragmentação do cuidado entre
diferentes serviços e setores.
Programas e Serviços de Saúde para PcD
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece uma variedade de programas e serviços específicos para pessoas com
deficiência, estruturados a partir dos princípios da universalidade, integralidade e equidade. Estes serviços visam
garantir não apenas assistência médica, mas reabilitação integral e promoção da autonomia e funcionalidade.
Os Centros Especializados em Reabilitação constituem pontos de atenção estratégicos da Rede de Cuidados à Pessoa
com Deficiência. Classificados em quatro tipos, conforme as modalidades de reabilitação oferecidas, os CER
representam a principal estrutura para a reabilitação especializada no SUS.
De acordo com dados do Ministério da Saúde (2023), existem atualmente 269 CER habilitados no Brasil, distribuídos em
todas as regiões do país, embora com concentração significativa no Sudeste (41%) e Nordeste (30%). A Portaria
GM/MS nº 4.342/2021 estabeleceu novo incentivo financeiro para implantação de CER em municípios com menos de
500 mil habitantes, visando reduzir desigualdades regionais no acesso a estes serviços.
Oficinas Ortopédicas: Serviços de confecção, adaptação e manutenção de órteses, próteses e meios auxiliares de
locomoção (OPM). A Portaria GM/MS nº 2.723/2020 ampliou o escopo das oficinas para incluir adaptações para
atividades da vida diária.
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN): Inclui testes para detecção precoce de condições que podem
levar a deficiências, como fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e deficiência auditiva. A Portaria GM/MS nº
2.829/2020 incorporou novos testes ao programa.
Serviços de Atenção à Saúde Auditiva: Realizam diagnóstico, adaptação de aparelhos auditivos e terapia
fonoaudiológica. A Portaria GM/MS nº 3.764/2021 atualizou os critérios para concessão de implantes cocleares pelo
SUS.
Serviços de Reabilitação Visual: Oferecem avaliação oftalmológica, adaptação de recursos ópticos e não-ópticos, e
orientação para autonomia. A Portaria GM/MS nº 3.762/2020 ampliou o rol de tecnologias assistivas disponíveis.
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): Atendem pessoas com transtornos mentais graves, incluindo aquelas
com deficiência psicossocial, oferecendo atendimento interdisciplinar e projetos terapêuticos singulares.
Programa de Assistência Ventilatória Não Invasiva: Fornece equipamentos para suporte ventilatório domiciliar a
pessoas com doenças neuromusculares, atualizado pela Portaria GM/MS nº 1.370/2021.
Um avanço significativo foi a Portaria GM/MS nº 3.239/2020, que instituiu o Programa Melhor em Casa para pessoas
com deficiência, garantindo atenção domiciliar multiprofissional para casos que necessitam de cuidados de média
complexidade, mas podem ser assistidos em ambiente domiciliar. Este programa foi ampliado durante a pandemia de
COVID-19 e mantido posteriormente como estratégia permanente.
Conforme destacam Santos e Pereira (2022), apesar dos avanços normativos e da ampliação da rede de serviços,
persistem desafios como a fragmentação do cuidado, as filas de espera para atendimento especializado e a
insuficiência de recursos humanos qualificados. Os autores defendem a importância do fortalecimento da articulação
intersetorial, especialmente entre saúde, assistência social e educação, para garantir a integralidade do cuidado às
pessoas com deficiência.
Assistência Social e Benefícios para Pessoas
com Deficiência
A proteção social de pessoas com deficiência no Brasil vai além dos serviços de saúde, abrangendo uma série de
benefícios e programas assistenciais que visam garantir dignidade, autonomia e inclusão. Esses programas são
fundamentais para reduzir as desigualdades sociais e econômicas enfrentadas por este grupo, complementando as
ações na área da saúde e promovendo uma abordagem integral do bem-estar.
O pilar central dessa rede de apoio é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas outros auxílios e isenções
contribuem para a melhoria da qualidade de vida e a plena participação social.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) é um benefício individual, não
vitalício e intransferível, que garante a transferência mensal de um salário mínimo a idosos (a partir de 65 anos) e a
pessoas com deficiência de qualquer idade (crianças, adolescentes, adultos e idosos) que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
A elegibilidade para o BPC para pessoas com deficiência exige a comprovação da deficiência (impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial) e da situação de vulnerabilidade social. A renda familiar
mensal per capita deve ser inferior a 1/4 do salário mínimo vigente. Ambos os critérios são avaliados por meio de perícia
médica e social realizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em conformidade com o modelo
biopsicossocial da deficiência estabelecido pela Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
De acordo com dados recentes do Ministério da Cidadania (2023), o BPC atende milhões de brasileiros, sendo uma
parcela significativa destinada a pessoas com deficiência, conforme ilustra o gráfico acima. Esse benefício representa
um pilar essencial na garantia de um mínimo existencial e na redução da extrema pobreza para famílias em situação de
alta vulnerabilidade.
Apesar dos avanços na legislação e na implementação desses benefícios, desafios persistem, como a burocratização
no acesso, a desinformação sobre os direitos e a necessidade de articulação intersetorial mais eficiente entre as áreas
de saúde, assistência social, educação e trabalho. O contínuo aprimoramento dessas políticas é crucial para garantir
que as pessoas com deficiência no Brasil possam viver com dignidade e exercer plenamente sua cidadania.
Habitação e Moradia Acessível para Pessoas
com Deficiência
A moradia acessível transcende o conceito de um simples teto; é um pilar fundamental para a autonomia, a inclusão
social e a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Uma residência adequadamente adaptada permite a plena
participação nas atividades diárias, reduz barreiras e promove a segurança e a independência. No Brasil, o
reconhecimento desse direito tem impulsionado a criação de legislações, programas e normas que visam garantir que o
lar seja um espaço de dignidade e não um obstáculo.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da
Pessoa com Deficiência, é o marco legal central que assegura o direito à moradia digna e acessível, estabelecendo
princípios e diretrizes para a promoção da acessibilidade em edificações e urbanismo. Ela reforça o conceito de
Desenho Universal, que preconiza a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem utilizados por
todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, abrangendo as mais diversas
características humanas.
A legislação brasileira estabelece que edificações de uso público ou coletivo, bem como as novas construções
residenciais, devem atender aos requisitos de acessibilidade. Além disso, programas habitacionais federais, como o
extinto "Minha Casa Minha Vida" (e seus sucessores), incluíram cotas e diretrizes de acessibilidade para garantir que as
moradias atendam às necessidades de pessoas com deficiência. Tais programas muitas vezes oferecem condições
diferenciadas para famílias com membros com deficiência, como prioridade no atendimento e subsídios para
adaptações.
O objetivo é não apenas fornecer moradia, mas garantir que ela seja funcional e promotora de autonomia, desde a
entrada do condomínio até cada cômodo da residência. A integração dessas diretrizes nos projetos desde a fase inicial
evita custos adicionais com reformas futuras e assegura a universalidade no acesso.
Para garantir que uma moradia seja verdadeiramente acessível, diversas adaptações podem ser necessárias, alinhadas
às normas técnicas de acessibilidade, como a ABNT NBR 9050. Esta norma detalha os requisitos para dimensionamento
de espaços, rampas, portas, banheiros e outros elementos construtivos que garantem a autonomia e segurança. As
adaptações mais comuns incluem:
A tecnologia assistiva tem transformado as possibilidades de moradia acessível, oferecendo soluções inovadoras que
aumentam significativamente a autonomia e a segurança em casa. Desde a automação residencial até dispositivos
específicos, essas tecnologias facilitam o cotidiano e permitem maior controle sobre o ambiente.
Em suma, a moradia acessível é um direito e uma necessidade que se traduz em dignidade, autonomia e inclusão. O
avanço legislativo e tecnológico tem pavimentado o caminho para residências que são verdadeiramente lares para
todas as pessoas, promovendo a plena participação na sociedade e a construção de um futuro mais equitativo.
Transporte e Mobilidade Urbana Acessível para
Pessoas com Deficiência
A mobilidade urbana é um pilar essencial para a plena participação social e econômica das pessoas com deficiência.
Ter acesso a um transporte seguro, confortável e acessível significa a possibilidade de ir ao trabalho, estudar, acessar
serviços de saúde, participar de atividades culturais e de lazer, e, em última análise, exercer a cidadania em sua
totalidade. No Brasil, o reconhecimento desse direito tem impulsionado uma série de legislações e iniciativas, embora os
desafios para uma implementação universal e eficaz ainda sejam consideráveis.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei nº 13.146/2015, é fundamental nesse contexto, reafirmando o direito ao transporte e
à mobilidade em condições de igualdade. Ela estabelece que os sistemas de transporte coletivo deverão ser planejados,
projetados e executados para atender às condições de acessibilidade, além de prever a gratuidade do transporte para
pessoas com deficiência e seus acompanhantes, conforme a legislação específica de cada esfera (municipal, estadual
e federal).
Além dos veículos, a infraestrutura urbana desempenha um papel vital na mobilidade. Calçadas com rampas acessíveis,
pisos táteis para pessoas com deficiência visual, semáforos com sinal sonoro e a manutenção de vias são essenciais
para que as pessoas possam se deslocar com segurança e independência. A implementação do conceito de Desenho
Universal no planejamento urbano busca criar ambientes que sejam intrinsecamente utilizáveis por todos, minimizando
a necessidade de adaptações posteriores.
Desafios e Perspectivas
Apesar dos avanços legais e tecnológicos, a mobilidade urbana acessível no Brasil ainda enfrenta desafios
significativos. A falta de manutenção de equipamentos, a fiscalização ineficaz, a descontinuidade de políticas públicas e
a conscientização limitada da população e dos operadores de transporte são barreiras persistentes. De acordo com
dados recentes, estima-se que apenas cerca de 60% da frota de ônibus urbanos nas grandes cidades brasileiras esteja
plenamente acessível, e a infraestrutura de calçadas ainda é deficiente em muitas áreas. A colaboração entre governo,
iniciativa privada e sociedade civil é fundamental para superar esses obstáculos e construir cidades verdadeiramente
inclusivas, onde a mobilidade não seja um privilégio, mas um direito universal.
Tecnologia Assistiva e Inovação para Pessoas
com Deficiência
A Tecnologia Assistiva (TA) é um campo multidisciplinar que engloba um vasto conjunto de recursos e serviços que
visam promover a funcionalidade, a autonomia e a participação social de pessoas com deficiência ou mobilidade
reduzida. Longe de ser meramente uma ferramenta de compensação, a TA atua como um catalisador para a inclusão,
permitindo que indivíduos superem barreiras e realizem atividades que antes seriam impossíveis ou extremamente
difíceis. Desde dispositivos de alta tecnologia a adaptações simples de baixo custo, a inovação contínua neste setor
redefine o que é possível para milhões de pessoas em todo o mundo.
No Brasil, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei nº 13.146/2015, reconhece e enfatiza a importância da Tecnologia
Assistiva, definindo-a como "produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e
serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência
ou mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social."
A pesquisa e o desenvolvimento (P&D) em TA no Brasil têm crescido, com universidades e centros de pesquisa
buscando soluções inovadoras e de baixo custo. A colaboração entre academia, empresas e usuários finais é
fundamental para criar tecnologias que realmente atendam às necessidades da população e sejam adaptadas ao
contexto local.
A personalização é outra área em ascensão, com a impressão 3D permitindo a criação de próteses, órteses e
adaptações sob medida para cada usuário, reduzindo custos e aumentando o conforto e a eficácia. A realidade virtual e
aumentada também prometem novas abordagens para reabilitação e treinamento de habilidades, criando ambientes
simulados para prática segura e imersiva.
O impacto da Tecnologia Assistiva é imensurável. Ela não apenas restaura a capacidade funcional, mas empodera
indivíduos, promovendo sua plena inclusão na educação, no mercado de trabalho e na vida social. Ao derrubar
barreiras físicas e comunicacionais, a TA contribui para uma sociedade mais justa e equitativa, onde o potencial de cada
pessoa pode ser plenamente realizado.
Participação Política e Cidadania das Pessoas
com Deficiência
A plena participação política e cidadã é um pilar essencial para a construção de uma sociedade verdadeiramente
inclusiva e democrática. Para as pessoas com deficiência, exercer esses direitos significa ir além da mera garantia legal,
alcançando a capacidade de influenciar decisões, moldar políticas públicas e representar seus próprios interesses.
Historicamente marginalizadas, as pessoas com deficiência têm lutado por reconhecimento e inclusão, e o direito à
participação política é um dos mais significativos avanços nessa jornada, permitindo que suas vozes e necessidades
sejam ouvidas e atendidas de forma efetiva.
72 72
60
47
43
30
0
Rio 2016 Tóquio 2020 Londres 2012 Pequim 2008
O gráfico acima ilustra o desempenho crescente do Brasil nos Jogos Paralímpicos, com um pico de medalhas nas
edições mais recentes, demonstrando o investimento e o talento dos atletas brasileiros.
No âmbito social, observa-se um fortalecimento das redes de apoio, do ativismo e da autodefensoria. As próprias
pessoas com deficiência e suas organizações têm assumido um papel cada vez mais proeminente na formulação de
políticas públicas e na fiscalização de seus direitos, o que é essencial para garantir que as soluções sejam
verdadeiramente centradas em suas necessidades e experiências. A desinstitucionalização e a promoção da vida
independente em comunidade também são tendências globais importantes, visando assegurar o direito à escolha e à
autodeterminação.
Em última análise, uma sociedade inclusiva não é apenas aquela que remove barreiras, mas aquela que celebra as
diferenças, valoriza as contribuições de cada indivíduo e assegura que todos possam viver com dignidade, autonomia e
em igualdade de condições. Os desafios são grandes, mas as perspectivas de um futuro mais justo e equitativo são
motivadoras e alcançáveis com esforço coletivo e contínuo.
Considerações Finais: Rumo a uma Sociedade
Genuinamente Inclusiva
A jornada pela inclusão das pessoas com deficiência é um testemunho da evolução social e jurídica, refletindo uma
mudança paradigmática de um modelo assistencialista para um que reconhece a dignidade, os direitos e o potencial
pleno de cada indivíduo. Ao longo deste documento, exploramos o caminho percorrido no Brasil, desde as primeiras
manifestações de apoio até a consolidação de uma legislação robusta, com destaque para a Lei Brasileira de Inclusão
(LBI), que serve como um farol para a garantia de direitos e a promoção da igualdade.
Os avanços são inegáveis e merecem ser celebrados. A crescente conscientização, a desmistificação de preconceitos
e a proliferação de iniciativas em diversas esferas 3 da educação ao mercado de trabalho, da tecnologia à
acessibilidade arquitetônica 3 demonstram que estamos, de fato, em um processo contínuo de aprimoramento. A voz
das próprias pessoas com deficiência, por meio do ativismo e da autodefensoria, tornou-se um pilar fundamental nessa
construção, assegurando que as políticas e as práticas sejam, de fato, reflexo de suas necessidades e aspirações.
Contudo, a realidade nos impõe a honestidade de reconhecer que desafios substanciais ainda persistem. A lacuna entre
a letra da lei e a sua efetiva aplicação, a insuficiência de recursos para adaptações e a teimosia de barreiras atitudinais,
como o capacitismo, continuam a ser obstáculos significativos. A inclusão plena não é apenas uma questão de leis e
decretos, mas de uma profunda transformação cultural que permeie todas as camadas da sociedade, desde o ambiente
familiar e escolar até as estruturas governamentais e empresariais.
Compromisso Coletivo
A construção de uma sociedade inclusiva exige a colaboração e o engajamento de todos os cidadãos.
Nesse panorama, a reflexão sobre o papel de cada cidadão torna-se imperativa. A inclusão é uma responsabilidade
compartilhada que transcende o âmbito jurídico e governamental. Ela reside nas pequenas atitudes do dia a dia, na
promoção do respeito, na empatia e na disposição de remover barreiras, sejam elas físicas, comunicacionais ou
atitudinais. É a convicção de que a diversidade enriquece a sociedade e que a participação plena de todos é um
requisito para um desenvolvimento verdadeiramente humano e sustentável.
Que este documento sirva não apenas como um registro dos desafios e conquistas, mas como um chamado à ação
contínua. A meta de uma sociedade genuinamente inclusiva não é um ponto final, mas um horizonte em constante
expansão, que exige vigilância, inovação e, acima de tudo, um compromisso inabalável com os valores da dignidade
humana, da equidade e da justiça social para todos.
REFERÊNCIAS
ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 2 de julho de 2008. Ratifica a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 jul. 2008.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Regulamenta a Lei nº 13.146, de 2015, que institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 ago. 2009.
BRASIL. Decreto nº 11.298, de 29 de junho de 2022. Institui a Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência
no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 jun.
2022.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1991.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 12 dez. 1990.
BRASIL. Lei nº 8.667, de 18 de junho de 1993. Dispõe sobre a obrigatoriedade de cotas para deficientes em empresas
com 100 ou mais empregados. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jun. 1993.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jul. 2015.
BRASIL. Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Institui o Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28
dez. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.370, de 14 de julho de 2021. Estabelece diretrizes para a inclusão da
pessoa com deficiência no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 jul. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 2.723, de 28 de outubro de 2020. Atualiza o protocolo de saúde para
atendimento da pessoa com deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 2.829, de 17 de dezembro de 2020. Regulamenta as ações de
reabilitação da pessoa com deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3.239, de 13 de outubro de 2020. Normatiza a acessibilidade nos
serviços de saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3.762, de 26 de novembro de 2020. Define procedimentos para
inclusão digital da pessoa com deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 nov. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3.764, de 19 de março de 2021. Regulamenta o uso de tecnologias
assistivas no SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 mar. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 4.342, de 12 de agosto de 2021. Estabelece políticas de acessibilidade
comunicacional para pessoas com deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 ago. 2021.
BRASIL. Resoluções do Conselho Nacional de Educação 3 CNE. Resolução CNE/CEB nº 4, de 2009. Diretrizes para a
Educação Especial na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 ago. 2009.
BRASIL. Resoluções do Conselho Nacional de Educação 3 CNE. Resolução CNE/CEB nº 2, de 2015. Política de
Educação Especial na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abr. 2015.
BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social 3 INSS. Normas sobre Benefício de Prestação Continuada 3 BPC. Disponível
em: https://www.inss.gov.br/beneficios/bpc/. Acesso em: 10 jun. 2023.
BRASIL. Regulamentações sobre tecnologias assistivas. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Decreto nº
10.498, de 30 de agosto de 2020. Política Nacional de Tecnologia Assistiva. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 ago.
2020.
3 São Paulo. Lei Estadual nº 11.141, de 18 de janeiro de 2002. Política Estadual para Pessoas com Deficiência. Diário
Oficial do Estado de São Paulo.
3 Rio de Janeiro. Lei Municipal nº 6.977, de 11 de agosto de 2011. Política Municipal de Inclusão. Diário Oficial do
Município do Rio de Janeiro.
NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Nova York, 2006.
NAÇÕES UNIDAS. Relatório Mundial sobre Deficiência. Organização Mundial da Saúde e Banco Mundial, 2011.
SANTOS, J. R.; PEREIRA, M. T. Inclusão social de pessoas com deficiência: avanços e desafios no Brasil. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 12, n. 1, p. 45-62, 2022.
SILVA, L. K.; ALMEIDA, F. M. Acessibilidade e tecnologia assistiva: uma análise normativa. Revista Latino-Americana de
Tecnologia e Inclusão, v. 8, n. 2, p. 102-120, 2020.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 3 TSE. Resolução nº 23.609, de 26 de outubro de 2019. Estabelece medidas para
acessibilidade eleitoral e participação política da pessoa com deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 out.
2019.