O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL
Momentos em que está dividido o poema, a descrição da CIDADE de Lisboa
I. Ave-Marias seis da tarde
II. Noite fechada escuridão
III. Ao gás iluminação a gás
IV. Horas mortas noite profunda
GRADAÇÃO TEMPORAL
O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL
TEMA Estrutura externa
• Sentimento de DESESPERO e - Quadras;
protesto que atormenta um - Um decassílabo e três
“ocidental” face à cidade de alexandrinos (descrição)
Lisboa, percorrida desde o
- Exclamações;
anoitecer até à completa
escuridão das “horas mortas”. - A rima (emparelhada e
interpolada);
- Aliteração: repetição de sons,
r/b/c/q
I. Ave-Marias (seis da tarde)
• TEMPO: entardecer
• ESPAÇO: ruas (de Lisboa),Tejo
• PERSONAGENS: turba/ multidão
• SENTIMENTOS: descrição angustiada face às impressões sensoriais do
anoitecer (cheiro a maresia, sons abafados, edifícios onde se prepara o
jantar, pessoas a caminho de casa) nas ruas de Lisboa que lhe são familiares
“as nossas ruas”, suscitam-lhe melancolia, soturnidade, náusea- provocam o
desejo absurdo de sofrer;
• O gás — enjoa e perturba
• Os edifícios e a turba — são
de cor monótona e londrina
• As edificações — são como gaiolas
Batem carros de aluguer, ao fundo.
Levando à via-férrea os que se vão.
Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições,
países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o
mundo!
A felicidade dos que partem, em oposição à
infelicidade dos que ficam, entre os quais o Poeta que
manifesta desejo de evasão para capitais europeias
onde é possível chegar de comboio. A felicidade está
onde não se está.
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
• Transfiguração do real através das
comparações
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes
• Deambulação pela cidade
«E evoco, então, as crónicas navais […]»
«Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!»
• Evocação/evasão para o tempo dos Descobrimentos, um passado
glorioso = realidade dura dos operários (carpinteiros, calafates)que
regressam a casa.
• Evasão do tempo e do espaço
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
Regresso à realidade
De um couraçado inglês vogam os
escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar alguns hotéis da
Sensações — visuais, auditivas e moda.
olfativas —captadas em
deambulação: Num trem de praça arengam dois
dentistas;
• Tinir de louças Um trôpego arlequim braceja numas
• Hotéis que flamejam andas;
Os querubins do lar flutuam nas
• O rio que reluz, viscoso varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os
• Os dentistas que arengam lojistas!
• As varinas hercúleas Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as
• O cheiro do peixe pobre obreiras;
E num cardume negro, hercúleas,
galhofeiras,
(…)O FIM DA TARDE (…)
• “serve-se o jantar nos hotéis da moda. “ (AOS PRIVILEGIADOS)
• Dois dentistas falam aborrecidamente, um trôpego arlequim (um desfavorecido
da sorte) braceja numas andas. Os querubins do lar (a criançada, à espera dos
pais, aos saltinhos, nas varandas). Os comerciantes, em cabelo (descompostos),
enfadam-se, à porta das lojas, por falta de clientes.
≠
• A grandeza heróica das varinas que encontram paralelo no passado heróico
simbolizado por Camões: o naufrágio de Camões e os filhos das varinas que
naufragam nas tormentas, reforçado pela denúncia das condições de vida das
varinas. O SP tem consciência da dura realidade de vida ao contrário delas.
• Metáfora
Vêm sacudindo as ancas opulentas! • Presença do mar, a grandeza épica das
Seus troncos varonis recordam-me pilastras; varinas como a do passado heróico
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
simbolizado por Camões
Os filhos que depois naufragam nas • As canastras levam os filhos, onde também
tormentas transportam o peixe, o sustento da família.
• Os filhos, que mais tarde naufragarão no
mar como Camões nas tormentas
Descalças! Nas descargas de carvão, • Condições de vida precárias das varinas
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infeção!
COMPARAÇÕES, METÁFORAS
• O POETA CAPTA A REALIDADE, OBSERVA O REAL E TRANSMITE-NOS UMA IMPRESSÃO SOBRE AS
REFLEXÕES QUE FAZ, SOBRE O QUE VÊ.
OBSERVAÇÃO IMPRESSÃO E DETALHADA DE ASPETOS DO REAL QUOTIDIANO
• TRANSFIGURAÇÃO DO REAL PRESENTES NAS COMPARAÇÕES METÁFORAS
• DEAMBULAÇÃO PELO ESPAÇO DA CIDADE
• SIMPATIA DO SP PELOS CITADINOS EXPLORADOS, FRÁGEIS, DESFAVORECIDOS E MAIS FACILMENTE
CONDENADOS A MORRER
CONSCIÊNCIA SOCIAL
II. NOITE FECHADA
Toca-se às grades, nas cadeias. Som • O ACENDER DAS LUZES
Que mortifica e deixa umas loucuras
mansas! • Deambulação do SP pela cidade
O Aljube, em que hoje estão velhinhas
e crianças, • Sentimento de clausura sugerido
Bem raramente encerra uma mulher de pelo espaço, o Aljube (presos,
“dom”!
velhinhas e crianças)
• Enfatiza o seu estado doentio,
E eu desconfio, até, de um aneurisma morbidez trazida pelo acender das
Tão mórbido me sinto, ao acender das
luzes;
luzes, traz-lhe sofrimento
À vista das prisões, da velha Sé, das • Várias sensações, auditivas e visuais
Cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que • Enumeração de espaços fechados, o
se abisma.
chegar a casa, “iluminam-se”
• Metáfora e comparação levam-no à
evasão, à transformação do real.
• O espaço refere a repressão religiosa e
Duas igrejas, num saudoso largo, política, uma crítica ao clero pela suas
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: ações de tortura, morte (vítimas da igreja)
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e
alargo. • Referências históricas (construções pós
terramoto)que acabam por reavivar o
sentimento de clausura, sofrimento, a
Na parte que abateu no terremoto, cidade provoca estados de melancolia,
Muram-me as construções retas, iguais, incomodam-no o som dos sinos
crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes
subidas, • Mas a contrastar com este estado doentio
E os sinos dum tanger monástico e da cidade, num lugar insignificante ergue-
devoto.
se a estátua de Camões (Largo de
Camões), símbolo da época gloriosa
Mas, num recinto público e vulgar, • Vulgaridade do presente ≠
Com bancos de namoro e exíguas grandiosidade do passado
pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções
guerreiras, Intenção crítica
Um épico doutrora ascende, num pilar!
E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, • As doenças personificadas, Cólera e Febre, denunciam a
Nesta acumulação de corpos enfezados; degradação social e a simpatia por este grupo
Sombrios e espectrais recolhem os soldados; • Palácio casebre
Inflama-se um palácio em face de um casebre.
• Referência à repressão dos militares no presente e à do
Partem patrulhas de cavalaria clero, no passado, “derramam-se” por toda a cidade,
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos: responsáveis pela situação de pobreza
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos, • Conventos = quartéis (responsáveis pela situação de
Derramam-se por toda a capital, que esfria. pobreza)
• Personificação da cidade que suscita ao SP sentimentos
negativos: caráter pessimista, triste, sombrio acentuada pela
Triste cidade! Eu temo que me avives (a cidade) felicidade dos burgueses
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes, • A tristeza do SP contrasta com a alegria da burguesia nas
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
montras das lojas e esta com os que vivem do trabalho.
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.
E mais: as costureiras, as floristas Duplicidade da vida de algumas mulheres: lojistas durante o
Descem dos magasins, causam-me sobressaltos; dia e atrizes à noite
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.
• “eu” encontra sempre um motivo para os seus versos no
E eu, de luneta de uma lente só, (=atento) que diz respeito a denunciar as fragilidades dos
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados: desfavorecidos, assume a sua parcialidade junto destes
Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.
• Empréstimos (influencia estrangeira)