83%(6)83% found this document useful (6 votes) 672 views23 pagesAs Religioes Africanas No Brasil Roger Batiste Cap Religioes GR
Roger Bastite Cap Religioes Gr (1)
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RELIGIOES
AFRICANAS
A
BRASIL
elo orceM a onene-Kee OrenetttsoorrsCONCLUSGES DA PRIMERA PARTE
Religides, Grupos Etnicos e Classes Sociais
africamas a0 longo de uma linha flutuante que separaria, de
um modo geral, o mundo dos simboios, das Tepresentacdes co-
/ letivas, dos valores, do mundo das estruturas sociais ¢ de suas ba-
ses morfoldgicas. O africano, com a destruicao racial das linha-
Bens, dos clas, das aldeias ou das realezas, apepava-se tanto mais
Sie att yf, Sous etises, @ tinica coisa que the restara de seo '
Pais natal, 0 tesoura que pudera trazer consigo, Mitos ¢ deuses
tores, passos de dangas ou gestos rituals, capazes, Por conse- |
guinte, de mais facilmente serem ayivados ao rufar lgubre dos )
tambores, H
texto justamente de que as civilizacées podem passar de uma
estrutura a outra. Que podem transformar a sociedade.. Mas,
© seu Ponto fraco esté em estudar quase exclusivamente os fe-|
némenos de “aculturagiio” como simples fenémenos de con-|
tato ¢ de mistura de civilizacdes, sem levar suficientemente em
conta as conjunturas sociais novas em que acontecem esses |
encontros. As leis, se leis hi, que regulam o Jogo das interpe-
Hetragdes, no atuam no vazio: opcram nas situagdes globais
que as determinam, forma e cortetido. Os valores africanos |
€ram trazidos para um mundo novo, para,uma sociedade com |
Posta de duas classes, uma classe de senhores © uma classe de
cscravos, uma dominadora ¢ outra explorada. As civilizacées
étnicas cram assim transformadas em civilizagdes de classe e |
isto nao podia deixar de exercer sobre elas uma forte influéncia {
Para remodelé-las © metamorfoseé-las. Eis por que consagra- !
mos dois capitulos ao Papel da religiao na resisténcia dos negros
219ao regime servil que thes era imposto, ¢ nio somente porque
os brancos s¢ interessaram mais (e no sem motivo) nas re-
voltas dos escravos que na descricéo de seus costumes ¢ usos:
€ porque estamos aqui no proprio cerne da questao.
© marxismo, de um Jado, teve raziio, portanto, em acen-
tuar a importincia do regime econémico e o lugar da luta de
classes no dominio da vida religiosa. Mas, coisa curiosa, estando
nes antipodas da antropologia cultural, ainda assim nos leva a
sonclusGes andlogas: 0 sagrado torna-se uma simples ideologia,
flutuando acima das estruturas sociais, mais que nelas fixada,
acompanhando externamente suas flutuacdes. Nos dois casos,
ainda que por razées diferentes, toda a riqueza da dialética que
liga. os diversos niveis da sociedade se perde; tende-se, tanto
numa Concepgado quanto noutra, a separar a civilizacdo da so-
siedade, ou mais exatamente, a ligd-las apenas por um puro
mecanismo de causas ¢ efeitos, complicado apenas pelo reco-
nhecimento da possivel reac dos efeitos sobre as causas, rea-
cao, alias, concebida também mecanicamente. A resisténcia do
escravo ao regime de subordinaciio ou de exploragéo do qual
era a vitima nao se nos apresenta sob esse prisma. Tinhamos
sido levados a definila como uma resisténcia cultural, como
um esforgo antes de tudo para nao deixar perecer os valéres
vitais herdados dos antepassacos e mesmo para reconstitui-los
seja no segredo dos calundus, seja no isolamento armado dos
quilombos; no foi alids impunemente que os brancos deram a
esses calundus 0 nome de mocambos ou de quilombos; percebiam
que deviam nos-dois casos enfrentar o mesmo fendmeno, 2
ressurreigao da Africa em terra brasileira, com seus sacerdotes ¢
seus ritos, © até mesmo seus costumes matrimoniais ¢ suas reale-
zas. A fim de melhor esclarecer esse carater de resisténcia global,
@ nio apenas econdmico dos escravos, € que-a comparamas com
as Fevolugdes dos mulatos ou dos negros livres assimilados: nesse
iltimo caso, sim, a religiio aparece bem como uma idcologia,
quando surge; de fato, ela mal dissimula o ressentimento de uma
classe social, vida de igualdade ¢ desejosa de mais oportunidades,
econémicas ou sociais.
Sem diivida, alguém poderia nos observar que a resistén-
apenas se torna religiosa quando née pode tomar a forma
politica, que a religiio ¢ a unica via aberta, quando todas as
outras saidas estiio fechadas, ¢ que, por conseguinte, o esquema
marxista continua vélido, mesmo se nossa definicio das revoltas
220foram accitos na estrutura dualista do Brasil, foram usados na
Iuta de classes sociais. Santo Anténio, o mais popular dos
santos brasileiros no tempo colonial, 0 protetor do pais contra
os invasores estrangeiros, franceses ou holandeses, a ponto de
ser nomeado tenente-coronel dos exércites, com o suldo ati-
nente 2 seu grau, foi encarregado de encontrar escravos fugi-
tivos; tornou-se, ma imaginagio dos brancos, segundo a expres-
so de Camara Cascudo, uma espécie de “capitao do mato com
jurisdigdo sobrenatural”.(*) © chegava-se mesmo a deixar sua
estitua num reduto obscuro ou de cabeca para baixo, deixan-
do-o nesse Iugar indigno ¢ nessa posicao incémoda, até que 0
escravo fosse achado.(‘) Da mesma mancira, os negros que
mao suportavam sua sorte fizeram de Ogum o deus Ioruba da
guerra, © patrono de sua vinganca; contra © sincretismo caté-
lico que 0 identificava a Sdo Jorge, a esse S40 Jorge louro coma
© Sol, cujo cavalo branco pisava um deménio preto, preserva-
Tam o Ogum de seus antepassados, armado apenas com a faca
dos assassinos; os arquivos da policia do Rio falam de uma
aassociacao secreta cujo emblema era um bracelete de ferro
(esse € © simbolo dos filhos de Ogum), do qual a cor tipica
‘ra o amarelo ¢ cujo fetiche era “um tamboril ormado, simbo-
lizande a guerra”) Nao devemos nos esquecer nesta andlise
que houve casos de degradacdo do sagrado. © negro partici-
pava de dois circulos, primeiro, seu proprio grupo social ¢, em
segundo, do grupo brasileiro, do qual era parte integrante, se
bem que no mais baixo grau da hierarquia social; portanto,
devia introduzir em sua religiso, principalmente o negro crioulo,
os efeitos das tensdes que eclodiam entre esses dois tipos de
solidariedade. Mas esses efeitos eram detidos por outros fend-
menos sociolégicos que veremos em seguida.
Enfim, o escravo e miais ainda o negro crioulo estavam
certamente cristianizados ¢ na medida em que esta cristianiza-
so chegou, como vimos constituigéo de uma Igreja negra,
diferente ¢ subordinada, controlada pela igreja branca, 0 cato-
Ticismo pode ter originado fenémenos andlogos aos que foram
produzides no protestantismo negro dos Estados Unidos. B
fato que a luta de cores pode por vezes tomar a forma de lutas
de confrarias religiosas entre si, € delas citamos alguns exem-
plos. Alids, lutas de prestigio mais que a expressio’ de dios
Taciais, e que demonstram menos a revolta contra o dualismo
(3) Cimare CASCUDO, Diciondrio do Folclore Brasileiro, pp. 49-82.
(4) A. G’ASSIER, Le Bréstl Contemporain, p. 202,
(5) G. PREYRE, Sobrados, p. 853.
222da sociedade que sua aceitagao, o desejo de se incorporar na
comunidade dirigente, de penetrar, sob o véu da religizo, na
organizacéo dos brancos, © fenémeno, na realidade, data pri
cipalmente do século XVIII, isto & de uma época em que a
deseoberta do ouro modifica a hierarquia social em que a for-
tuna se torna um instrumento de classificaclo das pessoas, ¢,
nao obstante, a repugnancia de alguns, malgrado as leis sun.
tudrias destinadas a repor o negro “em seu lugar”, @ provérbio
bbrasileiro se realizava: “o negro rico € branco, 0 branco pobre
€ negro”, Esta mentalidade que transformou 0 sentido da luta
racial, que fé-la se desviar da revolta da classe em ascensio do
mulato rico para sua metamorfose progressiva em branco, debi.
Iitou © que © catolicismo de uma igreja negra pudeta apre-
sentar de mais agressivo. A religiio no se tornou ai por isto
um_6pio para o povo, ou o ponto de partida de movimentos
messianicos; 0 homem de cor nao procurou ai uma fuga da rea-
Tidade_ou uma _compensacdo a suas desgracas; fazia dela sim=
plesmente um canal de ascenséo, um meio de melhorar seu
status de todos os dias, O catolicismo foi por ele cancebido|
mais como uma atividade social que como mistica, mais como
uma organizacio da qual podia se aproveitar na terra que como
um banco de investimentos celestes, mais como instituicao que |
fé. As excegdes, ¢ as houve, do cristianismo vivido nas pro-
fundezas da alma, no nos devem fazer esquecer esta regra
geral, tanto mais ativa porque o catolicismo portugués, tal qual
implantade no Brasil, era jd, segundo a definicao de Gilberto
Freyre, um “eatolicismo mais social que mistico”,(*) bem
epost, por conseguinte, ao protestantismo de “reavivamentos”,
de “campos”, de choques afetivos, no qual se inseriu o negro
dos Estados Unid
A estrutura social da época colonial e do comégo do Im-
pério é dualista, Podemos negligenciar a classe intermediaria
de caboclos rurais ou de artestios urbanos, porque nfo constitu;
uma verdadcira classe média. Couty assim se expressa numa
formula impressionante: o Brasil ndo tem povo,(7) ¢ Tollenare
Propoe todo um plano para transformar esta classe interme-
diéria, analfabeta, improdutiva, présa aos conflitos das grandes
(8) G. FREYRE, Casa-crande © Seneaia, trad. tr, p. 47.
(i) L, COUTY. i’Bsclavage au Bréstl,’ p. BG. © isto no obstante a
Importineis numérica desta clnasc intermediaria que demina infiuitamente
Pr aumere .o8 duss outras: entre a aristorracta (500,000) e oa escrarce
(2.500000), 6000-000 de habitanter nascom, vegetam e morrem som ter
servido- o ‘pais.
228familias, numa classe média de tipo curopeu;(*) sera preciso
esperar pela Repiblica para que essas medidas comecem a ter
efeito. Porém, esse dualismo de uma classe intermedidria ou
burguesa ¢ de uma classe escrava nao deve, contudo, nos indu-
gir a um erro, Cada uma dessas classes esta dividida em grupes
de interesses que nao percebem a comunidade de suas crencas,
a solidariedade de seus lagos, 20 contririo, se opdem em riva-
lidades incessantes. Entre os brancos, senhores de engenho
contra comerciantes portugueses, proprictirios fundidrios contra
a igreja catélica, esta contra governadores metropolitanos, Sem
davida, todos desejam um controle do negro escravo, mas cada
um concebe esse controle de forma diferente: um pensa em
fazer trabalhar o negro os sete dias da semana ou sendo em
fazé-lo dancar dancas erdticas a fim de renovar seu cabedal
humane; outro pensa em sua cristianizagio; outro, enfim, em
dividi-lo em “nagdes” erguidas umas contra outras. Nota-se
pelas cartas dos governadores ou das ordens religiosas que essas
formas de controle se operem em querelas sempre recomecadas.
Do mesmo modo, a classe de escravos est dividida em con.
frarias religiosas rivais, a dos africanos, a dos crioulos, a dos
mulatos ou, ainda, em nacdes organizadas, com um governador
de “nacao”, cada um desses agrupamentos tendo vida auténo-
ma. O que faz com que haja da mesma maneira uma distancia
social entre um Malé e um Toruba, entre um Ioruba e um Dao-
meano, entre um Daomeano e um Angola, entre um Angola ¢
um Congnés, entre um Congués ¢ um Mogambique, como entre
um negro ou um mulato, entre um mulate ¢ um branco. Se
queremos compreender os fendmenos brasileicos das relagdies
entre as civilizagdes devemos pé-los menos no dualismo rigido
de classes econGmicas que nesse caos de grupos de interesses
ou de reunides de etnias. © dualismo ja € uma abstrac3o do
socidlogo. Os individuos compreendidos nesse dualismo csta-
vam por ele muito menos tamados que pela vida cotidiana, pelo
imediato dessas rivalidades de brancos entre si ou de megros
também entre ‘si; sentiam menos o dualismo profundo que os
antagonismos, mais concretos, mais poderosos, mais aparente-
mente reais des microagrupamentos.
Bis porque devemos em nossa explicaeao nos manter igual-
mente longe tanto da interpreta¢io puramente marxista quanto
da interpretagde puramente culturalista.
(@) TOLLENARE. Notes Dominieates, parte née tradusida pars o por
tugués, cartes Gn Bibiloteca “Sainte-Geneviéve”.
224Voltamos, portanto, ao
tura entre o mundo dos simbolos ou dos valores
sociais africanas. A reli,
nosso ponto de partida: o da rup-
as estruturas
primeira parte; porém, Dor isto, nao negligenciamos o movimento
inverso do sagrado se verificando, segreando suas estruturas,
suas instituigdes, sua base
mento, alids, nfo era livre,
morfolégical Esse. segundo movi.
pois que faltava ao esetavo a liber-
dade e, mesmo o negro libero, permanecia nas grandes cidades
submisso ao controle da classe dominante. O primeiro mo-
mento desta recriacdo foi, pois, um momento de aceitacio. Ou,
is realidades sociais permitidas. O
98 wnichos, como os denominamos, em que podia inserit. sus:
CWillzagbes nativas. Esses nichos foram, vimos, os batugues, as
confrarias dos homens de
Cor, as organizacdes de negros de
ganho, as “nagOes” constituidas sob a autoridade de “reis”, ou
de governadores nas cidades, as dancas domineueiras em parte
[ambém mas zonas rurais. Certamente, todos esses agrupamen.
fos erain grupos de controle de uma classe por outtra: mas vio
negros, ou, mais exatamente, pel
coletivas religiosas sobre os indi
pamentos. © que facilitaya
pressio das representacoes
lnos membros desses agru-
esta transformaclo era a distancia
social existente entre o mundo branco € © negro, que impedia
a0 branco sc interessar pelo que faziam, na sombra da noite,
esses seres igualmente noturnos, os homens de cor escura, So.
Giologicamente, € a distdncia social, muito mais que © isola
ento. geogrdfico, que-explica a manutencdo de formas arcaicas
de civilizagées, o folctore ru
wal, por exemplo, na Europa, ou no
comego da cra capitalista, o folclore das corporagoes de oficio;
© aio € tanto a direcdio enquanto rota, como a democratizacdo
dos usos, a aproximacao de classes, © triunfo do “nivel” sobre
a “barreira”, que explica o desaparecimento desses folclores. (*)
ay Gerke © Gistineta, social como fator de conservagho do tolctore,
uo lado da bem diversa distinc!
fa Seomites, ver Sidney W. MINTZ “EL
Tr aa Gm Foucurbano y ta Comunidad Rural rroietatas’ Chace Sociates,
23, bp. 1B-204.
225Num regime escravista, a distancia sendo méxima, compreen-
de-se que a civilizacdo vinda da Africa pode se introduzir sem
dificuldade nos nichos que Ihe oferecia a estrutura social bra-
sileira.
Mas cssc primeiro momento de adaptagSo € seguido por
um segundo, 0 de criagdo. .O nicho tornando-se em. esconde-
rijo, partindo dos valores sagrados, toda a sociedade africana
vai passar por ele, reconstituir-se gradativamente, na medida,
pelo menos, em que as condiches demogrificas ¢ a quebra das
linhagens assim o permitirem; reconstituiclo essa, numa andlise
sociolégica profunda, dos niveis mais clevados aos mais baixos.
Havia sempre na massa de escravos alguma “mulher de santo”,
algum sacerdote ou algum edivinho. Para nos limitar a um ou
| dois exemplos, se o Ketu domina nos candomblés da Bahia,
€ porque esta cidade foi tomada e destruida pelos reis de
Abomey ¢ seus sacerdotes ou seus principes vendidos 20 Chach4
| de Souza, por Uidah que era de origem baiana; este, grande
| traficante de carne humana, revendia escravos, em sua grande
maioria, a0 Brasil.) Se o culto das Aguas, que desapareceu
em certas partes da Africa atual, encontra-se, pelo contrario,
na América, € porque nesse caso também a confraria desses
sacerdotes, invejada pelos reis, foi reduzida intelramente &
escraviddo.(*) Os negros brasileires puderam, dessa forma,
transformar os batugues em calundus, organizando-os sobre o
fipo das confrarias religiosas africanas, mas como 6s filhos ou
as filhas-de-santo nio eram assim bastante numerosos para
constituir, em seu novo habitat, confrarias separadas, se reu-
niram na mesma associa¢do. Em torno desse macleo sdlido, que
formava como que o centro de gravidade da “nac&o”, outros
negros da mesma origem étnica agruparam-se num sistema de
inter-relagées, organizaram-se, pouco a pouco, com sfaius so-
ciais, com hierarquias de graus, de papéis distintivos no inte-
rior de grupo segundo a maior ou menor aproximacao de cada
vm com o sagrado. A nova sociedade que assim se formava,
modelava-se, pois, sobre categorias misticas. O calundu subs.
tituia a0 mesmo tempo as linhagens, destruidas pelo regime de
escravidao como pela dispersio de seus membros pelas mais
diversas plantagdes e povoados, diminuidas em ntmero, cuja
vida outrora se pautava ao ritmo das estagdes. As leis do ca-
samento, contudo, continuavam, mas a regra de exogamia nio
(0. 2 VERGER, “L'Iafluence du Bréstl au Golte do Bénin", Les A/ro-
samerieainz, pp, 11-101,
1) HERSKOVITS, “Les Nolrs du Nouveau Monde*, Journ, Soe. des
Africunistes, VIEL, 1928, p. 20,
226mais se aplicava aos cltis, aplicava-se apenas Aquilo que os
havia substituido, &s pessoas que tinham “fixado” em seus
corpos a mesina divindade; dessa maneira, as grandes festas
continuavam, porém, desligadas de suas bases agrdrias, Nao
nos demoraremos em todos esses aspectos porque teremos de
descrever mais longamente esta organizaco noutra parte, para
vomparé-la aquela da Africa. Basta, para o momento, indicar.
~ihe a origem, mostrar-thes ag fontes e aceatuar principalmente
due @ reconstituigo da sociedade africana, na medida em que
eta possivel, fez-se a partir de sua civilizagao, por um movi.
mento de cima para baixo e que sempre Ihe resta um cardter
ssurado; a estrutura interna modela-se sobre a mistica, ela no
€ mais que sua materializacao simbdlica. .
As religides afro-brasilciras nao podem ser compreendidas
a mio ser se as examinarmos, como tentamos fazer simultanea-
mente sob esta dupla perspectiva; de um lado, elas exprimem |
certos efeitos do dualismo estrutural senhores-escravos, so mo.
dificadas pela luta das cores ¢ Tefletem ‘a estrutura da socie-|
dade global; de outro, em conseqiiéncia da divisio das grandes
classes em grupos de interesses ou de erencas diferentes, ford
mam © ponto inielal de uma nova estrutura de classe de negross
sao elas mesmas criadoras de formas sociais,
Todavia, esta organizacao africana que se introduz na socie-
Gade global ¢ € protegida pela distancia secial entre as cores, af
se desenvolve como quisto, permancce do mesmo modo mergu-
thada num mundo novo. Um mundo em que dominam os valo- |
Tes culturais, as representacdes coletivas dos brancos. Dessa |
maneira, vai haver, ¢ 6 0 que reteremos do culturalismo, puras
trocas de eivilizagdes se: processanda num mesmo nivel da reali. |
dade sociolégica, independentemente dos efeitos, das pressces |
ou das reagdes das estruturas sociais. De fato, cram os mesmos |
escravos batizados pelo capelio que celebravam Seus tants
Ro patio da senzala; cram os mesmos negros ucbanos que simul. |
taneamente eram membros dos confrarias do Rosério e fidis do |
calundu. Portanto, influéncias de uma religitio sobre outra eram
Possiveis. Sobretudo porque havia para facilitar essas interpe- |
retragoes, analogias de esquemas entte uma ¢ outra. O que, de |
fato, os negros viram no catolicismo foi a existéncia de um Deus
supremo que “estava no céu”, mas, de tal forma transcedente, /
que para chegar até ele era rccomendavel passar por toda uma {
sétie de intermedidrios, Jesus Cristo, seu Filho, a Virgem, a \
bem-amada Mie de Jesus ¢, logo abaixo, 0 exército inumerdvel /
/
227de santos, cada qual patrono de uma corporaciia de oficio, ou
exercendo uma funeio social bem definida: fazer encontrar abje-
tos perdidos, curar doencas dos olhos ow erisipela, dar um marido
a uma filha sem atrativos, etc. Nao criam eles também num
Deus supremo, geralmente divindade celeste, Olorun ou Zambi
conforme as “nagées”, mas afastado dos negécios desse mundo
ou nae atendendo as preces dos humanos senJo pela intercessa0.
obrigat6ria de intermedidrios, os Orixis, os Voduns, os ancestrais
deificados? Desta analogia originou-se um sincretismo religioso,
fazendo corresponder scja globalmente o conjunto de Virgens ¢
de santos, como entre os Bantos, seja, um por um, tal divindade
africana com tal Virgem, este ou aquelé santo, como entre os
Torubas ¢ os Daomeanos. Nao vamos por enquanto estudar
esse sincretismo tal qual existe em sua rica complexidade: preo-
Cupar-nos-emos posteriormente com essa questo. Agora busca-
remos sOmente suas origens histéricas,
Alguns atribuiram-lhe causas de ordem psicolégica; 0 negro,
mesmo ligado a suas divindades étnicas, nao deixa de cmprestar
de adotar as divindades de outros grupos éticos vizinhos,
desde que essas tiltimas se mostrem mais eficientes em certos
dominios que as suas; houye também uma troca de deuses, ou
de praticas religiosas, entre os Ioruba-e os Dacmeanos, Ora,
0s santos eatélicos cram os deuses da classe mais. poderosa, da
quela capaz de cfetuar o téfico negreiro ¢ a organizacio da
escraviddo cm larga escala; nem os Orixds, nem os Voduns,
nem os ancestrais, totémicos ou nao, tiveram forga bastante para
Proteger scus filhos infelizes contra'o exilio na terra estrangeira
© 0 trabalho scrvil. Esses foram, portanto, por seu pragmatismo,
levados a acrescentar ao seu panteZo, os deuses dos cristios,
come a acrescentar a seus sortifégios a “magia” todo-poderosa
dos ritos catélicos.(1*) Vé-se que esta conversdo ao cristianismo
subentendia, também, a mesma “africanizacao” do catolicismo
que j4 notamos a propésito de um outro fenémeno.
Outros autores recorreram psicandiise. Nesse caso, tra~
tar-se-ia de um fenémeno de projecao. A escraviddo teria desen-
volyido nos negros um complexo de inferioridade ¢ o catolicisma
surgiu, de outro lado, como a religido da classe dominante.
Transferindo ou projetanda suas crengas e suas oragdes de um
Orixé bdrbaro a um santo civilizado, de um deus eseravo a um
deus senhor ‘branco, elevaram sua vida religiosa de um plano
inferior a um plano superior. © sincretismo seria, nessa inter-
(22) Em parte, fundamento da opinido de G. FERNANDES (ver nota
semuinte) .
228Pretagio um fendmeno simbélico de ascensio, desejado mais ou
inenos em surdina, mas impossivel de se realizar na vide social,
um drama do ineonsciente,(1*) Essas duas interpretagbes colo-
cam se, Como s¢ pode notar, no plano das atividades mentais ou
psiquicas.
Mas se clas nos dio alguns dos motives que puderam, na
realidade, atuar em certos casos e em determinadas categorias,
s0es da milicia ou da Policia podiam, a cada instante, interromper
© Cerimonial; era preciso, portanto, dissimular o mais possivel
aos olhos dos brancos o cardter africano do culto que ai se
Fendia, colocando sobre © pegi, onde as pedras de santo consu-
miam as oférendas cnsangientadas, um altar catélico, enfeitado
com flores de Papel, toalhas brancas, imagens e pinturas de san-
$e canticos que subiam ao altar iluminado de velas eram de igidos
dle fato a Ogum e nao a Sao Jorge, a Omulu ¢ nan. Sio Lazaro.
B daqui que devemos partir para compreender © sincretismo
religioso, mesmo quando transformado apés o desaparecimento
dos tiltimos africanos © com a diminuicéo, senfo + ruptura com-
pleta, das ligagGes maritimas entre o Brasil ¢ a cost ocidental
, OS fenémenos do sincretismo Variam no
tempo enquanto tal que age,
nao € em outros termos a sua duragdo que é fator de causacao;
RESSe CASO, aS situacdes sociais sao modificadas ¢ conseqiiente-
mente, aqui também, somos levados ao campo da Sociologia
mais uma vez. Esta é a idéia que finalmente se depreende, cre-
mos, de todas as piginas de nossa primeira Parte: se tragos da
(03) | Gotealves FERNANDES, 9 sincretiamo Sépe-nex0-catgiies como
egg n° Hmimiea dum sentimento de snterlondaet Afro-aiméricains, pp.
125-24,
229sivilizagao africana puderam passar para a classe dos portugué-
ses foi em razao da hierarquizag3o dos escravos em escravos do
campo, artesdos, domésticos ¢ a intimidade destes tiltimos com
seus senhores, isto 6, 0 processo dessa passagem deve ser pes-
quizado na estrutura da familia patriarcal brasileira, Se, de
| Modo reeiproco, traces da civilizacao portuguésa, cada vez mais
numerosos, passaram para a classe dos negros, € porque as
duas classes nunea foram castas, rigidamente fechadas, tranca-
das por um cadeado de dupla volta, mas eanais de ascensao social
que sempre cstiveram abertos no seio da sociedade brasileira,
| estando bem entendido que a assimilagao do negro aos valores
brancos constituia 0 critério de toda mobilidade vertical.
A supressio do trifico negreiro de infcio e depois a do
trabalho servil iriam quebrar esta estrutura’ social que permitira
a conservacao das religides africanas no Brasil ¢ a sua coagulagao
(empregarei aqui de preferéncia esse termo ao invés de sincre=
tismo) com o catolicismo, Nao iria tal confusio de estruturas
trazer um golpe fatal a essas sobrevivéncias ou a essas primeiras
formas de interpenetragées de religiGes?
*
es *
Ora, o fato ai esté:
Os perpetuadores. atunis das tradigdes afrieanas nfo sfio mais
98 nativos da Africa, mas seus descendentes em terceira ou quarta
geracde. Entretanto, através dessas geragées, num nove habitat
© com novas condigdes de vida, os pais continuaram a transmitir a
seus filhos, eonsciente ou inconscientemente, seu estilo de vida, (14)
Como entio puderam os velhos calundus coloniais sobre-
viver através de todas as revolugGes das estruturas sociais? Como
péde a civilizac%o africana manter-se numa sociedade antidualis-
ta, pelo menos juridicamente, e onde os escravos tomavam-se
cidadfos, iguais em direitos e em mérito aos seus senhores de
antigamente? Procurou-se, algumas vezes por razdes de ordem
psicolégica, explicar esse fenémeno.
A. tenacidade elementos culturais africanos, contra os
diversos ataques que suportaram na organizacSo social, na lingua,
na religido, na arte, deve ser relacionada & tenacidade com a qual
alguns tragos earacteristicos da personalidade africana continuaram
(18) René RIBEIRO, K.-H, de Alagoas, KEVI p. 14.
230entre seus descendentes do Novo Mundo, mesmo onde a aculturai
pelos modelos curo-americanos foi mais’ ampla. (15)
Porém, a menos que se considere que exista uma mentali-
dade caracteristica ¢ uma psicologia diferencial de ragas, 0 que
esté em contradicao com os dados da ciéncia contemporinea, o
problema ndo se resolverd por esta explicacio; a solucdo nfo esta
sendo diferenciada, porque se 0 afro-brasilciro pode manter
tragos de sua personalidade africana, foi porque esta personali-
dade foi moldada por um meio cultural africano; as atitudes
aictivas, as formas de mentalidade, as categorias do pensamento
Sd0 9 produto da educagdo. Se admitirmos, de outra Parte (o
‘que 10 accitamos, alids, sem fortes reservas), que esta educagao
da afetividade ¢ dos modes de pensar africanos no Brasil nao
provém da familia negra, mas do eandomblé — que € a opiniao
de Frazier —(7*), entao o circulo se fechardi sem que tenhamos
a solugdio desejada: por que, pois, ha sempre candomblés?
Nao € para a Psicologia que devemos nos dirigir em nossa
busca, mas para a Sociologia, Antes, todavia, de comecar nossa
pesquisa, precisamos notar que esta resisténcia das seitas africa-
nas é to profunda que nenhuma perseguicio, policial ou ecle-
sidstica, pode veneé. Como muitos de seus membros eréem-
-se bons catélicos, freqiientam a missa, fazem parte da confraria
do Rositio, poder-se-ia pensar que as Pastorais, por exemplo,
do bispo da Bahia, as ameacas de excomunh’o contra “as filhas.
~de-santo” por “apostasia”, as ordens dadas aos sacerdotes para
recusar-Ihes a comunhao, teriam podido colocar sob 9 baculo
de Roma muitos filhos dos candomblés.(7) Mas nada disso
aconteceu. Nio insistiremas sobre esta primeira forma de per-
Segui¢do porque sempre houve no Brasil entre o dogma e a
Pritica uma grande margem de tolerincia. As perscguicdes
Policiais foram violentas, de outra maneira, principalmente quan-
do estavam ligadas a movimentos politicos, como em Alagoas
{15) HERSKOVITS. “Some Psyenologienl Implications of Afromerican
Studles", XXIXth Int. Congres: of Americanisie, p. 158. Sobre a persistence
do otitudes africans © nfo sd de gua organiicao, ver a historia da, vida,
de uma Jovem negre em PIERSON, Brancoe ¢ Prétoe Na Bahia, pp. 320-22,
eB. RIBEIRO, “Projective Mechanlzms and the Structurallzation of Perceps
Hon th Atro-brazilian Divination”, Rev. Inst. Ethmopsyoho. Normale et Pathol,
2 1956,
(26) |B. Franklin FRAZIER, “The Negro Family in Babla, Brazit”, Amer.
Sociol, Rov. VIL, 4, 198, pp. S71 ¢ 478. Dizemos que milo accitamos exec
Ponto de vilta sem prandes reservus porque e# tor Terdade que a ufcicanl:
gash do nero provem do candomblé, nem por iso dela le cncontrar em
sua famfia 9 clims empititual que favorece esta acho da selta religiosa.
(7) A doutrina da Tereja copre ce candombiés, com = andiise das
Pastorals em questo, eneontra-se em Candomblé, Santo Anténio, 15, 1 abril
de 197, pp. 15-29,
231onde a revolta popular de 1912 contra o governador, amigo dos
hegros e protetor dos Xangés, terminou pela destruicdo selvagem
dos sanitarios africanos de Maceié.(3) © que todas. essas
Perseguigées. conseguiram fazer foi smente transformar ceri-
ménias piblicas em ceriménias secretas, uma religiio de festa
uma religio de catacumba, sem tambores barulhentos, com
‘¢dolicos apenas murmurados, cantados a meia-voz, com todas as
Portas ¢ janelas fechadas.('*) Goncalves Fernandes achou por
analogia com certos ritos catdlicos, a mais exata expresso desse
fenémeno, quando diz que a missa cantada foi substituida pela
missa rezada (Xang6-reisado-baixo).(2) A perseguigéio nem
mesmo conseguiu impedir — tentando fazer reinar o terror no
grupo de ficis — o recrutamento de continuar como se nada
houvesse acontecido. Durante minha viagem a Recife, no auge
da luta, pude ver, num dos Xangés mais tradicionais da cidade,
trés mocas prestes a sofrerem as provas da iniciagao.
Quais sio, pois, os fatores sociais que permitiram esta
Tesisténcia ¢ esta conservaciio?
Se a supresséo do tréfico megreiro impedia a renovacde
de africanos, entretanto nao fez cessar inteiramente as relagdes
entre o Brasil e a Africa. O candomblé de Engenho Velho foi
fundado, segundo £. Cameiro, por Iy4 Nass6,(2') mas o que
cle mio diz, © que para nés é importante, é que Iy4 Nassd, se
possuia alguma telagio com a Bahia, jd que sua mae ai fora cs
crava antes de retornar para a Africa © af exercer o sacerdécio,
nasceu na Nigéria e veio para a Bahia, livre, acompanhada por
um. wassa (que € um titulo sacerdotal), a fim de fundar um
candomblé, justamente o de Engenho Velho. Sua filha espiri-
tual, vinda também da Africa livremente, Marcelina, Ppartiu mais
tarde para seu pais, sem dtivida para aperfeigoar seus conheci-
mentos, imiciar-se mais profundamente nos segredos do culto,
© Tegressou depois de sete anos (que é 0 ntimero sagrado dos
Toruba) para substituir Ty Nassé no instante de sua morte,
como suprema sacerdotisa de Engenho Velho. © desaparcci-
(8) 4. BRANDAO, "O Negro na Histérla de Alagoas”, Estudos Afro
-brestietres, p, 60.
(28) Ou ainda em eamuflar-se em. scitas espiritas, toleradas pela policia,
ou em socledades camarnlescas. O -Didrio da Tarde de 12 de abel de ash,
Bacife, observa = propésito de ume visita da policla ao centro eapiriin “Cal
Hidade e Amar de Jesus Cristo": “Os centros expiritas funclonam lvremence
guande munidos de ums autorizagie pollcisl. Aproveltando-se desta circtas~
tincis, os adeptos de Exu passaram a se dizer expiritas © @ que funclonave
{Wer sobre tose panto Goncalves FERNANDES, Xengde do
n
BR. 7-1
(20) Gongsives FERNANDES, 0 Sineretiamo Retigioeo, pp, 25-9.
(1) #. CARNEIRO, Canaombiés aa Bante, p. 2.
232/ mente do regime de escraviddo no ocasionow o fim desse yai-e-
7 -vem cnire os dois continentes. Um comércio bastante: préspero
de nozes de cola, de conchas, de sabao preto para o ritual ¢
outros objetos de culto continuou até hoje, se bem que haja
diminuido de intensidade depois do término da Primeira Guerra
Mundial.) Martiniano de Bomfim foi a Lagos para af apren-
der a arte da adivinhacao antes de se tornar o Babalaé mais
fameso da Bahia, e empregou toda sua autoridade, que cra
grande, para impedir a degeneracdo dos cultos africanos, e mes-
mo para reformar o candomblé de Opo Afonja para dar-the
cectas intituigdes que nao existiam no Brasil mas que vira ou
acreditava haver visto na Africa.(2?) Citamos mais acima o
caso do P. Addo que também féz a viagem para a Africa para af
se submeter ao ritual de iniciagao. Se, sem diivida, os negros
hoje nio podem mais pagar essa viagem, guardam, pelo menos,
preciosamente, ou uma Biblia em lingua ioruba ou jomnais da
Nigéria, a fim de manter, nao obstante a distancia, a ligacdo ao
menos espiritual com o pais dos antepassados.(2")
Contudo, essas intercomunicagdes entre o Brasil ¢ a Africa
podem explicar apenas a pureza dos mitos ou dos Titos dos
candomblés. Nao explicam sua existéncia atual, tanto mais
que esta existéacia nao é um simples fato de conservantismo
Popular, de sobrevivéncia foletérica, A religiao africana, como
Veremos em nossa segunda parte, € uma religido viva. Para que
ela nado desmoronasse com os abalos sismicos que sacudiam a
sociedade no momento da abolicSo, era preciso que desempe-
z. nhasse uma fungio itil e que as modificagdes da estrutura social,
f em particular, a aboliciio do dualismo senhores-escravos, Ihe
deitasse ainda um lugar na nova organizacdo do pais,
Se a escravidao separava as Tagas, Unia-as também como
vimos, permitinde uma certa participago do negro ma vida do
branco. A familia patriarcal constituiu, no caos social do Brasil,
a tinica organizacdo convergente c a tal ponto que Zimmermann
prefere chamdla antes “tutelar? que patriarcal porque estava
investida de uma funcdo de protecdio para com o povinho ¢ os
esctavos.(*) A abolicao, arruinande os grandes latifundi4rios,
Gos ‘batuaues de Porto Alesre me afirmaram que um epmércio m
fuirtia também entre @ Africa eo sul do Brail, mes nia pude veritice rs
fos Gecuméntos histéricos ou nas colegies de relhos jornats,
(28) Aludimon & cris¢éo doa 12 ministros de Xango, E dizemos “crera
oT Sa JMEBE de rer, porque se certos autorea afirmam que hi 12 Obes,
lesses minisiroe ehglobam tftuins extremamento hetero¢ences
(carta de P, Verger de 21 de aezombro de 1953).
(24) BIRRSON, op. cit., pp. 304-6.
(28) Citado por G. FREYRE, Sobrados ¢ Mucembos, 2* ed. p. 58.
(2) Sobre eae comércio, ver. D. PIERSON, op. cit. p. 303. Ox membros
jemethant
288destruiu uma das raras formas de solidariedade que existia no
Brasil, para deixar em seu lugar apenas a desordem de relacdes
interindividuais, apenas uma poeira de tomes incapazes de
formar novas moléculas sociais. A abolicdo, dessa maneira,
continuou ¢ agravou esse processo de distanciamento social que
-vimos principiar com as primeiras formas de urbanizagéio e que,
separando as racas muito mais que o engenho, tornou possivel
a formacao de candomblés._O primeiro grito do negro libertado
era: “Agora vamos ter casas com janelas ¢ porta do fundo",(2*)
¢ esse brado exprime bem em seu proprio simbolismo, o desejo
de escapar ao controle do branco (a porta de trés, por onde
‘podia sair sem ser visto, enquanto a senzala nao tinha mais que
a porta da frente, bem cm frente da casa do senhor ou do cascbre
do feitor), e também o desejo mais profundo ainda de comuni-
cagdo com o vasto mundo, de abertura sobre os valores europeus
(as janelas). E, de fato, aps a supressio do trabalho servil, o
primeiro impulso do ex-escravo foi de fugir de plantacio que
The lembrava a serviddo, para se precipitar no anonimato da
cidade grande.(?") Mas, em lugar da casa sonhada, nao devia
ai encontrar sendo 0 mocambo de barro seco, de teto de palmas
ou de gramineas, perdido na solidao dos charcos, fora da aglo-
meracdo dos brancos,(8) a favela de tibuas nas encostas es-
corregadias dos morros,(?*) o cortiga infecto nas casas aban-
donadas ou nos porées imidos.(°) Por certo, a segregacao
ecolégica do negro nao apresenta no Brasil o cardter racial dos
Harlem norte-americanos, nag ¢ imposta pelos brancos para se
protegerem de um contato por eles nfio aceito: é 0 produto
passivo de uma simples competicdio de classes econémicas por
um lugar ao Sol.(#) Porém, o resultado € 9 mesmo, o do
desaparecimento das protegdes do branco, da familia tutelar, do
paternalismo afctivo ¢ a intensificagao das distancias raciais. O
negro poderia sair indubitavelmente desta situagdo se tivesse
substituido esse paternalismo por um esforco pessoal de ascensao
social ¢ se pudesse se integrar facilmente na nova sociedade, de
(28) Felte BRZERRA, Bintas Seroipanas, p. 160.
(27) Hmitio WILLEMS, “MobUidade © Fiutuagéo das Frofiseses no Brasit™.
Ct. Cate PRADO Junior, Histéria Econdmies do Brasil, pp. 217-208, edre &
Opesiofie no Brasti moderno ao Brasil escravista.
(28) Sobre os murembos ou mocambos do Hecite, ver Josué de CASTRO,
Decumentario do Nardeste, J, Olymaplo, Rio, 1907, 198 pp. G. FREYRE, Mu-
cambos do Nerdeste, Publicacées de Sphan, ns 1, los. d. 10 pp.
(29) “Sobre us favelas do Rio, ver Censo dar Favelas, Rio, 1949, © L, A.
COSTA PINTO, O Negro no Rio'de Janciro, pp. 129-37.
2, Sound oa cortices de S. Paulo, ver, Ry BASTIDE © F, FERNANDES,
Baciais, p. 137
(1) COSTA’ PINTO, O Negro no Rio de Jeneiro, p. 122 ¢ segs.
234tipo capitalista ¢ industrial, que substituiria sob a Repiblica, a
antiga sociedade, aquela que fazia a riqueza ¢ o prestigio social
Tepousarem na posse da terra. Todavia, o antigo escravo, ndo
preparado para seu papel de cidadao livre, no soube logo se
transformar em “proletdrio” © substituir, assim, a antiga solida-
riedade familiar do engeaho ou da fazenda, por uma solidaricda-
de de classe;(**) ja apds a extingdo do tafico negreiro ou de sua
‘ diminuigdo, quando 0 nimero de negros livres ja aumentando
sem parar no Brasil, em detrimento dos escravos, esta libertacio
nao se traduziu sen@o pelo aumento da prostituigo ¢ da vaga-
bundagem; as estatisticas salientam, nesse caso, um grupo cada
vez maior de “inativos”.(2*)
A abolicio vai precipitar ainda esta desagregagio da co-
munidade negra. Os antigos escravos vao formar, nio um
proletariado (a proletarizacio do negro é um fendmeno poste-
) ‘tor, que marca uma primeira promocao), mas sim um Ltempen-
proletariat que, em parte, explica as esteredtipos que se criaram
entio do negro preguicoso, alcodlotra ou ladrio, do vagabundo
vivendo as custas das mocas (as jovens negras adaptaram-se
mais facilmente-que os homens & nova sociedade urbana como
domésticas, aias, cozinheiras ou lavadeiras), Na competicao
econdémica que o capitalismo industrial incipiente desenvolve, 0
negro escuro € yencido pelo mulato e este, por sua vez, pelo
imigrante europeu ou por seus descendentes. Mas, no se deve
crer que esta atomizacSo da classe de cor seja um fendmeno
puramente urbano. Pierre Denis deu uma desericao util do
negro rural do Estado de Minas, as vésperas da Primeira Guerra
Mundial, opondo uma resisténcia Passiva ao trabalho regular ¢
vigiado, néio obstante a formagao de equipes sob 0 comando de
feitores (“menos o litego, sua funcdo € aquela dos guardas dos
tempos da escraviddo”), nfo prestando seu concurso a0 agricul-
tor branco sendo dois a trés dias por semana quando precisava
de dinheiro, essencialmente mével, nunca se fixando num mesmo
lugar, passando de uma Tazenda a outra ao sabor de seu capricho
OK oa de sua indoléncia.(**) A atomizagfo social ai se verificava
da mesma forma que na cidade. No Nordeste da cana-de-acicar,
(32) T. SHPELLE, 1 Sincrerisms Religiose Afro-Cattolico, p. 40, nota
bem a importants da aificuldade de nesro emi se Inserlr rio GovG cielo
Drodutive do Brasil republiceno, como ume das evusss cn conserrarke dos
we) Sites VIANA, Fopilosdeo Meridioncis, cap. %. Hx 382%, para
tego o Brasil, 2822583 peatoas sem ocupagio deitnids, ou seja, mall de
50% da populagéo livre,
(3a) Pierre DENIS, Le Brésil au XXe Siécte, cap. 12, adbre as “popu-
IngGes megras™,
235a antiga fraternidade que unia o senhor de engenho com a paisa-
gem, com os caboclos ¢ com seus escravos, foi substituida por
relagdes desumanizadas do usineiro para com seus empregados,
que para ele nfo passavam de cifras inscritas intercambiaveis €
de acessérios da maquina. A crianga abandonada cresce sozinha
nos canaviais; a familia desorganizada se restringe ao concubina-
to; o homem sente-se sem apoio, completamente isolado, pronto
a se lancar no abismo que © atrai, a sexualidade, a aguardente,
movido pela yontade de autodestruigdo de sua prépria personali-
dade que © meio social nZo quer mais reconhecer.(®°)
Nesta atomizacio ¢ desumanizacao das relagdes humanas,
© candomblé permaneceu o tnico centro de integracao possiyel.
Na medida em que houve uma reconstituigio do povoado
africano, com suas regras de confraternizacao religiosa € seus
modelos de assisténcia mitua, como também esta afetividade que
ligava seus membros, tornou-se (o candomblé), para esta popu-
lagdo, subitamente abandonada a si mesma, o reftigio e o apoio.
‘O que escreve Costa Pinto a respeito. da macumba do Rio de
hoje, era evidentemente ainda mais verdadeiro para as seitas
africanas logo em seguida A supresso do trabalho servil:
© prestigio de seu Mder espiritual e sua posig%io no culto, 0
leva a manter um contato amigdvel ¢ constante com a policia
de bairro; sua situagaa cconémica lhe permite ajudar alguns pro-
sélitos em sew inforttinio; suas relagoes pessoais com os membros
de uma classe superior, sua maior habilidade mental ¢ oral, fazem-
“no um lider latente, freqiientemente um lider efetive, no pequeno
mundo de seu burgo. (28)
Se se acrescenta que a Constituigio da Reptiblica procia-
mava © sufragio universal, compreende-se que os candidatos as
eleigGes estivessem imediatamente interessados em ganhar os
sufragios desses Ifderes, 0 que acarreiaria os de todo o grupo dos
fiGis; mas era preciso negociar este apoio, ¢ esse negécio permitia
ao homem politico substituir, para o todo integrado da seita, o
desaparecido senhor de engenho, se tornar o senhor tutelar, apoia-
(35) S80 principaimente romancistas como José LINS DO REGO para s
regio de Pernambuco (com neu ciclo da cana-de-scicar, do bangle & usina)
¢ Jorge AMADO para a regiso da Bahia ou de Hnéus que desereve 0
Gestino, desta plebe do Nordeste. Do ponto de vista socloléeico ou do
Beografia humans, ver o preficia de G. PREYRE, ao livro de Julio BELLO,
Memérias de um Senhor de Engenko, J. Olympio, Hilo, 1988, XXXII-235 pp.
© livro de Limelrs ‘TEIO, Brejos ¢ Cérrasedes do Nordeste, pp. 25-19; os
estudos de Glévis AMORIM, “O Moleque de Canavial”, O Nepro no Brasil, pp.
Ti-4 e de Jorino de RAIZ, "O Trabslhader Negro no Tempo do Bangue Gom-
parado com o Trabsthador Negro no Tempo das Usinas de Agicar”, in Fstudoc
Afro-brasileiros, pp, 191-4,
(88) COSTA PINTO, op. clt., p. 244.
236do pelo Babalorixa patriarea, Esta é, parece-me a razto princi-
pal que permitiu is scitas religiosas africanas resistir vitoriosa-
mente € mesmo se consolidar sociologicamente na grande crise
que marca o inicio da era republicana.
Todavia, para sobreviver, deviam se adaptar a condicées
sociais novas ¢, de inicio, ao desaparecimento dos africanos,
Os calundus estavam ligados As “nagdes” © seus ritos come
suas divindades variavam segundo essas “nacies”; a cabula
banto se distinguia do candomblé ioruba e este do Tambor de
Mina daomeano. Eis que, dessa mameira, cessa o recrutamento
étnico, mais ainda os casamentos se fazem entre as etnias mais
diferentes(*) © as criancas nascidas dessas unides so “crioulas”
sem nenhuma ligacio com uma tradic¢ao determinada. £ evi-
dente que esses casamentos levaram a um sineretismo entre os
costumes das “nacdes” africanas outrora rivais; encontra-se
ula “me d'égua” gurunci numa casa de candomblé ketu: (34)
ouvemse canticos congueses nos terreiros angola... Porém, em
geral, cada seita conservou a tradic#o étnica de seus funda-
dores; produziu-se assim uma dissociacdo entre a origem tribal
¢ a civilizacdo, entre a etnia e a cultura, gracas a qual o antigo
calundu pode se conservar nao obstante A Miscigenacio: mas
Seu recrutamento nao mais se faz num tinico Povo ja que nao
hd mais povos; obedece a outras leis, como a de vizinhanca,
a de prestigio dos chefes de culto, ou de amizade.(*) q
Se a abolicao desagregou a comunidade da classe negra,—
aumentou também os contatos, se bem que informais e mais cul-
turais que saciais, com o mundo dos brancos, O negro viu-se |
Preso nas lutas dos partidos politicas, na concorréneia econd.
mica no mercado de trabatho, ¢ como a Igreja, seguindo mo-
vimento de integtagdo de todos as brasileiros numa s6 sacie-
dade mudava de atitude ¢ se dirigia agora contra o dualisme ~
de uma igreja negra distinta da igreja branea, viu-se também
envolvido nas grandes festas, nas procissSes, nos congressos
satélicos, reunindo as massas populares sem distingao de origem |
ou de cor. Este aumento de contato com o mundo luso-bra~ >!
sileiro, verificando-se no momento exato ‘m que diminuiam
Cie eT oenamAMIO, © v6 do atual atorixt de Engenho Velho ora wa
ee aie Se cosera com Uma Gége-Mabum, Um Esha de senme oga eeaee
Bente, Pang ortba. segunda 0 rita caistico ¢ o rito mugulmano antieen
Mehte. FRAZIER, op. cit. pp. 473 e415.
og Otte PERRAZ, “AS Culturas Negran no Novo: Mundo", Bol, d'Arie,
Be 8, 1938, p, 380,
(33)
tamentoos contates com a Africa, ocasionou um esfacelamento dos
valores, das normas ¢ das crencas ancestrais. O negro respon-
deu a isso pelo que propusemos chamar de “principio de
corte”.(*°) Escapou a lei do “marginalismo” edificando em seu
interior uma barreira quase intransponivel entre os dois mundos
opostos que nele habitavam, o que Ihe permitiu uma dupla fi-
delidade a valores freqiientemente contraditérios. A Psicologia,
que Stonequist tornou célebre, do homem marginal,(#) se se
aplica a0 negro alienado do sul do Brasil; nao se aplica, em
compensacao, ao negro fiel & Africa de seus pais. O dltimo
vive com toda tranqiiilidade nas duas culturas simultaneamente,
sem que essas duas culturas se choquem, se interfiram ou se
misturem. Parafrascando Pasteur, poder-se-ia dizer que quando
entra em seu sindicato, em seu grupo profissional ou quando
vai ad mercado, fecha a porta de seu pegi c, da mesma for-
ma, quando entra no pegi, deixa na entrada suas vestimentas
de brasileiro, sua mentalidade em contato com o capitalismo,
por uma economia baseada no dinheiro e por uma sociedade
fundamentada em modelos ocidentais. Este “corte”, do qual
se encontrara, demais, equivalentes entre as “evoluides” dos ter-
Titérios africanos,(‘*) nada apresenta de doloroso, ndo é um
rasgio ou uma automutilaco. £, pelo contréric, a solucéo
mais econémica ao problema da coexisténcia pacifica de dois
mundes numa tnica personalidade. O candomblé gragas a éle
pode assim resistir vitoriosamente aos assaltos da sociedade-am-
biente que podiam se organizar contra cle,
Por certo, 0 corte nao pode ser total. As seitas africanas
ngo esto inteiramente incélumes as influéncias sutis que nelas
se insinuam vindas do mundo dos brancos, Teremos que estu-
dar mais além essas influéncias, como também seus limites,
examinando os fenémenos do sincretismo. Em todo caso, elas
sentiam © perigo, ¢ para resistir esto hoje fortificadas numa
Jealdade, tanto ‘mais tenaz ¢ resoluta, aos valores herdados de
seus fundadores. A esta Couto Ferraz chamou de “retorno A
Africa’”,(*) que se traduz nos fatos pela unio de todas as seitas
tadicionais numa federacao ¢, por ela a cxcomunhio de scitas
401 BR. BASTIDE, “Le Principe de Coupure ct le Comportement mréste
Men", 46., 082., pp. 407-08 ,
(a) B cncuwaty, “iviaare deh Sealine abe RR ES op teta
nirme au Xe Sidolo, 20-21-1849, p. 21
(43) A. de COUTO FERRAZ, "Volta A Africa", R.AM,S.P., LIV, 1939, pp.
115-78,
288“sineretizadas”.(*4) Assiste-se atualmente a um movimento de
purificagao dos candomblés, em reagdo contra o aviltamento da
macumba, bem como a um aprofundamento da {6 teligiosa
de seus membros.
A politica republicana, por oposi¢o ao dualismo colonial
ou imperial, foi uma politica de integracio nacional. Existia
no século XIX uma integracio dos melhores elementos da
classe decor e falamos da ascenstio do mulato: porém, esta
integragao era apenas integracdo de individuos slecionados, dei-
xande fora a grande massa de negros. A politica republicana,
ao contrario, foi de integracdo de todos os brasileiros sem dis.
tinge: caboclos, mestigos de indios, negros, imigrantes euro-
Peus ou japoneses, de criagdio ndo sé de uma comunidade de
interesse, mas também e principalmente uma comunidade de
crencas ¢ de sentimentos. Ora, esta homogencizacao de peasa-
mentos ¢ de atitudes ia aparecer como 6 maior obstéculo a
continuagao das scitas africanas. © Estado substituia agora a
familia tutelar e se sua protecdo no tivesse o cardter afetivo que
tinha antigo regime de patriarcado, ajudava ainda assim a
metamorfose da plebe desorganizada num proletarinde cons-
ciente; favorecia a inclusio do Megro no novo sistema de pro-
dugio capitalista, a formagio de uma pequena burguesia de
cor. Ora, todos os observadores estio de acordo em reconhecer
que esta ascensio se fez em detrimento dos valores africanos.
Os caracteres culturais, tais como o eandomblé e 0 culto de
Janaina, passam por ser o sinal de uma condieio social humilde,
esereve Hutchinson a propésito dos negros rurais, ¢ 03 que desejam
se clevar socialmente fazem questo de se dissociar dos grupos que
conservaram essa caracteristica.(45)
Pierson faz observacbes anflogas em telagio ao negro
urbano. Estudando o desenvolvimento da instrugio no povo,
notando que esta istrugdo nao se faz em escolas separadas,
mas em classes nas quais os negrinhos sentam-se nos mesmos.
bancos que os brancos antes de se recrearem juntos no mesmo
(44), © Dim desta tederacio ¢ “manter ¢ orlentar & religiso afro-brasticim.
a0 interior do ritual deixado pelos antepascades”, “de evitsr & intervencio
dizeta das socledades ‘filiedas nas festa do Carsiaval com objetos pertens
“a federacio tera autoridade sobre ag sockc-
dades Mllades & fim de quo nfo se pratique abuses ao ctlto © faa to
Hto eetabelecido pelos ancestris"; amenca, n&o apenas ellminuctas de fede.
ragSo, Tas ainda “caesar seu ditelto de praticar 9 culto”, sem que s6 rola,
ailis, como paderla ela cxercer esse dineizo,
(5) H.W. HUTCHINSON em Ch. WAGLEY, Races ef Classes dans te
Brésit Rurat, p. 4
239patio de recreio ou na rua,(**) assinala que as novas geracdes,
20 contrério das antigas, desprezam ou zombam dos candom-
blés.@") Essas’ observacGes so perfeitamente justificdveis; a
grande maioria das “filhas-de-santo” recruta-se ainda na massa
economicamente desfavorecida e intelectualmente mais ou menos
analfabeta.(*) © candomblé acha-se, pois, em presenga hoje
de uma verdadeira prova de forca, mas nao podemos ainda
predizer se saber4 adaptar-se a esta nova situacdo ou se pere-
ceri. Entretanto, © que devemos notar, para terminar, € que
hoje se encontram cada vez mais entre seus membros, advoga-
dos, comerciantes ricos, artestios abonados e que scus sacer-
dotes ou suas sacerdotisas sdo capazes de discutir com rara inte-
ligéncia com ctndgrafos de passagem assim como de responder
com sutileza as objec6es que se Ihes faz. Devemos observar
também que se esse movimento de integracto prejudicou as
scitas tradicionais, nfo prejudicaria as seitas mais ou menos
sincréticas cujo mimero, em vez de diminuir, como yeremos,
aumenta dia a dia.
De qualquer maneira, no que diz respeito ao futuro ¢ nio
ao presente, o candomblé ¢ outros tipos de religiao africana
tém resistido a todos os caos estruturais, encontrando sempre
© meio de se adaptar a novas condicées de vida ou a novas
estruturas sociais; chegou 0 momento, pois, de estudé-los em
suas formas atuais,
(48) _D. PIERSON, “The Educational Process and the Brosilian Negro”,
Amer, Journ. of Sociology, XLVI, 6, 1048, p. 692 © megs.
(i) D, PIERSON, Broncos # Pretos na Hahia, pp, 80-24.
(43) & CARNEIRO, Condomblés da Bahia, pp. 10-81
240Titula do original em francés:
Les Religions Africaines au Brésil
Vers une sociologie des interpénétrations de civilisations
© Copyright
Presses Universitaires de France, 1960
Capa de
Jairo Porfirio
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